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SESSÃO DE 24 DE AGOSTO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Conde de Fonte Nova

(Assistem os srs. presidente do conselho e ministro da marinha.)

Pouco depois do meio dia, tendo se verificado a presença de 19 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a adherir, com o additamento proposto pela França, aos artigos addicionaes á convenção de 22 de agosto de 1864, destinada a melhorar a sorte dos militares feridos em combate, assignados pelos delegados das nações, representados na conferencia internacional de Genebra.

Um officio da presidencia da mesma camara, remettendo para ser presente á camara a proposição sobre a approvação do tratado do commercio e navegação entre Portugal e a Turquia.

Um officio da presidencia da mesma camara, remettendo a proposição auctorisando o governo a mandar pagar a D. Georgina Hocking Sewel a importancia dos soldos que o estado ficou devendo ao fallecido coronel reformado Guilherme Henry Sewell.

Um officio remettendo para serem distribuidos pelos dignos pares os exemplares da estatistica e do rendimento da alfandega municipal de Lisboa do anno economico de 1868-1869.

Teve o competente destino.

O sr. Felix Pereira de Magalhães: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

Peço a urgencia e dispensa do regimento.

Foi approvado o requerimento.

O sr. Visconde de Algés: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre a materia do projecto de lei n.° 63, que contém uma auctorisação ao governo para attender ás reclamações da companhia do caminho de ferro de norte e leste.

Sr. presidente, correndo o risco de incorrer nas iras do meu nobre amigo e collega, o sr. Fernandes Thomás, tomo comtudo a ousadia de pedir a v. exa. que consulte a camara se dispensa o regimento para que este projecto, que é de notoria importancia, entre hoje mesmo em discussão, dispensando se portanto a impressão e bem assim o tempo marcado no regimento.

Consultada a camara sobre a dispensa do regimento, resolveu affirmativamente.

O sr. Larcher: - Julgo que v. exa. e a camara concordarão na conveniencia de poderem ser examinadas com a maior brevidade possivel as contas relativas ás obras d'esta casa, a fim de que se possam liquidar e satisfazer os debitos que ainda existem; n'esta idéa requeiro que seja convidada a commissão especial encarregada do exame d'essas contas, para accelerar quanto possivel os trabalhos que lhe estão commettidos.

O sr. Conde d'Avila: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Os dignos pares ouviram o justissimo pedido do digno par, o sr. Larcher; no entanto vou dar primeiro a palavra ao sr. conde d'Avila que a pediu, o qual provavelmente dará as explicações necessarias sobre este assumpto.

O sr. Conde d'Avila: - Sr. presidente, vejo que o digno par o sr. Larcher tem toda a rasão no seu pedido, e eu julgo interpretar os sentimentos de alguns membros da commissão, asseverando que ella sente muito não ter podido já dar o seu parecer, porque infelizmente alguns membros da commissão estão ausentes; no entanto, se a camara conviesse, a commissão poderia reunir-se no intervallo entre esta e a proxima sessão legislativa, a fim de proseguir nos seus trabalhos e dar-lhes uma solução. Pela minha parte declaro que hei de não só comparecer, mas convocar a commissão para que se occupe d'este negocio, que é necessario resolver.

Para esclarecimento, posso já dizer á camara que o primeiro trabalho que fizemos foi examinar todos os numerosos documentos, sobre que se baseia a conta que nos foi apresentada. Este trabalho está muito adiantado, e com algumas sessões mais ficará ultimado. Se a camara resolver que a commissão possa reunir-se durante o intervallo das sessões, dando depois conta á camara logo que esta esteja reunida, pela minha parte, repito e assevero que hei de fazer tudo que seja possivel para que se ultime este trabalho, que, como disse, está muito adiantado. Infelizmente o sr. Casal Ribeiro ausentou-se de Lisboa; o sr. Margiochi não tem podido comparecer, nem o sr. Baldy, com a sua costumada assiduidade. São estes os motivos pelos quaes a commissão, que é composta de cinco membros, não tem podido satisfazer como desejava a tarefa que lhe foi incumbida.

O digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, por mais de uma vez me tem instado para que faça reunir a commissão, e folgo de prestar agora este testemunho a s. exa.

O sr. Larcher: - Sr. presidente, eu agradeço as explicações que o sr. conde d'Avila teve a bondade de me dar, e rogo a v. exa. que consulte à camara sobre se auctorisa a commissão a reunir durante o intervallo das sessões.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Pedi a palavra para dizer que esta commissão foi nomeada ha muito tempo, e que é necessario que dê o seu parecer. Ora, o sr. conde d'Avila acaba de dizer que lhe parece não haver inconveniente em que a commissão trabalhe durante o intervallo das sessões; mas eu declaro que não posso obrigar-me a ficar em Lisboa durante o tempo d'esse intervallo, porque, quando se encerrar o parlamento, talvez saia da capital para tratar da minha saude, e assim, emquanto estiver fóra de Lisboa, não poderei assistir ás reuniões da commissão. Se porém ficar em Lisboa, com muito gosto comparecerei.

Ê isto o que tenho a declarar, e a camara resolverá como melhor entender.

O sr. Conde d'Avila: - Sr. presidente, parece-me que o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, não ouviu bem o que eu disse.

Não houve perda alguma de tempo com relação aos trabalhos da commissão encarregada de examinar as contas das obras d'esta casa. A commissão tomou por ponto de partida as ultimas contas ou parecer que foi apresentado em janeiro de 1866; mas d'essa epocha até agora tem-se accumulado uma tal immensidade de documentos que foi necessario comparar e extremar os documentos com relação á conta antiga, e examinar aquelles que dizem respeito á conta nova. Isto era um trabalho muito grande, trabalho que a commissão não poderia fazer só, e v. exa. sabe perfeitamente que eu pedi alguns empregados para se encarregarem d'este trabalho, o qual sei que já está muito adiantado, porque esses empregados têem feito esse serviço com muito zêlo e assiduidade.

A commissão resolveu que todas as duvidas, que estes empregados encontrassem no exame d'aquelles documentos,

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fossem mencionadas n'um relatorio especial para serem resolvidas pela commissão; e já estou informado que poucas duvidas appareceram, e portanto a commissão poderá em mui poucas sessões dar o seu parecer, o que não tem já feito porque dos cinco membros nomeados para comporem a commissão só eu e o sr. visconde de Fonte Arcada é que temos podido comparecer com assiduidade, porque o sr. Casal Ribeiro, depois que foi nomeado, não póde ainda comparecer na commissão, e eu não podia dispensar a sua presença, não só porque s. exa. é muitissimo competente, mas por ter sido membro da primeira commissão, O sr. Margiochi tambem não tem podido comparecer por motivo justificado, e v. exa. sabe que aquelle digno par nunca se recusa a trabalho algum, e foi até secretario da commissão que tomou as primeiras contas.

Emquanto ao sr. Baldy que tambem não tem podido comparecer, v. exa. vê que eu não podia de fórma alguma dispensar a presença d'este digno par. Qualquer dos membros da commissão, cujos nomes acabo de proferir, tem muita auctoridade na camara, e a commissão carecia por tanto do seu concurso para redigir um parecer que merecesse a approvação da camara.

O digno par o sr. visconde de Fonte Arcada é testemunha de tudo isto, e eu faço justiça a s. exa. porque por mais de uma vez o nobre visconde me pediu que se concluissem aquelles trabalhos; porém não estava na mão da commissão fazer mais do que aquillo que tinha feito. Agora se a camara entender que ha de dar uma auctorisação para que a commissão trabalhe no intervallo das sessões, eu estou convencido que o sr. visconde de Fonte Arcada se não recusará a comparecer ás reuniões da commissão, porque s. exa. tem bastante patriotismo e dedicação pelo serviço publico, para fazer o sacrificio de comparecer na commissão. E o que digo com respeito ao nobre visconde, digo o com relação aos outros dignos pares. Portanto, sr. presidente, concluo dizendo que, se a commissão receber aquella auctorisação da camara eu estou convencido de que ella apresentará os seus trabalhos logo no principio da proxima sessão.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, quando ha pouco fallei, não quiz fazer censuras a ninguem; eu disse simplesmente que tendo esta sessão sido muito trabalhosa, e tendo eu a saude bastante deteriorada, talvez saísse de Lisboa, mas se não sair não tenho duvida de assistir ás sessões da commissão.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a proposta feita pelo sr. Jayme Larcher para que a caçoara auctorise a commissão especial encarregada de examinar as contas das obras d'esta casa a funccionar no intervallo d'esta á proxima sessão, tenham a bondade de o manifestar.

Foi approvado.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, pedi a palavra na idéa de que o sr. ministro da justiça se acharia na sua cadeira, porque tenho de...

O sr. Presidente: - Na mesa não se ouve nada do que v. exa. está dizendo.

O Orador: - Se não se ouve, não é por culpa minha, mas sim por causa d'esta especie de borborinho que custuma haver nos ultimos dias de sessão; porém fallarei mais alto.

Dizia eu, sr. presidente, que pedi a palavra na idéa de que se acharia na sua cadeira o sr. ministro da justiça, porque tenho de fazer diante de s. exa. algumas reclamações e acompanha-las de diversos commentarios, mas, como se acham presentes dois membros do ministerio, os srs. ministros da marinha e presidente do conselho, aproveito esta occasião para dizer na presença de s. exas. o que tinha tenção de dizer ao sr. ministro da justiça.

Eu tenho recebido differentes cartas do districto de Coimbra, e ultimamente recebi uma de um parocho e arcipreste, pedindo-me que levante a minha voz n'esta casa do parlamento, e advogue os direitos e os legitimos interesses dos parochos, fazendo ver o estado em que ficarão depois da desamortisação, e sobretudo no em que desde já se acham depois da publicação do codigo civil, que pelo artigo 2116.° lhes retirou o beneficio que tinham dos sufragios, ficando obrigados, para poderem receber as suas congruas, a citarem os parochianos, indispondo se com elles, e tendo de sustentar demandas, o que os reduz a um estado precario, que é muito prejudicial para elles e para o bem publico.

Eu queria dizer isto na presença do sr. ministro da justiça, porque hoje é o ultimo dia de sessão, e tenho que ficar silencioso até janeiro, o que não me agrada muito, porque eu gosto do parlamento, para certas expansões, que são convenientes, e mui proprias do meu genio e indole.

Peço, pois, aos srs. ministros que se não descuidem de apresentar na proxima sessão um projecto para a dotação do culto e clero, a fim de acabar de uma vez com este estado de incerteza em que se acham os ministros da religião.

O governo acha-se munido com as auctorisações mais amplas que um parlamento pede conceder a qualquer gabinete; e o paiz espera muito do talento dos srs. ministros; espera das promessas contidas nos discursos da opposição, que s. exas. pronunciaram contra o ministerio passado, e dos compromissos que, por assim dizer, tomaram para com a sociedade e para com o paiz. Foi n'este intuito que muitos cavalheiros de diversos partidos prometteram ao governo o seu apoio. N'esse numero me conto eu, porque devia esperar, como espero, que s. exas. correspondam ás suas palavras, aos seus actos passados, ás suas promessas, e que não desmereçam dos seus talentos, aproveitando-os em beneficio da patria.

Foi só debaixo d'este ponto de vista que eu entendo que se concederam ao ministerio tão amplas auctorisações; e por consequencia, fica pesando sobre s. exas. a maior responsabilidade. Correspondam, pois, á confiança do paiz, e continuarão a merecer o apoio de todos os homens de bem, que o dão consciencioso e independente, qualidades que não podem estar separadas; não póde ser consciencioso o apoio que não for independente, nem póde ser independente sem ser tambem consciencioso.

São estas as ultimas palavras que pronuncio n'esta sessão; e anima-me a esperança de que na proxima possa applandir-me do apoio promettido n'estas considerações. É isto o que eu espero da experiencia de uns, do talento de todos, e da grave responsabilidade que tomaram sobre seus hombros em circumstancias tão difficeis como as actuaes. Nem o sr. duque de Loulé, experimentado ha muitos annos nas lides parlamentares e no manejo dos negocios, tomava sobre si um encargo de que, ajudado pelos seus collegas, não podesse desempenhar-se, porque não foi de certo a ambição do mando, e das honras, que já tem em tanta abundancia, que moveram a s. exa. mas sim o amor da sua, patria.

É dever de seus filhos servi-la com todo o ardor e com toda a dedicação, porque nunca tanto como agora careceu dos esforços reunidos de todos aquelles que se honram de ser seus filhos.

Já que estou de pé, e para não estar a pedir a palavra umas poucas de vezes antes da ordem do dia, aproveito a occasião para fallar em outros assumptos.

Não sei se já foi recebida na mesa uma representação assignada pelo sr. Joaquim Possidonio Narciso da Silva, bem conhecido architecto d'esta capital, e creio que presidente da associação dos architectos, na qual representação se allude a um acto de vandalismo, que não póde deixar de contristar, não só os chamados antiquarios, como todos os homens que se interessam pela conservação dos nossos monumentos historicos. Fez-se venda, creio eu que por engano, em Alcobaça de uma propriedade dentro da qual se acham os tumulos de alguns dos nossos réis.

A representação a que alludo é, segundo me consta, dirigida ao presidente da camara dos dignos pares. Talvez já tivesse sido recebida na mesa, e até lida, sem eu dar por

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isso, o que não admira em presença da grande affluencia de projectos de lei que de todos os lados se têem apresentado; porém, quer fosse lida quer não, eu peço a v. exa., no caso de a ter recebido, que, tomando a na devida consideração, a faça chegar ás mãos do governo, a fim de que se effectue a devida reparação, indemnisando o comprador e procedendo de modo que o estado não perca a posse de um monumento tão importante como aquelle de que se trata.

Agora passarei a outro assumpto.

Dizem-me que na nossa camara vagou um dos logares de aspirantes de tachygraphia. Não sei se já foi, provido o referido logar, mas sei que houve quem o solicitasse, e até alguns dos interessados se dirigiram a mim e me fallaram n'este negocio. Eu perguntaria á mesa se effectivamente foi já provido o mencionado logar, e se o não foi, o que é muito possivel, em rasão dos muitos trabalhos que tem havido n'esta camara, pediria a v. exa. que désse as ordens necessarias para ser provido.

(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)

Sr. presidente, vejo entrar o sr. ministro das obras publicas, e não posso deixar de repetir diante de s. exa. o que ha pouco disse. Fez-se venda era Alcobaça de uma parte do convento onde estão os tumulos de alguns dos nossos réis, o que, creio eu, não succedeu senão por engano. Peço pois ao sr. ministro que desfaça o engano, e tome as medidas necessarias para que o estado não deixe de ficar de posse de um monumento tão notavel como é este a que me refiro.

Um distincto architecto d'esta capital dirigiu uma representação n'este sentido ao digno presidente d'esta camara, a quem já pedi para a fazer dirigir ao governo, a fim de providenciar como for conveniente. Nada mais direi a este respeito; e como me estou dirigindo a um homem tão importante como é o sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, não posso deixar de lhe dizer o mesmo que já observei aos seus collegas. O governo acha se munido de amplas auctorisações; grave responsabilidade cabe ao parlamento por lhas ter concedido, mas muito mais grave é a que pesa sobre os srs. ministros que por tal fórma aceitaram ou se impuzeram uma bem ardua tarefa. Confio em que s. exas. hão de saber desempenhar se d'ella, e que aquelles que dão o seu apoio ao ministerio não terão de arrepender se dos votos de confiança com que honraram o governo. Muito é de esperar do talento e dedicação dos nobres ministros, e estou certo que hão de procurar levar ao cabo a obra da regeneração politica d'esta terra, e hão de realisar as idéas apresentadas nos seus discursos de opposição ao ministerio caído.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Duque de Loulé): - Sr. presidente, permitta-me v. exa. em primeiro logar que eu dirija ao digno par, que acaba de fallar, os meus agradecimentos pelas benevolas expressões que s. exa. me dirigiu. Emquanto á questão do clero, o governo não, póde deixar de a ter em muito grande consideração, mas sem que por isto se entenda que eu possa comprqmetter desde, já o governo a apresentar na proxima sessão uma lei sobre a dotação do clero, porque como este negocio é privativo da repartição do ministerio da, justiça e como o meu collega está ausente, eu não posso dizer mais nada. (O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.)

Creio, sr. presidente, ter respondido ao mais essencial em attenção á necessidade que temos de aproveitar o tempo, e portanto concluo pedindo desculpa do meu laconismo.

O sr. Reis e Vasconcellos: - Sr. presidente, está pendente n'esta camara o requerimento de um cidadão que pretende ser admittido a tomar assento n'esta casa por direito de hereditariedade. A commissão logo que foi nomeada entendeu que, alem das rasões de justiça, pelo principio da civilidade e delicadeza devia fazer a diligencia de dar uma decisão prompta.

Reuniu-se pois, e fez-me a honra de nomear relator. Portanto n'esta qualidade, cumpria-me primeiro examinar o processo; assim o fiz; e tomei uma deliberação que estou certo ninguem poderá condemnar, que foi chamar o supplicante para me ministrar alguns esclarecimentos, e effectivamente tive com elle tres ou quatro conferencias. Eu quiz ser muito escrupuloso no exame do negocio, sobre o qual esta camara já ha dois annos se tinha pronunciado de uma maneira não igual á de outros requerimentos do mesmo genero. Portanto o caso era grave e merecia todos os escrupulos no seu exame.

Depois de ter feito o meu juizo a respeito do negocio, não desfavoravel ao requerimento, provoquei uma reunião da commissão, porém, por circumstancias que não referirei agora para não cansar a camara, nunca se póde reunir pois que o sr. José Lourenço da Luz tem estado doente. O sr. marquez de Sá era ministro. V. exa. presidente da camara, obrigado a estar aqui e a ir aos conselhos de estado. O sr. conde d'Avila doente, e quando s. exa. diz que está doente, é porque o está verdadeiramente, pois que ninguem trabalha com mais assiduidade.

O caso foi que nunca se poderam reunir quatro membros. V. exa. sabe que eu estava aqui á uma hora dada; porém aquellas circumstancias fizeram com que não podesse apresentar á commissão um parecer, que viesse á camara, acompanhado de todos os documentos, bastantes para fundamentar uma concessão clara, definitiva e incontestavel. Não parece portanto culpa da commissão, nem do relator, em ficar pendente aquelle requerimento, que aliás merece a mais prompta decisão, mas que sobretudo merece que esta seja prompta e conforme á lei.

O sr. Presidente: - Com referencia á representação que me foi entregue pelo sr. Joaquim Possidonio Narciso da Silva, architecto da casa real, vou expor o facto á camara.

O sr. Silva communicou-me que tinha ido ha muito tempo visitar o historico edificio de Alcobaça, e que então soubera que havia sido vendida a capella monumental em que se acham os restos mortaes do Senhor D. Pedro I, o Cru ou o Justiceiro, e de D. Ignez de Castro, e observara que o comprador mandára fazer um celeiro na area que fica sobre a abobada d'aquella capella, facto este que não póde deixar de ser considerado como um acto de vandalismo (apoiados).

Vou mandar remetter ao sr. presidente do conselho a representação que me foi entregue, porque estou certo que s. exa., que tem todo o zêlo pelas glorias nacionaes, tomará as providencias necessarias, para que se evite um caso d'esta ordem.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Cumpre-me declarar que não só eu, mas todas os meus collegas, havemos de tratar de evitar, pelos meios ao nosso alcance, o acto que v. exa. tão propriamente classificou de vandalismo (apoiados).

O sr. Conde da Ponte: - Mando para a mesa um parecer da commissão de negocios externos, e peço a v. exa. que se dispense o regimento para entrar hoje em discussão, e apenas haja opportunidade.

Leu-se na mesa.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): - Li nos jornaes, pois não estava presente, que o sr. marquez de Sousa apresentára uma proposta para se nomear uma commissão que formule um projecto de reforma d'esta camara; desejava portanto, que V. exa. me dissesse se esta proposta entra hoje em discussão, porque, segundo dizem os jornaes, ella deve ter a segunda leitura n'esta sessão?

O sr. Presidente: - Cumpre-me informar o digno par que, o sr. marquez de Sousa mandou a sua proposta para a mesa, e que ficou, segundo dispõe o nosso regimento, para ter hoje segunda leitura, e entrar em discussão se for admittida pela camara, mas, como o auctor da proposta não está presente, não creio que se possa tratar d'ella (apoiados).

A camara ouviu ler na mesa o parecer da commissão de negocios, externos, e ouviu o pedido feito pelo sr. relator d'esta commissão para que se dispense o regimento a fim do projecto poder ser discutido, com urgencia. Trata-se

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de uma convenção, que tem um praso marcado para ser approvada, e se ella não o for dentro d'esse praso, Portugal ficará privado das vantagens que lhe hão de resultar.

Consultada a camara sobre a urgencia d'este parecer, resolveu affirmativamente, assim como resolveu tambem que a sessão secreta para tratar d'este assumpto se verificasse no fim da sessão publica.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o estado era que se acha a estrada de Abrantes á Covilhã.

Esta estrada está cheia de enormes precipicios, pelas más condições em que está construida, tem aterros e desaterros enormes sem guardas, donde resulta todos os dias termos que lamentar algum acontecimento triste e deploravel; os desastres são quotidianos.

Chamo igualmente a attenção de s. exa. para o estado em que se acha o districto de Castello Branco, aonde, a par de uma grande falta de trabalho, se dá tambem uma crise alimenticia, porque as colheitas foram muito escassas, e as classes pobres estão lutando com todos os horrores da miseria; parecia-me pois conveniente que o governo mandasse proceder a algumas obras publicas n'aquelle districto, e como os estudos da estrada de Castello Branco á Guarda já estão acabados, lembrava que se mandasse continuar o lanço da ponte de S. Gens a S. Miguel d'Acha, tanto mais que actualmente não ha n'aquelle districto nenhuma estrada era construcção.

Se o governo não der providencias, a crise aggravar-se-ha cada vez mais, o que de certo cumpre evitar.

Espero que o sr. ministro das obras publicas tomará em consideração estes meus pedidos.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lobo d'Avila): - Começo as poucas palavras que tenho a dizer com os agradecimentos devidos ao digno par o sr. marquez de Vallada, pelas expressões benevolas que se dignou dirigir-me. Emquanto ás explicações ou declarações que s. exa. desejou ouvir da parte do governo, eu declaro apenas, porque não me parece preciso mais, que me associo inteiramente ás idéas expressadas pelo illustre e nobre presidente do conselho.

Agora, em relação ao que ultimamente foi recommendado pelo digno par o sr. Vaz Preto, respondo a s. exa. que, dentro dos limites em que o governo está auctorisado pela verba destinada para obras publica?, eu tratarei de prover ás maiores e mais instantes necessidades do districto a que S. exa. se refere. E pelo que diz respeito á estrada de Abrantes á Covilhã, passarei as ordens necessarias para obviar aos perigos que o mesmo digno par acabou de descrever.

O sr. Vaz Preto: - Segundo as declarações do illustre ministro, de que toma em consideração as minhas reflexões, não tenho cousa alguma mais a acrescentar; e dou-me por satisfeito.

Vozes: - Ordem do dia, ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Entrou em discussão o parecer sobre as contas da junta administrativa da casa.

Leu se na mesa.

Depois de breve pausa disse

O sr. Presidente: - Visto não haver quem peça a palavra, vou pôr á votação este parecer; mas cumpre-me declarar que es membros da commissão administrativa que estão presentes não podem deixar de se abster de tomar parte na votação; por consequencia é necessario que os dignos pares que approvarem este parecer da commissão de fazenda expressem bem o seu voto, para não restar duvida sobre o resultado da votação, visto que o numero de pares presentes está tão limitado.

Posto a votos, foi approvado.

N. B. Este parecer acha-se transcripto na sessão de hontem, que foi apresentado, onde por equivoco se diz tambem antecipadamente que fôra approvado.

Entrou em discussão o

Parecer n.° 49

Senhores. - Foi presente á commissão de instrucção publica o projecto de lei n.° 54, vindo da outra casa do parlamento e que tem por fim suspender a execução do decreto de 31 de dezembro passado em todas aquellas das suas disposições que ainda não estão em vigor.

É certo que esse decreto, a par de alguns preceitos aceitaveis, contém providencias que nem foram bem recebidas pela opinião publica, nem poderam effectuar-se sob pena de graves transtornos no ensino publico.

Acresce ainda que a medida publicada não teve, mesmo no animo dos seus auctores, o caracter de uma reforma completa e maduramente pensada da instrucção publica nas suas diversas ramificações, foi uma medida provisoria e quasi de mero expediente.

E portanto necessario suspende-la na parte em que não está executada, e esperar que o governo, na proxima reunião do corpo legislativo, possa apresentar uma proposta de lei de instrucção publica, que regule e reforme, segundo as necessidades da epocha, e debaixo de um plano geral e uniforme, este ramo de serviço publico, de certo o mais importante e mais serio da administração do estado.

Foi com este intuito, que alguns srs. deputados tomaram a iniciativa d'este projecto de lei, com que o governo plenamente se conformou e que a vossa commissão, de accordo com as mesmas idéas, tem a hora de sujeitar á vossa approvação, para que, obtida a sancção régia, possa ser convertido em lei.

Sala da commissão, 23 de agosto de 1869. = Visconde de Algés = Marquez de Sousa Holstein = Roque Joaquim Fernandes Thomás.

Projecto de lei n.° 54

Artigo 1.° Fica suspenso o decreto de 31 de dezembro de 1868, que reformou a instrucção publica, devendo esta regular-se pelas disposições das leis anteriores até o governo propor e as côrtes votarem uma reforma geral da instrucção.

§ 1.° As nomeações dos professores já feitas e as cadeiras providas em virtude do decreto de 31 de dezembro considerar-se-hão em vigor.

§ 2.° Emquanto se não levar a effeito a reforma geral da instrucção publica, o governo não fará nomeação alguma:

1.° De substitutos extraordinarios para a universidade;

2.° De professores para a escola medico-cirurgica do Funchal;

3.° De professores de instrucção secundaria, tanto dos lyceus como de fóra d'elles.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 21 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

Entrou em discussão o

Parecer n.° 56

A commissão de administração publica examinou como lhe cumpria o projecto de lei n.° 62, remettido a esta camara pela dos senhores deputados, auctorisando a junta geral do districto do Porto a contrahir um emprestimo de 100:000$000 réis, para empregar o seu producto exclusivamente na construcção das duas estradas districtaes n.ºs 9 e 12.

A commissão attendendo a que a construcção das duas estradas districtaes a que é destinado o producto do emprestimo é de maxima utilidade geral, em especial para o districto do Porto, um dos mais importantes do reino, pela sua numerosa e activa população, e pela sua agricultura e pelo seu commercio interno e externo, bem como pela variedade da sua industria;

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Attendendo a que no projecto estão consignadas as provisões necessarias para facilitar e contratar o emprestimo para assegurar aos prestamistas o pagamento do capital e respectivos juros, que não podem exceder a 7 por cento ao anno:

É de parecer que este projecto n.° 62 seja approvado e convertido em lei se obtiver a real sancção.

Sala da commissão, em 23 de agosto de 1869. = José Augusto Braamcamp = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Roque Joaquim Fernandes Thomás = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de lei n.° 62

Artigo 1.° É auctorisada a junta geral do districto do Porto para contrahir um emprestimo de 100:000$000 réis a juro que não exceda a sete por cento ao anno.

Art. 2.° O producto d'este emprestimo será unica e exclusivamente empregado na construcção das estradas districtaes n.° 9, de Villa do Conde a Paços de Ferreira, e n.° 12, de Arnoia á Foz do Tamega.

Art. 3.° O emprestimo será levantado por series na proporção do adiantamento das obras, e precedendo licença do governo.

Art. 4.° Para pagamento do juro e amortisação do emprestimo será annualmente inserida no orçamento do districto a verba de 10:000$000 réis, a qual a junta accumulará á quota com que os concelhos hão de contribuir para as despezas do districto, e distribuirá nos termos da lei de 30 de março de 1861.

Art. 5.° A dotação do emprestimo formará um capitulo especial no orçamento do districto.

Art. 6.° O emprestimo poderá ser contratado com quaesquer bancos ou sociedades de credito, por concurso publico ou por meio de acções, segundo parecer conveniente á junta.

Art. 7.° Se o emprestimo for levantado por meio de acções, a amortisação far-se-ha por sorteio publico no dia 31 de dezembro de cada anno; se for contratado por modo diverso, far-se ha a amortisação pelo modo que for accordado com os mutuantes; se for contratado por annuidades, as prestações semestraes serão pagas nos prasos convencionados.

Art. 8.° As obras, a que é destinado o emprestimo, poderão ser feitas por administração ou por empreitadas, em todo ou em parte, como parecer melhor ao governador civil, ouvido o chefe da repartição de obras publicas do districto.

Art. 9.° A junta e quaesquer funccionarios que effectuarem ou auxiliarem ou approvarem o desvio das quantias mutuadas, ou da verba do orçamento que lhes serve de garantia para qualquer applicação diversa da que lhes é prescripta por esta lei, incorrerão nas penas do artigo 54.° da lei de 26 de agosto de 1848.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em de 23 agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão na generalidade e na especialidade.

Passou-se á discussão do

Parecer n.° 57

Senhores. - O projecto de lei n.° 63, votado pela camara dos senhores deputados, é tendente a auctorisar o governo para resolver, se o julgar necessario, quaesquer reclamações justificadas da real companhia dos caminhos de ferro portuguezes, comtanto que d'ahi não resulte augmento dos encargos auctorisados pela lei de 16 de julho de 1869 com as alterações ultimamente approvadas pelo parlamento.

A vossa commissão examinou com detida attenção o projecto submettido á deliberação d'esta camara; e

Considerando a necessidade de terminar definitivamente todas as pendencias de similhante natureza;

Considerando os limites da auctorisação, pela qual não serão aggravados os encargos aceitos pelo parlamento;

Considerando as vantagens de ampliar e fortalecer o crer dito do thesouro portuguez, abrindo novos mercados para a emissão dos titulos da divida publica:

É de parecer que o projecto de lei n.° 63 seja approvado por esta camara, para subir á sancção real.

Sala da commissão, em 23 de agosto de 1869. = Conde d'Avila = Conde da Ponte = José Augusto Braamcamp = Felix Pereira de Magalhães = Visconde de Algés.

Projecto de lei n.° 63

Artigo 1.° É o governo auctorisado a resolver, se o julgar necessario, quaesquer reclamações justificadas da real companhia dos caminhos de ferro portuguezes de norte e leste, comtanto que d'ali não resulte augmento nos encargos auctorisados na lei de 16 de julho de 1869, com as alterações ultimamente votadas no parlamento.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 23 de agosto de l869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

(Entrou sr. ministro da fazenda.)

O sr. Conde d'Avila: - Eu não combato este projecto. O meu nome é mesmo o primeiro que se encontra a favor no respectivo parecer. Alem d'isto a camara sabe que eu não tenho o costume de crear difficuldades ao governo, quaesquer que sejam os membros de que esteja composto o gabinete. Não serei eu nunca que combaterei uma proposta do governo no intuito de provocar uma crise que faça cair o ministerio, para depois vir apresentar ao parlamento essa mesma proposta, que eu na vespera tinha rejeitado! (Apoiados vigorosos.) Estes precedentes de que nos têem dado exemplos alguns dos nossos homens publicos, são a causa, principal da descrença, que infelizmente lavra no paiz, e compromette cada vez mais as nossas instituições! (Repetem-se os mesmos apoiados.)

Eu deploro, sr. presidente, que nós chegassemos a um estado, que tornasse necessaria a apresentação d'esta proposta. No anno passado procurei evita la apresentando ao parlamento uma medida, que não teve a fortuna de obter o concurso, de alguns cavalheiros a quem a experiencia mais tarde veiu provar que tinham seguido um caminho errado, combatendo essa medida. Fallo do accordo que o ministerio, a que presidi, celebrou com a companhia de sueste! Eu previ logo que rejeitando se esse accordo se faria mais tarde um peior, e não tardou que a experiencia viesse demonstrar o erro que se havia commettido, e de que foram consequencias as operações ruinosissimas feitas pelo ministerio que me succedeu (muitos apoiados), operações que aquelle accordo teria evitado. Não quero fallar agora dos prejuizos resultantes de condições que aceitámos em algumas d'essas operações, e que muito comprometteram a nossa dignidade! (Apoiados muito repetidos.) Tudo se teria evitado se porventura tivesse sido approvado o accordo por mim proposto. (Vozes: - É verdade.) Mas emfim o mal está feito, e o paiz nos julgará a todos.

Agora, sr. presidente, com relação ao projecto que estamos discutindo digo que esta companhia não tem reclamações nenhumas justificadas que possa apresentar, por isso mesmo que nós cumprimos religiosamente todas as obrigações que para com ella tinhamos contraindo (apoiados). Podem comtudo dar se circumstancias, que nos aconselhem a auxilia la nos embaraços com que luta, e eu não me opponho a que dentro dos principios de equidade, que os governos não devem tambem perder de vista, se faça por esta companhia alguma cousa em conformidade com os principios estabelecidos no projecto que se discute.

O que eu pediria aos srs. ministros é que no caso de quererem vir a um accordo com as companhias dos nossos caminhos de ferro, precedam esses accordos o levantamento do emprestimo para que estão auctorisados, a fim de ver

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se é possivel obter condições mais vantajosas de que aquellas com que o podem effectuar. Um encargo de 10 1/2 por cento é uma cousa desgraçadissima, principalmente no estado em que estão os capitães hoje nas praças estrangeiras.

Parece-me tambem que os srs. ministros, uma vez que estão habilitados pelo parlamento a alargar a desamortisação, não devem demorar-se em pôr em execução a respectiva lei, com o que melhorarão consideravelmente o nosso credito, e talvez possam dispensar o grande emprestimo, como eu tinha tenção de fazer.

Eu já tive occasião de dizer á camara, que nos ultimos dias da minha estada no ministerio recebi uma proposta para fazer um emprestimo de 9.000:000$000 réis a juro de 8 por cento, a pagar pelo producto dos bens desamortisados. Já se vê que esta operação era muito vantajosa comparativamente com as ultimas propostas de emprestimos, e que não sei hoje em que estado se acham. Refiro-me principalmente ao contrato com a casa Goschen. N'esse esprestimo davamos 26.000:000$000 réis em titulos de 6 por cento, que haviamos de pagar ao par para recebermos apenas 13.000:000$000 réis. Não seria melhor receber 9.000:000$000 réis, para só termos de pagar a mesma somma de 9.000:000$000 réis com o juro apenas de 8 por cento? Seria de certo.

Eu estou convencido de que o governo com esta lei da desamortisação poderá obter um contrato n'estas condições vantajosas, com que esteve para se realisar o dos réis 9.000:000$000, e sobretudo quando o juro no estrangeiro se acha, como ainda está hoje, a um preço muito pouco elevado.

Peço mais aos srs. ministros, que não façam uso do systema de que tanto se abusou na situação transacta, isto é, o de vender inscripções a todo o preço. Este systema de que eu não quiz lançar mão no meu ultimo ministerio, é a causa do baixo preço que tem hoje os nossos titulos de divida fundada, que eu deixei, quando sai do ministerio, a 42, emquanto que hoje estão a 32, creio eu, ou quando muito a 33.

Votei hontem n'esta casa a auctorisação pedida pelo governo para a creação das inscripções para retorço de penhores. Quando eu apresentei no anno passado uma proposta similhante, foi ella violentamente combatida n'esta camara por aquelles mesmos que a vieram pedir agora. Sirva isto de lição a todos. Eu declarei então que não faria uso d'essa auctorisação, que era, por assim dizer, uma medida preventiva para um caso muito extraordinario, e para não receber a lei dos possuidores dos titulos da nossa divida fluctuante. Tenho a satisfação de poder assegurar agora aos dignos pares, que me fizeram a honra de acreditar em mim votando essa auctorisação, que nenhum uso fiz d'ella; mas emquanto que o ministerio que se me seguiu, formado sob as inspirações de um digno par, que veiu de bem longe para rejeitar o meu pedido, poucos dias depois de entrar em funcções se aproveitou logo d'essa auctorisação, de que abusou por fórma tal que por virtude d'ella creou muitos milhares de contos de inscripções, que foram vendidas por muito baixo preço.

Não digo mais nada, porque vejo que a camara está com pressa, e que ha ainda alguma cousa a fazer, e por isso me limitarei a estas breves considerações.

Não quero, repito, crear embaraços ao governo, mas espero que elle não perca de vista que não ha reclamações justificadas da parte da companhia (apoiados). O governo satisfez religiosamente todas as obrigações do contrato, e por isso qualquer concessão que faça só póde ter por motivo considerações de equidade (apoiados), a que eu tambem dou importancia, e que o governo não deve perder de vista.

Espero igualmente que o sr. ministro da fazenda, attendendo ao preço dos capitães lá fóra, procure melhorar o nosso credito antes de intentar qualquer operação financeira, e procure na execução da lei da desamortisação os recursos que ella lhe póde ministrar, de que resultarão grandes vantagens para o thesouro, e não menos para as corporações a que pertencem os bens desamortisados. Estou persuadido de que a execução rasgada e fiel da lei da desamortisação póde concorrer, mais do que nenhuma outra medida, para a solução das difficuldades pecuniarias com que estamos lutando.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Não é agora ensejo de entrarmos em larga discussão a respeito da questão de fazenda, nem havia tempo de o fazer; e por isso direi resumidamente, que, em geral, me conformo inteiramente com as idéas do digno par que me precedeu. Effectivamente o governo ha de diligenciar, por todos os meios ao seu alcance, melhorar o credito do paiz, sem o que não se poderá contrahir um emprestimo em condições vantajosas.

Em relação á expressão "reclamações justificadas", devo dizer tambem ao digno par que não entendo esta expressão como significando a manifestação do reconhecimento de qualquer direito por parte da companhia, porque effectivamente não existe nenhum (apoiados). No sentido em que a comprehendo, e como elle deve ser interpretada, é que a companhia justifica as suas reclamações, para pedir auxilio ao governo, baseando-se sobre os beneficios que ella tinha trazido ao paiz com a parte do caminho de ferro já construida; e por isso esta expressão só póde referir-se simplesmente á equidade.

O sr. Visconde de Algés: - Nem talvez mesmo á equidade.

O Orador: - É verdade; nem talvez mesmo á equidade. Isto não é mais do que a solicitude que têem todos os governos de não abandonarem empreza alguma de utilidade publica, e que tenha prestado serviços ao paiz, quando ella se acha lutando com graves difficuldades. Foi isto justamente que resolveu o governo a prestar auxilio a esta companhia, porque, repito, ella não tinha direito a receber cousa alguma.

Alem d'isso, sr. presidente, se o governo não obstasse á ruina da companhia, muito mal nos viria para os nossos capitaes e para o credito, em geral, do paiz, que é o instrumento da prosperidade publica; e o governo, procedendo assim, consolida o seu credito, e garante os capitaes que já foram empregados no caminho de ferro.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Algés, relator d'este projecto.

O sr. Visconde de Algés: - Sr. presidente, eu peço a v. exa. que, se o sr. marquez de Niza tenciona impugnar o projecto, me reserve a palavra para depois de s. exa. fallar.

O sr. Marquez de Niza: - Eu não tenciono impugnar o projecto; pelo contrario, até desejo apresentar á camara algumas considerações tendentes a faze lo approvar, talvez, com mais satisfação.

O sr. Visconde de Algés: - N'esse caso tambem prefiro usar da palavra depois de ouvir o sr. marquez de Niza.

O sr. Marquez de Niza: - Sr. presidente, eu pedi a palavra por causa do que disse o sr. conde d'Avila, que usou d'ella como um financeiro consummado que é.

Não é hoje desconhecido de ninguem que eu fui encarregado pelo governo transacto de contratar um emprestimo em Paris. É por isso que conheço menos mal o assumpto.

Eu não acho que a companhia tenha nenhum direito, mas considero que lhe assiste um certo direito moral de attenderem em parte ás suas reclamações, o que por mais de uma vez agentes do governo reconheceram hypotheticamente, e agentes tão auctorisados quanto é possivel se-lo, e reconheceram-n'o até em documentos.

Quando no principio d'este anno se tratou de fazer em Paris una emprestimo em condições mais vantajosas do que as que depois se propozeram, reconheceu se o direito que a companhia tinha a uma indemnisação, e o que até ali era duvidoso, tornou-se, por assim dizer, obrigatorio; e não ha duvida nenhuma que a companhia, em consequencia de

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todas estas circumstancias, conseguiu, não direi de direito, mas de facto, que em Paris nos fosse vedada a bolsa e que os nossos emprestimos não podessem ter ali cotação official. E qual foi o resultado d'isso? Foi que fechada para nós esta praça, ficámos apenas á mercê da praça de Londres, e, mesmo em Londres, achámo-nos á mercê de um só homem, o qual, pelas suas relações e pela grande extensão d'ellas, nos fechou quasi todas as bolsas.

E o que tem acontecido? É que, por todas estas circumstancias, se têem aproveitado dos nossos momentos mais dolorosos para nos imporem a lei.

O governo passado - e eu não posso ser suspeito, porque não creio que passasse por ser dos seus mais apaixonados defensores - reconheceu esta verdade, e eu mesmo, quando estive em Paris, tratei de o convencer de que a maior conveniencia era abrirmos a praça de Paris, porque abrindo-se a concorrencia das duas praças não podia d'ahi resultar para nós senão vantagem; e emquanto ali me demorei fiz muitas diligencias para remover obstaculos que havia por parte da companhia, e o mais que pude conseguir foi que ella abatesse as suas exigencias a pouco mais de 2/5 do que tinha originariamente exigido; mas aconteceu o que por mais de uma vez tem acontecido com differentes gabinetes que temos tido, que é approximarem-se os governos de uma transacção com a companhia, pela absoluta necessidade de obter credito em Paris, e apenas ha uma pequena probabilidade de não necessitarmos d'aquella praça pôrem-se de parte as transacções encetadas. Isto tem-se dado por mais de uma vez, e da ultima nos collocou em Paris n'uma posição tristissima.

Felicito-me pois de que o governo actual, se não reconhece um direito legal e absoluto á companhia, reconheça comtudo que é de equidade satisfazer, até certo ponto, ás exigencias d'ella; e de ter chegado a convencer-se da conveniencia que havia em sairmos d'esta difficuldade, fazendo com que se nos abram as duas praças, para que ao menos, estabelecendo a concorrencia, não nos vejamos obrigados a receber a lei de uma só praça, e de um só homem, como até agora tem acontecido.

Eu usei da palavra, porque a voz auctorisada do sr. conde d'Avila podia produzir uma certa duvida no espirito da camara, duvida que eu desejo fazer desapparecer, e tambem para mostrar que é de justiça votar esta lei para se removerem todas as difficuldades.

Concluirei, dizendo que os srs. ministros se encontrarão em melhores circumstancias, e nós havemos de tirar partido da abertura das duas praças, porque d'ahi resulta a concorrencia entre diversas casas bancarias.

O sr. Visconde de Algés: - Sr. presidente, quando por parte da commissão de fazenda pedi a palavra a v. exa., não era minha intenção fazer a critica das considerações apresentadas pelo digno par e meu nobre amigo, o sr. conde d'Avila. Seria para estranhar que na discussão de um projecto se travasse contestação entre o relator e o presidente da respectiva commissão, tendo ambos assignado o parecer sem nota de vencimento ou de declaração; e alem d'isto é tão grande a distancia da competencia em materia financeira entre o digno par e o obscuro relator d'este projecto, que perante a superioridade de s. exa. o meu natural movimento é uma inclinação de respeito e de vassallagem.

O sr. ministro das obras publicas tomou a si responder ás considerações expostas pelo digno par, e parece-me que bem definida foi pelo nobre ministro a natureza do pedido da companhia do caminho de ferro do norte; releve-me porém o illustrado presidente da commissão de fazenda, que em fórma de explicação do pensamento do projecto eu pondere a s. exa. que o accordo projectado pelo gabinete, a que o digno par distinctamente presidia, entre o governo e a companhia do caminho de ferro de sueste não prejudicava, como s. exa. affirmou, a apresentação do projecto que n'este momento se discute.

Este projecto não é emanação logica do projecto ha dias approvado com respeito á companhia do caminho de ferro de sueste, não é no fundamento da auctorisação concedida para resolver as reclamações d'esta ultima companhia que assenta a auctorisação que por este projecto se pede para attender ás solicitações da companhia do caminho de ferro do norte.

A companhia de sueste, esbulhada do direito de exploração do caminho, comquanto esbulhada pelas severas prescripções do seu contrato, pedia, invocando a equidade, o quinhão do seu capital empregado na feitura das vias ferreas de sul e sueste. A favor d'este pedido militava, em que peze ao meu estimado amigo o sr. Fernandes Thomás, o quasi preceito da equidade, pois não era justo, como já tive occasião de dizer, que o paiz se locupletasse com damno alheio.

A companhia do norte, á qual nenhum damno sobreveiu de procedimento ou omissão alguma do governo, salteada por graves contratempos financeiros, estende a mão ao soccorro dos poderes publicos do paiz que desfructa, embora á custa de sacrificios proprios, os proventos do caminho de ferro, cuja despendiosa construcção suscitou as angustias economicas da companhia. A primeira attende-se por equidade, á segunda por conveniencia, pela conveniencia de proteger contra imminente catastrophe uma companhia attribulada pelo facto de nos haver proporcionado um maravilhoso instrumento de producção e de civilisação, e pela conveniencia mais instante, digamo-lo sem reserva, de propinar o credito no momento em que as circumstancias nos forçam a recorrer ao supprimento de capitaes estrangeiros.

São pois differentes as situações como são differentes os fundamentos de pedir, e não é portanto do projecto relativo á companhia de sueste que dimana por logica successão o projecto que n'este momento discutimos, o que parecia inferir-se das palavras do digno par quando affirmava que pelo seu projectado accordo se teria evitado a apresentação d'este projecto. O accordo a que s. exa. se refere, concertado sobre a base do arrendamento do caminho, era precisamente um dos alvitres que se contém na auctorisação votada com respeito á companhia de sueste, auctorisação que nem promoveu nem evitou a apresentação d'este projecto como o accordo do digno par tambem não promovêra nem evitára, visto serem em ambas as hypotheses differentes e heterogeneos até os fundamentos de pedir.

Não digo com isto que não fosse aceitavel o accordo proposto pelo digno, par então presidente do gabinete, muito outro é o meu parecer. Na sessão de quarta feira disse eu que o defeito unico do projecto que se discutia, que era o da auctorisação para resolver as reclamações da companhia de sueste, era o de vir tão tarde á discussão, e que quaesquer dos projectados e mallogrados accordos com a companhia nas condições em que se propozeram e com duplicados encargos que viessem, viriam mais beneficentes por terem vindo mais cedo, por terem vindo a tempo de nos poupar os desagradaveis accidentes e os pesados encargos que a sua demora nos causou (apoiados). A prevenção porém d'este projecto, essa não podia vir do accordo do digno par como não veiu da auctorisação concedida ao governo que contém a hypothese do mesmo accordo.

Sr. presidente, a crise financeira da companhia provém da insufficiencia do capital com que se constituiu, e portanto da necessidade que teve de recorrer ao credito e de aceitar as imposições do mercado, que nem sempre ou antes quasi nunca lhe foi muito propicio. Para este phenomeno porém nada concorreu o governo, que não só cumpriu escrupulosamente todas as estipulações do contrato, mas até muitas vezes demonstrou no procedimento a sua benevolencia para com a companhia, que hoje, a braços com graves difficuldades, estende a mão ao auxilio dos poderes publicos.

Estes é que são os termos da questão. Conveniencia de salvar a companhia, conveniencia de restabelecer no mo-

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mento de recorrer ao credito a concorrencia entre as differentes praças para que possam actuar as leis economicas, que do phenomeno da concorrencia derivam as boas condições do mercado. Isto é economia e economia bem entendida. O sr. ministro da fazenda, interrogado na camara dos senhores deputados sobre as suas intenções financeiras, no substancioso discurso que ali pronunciou, disse que o restabelecimento das antigas condições do nosso credito por meio de reflectidas e concertadas provisões seria uma fonte de economia pela modicidade do juro com que poderiamos realisar as respectivas operações. Qualquer sacrificio pois que importe a approvação d'este projecto será sacrificio generosamente compensado pela differença do preço por que comprarmos o uso de alheios capitaes (apoiados).

Votando uma despeza, votaremos portanto uma economia; ao menos é este o espirito com que approvo o projecto, e creio que o mesmo será o pensamento da camara (apoiados). Economias que se reduzem a respigar por o orçamento, aqui um ordenado, acolá uma gratificação, serão boas para nos salvar no outro mundo, porém n'este não nos salvam de certo. Economias que se fazem á custa de serviços importantes tambem as não quero, quando o producto d'esses serviços excede o valor economisado. Não sou como o avarento, de quem falla o nosso humoristico poeta, que dava um olho por dez moedas (riso). Donde eu espero salientes economias não é da reducção, é da deslocação da despeza. Perdoem-me v. exa. e a camara, mas eu preciso pronunciar a estafadissima palavra descentralisação. Como será possivel, sr. presidente, reduzir a despeza, emquanto o governo tiver enfeixadas na mão todas as iniciativas, todas as actividades individuaes e collectivas? Façamos a partilha d'este patrimonio administrativo; demos ao municipio o que é do municipio, fique para o estado o que é do estado, eliminemos do orçamento essas verbas impertinentes que devem figurar na despeza local, onde só tem rasão de ser pela natureza dos serviços que remuneram. Ha um grupo de problemas todos importantes, todos de palpitante interesse para o paiz, que todos se resolvem ou se offerecem a uma facil resolução no momento em que as faculdades locaes conquistarem a sua emancipação.

A questão do imposto, a questão da instrucção publica, a questão da dotação do clero, a questão da população, não digo do augmento, mas da distribuição, e do augmento mesmo, porque da distribuição depende tambem o desenvolvimento da população; todas estas questões e outras, cujo assumpto me não occorre agora, encontram a sua facil resolução no phenomeno da descentralisação. Os inglezes, que são certamente o povo que paga mais pesados impostos, a que devem a espontaneidade com que os pagam e o proveito que auferem de os pagar? Melhor do que eu sabe v. exa., sr. presidente, que a maxima parte do imposto é paga em Inglaterra na localidade, e convertida no dia seguinte em uma escola, em uma fonte, em um caminho vicinal, em qualquer melhoramento local; dá ao contribuinte, que é ao mesmo tempo o fiscal da applicação do seu dinheiro, a rasão e a generosa compensação do sacrificio que se lhe pedia. D'aqui a triplice vantagem do augmento do imposto, da facilidade de o pagar e da facilidade de fiscalisar a sua applicação. Dinheiro que vae para longe com destino ás despezas do poder central é sempre desembolsado com repugnancia, mormente onde o espirito pouco esclarecido do povo, transviado por suggestões partidarias, desconfia da proficuidade da sua applicação. Na instrucção publica a difficuldade principal, o embaraço que ainda hoje trata de remover a maior parte dos paizes, não é a questão da liberdade do ensino, não é a questão do methodo, não é o agrupamento de disciplinas que deve constituir o ensino secundario ou de sciencias que devem compor os cursos superiores, é o derramamento da instrucção primaria, questão que se não resolve sem descentralisação, e que só onde ha descentralisação se vê satisfatoriamente resolvida como na Suissa e nos Estados Unidos da America.

Na dotação do clero o mesmo e pelas mesmas rasões. Ha, sr. presidente, um phenomeno que é resultado da descentralisação administrativa, e que eu chamarei descentralisação dynamica, porque é a descentralisação das forças, que eu considero de grande importancia no sentido e para o effeito da distribuição da população. Nos paizes de exagerada centralisação, como o nosso e como a França tambem, o desmesurado relevo das capitaes attrahe ao seu seio todas as forças do paiz; os proprietarios, cuja presidencia aos trabalhos da agricultura tão proveitosa é para seus interesses e para os interesses do paiz, entregando á exploração mercenaria e dissipadora de rendeiros o grangeio de suas terras, abandonam o placido viver do campo para consumirem na capital o peculio que devêra ser instrumento de producção e de riqueza. Por isso diz um escriptor que tenho muitas vezes citado n'esta casa, Leonce de Lavergne, que o francez ganha no campo para gastar na cidade, emquanto o inglez ganha na cidade para gastar no campo. A vida rural, aquella formosa feição da sociedade ingleza, aquelle affectuoso convivio dos grandes proprietarios com as populações do campo, aquelle commercio economico e moral, aquella quotidiana permutação de dedicações é a unidade, porque é a cohesão das moleculas do paiz; é a força, porque é a vontade agitada por vehementes e nobres estimulos; é a saude, porque é a harmonia funccionaria de todos os orgãos da sociedade; é a riqueza, porque é a reflectida e conscienciosa applicação do capital e do trabalho.

E a vida rural, a reconciliação do proprietario com a propridade é impossivel emquanto se não der á localidade a independente e importante gerencia de todos os negocios, de todas as relações da vida local. Espero portanto muito da descentralisação, e sob o ponto de vista financeiro espero o augmento da receita e a reducção da despeza, a unica reducção possivel ou pelo menos a unica reducção sensivel.

Não digo que a simplificação dos serviços e mesmo a suppressão dos que não forem de provada utilidade não possam ainda, sob as ingratas condições em que vivemos, produzir algumas economias. Não concebo como um grupo, uma fracção partidaria, pretenda para si, como pergaminho nobiliario, o programma das economias (apoiados). Para que podesse haver o partido das economias era preciso que na sua frente se apresentasse a hoste dos dissipadores (apoiados). Do partido das economias são todos, do partido das economias é sem uma excepção o paiz inteiro (apoiados). Economias, porém, repito, salientes e productivas até, não é a reducção, é a deslocação da despeza que as ha de produzir.

Mas, sr. presidente, aonde me levou esta quasi digressão do assumpto que discutimos! Recolhendo-me á hypothese, a explicação, que dei do pensamento do projecto, é a meu ver a manifestação do seu verdadeiro espirito. Todos nós conhecemos a situação da companhia; todos sabemos a historia das suas relações com o governo, e eu rigorosa obrigação tenho de a saber, porque, tendo sido membro com o sr. ministro da fazenda de uma commissão de inquerito para investigar as causas que determinaram a situação financeira em que a companhia já então se achava, tive ensejo de observar e de apreciar os seus movimentos economicos e administrativos.

No parecer que todos assignámos, parecer talvez alguma cousa severo na fórma, porém, a meu juizo, de recta apreciação na essencia, está consignada, e publicamente consignada, a minha opinião. Nenhum fundamento em disposição escripta, nenhum fundamento em preceito de equidade, podia ser base de reclamação alguma. A falta de estradas ordinarias que communicassem as linhas ferreas com os centros de população, circumstancia em que a companhia assentava então as suas reclamações, não procedia, porque o governo no contrato que celebrou com a companhia não se obrigou a construir estradas ordinarias, e porque, não por obrigação para com a companhia, mas por obrigação para com o paiz, já n'essa epocha havia construido cerca

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de 2:400 kilometros de estradas. Mantenho portanto a minha opinião, opinião que o meu actual procedimento, approvando é defendendo o projecto que se discute, de nenhum modo contradiz, pois que se não ha direito, se não ha indicações de equidade, ha uma conjuncção de conveniencias, um proposito de desobstruir à estrada financeira, um concerto para attenuar futuros e inevitaveis sacrificios, que são o fundamento, o só fundamento do meu voto, e creio que tambem do voto da camara (apoiados).

Tenho dito. Se de novo se offerecer alguma objecção, segunda vez pedirei a v. exa. a palavra.

O sr. Conde d'Avila: - É apenas para dizer duas palavras.

Eu fiquei plenamente satisfeito com as explicações do sr. ministro das obras publicas, é estimei muito te las provocado. S. exa. collocou a questão no seu verdadeiro ponto de vista. Aqui não se trata de direito; trata-se de uma questão muito mais alta; trata-se de fazer um sacrificio para salvar as pessoas que, com os seus capitaes, concorreram para a feitura dos nossos caminhos de ferro, e que ha alguns annos não recebem o menor juro d'esses capitaes. Collocada a questão n'este terreno, isto é, no dá equidade, eu estou prompto à auxiliar o governo para que sé adopte uma solução digna de nós, e em harmonia com o que se tem feito em outros paizes em circumstancias analogas.

Agradeço ao digno par, o sr. visconde de Algés, as palavras benevolas que se dignou proferir a meu respeito; mas devo asseverar a s. exa. que eu não disse que só depois de completa a desamortisação se fizesse qualquer operação de credito. Eu reconheço que a desamortisação deve levar muitos annos, e é conveniente que os leve. O que eu entendo é que, apenas essa lei se ponha em execução, melhora o nosso credito, e que talvez se possa dispensar um grande emprestimo nas condições do que tinha sido celebrado com a casa Groschen. Para o que dei como prova a proposta de 9.000:000$000 réis, que me foi feita pela casa Stern.

Quanto ás ponderações que s. exa. fez com relação ao accordo com a companhia de sueste, direi só ao digno par que tanto esse accordo, como os que se vão fazer agora, tinham por fim remover difficuldades financeiras, e que o primeiro, na minha convicção, dispensava os ultimos. Não direi mais nada. A occasião não é conveniente para questões de amor proprio. O paiz exige de nós que attendamos unicamente ás suas circumstancias, e que, pondo de parte quaesquer questões pessoaes, concorramos, cada um nos limites dos seus meios, para o salvar da grave crise que está atravessando, e para conjurar os perigos da qual tem ainda muitos meios; assim os saibamos aproveitar.

Tenho concluido.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, em todas as questões importantes costumo sempre emittir o meu voto, principalmente quando se trata de distribuir o dinheiro do povo, e de zelar os interesses da nação.

Em vista, pois, do que acabo de dizer, sr. presidente, eu não posso deixar de manifestar em poucas palavras, mas claras, a rasão do meu voto, e em que me fundo para votar esta auctorisação. Eu não concordo inteiramente com algumas das palavras do sr. Visconde de Algés. Está não é a occasião propria para se pronunciarem longos discursos, mas é sempre occasião de cumprir um dever, e eu cumpro agora o meu.

O que estamos fazendo será um acto de stricta justiça? Não. Será uma esmola? Tambem não. A camara não vota esmolas. Então por que rasão votamos este projecto? Digamo-lo claro e francamente: votamo-lo pela necessidade de consolidar o nosso credito, e porque é de toda a conveniencia que as praças estrangeiras sé abram para nós. O illustre estadista e meu presado amigo, o sr. conde d'Avila, deu hoje mais uma prova da elevação do seu caracter, prova que não era necessaria, para sabermos que s. exa. não costuma fazer opposição svstematica aos ministerios, nem crear-lhes embaraços; pelo contrario, procura auxilia-los para poderem governar bem e desassombradamente. Quaesquer que sejam as divergencias entre os homens politicos, ha certos pontos em que todos devemos estar de accordo. Portanto votâmos esta auctorisação, porque é necessario resolvermos uma questão que nos tem causado serias difficuldades, e não por se querer fazer um favor. Os representantes do povo não podem fazer favores á custa d'elle. Não basta dizer que se segue o principio das economias; é necessario tambem saber faze-las; e os homens que as não sabem fazer não podem estar no poder, que só deve ser exercido por àquelles que estão costumados a zelar os interesses da nação. Ninguem póde hoje sentar-se n'aquellas cadeiras (apontando para ás dos srs. ministros) sem idéas de economia, sem obedecer á imperiosa necessidade de ser muito cauteloso no dispendio dos dinheiros publicos, e de procurar realisar economias, mas economias verdadeiras e que cheguem a todos, e não só aos pequenos. É necessario que os impostos sejam cobrados com igualdade, porque não ha de ser o operario, o homem do povo que os pague unicamente; é necessario que o rico tambem os pague, é necessario que os homens de posição elevada, os que têem influencia nos negocios eleitoraes não sejam privilegiados, e não escapem aos tributos, como não escapam os outros cidadãos.

Sr. presidente, esta é a verdade, e verdade de todos os tempos, que eu tenho constantemente defendido.

Sr. presidente, a idéa de economias não foi só do ministerio passado e do actual, é uma idéa de todos, é uma idéa pela qual hei de pugnar sempre, sem a separar da grande idéa, do grande principio de igualdade perante a lei; principio consignado ha lei fundamental do estado, que infelizmente muitas vezes tenho visto despresar. É preciso que estas duas idéas andem sempre ligadas, que as economias cheguem a todos, como já disse, e que a igualdade presida a ellas, assim como deve presidir á distribuição dos sacrificios que se exigem da nação.

Sr. presidente, vamos dar mais uma auctorisação ao governo, e damo-la em beneficio do paiz, e não como favor, nem favor podemos fazer da bolsa do povo. Se ao governo cabe grande responsabilidade pelo uso que fizer d'esta auctorisação, a nós cabe-nos tambem não menos responsabilidade, porque o nosso dever é zelar os interesses do povo; se, quando o governo na proxima sessão se apresentar ao parlamento, não lhe pedirmos estreitas contas dos seus actos. Eu espero que elle ha de dá-las e dá-las boas, e que ha de desempenhar se da gravissima missão que tomou sobre seus hombros. Nós tambem temos um encargo grande; não podemos apoiar cegamente nenhum governo; devemos esperar pelos seus actos. E é quando elle tenha tido tempo de dar desenvolvimento ao seu programma, que podemos apreciar a sua politica, e portanto pedir-lhe estreitas contas. Comtudo eu estou persuadido de que não hei de ter senão que louvar-me de ter apoiado todas as auctorisações que lhe têem sido dadas.

Fique portanto conhecida a rasão do meu voto; e digo com toda a franqueza que me applaudo de o dar, visto estar persuadido de que assim concorro para que se dê ao credito a força de que elle tanto carece. É effectivamente para o consolidar que nós damos esta auctorisação.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Presidente:- O sr. Secretario vae ler de novo para se votar.

(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

Foi approvado o projecto.

O sr. Marquez de Sousa Holstein: - Sr. presidente, peço a v. exa. que mande fazer a segunda leitura da minha proposta, apresentada na sessão de hontem, conforme se dera hoje para ordem do dia. Não assisti ao principio da sessão por não ter ouvido que devesse começar hoje mais cedo.

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O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa a proposta do sr. marquez de Sousa.

Leu-se na mesa.

(Acha se publicada na precedente sessão.)

O sr. Marquez de Vallada: - Permitta-me o sr. marquez de Sousa que lhe repita o que disse no conselho do rei do Piemonte o conde de Maistre, quando um dos seus collegas no ministerio tratava de apresentar uma proposta na occasião em que este reino ardia em um vulcão. "A terra treme, e vós quereis edificar?"

Aqui a terra não treme, mas escaceia o tempo. Não seria melhor que tratassemos das questões de momento? A proposta do digno par não é urgente, nem mesmo é necessaria, porque já o sr. conde de Samodães apresentou uma com identico fim, que foi remettida á commissão de legislação.

A reforma d'esta camara não póde deixar de ser feita em conformidade da carta, para poder começar aqui, e n'essa conformidade é que nós tambem devemos querer que ella se faça.

Eu tambem quero que esta camara soffra uma reforma liberal, e o digno par ha de encontrar-me sempre ao seu lado em todas as idéas que tendam ao progresso, mas entendo que esta questão não tem agora logar, porque o projecto apresentado pelo sr. conde de Samodães ha de ser trazido á camara pela commissão de legislação, e quando elle se discutir poderá o sr. marquez de Sousa apresentar as suas opiniões a este respeito.

Se o digno par tivesse apresentado um projecto em bases diversas das do sr. conde de Samodães, então o caso seria outro.

Perdoe-me s. exa. a minha contrariedade, que é só de opinião, porque emquanto ao mais eu respeito muito o seu caracter e estimo muito a sua pessoa. Creio porém que, tendo nós ainda que fazer, e sendo hoje o ultimo dia de sessão, fôra mais conveniente tratar das outras questões que estão para resolver se, tanto mais que a proposta de s. exa. se póde considerar resolvida, como já disse, pelo projecto do sr. conde de Samodães.

É isto o que tinha a dizer sobre a proposta em discussão.

O sr. Marquez de Sousa Holstein (sobre a ordem): - O sr. marquez de Vallada creio que não ouviu ler a minha proposta, porque se a tivesse ouvido não diria o que disse.

Eu não proponho que se discuta a reforma da camara dos pares, proponho apenas que se nomeie uma commissão para formular um projecto de reforma d'esta camara; e, para esclarecer completamente o digno par, o sr. marquez de Vallada, proponho que se nomeie uma commissão para estudar se é ou não conveniente essa reforma, e, no caso affirmativo, quaes as bases em que ella deve ser feita.

Ha mais de quinze dias que eu tencionava apresentar esta proposta, cheguei até a mostra-la a alguns amigos, e quando soube hontem que na outra camara se apresentára um projecto de reforma d'esta casa do parlamento, apressei-me a mandar para a mesa a referida proposta, porque me parece que é mais honroso para esta camara que seja ella quem tome a iniciativa da sua reforma. Com isto digo que me parece urgente uma reforma, e no sentido mais liberal possivel.

Não permitte a carta que eu apresente um projecto alterando o que é constitucional, aliás não teria duvida, e antes me honraria de propor a abolição da hereditariedade do pariato, instituição obsoleta e em desharmonia com a nossa legislação. Não podendo porém ir tão longe, e desejando alem d'isso que seja a camara toda, e não eu só, quem tome a iniciativa n'esta honrosa reforma, limito-me a propor a eleição de uma commissão encarregada de fazer este estudo e de propor na seguinte e proxima sessão legislativa a reforma que julgar conveniente. Não digo mais nada para não merecer as censuras do sr. marquez
de Vallada, que primeiro se deve queixar de si, porque a s. exa. se deve termos perdido tanto tempo. Se tivessemos passado logo á eleição da commissão, escusavamos de ter gasto alguns minutos n'esta conversação, que não é opportuno prolongar agora.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu levanto me para dizer mais uma vez que é necessario que se faça uma profunda reforma parlamentar; não é só necessario reformar a camara dos pares, como pretende o sr. marquez de Sousa; a reforma deve ser do parlamento, como eu estou clamando ha muito tempo.

O parlamento, sr. presidente, pela fórma como está constituido, não póde merecer a confiança do paiz; a camara dos senhores deputados é o tirocinio para os empregos publicos; não ha n'isto que digo offensa alguma individual, não fallo de pessoas, fallo das cousas e pugno pelos principios.

Pois se a primeira reforma de que carecemos é a da camara dos senhores deputados, como é que unicamente se quer reformar a camara dos pares? Esta reforma não basta, porque ella só por si não satisfaz as justas exigencias do paiz. Falla-se primeiro que tudo contra o principio da hereditariedade, e parece que ahi é que está tudo. Levanta-se este phantasma para ser debellado, quando, em consequencia da lei de igualdade das partilhas, só os descendentes de quatro, cinco ou seis pares é que poderão tomar assento n'esta camara por direito de successão; por consequencia, para que serve combater hoje o principio da hereditariedade?!

Eu combato o modo como está constituida a camara pela pouca independencia que d'ali lhe provém.

Vozes: - Ordem, ordem.

O Orador: - Quando eu fallo de independencia não pretendo duvidar da independencia individual de cada um, porque a todos muito respeito; fallo apenas da fórma como está organisado este corpo politico do estado, porque, não podendo existir o principio hereditario, segue-se que os membros d'esta camara são nomeados, e isto tira á camara grande parte da sua independencia.

Se não posso expender as minhas opiniões livremente ácerca das cousas como eu as vejo, então retiro me e mais depressa vou para minha casa.

Uma voz: - É por insultar a camara.

O Orador: - Eu não insulto a camara, censuro a fórma como está constituida, e os pedidos de reforma mostram que tenho rasão; mas eu quero que se faça mais do que se deprehende da proposta apresentada pelo sr. marquez de Sousa; quero que se faça a reforma de ambas as casas do parlamento.

Digam-me se effectivamente ha toda a independencia na camara dos pares, quando de um instante para outro, por uma fornada, se póde mudar completamente a opinião da camara na maneira de avaliar os negocios publicos? Está pois claro que eu não alludo á independencia de cada um dos pares, mas sim á constituição da camara.

Eu não sei, sr. presidente, se avanço ou retrogrado; não trato agora de me justificar, mas o que é certo é que ha muitos annos que o parlamento constituido como está nos tem levado ao estado em que nos achâmos, o que é bem patente a todos: é preciso que se trate de examinar quaes são as causas que nos trouxeram a este estado.

N'estas circumstancias é proprio da dignidade dos membros d'esta camara manifestarem quanto se carece da reforma parlamentar, tanto mais que a opinião publica a isso nos conduz.

Eu quero esta reforma, mas não a quero feita nas praças, e quero evitar que se faca tumultuariamente, mas para isso é preciso satisfazer as exigencias do paiz.

Esta camara deve ser substituida por um senado electivo, cujos membros não devem differir dos da outra camara senão quanto á idade e fortuna; mas uns e outros, sendo retribuidos pelo governo, durante a legislatura perdem os seus

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empregos, e só um anno depois d'ella terminada é que podem tornar a ser nomeados para elles.

Sr. presidente, é esta a minha opinião a respeito da reforma das duas casas do parlamento; porém, quanto aos membros d'esta camara, sendo vitalicios e tirados de categorias, não se poderá exigir que durante toda a sua vida não aceitem mercês da corôa ou exerçam empregos, o que acabaria com a sua independencia; mas, sendo electivos e temporarios, póde e deve-se exigir que não sejam empregados durante a legislatura de que forem membros. Tal é a constituição da Belgica, que é o paiz mais bem governado que se conhece.

Quando um paiz é bem governado, ha sempre uma rasão que dá esse resultado, assim como se é mal governado, ha uma rasão para haver esse mau governo.

Taes são as minhas opiniões sobre as reformas que se carecem.

O sr. Marquez de Sousa Holstein: - Sr. presidente, pedi a palavra para um requerimento, e é o seguinte:

"Requeiro que a mesa seja auctorisada pela camara a nomear os cinco membros que devem compor a commissão".

D'esta fórma poupâmos tempo, e vejo que, dando-se-lhe hoje tanto valor, os dignos pares se pouparão assim ao moroso trabalho de uma eleição em que bem podemos ser substituidos pela mesa.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, parece me que a primeira cousa que temos que fazer é ver se a camara approva a proposta do meu nobre amigo, o sr. marquez de Sousa, para que se nomeie uma commissão para tratar da reforma d'esta camara, porque me parece desnecessaria esta commissão, uma vez que já ha uma outra para tratar do mesmo assumpto, que é um projecto de reforma d'esta camara, apresentado pelo sr. conde de Samodães.

O sr. Marquez de Sousa Holstein: - Não ha.

O Orador: - Ha, sim, senhor, quer ver?

Sr. presidente, pergunto a v. exa., com a devida venia, se v. exa., na qualidade de presidente d'esta camara e director dos trabalhos d'ella, enviou a alguma commissão a proposta apresentada ha dias n'esta casa pelo sr. conde de Samodães sobre a reforma d'esta camara?

O sr. Presidente: - Respondendo ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que acaba de me dirigir uma pergunta, cumpre me informar a s. exa. que a proposta sobre a reforma d'esta camara, apresentada pelo digno par, o sr. conde de Samodães, foi devidamente remettida á commissão de legislação.

O Orador: - Foi a uma commissão, muito bem; está a questão resolvida. Mas eu ouço dizer vagamente que a commissão de legislação não tem numero para poder funccionar; isso porém não quer dizer que ella possa deixar de dar parecer sobre qualquer assumpto que seja submettido ao seu exame, porque se lhe podem annexar tantos dignos pares quantos sejam necessarios para ella se poder reunir e funccionar. Isto é uma cousa que se está fazendo constantemente, e ainda não ha muito que se fez.

A camara resolverá esta questão como entender, mas parecia-me que faziamos melhor serviço se nos occupasse mós de outros negocios que são mais momentosos, e para os quaes nos vae faltando o tempo.

Agora aproveitarei a occasião de ter a palavra para dizer ao sr. visconde de Fonte Arcada que s. exa., quando fallou, não tratou da proposta do digno par o sr. marquez de Sousa, mas referiu-se unicamente á reforma parlamentar, que_ é uma cousa muito diversa.

Mas, agora não é occasião de tratarmos d'este assumpto, e por isso nada mais direi.

O sr. Presidente: - Vou submetter á approvação da camara o requerimento do digno par o sr. marquez de Sousa, em que s. exa. pede uma uma commissão especial para tratar da proposta que apresentou na ultima sessão, e para que essa commissão seja nomeada pela mesa.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de o manifestar.

Foi approvado.

Visto que a camara approva o requerimento do digno par marquez de Sousa, é porque concorda com a proposta de s. exa. ...

O sr. Vaz Preto: - V. exa. diz muito bem. A camara approvando o requerimento do digno par o sr. marquez de Sousa, votou implicitamente a proposta de s. exa., e por isso creio que apenas se deve proceder á eleição dos membros que hão de compor essa commissão especial.

O sr. Presidente: - É verdade, mas eu gosto de ser rigoroso no cumprimento dos meus deveres e por isso consultarei a camara sobre se approva a proposta do digno par marquez de Sousa.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - A commissão será então composta dos seguintes dignos pares: conde d'Avila, visconde de Algés, Braamcamp, marquez de Sousa e Casal Ribeiro (apoiados).

Vae se agora ler um parecer da commissão dos negocios externos.

O sr. secretario leu-o.

Parecer n.° 58

Á commissão dos negocios externos foi presente a proposta de lei n.° 64, vinda da camara dos senhores deputados, que auctorisa o governo a ratificar as modificações feitas na convenção telegraphica internacional de 1865, pela convenção assignada em Vienna em 21 de julho de 1868, e para ratificar e executar as modificações que de futuro se fizerem em virtude das revisões periodicas estipuladas no artigo 56.° da citada convenção de 1860.

A vossa commissão, considerando que, pelas estipulações da convenção telegraphica internacional, assignada em Paris em 17 de maio de 1865, se obrigaram os estados contratantes a submetter a revisões periodicas a mesma convenção, a fim de se lhe fazerem as modificações que o bem do serviço tornassem necessarias;

Considerando que na conferencia celebrada em Vienna em 1868 se introduziram diversas alterações tendentes a simplificar o serviço;

Considerando que de se não conceder ao governo a auctorisação que elle pede, resultaria ser Portugal privado das vantagens garantidas pela convenção ás nações contratantes: é de parecer que este projecto de lei seja approvado, para que, reduzido a decreto das côrtes geraes, possa subir á real sancção.

Sala da commissão, 24 de agosto de 1869. = Conde da Ponte - Conde de Linhares = Fernandes Thomás.

Projecto de lei n.° 64

Artigo 1.° São approvadas para serem ratificadas e postas em pleno vigor as modificações feitas na convenção telegraphica internacional de 1865 pela convenção assignada em Vienna aos 21 de julho de 1868.

Art. 2.° Fica o governo auctorisado para ratificar e fazer executar as modificações que de futuro forem feitas em virtude das revisões periodicas estipuladas no artigo 56.° da citada convenção de 1865.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 23 de agosto de 18Q9. - Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Para bem do estado vae constituir-se a camara em sessão secreta.

Eram tres horas e meia da tarde.

Pouco antes das quatro horas tornou-se a sessão publica.

O sr. Presidente: - Vae-se ler o que se resolveu em sessão secreta a respeito d'este parecer, e os nomes dos dignos pares que votaram.

O sr. secretario leu.

O sr. Presidente: - Vae ser lido na mesa uma commu-

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nicação que acaba de ser enviada á mesa pela presidencia da outra casa do parlamento.

O sr. secretario leu.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, eu pedia a v. exa. que se não esquecesse de me dar resposta a respeito d'aquella pergunta que eu lhe dirigi, ácerca dos requerimentos de alguns empregados da direcção tachygraphica d'esta casa.

O sr. Presidente: - Não posso por emquanto satisfazer aos desejos de v. exa., porque não chegaram ainda as respectivas informações.

O sr. Conde da Ponte: - Sr. presidente, apenas se acham presentes dois membros da commissão dos negocios externos e como esta commissão tem de se reunir para dar o seu parecer sobre um negocio importante, pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se consente que lhe sejam aggregados dois dignos pares para ella poder funccionar.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara a respeito da proposta do digno par.

A camara resolveu affirmativamente.

O sr. Conde da Ponte: - Talvez fosse conveniente para que se não perdesse tempo, que a mesa nomeasse os dignos pares para fazerem parte da commissão (muitos apoiados}.

O sr. Presidente: - Em vista dos apoiados da camara, passarei a nomear os dignos pares que hão de fazer parte da commissão dos negocios externos (apoiados). Nomearei portanto os dignos pares conde d'Avila e Braamcamp.

Vae ser remettida a essa commissão a proposta que ha pouco foi lida na mesa, e logo que esteja prompto o respectivo parecer é natural que a camara queira dispensar o regimento para, entrar immediatamente em discussão, por ser negocio muito urgente; e por isso teremos novamente sessão secreta.

O sr. Marquez de Sousa Holstein: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que a commissão especial, ha pouco nomeada para tratar da reforma da camara dos pares, elegeu para presidente o sr. conde d'Avila, para secretario o sr. Braamcamp e a mim para relator.

O sr. Secretario (Conde de Fonte Nova): - A commissão de guerra não está em maioria, apenas estão presentes tres membros, e por isso eu pedia que, a exemplo do que se fez ha pouco para com a commissão de negocios externos, a mesa nomeasse um digno par para lhe ser aggregado (apoiados).

O sr. Presidente: - Parece-me que a camara não se opporá a que eu nomeie o sr. visconde de Soares Franco. (Apoiados).

Agora proponho á camara a suspensão da sessão até que as commissões, que se acham reunidas, dêem os seus pareceres (apoiados).

(Pausa).

O sr. Visconde de Algés (sobre a ordem.): - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de guerra e fazenda sobre o projecto de lei n.° 57.

Peço a v. exa. queira consultar a camara sobre se ella dispensa o regimento, para que este projecto possa entrar desde já em discussão.

O sr. Conde da Ponte: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de negocios externos, a respeito dos quaes tambem peço a dispensa do regimento.

Leu-se na mesa o parecer apresentado pelo sr. visconde de Algés.

Posto á votação a urgencia dos pareceres da commissão de negocios externos, foi approvada.

Entrou em discussão o

Parecer n.° 59

Senhores. - As commissões reunidas de fazenda e de guerra considerando que as disposições do projecto de lei n.° 67, approvado pela camara dos senhores deputados, encerram uma auctorisação para que o governo possa satisfazer o pagamento de uma divida, a qual se contem no direito da viuva do coronel reformado Guilherme Henry Sewell e na obrigação do premio á satisfação dos soldos em divida ao referido coronel na importancia de 690$000 réis: é de parecer que o projecto merece a approvação para subir á sancção real.

Sala da commissão de fazenda, 24 de agosto de 1869. = José Augusto Braamcamp = Visconde de Soares Franco = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Conde de Fonte Nova = Visconde de Algés.

Projecto de lei n.º 67

Artigo 1.° É auctorisado o governo a mandar pagar a D. Georgina Hocking Sewell a quantia de 690$000 réis, importancia dos soldos que o estado ficou devendo ao seu fallecido marido o coronel reformado Guilherme Henry Sewell.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, 24 de agosto de 18Q9. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado.

Parecer n.° 60

Senhores. - A commissão dos negocios externos, a quem foi presente o tratado do commercio e navegação celebrado entre Sua Magestade El-Rei de Portugal e Sua Magestade o Imperador da Turquia, considerando que o nosso paiz fica por este tratado nas condições dos paizes mais favorecidos, e que portanto tende a desenvolver as relações commerciaes entre os dois paizes: é de parecer que o projecto de lei n.° 60, vindo da camara dos senhores deputados, deve ser approvado por esta camara para subir á real sancção.

Sala da commissão, 24 de agosto de 1869. = José Augusto Braamcamp = Conde de Linhares = Conde da Ponte. - Tem voto do sr. Conde d'Avila.

Projecto de lei n.° 65

Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o tratado de commercio e navegação entre Portugal e a Turquia, assignado em Paris aos 23 de fevereiro de 1868, pelos respectivos plenipotenciarios.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 24 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Parecer n.° 61

Á commissão dos negocios externos foi presente o projecto de lei n.° 66, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual é o governo auctorisado a adherir aos artigos addicionaes á convenção de 22 de agosto de 1864, destinado a melhorar a sorte dos militares feridos na guerra.

A vossa commissão, considerando que o projecto dos artigos addicionaes á convenção de 22 de agosto de 1864, não altera as suas disposições beneficas, antes melhora as condições dos feridos nos combates navaes, é de parecer que os ditos artigos devem ser approvados, para a proposta de lei subir á real sancção.

Sala da commissão, 24 de agosto de 1869. = Conde de Linhares = José Augusto Braamcamp - Conde da Ponte - Tem voto do sr. Conde d'Avila.

Projecto de lei n.° 66

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adherir, com o additamento proposto pela França, aos artigos addicionaes á convenção de 22 de agosto de 1864, destinado a melhorar a sorte dos militares feridos na guerra, assignados em 20 de outubro do anno fiado pelos delegados das nações representadas na conferencia internacional de Genebra.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 24 de agosto de 1869.= Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

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O sr. Presidente: - A camara, para bem do estado, vae constituir-se em sessão secreta.

Eram quatro horas e meia.

As quatro horas e tres quartos tornou se a sessão publica.

O sr. Presidente: - Foram approvados os dois pareceres da commissão de negocios externos. Vou ler os nomes dos dignos pares que os approvaram (leu).

Sobre a mesa não ha mais objecto algum para apresentar á camara. Torno a lembrar aos dignos pares que se apresentem aqui ámanhã, ás cinco horas, para assistir á sessão real.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 23 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque de Loulé; Marquezes, de Niza, de Sousa, de Vallada; Condes, d'Avila, de Fonte Nova, de Cavalleiros, de Linhares, de Paraty, da Ponte, de Rio Maior, do Sobral; Viscondes, de Algés, de Fonte Arcada, de Soares Franco, da Vargem da Ordem; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Larcher, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Fernandes Thomás.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 24 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque de Loulé; Marquezes, de Ponte de Lima, de Sousa, de Niza, de Vallada; Condes; d'Avila, de Fonte Nova, de Fornos, de Linhares, da Ponte, da Praia da Victoria, de Rio Maior, do Sobral; Viscondes, de Algés, de Fonte Arcada, de Soares Franco; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Pereira de Magalhães, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Fernandes Thomás, Larcher.

1.809 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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