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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
SESSÃO DE 5 de junho DE 1848.
Presidiu — O Sr. D. de Palmella.
Secretarios — Os Sr.s M. de Ponte de Lima.
Margiochi.
Aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde estando presentes 34 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreram os Sr.s Ministros dos Negocios Estrangeiros e do Reino, Mencionou-se a seguinte, correspondencia. 1.º Um Officio da Camara dos Sr.s Deputados participando, que ella adoptara as alterações, que nesta dos Pares se fizeram á Proposição de Lei sobre as Collegiadas do Reino, pelo que reduzira a Decreto de Cortes a mesma Proposição, o qual submettia á Real Sancção.
Passou á Secretaria.
2.° Outro dito, da mesma Camara, enviando ma Proposição de Lei, diminuindo os portes dos Periodicos nacionaes, ou estrangeiros.
A Proposição de Lei dirigiu-se á Commissão de Administração Publica. O Sr. C. de Lavradio — Desejaria, que algum dos Sr.s Secretarios me informasse, se acaso se tinha participado ao Sr. Presidente do Conselho, se eu tencionava fazer-lhe algumas observações cerca do Officio, que S. Ex.ª dirigiu a esta Camara, em resposta ao Requerimento, que eu lhe havia feito;
O Sr. Secretario Margiochi — Quando V. Ex.ª fez esse requerimento, achava-se servindo de Secretario o Sr. V. de Gouvêa, não sei o andamento que S. Ex.ª dera a esse negocio; mas eu vou mandar examina-lo.
O Sr. Presidente — Passemos á Ordem do Dia.
ORDEM DO DIA.
Parecer n.º 30 sobre a Proposição de Lei n.º 24, prorogando o prazo, por anteriores disposições concedido, para o pagamento de dividas do Estado, cuja discussão começada a pag. 783, col. 3.ª, continuou a pag. 793, col. 4.ª, e pag. 806, col. 2.ª
Continuou ainda a discussão, por não ter sido ainda votado, sobre o artigo 3.°, pag. 785, col. 1.ª, com a Emenda da Commissão, pag. ditas, col. dita.
O Sr. Sousa Azevedo — Sr. Presidente, sobre a discussão do Projecto de Lei ácerca do pagamento das dividas antigas do Estado, tinha eu expendido extensamente as minhas idéas, e talvez mais do que comportavam as minhas forças, e mesmo o meu estado de saude; mas intendi que me incumbia apresenta-las na discussão, não só como membro da illustre Commissão de Fazenda, mas em relação ao logar publico que exerço: pedi pois segunda vez a palavra, não para repetir o que já tenho expendido, mas tão sómente para fazer algumas observações sobre aquellas emittidas pelo D. Par o Sr. Tavares de Almeida, referindo-se ao que eu expendera.
Eu disse que approvava esta nova prorogação de prazo para se pagarem ao Estado por um modo certamente excepcional, e muito favoravel, as dividas de certa época; mas que intendia, que esta prorogação periodica e certa, era um abuso contra os bons principios, e não preenchia o seu fim porque desde 1336 que estavamos de proroga em proroga, e os devedores tinham sempre a confiança de que ella continuaria, e por isso resistiam ao pagamento de suas dividas, o que era muito natural; porque hoje de mais a mais ninguem quer dispor dos seus meios, attento o desgraçado estado do nosso paiz: e accrescentei que me parecia ser de necessidade acabarem-se estas prorogas, estabelecendo-se esta, mas ao mesmo tempo declarando alto e bom som os membros desta Camara que votavam por esta medida, porém que ella será improrogavel; e posto que eu soubesse que esta declaração da Camara não tinha effeito obrigatorio e quando o tivesse, por Lei posterior poderia ser revogada, com tudo eu apresentava aquella idéa como uma especie de compromettimento, e com promettimento sem duvida efficaz n'uma Camara hereditaria; porque não tendo logar a sua dissolução, compromettia-se assim a não mudar de opinião sobre principios verdadeiros de boa administração.
Enunciando eu estas idéas disse, que protestava não votar por mais prorogação alguma a este respeito, emquanto tivesse a honra de estar nesta Camara, e que no entanto votaria por esta, mas por esta tão sómente. O D. Par, o Sr. Tavares de Almeida, disse então, que aquillo que se reputava máo devia logo ser regeitado, e que se eu protestava de a não approvar outra vez, elle fazia já o seu protesto de anão approvar agora. (O Sr. Tavares de Almeida — Apoiado). Pois bem, mas se o D. Par me permitte, dir-lhe-hei que o seu argumento não colhe, porque não pôde proceder a idéa da conveniencia de rejeitar já aquillo, que se conhece será máo em successivas concessões e sem ao menos se dar o tempo necessario para se utilisarem da medida aquelles a quem ella aproveita: pelo contrario pede a equidade, e até a justiça, que os interessados fiquem advertidos de que a proroga não terá mais logar; porquanto havendo sempre a esperança fundada nas successivas concessões de tal providencia, e justamente fundada pela facilidade que tem havido nos Corpos Legislativos de concederem taes prorogas, sem que já mais se tenha levantado uma voz para a impugnar, causaria decerto um grande transtorno se de repente se negasse a sua concessão.
Dizia eu então — conceda-se ainda este prazo aos devedores; mas diga-se-lhes da tribuna, que é o ultimo, que se acautelem com este aviso primeiro lançamento (permitta-se-me o termo juridico) e que depois serão condemnados á revelia por não comparecerem a promover os seus interesses e direitos sem que nenhuma consideração depois lhes possa aproveitar. Eis-aqui a explicação que eu linha a dar, isto, que conheço que a proroga não é boa, mas se voto por ella nesta occasião sómente, por desejar que se dê ainda a esses devedores mais um meio facultativo de pagarem as suas dividas por modo suave e justo. Tinha eu incidentemente feito referencia ao systema da contribuição de repartição; e havia dito que uma das causas do grande atrasamento na cobrança dos rendimentos publicos, que com razão se lamentava em toda a parte, era o pessimo systema do lançamento da decima; por, esta occasião manifestei a minha constante opinião, de que era muito preferivel o systema à contribuição de repartição, (O Sr. C. do Tojal — Apoiado); e disse que a ella havemos de chegar por meios suaves e convenientes, de modo que os povos serão os primeiros a deseja-la e a pedi-la; e S. Ex.ª disse, que este systema peccaria nos mesmos defeitos da contribuição da decima, porque na cobrança é que estava a difficuldade, e essa mesma cobrança defeituosa se encontraria na arrecadação da contribuição de repartição. Peço licença a S. Ex.ª para lhe observar, que os methodos são inteiramente differentes, e que este defeito de execução, que provem o lançamento da decima ser irregular, e em grande parte injusto, não ha de em tão grande escala resultar do systema da contribuição de repartição em que os processos hão de ser muito menos, embora no principio os recursos interpostos sejam muitos para os Tribunaes competentes, ou seja o Thesouro, ou em ultima instancia o Conselho de Estado na Secção Administrativa; porque muitos dos recorrentes não estarão conscios a especialidade do systema, e em duvida de se lhes fazer justiça, hão de levar suas representações ao conhecimento das instancias superiores, a quem compete decidir, segundo o direito applicavel aos casos de que se tractar, ou da obrigação de pagar, ou da proporção justa do pagamento, porém os processos executivos hão de ser muito menos como é obvio.
Disse S. Ex.ª tambem, que ha de haver muitas falhas, e a mesma diminuição nas cobranças; mas peço de novo licença a S. Ex.ª para lhe dizer, que no systema da contribuição da decima é o fisco, que contende com os particulares, sem que cada um dos collectados tenha interesse, ou prejuizo em que os outros paguem, ou não, e em que sejam executados ou deixem de o ser, ao passo que na contribuição de repartição o seu proprio principio estabelece uma mutua, e constante fiscalisação entre os contribuintes, por que importa-lhes sempre saber, se os demais pagara, e se pagam proporcionalmente, por isso mesmo que o resultado dos outros não pagarem, é ter de pagar mais o que já pagou o que lhe pertencia, por que a quantia certa distribuida ao Concelho tal, ou a tal Districto, ha de se perfazer, e aquillo que são filhas ha de se distribuir no anno seguinte por todos; de maneira que os verdadeiros fiscaes são os mesmos contribuintes. Toquei de passagem nestes pontos principaes, para mostrar que o D. Par, como eu estou certo, ha de annuir a estes fundamentos, que mostram a preferencia do systema da contribuição de repartição sobre o da decima: portanto, resumindo e concluindo direi ao D. Par, que me parece que são menos fundadas as suas apprehensões, e não comparo desenvolvidamente os inconvenientes de um systema a respeito do outro, por que não é esta a occasião de o fazer; mas quando chegar o dia dessa discussão, eu apresentarei as minhas idéas, que estou prompto a sustentar: é um axioma, ou principio, a respeito do qual presentemente não ha questão entre os publicistas administrativos — a excellencia do systema da contribuição de repartição — e só pôde haver questão de preferencia sobre os detalhes, e methodos para sua melhor execução.
O mesmo D. Par sustentou tambem, que não era justa a continuação desta prorogação, porque os devedores eram remissos: não se pôde duvidar, de que entre um grande numero de homens e de classes, isto é, que entre os immensos deve dores alguns deixem de pagar por serem remissos; mas o Legislador decide se pela maior parte, vai sempre pelos principios que constituem a regra geral, e não pôde legislar pela excepção; e por ventura poder-se-ha dizer, que são remissos a maior parte dos devedores da época remota, e anterior a 1833? Não se operou no paiz uma mudança completa no systema politico? Vamos aos contractadores: a maior parte dos contractos não se extinguiram de direito e de facto, porque o estado do paiz não consentiu, que os respectivos rendeiros e contractadores fruíssem em parte, ou no tolo os seus contractos? Não tem, da parte das Authoridades e das Repartições, havido difficuldade em apresentar ultimadas as respectivas liquidações, e isto pela difficuldade dos mesmos negocios, e porque outros objecto do serviço publico estão concorrendo, para que se demorem estas liquidações? E então podemos dizer em geral, que os devedores dessas dividas remotas são remissos? Alguns haverá que o sejam; mas mui tos tem justificado fundamento, porque ou não tem podido pagar as suas dividas por falta de meios, ou por não haverem ultimado as liquidações de suas contas, por motivos que não lhes são imputaveis.
O D. Par tambem me parece, que trouxe o calculo para mostrar o extraordinario favor, que se faz aos devedores, admittindo-lhes estes papeis, ou titulos de credito mencionados no projecto; e querendo demonstrar o valor delles disse, que pelo mesmo projecto com dez se pagava cem, ou com cem se pagava mil. Peço a attenção de S. Ex.ª para lhe dizer, que a maxima parte das dividas até 33, estão contrahidas nas duas especies de metal e papel-moeda, e portanto o deve dor que devia cem, cumpria lhe pagar cincoenta n'uma especie e cincoenta n'outra; mas como o papel-moeda vale actualmente só 12 por cento, segue-se que com 56$000 réis em metal se amortisaria uma dividi de 100$000 réis, e por isso é necessario que o D. Par emende o seu calculo, tomando a cifra 56, e não a cifra 100, visto que as dividas foram contrahidas nas duas especies do metal e papel, e por conseguinte ha de conhecer que os 56 se pagam com 20 ou 21, e não 100 com 10, ficando assim completamente desvanecida a apparente razão e argumento de S Ex.ª
Eu tambem disse, Sr. Presidente, que me parecia, que a Camara não podia impugnar este projecto, a haver coherencia com o que ha pouco aqui se tinha votado, e que é lei do Estado de 23 de Maio publicada no Diario de 24, pela qual se concede aos devedores á Fazenda até 1845, o grande favor de pagarem em notas do Banco de Lisboa; a totalidade de suas dividas; quer dizer, uma diminuição de 54 ou 55 por cento; e aos desta época em diante até 1847 um terço em metal e dous em notas, o que importa o favor de 35, ou 36 por cento. Disse porém o D. Par, que lhe parece não colher este argumento, porque a outra lei tracta de dividas por tributos, ou contribuições, e esta comprehende toda a especie de dividas contrahidas com o Estado. Em primeiro logar eu não sei classificar esta differença de devedores ao Estado por tributos, ou por contractos; por quanto; aos que o são por contracto, firmou-se o respectivo direito tão solido, tão verdadeiro, e tão legal, como o que diz respeito ao contribuinte de quem se exige, que pague aquillo que deve ao Estado; e não quero entrar no detalhe, se o contractador podia ganhar ou perder, porque isso vai á conta da eventualidade; mas o que é certo é, que o que contractou com o Estado, não é mais nem menos obrigado, do que o contribuinte, segundo censura, e todas as regras de Direito: a contribuição é filha d'uma necessidade publica, para que possa existir a sociedade no estado, de que todos tiram proveito; e este devedor é tão classificado como o que deve uma renda filha d'um contracto, e d'uma convenção, que faz direito entre as partes: por consequencia, não ha differença. Mas diz o D. Par: acolá admittiram se notas como moeda corrente no Paiz, e aqui admittem-se papeis; acolá tende-se a um lira conveniente procurando amortisar-se aquella moeda, aqui não ha a mesma rasão. Sr. Presidente, ainda colheria o argumento do D. Par, e o motivo justificativo de admittir-se o pagamento em notas por aquella lei, sem resultar a coherencia de approvar o projecto em discussão, se estas notas seguissem o caminho do sua amortisação; mas note-se que ficam conservadas no mercado, porque o contribuinte devedor ha de pagar em notas segundo a época, em que contrahiu a divida, para com ellas se pagar aos servidores do Estado, e ei-las aqui mettidas na circulação embora se diga na lei, que serão amortisadas depois de completo o pagamento aos mesmos servidores; Sr. Presidente, tomáramos nós que o producto do pagamento das dividas dessa época chegue para pagar o que se deve aos empregados publicos: a somma do que se deve já é tão avultada, e continuará a se-lo, que grande fortuna haverá senão faltar ainda o necessario para se satisfazerem deste modo as respectivas obrigações do Estado, posto que tão pouco vantajoso para os empregados publicos: portanto eu entendo, que tambem esta rasão adduzida, por S. Ex.ª não pôde colher....
Disse mais o D. Par, que lhe parecia injusto,.que aquelles que obtiveram dinheiro 'dos Conventos, e Casas extinctas Religiosas, e que com elle compraram quintas, ou fizeram qualquer outro negocio, de que lhes resultou interesse, venham hoje pagar com papeis depreciados esses mesmos valores: — isso assim parece á primeira consideração; mas é necessario que o D. Par vire folha do livro em que assim li, e veja o reverso. E, pergunto eu, aquelles a quem a Casas Religiosas deviam, como é que o Estado lhes paga? Se o Estado pagasse aos credores dessas Casas Religiosas de outro modo, tinha o D. Par então muita razão; mas se o que o Governo lhes dá são titulos das tres operações, creados expressamente para esse fim pela Lei de 29 de Julho de 1839, segue-se que, se o Governo solve as suas obrigações por um modo pelo qual paga com o abatimento de 70 ou 80 por cento, como tem então direito a exigir dos seus devedores, que lhe paguem de um modo, e em moeda de valor differente daquella? Entendo pois, que apesar das judiciosas reflexões de D. Par, ellas não colhem para o fim de se não approvar o Projecto de Lei em discussão (Apoiados).
O Sr. Secretario Margiochi — Em resposta á pergunta, que ha pouco fez o D. Par o Sr. C. de Lavradio, tenho a informar a S. Ex.ª, que não se deu andamento nenhum ao negocio, a que o D. Par se referiu. A Acta diz o seguinte (Leu-a na parte relativa): por aqui se vê, que isto foi uma declaração, e não um requerimento de S. Ex.ª O nosso Regimento porém, diz n.º artigo 59.º isto (leu-o): não se deu nenhuma destas circumstancias, e por isso na Secretaria entenderam, que o que estava consignado na Acta era uma declaração, e não um requerimento, e foi esta a razão, porque se não deu andamento nenhum a este negocio, como já disse.
O Sr. C. de Lavradio — Peço licença para lêr, e mandar para a Mesa o seguinte REQUERIMENTO.
Requeiro, que se escreva ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros, communicando-lhe, que pretendo interpella-lo sobre o Officio, que em data de 31 de Maio dirigiu a esta Camara. S = C. de Lavradio.
Approvada a urgencia e a materia.
O Sr. Presidente — Continúa a discussão do Parecer, que foi interrompida. (Pausa.) Como ninguem pede a palavra, vou pôr á votação o artigo do Projecto com a emenda da Commissão.
Approvado o artigo 3.° na forma proposta pela
Commissão.
Da Proposição.
Art. 4.º As dividas que não chegarem a 80$ réis serão pagas; um quarto, em dinheiro de me-