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N.º 64
SESSÃO DE 6 DE JULHO DE 1899
Presidencia do exmo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios—os dignos pares
Julio Carlos de Abreu e Sonsa
José Vaz Correia Seabra de Lacerda
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. — Expediente.
Primeira, parte da ordem do dia: discussão do parecer n.° 148, sobre o regimen cerealifero. Usam da palavra sobre o projecto os dignos pares visconde de Athouguia e conde de Bertiandos.
Segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.º 140, orçamento do estado. Conclue o seu discurso, começado na sessão antecedente, o digno par Frederico Laranjo. — Manda para a mesa, e justifica, uma proposta de additamento o digno par Julio Carlos de Abreu e Sousa. É admittida. — Antes de se encerrar a sessão, trocam-se explicações entre o digno par Fernando Larcher e o sr. ministro da marinha ácerca de vencimentos de funccionarios publicos da provinda de Angola. — Encerra-se a sessão, aprasa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.
(Assistiram ao começo da sessão os srs. ministros das obras publicas e da fazenda, e entraram durante dia os srs. presidente do conselho, e ministros da guerra e da marinha.)
Pelas duas horas e quarenta minutos da tarde, verificando-se a presença de 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.
Mencionou-se o seguinte
Expediente
Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, incluindo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a reformar os serviços relativos á arrecadação e encorporação de bens á fazenda nacional, e determinar que o pagamento por remissões ou venda de fóros, pertencentes a conventos supprimidos, seja feito em titulos de divida externa.
Para a commissão de fazenda.
O sr. Presidente: — Como não ha nenhum digno par que peça a palavra, passa-se á primeira parte da ordem do dia.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
Discussão do parecer n.° 148, sobre o projecto que regula de futuro a compra do trigo nacional, a importação do trigo ou milho exotico, e fabrico de pão e da farinha, a importação e a exportação d’esta.
O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o projecto a que se refere o parecer n.° 148.
Vae ler-se.
Leu-se na mesa, e poz-se em discussão o parecer, que é do teor seguinte:
PARECER N.° 148
Senhores.— A vossa commissão de agricultura examinou cuidadosamente a proposição de lei n.° 161 vinda da outra casa do parlamento e que é da iniciativa do governo. Ella tem por fim assegurar á lavoura nacional a venda em regulares condições do trigo e milho produzido no paiz; afiançar ás industrias de moagem e panificação boa remuneração para os seus capitães e trabalho, e tranquillisar o consumidor com relação ao receio de alteração no preço, qualidade e peso do pão. Mira a concordar interesses, que a muitos se afiguram antagonicos, mas que o não podem, nem devem ser.
Os desenvolvidos e bem elaborados relatorios do illustre ministro das obras publicas, da commissão de agricultura da camara dos senhores deputados, e da commissão technica do inquerito ás fabricas de moagem, os quaes serão presentes á vossa proficua meditação, cabalmente explicam não só o pensamento altamente patriotico do projecto, como tambem a possibilidade de praticamente realisar o regimen proposto, que, mantendo da lei vigente o principio fundamental da venda de todo o trigo nacional, elimina as causas de conflicto entre as classes interessadas.
Como vereis a Indole da proposta não permittia nenhuns propositos de intransigencia, antes o empenho de que a lei saisse quanto possivel melhorada pelo concurso de muitas intelligencias e vontades.
Este louvavel desejo teve logo realisação na commissão da outra casa do parlamento, que propoz algumas emendas importantes. A discussão erudita que se travou na camara ainda modificou a redacção de algumas bases com o fim de as tornar mais claras e explicitas, corrigindo e alterando algumas das disposições, por forma a assegurar melhor o funccionamento do regimen proposto, a dar satisfação a rascaveis reclamações ou a prudentemente conciliar interesses.
Senhores. — Raras vezes se apresenta ao exame de representantes da nação assumpto que mais deva prender a nossa attenção, e que possa ter mais direito ao nosso estudo. Encarecel-o é desnecessario.
Por qualquer lado por onde se encare, logo encontrámos empenhadas n’elle a riqueza publica, a hygiene, a fortaleza da nossa raça e a ordem social.
A sua conversão em lei do estado será um passo largo e firme no caminho que devemos ter sempre em vista e do qual os poderes publicos não podem afastar-se sem por isso se divorciaram com a nação, cujos mais caros interesses lhes estão confiados. Importa que o empenho de todos seja conseguirmos que o desenvolvimento da cultura cerealifera torne de uma vez para sempre e num futuro proximo escusada a importação de cereaes exoticos em nada comparaveis á riqueza alimentar dos que produz o solo portuguez.
Mas para isso é indispensavel que a áspera e trabalhosa vida do lavrador lhe de meios para sustentar-se e ainda os necessarios para alargar a sua cultura, sujeita a muitos contratempos.
N’estes termos a vossa commissão é de parecer que approveis o seguinte projecto de lei.
Sala das sessões, em 3 de julho, de 1899. = Pereira Dias = Luiz Rebello da Silva = Conde de Monsaraz = Almeida Garrett = Marquez da Graciosa — Pereira de Miranda = E. J. Coelho = Conde de Bertiandos, relator. = Tem voto do sr. Conde da Borralha.
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600 DIARIO DA CAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Projecto de lei n.° 161
Artigo 1.° A compra do trigo nacional, a importação do trigo ou milho exotico, o fabrico do pão e da farinha, a importação e a exportação d’esta serão regulados de futuro conforme as bases annexas a esta lei, e que d’ella fazem parte integrante, decretando o governo os diplomas necessarios para a sua execução.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.,
Palacio das côrtes, em 3 de julho de 1899. — Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, presidente = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramirez.
Senhores. — A vossa commissão de fazenda nada tem que oppor ao presente projecto.
Sala das sessões da commissão, em 3 de julho de 1899. = Pereira de Miranda = Telles de Vasconcellos = E. J. Coelho = José Frederico Laranjo — Fernandes Vaz = Pereira Dias = J. de Alarcão = Marino João Franzini — Almeida Garrett, relator.
Bases a que se refere a proposta de lei
Base 1.ª
A tabella reguladora dos preços de trigos nacionaes será a seguinte:
[ver valores da tabela na imagem]
§ 1.° Para os trigos de pesos intermediarios, não incluidos na tabella, o preço será calculado em proporção ao do trigo de peso immediatamente superior. Para os trigos de pesos superiores a 81 ou inferiores a 73 kilo-grammas, por hectolitro, calcular-se-ha o preço proporcionalmente ao que corresponde, respectivamente, a estes dois pesos.
§ 2.° Os preços da tabella referem-se a trigos, contendo no maximo 3 por cento de substancias estranhas. Quando o trigo contenha percentagem superior á indicada, far-se-ha um desconto de 1 por cento por cada centesimo a mais.
§ 3.° Os preços mencionados n’esta base são para trigo posto no mercado central de productos agricolas.
Base 2.ª
Até 15 de novembro de cada anno, o governo mandará proceder á chamada, para manifesto, do trigo nacional, a fim de poder decretar a distribuição d’esse trigo e bem assim calcular, sem prejuizo de outros meios de informação, qual a quantidade de trigo exotico a importar dentro do respectivo anno cerealifero, para occorrer ás necessidades do consumo.
§ 1.° O manifesto poderá ser feito tanto pelos produtores como pelos detentores do trigo nacional.
§ 2.° Poderá o manifesto ser feito tambem condicionalmente pelos productores, em relação ao trigo que reservarem para segundas sementeiras.
Base 3.ª
A importação de trigo de qualquer procedencia só é permittida:
1.° Aos fabricantes de farinhas devidamente matriculados;
2.° Aos lavradores para sementes.
§ 1.° Até 15 de dezembro de cada anno o governo fixará, por decreto, qual a quantidade de trigo que deva ser importado, o direito a cobrar, e o rateio pelos fabricantes, tanto do trigo exotico como do trigo nacional manifestado nos termos da base 2.ª
§ 2.° Nos mezes de agosto a novembro serão os fabricantes obrigados a comprar, por meio de rateio, em cada mez, até 20 milhões de kilogrammas de trigo nacional, aos productores que o manifestarem independentemente de chamada, a partir de 15 de julho, no mercado central de productos agricolas, ou nas respectivas delegações districtaes.
§ 3.° Os fabricantes de farinha, que não adquirirem desde logo a quota do trigo, que lhes couber no rateio, a que se refere o § 1.° d’esta base, serão obrigados a comprar em cada um dos mezes, desde dezembro até julho, pelo menos a oitava parte dessa quota.
§ 4.° A parte de trigo nacional, que deixar de ser comprada nos termos do § 3.°, por inobservancia da lei, será immediatamente rateada pelos restantes fabricantes, a quem serão, por esto facto, proporcionalmente augmentadas as percentagens do trigo exotico a importar,
§ 5.° A quantidade do trigo exotico a importar será proposta ao governo pelo conselho superior da agricultura, tendo-se em vista:
1.° A quantidade total de trigo precisa para consumo e para semente;
2.° A producção do trigo nacional, calculada pelas estações officiaes e pelos agentes technicos dependentes da direcção geral da agricultura, a qual organisará e publicará annualmente a estatistica relativa a cereaes panificaveis.
§ 6.° O direito a fixar pelo despacho para consumo do trigo exotico será proposto ao governo pelos conselhos superiores de agricultura e do commercio e industria, reunidos em sessão, observando-se o seguinte:
O preço medio do trigo nos principaes mercados, calculado pelos preços dos ultimos trinta dias, accrescido das despezas accessorias (frete, seguro, quebras, carga e descarga, commissão e corretagem, e outras devidamente justificadas) e da importancia do direito a cobrar nas alfandegas, não deverá ser inferior ao preço marcado para o trigo molar de 78 kilogrammas de peso por hectolitro, deduzidos 2 réis, na tabella apresentada pela commissão de inquerito ás fabricas de moagem.
§ 7.° Para o rateio do trigo, quer nacional, quer exotico, servirão de base as tabellas annexas ao decreto de 3 de abril de 1889, sendo a sua revisão commettida á secção technica da manutenção militar, a qual deverá, para esse fim, ter em vista:
1.° Em relação ás fabricas já matriculadas, a laboração effectiva e a sua força productiva;
2.° Em relação ás fabricas, que se matricularem no futuro e para o primeiro anno de laboração, a sua força productiva.
§ 8.° Serão publicadas no Diario do governo as notas relativas ás forças productivas e ás laborações effectivas das fabricas matriculadas, havendo sempre recurso para o conselho superior de agricultura.
§ 9.° Os fabricantes de farinha só poderão importar trigo exotico depois de ter adquirido o trigo nacional que lhes tiver competido no rateio.
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§ 10.° A epocha em que é permittido o despacho do trigo exotico, nos termos d’esta lei, começará a 2 de janeiro e terminará sempre no dia 31 de julho do anno agricola respectivo, sem tolerancia de qualquer especie. Em situação anormal, determinada pela escassez da colheita, devidamente comprovada, poderá o governo, ouvindo o conselho superior de agricultura, antecipar a epocha do despacho.
§ 11.° A matricula dos fabricantes será feita perante a direcção geral da agricultura, observando-se os preceitos que os regulamentos estatuirem.
§ 12.° A fiscalisação dos estabelecimentos respectivos, e dos productos fabricados, será exercida pelos agentes dependentes da referida direcção geral, nos termos dos regulamentos.
Base 4.ª
Todas as fabricas, excepto as que unicamenteçfnoarm e farinhas para o fabrico de massas, serão obrigadas a produzir, pelo menos, tres typos de farinhas, cujos preços e qualidades serão fixados por decreto, em harmonia com o parecer apresentado ao governo pela commissão de inquerito ás fabricas de moagem, nomeada pela portaria de 9 de abril de 1898, e annexo ás presentes bases, mas nunca superiores aos que actualmente vigoram.
§ unico. Das marcas de farinhas, mencionadas n’esta base, haverá amostras de typos, renovadas periodicamente, no mercado central de productos agricolas, para a fiscalisação e quaesquer resoluções officiaes.
Base 5.ª
Aos fabricantes de farinha será permittido importar trigo exotico, alem da quantidade indispensavel para cobrir o deficit cerealifero do continente do reino, sempre que provem haver exportado farinha em quantidade correspondente á do trigo a importar.
§ 1.° O despacho de trigo exotico a mais do que corresponde á percentagem de cada industrial da moagem só será permittido, na proporção de 100 kilogrammas de trigo para 70 kilogrammas de farinha exportada, os fabricantes de farinha matriculados que apresentarem na administração geral das alfandegas certidão authentica das alfandegas de Lisboa e Porto, em que se prove terem exportado farinha de trigo.
§ 2.° O trigo despachado nas condições do paragrapho antecedente será sujeito ao pagamento do direito de 0,5 réis por kilogramma.
§ 3.° A farinha exportada será do qualidade não inferior ao typo da extracção a 75 por cento.
§ 4.° A permissão concedida aos fabricantes de importarem trigos exoticos na hypothese prevista n’esta base, tornar-se-ha obrigatoria quando o governo, para supprir a falta de farinhas nos mercados do paiz, resolva decretar a importação da quantidade de trigo correspondente á farinha exportada; ficando os fabricantes obrigados á importação da parte do trigo que lhes couber, sob pena de multa igual ao quintuplo do direito fixado para o despacho do trigo exotico, destinado ao consumo, e de lhes ser cassada a licença para a laboração.
Base 6.ª
O numero de padarias é limitado nos termos dos decretos com força de lei de 26 de setembro de 1893 e 12 de fevereiro de 1895, sem prejuizo das que existissem a mais, devidamente auctorisadas, no dia 1 de abril de 1899.
§ 1.° As licenças para o estabelecimento de padarias serão concedidas pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, não podendo qualquer licença nova ser concedida emquanto o numero das padarias, em cada uma das referidas cidades, não for inferior ao designado n’esta base.
§ 2.° Em diploma especial serão definidas as condições hygienicas e de laboração, a que terão de satisfazer as padarias para poderem funccionar.
§ 3.° As actuaes padarias deverão requerer a confirmação das respectivas licenças dentro do praso de tres mezes a contar da data da promulgação do diploma, a que se refere o paragrapho antecedente, ficando obrigadas a satisfazer ao disposto no mesmo paragrapho.
§ 4.° As padarias e os productos n’ellas fabricados serão sujeitos á fiscalisação dos agentes dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, nos termos que os regulamentos preceituarem.
Base 7.ª
Serão riscados da respectiva matricula, e obrigados a suspender a laboração, os fabricantes que não cumprirem as prescripções da presente lei.
§ unico. Nos casos de greve, geral ou parcial, ou por quaesquer outros motivos de forca maior, o governo poderá, ouvindo os conselhos superiores do commercio e industria e da agricultura, auctorisar a antecipação, a que se refere o § 10.° da base 3.ª, ou decretar a importação de trigo por conta do estado ou ainda mediante concurso, observando-se n’este caso o disposto no § 2.° da base ll.ª
Base 8.ª
Serão reorganisadas as corporações consultivas, que funccionam junto das direcções geraes do commercio e industria e da agricultura, para a mais efficaz e prompta execução do disposto n’esta lei; e bem assim será reorganisado o mercado central de productos agricolas, sem augmento de pessoal e de despeza, a fim de poder facilitar o commercio dos cereaes e tornar effectiva e proficua a sua fiscalisação.
Base 9.ª
A manutenção militar será reorganisada, por accordo entre os ministerios da guerra e das obras publicas, commercio e industria, a fim de poder satisfazer ao disposto n’esta lei e acudir ás necessidades da alimentação publica em casos anormaes e imprevistos, augmentando-se, dentro das forças dos respectivos orçamentos, a sua capacidade productiva e as suas installações.
Base 10.ª
Em diplomas especiaes serão definidas as condições em que u trigo e a farinha possam ser importados na Madeira e nos Açores, tendo em vista:
l.º Que a importação do trigo exotico não prejudique a venda, pelos preços officiaes, de todo o trigo insular nos respectivos districtos;
2.° Que a importação da farinha só será auctorisada quando o seu preço se torne excessivo, ou quando haja falta d’este producto n’aquelles mercados.
§ unico. O direito a applicar ao trigo exotico, que haja de ser importado na Madeira ou nos Açores, será igual ao que vigorar no continente.
Base 11.ª
É elevado a 20 réis por kilogramma o direito de importação sobre o milho exotico.
§ l.° Quando, por escassez de colheita, devidamente comprovada, haja falta de milho no paiz, poderá o governo usar de qualquer dos meios designados no § unico da base 7.ª, a fim de abastecer os mercados d’esse cereal.
§ 2.° No caso de haver concurso, deverá ter-se em vista:
1.° A limitação da quantidade de milho exotico a importar, a fim de não prejudicar a proxima futura colheita;
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2.° A menor reducção possivel nos direitos;
3.° Não auctorisar outro destino ao milho importado, que não seja a alimentação publica;
4.° Garantir a venda nos mercados por preços não superiores aos normaes.
Base 12.ª
É o governo auctorisado a conceder, nos termos do regulamento:
1.° Isenção da contribuição predial, no praso de dez annos, devida pelos terrenos que forem, no futuro, cultivados de cereaes e que sejam actualmente incultos;
2.° Reducção de 50 por cento, pelo praso de cinco annos, nos terrenos cuja cultura actual, sem intervenção do trigo ou do milho, se transforme no futuro em cerealifera com predominancia d'aquellas plantas.
Palacio das côrtes, em 3 de julho e 1899. == Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, presidente = Joaquim Paes de Abranches = Frederico Alexandrino Garcia Ramirez.
O sr. Visconde de Athouguia: - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer algumas considerações sobre a materia.
O projecto que está em discussão tem, na sua generalidade, uma intenção importantissima: destina-se a estabelecer um preço remunerador para a cultura do trigo, a estabelecer um prece remunerador para a industria da moagem e, simultaneamente, a manter o preço actual do pão, promettendo uma melhoria de preço, o que equivale a dizer, um augmento no peso do pão.
A conciliação d'estes interesses oppostos, ligados intimamente com a questão, melindrosa, da alimentação publica constitue, como disse, a importantissima intenção d'este projecto.
Sr. presidente, discutir este projecto é passar uma revista minuciosa e attenta sobre cada um dos artigos que o compõem e concluir se, pelo seu conjuncto, se consegue o fim proposto, sem maior inconveniente.
Este trabalho foi largamente feito na camara dos senhores deputados, e vae ser completado n'esta camara pela palavra auctorisada dos oradores que me vão succeder.
Mas, sr. presidente, o projecto tem, alem do que acabo de dizer, uma intenção especial.
Diz o relatorio que o precede que o preço do trigo deve ser alem de remunerador, isto com a intenção de estimular a industria agricola de modo a estender a sua area de cultura cerealifera, ou a tornal-a mais productiva, por meio do emprego de adubos.
Assim, sr. presidente, evidentemente esta intenção é uma das que, juntamente com outras, conforme o sr. ministro da agricultura refere no relatorio que precede uma das suas providencias legislativas, constituem o seu plano de fomento agricola.
Sr. presidente, o plano de fomento agricola presuppõe o estudo do plano de exploração technica de uma região agricola qualquer, e mais a parte que, fóra d'esse plano, pertence exclusivamente ao legislador-a parte politica. O plano de exploração agricola, sr. presidente, é uma das questões mais vastas, mais profundas, que competem ao agronomo. Comprehende no seu conjuncto, por assim dizer, toda a sciencia agricola. Assim, sendo dada uma região qualquer, pela sua posição geographica, nós temos de a estudar no seu aspecto, isto é, teremos de levantar uma planta cotada, para fazermos idéa das elevações do terreno e da sua orientação.
No nosso paiz, cujo aspecto geral é montanhoso, tem importantissima influencia este estudo.
Assim, todas as montanhas cuja linha de cumiacla segue a direcção de nascente-poente, são influenciadas pelos raios solares em cada uma das suas vertentes mais irregularmente do que aquellas cuja linha de cumiada segue uma direcção mais ou menos approximada á direcção perpendidular a esta, isto é, norte-sul, e a importancia d'este facto é manifesta para avaliar o clima. Alem d'isto temos no nosso paiz um factor importante a attender na orientação e configuração do terreno: é o vento. O vento norte é violentissimo. Os ventos do quadrante de nordeste são frios no inverno, e quentes, abrazadores no verão. Os quadrantes do norte-sul pelo oeste são aquelles que, atravessando o oceano, trazem ao nosso territorrio as chuvas que podem influir de differentes modos conforme a configuração e exposição dos terrenos.
Depois, sr. presidente, entraremos nos dominios da agrologia e da agronomia, cujas sciericiais fundamentaes são a physica, a chimica e a botanica, estudando a região botanica e todas as questões que se prendem com a alimentação e cultura das plantas.
Temos em seguida a zootechnia, que trata da creação, da multiplicação e do aperfeiçoamento dos animaes que deverão ser aproveitados na exploração, sciencia que tem por base, principal a zoologia.
Temos em seguida a technologia rural, que é a sciencia e arte em que se condensam todas as questões de transformação da productos agricolas.
Em seguida teremos a parte da engenheria agricola, pela qual compete ao agronomo traçar os caminhos, pontes, tapagens, açudes, etc., e fazer o projecto de todas as edificações necessarias á lavoura, etc.
Finalmente, sr. presidente, a economia e a legislação. Ora, sr. presidente, é esta justamente a extrema, entre a parte technica e a parte politica.
Como a parte politica póde influir no plano de exploração - é o que vou expor com um exemplo.
Qual dos meus collegas, sr. presidente - e eu declaro
que sou muito cioso da camaradagem para lhes faltar com a minha confiança- seria capaz de se esquecer de uma planta que, como vulgarmente se diz, nasce espontaneamente no nosso paiz - o tabaco?
Com certeza que nenhum d'elles deixaria de considerar esta importante cultura, no seu plano de exploração.
Todavia a profissão do agronomo, quer seja funccionario do estado, quer seja particular, obriga-o a saber que a cultura do tabaco está prohibida por lei.
Mas, sr. presidente, qual foi a ordem de considerações por que se prohibiu n'uma região tão propria a cultura do tabaco?
Evidentemente pelas rasões de ordem politica.
Assim, pois, a parte politica justamente com a parte technica do plano de exploração são os pontos de vista sob que deve ser discutido qualquer plano de fomento agricola.
Sr. presidente, o continente de Portugal está na região da vinha, na região da oliveira e na região da cortiça.
Digo propositadamente da cortiça, porque é tão proprio o nosso clima e o nosso solo para a producção da cortiça, que se dá o facto curioso de ato-os eucalyptos começarem a produzir cortiça.
V. exa. comprehende que, se pega esta moda, um grande futuro terá Portugal.
Sendo este um projecto de fomento agricola, não posso deixar de conjunctamente me referir a outras providencias apresentadas pelo illustre ministro da agricultura, as quaes, no dizer de s. exa., constituem o seu plano de fomento agricola.
Desde já devo dizer que eu não estou completamente de accordo com s. exa.
Esta minha declaração colloca-me numa situação embaraçosa, porque tambem declaro, com toda a consciencia da verdade, que tenho a maior admiração pelo talento do sr. conselheiro Elvino de Brito e a maior consideração pela sua provada competencia n'estes assumptos, e no pouco tempo de convivencia que tenho tido com s. exa., tenho sentido, pelas suas maneiras attenciosas e delicadas, a sympathia que conduz á amisade.
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Sr. presidente, peço licença a v. exa. e á camara para, n'esta occasião, me referir a um jornal que me foi enviado.
Eu dou toda a attenção a qualquer jornal que tratar sincera e lealmente de qualquer questão de interesse publico.
O jornal a que me vou referir conta entre os seus collaboradores duas pessoas que me merecem especial consideração.
Refiro-me aos srs. conselheiros Eduardo Villaça e Marianno de Carvalho.
Este jornal insere um artigo que é o inicio de outros que promette apresentar sob o titulo A questão do alcool, e começa por estabelecer a these Tudo a vinha e tudo para o vinho.
Como é natural, refuta a these.
Sr. presidente, eu acceito esta these; mas, pela consideração que me merece a industria do alcool, daqui lhe respondo pela seguinte fórma: tudo a vinha, tudo para o vinho, respeitando os direitos adquiridos e os legitimos interesses da industria do alcool.
Eu antevejo, sr. presidente, em parallelo duas questões importantissimas.
S. exa. o sr. ministro da agricultura apresenta hoje um projecto de conciliação entre moageiros e lavradores.
Não virá longe o momento em que s. exa. terá de apresentar tambem um projecto de conciliação entre os productores de álcool e os vinhateiros.
Sr. presidente, tudo a vinha e tudo para o vinho, é a minha these.
Dizer que Portugal deve produzir vinho é dizer uma banalidade.
É claro que estando na região da vinha, naturalmente está indicada esta cultura no plano de exploração technica.
Mas, considerada esta disposição debaixo do ponto de vista politico, não são menos valiosos os argumentos em seu favor.
Se, porventura, as nações estrangeiras nos censurassem o alargamento da nossa area vinicola, nós podiamos responder que estando o nosso paiz situado numa parte privilegiada da região da vinha, sentiamos o dever, imposto pela natureza, de aproveitar os beneficios que ella nos indicasse, e se algum paiz tinha direito a queixar-se da concorrencia eramos nós, porque nos consideravamos os primeiros vinhateiros do mundo!
Mas qual é o argumento que se antepõe á these enunciada? É a crise da abundancia.
Eu cairia certamente no maior dos erros se não considerasse esta questão á altura da sua justa importancia.
A crise da abundancia é grave e importante, sem duvida; mas se é grave e importante esta crise, quando for verdadeira, não é menos grave nem menos importante para a orientação e desenvolvimento da agricultura a crise da falsa abundancia.
Sr. presidente, a batalha de Alcacer-Kibir perdeu-se por uma palavra.
Quando El-Rei D. Sebastião, depois de ter mandado tocar á Ave-Maria, por sentir a impaciencia, que reinava entre a flor dos seus nobres cavalleiros, de querer atacar o inimigo, deu ordem para avançar, e quando todos, com aquelle fervor de enthusiasmo, que fez o pasmo dos mouros, tinham rompido as fileiras do inimigo, uma palavra fatal: - "Ter! Ter!" que hoje equivale a dizer: - "Alto!" foi o bastante para determinar o momento de Hesitação que, transmittida como um choque electrico de uns para outros, fez nascer no inimigo a grande reacção que trouxe a funestissima perda da batalha.
Sr. presidente, impressiono-me quando ouço fallar na crise da abundancia, porque póde ter funestos resultados para o nosso progresso agricola no caso de não estarmos ainda no momento de a recear.
Affirmo a v. exa., e vou mostrar á camara, que não tive competencia nem habilidade para me convencer se temos a recear desde já a crise da abundancia.
O calculo, que importa fazer para esse fim, é bem facil.
De um lado escreve-se o numero que representa a producção e do outro o numero que representa o consumo, e da sua comparação concluiremos qual é o maior.
A producção ainda a acceito pelos dados estatisticos, mas o consumo? Bem sei que a questão se regala pelas leis da offerta e da procura; desde o momento em que a offerta seja superabundante e a procura se restrinja, é claro que se sente a crise da abundancia.
Mas appello para o criterio e conhecimentos scientificos do sr. ministro da agricultura, para que me diga se isto é ou não uma maneira de calcular, pela qual ficamos no campo das conjecturas.
Eu não quero enfastiar a camara, sei que estão todos cansados de uma larga sessão parlamentar, mas v. exa. comprehende que uma asserção d'estas tem por qualquer modo de ser justificada.
Vou apresentar a justificação e escolhi escrupulosamente alguns factos da minha convicção, que se bem me parece, abrangem varios pontos de vista e tendem a provar que a nossa area de producção de vinho ainda póde ser alargada sem receio de uma crise de abundancia immediata.
Sr. presidente, comprehende v. exa. que cada um falla segundo o seu temperamento; por consequencia, desculpe-me a camara se o argumento que peço licença para apresentar não for concludente.
Consta-me por um amigo meu, não posso lembrar-me quem fosse, que em Inglaterra, nalguns institutos de educação, obrigam os educandos a fumar.
Este facto, sr. presidente, numa nação tão pratica e commercial como a Inglaterra, prova bem quanto ella zela os interesses do consumo do tabaco, a ponto de estabelecer no programma do educação s crear consumidores.
E paralellamente o que acontece entre nós?
Sr. presidente, está nos nossos usos e costumes recatar o acto de beber vinho.
Eu pergunto se é verdadeira esta impressão.
Entre nós, a não ser um boçal, ou um rapaz estravagante, qualquer homem que se preze, em qualquer classe social, não bebe numa praça publica um copo de vinho, sem sentir que está praticando um acto contrario aos costumes estabelecidos pela nossa educação?
Será isto verdade?
(Ápartes dos srs. Fernando Larcher e Cypriano Jardim, que se não ouviram.).
Dizem-me que sim.
Então, sr. presidente, peço licença para soltar um brado de indignação patriotica.
Uma nação que, pela sua historia, prova triumphantemente que, desde o principio, todas as classes mostraram quanto eram dedicadas ao seu paiz: a começar pelos nobres, que conquistaram territorios, seguindo aos procuradores dos concelhos que, pugnando pelos seus direitos, provavam bem quanto os seus interesses estavam ligados á terra; até ao povo, que pela sua independencia morria de fome junto ao seu querido Rei D. João I, ali na cidade de Lisboa (e digo ali, porque então a cidade não chegava até aqui; aqui onde nós agora estamos estava então o, arraial festivo de D. João de Castella), esse Rei, progenitor do grande infante que foi pae, não de sangue, mas do espirito dos heroes, conquistadores do commercio dos mares.
Este povo, cuja geração actual ainda ha pouco mostrou em Africa quanto era digna da tradição que herdamos; este povo, sr. presidente, tem na sua educação o preceito, que eu não discuto, de não beber vinho em publico! É este povo patriota que por uma incoherencia inexplicavel acceita o uso estrangeiro de beber em publico, em ar de
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festa e acompanhado por musica, um vinho de valor intrinceco, inferior, o vinho de cevada: a cerveja!
A par d'isto, ignoram os estrangeiros que em Portugal o vinho chega para todos, no que não crêem, porque nas suas terras só os ricos bebem vinho.
Eu não quero mal á industria e ao commercio da cerveja.
Premiaria os productores com uma medalha, na qual estivessem inscriptas estas palavras - Valor e merito.
Valor, porque é preciso valor para ter a audacia de tentar introduzir o consumo da cerveja numa nação que devia ter o orgulho de possuir o melhor vinho do mundo.
Merito, porque a perfeição do fabrico colloca a cerveja em condições de concorrer francamente com o vinho, mas tirava-lhe a palavra lealdade, para obstar a que juntas as tres, Valor, Lealdade e Merito, se confundissem com aquella legenda que é destinada a premiar os actos heróicos de dedicação pela patria.
Permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu peca venia ao sr. ministro da agricultura, como representante do corpo docente do instituto real de agricultura, para dizer uma blasphemia chimica - da, uva tambem se póde fazer cerveja!
Não tiro as conclusões, por serem obvias e para não cansar a camara.
Apresentarei outro facto.
Vou comparar duas cidades - Lisboa - e uma que seja proxima e que esteja situada n'uma região vinhateira- Santarem.
Posso affirmar a v. exa. que Santarem é um centro de producção vinicola, um centro vinhateiro de primeira ordem.
Tendo eu feito parte do conselho de agricultura que em 1880 fez uma exposição de vinhos, talvez a mais extraordinaria que se tem feito no nosso paiz, tive occasião de o conhecer.
Em Santarem, afianço - e não é gratuitamente que o faço porque o explico - que qualquer classe da sociedade, as pessoas menos favorecidas da fortuna, o mendigo, até, encontram para consumo, em qualquer venda, vinho de melhor qualidade dó que em Lisboa tem á sua mesa a classe remediada.
O consumidor em Santarem é na maior parte vinhateiro, ou operario agricola, conhecedor do producto e, se pela sua pobreza acceita ás vezes um vinho que não é de tão boa qualidade, aponta-o como mau, e assim obriga o commercio a manter-se á altura devida; mas a classe remediada, em Lisboa, sujeita-se ao que vae buscar mais proximo de casa, sem ter competencia para recalcitrar.
Se a differença de qualidade é tão grande entre Lisboa e Santarem, o que fará em qualquer outra parte do mundo, na America ou na Africa, por exemplo.
O que haverá por lá?!
Emquanto houver estas differenças em tão pequena distancia como a que vae d'aqui a Santarem, não creio que os nossos vinhos cheguem ás praças estrangeiras no seu verdadeiro typo. (Vozes: - Muito bem.)
Sr. presidente, outro facto vou referir á camara, e peco-lhe a sua benevolencia, porque, por mais que eu queira, não sei resumir as minhas considerações. (Vozes: - Falle, falle).
Sr. presidente, não se assuste a camara em ver estes volumes (indicando os que tem sobre a carteira); eu apenas vou ler algumas palavras dos relatorios consulares e de informações officiaes. New-York: (Leu.)
"Continuam a ser desconhecidas n'este paiz as ricas variedades dos nossos vinhos do Porto, e eu continuo a crer que mau grado não termos aqui colonia portugueza abastada que, consumindo-os, os tornasse conhecidos, circumstancia que muito favorece outras nações vinicolas, não perderia o seu tempo nem o seu capital quem tentasse introduzil-os."
Em New-York não conhecem os nossos vinhos. Outro importante potentado que se levanta proximo de nós; o Congo belga: (Leu.)
"Segundo uma correspondencia publicada na Belgique coloniale de 1896, dos vinhos importados no Estado Independente, os que resistem melhor á viagem e ás differenças de temperatura, que como é sabido variam de 15 a 50 graus, são os vinhos portuguezes. O vinho portuguez misturado com agua é a bebida geralmente servida á mesa do branco."
Uma esperança mais: a de se alargar o consumo do nosso vinho a par do desenvolvimento das colonias.
Pernambuco refere-se aos nossos vinhos: (Leu.)
"O commercio de importação portugueza tem declinado constante e rapidamente não só n'este estado mas creio até que em todo o Brazil.
"As poderosas industrias francezas e inglezas venceram ousadamente o nosso tradicional commercio, assim como a habil industria alemã procura hoje vencer, em toda a linha, aquellas duas.
"E n'esta grande lucta, n'este grande certame, sómente um dos nossos artigos triumphou brilhantemente sem trabalhos, sem sacrificios para ninguem; triumphou espontaneamente pelos seus proprios merecimentos, batendo até as contrafacções de que era victima."
Abro um relatorio que realmente não diz respeito aos vinhos, mas é curioso, e daqui o dedico ao espirito elevado, fino e gracioso, do meu particular amigo e digno par conde de Bertiandos.
É importante.
Nós não calculamos talvez a intensidade com que a concorrencia commercial incide sobre nós. Essa concorrencia incide como aquella chuva miuda que não sentimos e que em alguns minutos nos deixa completamente encharcados: (Leu.)
"As estatuas, e outros grandes ornamentos de louça branca e azul, que antigamente se recebiam do Porto para guarnecer os telhados, as portas e os jardins das casas em Pernambuco, vêem hoje de Allemanha fielmente reproduzidos sobre os nossos modelos, e apparecem estatuas de louça representando Vasco da Gama, Camões, Albuquerque, etc., as quaes só têem de portuguezas o distico, quando o proprio fabricante lho não escreve no pedestal, com erros de origem manifestamente germanica."
Vê-se que os nossos irmãos ainda continuam a querer usar de ornamentos propriamente portuguezes, no que, aliás, são illudidos na sua boa fé patriotica. (Leu.)
"Pretoria. - Abriu-se, o deposito official de vinhos portuguezes. É no Marquet Straat, rua do Mercado, segunda em importancia na capital.
"Compõe-se este estabelecimento de dois decentissimos armazens, modesta mas dignamente mobilados, com quatro mostruarios a que a vista tem accesso através de placas inteiras de vidro polido. Encima-os uma larga taboleta na qual ha letreiros sómente em inglez e portuguez, e que significam: Deposito official de vinhos portuguezes; venda por grosso.
"Dos vinhos de Portugal esperava-se um rasoavel fornecimento, mas nunca veiu.
"Disseram os jornaes da capital muito opportunamente, que a colheita do Cabo era insignificante e que a Africa do sul offerecia um bom mercado aos nossos vinhos. E offerecia. Mas, infelizmente, o productor não pôde, e o negociante receioso não o aproveitou.
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"Pois aqui está no seguinte quadro, e sem commentarios, a prova do que perdeu:
Importação do Transwaal
[ver valores da tabela na imagem]
"Este quadro a dizer-nos que podiamos ter procurado, com alguns 1:000 hectolitros de vinho, preencher o logar que o Cabo não póde supprir, assenhoreando-nos de um mercado novo, causa verdadeira dor. .
"O commercio moderno não aguarda a compra; procura a venda. Parece não conhecer esta verdade o commercio portuguez.
"Perdeu-se uma opportunidade que tão cedo não voltam
Já agora, mais algumas leituras: (Leu.)
"Cadiz. - Só o pouco espirito de iniciativa dos nossos commerciantes póde explicar o abandono, para não dizer o desprezo, em que temos alguns mercados hespanhoes, em que poderiamos ter uma situação quasi privilegiada, pela superioridade dos productos, pela differença dos preços e pela facilidade de communicação.
"N'esta região, onde se bebe muitissimo vinho, o vinho do Porto é quasi desconhecido, e o pouco que aqui se vende é de maneira a desacreditar-lhe o typo e a fama, pela sua pessima qualidade e mais que duvidosa origem.
"Dos nossos vinhos de mesa, não ha sequer a mais leve noção: Collares, Bucellas, Torres, são typos completamente ignorados, e isto n'uma região onde se está reduzido a beber Rioja e Valdepenãs por altos preços e outras bebidas de lotação pouco escrupulosamente fabricadas."
Dir-se-ia que Cadiz fica tão longe de Portugal como a China! Prosigamos: (Leu.)
"Suissa. - Mas durante o anno de 1897 nem um só viajante do commercio portuguez veiu á Suissa procurar aqui saida para os artigos do seu ramo ou ampliar a freguezia que já têem as casas portuguezas. Para tratar de vinhos, por exemplo, visitaram a Suissa 3:131 viajantes dos outros paizes vinicolas."
Uma nota curiosa a respeito da Russia: (Leu.)
"A cultura da vinha occupa na Russia grande extensão; chega ao norte do antigo reino da Polonia e estende-se pela Siberia até ao rio Amor. Os ensaios n'esta ultima região não têem produzido resultados satisfatorios, por causa da grande duração da epocha invernosa. Algumas plantações ha proximas de Riga e mesmo S. Petersburgo, mas não têem importancia."
A Russia a querer produzir vinho, e nós na região do vinho, a querer produzir cereaes!
Lembro-me que o sr. ministro dos negocios estrangeiros poderia propor a estes lavradores que viessem para o nosso Alemtejo plantar vinha, embora se lhes garantisse a clientella que elles esperam obter com a vinha plantada na Russia proximo a S. Petesburgo!
Sr. presidente, muito mais poderia ler sobre o assumpto, mas concluo apenas com esta noticia.
O sr. Conde de Bertiandos: - Peço a palavra.
O Orador: - Eu peço perdão ao sr. conde de Bertiandos. Conclui mas foi esta parte do meu discurso e agora vou resumir as minhas considerações a respeito do vinho para depois tratar do trigo.
O sr. Conde de Bertiandos: - Estou gostando immenso de o ouvir. Pedi a palavra, mas s. exa. póde concluir quando quizer.
O Orador: - Começa emfim a apparecer o nome de "espumoso portuguez" de modo que parece annunciar um proximo futuro consumo.
Foi com o vinho espumoso portuguez (da real companhia vinicola do norte), como se sabe, que foi baptisado o cruzador D. Carlos I nos estaleiros da casa Armstrong em Elswick, e, já por este facto, já pelo vinho ter sido mostrado em Neweastle e Londres, se vão fazendo algumas encommendas d'elle.
O consul tomou em muita consideração o facto de se ter baptisado o cruzador com champagne portuguez.
Sr. presidente, concluo aqui a ordem de considerações que confirmam o que avancei, isto é, que não é facil conhecer qual é a cifra que representa o consumo dos nossos vinhos, e que não estamos ainda na hora de termos a verdadeira crise de abundancia.
Portanto, não percamos a esperança de poder alargar a area do consumo e da producção.
Sr. presidente, apresento uma idéa que ha muito tempo tenho: desejava ver estabelecida, a industria de vinificação.
Eu queria o lavrador productor de uvas e queria o beneficio que bem evidentemente podia resultar d'esta grande industria.
A industria de vinificação teria por effeito tornar mais nacional o commercio dos vinhos. Estando ligada ao lavrador, que lhe fornecia a materia prima, a fructa do nosso solo, essa industria procuraria crear o commercio do typo especial e incontestavelmente superior dos nossos vinhos, impedindo que, sendo commerciados num estado medio da sua vida chimica, elles possam servir de material de fabricação dos vinhos estrangeiros; transformação que, embora indifferente para os interesses do commercio, é comtudo uma verdadeira desnaturalisação dos nossos vinhos.
Poderiam objectar que os grandes centros de vinificação teriam o inconveniente do transporte da uva por grandes distancias, e num periodo curto, como é o da maturação; mas em contraposição diriamos que se as nossas redes de estradas e caminhos de ferro não resolvessem esta difficuldade, não serviam então para o primeiro trabalho de prosperidade do nosso paiz.
A industria da vinificação, mantendo conscientemente a fabricação do vinho no typo nacional mais caracteristico, e prevenindo as imitações e falsificações, o que era da sua conveniencia, afastava os perigos resultantes das industrias correlativas, permittindo que estas se estabelecessem livremente.
Assim, a industria do álcool de cereaes poderia gosar da liberdade, que lhe é devida, distillando á vontade o que lhe conviesse, permittindo-se-lhe a importação da materia prima que lhe fosse necessaria, e contribuindo assim tambem para a prosperidade da nação.
Eu desejava ver o meu paiz cioso e orgulhoso da riqueza do commercio do seu natural e principal producto; só então eu passaria alegre pelas das de maior movimento commercial sem sentir a depressão que me causam os centos de exposições variadas de productos de industria estrangeira. Então representariam esses productos o premio dos nossos vinhos; hoje representam a causa do nosso deficit.
Ainda como justificação, apresentarei o facto que se deu com o azeite.
Quando se realisou o congresso agricola em Lisboa, de que eu fiz parte, porque uma camara municipal se lem-
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brou de me mandar procuração, tratou da questão do azeite e do drawback, lavradores e industriaes diziam que o nosso azeite não podia servir para as fabricas de conservas, não só porque o azeite estrangeiro era especial, mas porque especial tambem era o fructo que o produzia.
Porém hoje está estabelecida a industria da fabricação do azeite em Portugal e as fabricas de conservas já se fornecem do azeite nacional, classificando-o de optimo.
Entre nós não ha meio termo; o que é bom é immediatamente optimo e o que é mau é immediatamente pessimo.
Sr. presidente, terminando aqui a parte do meu discurso relativa ao vinho, vou rapidamente expor a parte que se refere ao trigo.
Se Portugal está na região da vinha e deve aproveitar as condições privilegiadas que a natureza lhe offerece, é natural concluir que não estando Portugal na região do trigo, não deve produzir trigo.
Temos deficit de cereaes. Da mesma maneira não tive habilidade para me convencer de qual era o deficit, dos cereaes.
A vista do relatorio do projecto de lei apresentado pelo sr. ministro da agricultura e pela opinião de um illustre parlamentar que em 1896 apresentou um projecto sobre cereaes na camara dos senhores deputados, convenci-me da difficuldade d'este calculo.
S. exa. o ministro, o sr. conselheiro Elvino de Brito, calcula esse deficit num terço, mas o sr. Adriano Monteiro calcula a producção num quarto, portanto o deficit em 3/4 do consumo, o que é uma differença enorme.
Não tenho rasão para depositar maior confiança n'um calculo do que noutro, de onde concluo que o calculo é difficil, e portanto que fica tambem no campo das conjecturas.
Sr. presidente, eu fiz muitas contas, mas nada me satisfez; comtudo o que no meu espirito impera, é que o deficit do trigo, seja elle qual for, precisa de um coefficiente de correcção.
Ora eu estou compromettido com o sr. conde de Bertiandos a contar uma historia, mas não sei se v. exa. e o sr. Pereira Dias me dão licença para o fazer, parece-me que sim; e então sempre conto. Como todos me conhecem mais ou menos pelo meu exercicio predilecto, a historia que vou contar é de caça.
Um dia fui á caça com uns amigos; á caça dos coelhos (não é esta a minha caça predilecta, mas isto não vem para o caso). Estava proximo de uma parede de pedra solta, muito esburacada, onde se tinha mettido um furão, quando um coelho veiu sair á altura da minha cara.
Logo que me viu, quiz entrar, mas o furão, que vinha em sua perseguição, susteve-o. Eu agarrei o coelho pelas orelhas e mostrando-o aos meus companheiros, disse: querem atirar ao coelho? Disseram que sim. Voltei as costas á parede e como adiante de mim ficava um terreno plano, muito naturalmente puz o coelho no chão.
O que aconteceu? O coelho voltou para traz e foi outra vez para dentro da parede.
O que é facto é que eu não reflecti, mas os meus amigos não protestaram. O que me suggere esta historia, é que quando se apresenta aos poderes publicos o projecto de construcção de uma via de communicação, a primeira cousa que a todos lembra é a difficuldade de obter capitães para a executar.
Ninguem pensa que uma estrada seja um melhoramento que possa ter inconvenientes. A importancia das vias de communicação é bem conhecida: por ellas vão aos mercados longe da região de producção procurar melhor preço os productos agricolas.
Porém, não reflectimos que por essas mesmas linhas se insinua o commercio estrangeiro, que vae fazer a concorrencia.
É o caso que me parece dever influir no calculo do deficit cerealifero. O trigo vae facilmente pelo caminho de ferro substituir o milho na alimentação e o milho vae para as fabricas de álcool. Ha n'isto uma transformação que, em face das leis economicas, não devia prejudicar a riqueza do estado, mas é facto é que a questão financeira por este lado não aproveita ao thesouro. Não entro agora n'esta questão.
Eu avanço uma proposição, a qual é que não devemos estimular a cultura do trigo, e vou apresentar as minhas rasões.
Sr. presidente, antes de as apresentar, não posso deixar de me referir ao conjuncto d'essas medidas, que formam o plano do fomento agricola de s. exa. o ministro.
Não vou discutir os projectos agora, o que era contra o regimento; mas vou referir-me sómente ás idéas que s. exa. expoz no relatorio que os precede.
S. exa. diz: "é necessario que os grandes proprietarios sejam compellidos a dividir e arrendar as suas propriedades, embora fiquem com o fóro em satisfação da sua natural vaidade de grandes proprietarios!"
Sr. presidente, ha muitos annos que passei pelo estudo da agricultura, e ha muitos annos tambem que fiz parte do conselho de agricultura de um districto de grande importancia agricola; desde essa epocha até hoje não tive occasião de estar proximo d'estas questões e agora lamento-o, por não poder conhecer mais o meu paiz para poder ajuizar melhor esta proposição avançada pelo sr. ministro.
Vou referir-me, comtudo, a uma região que conheço. Conheço, porque a percorri a pé e VI de perto os campos das margens do Tejo desde a Gollegã até Villa Franca e pelo sul desde a Chamusca até Muge; conheço pela mesma fórma uma grande parte da bacia hydrographica da ribeira de Santo Estevam e das suas componentes as ribeiras do Lavre e de Canha.
Conheço tambem grande parte da bacia hydrographica das ribeiras de Muge, da Lamarosa e de Ulme.
N'esta area estão comprehendidas grandes propriedades, das quaes conheço um numeroso grupo de donos.
Pela convivencia que tenho tido com elles posso afiançar que de nenhum suspeitei a vaidade de grande proprietario, de que s. exa. os accusa. Eu não digo isto porque duvide da verdade das palavras de s. exa. seria faltar á coherencia das declarações que fiz ao começar o meu discurso.
S. exa. que o diz é porque o sabe.
N'este caso, se ha proprietarios que, por vaidade, não querem cultivar as suas terras, concordo em que sejam obrigados a indemnisar a sociedade do prejuizo que lhe causam.
Mas, se n'este ponto concordo com a idéa de s. exa., o que eu não sou é contra a grande propriedade.
A grande propriedade é na agricultura o que a grande fabrica é na industria. Tem por dever, regulado pelas leis economicas, produzir mais e mais barato.
É a grande propriedade que enche os mercados de Lisboa com moios de trigo, e não as terras do norte com as suas medidas, os seus alqueires.
Não sou contra a grande propriedade e, portanto, não concordo com o sr. ministro quando s. exa. diz que a divisão da propriedade deve ser um beneficio.
Lembro-me, e de certo mais alguem que n'esta camara está olhando para mim, do tempo do nosso curso das escolas em que, para exemplo de perfeição de qualquer pratica agricola, se apresentava como modelo a provincia do Minho.
Eu então considerava essa provincia como o non plus ultra da perfeição da agricultura.
Sr. presidente, passaram-se muitos annos e, ao ter a honra de entrar n'esta camara, tenho notado que em todas as legislaturas se tem apresentado projectos em cujos relatorios se lamenta o estado da decadencia da provincia do Minho.
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Sr. presidente, se a perfeição agricola do Minho nos conduz a este estado,- triste perfeição!
O nosso Tejo, separando a região do norte da região do sul, parece que quiz suster o mal que das praticas agricolas do norte podiam passar á provincia do Alemtejo!
Para que no Alemtejo se adoptassem as praticas agricolas do norte, bastava projectar uma obra tão importante como grandiosa, bastava fazer desviar as aguas dos rios pelas encostas das montanhas adjacentes.
A falta de agua no Alemtejo é a rasão por que esta região não tem nem póde ter a feição agricola das provincias do norte.
Os montes do Alemtejo são verdadeiras povoações; não é ali só a casa do rendeiro, ou do caseiro, como por cá se diz; no monte vive muita gente em casas alugadas ao proprietario da herdade.
O sr. ministro apresenta o casal de familia como plano de exploração e com o fim de proteger a classe de trabalhadores agricolas.
Eu vou referir-me a uma região que já mencionei, as charnecas do sul do Tejo. Conheço n’essa região alguns kilometros quadrados que ha perto de trinta annos foram divididos em pequenes casaes, e conheço n’essa mesma região alguns kilometros quadrados que ha apenas dois annos foram divididos do mesmo modo.
O aspecto de uns e de outros é o mesmo, são vinhas, e pela maior parte se reconhece que o proprietario não póde viver do producto do seu terreno; portanto que terá de procurar trabalho fóra.
Se considerarmos estes casos debaixo do ponto de vista da protecção, perfeitamente justa e indispensavel á classe do trabalhador agricola, sentiremos que a grande distancia a que estão situados os obrigam a percorrer leguas no caminho até aos campos onde podem encontrar trabalho.
Com a intenção de proteger esta classe mais conviria por meio de expropriações alargar a area das povoações.
Considerando o casal de familia como plano de exploração eu citarei um adagio francez que, apesar de ser popular, vem nos livros que tratam da constituição da propriedade: agriculteur pauvre, pauvre agriculture.
V. exa., sr. presidente, comprehende que não póde ser plano de exploração encher o Alemtejo de casas de agricultores pobres.
(Entra na sala o sr. presidente do conselho.)
O Orador: — Só agora vejo presente o sr. presidente do conselho, e tenho pena, porque desejava dedicar tambem a s. exa. na sua qualidade de vinhateiro, a parte do meu discurso que tratava da questão das vinhas.
Deseja s. exa. o sr. ministro da agricultura que a propriedade no Alemtejo se divida, e accusa acrimoniosamente os extensos latifundios.
Ora esses latifundios são as nossas pastagens naturaes e muito erram os tratadistas quando os levam á conta de terrenos incultos comparando-os com a area das pastagens de outros paizes.
Se são más, se são pobres, a culpa não é nossa. Mas se são pobres por falta de fertilidade do solo para pastagens, em peores circumstancias estão para se converterem em terras de pão.
Mas, insistindo no proposito de desenvolver a cultura do trigo no Alemtejo, o meio indicado seria tirar proveito do estado de pouca divisão de propriedade em que a provincia se encontra e estabelecer a grande cultura com o emprego de machinas.
Esta indicação é bem conhecida nos estudos agricolas; é uma banalidade.
Eis-aqui como e por que não estou de accordo com o sr. ministro em relação á divisão da propriedade como meio de orientar o progresso da nossa agricultura.
Vou agora expor á camara a minha idéa, quero dizer, a idéa da minha escolha.
Vou apresental-a tal como ella se deduziu no meu espirito.,
Qual é a questão?
É que o lavrador não póde produzir trigo de modo que possa competir com a concorrencia estrangeira; d’ahi, a necessidade de uma lei proteccionista.
Isto sim.
Note v. ex a e note a camara: eu não quero dar idéa de que sou livre cambista; o que não sou é exclusivista. (Apoiados.}
Em theoria, sou livre cambista, é claro. Quem não quereria ver o seu paiz a produzir sem receio da concorrencia estrangeira?
Comprehendo que as medidas de protecção devem existir para serem applicadas em occasião opportuna.
O protecionismo entre nós não é moderno, data já dos alealdamentos de D. Affonso III, lei que tinha por fim estabelecer o equilibrio da balança commercial.
Mas, por que não podemos produzir trigo tão barato como o estrangeiro?
Porque o trigo vem da America, de uma região fertil e propria para a cultura de cereaes e que pela sua riqueza tem podido estabelecer as machinas, o que mais contribue para baratear o trigo.
É verdade! e por isso é necessario proteger a nossa agricultura, mesmo porque d’ahi deriva a questão financeira; mas, sr. Presidente - e para isto chamo a attenção de v. exa., e da camara — uma observação.
Se a America fosse nossa?
Não teriamos de modificar o nosso plano de exploração?
Insistiamos em cultivar o trigo no nosso paiz, ou aproveitavamos a America para esse cultura?
Aproveitavamos, ou não, o nosso paiz para produzirmos o vinho, o azeite e outros productos que aqui se poderiam obter pelas naturaes condições do solo?
Sr. presidente, vamos á minha idéa, á idéa da minha escolha, parece-me que quem ha de ter a gloria de destruir os inconvenientes que podem provir do deficit cerealifero, não ha de ser o sr. ministro das obras publicas, ha de ser o sr. ministro da marinha. Mas como! (Não imagine v. exa. que lhe vou dizer que faça a conquista da America) mas, figuradamente, poderei dizer que é esta a minha idéa. Conquista de uma America, sim, mas de uma America nossa. De uma região fertilissima.
Pela informação de um rapaz distincto, um dos nossos heroes de Africa, que num momento de descanso da guerra embainha a espada e pega na penna para servir o seu paiz, o sr. capitão Couceiro, consta-me que a productibilidade do trigo na região da Chella é o triplo da producção da metropole.
Faça o illustre ministro o caminho de ferro de Mossamedes ou de Benguella, abra as communicações necessarias e verá como facilmente transforma o planalto de Chella numa região cerealifera.
Não conheço as qualidades do trigo d’essa região, mas um outro africanista, para mim de provada competencia, disse-me que a producção media de trigo em Tete é de trinta e cinco sementes, e que a qualidade de pão fabricado com aquelle trigo é excellente; n’esta região, extraordinariamente productiva, podia tambem ser estimulada a cultura do trigo por uma disposição de lei que obrigasse a pagar com vinho ao indigena que cultivasse este cereal. Assim obtinha-se o duplo fim de crear consumidores de vinho entre os indigenas de Africa, que não o têem para beber, e ao mesmo tempo crear productores de trigo de primeira qualidade e baratissimo attendendo ás condições da cultura.
Sr. presidente, vou terminar dizendo,, que a minha exposição, se tocou porventura a raia da phantasia, teve duas causas: a primeira, porque não estando proximo das questões agricolas não pude obter facilmente os dados indispensaveis para tratar de uma questão importante dentro do praso em que é dado estudar qualquer projecto de lei; segunda, porque, sendo portuguez e amando o meu
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paiz, desejaria, por um supremo esforço, tiral-o d’esse mau estado que todos sentimos, que nos deprime e desanima.
Termino aqui desejando ter satisfeito a v. exa., sr. presidente, por ter cumprido os preceitos do regimento da camara, que muito acato: á camara, por ter affirmado o credito das minhas boas e sinceras, intenções; ao paiz, porque ao menos dei prova de interessar-me numa questão de interesse publico.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por todos os lados da camara e pelo sr. ministro das obras publicas.)
O sr. Presidente: — São horas de se entrar na segunda parte da ordem do dia, mas se o digno par o sr. conde de Bertiandos, que se acha inscripto para fallar na primeira parte da ordem do dia, tenciona occupar por pouco tempo a attenção da camara, eu não tenho duvida em lhe conceder a palavra.
O sr. Conde de Bertiandos: — É apenas por alguns minutos.
O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.
O sr. Conde de Bertiandos: — Não vem defender o projecto, porque, póde dizer-se, não foi atacado.
Podia pois dispensar-se de fazer uso da palavra, se não fosse a muita consideração que tributa ao digno par que o precedeu.
Dirá a s. exa. que se congratula por ter ouvido um discurso tão cheio de factos, e tão revelador de conhecimentos profundos sobre a questão agricola; questão que deseja ver largamente debatida, tanto n’esta, como na outra casa do parlamento.
Houve tempo em que, apesar de se dizer que Portugal é um paiz essencialmente agricola, nada no parlamento se dizia sobre o assumpto, de modo que facilmente se podia suppor que não tinhamos terra, e que a tal respeito nada sabiamos, e nada queriamos saber.
Felizmente hoje reconhece-se que o nosso paiz é agricola, e que a nossa riqueza está no solo.
Congratula-se, pois, pelo discurso do digno par, e pede-lhe que continue a versar o assumpto, e a vir á camara, uma e muitas vezes, dar conta dos estudos a que se entregue.
Ha, porém, no discurso de s. exa., um ponto grave a que o orador não póde deixar de se referir.
Julga arriscado o dizer-se que nós devemos renunciar á cultura do trigo, do milho, do centeio, e que nos devemos entregar tão sómente á cultura da vinha, do azeite e da cortiça.
A seu juizo, e contrariamente á opinião do digno par a quem responde, devemos, não só conservar os cereaes que possuimos, mas augmental-os, tanto quanto for possivel.
É vantajoso que haja vinha, e de incontestavel vantagem que o vinho por nós produzido sobreleve nos mercados estrangeiros o producto similar de outros centros exportadores; mas convem notar que nós não governâmos nas nações e nas alfandegas alheias.
Repete que é necessario que a cultura de cereaes se continue, tanto mais que essa cultura, reunida a outras, dá em resultado ficarem os serviços mais baratos.
Entregando-nos exclusivamente a certa e determinada cultura, produziriamos uma unica moeda, que poderia facilmente depreciar-se, impossibilitando-nos, portanto, de comprar o pão de que precisâmos.
Muito mais podia dizer, mas tendo presente a observação do sr. presidente, limita aqui as suas considerações, voltando de novo ao assumpto, se a isso for compellido.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.}
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do parecer n ° 140 (orçamento do estado)
O sr. Presidente: — Passa-se á segunda parte da ordem do dia, e continua com a palavra o digno par o sr. Laranjo.
O sr. Frederico Laranjo: — Continuando o seu discurso começado na sessão anterior, insiste em dizer que as verbas foram rigorosamente calculadas.
Quanto ás 78:718 acções da companhia dos caminhos de ferro, estranha os clamoresque a opposição levantou quando ellas foram empenhadas, e a falta de louvor e applauso no momento em que se effectuou o seu resgate.
Essas acções foram desempenhadas, sem se vender um unico titulo, e apenas pelos recursos do thesouro.
Nota a impaciencia dos dignos pares opposicionistas quanto á solução das dificuldades que nos assoberbam, e explica-lhes que o seu organismo social combalido não se estabelece por meio de milagres.
É necessario proceder com toda a cautela, é indispensavel augmentar os recursos do thesouro, e é esse o plano do actual sr. ministro da fazenda.
Quanto aos reparos que ao digno par conde do Casal Ribeiro mereceu o artigo 6.° do projecto, disse que o governo não póde crear titulos senão quando essa creação esteja auctorisada por lei.
Depois de mais algumas observações em replica aos argumentos adduzidos pelos dignos pares que combateram o projecto, diz que, se a situação do paiz não é desafogada, vae melhorando consideravelmente.
É preciso aproveitar a monção favoravel, e procurar diminuir encargos e augmentar recursos.
Se voltarem as novas circumstancias que nos sejam contrarias, bom será que estejamos habilitados a comba-tel-as.
(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, quando s. exa. haja restituido as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta mandada hontem para a mesa pelo sr. relator da commissão.
(Leu-se na mesa.}
O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida e fica em discussão conjunctamente com o projecto de lei.
O sr. Abreu e Sousa: — Desculpe-me v. exa. e releve-me a camara se eu tenho, por dever, de entrar hoje n’este debate; mas por pouco tempo occuparei a sua attenção. Vou resumir as considerações que tenho a apresentar sobre o orçamento que está em discussão, na parte relativa ao ministerio da guerra. Preciso fazer um pouco de historia proxima para justificar o meu procedimento, tomando a palavra n’esta questão.
Recorda-se por certo v. exa. de que na sessão de 21 de junho de 1896, anterior áquella em que eu tinha apresentado n’esta camara um projecto de lei modificando em varios pontos a lei de 13 de maio de 1896, onde se achava incluido um principio que me parece desvantajoso para o organismo militar —refiro-me ao principio do limite de idade como termo da carreira militar — n’essa occasião, em resposta ao digno par sr. Pimentel Pinto, que sinto não ver presente, disse eu:
«A opinião do governo sobre elle (projecto) não procurei ainda conhecel-a; espero, porém, provocal-a aqui ou no seio da commissão de guerra quando e como tiver por conveniente.»
Comprehende v. exa. que, estando eu, por effeito d’esta declaração, obrigado a conhecer a opinião do governo a tal respeito, procurava fazel-o; mas deu-se uma circum-
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stancia que demorou o meu proposito: houve uma recomposição ministerial e entrou para a pasta da guerra o meu amigo sr. Sebastião Telles. Claro é que, desconhecendo eu as suas idéas, solicitei, de v. exa. e da camara, a precisa auctorisação para que o meu projecto de lei, ou antes os pareceres ácerca d’elle formulados, voltassem á commissão.
Com effeito, no anno de 1896, em que apresentei o meu projecto á camara, não logrou elle ser discutido na com missão, e, portanto, no parlamento. Todavia, no anno passado a commissão de guerra considerou largamente em muitas sessões, esse projecto e lavrou sobre elle o seu parecer ou, antes, os seus pareceres, porque houve dois um da maioria e outro da minoria da mesma commissão Esses pareceres, contradictorios entre si, foram para i mesa, mas, pela ordem dos trabalhos parlamentares, não coube no possivel a discussão d’aquelle assumpto. Estava a questão n’estes termos, quando se deu a modificação ministerial que produziu a saida do nobre ministro da guerra, que geria então aquella pasta, e a sua substituição pelo não menos digno ministro sr. Sebastião Telles.
Pouco depois da entrada d’este cavalheiro para a pasta da guerra, disse-lhe eu particularmente que, tendo pendente na camara uma questão d’esta natureza, me parecia incorrecto da minha parte provocar a discussão d’ella desde que entrara um novo ministro cuja opinião a ta respeito eu não conhecia; que, portanto, entendia rasoavel pedir á camara me auctorisasse a levar á commissão os pareceres que se achavam sobre a mesa com relação ao meu projecto, para, conjunctamente com a reforma do exercito que s. exa. o ministro tinha apresentado na outra casa do parlamento, serem discutidos e considerados n’essa commissão como fosse de justiça.
O sr. ministro da guerra deu-me a liberdade inteira de proceder como entendesse, não deixando de concordar em que parecia correcto o procedimento que eu indicava. N’estas circumstancias eu requeri á camara que o projecto voltasse á commissão, a fim de ali ser considerado quando lá se debatesse a base do projecto de reorganisação do exercito com a qual elle tinha intima relação. A camara annuiu ao meu requerimento e o projecto voltou á commissão de guerra.
Ora, sr. presidente, v. exa. e a camara conhecem bem os factos que occorreram no seio dessa commissão e sabem perfeitamente que, em resultado d’elles, a base da reorganisação militar sobre que o meu projecto insidia não chegou a ser lá discutida, por isso que o projecto de reorganisação foi arrancado da commissão e approvado summariamente pela camara.
Isto fez, portanto, com que eu resolvesse aguardar occasião opportuna de na camara dizer da minha justiça o que sobre o assumpto se me offerecesse; e a occasião mais apropriada pareceu-me ser a da discussão do orçamento geral do estado.
É por isso que tomei agora a palavra para me referir á lei do limite de idade, sob o ponto de vista financeiro, isto é, nas suas relações com os encargos do thesouro publico.
Restringindo-me, portanto, ao campo orçamental, vou fazer as seguintes considerações.
No orçamento que se discute, estão inscriptas as seguintes verbas:
Para reformados, segundo a lei de 1887 544:197$600
Para reformados, por effeito da lei do limite de idade 69:234$000
Permitta-me v. exa. e permitta-me a camara que eu lhes de algumas explicações a respeito d’esta ultima verba que é a que se refere á despeza com o chamado quadro auxiliar, porque nem todos os dignos membros d’esta casa são militares, e entre nós, infelizmente, as questões militares não dispertam o devido interesse das classes civis, como era para desejar.
O quadro auxiliar foi uma instituição creada pelo illustre ministro da guerra, o sr. general Francisco Maria da Cunha, o. que, francamente não tem utilidade alguma, pelo menos ninguem lha reconhece, foi apenas uma simples mudança de nome, applicada aos officiaes reformados pelo limite de idade, e nada mais.
Os officiaes em certas condições, os officiaes reformados por terem attingido o limite de idade deixaram de se chamar assim e passaram a denominar-se officiaes do quadro auxiliar.
Ora esses officiaes do quadro auxiliar, que é assim composto, e que parece deveriam servir para auxiliar os do quadro activo tanto na paz como na guerra, não servem para cousa alguma; pois que o governo os não emprega em nenhuma commissão de serviço mais moderado como lhe é facultado pela lei de 1887.
Eu vou dizer á camara quantos officiaes contem esse quadro auxiliar e as suas graduações.
O quadro auxiliar tem 27 generaes de divisão, 5 generaes de brigada... (esta relação refere-se a 12 de maio), 21 coroneis, 6 tenentes coroneis, 5 majores e 2 capitães.
Sob o ponto de vista militar eu deixo á consciencia de todos o avaliar o proveito militar d’esta instituição.
Vamos agora ao orçamento do ministerio da guerra.
O sr. ministro da guerra propõe para o anno economico de 1899-1900 o seguinte:
Para o quadro auxiliar a quantia de 69:234$000 réis, e para os officiaes reformados pela lei de 1887, 544:197$600 réis, o que perfaz a totalidade de 613:431$600 réis.
Será pelo menos curioso expor a v. exa. e á camara o modo como estas verbas se têem desenvolvido a partir do inicio da lei relativa ao limite de idade, como ellas têem crescido até ao presente.
Estava inscripto no orçamento para 1892 a 1893 uma verba para reformados de 056:899$148 réis e tivemos a despeza effectiva n’esse anno de 496:343$485 réis; houve portanto uma sobra de 60:555$663 réis. Isto antes da implantação do limite da idade.
Em 1893 a 1894 a verba orçamental era de 518:440$400 réis, a despeza effectiva 507:471$120 réis; houve ainda uma sobra de 10:969$272 réis perto de 11.000$000 réis.
Chega o anno fatal de 1894 a 1895 e em 10 de janeiro de 1895 decreta-se dictatorialmente o limite de idade. Poderia dizer-se que na occasião em que se applica uma lei nova abrangendo um grande numero de individuos, os encargos financeiros serão n’esse momento maiores, embora nos annos subsequentes vão decrescendo gradualmente.
Não succedeu assim.
No anno economico de 1894 a 1895, primeiro da applicação da lei passou de 518 para 505 contos de réis. A despeza effectiva nesse anno foi de 558:200$000 réis havendo portanto um deficit de 53:200$000 réis. No anno de 1895 a 1896 encontra-se inscripta a mesma verba de réis 505 contos para uma despeza effectiva de 571:632$241 réis; deficit 65:762$741 réis. No anno de 1896 a 1897,a mesma cifra 505 contos de réis; despeza effectiva 573 contos de réis, deficit 68 contos de réis.
Estavam as cousas n’este pé quando o ministerio regenerador foi substituido pelo progressista. Então o sr. ministro da guerra da nova situação politica, pareceu-lhe que este estado de cousas não podia continuar e que era preciso augmentar a verba para os reformados, a fim de equilibrar a receita com a despeza.
Para este fim fez inscrever no orçamento para 1897—1898 a verba de 616:318$000 réis, e então a despeza effectiva n’esse anno baixou em comparação com esta receita, mas ainda assim foi de 610:906$921 réis; houve, portanto, uma sobra apenas de 5:000$000 réis.
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Chega o anno de 1898-1899, a verba orçamental passou a ser de 713:892$800 réis.
Mas a despeza effectiva cresceu mais e passou a ser de 631:951$200 réis, isto é até 12 de maio; hoje é maior, de modo que houve logo um deficit de 18:058$400 réis. Este é portanto ultimo anno economico liquidado.
Passemos agora a verba inscripta no projecto do orçamento para o anno economico de 1899-1900.
N’esse orçamento, e pela primeira vez, se faz a separação da importancia calculada, para os reformados segundo a lei antiga e para es que pertencem ao chamado quadro auxiliar, sendo o total de 614:197$600 réis. A verba para os reformados pela lei antiga é 554:963$600 réis e a dos do quadro auxiliar de 69:234$000 réis.
Será esta ultima verba suficiente? Terá terminado o crescimento da despeza com o quadro auxiliar?
É o que vamos ver.
Como já disse, esta verba proposta confrontada com a despeza effectuada até 12 de maio do anno economico que acaba de findar é muito inferior, não chega para o anno economico corrente, pois só com o quadro auxiliar se gastou até 12 de maio 82:286$400 réis.
Por conseguinte, se eu fizer o calculo da verba que é preciso para pagar aos officiaes que pertençam ao quadro auxiliar no anno economico ha pouco começado, eu acho que essa despeza será, approximadamente de 90:800$000 réis, isto é, mais 21:566$000 do que a despeza calculada.
Pelo que respeita á verba correspondente aos officiaes reformados por incapacidade physica segundo a lei de 1887, essa tambem soffrerá augmento notavel, porque os officiaes que estão proximo a ser alcançados pelo limite de idade tratam logo de liquidar a sua situação militar; mas eu parto do principio de que esta ultima verba se conservará estacionaria, e portanto, as conclusões a que chego são de que a verba dos reformados, incluindo os do quadro alixiliar, attingirá a importancia de 641:000$000 réis, e que, portanto, haverá n’este anno economico um des equilibrio orçamental de 27:000$000 réis para mais.
Ora, se nós compararmos o que se gastava com officiaes reformados no anno anterior áquelle em que foi implantado o limite de idade, com as verbas accusadas no orçamento do anno economico findo, encontraremos um augmento superior a 125 contos.
Portanto, póde-se dizer-se sem receio de errar, que esta verba tem tendencia para crescer; não proporcionalmente, mas sim de sobresalto, porque em cada anno não é atingido pelo limite de idade o mesmo numero de officiaes. Já no anno de 1902, que não vem longe, o augmento será muito provavelmente da 22 contos de réis.
Isto simplesmente pelo lado financeiro, e para evitar de momento o accrescimo d’estas despezas que não approveitam ao paiz nem ao evercito, vou mandar para a mesa a seguinte proposta:
«Proponha que no capitulo 2.° seja additado o artigo seguinte:
Artigo ... Fica suspensa no anno economico do 1899-1900 a disposição da caria de lei de 13 do maio do 1890, na parte que se refere ás reformas por limite de idade». Creio que a camara comprehenderá bem que não ha disposição mais justa e que no momento actual mais se imponha pela força das declarações do sr, ministro da guerra.
O sr. ministro da guerra tem declarado por mais do uma vez n’esta casa que não concorda em absoluto com os principios estabelecidos pela lei de 1896, e que tenciona nomear uma commissão que estude com todo o cuidado este assumpto, para que d’esse estudo?. exa. possa fazer uma nova proposta cujas disposições modifiquem estes inconvenientes.
Se assim é ponhamos um prego n’esta ordem de desvarios. Para que havemos do estar a sacrificar officiaes e a avolumar despezas, sem nenhum interesse para a causa publica?
Concordemos em suspender a applicação d’esta lei que vae ser estudada, e approve-se a minha proposta, que é o mais racional, o mais equitativo, o mais economico que se póde desejar.
Não creio, portanto, que haja qualquer defficuldade na acceitação d’este meu alvitre. Supponhâmos mesmo que durante este periodo as côrtes e o governo entendiam que devem continuar as reformas taes quaes as estabeleceu a lei de 1896, nada ha perdido, applica-se ainda essa lei aos officiaes que tenham attingido o limite de idade durante esse periodo e as cousas continuam a correr do mesmo modo.
O que não póde ser é sem maior exame continuar despezas d’esta ordem sem proveito absolutamente algum para o paiz e antes com manifesto prejuizo dos justos interesses militares.
A camara comprehende que não póde derivar proveito algum de similhante lei.
Na o quero alongar a discussão porque a hora está muito adiantada; mas devo dizer mais alguma cousa, que é uma declaração importante, como em tempo fiz outra de igual natureza, quando encetei a discussão d’este assumpto.
Fique bem entendido que eu não lucro absolutamente nada com a revogação da lei do limite de idade; note v. exa. não lucro, antes perco; porque o coronel mais antigo da artilheria é attingido pelo limite de idade no, fim d’este anno e eu fico sendo o primeiro para a promoção na escala da minha arma.
Agora, sr. presidente, analysando esta questão sob outro aspecto vou fazer algumas considerações muito breves sob a influencia dos limites de idade intermedios.
Eu poderia acceitar um unico limite de idade maximo, para termino da carreira militar activa, a fim de evitar que homens, menos senhores da sua vontade se deixem dominar por certas considerações especiaes, até mesmo de familia, que evitam que elles se reformem depois de terem attingido uma idade avançada e de haverem chegado ao ponto culminante da carreira militar.
Com esses não póde haver comtemporisação, não é conveniente que a haja, salvo talvez casos muito excepcionaes.
Conservaria, portanto o limite maximo dos setenta a setenta e dois annos, para convidar os officiaes a deixarem o serviço activo do exercito. Até ahi ainda posso transigir.
Que importa, porem, ao paiz que officiaes muito distinctos e carregados de serviços passem dos sessenta ou dos sessenta e quatro annos de idade, quando elles continuem a prestar excellentes serviços?
São tudo artificios qne não aproveitam a causa publica.
As rasões que caracterisam a ruindade d’este systema não estão sómente na cifra que marca o numero de annos determinados para a exclusão; estão na idéa, estão no fundamento, estão no proprio principio.
Ainda, como acontece n’alguns paizes, não todos, se comprehende que tenham consignado na sua legislação este principio com varias excepções e com limites muito mais baixos, porque querem e podem rejuvenecer os quadros dos seus exercitos, e o thesouro paga largamente esse rejuveniscimento.
N’estas condições, não condemnaria, em absoluto, o systema, mas de nenhum modo acceitaria a forma como foi applicado ao nosso paiz
Mas quer v. exa. ver qual e o rejuveniscimento que se dá pela nossa lei?
Aos alferes e aos tenentes não será applicavel o que vou dizer; mas os capitães, os majores e os tenentes coroneis, sabe v. exa. quando saem do exercito? Aos sessenta annos.
Imagine v. exa. que rejuveniscimento!
Um capitão com cincoenta e tantos annos! Quando é
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principalmente n’este ponto que se exigem maiores esforços physicos.
Quanto mais elevado é o posto, maior deve ser o predominio do cerebro sobre o musculo: da intelligencia sobre a força physica.
Os absurdos a que dá origem a lei vigente dos limites de idade, podem exemplificar-se muito facilmente em poucas palavras.
Tem v. exa., por exemplo, o limite de idade de sessenta annos para todos os officiaes até ao posto de major e de tenente coronel, ao passo que é de sessenta e quatro annos o limite de idade dos coroneis.
Tia commissões militares que são indistinctamente exercidas por officiaes de qualquer d’estas graduações.
Por exemplo: o chefe da primeira repartição do ministerio da guerra póde ser um tenente coronel ou um coronel.
O que resulta?
O tenente coronel, quando attinge os sessenta annos e que a lei o reputa, ipso facto, incapaz do serviço, é, sem mais exame, despedido do serviço activo.
Póde ser um official muito competente, estar bastante vigoroso, ser muito zeloso no cumprimento dos seus deveres, etc., mas o que é facto é que vae para a rua por incapacidade legal.
Entretanto, ao ministro nada o inhibe de chamar para a mesma commissão um coronel de sessenta e dois ou sessenta e tres annos, porque a lei lho faculta e assim irá um official mais velho substituir outro mais novo no exercicio d’aquella commissão, porque o limite de idade é outro para o seu posto.
Vejam v. exa. se são capazes de me demonstrar que isto é logico e proveitoso!
Ha mais ainda.
Um tenente coronel está accidentalmente commandando um regimento; tem nessa commissão mostrado muita competencia, está só á espera da primeira vaga para ser promovido a coronel, e, portanto, estava naturalmente indicado para o commando definitivo; mas chega aos sessenta annos; já, em virtude da lei do limite de idade não póde continuar n’esse serviço. E, embora o ministro saiba que elle tem servido a contento de todos e que é muito competente em todo o sentido, não o póde conservar no cominando, e chama um coronel, que não se sabe ainda se tem a mesma aptidão, e que, a final, tem mais idade, ou pelo menos, que póde conservar se n’aquella commissão até uma idade mais avançada!
Acontecem cousas tão curiosas e extraordinarias por effeito d’esta lei dos limites de idade, que até succede que um official não é muitas vezes escolhido para uma certa commissão, ou não é reformado, pelo que elle vale, mas sim pelo que valem outros.
Eu exemplifico.
No Porto, estava commandando o regimento de infanteria 18 um official muito distincto, o coronel Rego.
Este digno militar teve a infelicidade de adoecer, ao mesmo tempo que o tenente coronel, que pela sua antiguidade era o primeiro a ser promovido, tinha quasi certa a reforma, porque não havia vaga e estava muito proximo a attingir o limite de idade do posto de tenente coronel. A doença do coronel Rego aggrava-se e elle é passado á inactividade temporaria.
É claro que rejubila com a mudança de situação d’este official o tenente coronel que ia ser reformado, por isso que é promovido a coronel e póde então continuar no serviço activo.
E porque?
Foi por circumstancias d’elle dependentes?
Foi porque a doença do coronel Rego se prolongou e foi por isso obrigado a retirar-se do serviço activo para se tratar.
Logo, da incapacidade do coronel Rego, resultou a capacidade do tenente coronel a que me refiro.
Ha mais ainda.
É chamado á junta o coronel commandante de infanteria 17, o sr. Manuel Joaquim de Matos, que é hoje general de brigada, e estava tambem a ser attingido pelo limite de idade um tenente coronel.
Portanto, succedia que se o sr. Manuel Joaquim de Matos estivesse incapaz, estava capaz o tenente coronel, e se o sr. Manuel Joaquim de Matos estivesse capaz, estava incapaz o mesmo tenente coronel.
O sr. coronel Matos foi dado por prompto pela junta, e o tenente coronel foi reformado por limite de idade e reputado incapaz de continuar o serviço.
Se eu quizesse abusar da paciencia da camara, poderia fazer-lhe a narração de muitos d’estes casos.
Eu peço, pois, ao sr. ministro da guerra que ao menos suspenda a execução de uma lei que produz os resultados que acabo de expor á camara j suspenda s. exa. essa lei, já não digo que a revogue immediatamente, mas ao menos suspenda-a, porque isto assim não pôde, não deve continuar.
S. exa. sabe que todos os annos vêem insertas na lei do orçamento disposições que temporariamente suspendem certos encargos d’estado.
Eu desejava, portanto, que no orçamento que está em discussão se inscrevesse o additamento que já tive a honra de ler á camara e que vou mandar para a mesa.
Tenho dito.
O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Abreu e Sousa.
Leu-se na mesa a proposta do digno par.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem a discussão a proposta que acaba de ser lida tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente com o projecto.
O sr. Presidente: — Agora tinha a palavra p sr. ministro da guerra, mas como faltam apenas cinco minutos para dar a hora, fica com ella reservada para a sessão seguinte, e dou a palavra ao digno par o sr. Larcher, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Fernando Larcher: — Tendo pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, visto que chegara á camara quando se estava já na ordem do dia, chama a attenção do sr. ministro da marinha para uma noticia inserta numa gazeta, que refere um facto deprimente e desagradavel.
Diz essa noticia que Vão ser cortados os vencimentos e gratificações de alguns funccionarios publicos da provincia de Angola, e que o ordenado do governador vae ser augmentado de 9 a 12 contos de réis annuaes, ou sejam 210$000 réis mensaes.
Allude a esta noticia para proporcionar ao sr. ministro o ensejo de rectificar o que n’ella haja de falso.
O sr. Ministro da Marinha (Eduardo Villaça): — Declara que é completamente inexacta a noticia a que se referiu o digno par.
O pr. Fernando Larcher: — Agradece a resposta do sr. ministro e estima ter-lhe proporcionado o ensejo de desmentir uma falsidade.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje e mais a discussão dos pareceres n.ºs 146, 149, 150 e 151.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
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Dignos pares presentes na sessão de 6 de julho de 1899
Exmos. srs.: José Maria Rodrigues de Carvalho; Marino João Franzini; Marquez da Graciosa; Condes, de Bertiandos, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Lagoaça, de Monsaraz, do Restello, de Sabugosa, de Tarouca; Viscondes, de Asseca, de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio Abranches de Queiroz, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Oliveira Monteiro, Palmeirim, Cypriano Jardim, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Fernando Larcher, Coelho de Campos, Francisco de Castro Matoso, Francisco Maria da Cunha, Frederico Aroura, Almeida Garrett, D. João de Alarcão, Alves Matheus, Frederico Laranjo, Fernandes Vaz, José Luciano de Castro, José Vaz de Lacerda, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Pereira Dias e Sebastião Telles.
O redactor = Aurelio Pinto Castello Branco.