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N.°64

SESSÃO DE 3 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. João de Andrade Corvo

Secretarios - os dignes pares

Eduardo Montufar Barreires
Francisco Simões Margiochi

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia: O sr. Aguiar declara que teria approvado o projecto das reformas politicas na generalidade, se estivesse presente na occasião da votação. - O sr. conde de Rio Maior manda para a mesa. uma proposta tambem assignada pelo sr. visconde de Chancelleiros, para serem collocados na sala os bustos dos marechaes duques da Terceira e de Saldanha.- Sobre a proposta usam da palavra os srs. Thomás de Carvalho, Costa Lobo e visconde de Chancelleiros.- É admittida a proposta.- O sr. Margiochi participa que se constituiu a commissão de agricultura; propõe e a camara approva que seja aggregado á mesma commissão o sr. Aguiar. - O sr. Cortez manda para o mesa um requerimento solicitando do ministerio dos estrangeiros certos esclarecimentos.-O sr. Ornellas pede que na primeira parte da ordem do dia, entre o projecto n.° 20 já. discutido. - O sr. Vaz Preto faz algumas observações contra este requerimento. - Ordem do dia: O sr. visconde de Chancelleiros requer para retirar a sua moção. - A camara approva. - Lê-se a moção do sr. conde de Rio Maior.- Depois de algmas observações dos srs. Thomás Ribeiro, conde de Rio Maior e visconde de Chancelleiros, é enviada á commissão de legislação. - Entra em discussão a especialidade. - É lido o artigo 1.° - Usam da palavra por duas vezes os srs. visconde de Chancelleiros e presidente do conselho, sendo em seguida approvado o artigo. - Le-se o artigo 2.° - Usa da palavra o sr. visconde de Chancelleiros, que conclue propondo que, sem prejuizo da votação do artigo, seja encerrada a sessão a fim de que muitos dignos pares possam ir acompanhar o saimento do sr. Carlos Santos, presidente da associação commercial de Lisboa.-E approvado o artigo 2.° e consecutivamente a proposta.

As duas horas e meia da tarde, estando presente 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Sete officios da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo as seguintes proposições de lei:

l.ª Auctorisando a camara municipal da Certa a desviar do fundo de viação certa quantia annual, até 1898, para pagamento de juro e amortisação de um emprestimo.

2.ª Tornando applicayel á camara do Funchal o disposto no § 2.° do artigo 841.° do codigo do processo civil, relativamente a Lisboa e Porto.

3.ª Isentando de qualquer imposto aduaneiro a exportação do azeite de oliveira nacional.

4.ª Tornando applicaveis aos lentes proprietarios da escola do exercito e do collegio militar, e tambem aos da escola polytechnica, providos no tempo em que ella esteve sob a direcção immediata do ministerio da guerra, as disposições para accesso e collocação nos quadros que vigoravam antes do decreto de 30 de outubro de 3884.

5.ª Auctorisando a camara municipal da Covilhã a desviar do fundo de viação a quantia de 6:000$000 réis para a fundação de um hospital d'estinado a doentes de moléstias contagiosas.

6.ª Approvando, para ser rectificado pelo poder executivo, o tratado de oommercio entre Portugal e a Hespanha, assignado em 12 de dezembro de 1883.

7.ª Tornando applicaveis aos capitães de infanteria, Manuel Affonso Espregueira, Joaquim de Botelho de Lucena e Joaquim Pires de Sousa Gomes, as disposições dos artigos 12.° e 13.° do decreto de 30 de outubro de 1868, independentemente do disposto no § 1.° do mesmo artigo 12.°

Outro do digno par, barão de Santos, agradecendo á presidencia da camara o tel-o mandado desanojar.

Esta correspondencia teve o devido d'estino.

(Estava presente o sr. presidente do conselho.)

O sr. A. A. d'Aguiar: - Sr. presidente, eu não pude assistir á sessão passada por incommodo de saude, mas declaro que, se estivesse presente na occasião de se votar, teria approvado a generalidade do projecto das reformas politicas.

O sr. Conde de Rio Maior: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma moção, que vae assignada por mim e pelo sr. visconde de Chancelleiros, a respeito idos bustos dos marechaes duque de Saldanha e duque da Terceira.

Eu sei perfeitamente que não houve o menor proposito de ter menos consideração pela memoria d'estes illustres varões, não collocando os seus bustos dentro d'esta sala ao lado dos bustos de dois homens illustres que presidiram a esta camara.

Naturalmente foi obedecendo ao pensamento de terem aquelles illustres varões sido presidentes d'esta camara, que v. exa. mandou collocar na sala os seus bustos. São, comtudo, vultos tão importantes e notaveis, os dois a que me refiro, que os seus bustos não ficariam mal aqui na sala das sessões, ao pé dos que ali se acham.

Mando, pois, para a mesa a minha moção.

(S. exa. não reviu.)

Foi lida na mesa a moção do digno par e é do teor seguinte:

"Proponho que os bustos dos marechaes duques da Terceira e de Saldanha sejam collocados na sala das sessões, como foram os bustos dos presidentes fallecidos. = Visconde de Chancelleiros = Conde de Rio Maior."

O sr. Thomás de Carvalho: - Não me parece que se possa votar a moção apresentada pelo digno par, sem algumas considerações.

Os bustos que ali estão servem tambem de ornamento á sala.

Para serem collocados outros e necessario primeiramente saber se haverá ou não logar conveniente.

Como questão de veneração pelos grandes homens qae os bustos representam, creio que essa é sempre a mesma, seja aqui ou seja á entrada da sala, que colloquemos os, seus bustos.

É exactamente a mesma cousa.

A serem collocados dentro da sala, parece-me necessario, repito, que haja Togar conveniente., é eu não sei se o ha.

Entendo, pois, que o melhor será deixar á presidencia a resolução d'este negocio.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, acho que a primeira quando a considerar sobre este assumpto é saber

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quaes foram as rasões que levaram v. exa. a mandar collocar dentro d'esta sala aquelles bustos.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Foi porque estavam produzindo mau effeito no logar onde se achavam collocados.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu estou convencido de que, quando v. exa. resolveu que os bustos não ficassem nos corredores, mas dentro d'esta sala, foi por uma demonstração de respeito profundo á memoria dos dois homens cujos bustos nós ali vemos.

Não era uma questão de adorno, nem de saber se ficavam melhor nos corredores ou dentro d'esta sala.

Eu, sr. presidente, se tivesse a honra de me sentar n'essa cadeira, honra que não espero ter, e soubesse que a minha memoria havia de ser perpetuada em marmore ou gesso, protestava logo contra similhante facto.

Em todos os tempos se tem perpetuado o nome celebre de todos os homens, por demonstrações de respeito. Ainda hoje não ha festa nenhuma de centenario, depois que para o nosso paiz se importou a moda dos centenarios, em que não se pergunte: onde está o herdeiro d'este nome, para que elle seja o representante do homem celebre n'esta festa?

O primeiro centenario que nós tivemos, foi, creio eu, o centenario de Bocage.

N'essa festa houve, creio eu, quem representasse este poeta.

E se a Camões não succedeu a mesma cousa, foi porque elle não linha um herdeiro ou descendente em linha recta para o representar no seu centenario.

Sr. presidente, para se fazerem Aquelles bustos escolheu-se o marmore, por ser mais duradouro, do que a madeira; não se escolheu o bronze ou outro qualquer metal, naturalmente por ser muito mais custosa a sua reproducção; fizeram-se em marmore, mas, se tambem elles representam tradições d'esta, camara, n'esta occasião mais conviria,, tal vez, propor que os bustos fossem feitos de gesso, em vez de marmore. (Riso.)

Sr. presidente, esta questão não é para rir, mais para tristeza me parece ella, porque é bem triste que, tratando-se de dois homens que tanto trabalharam com a sua espada gloriosa para a implantação do systema constitucional entre nós, como foram os marechaes duque de Saldanha e da Terceira, nós hesitemos em trazer os seus bustos para esta sala, a fim de os collocar ao lado d'aquelles que foram nossos presidentes.

Sr. presidente, o que eu posso afiançar, a v. exa. é que, se hontem, na occasião da votação da generalidade do projecto, v. exa. tivesse chamado por aquelles; nomes, nós teriamos algumas duzias de votos alem d'aquelles que tivemos, e teriamos vencido.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - O que eu ía propor: á votação da camara era, se ella admitte ou não á discussão esta proposta. E isto o que se vae votar.

Consultada a camara resolveu, affirmativamente.

Como a hora está adiantada fica para a proxima sessão a discussão d'esta proposta.

O sr. Francisco Simões Margiochi: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara, que a commissão de agricultura se constituiu hoje, escolhendo para seu presidente o sr. duque de Palmella, e a mim para secretario, havendo relatores especiaes. Por parte da commissão eu peço a v. exa. que consulte a camara, para saber se ella concorda que lhe seja aggregado o digno par o sr. Antonio Augusto de Aguiar.

Foi resolvido afirmativamente.

O sr. Mendonça Cortez: - Pedi a palavra para mandar para a mesa este requerimento.

(Leu.)

Peço a v. exa. a urgencia, e ao mesmo tempo pedia a v. exa. que tivesse a bondade de communicar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a necessidade que eu tenho de possuir estes documentos.

Foi lido na mesa e é do teor seguinte

Requerimento

Requeiro que pelo ministerio dos estrangeiros se requisite, com maxima urgencia, da nossa legação de Madrid, para que alcance das estações officiaes competentes hespanholas uma nota indicando:

l.º Numero de navios entrados nos portos hespanhoes por motivo de reparação de avarias, nos ultimos cinco annos;

2.° Importancia d'essas avarias;

3.° Nacionalidade, tonelagem de carga, procedencia e d'estino dos mesmos navios;

4.° Demora que tiveram n'aquelles portos.

O sr. Presidente: - O requerimento do digno par vae ser remettido ao governo.

sr. Ornellas: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para pedir a v. exa. que ponha á votação o parecer n.° 20, que foi discutido hontem, e que unicamente deixou de ser votado pela pressa que v. exa. teve de entrar na ordem do dia, porque poucos minutos eram precisos para que elle fosse, votado. Nada mais tenho a dizer.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, esse projecto é importante porque faz uma alteração n'uma circumscripção judicial, e parece-me que nós não podemos discutil-o na ausencia do sr. ministro da justiça.

É necessario saber-se quaes foram as rasões que determinaram a propor similhante alteração.

(S. exa. não reviu.)

ORDEM DO DIA

sr. Presidente: - A hora está adiantada, vamos entrar na ordem do dia.

Vae ler-se a moção que o sr. visconde de Chancelleiros mandou para a mesa com relação ao projecto de reformas politicas.

Leu-se na mesa.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, eu pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do sr. conde de Rio Maior.

Leu-se na mesa.

O sr. Thomás Ribeiro: - Peço licença para dizer a v. exa. que não me parece que .tenha nada com a discussão d'este projecto a proposta do sr. conde de Rio Maior, a qual poderá ser tomada como uma proposta á parte e mandada á commissão de legislação, mas sem ter ligação alguma com o projecto que se discute. Portanto, como v. exa. fez della parte integrante da discussão d'este projecto, e como creio mesmo que o sr. conde de Rio Maior foi o proprio a consideral-a como separada della, eu lembrava a v. exa. que ella podia ser considerada como uma proposta perfeitamente á parte e remettida á commissão de legislação.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, quando hontem tive a honra de fallar n'esta camara sobre o projecto que se discute, disse que a minha proposta estava perfeitamente de accordo com as idéas que aqui apresentou o digno par o sr. Mártens Ferrão a respeito das dictaduras.

N'essa occasião pedi á camara que, abstrahindo-se das considerações que tinham sido apresentadas por mim, votasae simplesmente a proposta tal qual tinha sido apresentada.

Eu propuz que a commissão de legislação fosse consul-

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tada sobre se uma lei ordinaria podia harmonisar os principios indicados no artigo 139.° da carta com os principios estabelecidos na constituição belga a fim de no futuro se evitarem ou ao menos difficultarem actos dictatoriaes.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Se v. exa. considera a sua proposta como uma proposta ordinaria, póde ella ser mandada á commissão de legislação.

O sr. Conde de Rio Maior: - Estou perfeitamente de accordo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu acabo de comprehender perfeitamente o pensamento da proposta do sr. conde de Rio Maior.

Esta proposta coaduna-se justamente com as declarações feitas pelo digno par ò sr. Mártens Ferrão, que sinto não ver presente, ao qual teria respondido, se na occasião em que pronunciava a minha opinião sobre este ponto, não fosse desviada a minha attenção para outro assumpto.

Duas palavras apenas.

Francamente, o que se quer evitar é a dictadura?

É isto ou não é?

Se a todos esse desejo sinceramente nos anima, maioria e opposição, o meio facil e directo era outro, e eu vou indieal-o, ou antes repetir a indicação que já foi feita pelo sr. Costa Lobo.

O que é que acontece nos Estados Unidos?

Todas as infracções constitucionaes são submettidas a um poder independente que está fóra da alçada e da influencia dos governos.

Esse poder é o supremo tribunal judicial.

Mas, entre nós, sr. presidente, o poder judicial está tanto na dependencia do governo, que seria absolutamente irrisorio confiar-se-lhe a punição de qualquer infracção da constituição feita pelo poder executivo.

O sr. conde de Rio Maior, creio eu, pretende evitar os actos dictatoriaes quaesquer que elles sejam, ou antes, quaesquer que sejam as circumstancias que os possam justificar, e portanto é necessario que a votação seja n'esse sentido.

E este, se me não engano, repito, o pensamento da proposta do sr. conde de Rio Maior.

S. exa. pretende que a constituição prohiba expressamente as dictaduras.

O dador, ou, antes, o redactor da carta, não incluiu essa disposição, porque a julgou implicita n'uns certos e determinados artigos.

Isto, sr. presidente, parece-me que é sensato e que se não póde contradictar.

A carta diz que o poder moderador é a chave de toda a organisação politica e compete privativamente ao Rei, como chefe supremo da nação.

Esta disposição tem sido magnificamente interpretada mais de uma vez pelo sr. Ferrer, e commentada tambem pelos mais doutos professores da universidade de Coimbra.

Se o poder moderador é a chave de toda a organisação politica, elle que trate de impedir qualquer acto menos regular.

O sr. presidente do conselho não liga a esta chave precisamente a mesma importancia que ella merece ao sr. Mártens Ferrão.

Quem quizer estudar o nosso codigo fundamental, quem o compulsar com verdadeira attenção, verá facilmente que nada lhe falta, que todos os factos estão prevenidos e que uma grande parte dos actos que os governos praticam são manifestamente contrarios aos bons principies de direito publico constitucional.

A carta não diz tambem que cumpre ao Rei nomear pares; mas sim que é uma attribuição do poder que exerce.

A carta não diz tambem que o Rei deve nomear pares quando haja conflicto entre esta e a outra casa do parlamento; mas dizem-no os principios.

V. exa. sabe muito bem que todos os governos sé têem soccorrido do expediente das fornadas para terem n'esta camara o apoio de que precisam, e que porventura lhes falta numa determinada occasião; mas sabe-se tambem que nunca recorrem a tal expediente se não contam coma confiança da corôa.

É para pôr cobro a este abuso que se faz a reforma d'esta camara?

Acabaram as fornadas feitas pelo poder moderador pela indicação do governo; mas ficaram as fornadas feitas pela camara dos senhores deputados pela indicação tambem do governo.

De sorte que o resultado é sempre o mesmo, fatalmente o mesmo.

Desconsidera-se o poder moderador.

O sr. Presidente: - Eu devo observar ao digno par que se não está discutindo nenhum artigo do projecto das reformas politicas.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu peço a v. exa., com todo o meu grande respeito, que se convença de uma vez para sempre que é inutil pretender tolher-me o uso da palavra, porque o não póde fazer.

O sr. Presidente: - Posso, sim, senhor, com a auctoridade do regimento.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não póde, por que eu em obediencia a v. exa. cedo da palavra, mas d'ahi a pouco torno a pedil-a e continuo na mesma ordem d(c) idéas.

Agora sou eu que dou a palavra a v. exa. Não digo mais nada.

(O digno par não reviu este discurso).

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo primeiro do projecto.

Leu-se na mesa e poz-se em discussão.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Começando por ler o artigo, disse muito em resumo, que acreditava que o governo estava, depois do rompimento do accordo, sinceramente empenhado em fazer obra seria, mas não lhe parecia obra seria a disposição d'este artigo.

Referiu-se ao discurso do sr. Costa Lobo, e lendo una trecho do parecer da commissão da camara dos senhores deputados relativo ao projecto em discussão commentou-o com algumas considerações.

Achava simplesmente ridiculo que se pretendesse assegurar aos deputados a sua independencia dos seus eleitores com a declaração terminante de que não eram deputados dos circulos, mas sim deputados da nação.

Se uma tal discussão fosse conhecida da Europa, não seria muito invejavel a figura que fariamos aos olhos dos outros paizes.

Ninguem comprehenderia que uma tal reforma se intentasse, menos ainda que se fizesse com a circumstancia aggravante de ser feita perante a geral indifferença dos partidos e da opinião, e sob a inspiração de uma idéa tão mesquinha, tão acanhada, tão ridicula.

Pois, o que pretendia o governo?

Queria deputados estranhos completamente á politica, ás pessoas e ás necessidades dos circulos que representassem?

Mas quem ignorava que os deputados eram eleitos pela influencia do governo e não pelos circulos que representavam?

Tratou do régio beneplacito, attribuindo a alteração da proposta n'esta parte á influencia dos dignos pares bispos. Via que os srs. bispos haviam tido mais força que a lei de 15 de maio.

A proposito citou um livro recentemente publicado pelo sr. Gama Barros, cujo merecimento exaltou. Lamentava que na camara tivessem assento os bispos metropolitanos e o não tivessem os prelados das colonias.

Replicando ao argumento do sr. presidente do conselho, de que pelo facto do rompimento do accordo dos partidos,

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que havia julgado preciso para a realisação das reformas, não podia agora cessar de promover essa realisação porque a lei de 15 de maio a isso o obrigava, disse que o meio era simples e facil, e consistia em fazer a todos os artigos da lei de 15 de maio, o mesmo que pela influencia dos srs. bispos se tinha feito a um, e é supprimil-os a todos.

O que não se comprehendia era que se pretendesse tolher aos prelados a faculdade de publicarem doutrinas que podessem de algum modo estar em discordancia com o regimen do paiz e por outro lado se lhes conferisse, e ainda excepcionalmente como direito proprio á faculdade de virem aqui, sem nenhuma dependencia senão a do sr. presidente e do regimento da camara, dar toda a publicidade a todas e quaesquer doutrinas.

Negava-se um tal direito, aos membros do poder judicial, magistrados, benemeritos carregados de serviços, que prestaram, garantindo a inviolabilidade da propriedade e a segurança individual, e que nunca terão entrada na camara, a não ser pelo acaso de uma eleição feita de qualquer fórma, más em todo o caso eleição do governo.

Negava-se até aos filhos o direito de herança e dava-se, pela carta, como direito proprio aos bispos, entrada no parlamento e ao principe real e aos infantes.

Occupou-se em seguida da formula geral dos decretos de demissão dos ministros em que achava muito singulares estas palavras "que serviu muito a meu contento", porque em geral os ministros abandonavam o poder quando a opinião se lhes manifestava adversa.

Não se comprehendia muito bem que o Soberano diga ao ministro que servira muito a seu contento quando á opinião do paiz acaba de lhe manifestar o contrario.

Referiu-se com grande elogio ás reformas que o sr. Julio de Vilhena elaborara para apresentar como ministro, lamentando que se abandonasse tudo o que tinha valia; que não se tratasse da agricultura, da questão dos arrozaes, da questão da emigração, para apenas se ter cuidado de tudo quanto directa ou indirectamente se ligue com a questão de eleições.

E a este respeito desde já declarava que não podia concordar com a reforma do praso para a duração de cada legislatura, porque considerando a eleição o primeiro elemento da desmoralisação politica do nosso povo, entendia que a sua maior frequencia era uma aggravação dó mal.

Tornou a referir-se ao sr. Julio de Vilhena, e esta sua insistencia, declarou, provinha da circumstancia importantissima para a, questão que se discutia, de ter aquelle illustre deputado retirado o seu apoio ás reformas politicas, ás. quaes primitivamente havia ligado o seu nome, ao que tinha dado motivo á alteração feita nas bases da reforma decretadas na lei de 15 de maio.

Já a este respeito pedira explicações ao sr. presidente do conselho, que deixara de responder a este ponto importante.

Estas mesmas alterações denunciavam, como o emprehendimento das reformas mais fôra determinado pelo poder de quaesquer influencias do que pelo sincero convencimento da sua necessidade.

A Inglaterra gastara cincoenta annos a concluir a sua lei eleitoral, entre nós qual era o estudo, qual era a reflexão que se consagrava á solução das questões de maior magnitude?

Fez ainda varias considerações censurando o sr. Fontes pelo seu processo de governo, e concluiu declarando que votava contra o artigo, reservando-se para fallar ainda sobre o artigo 2.°

(O discurso do digno par será publicado na integra logo que s. exa. devolva as notas tachygraphicas.)

O sr, Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Sr. presidente, a camara não espera de certo que eu acompanhe o digno par nas largas digressões, que fez sobre variados assumptos, e por isso restringir-me-hei unicamente á parte em que o digno par divergiu do artigo do projecto, achando-o muito ridiculo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Inutil, e o que é inutil, para mim é ridiculo.

O Orador: - Ora, sr. presidente, eu devo dizer ao digno par, que este é o assumpto que eu vou tratar agora, e como s. exa. declarou, que vae fallar sobre o artigo 2.°...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Póde ser que falle, e póde ser que não; mas eu não pedi agora a s. exa. para fallar.

O Orador: - Dizia eu, sr. presidente, que o artigo primeiro não trata nem de alterar, nem de destruir nenhum principio consignado na carta, porque o artigo consignado no projecto, de que os deputados e os, pares são representantes da nação, já existia no codigo fundamental.

Este principio que ao digno par sé afigura absurdo, inutil ou ridiculo, está no artigo 12.° da carta, que s. exa. quer que se conserve intacta, sem alteração alguma.

O artigo 12.° diz:

"Os representantes da nação portugueza são o Rei e as côrtes geraes".

As côrtes geraes são a camara dos deputados e a camara dos pares.

Por consequencia é claro que o principio de que os pares do reino e os deputados representam a nação, está consignado na carta; e o artigo da proposta não destroe de modo algum esse principio; o que tratou unicamente foi de tornal-o mais positivo, claro e perceptivo.

Se nisto ha ridiculo, diga-se que ridiculas são varias constituições dá Europa, nas quaes se acha consignado exactamente o mesmo principio estabelecido no projecto que estamos discutindo.

Eu não creio que o digno par queira passar diploma, hão sei como dizer, de imbecis, talvez, a todos os legisladores que têem collaborado nas constituições dos diversos estados da Europa, fazendo acreditar que elles assentaram n'esses documentos, um principio, na opinião de s. exa., ridiculo e inutil.

Portanto n'essa parte não me parece que tenha rasão.

Póde tel-a em muitas considerações que fez.

N'algumas eu o acompanho, e sobro ellas sabe s. exa. qual é o meu modo de pensar, porque temos conversado muitas vezes intimamente.

Mas eu não converso intimamente da mesma fórma porque fallo no parlamento; a minha posição de homem publico impõe-me deveres especiaes; e assim como o digno par se reputa obrigado pelas suas tradições é pela sua posição a sustentar uma certa attitude n'esta camara e defender à outrance os seus principios, tambem eu me julgo obrigado pela posição em que me encontro a sustentar, não [digo principios oppostos, mas aquelles que estão em harmonia com os deveres do meu cargo.

Aqui está porque eu sustento o artigo da proposta.

(Leu.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Se vinha já na carta, para que é essa alteração?

O Orador: - O principio vinha na carta, não ha duvida; vinha exactamente no artigo a que eu acabei de me referir; mas agora tornou-se mais claro, mais explicito, de maneira que não admittisse contestações, sobretudo, na occasião em que se transformava ou modificava a camara dos pares, na qual havia de entrar o elemento electivo, tornou-se mais sensivel essa necessidade.

Emquanto a camara dos pares não tinha esse elemento, emquanto era exactamente a camara dos pares da carta, não seria talvez necessario tornar mais expressa esta disposição; mas, desde que tomava outra organisação, na qual se comprehendiam pares electivos, pareceu que haveria Uma certa harmonia, uma harmonia architectonica, se é permittido dizel-o, em consignar este preceito, que, aliás, existe nos mesmos termos exarado nas constituições das nações mais adiantadas da Europa.

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Não creio que seja inutil ou ridiculo: Caiada que não posso admittir como ridiculo o que é inutil.

Póde ser inutil e não ser ridiculo.

Para significar o que é desnecessario ha a palavra inutil; mas o termo ridiculo, tem uma significação muito diversa a que agora não devo nem é preciso definir.

Aqni estão, em resumo, os motivos pelos quaes o governo introduziu esta disposição na sua proposta.

O digno par referiu-se a uns periodos do relatorio da lei de 1883...

(Aparte do sr. visconde de Chancelleiros.)

Exactamente, é o meu relatorio.

O sr. Visconde de Chancelleiros:—Não, senhor, não é.

Está aqui assignado como relator o sr. Manuel dAs-suinpção.

, O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — E então o relatorio do parecer da camara dos senhores deputados, mas como o digno par está discutindo com o presidente do conselho, e não com a camara dos senhores deputados, parecia-me que se referia ao relatorio do governo.

O sr. Visconde de Chancelleiros:—Não, senhor, não estou.

O Orador: — Então se o digno par não discutia comigo, não precisa de que eu falle, no que me faz muito favor.

(O sr. Presidente, do Conselho de Ministros ao dizer isto sentou-se).

O sr. Visconde de Chancelleiros:—Então é de

proposito.

V. exa. não se póde sentar pelo motivo de eu, por deferencia, lhe estar dando uma explicação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: —

Pois^falle v. exa. Eu não digo mais nada.

(Aparte do sr. Visconde de Chancelleircs).

O sr. Presidente:—Peço ao digno parque se lembre de que estamos na camara dos pares.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Já me vae parecendo que não estou.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Se ao digno par lhe parece isso, reconheça^que não é pelo meu procedimento.

(Pausa).

O relatorio que eu escrevi diz:

(Leu.)

Aqui tem, portanto, v. exa. quaes são as reflexões com que fundamentei o artigo do projecto, que está em discussão.

Parece-me que devo ter satisfeito agora o digno par.

(O sr. Presidente do Conselho de Ministros não reviu o seu discurso).

O sr. Visconde de Chancelleiros:—A resposta do sr. presidente do conselho tinha-o satisfeito, sim, mas mais completamente ainda o satisfaria se tivesse respondido a algumas outras observações, que accentuara no seu primeiro discurso.

Já declarara que nesta discussão nada havia de pessoal para elle, orador, e tanto assim que não duvidara provocar um accordo ou combinação com o sr. presidente do conselho, por meio de uma proposta, que tambem havia ficado sem resposta.

Voltando á apreciação do artigo e apreciando as considerações do sr. presidente do conselho, concluirei que, segundo a doutrina do sr. Fontes, era precisa uma duplica cão de cada artigo, dando em resultado duas cartas, uma preceituando positivamente, outra preceituando por forma negativa.

Bem sabia o que iam responder-lhe, e citou o facto de ter o sr. Latino Coelho, sendo deputado, recebido um protesto dos eleitores do seu circulo, em que pretendiam retirar-lhe o mandato, mas a isso replicava com a resolução,

que em presença da carta constitucional, essa camara ea-tão tomou a tal respeito.

Pareciam-lhe inconvenientes as reformas politicas pelo que ellaa eram e porque na sua opinião, elias haviam lançado no paiz o maior fundamento de dissolução social. Entendia que a camara dos pares não devia protestar contra ellas sómente com o seu silencio e por isso elle fallava desafogadamente. Perante uma camara essencialmente conservadora não se dizia um certo numero de cousas, era certo, mas desde que a camara consentia em perder esse caracter e que lhe batia á porta o espirito do seculo, já cousa alguma havia de defezo hoje ali.

Concluiu, respondendo á phrase, harmonica architectoni-ca, empregada pelo sr. presidente do conselho, que não lhe parecia de grande harmonia edificar um bello castello feudal com as suas torres elevadas no meio de um campo do

(O discurso do digno par será publicado na integra logo .que s. ex.& devolva as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros:—Direi apenas duas palavras. Eu não respondi ao digno par na referencia que elle fez a uma conversação que teve com-migo, porque depois de s. exa. ter feito uma declaração % este respeito não me .parece que fosse necessario o meu testemunho.

Dispensei-me, pois, de confirmar as palavras de s. exa. por um acto de delicadeza, mas se isto póde ser motivo para se dizer que eu deixei no esquecimento uma observação feita pelo digno par, não tenho duvida em dizer que não acceitei o accordo por s. exa. proposto, porque elle tendia a fazer prevalecer o principio da eleição indirecta para as eleições geraes de deputados.

A minha opinião sobre este assumpto é bastante conhecida, e portanto, qualquer que fosse a minha boa vontade em acceder aos desejos do digno par, não podia contrariar as idéas que tantas vezes tenho expendido. E esta a unica rasão que posso dar*a s. exa. quanto á não acceitação, pela minha parte, do uccordo que s. exa. propoz.

Repito que não tinha alludido á referencia que s. exa. fez sobre este ponto, porque julgava que era perfeitamente dispensavel o meu testemunho.

Referiu se tambem s. exa., á rasão em virtude da qual a camara se julgou auctorisada a deixar de reformar o § 14.° do artigo 75.°

Já tive occasião de demonstrar duas vezes ao digno par que é perfeitamente constitucional deixarem as côrtes de reformar esse paragrapho, e portanto creio que me dispensará a terceira repetição. .

Referiu-se tambem s. exa. ao mandato imperativo. A esta respeito digo a s. exa. que nas diversas constituições da Europa se encontra o mesmo principio que nós consignamos agora.

(O sr. presidente do conselho não reviu.)

O sr. Presidente:—Vae votar-se o artigo 1.°

Foi lido na mesa e seguidamente approvado.

O sr. Presidente:—Vae entrar em discussão o artigo 2.° .

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Disse que ten-cionaVa propor uma substituição a este artigo.

Não via rasão alguma de conveniencia publica para que o praso de duração de cada legislatura fosse de tres an-nos.

O facto de que era eleito quem o governo queria era rigorosamente um instrumento de dissolução.

A prova disto, se de prova carecesse, estava na popularidade que tinha no paiz a idéa da substituição da eleição directa pela indirecta, O sr. presidente do conselho acabava de declarar-se adverso a esta substituição.

Esta opinião era inconciliavel com a delle, orador, nem isso era de admirar, porque o sr. presidente do conselho tendo passado a maior parte da sua vida a ser homem de governo e elle, orador, tendo passado a ser homem da op-

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478 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

posição, era natural a diversidade de pontos de vista entre os dois.. Desenvolveu a sua opinião expondo as condições precisas em que desejava a eleição indirecta para que ella assegurasse a verdade da representação nacional.

Lembrou, a proposito, que toda a concentração de poder do sr. conde de Thomar não lhe fôra comtudo bastante para que elle conseguisse embaraçar a eleição de alguns homens distinctos da opposição.

Hoje, pelo contrario, sem embargo de todas as disposições da lei, que deveriam efficazmente salvaguardar a liberdade de voto, a verdade era que, salvas cada vez mais raras excepções, só vinha á camara quem o sr. presidente do conselho permittia que viesse.

Fez algumas referencias a cousas eleitoraes e concluiu ponderando que era quasi a hora marcada para o funeral do sr. conselheiro Carlos dos Santos Silva, presidente da associação commercial, cujo fallecimento fôra tão sentido pelo commercio é por quantos altamente respeitavam as suas qualidades, e que tendo muitos dos membros da camara e talvez tambem algum dos srs. ministros de ir assistir ao funeral, propunha por isso que, sem prejuizo da TO tacão do artigo 2.°, se encerrasse a sessão.

(O discurso do digno par será publicado na integra logo que s. exa. devolva as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo 2.° do projecto. Os dignos pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Consultada a camara, approvou o requerimento do sr. vis-

conde de Chancelleiros para que se levantasse a sessão, afim de que os dignos pares e o governo, querendo, assistissem ao funeral do presidente da associação commercial de Lisboa, o conselheiro Carlos Ferreira dos Santos Silva.

O sr. Presidente: - A seguinte sessão terá logar na proxima sexta feira, 5 do corrente, sendo a primeira parte da ordem do dia a discussão dos pareceres n.os 21, 22, 23 e 24, e na segunda parte da ordem do dia a continuação da discussão da especialidade do projecto de reformas politicas.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e trinta e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de junho de 1885

Exmos. Srs. João de Andrade Corvo; Marquez de Vallada; Condes, de Alte, de Cabral, de Ficalho, da Fonte Nova, de Margaride, da Praia e de Monforte, de Rio Maior, de Sieuve de Menezes; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Arriaga, de Bivar, de Chancelleiros, de S. Januario; Ornellas, Aguiar, Sousa Pinto; Henriques Secco, Serpa Pimentel, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Palmeirim, Bernardo de Serpa, Montufar Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Castro Guimarães, Costa Cardoso, Vaz Preto, Placido de Abreu, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Seiça e Almeida.

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