1639
CAMARA DOS DIGNOS PARES
SESSÃO DE 22 DE MAIO DE 1867
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO
Secretarios os dignos pares
Marquez de Sousa
Marquez de Vallada
(Assiste o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 22 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.
Não houve correspondencia que mencionar.
O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. Ha já dois dias que o digno par relator da commissão de fazenda entregou a representação do concelho do Peso da Regua, que s. ex.ª tinha levado da secretaria para consultar. Esta representação esta aqui sobre a mesa para ser vista e examinada pelos dignos pares que d'ella quizerem tomar conhecimento; e no fim da sessão irá para o archivo onde tambem poderá ser vista e consultada.
O sr. Baldy: — Sr. presidente, como hontem não vim à sessão da camara constituida em tribunal de justiça, peço que se me releve esta falta, pois certifico a V. ex.ª e á camara que foi um facto inteiramente independente da minha vontade.
O sr. Ferrer: — Sr. presidente, quem tiver conhecimento da declaração que V. ex.ª acaba de fazer com respeito á representação da Regua, poderá ficar entendendo que eu não fallei a verdade quando declamei n'esta camara, na sessão de segunda feira ás cinco horas da tarde, que esse documento não estava na secretaria. Eu sou muito escrupuloso no que assevero, e por isso declara que n'aquelle momento tinha eu mandado um escripto á secretaria d'esta camara perguntando pela representação, e d'ahi o sr. sub-director Cunha e Menezes me respondeu que não estava ainda lá.
Isto dizia se me ás cinco horas da tarde d'aquelle dia, e dizia m'o um empregado competente; logo, se depois d'essa hora a representação appareceu, não se segue que eu antes tivesse faltado á verdade.
O sr. Presidente: — Eu não podia duvidar da palavra do digno par, que tanto eu como todos nós muito respeitâmos. S. ex.ª fallou a verdade, nem era possivel faltar a ella; mas o que é certo é que a representação me foi remettida recebendo a eu ás oito horas da noite d'esse dia, o que, ainda o repito, não quer dizer que podesse alguem duvidar da veracidade do digno par.
O sr. Costa Lobo: — Eu pedi a palavra para lembrar a conveniencia que ha em se pedir ao governo que remetta ao parlamento dois documentos indispensaveis para a discussão do orçamento, e são elles a relação nominal dos empregados do estado, e sobre a conta da gerencia do ministerio da obras publicas, pois sem estes documentos é impossivel fazer-se uma apreciação exacta do nosso estado financeiro e entrar com aproveitamento na discussão do orçamento. E como o governo se acha representado na pessoa do sr. ministro dos negocios estrangeiros, faço este pedido esperando ser satisfeito.
O sr. Presidente: — Já se vae dar seguimento ao requerimento do digno par.
O sr. Visconde de Chancelleiros: — Sr. presidente, mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda. E aproveito esta occasião para declarar á camara que não estive presente á sessão de segunda feira, mas constou me n'esse mesmo dia o que o digno par propoz exigindo a entrada na secretaria da representação do concelho da Regua. Na tarde porém d'esse mesmo dia officiei a V. ex.ª remettendo-lhe a referida representação, e tendo a honra de a depor nas suas mãos. A representação fica pois no archivo e é um documento que os dignos pares têem o direito de consultar. Sobre a questão incidente aqui levantada (que não promovo, mas que se vier a pello algumas palavras direi a esse respeito) por agora não direi nada; só lembrarei á camara a circumstancia de que quando a opposição pediu instantemente a publicação de todas as representações que se enviassem a esta camara, ninguem atinava com o motivo que levava a opposição a tamanha instancia; hoje porém começo a crer qual elle era. Sabe V. ex.ª e a camara o motivo por que tanto se instava para que todas as representações fossem publicadas com todas as assignaturas?,Era com o intuito de comprometterem as pessoas que as haviam assignado. Era para isto que a opposição pugnava aqui repetidas vezes e incessantemente pela publicação na fôlha official de todas as representações e das assignaturas.
Sr. presidente, se esta questão aqui vier talvez eu diga alguma cousa a esse respeito; por agora limito-me a dizer a V. ex.ª que essa representação a que o digno par se referiu havia-a eu levado para a examinar, e havia-a levado com o direito que me assiste na qualidades de relator da commissão. A representação ahi esta agora sobre a mesa.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre este incidente, não só por dizer que ninguem duvida da asserção do meu honrado collega e mestre o sr. Ferrer, como tambem para declarar que a representação a que s. ex.ª se referiu, me havia sido entregue, e eu recebi-a no Chiado, mostrei-a então ao digno par o sr. Fernandes Thomás e pedi a s. ex.ª que se dignasse assegurar ao sr. Ferrer que a representação estava em Lisboa. No entanto sempre direi que esta questão de pouco ou nada vale; a representação estava em Lisboa e agora esta sobre a mesa da camara para a ver e examinar quem quizer, assim como que os individuos que a assignaram e se dirigiam ao governo não correram, nem correrão perigo ou compromettimento algum.
O sr. Ferrer: — Sr. presidente, V. ex.ª e a camara terão certamente notado como eu tenho sido sobrio e prudente em fallar n'esta questão, não asseverando cousa alguma sobre a qual não houvesse as provas necessarias. Não accusei ninguem, nem a V. ex.ª, nem a mesa, nem a commissão, nem o seu relator, nem finalmente o administrador do concelho da Regua. Referi factos, e deixei as conclusões a quem as quizesse tirar; e se d'esses factos se podem deduzir suspeitas, a culpa não é minha, é da natureza dos factos que têem uma linguagem clara.
Sr. presidente, agora mesmo apenas me limitei a demonstrar que a declaração de V. ex.ª e a minha não estavam em contradicção, não fui mais longe; pois podia ir! Agora vou dizer sobre isto mais alguma cousa, visto que sou provocado. Parece-me que n'esta questão não havia necessidade de inculpar as opposições. O digno par parece que me quer arrumar para a opposição. Pois declaro-lhe que por agora não estou resolvido a fazer opposição, nem a declarar-me ministerial. Estou porém decidido a dizer o que entendo, segundo a minha consciencia, approvando o que considerar bom, e reprovando o que reputar mau. E não me venham fallar em opposição, porque tenho mostrado já que sou capaz de a fazer, o que tem acontecido muitas vezes, não seguindo nunca cegamente a politica de qualquer governo, nem de qualquer partido.
Sr. presidente, eu não receio que as representações sejam publicadas; entendo que o devem ser todas; mas uma cousa é publicar no Diario as representações todas em geral, porque a publicidade é uma grande garantia, outra cousa é saír uma representação da secretaria d'esta camara, para ir clandestinamente para o administrador do concelho da Regua, porque isso é fazer suspeitar maus fins. Eu não sei se a representação foi para a Regua, e se o sei não o quero asseverar; mas ficarei tranquillo se o illustre relator da commissão, como cavalheiro que é, declarar que ella não saíu do seu poder e que a não entregou a alguem que a remettesse ao administrador; em uma palavra, que não foi á Regua. Estou porém muito certo de que s. ex.ª não faz esta declaração, apesar d'esta minha provocação solemne; porque é muito cavalheiro para vir aqui dizer uma cousa que não seja a verdade; mas, emfim, se a fizer, ficarei muito satisfeito, e a questão fica acabada. Se a não fizer, haverá mais este motivo para as suspeitas de que a representação fôra á Regua. E cada um ajuizará, como entender, os fins para que ella fôra ao administrador.
O sr. Visconde de Gouveia: — Parece-me que n'esse incidente ha dois objectos muito diversos. Primeiramente a saída da representação, e em segundo logar as suspeitas, e porventura accusações sobre o administrador da Regua. Eu ligo moita pouca importancia á primeira parte, porque a representação é um documento publico, que foi lido no parlamento, e publicado por extracto no Diario de Lisboa.
Parece-me mesmo que seria conveniente que quando não se publicassem as representações na integra, visto quê ellas são muito estensas e se referem ao mesmo objecto, pelo menos se publicassem os nomes dos signatarios, porque com essa publicação evitar-se-iam muitas fraudes; poderiam ter logar as reclamações, e seria a verdadeira garantia para se conhecer a verdade.
Portanto, o facto da representação ter saído dos archivos da secretaria, é para mim de nenhuma importancia. Ligar-lh’a-ía, se porventura essa saída fosse seguida de algum facto criminoso; mas até agora não me consta que o houvesse. Emquanto á segunda parte, isto é, com relação ás suspeitas que se querem fazer recaír sobre um empregado probo, honrado e tolerante, como é o administrador do concelho da Regua, não me parece que em um parlamento d'esta respeitabilidade seja licito proferir phrases de accusação e de vehementes suspeitas, sem que se fundem em factos e documentos authenticos.
E muito grave e melindrosa a honra do magistrado, para que se atirem assim sobre ella insinuações não baseadas em factos ou em documentos.
Houve porventura alguma perseguição contra os signatarios da representação de que se trata? Ousará porventura alguem dizer que qualquer d'esses individuos fosse perseguido? Creio que não; e posso asseverar á camara, que alguns dos que figuram como signatarios da representação, são pessoas da propria confiança do administrador, taes com alguns regedores, que não foram demittidos por esse facto. Ha naquelle concelho dois partidos perfeitamente distinctos, que, permitta-se-me a phrase, são ás vezes mais pessoaes do que politicos; ora entre os signatarios apparecem individuos de cada um d'esses partidos; e quer V. ex.ª e a camara saber por que se dá este facto, porque se acham assignados individuos de uma e outra parte? E porque muitas das assignaturas que estão em folhas separadas, são assignaturas que pertenceram a outra representação sobre um objecto muito mais simples, e por isso assignaram muitas pessoas que não assignariam de certo o documento em questão. Consta me tambem que ali se acham nomes de creanças e de menores, de pessoas estranhas ao concelho, e muitos nomes escriptos pela mesma letra, o que denota não serem diversas as pessoas que figuram em algumas assignaturas, mas sim a mesma pessoa que escreveu varios nomes; e se a representação for examinada por individuos competentes, apparecerão bem claramente estes notaveis defeitos. Todas estas circumstancias que acabo de expor á camara, são, segundo me parece, a causa de se ter levantado na localidade um certo attrito, que se repercute n'esta casa.
Sr. presidente, a camara tem resolvido que não sejam publicadas as representações e as assignaturas que lhe são dirigidas; comtudo pareceme que seria conveniente que, com relação a esta, se praticasse o contrario; e pareceme isto conveniente, para que os interessados possam reclamar, e para que se restabeleça a verdade dos factos.
Eu conheço a localidade, e por isso admirei-me quando vi que o numero das assignaturas era muito superior ao que era de esperar.
Ora, estas circumstancias trouxeram-me ao pensamento immediatamente a existencia de irregularidades. Informei-me, e as minhas suspeitas verificaram-se.
Sr. presidente, eu não cansarei muito a camara sobre este objecto, e se me levantei hoje usando da palavra, foi porque em uma das ultimas sessões entendi dever justificar a conducta do administrador do concelho, e tenho hoje mais rasão ainda para isso, porque sei que este funccionario não só não praticou violencias contra pessoa alguma, mas nem mesmo procurou de nenhum modo obstar a que qualquer individuo assignasse a representação.
Não podia portanto ficar silencioso conhecendo estes factos, e vendo que se lançavam suspeitas tão injustas sobre aquelle empregado, que é um cavalheiro e um cidadão honesto, muito tolerante, muito zeloso no cumprimento dos seus deveres, e incapaz de praticar qualquer acto menos justo.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Casal Ribeiro): — Sr. presidente, duas palavras sobre este objecto, porque fui em grande parte prevenido no que desejava dizer pelo digno par o sr. visconde de Gouveia, que tratou perfeitamente a questão. Um dos pontos é inteiramente relativo á economia interna da camara, e sobre elle não me cumpre fazer considerações. Esta a representação sobre a mesa; podem todos os dignos pares tomar conhecimento d'ella; não se extraviou este documento a que tanta importancia se tem dado. Não me parece que valha muito a pena indagar a fundo em que dia e a que horas saíu da secretaria para as mãos do sr. relator, e voltou depois para a secretaria.
O importante aqui, se o houvesse, seriam os perigos, as perseguições, as pressões que a auctoridade tivesse exercido sobre os peticionarios. Onde porém a prova? Onde a simples allegação?
N'este paiz, e com este governo, ainda a ninguem se contestou o direito de petição; ainda ninguem soffreu o mais leve incommodo por o haver exercido; e não é por favor, é pelo respeito ao direito. Todos podem usar d'esse direito, e d'elle têem usado livremente. Quando isto se faz, creio que os peticionarios que se dirigem aos poderes publicos manifestando a sua opinião sobre qualquer negocio de interesse geral ou local, não suppõem faze-lo de uma maneira confidencial; mas desejam mesmo que a sua opinião seja conhecida (apoiados), para que possa, pelo peso das rasões e da auctoridade, ser tomada em consideração.
Eu não posso, sr. presidente, deixar de notar, sem querer qualificar a posição politica de nenhum digno par, e ainda menos do meu antigo mestre o sr. Ferrer,.a coincidencia que me parece singular de se haver, não ha muito, pretendido por parte da opposição, que sem previo exame da camara ou da mesa fossem immediatamente publicadas na folha official todas as representações que aqui viessem, e publicadas com todas as assignaturas, e de por outro lado se apresentarem agora receios de que uma representação podesse por qualquer maneira chegar á máo do administrador do concelho da Regua, como se o conhecer aquella auctoridade os nomes dos signatarios constituisse para elles um perigo temeroso.
Chegasse ou não a representação original ou a copia ás mãos do administrador, o governo é inteiramente estranho a isso; ao que porém não póde ser indifferente é a qualquer abuso que haja sido commettido por parte da auctoridade, tendente a coarctar a livre e legal manifestação do pensamento a qualquer cidadão. Deram-se esses abusos? Se se deram, rogo encarecidamente ao digno par, por honra do systema representativo, por honra do governo, que o declare explicita e francamente. Não hesite em indicar esses factos, esses abusos que se commetteram, porque, se elles se praticaram, o governo vae immediatamente reprimi-los; e se não se praticaram, o funccionario accusado não deve ficar sob o peso de suspeitas, nem é justo nem admissivel que taes suspeitas se manifestem.
Eu não conheço o administrador da Regua, nem estou ao facto dos pormenores locaes mencionados pelo meu amigo, o sr. visconde de Gouveia. Entretanto não podia deixar de tomar a palavra por parte do governo pedindo a indicação dos abusos em que se fallava, tendentes a coarctar o livre exercicio do direito de petição. Por isso de novo insto com o digno par, o sr. Ferrer, para que se tem provas de que houve taes abusos os declare, porque o governo esta decidido a reprimi-los e a castigar os culpados, mantendo dentro dos principios necessarios para garantir a ordem publica a livre manifestação do pensamento, não estando disposto a consentir que as auctoridades se opponham a essa manifestação, nem contrarie as instrucções do governo.
Todas têem instrucções muito positivas do governo para deixarem exercer livremente o direito de petição.
Mas se taes abusos se não deram, que discutimos nós? Que significa este incidente?