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SESSÃO DE 6 DE JUNHO DE 1848.
Presidiu — O Sr. D. de Palmella, e depois o Sr. V. de Laborim,
Secretarios - Os Sr.s M. de Ponte de Lima, e depois o Sr. C. de Sampayo. Margiochi.
ABERTA a Sessão pelas duas horas dá tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Concorreram os Sr.s Presidente do Conselho de Ministros, e Ministro da Guerra.
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Pedi a palavra para mandar pára a Mesa uma declaração de voto, ácerca do Parecer n.° 30 da Commissão de Fazenda. Vai tambem assignada pelos Sr.s C. da Ribeira Grande, C. de Rio Maior, e C. de Mello.
DECLARAÇÃO DE VOTO.
Declaro que na Sessão de hontem votei contra todas as disposições do Parecer n.º 30 da Commissão de Fazenda = V. de Fonte Arcada = C. de Mello = C. de Rio Maior = C. da Ribeira Grande.
Foi mandada lançar na Acta.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte Requerimento, cuja urgencia proponho.
REQUERIMENTO.
Requeiro que se peça ao Governo, que remetta a esta Camara, antes da discussão do orçamento, uma ralação nominal de todas ai pessoas, que no anno economico de 1847 a 1848, se acham authorisadas a receber os seus vencimentos pela Agencia Financial de Londres, com declaração, quanto a cada uma, da quantia que lhe compele, e porque titulo, assim como qual é o cambio, porque são feitos os pagamentos dos ditos vencimentos. Camara dos Pares, Junho 6 de 1848. = Sá da Bandeira.
Approvada a urgencia, é a materia.
O Sr. C. DE LAVRADIO — Sr. Presidente, o Sr. D. de Saldanha declarou hontem, que estava prompto á vir a esta Camara para responder á pergunta, que eu lhe queria fazer, logo que para isso recebesse um aviso: elle acha-se na outra Camara: por tanto, como hoje ha pouco que fazer, por isso mesmo, que a ordem do dia é muito curta, e o seu objecto de facil resolução, pedia a V. Ex.ª que mandasse avisar o Sr. Presidente do Conselho, de que hoje pude ter logar a sua resposta (O Sr. Presidente — Mas é para depois da ordem do dia?.) Sim senhor.
ORDEM DO DIA.
PARECER N.º 32, da Commissão de Guerra sobre o Requerimento do Brigadeiro Marquez da Bemposta, e Sub-Serra.
A Commissão de Guerra examinou, como lhe cumpria, o requerimento do Brigadeiro Marquei da Bemposta e Sub-Serra, apresentado a esta Camara pelo D. Par V. de Sá, no qual o Supplicante, queixando-se da injustiça que considera haver commettido o Governo por haver este, contra a disposição das Leis, reformado o Supplicante no Posto de Brigadeiro, pede a esta Camara que annulle o despacho da sua reforma, a fim de continuar no Serviço activo do Exercito; ou, validando a reforma, lhe mande Sentar para esta o tempo de serviço em França.
O simples enunciado desta pretenção mostra bem que ella não póde ser deferida por esta Camara, a qual, dentro dos limites das suas attribuições, não Comprehende á faculdade de annullar, por uma simples decisão sua, os despachos e decisões do Poder Executivo. Se desses despachos resulta infracção das Leis, póde o Governo ser accusado; mas hão é esta Camara, que o ha de julgar, quem deve qualificar ou declarar a existencia do delicto, e decretar a sua accusação, o que é da privativa competencia da Camara dos Sr.s Deputados, conforme determina 0 artigo 37.º da Carta Constitucional: É, portanto, a Commissão de parecer, que o requerimento do Supplicante, nos termos em que se acha concebido, não póde ser attendido por esta Camara. Sala da Commissão, em 28 de Maio de 1848. = C. de Semodães = D. de Saldanha = C. de Santa Maria = V. da Granja.
O Sr. C. DE LAVRADIO — Sr. Presidente, eu não pedi a palavra para combater á parecer da Commissão, pelo contrario declaro, que me conformo com elle, e lhe dou o meu voto: pedi porém a palavra para lamentar, que não estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra, porque desejava perguntar a S. Ex.ª, que motivos tinha lido para reformar não só este benemerito Official General, mas muitos outros, que ainda se acham em estado de poder prestar bons, é grandes Serviços ao Estado, assim como já prestaram, e delles são prova as feridas, que receberam na defeza do Throno Constitucional da Rainha a Senhora D. Maria Segunda.
Sr. Presidente, eu faltaria a um dever (apezar de tornar a declarar, que approvo o parecer da Commissão) senão aproveitasse esta occasião, para manifestar a minha sympathia e dar uma prova de gratidão, como portuguez, não só ao Official General que dirigiu este requerimento á Camara, mas a seu illustre tio, Mr. Hyde de Neuville, C. da Bemposta, um dos homens em quem a causa do Throno Constitucional da RAINHA achou o mais decidido apoio. (Muitos apoiados.) Mas tractando primeiro do Sr. M. da Bemposta, direi, que elle ainda é moço, e se acha, apezar das feridas que recebeu, n'um estado de saude vigorosa: não posso portanto deixar de lamentar, que elle fosse reformado, e reformado d'uma maneira tão desvantajosa. Presentes estão aqui os Generaes, e Outros Officiaes que o viram combater ao lado do Sr. D. Pedro; elles sabem melhor do que eu, e par isso podem tambem avaliar melhor do que eu, os serviços que elle prestou, e o sangue que derramou pela causa do Throno Constitucional da RAINHA; mas torno á repelir — não é só em attenção a elle, mas em attenção aquelle, que não podendo vir em pessoa coadjuvar a causa da RAINHA com as armas na mão, mandou o sobrinho, que considerava como seu filho, para a defender.
Mr. Hyde de Neuville já nos conselhos do seu Soberano, e já na Camara dos Deputados da França, defendeu sempre com a maior energia a Causa da RAINHA: direi mais, que á elle se devem o não reconhecer o governo francez, no reinado de Carlos X, a legitimidade do principe usurpador, pois que o notavel e eloquente discurso, que fez na Camara dos Deputados, produziu um tal effeito não só na Camara, mas tambem no animo do rei Carlos X, que este julgou dever sobrestar á resolução que havia tomado.
Sr. Presidente, quando se verificou a usurpação em Portugal, era Ministro da Marinha em França, Mr. Hyde de Neuville: as instrucções que elle deu ás embarcações de guerra, que estavam no Téjo eram tão favoraveis á causa da RAINHA, que quando veio a revolução de 30, em que estava então com o titulo de Ministro Plenipotenciario em Paris, pedi ao novo governo, que não fizesse outra cousa, senão renovar aos navios francezes as mesmas instrucções, que lhe haviam sido dadas por Mr. Hyde de Neuville. Para mais uma prova do grande interesse, que elle tomava pela causa da RAINHA. referirei um facto, de que tenho certeza, e creio poder referir-se na indiscrição.
Nos conselhos de Carlos X, aonde tinha assento o presumptivo herdeiro da Corôa, o qual não era favoravel á causa da Rainha, dirigiu-se este um dia a Mr. Hyde de Neuville, é exigiu que elle lhe communicasse em presença do Conselho, as instrucções que tinha mandado aos navios de guerra surtos no Tejo; e Mr. Hyde Neuville teve a coragem de dizer, ao presumptivo herdeiro da Corôa — que posto respeitasse muito a S. A. R lhe não communicaria às instrucções pedidas; que elle só era obrigado a dar conta da gerencia dos negocios, que lhe estavam commettidos ao Rei, e ás Camaras. (O Sr. D. de Palmella — Apoiado.) Este facto não deve esquecer aos portuguezes; devendo notar-se, que esta resposta era dada ao Principe, que podia ainda ser o seu soberano; mas tal era o interesse que elle tomava por esta causa! Interesse que confundia com os interesses da sua propria patria! Estou certo, de que isto que digo deve ser apoiado por muitos dos Membros desta Camara, para o que sinto não estejam todos presentes, como são os Srs. D. de Saldanha, D. da Terceira, e M. de Fronteira; mas está presente o Sr. Presidente desta Camara, que de certo ha de confirmar a verdade de tudo que acabo de dizer. (O Sr. D. de Palmella — Apoiado) Além disto todos sabem os esforços, que elle fez para ministrar meios de subsistencia aos desgraçados portuguezes, que estavam em França, assim como a ordem que deu pelo telegrapho para Brest, a fim de que se prestasse aos portuguezes emigrados, que tinham ahi aportado, tudo aquillo de que carecessem: tal foi a ordem que recebeu o prefeito maritimo. É para mim de uma grande satisfação poder dar este testimunho publico de gratidão, como portuguez, a Mr. de Neuville, pelos valiosos serviços, que elle prestou á causa do Throno Constitucional da RAINHA, e pelos beneficios que fez a um grande numero dos nossos desgraçados compatriotas, que lhe deveram a sua subsistencia; porque, muitos teriam morrido de fome, senão fosse a generosidade, que Mr. Hyde de Neuville provocou da parte do governo francez, e as generosidades que fez tiradas da sua fortuna particular: portanto concluirei, que lamento, que o filho adoptivo de Mr. Hyde de Neuville fosse tractado d'uma maneira tão pouco favoravel, que não está de modo nenhum em harmonia com os serviços por elle prestados, á custa do seu sangue, á causa do Throno Constitucional da RAINHA.
O Sr. V. DE SÁ BANDEIRA — Sr. Presidente, não posso votar pelo parecer da Commissão, porque elle se funda em doutrina erronea, no meu entender. Se se adoptasse este parecer, o resultado seria, que qualquer cidadão, que se achasse aggravado por uma medida do Executivo, e se dirigisse a esta Camara, veria rejeitada in limine a sua pertenção. A Camara, é verdade que não póde mandar sobre o Executivo; mas póde-lhe recommendar, que reconsidere uma medida, que tomou, talvez irreflectidamente: se porém o fez deliberadamente, maior aggravo experimentou o cidadão queixoso, e maior motivo ha tambem, para que a Camara recommende a reconsideração. O Brigadeiro Marquez da Bemposta, assim como varios outros Officiaes, foram reformados no mez de Junho do anno passado, quando se estava levando a officio algumas das disposições do protocollo de 21 de Maio: foi justamente nesse tempo, que o Governo julgou acertado tirar do Exercito alguns Officiaes, que aliás pelo seu bom estado de saude, e pela Sua idade, estavam em circumstancias de servir bem, como entre outros os Generaes Marquez da Bemposta, e Luiz de Moura, Esta separação do quadro do Exercito foi claramente uma medida politica, porque outros, cuja idade era muito maior, e cuja saude estava arruinada, ficaram no quadro effectivo; e isto foi praticado no momento, em que se estava proclamando o esquecimento de passadas discordias. Esta é mais uma prova do sentido em que se entendia a palavra, amnistia.
Áquelles que estando com as armas na mão, as entregaram por serem a isso Obrigados pelas forças de tres nações, a esses conservou-se a effectividade dos postos, porque para isso havia o protocollo; mas os que não tinham tomado armas foram reformados. Mostrou-se assim a boa vontade, que havia para com todos os que não pensavam como o Governo. Está foi uma medida politica, que exige uma reparação igual aquella, que foi feita pelo Corpo Legislativo aos Officiaes Generaes reformados em 1837, entre os quaes se achava o D. Par C. de Semodães, que com pesar vejo assignado neste Parecer. (0 Sr. C. de Semodães — Peço a palavra.) Isso é que eu quero: desejo que V. Ex.ª falle. (Riso) S. Ex.ª, sendo tenente General foi formado no posto de Marechal do Exercito, é o Brigadeiro Marquez da Bemposta foi reformado sem consideração alguma se ter tido com os seus serviços.
O Governo. Sr. Presidente, é authorisado por Decreto de 21 de Fevereiro de 1816 a regular-se nas reformas, segundo os servidos dos Officiaes, pois não e se pelo Alvará de 1790, que ás reformas se devem fazer, não é só pela antiguidade de praça, mas tambem pelos bons serviços que os Officiaes tenham feito. A legislação de 1816, que é vigente, devia ser applicada pelo Governo á este Official, cujos Serviços no Exercito libertador foram seguramente de muita importancia para o triumpho da nossa causa, (O Sr. C. de Thomar - Peço a palavra) é por isso eu estimaria, que o Governo, tendo em attenção o decoro do Pais, não praticasse um acto, o qual se póde considerar como acto de ingratidão para com um valente estrangeiro, e para com seu illustre tio, Mr. Hyde de Neuville, a quem talvez a SENHORA D. MARIA II deve em grande parte estar hoje no Throno. Ninguem ignora os serviços, que esse homem de estado prestou como Ministro de Luiz Filippe á causa de SUA MAGESTADE.
Demais: se o Governo quizesse proceder com justiça, podia ao menos, na plenitude da authoridade que havia assumido, fazer-lhe o mesmo, que fez aos Officiaes Inglezes, que até 1820 estiveram ao serviço portuguez, aos quaes se lhes mandou contar, para a reforma, o tempo que ti-
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nham servido no exercito britannico; mas nem mesmo isto se praticou para com elle!
É assim que se procede para com este Official, que abandonou a sua carreira no seu paiz, em consequencia do convite que lhe fez o Principe Libertador; que o acompanhou no seu listado Maior; que combateu valentemente; e que se lhe não foi mutilado o braço, em que foi ferido, quasi que este de nada lhe serve! (Apoiados.) É assim que se pagam tão distinctos serviços! Isto é um acto de vergonha para o Governo portuguez, e precisa ser reparado; e se esta Camara pão tem direito de fazer esta reparação, tem direito para recommendar ao Governo, que seja reconsiderada a medida, que tomou (Apoiados),
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, eu não julgo que possamos, nem como membros desta Camara, nem como homens zelosos da boa e severa execução das leis, impugnar este parecer (Apoiados). Parece-me que o Governo não transgredio lei alguma; e sendo assim não pode regeitar-se o parecer da Commissão pelo seu fundamento; e por isso o náo faço. Mas não poiso resistir ao desejo que tenho de que o Governo de Portugal nunca mereça a nota de ingrato, nem com os homens que nasceram nesta terra, nem com aquelles que vieram de terra estranha ajudar-nos n»s combates gloriosos da respiração da Carla e do Throno; que ao sangue portuguez derramado nessas pelejas, ajuntaram o seu proprio, generosamente offerecido em defensão da liberdade a este paiz. Será, digo eu, vergonhoso para nós que nos tachem de ingratos. Eu bem sei que o crio e da ingratidão não entra em o numero daquelles que estão escriptos nos Codigos das nações: não ha penas com que se castigue; mas deixará por isso de ser um dos mais detestaveis? Ora se tanto, e com razão se clama contra a ingratidão dos individuos em particular, será acaso menos grave este defeito quando commettido pelos Governos? Só se fosse menos feia a falta de um só do que a de muitos; se diminuisse, a importancia do malificio por lerem muitos parte nelle: o que não posso conceber. Eu creio que no procedimento de que se queixa o M. da Bemposta, senão ha transgressão de Lei, ha por certo a falta, o crime direi, de mui provada ingratidão — crime repito que os Codigos des nações não punem, e ainda mal que não punem; e por isso mesmo eu o reputo mais abominoso. Vejamos em que circumstancias deve considerar se este General, e qual o motivo da sua entrada no serviço da nossa patria, na época solemne em que havia muito para perder, e quasi nada para ganhar (Apoiados). Foi no começo de uma burla em que 7.000 homens haviam de combater contra 80.000! Veio da sua terra unir-se a esses 80.000? Não! Veio unir-se aos 7.000! Eu tomo aqui a liberdade de fazer uma observação sobre o que acabou de dizer o meu nobre amigo o Sr. C. de Lavradio. S. Ex.ª historiou a verdade, nem elle profere senão a verdade; mas não negando que o C. de S. Lager obedecesse ao seu venerando parente, o Sr. Hyde de Neuvelle, vindo tomar as armas ao serviço do Imperador no Exercito da Carta; e não querendo roubar ao tio rima parte do louvor que por tantos titulos lhe é devido, sempre intendo que ao sobrinho se deve der muito pela sua resolução de alistar-se nas nossas fileiras, e correr a fortuna das armas da liberdade, as menos fortes em numero, e as que menos probabilidade tinham de vencer. Um homem nas suas circumstancias nunca daria o passo que deu se do coração não sympathisasse com a causa que defendiamos; senão amasse a liberdade, senão detestasse a usurpação, e a tyrannia. (Apoiados). Seria para adquerir honras e fortuna? De certo que não sem riscos immensos. Pois não somos nós coevos com os factos a que me refiro? Factos em que V. Ex.ª teve tão gloriosa parte, bem como o Sr. D. da Terceira, que me ouve, e outros membros desta Camara? Que esperanças tinhamos nós de ganhar a victoria? A verdade é a que cumpre dizer. Bem sei que havia quem julgasse até facil derribar D. Miguel; porém a parte dos emigrados que melhor podia avaliar o estado das cousas não pensava assim; e contava com as numerosas probabilidades que o usurpador tinha de vencer nos. Havia muitos que reputavam quasi impossivel o nosso triumpho era uma guerra de pigmeus contra gigantes: aquelles levados de seus sentimentos de honra e lealdade marchavam a affrontar a morte, que tinham por quasi certa. Foi então, foi nestas circumstancias, que o Marques da Bemposta correu a unir se aos homens de armas do Duque de Bragança para tomar parte não nos despojos da victoria, que Ião duvidosa a todos se antolhava, mas sim nos perigos certos de combates tão desiguaes.
Accedeu a um convite, disse o D. Par, o Sr. V. de Sá, um dos homens mais distinctos dessa expedição, feito pelo principe chefe da empreza, pelo moderno Trasibulo, commandante de uns poucos de liberaes, que vieram afogar os tyrannos da patria em ondas de sangue. (Apoiados.) Esse convite ennobrece o convidado, sem duvida; dá maior solemnidade á sua deliberação; mas é certo que antes de se escrever a caria já se sabia qual havia de ser a resposta della. De tudo isto se vê que o Marques da Bemposta náo era um soldado de fortuna, que como aquelle que tão originalmente descreve Sir Walter Scott, fosse armado de todas as armas, offerecer os seus serviços a quem melhor os avaliasse em libras esterlinas. Isto ao menos não dirão nem os proprios inimigos do -Marques. Elle reunia as virtudes, militares ao »m r pela causa da justiça e da liberdade, que era a sua; e por servi-la abandonou a sua patria, e veio tomar parte nos perigos da mais nobre das façanhas (Apoiados); tomou essa parte com toda a valentia de um cavalheiro da sua Nação; e que viu os perigos, e nelles entrou póde-o demonstrar bem. Senão perdeu um braço como este (tocando no Sr. V. de Sá que estava proximo ao Orador), o que lhe ficou ferido serve-lhe quasi tanto como o que o nobre Visconde deixou no Porto. Se estes não são os distinctos serviços da guerra,
quizera saber, porque aferimento elles se medem. Em toda a parte as feridas recebidas no campo são consideradas como prova da distincção dos serviços militares. Esses defeitos que dellas resultam, essa deformidade que fica muitas vezes em homens, formosos antes, adorna os que a tem como a perda de um olho tornava mais respeitavel o rosto de Camões. Esses signaes de honra, verdadeiras decorações militares, o Marques os alcançou na batalha, pelejando valorosamente: e agora, ainda era estado de, bem servir, nos apparece reformado, e digo, no vigor da idade — e reformado em Brigadeiro, posto que já linha! (Apoiados.)
Consideremos quaes são as recompensas que o Estado deu a este soldado, não de fortuna, mas de desgraça. Segundo me conota, fica reduzido a um soldo que sobe a doze ou treze mil réis mensaes, se é que a tanto chega. (O Sr. C. das Antas — É verdade.) Isto é verdade: eu não digo que nesta medida o Governo transgredisse a Lei: mas affirmará alguem que elle praticasse um acto de justiça? Bem vejo que legalmente não pôde ser arguido; mas é assim que se devem avaliar serviços distinctos? E tanto, mais é de estranhar o procedimento quanto não foi igual ao que se leve com outros militares, como allegou o Sr. V. de Sá, que tambem praticaram serviços distinctos — fallo dos officiaes inglezes da guerra Peninsular. Esses tiveram as suas reformas, sem se olhar aos annos que contavam de praça, e reformas todas vantajosas: a alguns se melhoraram ainda depois, como foi, e lembro-me delle agora, o General Élder que eu conheci Major, e foi reformado em Marechal de campo. Não tracto de comparar os serviços de uns e outros, porque todos os fizeram distinctos: o que comparo são os procedimentos que acho desiguaes; e por isso injustos: não vai allegar-se = não transgredimos a Lei. = É verdade, mas não fostes justos.
O Governo podia, sem faltar ao cumprimento dessa mesma Lei já que queria reformar o Marques da Bemposta, reforma-lo com menos desvantagem. Agora se me apresenta o artigo da Lei que vigora ainda hoje, e que dá ao Governo a faculdade de avaliar a importancia dos serviços dos Officiaes Generaes para as vantagens da reforma, a qual considera como um premio delles quando esta é certamente um castigo, ou pelo menos uma desconsideração. O artigo é este (leu-o.) Eis aqui o arbitrio que a Lei dá ao Governo independentemente do numero de annos de serviço, que ella requer para as reformas dos Officiaes do Exercito nas patentes immediatas. O Governo não quiz usar desta faculdade; não digo que faltou ao preceito da Lei, mas parece-me que nem praticou um acto de justiça, nem de gratidão nacional. Este que nós mencionamos, se fosse muitas vezes repetido, não chamaria em nosso auxilio, em caso ide necessidade, como o em que nos vimos, muitos militares estrangeiros por maiores que fossem as soas sympathias pela causa que defendêssemos. Não sei se são muitas as recompensas iguaes a esta de que se tracta; mas ella só caracterisa é espirito com que foi determinada; e seria bastante para servir de aviso de cautella, a fim de que nenhum estrangeiro prestasse mais serviços a um Governo ingrato. Mas eu acho no acto o odioso da excepção. Diga-se, tem sido igual a medida tomada com todos os Officiaes Generaes em circumstancias identicas? Seguistes uma regra para todos os que deviam considerar-se em certa escala de serviços? Não: affoitamente se pôde responder que não: e isto basta para se demonstrar que houve injustiça.
Como a Lei que acabei de citar no §. que li á Camara deixa a arbitrio do Governo a consideração da importam, ia dos serviços dos Officiaes Generaes para a qualidade da sua reforma, está claro que desta consideração é juiz o Governo, e que não se lhe pôde exigir responsabilidade legal; por have-la, em um ou outro caso, dado menor a serviços distinctos. Este procedimento, digo eu, tem além da injustiça da avaliação o odioso que resulta da desigualdade, comparado com outros; e então parece que foi uma decisão in hominem, e estas taes nunca os Governos as devera tomar. (Apoiados.)
Eis aqui as observações que me suggeriu o que ouvi aos D. Pares, os Srs. C. de Lavradio, e V. de Sá. entendendo que o Governo pôde, sem faltar á Lei, remediar uma injustiça para a qual se não authorisa com o preceito estricto da mesma Lei.
O Sr. Presidente — Queira o D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira mandar a sua. Proposta para a Mesa.
O Sr. V. de Sá da Bandeira — Aqui está.
proposta.
Proponho, que a Camara recommende ao Governo, que considere a medida que tomou, reformando o Brigadeiro Marques da Bemposta e Sub-Serra. = Sá da Bandeira.
E proseguiu — Tenho em vista recordar a Legislação de 21 de Fevereiro de 1816 a este respeito; e como se acha presente o. Sr. Ministro da Guerra, espero que S. Ex.ª tomará este objecto em consideração.
Entrou o Sr. Presidente do Conselho de Ministros.
O Sr. Presidente — O Sr. Presidente do Conselho de certo não ouviu lêr a Proposta offerecida pelo D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira sobre o Requerimento do Sr. Marques da Bemposta e Sub-Serra.
Leu-se, e admittiu-se.
.0 Sr. C. de Semodães — Sr. Presidente, como os D. Pares que teem fallado, não impugnaram ainda o Parecer da Commissão, nenhuma necessidade tenho de o sustentar.
A Commissão, vendo o Requerimento do Sr. Marques da Bemposta e Sub-Serra, apresentado a esta Camara pelo Sr. V. de Sá da Bandeira, e tendo em toda a consideração os distinctos serviços, que o nobre Marques havia prestado no Porto durante o seu memoravel sitio, e que fora ferido
gravemente naquella occasião; sente não poder annuir, ao que o nobre Marquez pede no seu Requerimento. S. Ex.ª pede duas cousas a esta Camara, e duas cousas, que a Commissão entende, que a Camara lhe não pôde conceder.
Pede que este Camara annulle o despacho da sua reforma, afim de continuar no serviço activo do Exercito; ou que, validando a reforma, lhe mande contar para esta o tempo de serviço por elle feito em França.
A Camara não pôde annullar a reforma, porque não está nas suas attribuições, nem lhe pôde mandar contar para a sua reforma, o tempo de serviço feito em França; porque para isto é preciso uma graça especial. Os D. Pares os Sr.s V. de Sá da Bandeira, e Fonseca Magalhães, lembraram o que se praticara com os Officiaes inglezes, que estiveram ao servirão de Portugal na guerra Peninsular, e alguns depois, aos quaes se lhes mandara contar o tempo de serviço feito em Inglaterra: é innegavel, que isto assim succedeu, mas por uma graça especial, concedida por El-Rei o Sr. D. João VI, o qual determinou, que a esses Officiaes inglezes se lhes contasse para as suas reformas, o serviço feito em Portugal. O facto é, que aquelle Monarcha, quando concedeu esta graça especial, reunia em si todos os Poderes, e esta Camara não pôde conceder graças.
O Sr. Marques da Bemposta e Sub-Serra. serviu em Portugal desde 1832 até hoje, tem dezoito annos de serviço, e por conseguinte pertence-lhe a terça parte do soldo: o nobre Marques fez um Requerimento ao Inspector Fiscal do Exercito para lhe declarar a reforma, que lhe pertencia, e de alguma forma se queixa do despacho que leve, no que não tem razão, porque o Inspector deferiu-lhe conforme a Lei, exigindo-lhe que juntasse a fé de Officio, e Certidão da Secretaria da Guerra.
¦ Eu sinto, que esta Camara não possa conceder ao nobre Marques, o que pede, porque sou particularmente seu amigo. S. Ex.ª, em logar de se dirigir a esta Camara, deveria antes requerer ao Governo, que o mandasse inspeccionar por uma Junta de Saude, a fim de se mostrar capaz de entrar em serviço, e queixar-se da reforma se a julga injusta; e se o Governo o não attendesse, queixar-se, e requerer na Camara dos Sr.s Deputados; mas nunca requerer a esta Camara.
Quanto ao que disse o D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira, relativo á minha reforma, direi a S. Ex.ª, que eu estava em outro caso. muito differente. Eu fui reformado contra Lei expressa, em consequencia do que requeri ao Governo, e como este não me deferiu, levei então o meu Requerimento á Camara dos Sr.s Deputados, e julgando esta que a Lei havia sido infringida, approvou o parecer da Commissão de Guerra, quê assim o julgou; e como o Governo não attendesse a esta decisão da Camara, fiz novo Requerimento, queixando-me do Governo, e então por um Projecto de Lei, que foi approvado na Camara dos Senadores, e obteve a Sancção Real, fui restituído á minha antiga posição.
A Lei das reformas, que é o Alvará de 16 de Dezembro de 1816, não permitte que sejam reformados mais, do que dous Generaes; e quando eu fui reformado, contra a expressa disposição da Lei, haviam nada menos, do que quatro, ou cinco Generaes reformados; e tanto, que o Ministro, que referendou o Decreto da, minha reforma diz — reformado no mesmo posto o Tenente General C. de Semodães — quando nas outras reformas, que não são contra Lei expressa se diz — reformado conforme a Lei. Ora o Sr. Marques da Bemposta não podia ter um posto de accesso, porque este só se dá a quem tem trinta annos de serviço, e para ter p soldo por inteiro são precisos vinte e cinco, e S. Ex.ª não os tem.
O Sr. C. de Thomar - Sr. Presidente, o Parecer da Commissão de Guerra não tem sido combatido, e eu não pediria a palavra sobre este objecto, se senão estabelecessem certas proposições, que, se passassem sem algumas reflexões, poderia pesar sobre a Nação portugueza, e o seu Governo, uma certa mancha, que eu desejo não exista.
Faço uma declaração sincera e franca, de que eu não desejo prejudicar, por modo algum, os interesses do Sr. Marquez da Bemposta e Sub-Serra, nem ferir a sua reputação; mas permitta-se-me dizer, que tudo quanto se tem dito a favor deste Cavalheiro, poderia não lêr ido tão longe, porque me parece, que senão poderá dizer com justiça, que elle é um Cavalheiro, que prestou os mais importantes serviços á nossa causa da restauração. (O Sr. M. de Ponte de Lima — É. É.) Onde ficarão pois os serviços de muitos illustres Generaes, que se assentam nesta Camara, e onde ficarão os serviços de uma grande parte de Officiaes portuguezes, se por ventura se quizesse dizer, que este Cavalheiro fora o que prestara os mais relevantes serviços na causa da restauração?! (O Sr. Fonseca Magalhães — Ninguem disse isso: o que se disse foi, que fizera distinctos serviços.) Sr. Presidente, o D. Par o nobre V. de Sá da Bandeira, cujos importantes serviços na causa da restauração são de todos nós reconhecidos, foi aquelle que estabeleceu essa proposição naturalmente pela demasiada modestia, que todos conhecemos em S. Ex.ª; porque como o nobre Visconde fora um dos que haviam feito importantissimos serviços, não quiz fazer o seu proprio elogio, e apresentou alguem mui superior em serviços ao D. Par; mas eu estou persuadido, de que nem S. Ex.ª, nem muitos outros illustres Generaes, que tem assento nesta Casa, quererão trocar os seus serviços por aquelles, que prestou esse Cavalheiro. Com tudo, não quero eu com isto dizer, que o Sr. Marques da Bemposta não prestasse serviços á causa da restauração, passando de Chefe de Esquadrão, que era em França, ao serviço da Rainha de Portugal, onde se portara dignamente; mas o que eu não quero que se diga é, que a Nação portugueza, e o seu Governo, tem commettido uma grande ingratidão para com este individuo, que sendo em 1832 Chefe de Esquadrão em França, passara ao serviço de Portugal, onde hoje está Brigadeiro, Marquez, e tendo já servido altos logares na Corte, posto que os não occupe agora, e tudo isto não é por certo por ter encontrado ingratidão da parte da Nação portugueza, nem do seu Governo. O facto de ter sido ferido quando commandava o Regimento francez, é um daquelles factos de que ha milhares de exemplos na historia contemporanea, e o proprio facto de ter ficado aleijado de um braço, acha outros muito na mesma historia, a respeito dos quaes não se praticou o mesmo, que se praticara a respeito deste nobre Cavalheiro. Elle está, sem duvida nenhuma, muito superior em vantagens recebidas da Nação portugueza, mesmo á maior parte dos seus compatriotas: logo não ha motivo algum para tão grande arguição.
O D. Par o Sr. Fonseca Magalhães fallou na perda do braço deste Cavalheiro; mas dir-lhe-hei, que nem sempre a perda de um braço, ou de uma perna, é motivo forte para justificar a valentia, e os serviços de um individuo, porque uma baila vai muitas vezes dar atrás de uma parede, ou de uma trincheira; e te se adoptasse como principio, que o ferimento seria a prova de serviços e de valentia, que idéa se faria dos grandes serviços dos dous illustres Marechaes, o nobre D. de Saldanha, e o nobre D. da Terceira!... Estes bravos Generaes, que entraram era tantos combates na guerra peninsular, que affrontaram tantas vezes os maiores perigos, e que combateram no meio das nossas mais sanguinolentas batalhas, o Sr. D. de Saldanha teve a fortuna do nunca ser ferido, e o Sr. D. da Terceira apenas recebera duas contusões; no emtanto são dous Generaes, que teem praticado actos do maior valor.
Reconheço que o Sr. Marques da Bemposta fizera grandes serviços, • entendo, que se o Governo julgar se lhe não fez justiça lha deve reparar, e neste caso uno os meus votos aos dos outros D. Pares daquelle lado de Camara (O orador aponta para o lado esquerdo); mas não posso deixar passar a idéa, de que a Nação Portugueza, e o seu Governo, se tivessem havido com ingratidão simplesmente para com este individuo. Repito com tudo a mesma declaração, que já fiz — de que eu não pretendo prejudicar os interesses do Sr. Marques da Bemposta, nem ferir a sua reputação: reconheço que fez grandes serviços á Nação Portugueza; mas entendo que esta Nação lhos tem agradecido.
Pelo que diz respeito aos elogios feitos ao tio do Sr. Marques da Bemposta, Mr. o Conde de Hyde de Neuville, eu entendo que são muito bem merecidos, porque o Conde de Hyde de Neuville mostrou sempre um vivo interesse pela causa de Portugal; e se é preciso a este respeito unir os meus votos aos dos outros D. Pares, não tenho a menor duvida era o fazer.
Torno ainda a repetir a declaração (para que amanhã senão venha dizer, que eu cobri de injurias o Sr. Marques da Bemposta) de que eu sómente quiz salvar a Nação Portugueza, e o seu Governo, da mancha de ingratidão para comeste individuo; e que no meu modo de entender ha francezes, cujos serviços não foram certamente tão bem compensados como os do Sr. Marques da Bemposta.
O Sr. M. de Ponte de Lima — Sr. Presidente, pouca tenção tinha eu de entrar na discussão desta materia; mas visto que algumas reflexões se tem feito, e achando-se presente o Sr. Ministro da Guerra, perguntaria eu a S. Ex.ª — se se julga auctorisado para fazer reformas, mesmo com violação de Lei, mas senão se considera auctorisado para as emendar, quando a justiça o reclame. Eu sei muito bem, que não foi S. Ex.ª quem reformou o Sr. Marques da Bemposta e Sub-Serra; mas nunca me pude lembrar, de que haveria alguem, que pretendesse menoscabar os serviços, e serviços relevantes do nobre Marques da Bemposta, talvez o unico official militar francez, que se viesse alistar nas fileiras do Exercito Libertador; porque, nesta Camara estão muitos distinctos Officiaes, -e um Tenente General desse Exercito Libertador; e digam S. Ex.ª, quantos Officiaes nos vibram de fora! nenhuns, ou quasi nenhuns; em quanto que o Sr. Marques da Bemposta, sendo chefe d'esquadrão em França, passou em Tenente Coronel (posto igual ao que tinha) ao serviço da Rainha de Portugal. O Sr. Marques da Bemposta foi reformado, e não o podia ser senão em conformidade das disposições do Alvará de 1790; mas S. Ex.ª não tinha pedido a sua reforma, nem estava incapaz do serviço activo no Exercito!.... - Quanto á substituição do D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira, pediria eu a S. Ex.ª, que a fizesse mais extensa; porque, não só fora reformado contra Lei o Sr. Marques da Bemposta, a quem certamente pouco transtorno isso lhe causaria, visto que felizmente hoje se acha casado com uma senhora muito rica; mas foram tambem reformados alguns outros distinctos Officiaes, e entre elles o Sr. João Pedro Soares Luna, e o Brigadeiro Luiz de Moura Furtado, os quaes prestaram relevantissimos serviços á causa da Liberdade, e ao Throno da Rainha.
Concluo, pedindo ao D. Par author da substituição, haja de a fazer mais extensiva.
O Sr. C. do Bomfim — Sr. Presidente, não tenho visto atacar o parecer da Commissão, nem eu? me levanto para o fazer; mas tambem o não faço para lhe dirigir louvores: por tanto referirei algumas circumstancias, que me parece não estão muito em harmonia com o parecer da Commissão; circumstancias que se teem verificado em casos muito analogos.
Em primeiro logar direi, Sr. Presidente, que a reforma é um premio, segundo as leis, e a accepção geral, e não costuma dar-se senão quando é pedida, ou quando o Official está impossibilitado para fazer o serviço. Ora, no esse do Marques da Bemposta, e dos outros distinctos Officiaes, como elle Reformados, vejo eu que se não praticou isto. É um facto, que o paiz tinha acabado do
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sahir de uma mui extraordinaria insurreição politica, e em casos identicos temos visto tomarem-se medidas como esta; mas tambem é um facto, que quando as circumstancias mudam e serenam, o Governo tem reparado os males, que similhantes disposições tem produzido na escalado Exercito, já propondo-se Leis, já tomando as medidas que estão as seu alcance. São estes principios que me levam a approvar a emenda, que se apresentou, tanto mais que isto é depois da publicação da amnistia, e por isso maior razão e justiça se dá neste caso.
Além do que, cumpre observar, que o Ministro da Guerra, que fez essas reformas, não executou as Leis, não só porque o illustre Marquez da Bemposta, e esses outros Generaes e Officiaes, a que se alludiu, sobre os quaes recahiu essa tremenda reforma, não foram inspeccionados, mas porque se lhes deu uma reforma, ou recompensa, que elles não pediram. Nem se póde argumentar contra a restituição á effectividade dos Generaes a que se allude, com o numero fixado para os quadros do Exercito, por duas razões: primeira, porque em consequencia da fixação desses quadros, não podiam elles sahir da effectividade do Exercito, sem se infringir a Lei, que marca o numero, que deve haver de Officiaes Generaes Reformados; e segunda, porque a Lei do quadro dos effectivos já está alterada, em resultado das extraordinarias promoções feitas na occasião, em que se tractava da applicação da amnistia. Fica pois evidente, que foi um grande castigo que se deu a estes Generaes, e que tamanha injustiça deve ser reparada quanto antes.
Ora, Sr. Presidente, embora se diga que o Governo não infringiu a Lei, porque estava em dictadura (que eu não classificarei agora), e que não houve ingratidão para com o Marquez da Bemposta, coberto dos mais relevantes serviços e honrosas cicatrizes: direi que, se não é uma ingratidão a reforma que se lhe deu, eu não sei então como se ha de qualificar; e com tal ingratidão não quererei eu carregar, nem que ella pese sobre esta Camara ou a Nação.
A minha peculiar situação me fez presencear de perto os relevantes serviços praticados por aquelle illustre General, no memoravel dia 29 de Setembro de 1832: seja-me pois licito dizer alguma cousa em honra dos serviços por elle prestados.
Quando o Marques da Bemposta recebeu as honrosas feridas, que o impossibilitaram de um dos seus braços, estava eu encarregado da direcção superior no ponto, em que elle foi ferido: fallo diante de quem decerto corrigiria qualquer expressão menos exacta, que eu proferisse sobre assumpto tão melindroso, e a quem cabe a principal gloria desse dia — refiro-me ao nobre D. da Terceira. Então tinha eu a honra de ser Ajudante General do Exercito, que S. Ex.ª commandava, assim como depois o fui de Sua Magestade o Imperador. Como ia dizendo, nesse dia, logo que o inimigo appareceu, examinada aquella posição pelo General em Chefe, e seu Estado Maior, entendeu-se, que o ataque principal mui provavelmente se verificaria por aquelle lado: fiquei pois alli, não só a principio por dever, mas tambem depois por obediencia, em quanto o General e Estado Maior foram para uma posição central, para dar as disposições necessarias da acção. Succederam então factos gloriosos, que a parte official desse dia relata, e que os faz apparecer mais brilhantes, do que tudo quanto eu poderia agora referir.
Cumpre porém dizer, que essa posição aonde estava o Marquez da Bemposta foi aquella aonde um General, que já não existe, cuja falta deploramos, praticou um feito d'armas, de que talvez não ha exemplo: fallo do illustre General Barão de S. Cosme, que com vinte e cinco esforçados cavalleiros, Officiaes do Corpo de Guias, atacou e rechaçou de nossos muros uma força de infanteria, incomparavelmente superior. Em seguida coube ao batalhão francez o sustentar, á custa dos maiores sacrificios, a violencia do ataque; e o Marques da Bemposta, á frente do referido corpo, portou-se de uma tal maneira, que tudo quanto se dissesse em seu louvor não seria demasiado, e assim o qualificou o Libertador da Patria.
Eu fallo sem dever merecer suspeita, pois embora a posição em que me achava me impozesse o dever de ser eu o juiz de tão distinctos feitos, praticados debaixo da minha direcção, é sabido, que tambem eu alli fui mui gravemente ferido, e fiquei em tal estado, que não concorri com as minhas informações para o relatorio do Commandante em chefe sobre aquella batalha; mas declaro que se me fosse dado informar, eu o teria feito do mesmo modo. Repito, por tanto, que os serviços do Marques da Bemposta não podem deixar de qualificar-se como muito distinctos, porque foi elle quem, com o bravo corpo do seu commando, sustentou por muito tempo aquelle posto, com uma bravura raras vezes vista, fazendo com isto um mui assignalado serviço, sem o qual talvez não viriamos a occupar estas cadeiras.
Eu faço justiça ao D. Par o Sr. C. de Thomar no que vou a dizer; porque estou certo, de que S. Ex.ª, com as observações que fez, não quiz deprimir os serviços do Marquez da Bemposta; mas direi, que supposto o D. Par mostrasse a melhor vontade de unir os seus votos aos dos D. Pares deste lado da Camara, para que se melhore aposição desse General, comtudo não posso deixar de observar a S. Ex.ª, que a posição do Marquez no Exercito, é muito differente da dos Officiaes francezes a que alludiu. Todos sabem, que Sua Magestade o Imperador, de saudosa memoria, teve o Marques da Bemposta por seu Ajudante de Campo; sabem que elle era o Dictador, e que como tal podia fazer, ou permittir differentes promessas, ou contractos aos Officiaes, que então vieram servir no Exercito. Posso affiançar, diante de quem o sabe, que Sua Magestade Imperial mais de uma vez disse, que desejava que este Official ficasse no Exercito de Portugal; assim se verificou, desde que elle pertenceu ao quadro do Exercito, só teve o adiantamento, que lhe pertenceu na escala geral do accesso. Ora com outros Officiaes francezes tinha havido um, Contracto, para no fim da guerra sahirem do Exercito, e então não se lhes fez offensa, e muito menos depois da lei que a seu respeito passou nas Côrtes. Se pois para com o Marquez da Bemposta se obrou diferentemente, foi isso em consequencia da promessa especial, que Sua Magestade Imperial lhe havia feito.
Eu faltaria a um dever sagrado, se tivesse deixado de declarar nesta occasião, o que tenho referido relativamente aos importantes serviços do General Marques da Bemposta; mas tendo se pronunciado a Camara a seu favor, julgo escusado aecrescentar cousa alguma mais sobre este assumpto.
O Sr. V. DE SÁ — Á vista do que disse o D. Par, eu peço licença para retirar a minha proposta, e em logar della proponho a seguinte, que é extensiva a todos os Officiaes reformados pelo Decreto de 6 de Junho de 1847.
Proposta (substituindo a anterior.)
Proponho que a Camara recommende ao Governo, que reconsidere o Decreto de 6 de Junho de 1847, pelo qual foram reformados diversos Officiaes Generaes, e outros. Camara dos Pares, Junho 6 de 48. = Sá da Bandeira.
E proseguiu — O Governo, reconsiderando este Decreto, poderá então proceder segundo o Alvará de 21 de Fevereiro de 1816, que deu organisação ao Exercito, e pelo qual o Governo é authorisado a reformar os Officiaes, segundo os serviços reaes de cada um. Se porém julgar, que pelo dito Alvará não póde fazer tudo, o que é justo fazer a favor do Sr. Marques da Bemposta, proporá então ás Côrtes o que lhe parecer necessario para se conseguir o fim desejado. Direi por esta occasião, que uma porção de Officiaes francezes, e belgas, que serviram em Portugal, na guerra contra a usorpação, retiraram para os seus respectivos paizes, onde recebem pensões pagas por Portugal.
O D. Par o Sr. C. de Thomar notou, que ficar um homem ferido não é prova de valentia: isso, é verdade, porque se póde ser ferido achando se o individuo na frente de um corpo que combate, ou acompanhando, as bagagens; mas o Coronel Sr. Leger, de quem se tracta, sabem todos, que foi ferido á frente do seu regimento, na acção de 29 de Setembro de 1832, na occasião em que o inimigo tentava entrar no Porto, e justamente no sitio onde o combate se tornou mais forte. Demais: em todos os paizes da Europa, com excepção de Portugal, os militares mutilados em combate, teem por lei certas pensões correspondentes aos postos, que tinham no dia da acção, em que foram feridos. Se o Coronel St. Leger não foi mutilado, produziu-lhe a ferida longos annos de soffrimento, e quasi a inutilisação do braço fracturado. E em recompensa dos seus serviços é reformado, quinze annos depois do dia daquella acção, com a terça parte do soldo de Brigadeiro, que no estado presente dos pagamentos se reduz a uns 7$000 réis por mez.
Sr. Presidente, eu poderia ainda fallar mais sobre este assumpto, mas julgo-o desnecessario, limitar-me-hei sómente a lêr a carta, que por ordem de SUA MAGESTADE o Sr. D. Pedro, foi dirigida ao Sr. Conde de St. Leger da Bemposta, pelo Conselheiro Candido José Xavier. Por estacaria, escripta em París pouco antes de SUA MAGESTADE partir com a expedição para os Açores, era o Sr. St. Leger convidado a acompanhar SUA MAGESTADE, que lhe fazia esta alta distincção, em consideração dos serviços importantissimos prestados pelo Sr. Hyde de Neuville, tanto ao Sr. D. João VI, como á Sr.ª D. Maria II. (Leu.)
O Sr. PRESIDENTE — A primeira proposta do D. Par já esteve em discussão, não se póde portanto retirar sem consentimento da Camara, a fim de a poder, então substituir pela outra, que offerece.
A Camara consentiu.
O Sr. PRESIDENTE — Como tem alguma alteração comparada com a primeira, vou consultar a Camara, sobre ser ou não admittida á discussão.
Admittida.
O Sr. MINISTRO DA GUERRA — Não é minha intenção entrar agora na discussão do objecto, de que se tracta, por isso mesmo que não vejo estejam destruidos os concludentes argumentos do D. Par o Sr. C. de Thomar; mas tractarei de responder ao D. Par o Sr. M. de Ponte de Lima, na parte em que disse, que o Ministro da Guerra, segundo parecia, achava-se authorisado para reformar, e não authorisado para emendar essa reforma.
Devo prevenir a Camara, de que me parece que ha de estar bem certa, de que não foi no tempo da minha gerencia, que este Sr. Marques da Bemposta foi reformado (Apoiados — O Sr. C. das Antas — É verdade): é comtudo certo, que já no meu tempo appareceu um requerimento do dito Marques, pedindo a sua reintegração, no qual eu puz o despacho seguinte — Que o Governo não lhe podia deferir — este despacho porém foi feito na hypothese, de que estava bem reformado, e que quando assim não fosse, só o Corpo Legislativo podia emendar esta infracção de lei.
Parece-me por tanto, que com isto ficará satisfeito o D. Par o Sr. M. de Ponte de Lima.
O Sr. C. DE THOMAR — Eu nada direi ácerca do parecer da Commissão, porque é desnecessario; em quanto ao que se tem exposto sobre os serviços do Sr. Marquez da Bemposta, eu tambem já disse quanto basta para exprimir ai minhas idéas.
Agora quanto á emenda, ou substituição offerecida pelo D. Par, direi, que não me parece estar ella nas circumstancias de ser admittida, por isso mesmo que póde expor a Camara a uma negativa da parte do Governo, pois que este está no direito de a fazer, e por este motivo não me parece, que á Camara convenha tomar resolução sobre isso. O que me parece porém é, que esta Camara tem cumprido o seu dever, e exprimido as suas idéas relativamente ao objecto, de que se tracta: por tanto, se o Governo quizer condescender com as idéas da Camara, elle já sabe quaes ellas são.
Em conclusão: entendo que a isto nos deviamos limitar (Apoiados), e que a Camara, não deve approvar tal emenda, pelo perigo de ficar sem nenhum effeito, pois que tal é o direito que o Governo tem.
O Sr. D. DE PALMELLA — Sr. Presidente, não posso deixar de dizer, que me parece muito rasoavel a opinião que acaba de emittir o D. Par, que fallou ultimamente: esta discussão poderá servir para fazer conhecer ao Governo as disposições, ou o modo de pensar da maioria dos Membros desta Camara, ácerca do Sr. Marquez da Bemposta (Muitos apoiados), e a gratidão, e memoria, que conserva dos grandes serviços prestados por seu tio á causa da RAINHA (Apoiados); e pArece-me, que approvando o parecer da Commissão, ficarão com tudo pela manifestação que teve aqui logar, preenchidos os desejos desta Camara (Apoiados).
Pedi a palavra antes de ter ouvido o D. Par, que me precedeu, a fim de aproveitar esta occasião para addicionar tambem o meu tributo, de reconhecimento ao interesse, que Mr. Hyde de Neuville, tio do Brigadeiro Marques da Bemposta, manifestou em todas as occasiões, que se lhe offereceram, e algumas dellas muito importantes, pela causa da RAINHA, e aos grandes serviços, que á mesma causa prestou. Creio que se eu invocar o testimunho do Sr Presidente do Conselho não deixará de me apoiar (O Sr. Presidente do Conselho — Apoiadissimo, por isso mesmo que, mais que ninguem, poderá attestar, que n'uma época assignalada da historia da emigração época dos nossos maiores embaraços, e maiores desgraças, se deveu talvez a Mr. Hyde de Neuville a conservação de muitos dos mais leaes, e mais valentes subditos da RAINHA (Muitos apoiados; isto é, a conservação de muitos braços, que cooperaram depois efficazmente para a restauração do Throno Constitucional; acto este praticado da maneira mais generosa, e mais espontanea. A gratidão é um dever para todos os homens, e por consequencia para os Governos, que os regem, e as corporações que na sociedade se acham constituidas. Julgo por tanto, que esta Camara, não fez mais, do que devia ao paiz, e a si mesma, aproveitando esta occasião para exprimir os seus sentimentos (Apoiados).
Não entrarei agora na analyse, e exame especial da questão, que se tracta, e sobre a qual já se tem dito muito. Ouvi dizer a um D. Par, ao qual já me referi, que o Sr. Marquez da Bemposta não se podia queixar de falla de gratidão da par te da Nação Portugueza, achando-se com a patente de Brigadeiro, e tendo já occupado eleva dos logares na Côrte: a isso podia eu dizer, que nesse posto de Brigadeiro está elle reformado, e de uma maneira bem pouco vantajosa, e que os logares que já occupou na Côrte, não os occupa, agora. Eu não pretendo indagar, por que motivos aconteceram estes dous fados; mas o certo é, que elles aconteceram, e creio, que se os bons serviços podem fazer obliterar, ou desculpar erros commettidos anteriormente, não deve uma nação generosa adoptar a maxima inversa; esquecer inteiramente, quaesquer que sejam as circumstancias, os serviços que uma vez lhe foram prestados.
Em quanto ao merecimento da pessoa, de que se tracta, posto que os seus serviços na guerra da restauração, possam, em razão da patente que tinha, ser considerados como os dos principaes Chefes, com tudo foram sem duvida muito distinctos, e a circumstancia de ser nella ferido, não póde deixar de tomar-se em consideração: não porque a ferida seja só por si condição necessaria, para que um soldado possa reputar-se valoroso, mas porque tem sido sempre considerado esse como um motivo para consideração, e recompensa em todos os tempos, e em todos os paizes. Resumindo-me por tanto, direi, que o meu voto é approvar o parecer da Commissão, deixando á consideração do Governo dar o passo, que julgar conveniente, em attenção as observações, que foram feitas nesta Camara. (Muitos apoiados).
Agora permitta-se-me antes de me sentar, que aproveite esta accasião para dizer algumas palavras sobre, um objecto analogo ao de que se tractou aqui hoje, e sobre o qual hei de fazer um requerimento á Camara, porque e tambem tendente a manifestar a gratidão nacional para com um homem, que prestou grandes serviços á legitima causa do Throno e da Liberdade, pois que estas duas cousas consideramos sempre como reunidas a uma só (Muitos apoiados): quero fallar do Visconde de Itaibana (Apoiados).
Este diplomatico falleceu ha pouco tempo em Napoles, onde exercicia o cargo de Ministro do Brasil. Escuso recordar a magnitude dos serviços que prestou á causa da RAINHA, pois que esses serviços são notorios (Apoiados); mas devo dizer, que sendo elle nascido no Brasil, conservou sempre um coração portuguez; e os auxilios, que prestou sempre á nossa causa, o tornaram em algumas occasiões mal visto no seu paiz, e concorreram para que soffresse grande prejuizo na sua fortuna, e carreira politica. Como ultima prova da sua affeição a Portugal pediu no seu testamento, que seu corpo fosse trasladado de Napoles para, Roma, a fim de ser sepultado na Igreja de Santo Antonio dos portuguezes dessa cidade. Eu proponho por tanto, que a Camara solicite do Governo um testimunho de consideração á memoria deste individuo, mandando erigir, ainda que seja um modesto monumento no logar onde se acha sepultado, com uma inscripção. que commemore o reconhecimento do Governo de SUA MAGESTADE (Muitos apoiados), e da Nação Portugueza. Mandarei para a Mesa era outra occasião este meu requerimento.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — á vista da discussão, não tenho duvida nenhuma em pedir licença á Camara, para retirar a minha substituição; mas desejaria antes disso, ouvir algumas palavras do Sr. Presidente do Conselho de Ministros,
O Sr. PRESIDENTE DO CONSELHO DE MINISTROS — Sr. Presidente, eu conformo-me perfeitamente com a opinião dos Sr.s C. de Tnomar, e D. de Palmella, entretanto a Camara tem visto nestes papeis um despacho do Ministro da Guerra, dizendo, que não pertencia ao Governo a decisão deste negocio, e o Sr. M. de Ponte de Lima pareceu censurar aquelle despacho; mas a Camara sabe perfeitamente, que as Ordens do dia do Exercito tem força de Lei. e a Ordem do dia de 18 da Setembro de 1836 diz, que não pertence ao Governo (Leu aquella Ordem do dia): por consequencia é necessaria uma medida legislativa a esse respeito, e isto já teve logar, quando o Sr. C. de Semodães requereu tambem contra a reforma, que tinha soffrido. Primeiro que tudo houve na Camara dos Sr.s Deputados uma decisão a este respeito, da qual o Governo senão fez cargo. O Sr. Conde fez nova representação, a qual depois de passar em ambas as Camaras, recebeu a Sancção Real.
Não tenho duvida em dizer quaes são as minhas idéas a respeito dos serviços do Sr. M. da Bemposta, na campanha contra o usurpador, e em declarar, que fez quantos poude, tendo a infelicidade de não serem prolongados os seus serviços, por haver logo no principio da guerra, recebido uma muito grave ferida, que o impossibilitou de a poder continuar (Apoiados — O Sr. Fonseca Magalhães — Bem. Bem.) Este cavalheiro foi convidado pelo Duque de Bragança, por meio daquella carta que o Sr. V. de Sá acabou de lêr, e eu mesmo ouvi dizer ao Duque de Bragança, que uma das cousas que mais o lisonjeava, e que provaria á Europa inteira a bondade da causa de SUA FILHA, era vêr o Sr. M. da Bemposta, representante do absolutismo, e o Sr. Julio de Lasterie, representante do principio democratico, concorrendo para o triumpho da nossa causa, fazendo parte do seu exercito. Eu não teria a menor duvida em applicar a seu Tio as expressões, que não ouvi, mas de que me informam fizera uso o D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira, a respeito do Sr. M. da Bemposta, porque não conheço quem prestasse maiores serviços á causa de SUA MAGESTADE A RAINHA, do que o Sr. Hyde de Neuville (Apoiados). Eu posso attestar isto, talvez melhor que ninguem, porque quando fui repellido das praias da Terceira, pelos canhões inglezes, dicidi-me a não Voltar para Inglaterra, e ir a França. O Sr. Hyde de Neuville, que era então Ministro da Marinha, assim que soube que tinhamos chegado ás praias de França, mandou-me dar os maiores auxilios possiveis, e depois que cheguei a París, fez com que o Governo de Carlos X estabelecesse um subsidio, com que podiamos viver commodamente. (O Sr. C. das Antas — E um apoio formal.) É verdade: ainda mais. Quando o Princepe de Polignac foi encarregado de formar a Administração, disse ao Sr. Hyde de Neuville, no Gabinete do Rei — tu já se sabe ficas no Ministerio? — Elle respondeu — não, nós temos ambos jogado as nossas cabeças pela causa da Monarchia: agora é a Monarchia, que tu vaes pôr em jogo. e eu não quero ser da partida, — e quando I sahindo do Gabinete voltou e disse —Tenho de fazer-te uma declaração, e é, que se o Governo attentar contra a causa da Senhora DONA MARIA II, eu lhe farei a mais decidida opposição (Apoiados.)
Ninguem por certo fez mais serviços á causa da RAINHA, e portanto á causa da Liberdade, que estão tão intimamente ligados entre si como o Sr. Hyde de Neuville (Apoiados repetidos.)
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Peço licença á Camara para retirar o meu additamento.
O Sr. Presidente — Como tem estado em discussão, eu vou sobre isso consultar a Camara.
Permittiu que o Sr. V. de Sá retirasse a sua Proposta.
O Sr. PRESIDENTE — Está retirada. — ContinuA a discussão sobre o Parecer da Commisão (Vozes — Votos, Votos). Não está mais ninguem inscripto, e se nenhum D. Par pede a palavra, vou pér o Parecer da Commissão á votação (Apoiados). A Camara reconhece, que seguindo á riSca o Regimento, tractando-se de um objecto, que se refere a uma pessoa em particular, se deve proceder á votação por esferas (Votes — Nada. Nada.) Todavia a Camara poderá dispensar essa fórma, e os D. Pares que a dispensam queiram levantar-se. '
Dispensou-Se a fórma de votação para este caso estabelecida no Regimento.
O Sr. PRESIDENTE — Está dispensado. Agora voa pôr á votação o Parecer da Commissão.
Foi approvado.
O Sr. C. DE LAVRADIO — Sr. Presidente, peço á palavra (O Sr. Presidente — Tem a palavra o D. Par) Como está presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, pedi a palavra para lhe fazer a interpellação, que havia annunciado.
Sr. Presidente, eu declaro que não desejava provocar nesta Camara uma discussão, sobre a asserção feita pelo Sr. D. de Saldanha na Circular, que em 7 de Outubro de 1846 dirigiu ao Corpo Diplomatico, então residente nesta Côrte; asserção que depois foi repetida pelo Sr. D. Manoel de Portugal em um despacho, que dirigiu se Ministro de SUA MAGESTADE na Côrte de Londres, a de que tive conhecimento pelos documentos, que foram apresentados ao Parlamento.
Eu considerava, que esta questão se achava terminada, em consequencia de uma correspondencia, que hoje corre impressa, na qual eu, e o Sr. D. de Palmella, tinhamos provado, que aquella asserção não era exacta, nem mesmo fundada. Se eu julgasse, que este negocio não estava terminado, teria sido talvez a occasião opportuna para tractar delle, na discussão da Resposta ao Discurso do Throno; mas eu não fiz menção de tal questão, porque a considerei (torno a repetir) terminada, e pertencendo já ao dominio da historia.
Tendo porém o Sr. D. de Saldanha apresentado o seu Relatorio ás Côrtes, logo que delle tive co-
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nhecimento, tractei de lêr com toda a attenção um documento tão interessante; e encontrando alli a Circular, a que me refiro, conclui, que S. Ex.ª não se, tinha dado por convencido com os argumentos por mim e pelo Sr. D. de Palmella apre j sentados na correspondencia; que ainda agora já citei; e então, logo que a minha saude m'o permittiu, dirigi um requerimento a esta Camara, requerendo que fosse pedida ao Governo a representação, que eu devia julgar existir, tanto por esta Circular, como por uma Carta, que me havia dirigido o Sr. D. Manoel de Portugal; e logo por essa occasião eu declarei, que eu me propunha a demonstrar, que a Representação citada na Circular, se ella existia, era apocripha, e por isso pedia, que fosse remettido o chamado original. Na Circular que está junta ao Relatorio diz S. Ex.ª (leu-a — Vid. o Relatorio). Diz a Carta do Sr. D. Manoel de Portugal, em resposta a outra, que eu lhe linha dirigido, sobre as convenientes explicações a este respeito: Extracto de uma carta do Sr. D. Manoel de Portugal para o C. de Lavradio. «Affirmo a V. Ex.ª que tudo quanto exarei na minha citada nota, e especialmente no § 7.° a que V. Ex.ª se refere, é verdadeiro e exacto, e chegou ao meu conhecimento, pelos meios que me subministrava o logar que na Administração a que tive a honra de pertencer, occupava; meios que desapparecerem com a minha demissão.»
Á vista destes dous documentos, torno a repetir, julguei que havia algum documento, posto que apocripho. Porém, Sr. Presidente,: aqui está a resposta ao Officio que esta Camara dirigiu ao Sr. Presidente do Conselho no qual S. Ex.ª responde pelo modo seguinte:
«Ill.mo e Ex.mo Sr. = Tenho a honra de participar a V. Ex.ª para os effeitos convenientes e era resposta ao Officio datado de 24 do corrente, que neste Ministerio não existe original de alguma Representação apresentada por escripto a Sua Magestade, pelo D. Par D. de Palmella como Presidente do Conselho de Ministros a que se refere o D. Par C. de Lavradio no seu requerimento sob o n.º 46 o que todavia não contraria a asserção que se encontra na Circular que faz parte dos documentos do meu Relatorio, pois que é bem sabida a maneira porque de ordinario se dirigem ao Soberano similhantes Representações. Deos guarde a V. Ex.ª Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, em 31 de Maio de 1848. = Ill.mo e Ex.mo Sr. V. de Gouvêa, Secretario da Camara dos D. Pares do Reino. = D. de Saldanha.»
Está provado, Sr. Presidente, pela propria Resposta do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, que tal Representação não existe, nem existiu, porque se tivesse existido então havia de ser conservada na Secretaria respectiva; mas insiste S. Ex.ª, em que senão houve esta Representação por escripto, houve uma Representação verbal. Permitta-me S. Ex.ª, que eu faça a observação, de que Representações verbaes era objectos taes, só são admissiveis nos governos absolutos, mas não nos governos representativos, onde é necessario que haja sempre meios para tornar effectiva a responsabilidade dos Funccionarios Publicos. Eu concedo que em algumas occasiões tenha acontecido isso; mas é uma irregularidade muito notavel no governo representativo, no qual todos os actos dos Funccionarios Publicos estão sujeitos a responsabilidade, e por consequencia as Representações verbaes são inadmissíveis, e não se pôde fazer obra por ellas. Mas eu concedo, que moitas vezes, pela falta de pratica que nós temos das formulas essenciaes do governo representativo, estas Representações tenham sido feitas verbalmente; mas neste caso não existiu Representação alguma verbal, porque facilmente se prova com a simples leitura dos decretos da demissão concedida ao Sr. D. de Palmella, e aos seus collegas. Este é o da demissão do Sr. D. de Palmela (Leu-o — Diario n.º 236 de 1846.) Os Decretos da de missão dos seus collegas são concebidos nas mesmos termos. Devo observar mais que ha duas formulas estabelecidas para as demissões dos Ministros de Estado. Quando a demissão é concedida a pedido do Ministro a formula é a seguinte: Attendendo ao que Me representou etc. Quando porém a demissão é dada em consequencia da Soberana, na sua alta sabedoria, julgar dever usar da sua prerogativa a formula é a seguinte: Hei por bem etc. Parece-me, portanto, que está demonstrado, que não houve Representação por escripto, porque assim foi declarado pelo mesmo Sr. D. de Saldanha, Presidente do Conselho de Ministros: e está tambem provado pela formula dos Decretos, que não houve Representação verbal. Agora desejará a Camara saber, qual é o motivo parque eu insisto tanto nesta prova: eu vou, em cumprimento do meu dever, satisfazer ao justo desejo da Camara.
Sr. Presidente, quando o Ministerio presidido pelo Sr. D. de Palmella tomou conta dos negocios publicos, todos sabem qual era a situação, em que se achata este Paiz. Tinha havido uma revolução, e o Paiz achava-se em anarchia, e já aqui se lera dito muitas vezes, que quando se formou esta Administração, a authoridade do Governo não chegava ao termo de Lisboa. Foi, por tanto, grande a prova de confiança, que o Sr. D. de Palmella, assim como os seus collegas receberam da Soberana; mas foi tambem grandissima? responsabilidade, que elles contraíram, e grandes os deveres, a que se obrigaram, tanto para com a Soberana, como para como Paiz. A Soberana, chamando-nos aos seus conselhos, deu-nos uma prova da confiança, que tinha em nós, e nós contraímos o dever de defender quanto coubesse em nossas forças, illeso o Throno de Sua Magestade: por outro lado, o Paiz voltando á ordem, em consequencia dos nossos esforços, e sobretudo da confiança, de que nós cumpriríamos fielmente tudo quanto haviamos promettido; isto é, que fariamos todo o esforço para impedir, que tornasse outra vez a estabelecer-se o systema governativo, contra é qual todo o Paiz se tinha revoltado, collocou-nos na posição de não podermos abandonar o poder por facto proprio. E qual era então o nosso dever? Era; repito, por facto proprio não largar os logares, que occupavamos, em quanto não se reunissem as Cortes;ás quaes deviamos dar conta, e explicar os motivos dos nossos actos. Esta Administração seria até criminosa perante a Soberana, e perante a Nação, se, nas circumstancias em que estava o Paiz, tivesse pedido a sua demissão.
Eis aqui o motivo, porque tenho insistido com tanto empenho em provar, que a Administração, a que pertenci, não pediu a sua demissão, por que se lai tivesse feito faltaria ao que devia á Soberana, e ao Paiz, que a tinham honrado com a sua confiança.
Sr. Presidente, escuso de insistir mais sobre esta materia; está presente o meu nobre amigo,
O Presidente da Administração desse tempo; e se elle julgar necessario accrescentar mais algumas observações, ás que acabo de expender, elle o fará muito melhor do que eu.
O Sr. D. de Palmella — Peço a palavra. (O Sr. Presidente — Tem V. Ex.ª a palavra.)
O Sr. D. de Palmella — Sr. Presidente, a Camara ha de fazer a justiça de acreditar, que é com summo pesar, e grande repugnancia, que eu me vejo constrangido a fallar agora na materia, de que se tracta nesta interpellação. Devo declarar em primeiro logar, que não creio, que resultaria beneficio algum para o paiz, se nos occuparmos agora com questões pessoaes (Apoiados), nem mesmo talvez do exame da historia dos acontecimentos passados: bem basta as difficuldades actuaes, e as eventualidades futuras, para absorver exclusivamente a nossa attenção í Creio que em particular a historia, do que precedeu, e acompanhou o dia 6 de Outubro do anno de 1846, não pôde agora convenientemente ser tractada.
Eu não me pronunciarei sobre as consequencias, que teve o acontecimento desse dia, nem direi se foram tristes, ou se foram favoraveis para o paiz. A historia o dirá, e cada um formará a tal respeito a sua opinião; mas creio que poderiam resultar graves inconvenientes de uma discussão, na qual se tractasse de tornar a trazer hoje á memoria esse acontecimento, e o maior de todos esses inconvenientes, escuso eu até de o mencionar (Apoiados); e certamente todos os meus collegas assim o consideram como eu. Ha uma Personagem no Estado, cujo nome não deve jamais ser trazido aos nossos debates (Apoiados), o que difficultosamente deixaria de acontecer, se por ventura agora quizessemos tractar dessa materia. (O Sr. Presidente do Conselho, e outros D. Pares — Apoiado.) Estimo ser apoiado pelo Sr. Presidente do Conselho, e por outros Membros da Camara, por que nisto vejo que estão de accordo com as minhas idéas; mas S. Ex.ª ha de permittir-me observar, que pôde ser-lhe attribuido o embaraço, em que nos vemos, pois não havia necessidade alguma de inserir no Relatorio, que apresentou a esta Camara, um documento no qual se contém uma asserção, que, com todo o fundamento, havia já sido por mim contradicta. E não posso igualmente sujeitar-me a deixar subsistir, sem reclamação da minha parte, uma phraze da resposta dada officialmente por S. Ex.ª ao requerimento do D. Par, o Sr. C. de Lavradio, pois que da dita phraze resultaria a confirmação, posto que indirecta, da asserção que figura na sua nota a Lord Howard de Walden, que já declarei ser inexacta, o que torno formalmente a manifestar.
Sr. Presidente, a questão é muito simples. O Sr. D. de Saldanha escreveu n'uma nota dirigida a Lord Howard de Walden o seguinte: «Havendo representado a Sua Magestade a RAINHA, o Sr. D. de Palmella, os continuos e diversos obstaculos que se oppunham a que o Ministerio de que era Presidente podesse progredir na administração do paiz, etc.» e o Sr. D. Manoel de Portugal s Castro, Ministro dos Negocios Estrangeiros, n'um despacho dirigido e o Sr. B. de Moncorvo, escreveu tambem o seguinte: «Foi neste estado de completa anarchia que a Sua Magestade representou o D. de Palmella, como Presidente do Conselho de Ministros, a absoluta impossibilidade em que se via a o Governo de progredir na administração do paiz etc.» Estes dous documentos foram publicados na serie dos que o Governo inglez communicou ao Parlamento; e só por esta publicarão tive, accidentalmente assim como o publico, conhecimento da sua existencia. Julguei então dever, em conformidade do que já havia praticado o meu amigo, e antigo collega, o Sr. C. de Lavradio, reclamar contra uma asserção completamente inexacta, * (ta qual resultava o attribuir-se-me a iniciativa da reacção de 6 de Outubro de 1846, visto suppôr-se, que eu havia representado a Sua Magestade a impossibilidade da continuação da existencia do Ministerio, a que eu tinha a honra de presidir, o que equivaleria sem duvida a haver solicitado a sua demissão; e a minha reclamação foi clara, e explicitamente apresentada n'uma carta por mim diriga ao Sr. D. Manoel de Portugal, e communicada por copia, tambem por mim directamente ao Sr. D. de Saldanha. Esta correspondencia foi toda por mim publicada n'um folheto, que corre impresso; e havendo já decorrido mais de um anno, sem que fossem respondidas, ou postas em duvida as minhas declarações, julgava-me com direito a suppôr, que se não reproduziriam mais as asserções,* que as haviam motivado, e que se deixaria para o juizo da historia, a apreciação imparcial destes factos. Não deve por tanto recahir sobre mim a accusação, de haver agora suscitado voluntariamente questões intempestivas, quando é evidente pelo contrario, que em defeza de minha honra me vejo impellido a tomar a palavra.
Repito pois, e declaro formalmente: primeiro, que eu não dirigi representação alguma por escripto, o que já se acha confirmado pelo Sr. D de Saldanha; segundo, que o Sr. D. de Saldanha me não consultou* como elle mesmo poderá agora
confirmar, quando dirigiu a Lord Howard a nota, na qual se contém, a erronea asserção contra a qual reclamo; e em terceiro logar, que assim como não dirigi por escripto aquella representação, tambem a não enunciei verbalmente, o que assevero debaixo de minha palavra de honra; accrescentando, que nunca no Gabinete da Soberana usei, quando tive a honra de me achar só com Sua Magestade, de uma lingoagem diversa da que usava collectivamente com os meus collegas. Declaro mais, que na occasião de que se tracta, -não pedi a minha demissão, nem a do Ministerio, nem representei que fosse impossivel continuar este na gerencia dos negocios publicos: bem pelo contrario, o Ministerio estava resolvido a perseverar nessa gerencia. O desejo do Ministerio foi sempre continuar, pelo menos até haver conseguido a reunião das Cortes, empenhando-se em obstar, quanto em si cabia, a toda a especie de desordens, e em cohibir os excessos que podessem receiar-se da exaltação dos partidos, qualquer que fosse a sua denominação, ou o pretexto de que se servissem para transtornarem a ordem publica.
O Sr. Presidente do Conselho — Sr. Presidente, o D. Par D. de Palmella reconheceu, e a Camara toda de certo convirá na delicadeza do objecto, que nos occupa.
O D. Par declarou, que não tinha tomado a iniciativa relativamente á sua demissão do Ministerio: S. Ex.ª, na resposta que deu ao Sr. D. Manoel de Portugal e Castro affirmou, que não pedira a sua demissão por escripto; mas S. Ex.ª ainda foi mais longe, porque declarou tambem, que havia guardado segredo dos seus collegas durante quarenta e oito horas.
O D. Par, e todas aquellas pessoas que teem conhecimento, do que se passa nos governos representativos ácerca deste negocio, sabem qual é ordinariamente o modo pelo qual os Ministerios se dirigem ao Soberano, quando querem pedir a sua demissão. Nesta Camara estão muitos D. Pares, que por mais de uma vez teem feito parte da Administração, e peço com a maior instancia a SS. Ex.ªs queiram declarar, se elles mesmos pediram, ou se lhes consta, que alguma vez alguma Administração pedisse a sua demissão por escripto! Se alguma vez assim aconteceu, o que não me consta, seria isso um caso excepcional, com tudo o Sr. C. de Lavradio assenta, que é cousa extraordinaria não se achar esse documento, a que me referi, nos archivos das Secretarias d'Estado.
Esse documento não existe, e nem podia existir; porque, como disse o Sr. D. de Palmella, S. Ex.ª não pedira por escripto a sua demissão. Mas eu perguntarei aos D. Pares qual séria a vantagem, que o Ministerio, a que tive a honra de presidir, teria em declarar, que S. Ex.ª pedira a sua demissão? A Soberana estava tanto no goso da sua livre prerogativa, demittindo o Ministerio de Maio, por julgar que a sua continuação não convinha, como por haver o D. Par pedido a sua demissão. A authoridade da nova Administração, em ambos os casos era a mesma. O que eu posso asseverar á Camara é, que não foi do Sr. D. de Palmella que eu tive conhecimento de ter elle pedido a sua demissão.
Parece-me não dever dizer mais nada a este respeito (Apoiados), e estou certo de que a Camara avaliará a minha reserva. (Apoiados.)
O Sr. D. de Palmella — Não posso deixar de responder ás ultimas palavras do D. Par, o Sr. D. de Saldanha, e de lhe repetir formalmente, que eu não pedi a minha demissão por escripto, nem verbalmente.
O Sr. Silva Carvalho — Esta questão está ter minada; ou pelo menos deve terminar: pediria portanto a V. Ex.ª, que para lhe pôr termo propozesse á Camara, se a julga terminada.
O Sr. C. de Lavradio — (Sobre a ordem) Quando um Par dirige uma interpellação a qualquer Ministro, tem sempre o direito de fallar mais de uma vez; além do que, até pelas disposições do nosso Regimento esta questão não se podia por em quanto julgar terminada. Mas, Sr. Presidente, desejando dar uma prova, de que não pertendo aproveitar-me desta interpellação para fins diversos, não tenho a menor duvida em ceder do meu direito, e quando digo que cedo do meu direito, tambem espero que a Camara reconheça, que eu tinha o direito de fallar outra vez. (Apoiados:).
O Sr. Presidente — Este incidente está terminado. Não ha trabalhos alguns sobre a Mesa, amanhã dividir-se-ha a Camara em Commissões.
O Sr. C. de Lavradio — Mas, Sr. Presidente, existe uma questão pendente, que hontem ficou empatada, e que deve entrar novamente em discussão: eu creio que ella estava dada para ordem do dia. (O Sr. Presidente — A ordem da dia de hoje está terminada.) Como V. Ex.ª havia dito, que não existiam trabalhos promptos sobre a Mesa, e tendo de renovar-se a questão sobre o parecer, que hontem ficou empatado, eu então lembrei a V. Ex.ª, que segundo o nosso Regimento essa questão dever-se-ia renovar.
O Sr. Presidente — Mas o Regimento não prescreve o dia. em que deve entrar novamente em discussão. E para que a Camara reconheça, se o que eu digo é exacto, peço ao Sr. Secretario tenha a bondade de lêr o artigo do Regimento, que falla deste objecto.
O Sr. Secretario Margiochi — O artigo 73.º do Regimento diz (leu-o.)
O Sr. V. de Fonte Arcada — Ainda que ao Sr. Presidente é que compele dirigir os trabalhos da Camara, não será fora de ordem, que um Par lhe faça algumas observações sobre aquelles, que devem ser preferidos, quando se persuade, de que isso concorrerá para a sua boa marcha.
Eu entendo, que seria bastante inconveniente, que uma questão, alias Ião importante, ficasse por este modo adiada, por que a sua suspensão, por este modo, importa um verdadeiro adiamento, e o nosso Regimento não diz, que fiquem adiai das, as questões em cuja votação houver empate,
mas que se renove a sua discussão. Esta questão, é importantissima, e, a sua não prompta decisão tende nada menos, do que a privar por maior, espaço de tempo dós seus direitos, uma pessoa que necessariamente entraria logo na posse desses direitos, uma vez que a Camara julgasse, que; devia ser admittido.
É esta uma questão, que não pôde, nem deve ficar adiada, como S. Ex.ª, parece-me ter dado a entender; mas dever-se-ha renovar a sua discussão o mais depressa possivel. O nosso Regimento diz — a questão se poderá renovar em outro qualquer dia — e eu acho que é da dignidade da Camara em primeiro logar, e depois de) toda a conveniencia, por que estão pendentes direitos de terceiro, que esta questão seja tractada, na ordem do dia de amanhã.
O Sr. Presidente — Em primeiro logar direi ao D. Par, que não esperava eu, que S. Ex.ª quizesse alterar o gráo de authoridade, que compete ao Presidente desta Camara, na maneira de regular os seus trabalhos; e em segundo logar menos esperava, que S. Ex.ª quizesse intrepretar de uma maneira tal a deferencia, que eu quiz ter para com o Sr. D. de Palmella, dignissimo Presidente desta Camara, entregando ai S. Ex.ª, a distribuição das ordens do dia.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu entendo, que apesar do respeito que devemos ter ao Presidente desta Camara, nem por isso podemos ser privados do direito de lhe lembrar a conveniencia de se tractar deste, ou daquelle negocio, quando de, mais a mais se mostrar, que é um negocio importante.
O Sr. Presidente — Pois vou consultar a Camara, se effectivamente eu cumpri com o meu dever, ou o D. Par faltou ao seu.
Sussurro, muitas vozes — Não é essa a questão, Não é essa a questão.
O Sr. M. de Loulé — A questão não é, se V. Ex.ª cumpriu com o seu dever, a questão é, se convém tractar-se na proxima Sessão (de amanhã) a questão, cuja votação ficara hontem empatada.
O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, eu peço a V. Ex.ª que entenda, que as expressões do D. Par, o Sr. V. de Fonte Arcada, que pareceram um tanto fogosas, são filhas da sua vivacidade, habitual, e de nenhuma forma proferir das com o intento de faltar á consideração, que V. Ex.ª tanto' nos merece, e que todos nós lhe tributamos com muito respeito (Muitos apoiados). Ainda não ha muito que o Sr. Visconde pareceu enfadar-se comigo (Riso); mas isto é effeito do seu genio (Riso). O D. Par o que teve em vista foi pedir que com a maior brevidade se desse para Ordem do dia a questão hontem empatada: todos nós sabemos, que V. Ex.ª não tem a menor idéa de a procrastinar (Apoiados), e fazemos justiça aos sentimentos de V. Ex.ª (Apoiados).
O Sr. V. de Fonte Arcada — Muito bem, é verdade.
O Sr. Presidente — V. Ex.ª, e a Camara, fazem justiça aos meus sentimentos; mas eu não posso deixar de agradecer tão expontanea manifestação.
Amanhã dividir-se-ha a Camara em Commissões, e logo que hajam assumptos para entrarem em ordem do dia de Sessão, serão, por ella os D. Pares convidados na forma do costume. Está fechada a Sessão — Eram mais de quatro horas.
O Encarregado interinamente da Redacção, José Joaquim Ribeiro e Silva.