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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 27 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha,

Vice Presidente.

Secretarios — Os Srs. Margiochi

M. de Ponte de Lima. (Assistiram os Srs. Presidente do Conselho, Ministro da Justiça, e Ministro da Marinha.)

Pela. uma hora da tarde, estando presentes 34 D. Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a Sessão. Leu-se a Acta da anterior, que não teve reclamação.

O Sr. Secretario M. de Ponte de Lima deu conta da seguinte

CORRESPONDENCIA.

Uma representação da Camara Municipal do Concelho de S. João de Rei, pedindo a approvação do Projecto de Lei repressiva dos abusos commettidos pela Imprensa.

Remettida ás Commissões reunidas de Legislação e Administração Publica.

Um officio, datado de 25 do corrente, do Presidente da Camara dos Srs. Deputados remettendo uma Proposição de Lei augmentando o ordenado do encarregado do segundo Deposito do Arsenal do Exercito, e do Ajudante da Inspecção Geral do mesmo Arsenal.

Foi remettida á Commissão de Guerra.

Outro dito, da mesma data, e do mesmo Presidente, remettendo uma Proposição de Lei augmentando o ordenado do Director da Alfandega de Faro.

À Commissão de Fazenda.

O Sr. C. de Semodães mandou para a Mesa uma representação dá Camara Municipal e Cidadãos do Concelho de Villa Real de Santo Antonio pedindo a approvação do Projecto de Lei, tendente a reprimir os abusos da Imprensa.

Remettida ás Commissões reunidas de Legislação e Administração Publica.

O Sr. Macario de Castro como não póde, por falta de saude, assistir á Sessão de 25, por isso manda para se lançar na Acta a seguinte declaração de voto.

Declaro que se estivesse presente na Sessão de 25 votaria com a minoria se antes tivesse sido rejeitada a emenda que tencionava propôr, admittindo a fiança em todos os crimes da Imprensa. = Macario de Castro.

Conformo-me com a declaração supra. = C. de Mello.

Mandou-se lançar na Acta.

O Sr. V. de Laborim mandou para a Mesa nove representações pedindo a approvação do Projecto de Lei repressiva dos abusos da Imprensa; a saber: dos moradores do Concelho de Cabeço de Vide; da Camara Municipal e habitantes do Concelho de Villa de Rei; dos habitantes do Concelho de Fermedo; da Camara Municipal, e Cidadãos do Concelho da Villa de Vallongo; da Camara Municipal do Concelho de Terras de Bouro; dos Cidadãos de Vouzella; dos Funccionarios Publicos, proprietarios, e Cidadãos do Concelho de Penalva do Castello; da Camara Municipal do Concelho de S. Martinho de Mansos; e da Camara Municipal, Administrador, e habitantes do Concelho de Barcos,

Foram todas ás Commissões reunidas de Legislação e Administração Publica.

Passou-se á

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão especial do Projecto de Lei, repressiva dos abusos commettidos pela Imprensa.

Leu-se (na Mesa o artigo 75, addiado de hontem, e o additamento, offerecido na Sessão do mesmo dia pelo Sr. V. de Algés.

O Sr. Ministro da Justiça — Discute se o artigo 75 deste Projecto, deste artigo em discussão o ponto que mereceu particular attenção aos D, Pares que tem fallado sobre a materia, é o 1.º, que diz respeito aos depositos.

Tres foram os argumentos que se adduziram contra a doutrina do artigo: — em primeiro logar foi tachado de anti-constitucional, isto e de ser opposto aos preceitos da Carta Constitucional. O segundo foi, que o deposito era excessivo. E o terceiro foi não só que o deposito era excessivo, mas que se devia admittir fiança, isto é, que se devia tambem conceder que prestassem fiança, podendo o depositante optar ou pelo deposito, ou pela fiança. Vou responder a estas tres observações, e para provar os argumentos que produzir, hei-de authorisar-me com o que se acha escripto neste livro (mostrou um); mas como tenho que recorrer a este livro, preciso primeiro que tudo fazer uma declaração, que julgo necessaria.

Sr. Presidente, já em outra Sessão eu me referi a este livro, e em consequencia desta referencia alguns dignos Membros desta Camara assentaram que eu, com o que aqui se acha escripto queria irrogar-lhes alguma censura por terem mudado de opinião, e então tractaram de deffender-se, e fizeram-no muito bem. Mas eu declaro que não tive nunca intenção de fazer censura a ninguem, e altamente digo, que julgo que todos os homens podem mudar de opinião, e eu tambem tenho mudado, e hei-de mudar sempre que tenha motivo justo, para o fazer: —já se vê pois que eu não podia fazer censura a ninguem, porque os principios são sempre os mesmos, mas as circumstancias é que variam, e conforme estas, é que o homem regula a sua conducta. Com o uso pois que eu fizer deste livro não faço censura a ninguem, pelo contrario é tal o meu respeito pelas pessoas que emittiram as opiniões nelle colligidas que eu ainda hoje as tenho, como os principaes argumentos para sustentar a doutrina do Projecto.

Sr. Presidente, a primeira objecção que se oppôz a este Projecto foi, que elle era contrario á Carta, ou antes ao preceito da Carta Constitucional, porque estabelecendo esta um direito absoluto, pelo qual todos os Cidadãos portuguezes podem manifestar livremente o seu pensamento, este deposito era um obstaculo a essa manifestação, e por consequencia contrario aquelle preceito. A este argumento responde a mesma Carta, e no mesmo artigo, porque como disse um nobre Membro desta Camara sendo Ministro: não se tracta de reprimir, nem de pôr obstaculos á livre communicação do pensamento; do que se tracta é de dar á sociedade uma garantia contra os abusos que se podem commetter no exercicio desse direito: é por tanto contra os abusos, e não contra o exercicio do direito; assim foi intendido em 1840 quando esta materia se discutiu largamente, tanto na Camara dos Deputados, como no Senado; assim foi intendido por excellentes publicistas que sustentaram esta doutrina em ambas as Casas, nem podia deixar de ser, porque a Carta ao mesmo passo que consigna o direito de communicar cada um livremente o seu pensamento, põe uma limitação, dizendo: com tanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem, e então para que effectivamente se responda, e se não torne illusoria esta disposição, é necessario garantias, e essas garantias é que está no livre arbitrio do legislador estabelecê-las, porque a Carta no mesmo artigo diz: nos casos e pela forma que a Lei determinar, e então aqui está o livre arbitrio do legislador; isto intende-se no parlamento inglez, e em França, e não diga alguem, que esta disposição foi tirada das leis francezas, porque não necessitámos ir tão longe; foi tirada da Lei de 1837, que por não parecer sufficiente essa garantia do modo como alli se estabeleceu, alterou-se em 1840, e porque hoje ainda não parece sufficiente altera-se de novo: em Inglaterra e em França intende-se do mesmo modo, porque em Inglaterra ha as fianças, e não são menos de 300 a 400 libras esterlinas, e o sello que é outra garantia. Era França escusado é referir o que lá se passa a esse respeito; por consequencia tanto dentro como fóra do Paiz nunca se intendeu que esta garantia offendia os principios constitucionaes, (O Sr. C. de Lavradio — Peço a palavra) mas acha-se, agora excessiva, e diz-se que ella aggrava a legislação actual, e que este gravame não é justificavel.

Sr. Presidente, desde o momento em que esta Camara votou o Projecto na sua generalidade, reconheceu que a legislação existente não era sufficiente, e porque não era sufficiente tractou de aggravar as disposições da Lei vigente em todos os pontos; aggravou as penas, alterou para melhor a formação dos jurados, e coherente com estes principios ha-de aggravar tambem os depositos que é outra garantia; e aggravam-se todas estas provisões em consequencia de se mostrar pela experiencia que a legislação actual não é sufficiente, e tanto o não é que não tem remediado os males que o legislador teve em vista quando votou a Lei de 37, e ainda depois a Lei de 40.

Quando se tracta entre nós qualquer ponto importante de Legislação, principalmente da politica, nós com muita facilidade citamos a Inglaterra como modelo, mas não nos queremos recordar de toda a Legislação que ha naquelle Paiz, ou para dizer melhor da organisação politica e administrativa daquelle Paiz, cujas circumstancias são muito diversas das nossas. A Camara ha-de permittir que eu lhe recorde o que se passa em Inglaterra sobre materias de liberdade de Imprensa; não quero fallar das outras instituições inglezas por que isso levar-me-hia muito longe. A legislação ingleza sobre liberdade de Imprensa é a mais severa que ha na Europa, e digo é a mais severa, relativamente ás penas contra os abusos. Na Inglaterra ha comtudo uma instituição que funccionando lá muito bem, Deos nos livre de tal na nossa terra: em Inglaterra ha um tribunal cujas funcções não correspondem ao nome — Tribunal de equidade e consciencia — e as suas attribuições são absolutas, sem limites, e sem outra regra senão a consciencia do grande Chanceller; de modo que em Inglaterra aonde ha tanta liberdade, em materia de Imprensa acontece que em certos casos, em casos graves, quando lhe parece ao grande Chanceller manda prender o editor, e condemna-o em prisão e em fortes muletas pecuniarias; eu posso citar muitos exemplos, mas agora bastam-me dois: — o editor que publicou as peças do processo do Principe de Galles com a Princeza, foi pelo tribunal de equidade e consciencia condemnado em 10:000 libras sterlinas, e prisão por 18 mezes; isto sem fórma de processo— um francez naturalisado em Londres publicou a historia do estado de Inglaterra, e foi pelo tribunal de equidade e consciencia condemnado a prisão, mulcta de 20:000 libras sterlinas, e confiscados todos os exemplares, mas como a Inglaterra é o Paiz das ficções aonde ainda hoje ha as fianças de Jacques Roê e de Richard Roê, que hoje fariam rir toda a Europa, se se introduzissem em algum Paiz, o Lord Chanceller, depois de fazer estas condemnações rigorosas, modificou-as reduzindo a de 10:000 libras sterlinas a 3:000 libras, e tendo feito apprehender e queimar todos os exemplares menos um, comprou este por 2:000 libras. Em quanto á outra de 20:000, foi reduzida a 4:000 libras depois que o auctor soffreu dezoito mezes de prisão nas cadêas do Banco do Rei. É necessario comtudo confessar, que não obstante a arbitrariedade deste tribunal discricionario, não ha uma decisão que em Inglaterra não seja tida por justa, mas Deos nos livre que tal instituição passasse para o Continente! Eis-aqui está pois o Paiz que nós proclamamos como modelo da mais ampla liberdade! Portanto quando citarmos aquelle Paiz para transplantar as suas instituições, devemos ver primeiro se é possivel estabelece-las entre nós como ellas lá são, e se transplantada aquella machina para este Paiz, póde aqui andar com as mesmas rodas.

A outra objecção ao deposito, é porque elle é muito excessivo, e sobre a Mesa já está uma emenda reduzindo-o a 1:200000 réis, mas deixando ainda á opção" do editor o depositar essa quantia ou prestar fiança. O D. Par que offereceu esta emenda disse tudo que se podia dizer para mostrar, que não era adoptavel a hypotheca consignada na Lei de 1840, e que só adoptava o deposito e a fiança, mas tudo quanto S. Ex.ª disse de falta de segurança para a hypotheca, é adoptavel afiança, e ainda muito mais, mas pelos mesmos principios por que o D. Par não propõe a hypotheca, não devia tambem propôr a fiança. Ao que disse o nobre Par sobre a falta de segurança que apesar do registo prestam as hypothecas, só accrescentarei um dos modos por que se póde illudir o registo no momento em que se faz um Contracto sobre hypotheca, tira-se uma certidão do registo para mostrar que a propriedade que se offerece em hypotheca não está onerada com outra; tirada esta certidão onera-se, ou já está onerada em outro contracto que se regista antes que o primeiro se apresente no registo, ficando assim o credor illudido. Este credor confiado em que a propriedade não está hypothecada a outro credor, quando vai pôr em juizo a sua acção, acha então a outra hypotheca que lhe prefere pela prioridade. Ora este inconveniente existe além dos outros que o D. Par apresentou, com aquella lucidez que costuma empregar. ha de mais a' mais uma grande quantidade de obrigações que constituem hypothecas legaes e que não se registam, lendo com tudo preferencia ás especiaes.

A respeito das fianças os inconvenientes e illusões são ainda em muito maior escala, porque a maxima, parte dellas são ficticias, e não se tem ainda cogitado meio nenhum effectivo e real, pelo qual se possa segurar uma fiança, por isso mesmo que é claro que um homem riquíssimo muda de fortuna com a maior facilidade, possivel, póde hoje contrahir obrigação como fiador muito idoneo e ámanhã achar-se sem meios com que satisfaça a fiança; portanto a fiança é uma illusão, e muito principalmente porque na nossa jurisprudencia falta a pena de prisão contra os devedores fraudulentos, a que os francezes chamam contrainte par corps. Na França reconheceu-se tanto a utilidade desta pena, que tendo sido extincta por occasião da revolução de 1848, que todo o corpo de commercio reclamou que se tornasse a restabelecer, porque aliás perder-se-ia de todo o commercio. Nós tambem já tivemos essa pena, mas cahiu em desuso, e por certo que a nossa sociedade actual não supportaria a sua restauração, no emtanto temos soffrido muito, e havemos de soffrer com a falta de providencias contra, os devedores fraudulentos, as quaes são tambem um grande obstaculo ao restabelecimento do credito particular; portanto, Sr. Presidente, a fiança é illusoria, e eu esperava que quando o D. Par apresentou judiciosissimas reflexões sobre a falta de segurança nas hypothecas, applicasse tambem essas razões ás fianças, pois estou certo que S. Ex.ª meditando bem ha-de reconhecer que a fiança ainda é uma garantia mais fraca do que a hypotheca: eu podia citar factos particulares acontecidos até comigo, a respeito de fianças, porque tenho perdido alguma cousa com fiadores excellentes, que estavam neste caso quando tomaram a obrigação, mas que depois não poderam pagar, porque já se linha evaporado a sua fortuna: é da primeira intuição que as fianças podem prestar uma segurança momentanea, mas se se passar algum tempo estão como as hypothecas, póde na apparencia parecer muito bom o fiador, e não ter nada, ou ter a sua fortuna obrigada de modo que se diga, equivale a não lêr cousa alguma, por tanto a fiança não póde agradar nem ao D. Par a quem me refiro, nem a outro algum, porque todos os Membros desta Casa querem sinceramente que esta garantia seja effectiva, e afiança só póde ser sustentada e defendida por aquelles que querem illudir o deposito; e alguem ha que não se esconde para assim o confessar publicamente: ha um Cidadão muito respeitavel e muito conhecido entre nós, que sustentando em outro tempo o deposito, foi a primeira vez que esta garantia se estabeleceu no nosso paiz na Lei repressiva dos abusos da Imprensa; confessou publicamente que linha proposto o deposito para satisfazer o voto de muitos, mas com a intenção de illudir o deposito com a fiança, porque sabia que esta havia de ser proposta: isto foi em 1837, e lerei a opinião deste eximio Cidadão (O Sr. V. de Algés — Apoiado), porque ella responde tambem aos que impugnam o deposito como excessivo.

Quando se discutiu o Projecto que produziu a Lei de 1837, propoz-se o deposito de 1:200$000 réis, e sendo esta proposta sustentada pelo illustrado Orador a que me referi, disse: 1:200$000 réis é menos do que foi proposto nas differentes emendas, e seria irrisorio propôr menos....

Pela Lei de 1834, o maximo da pena é 100$ réis, a Commissão propõe mais 200$000 réis, porque o condemnado na pena é tambem nas custas.... Pôde haver muitissimos casos em que o 1:200$000 réis não seja bastante, porque no mesmo jornal póde haver abuso por differentes casos, contra a actual ordem de cousas, contra as Côrtes, contra a Rainha, e contra duas duzias de pessoas; intentar-se acção por todas estas camas, e por conseguinte chegarem as penas, por exemplo, a 500$000 réis.

Foi muito apoiado este Orador, o que prova que a sua opinião não era singular, era a da Commissão que elaborou o Projecto, e a da Assembléa que apoiava o Orador, que por certo não é suspeito aos D. Pares da opposição. O Sr. V. de Algés — Quem era? O Orador — Era o Sr. Leonel Tavares a quem se seguiu um outro Orador daquella Assembléa, tambem respeitabilissimo, que sustentando o precedente Orador disse: — Voto pelo de ponto de 1:200$000 réis, e não duvidaria votar ainda por maior somma se visse a necessidade disso, por quanto é do meu rigoroso dever legislar para proteger a liberdade da Imprensa, e não para animar os excessos desta, que já por mais de uma vez pozeram em risco a causa da liberdade legal. — Neste sentido se orou em 1837 a primeira vez que se introduziu na Lei o deposito, e já se vê que Authoridades insuspeitas achavam pequeno o deposito de 1:200$000 réis; porque Um Jornal póde commetter differentes crimes, e serem de natureza tal que não baste aquella quantia para pagar ás perdas e damnos; e por consequencia elles achavam ainda pouco 5:000$000 de réis. Mas este mesmo Orador, quando depois de passarem estes tempos bonançosos, foi arguido por isto, disse — a minha intenção era illudir o deposito com a fiança, porque concedendo a opção da fiança ficava illudido o deposito. — Eis-aqui a opinião de um Orador que eu respeito e sigo, e por isso disse que havia recorrer a este livro para me authorisar com as opiniões nelle consignadas.

Em quanto a ser excessivo o deposito, que é a terceira objecção, faço tambem meus os argumentos produzidos em 1837, em que se achava, que era insufficiente 1:200$000 réis para garantir a responsabilidade dos abusos que se podiam commetter; tractava-se então de aggravar uma Lei muito benevola, como era a de 1834. Os argumentos então produzidos são exactos, porque o Editor n'um só artigo, n'um só numero póde commetter muitos crimes, cujas penas pecuniarias absorvam o deposito, e ultrapassem ainda a sua importancia (O S. V. de Algés — A palavra, Sr.

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Presidente, não póde deixar de ser). Nós lemos ainda uma razão especial, que já toquei para augmentar o deposito, e é, que aggravando-se por este Projecto todas as penas da Lei de 1840, porque não são sufficientes, não ha razão para não aggravar as disposições relativas ao deposito, porque a Legislação actual não é sufficiente, como demonstrei com a authoridade de um Publicista insuspeito.

Estas tres objecções são os principaes argumentos que se fizeram contra a provisão dos depositos, mas depois disso divagou-se muito; e os D. Pares achando se n'um bello campo para expenderem com enthusiasmo o seu amor a liberdade de Imprensa, o que ninguem lhes nega esperando eu com tudo que elles hão-de fazer aos outros a justiça que fazemos a elles, porque tambem nós queremos a mais ampla liberdade de Imprensa); acrescentaram, que esta provisão do Projecto malaia a liberdade de Imprensa; isto é, cohibia este direito, e era uma provisão que só favorecia os ricos, mas que os pobres não podiam mais escrever, nem communicar os seus pensamentos pela Imprensa Eu tambem a este argumento, e a esta parte de discursos dos D. Pares, responderei com a authoridade de um dos distinctos Oradores desta Camara, que era Deputado em 1840, e que peço licença á Camara para lêr, não o seu discurso, posto que não é grande, mas certos trechos que dizem respeito ao assumpto (Leu).

Aqui diz mais este illustre Orador (Leu).

Sr. Presidente, este mesmo nobre Orador sendo arguido de que o deposito acabava com os Periódicos, disse elle em uma parte — tanto melhor (Votei — Mas quem era?) O Sr. C. da Taipa.

De maneira que em 1840, quando se tractava do deposito, e um Orador, o Sr. Seabra, combatia o deposito, e dizia — que a estabelecer-se como se propunha, acabava com os Periódicos — respondeu o D. Par, então Deputado, melhor.

Sr. Presidente, a consequencia que devemos tirar é que nenhum Membro desta Camara quer por modo algum tolher a liberdade de Imprensa, que todos communiquem os seus pensamentos como quizerem, com tanto que respondam pelos abusos, este é o preceito da Carta; e como hão-de responder pelos abusos que commetterem se não derem as garantias necessarias, e entre as garantias não ha nenhuma mais efficaz do que é o deposito, porque todas as outras se têm experimentado e mostrado inefficazes, e centra a experiencia não ha argumentos. A inefficacia das medidas tomadas em 1834 produziram a Lei de 1837; as medidas tomadas em 1837 produziu a Lei de 1840, e a inefficacia das medidas de 1810 produziu a necessidade deste Projecto, que tende só a reprimir os abusos, e não tolhe a liberdade de Imprensa; e não ha aqui homens ricos nem pobres, porque se o pobre não póde communicar o seu pensamento fundando um Jornal, faça um livro ou um folheto, e manifeste nelle as suas descobertas em todos ou em qualquer ramo das Sciencias e das Artes: mas esse pobre quer por meio dos Jornaes insultar os homens e atacar a Sociedade, dê primeiro garantias de que ha-de responder aos homens e á Sociedade pelos insultos e ataques que commetter; se elle quer insultar os objectos mais sagrados da Sociedade faça o deposito, porque não tem direito nenhum a atacar, e a insultar injustamente. As argumentações feitas hoje pela opposição não são novas, tanto em 1834, como em 1837 e 1840; a opposição serviu-se destes mesmos argumentos de que se serve hoje; e não só em Portugal, mas fóra de Portugal. Vejam-se as discussões sobre as Leis da Imprensa da França, e verão a opposição a exclamar em toda a parte, que taes Leis são contra a liberdade de Imprensa, e contra a Lei do Estado; e com tudo, tanto entre nós, como em França, as Leis taxadas de atacarem a liberdade de Imprensa não a atacaram, continuou se a escrever livremente, e abusar-se por tal modo, que hoje ha em Portugal um clamor geral de todos os homens sensatos para que se adoptem medidas repressora? dos abusos; é com tudo certo que para os reprimir é necessario ter Juizes que estivessem ao abrigo de todas as influencias, e que administrassem justiça rectamente. Isto porém não vem senão com o tempo; não apparece rapidamente em uma nação que, como Portugal, tem soffrido tantas revoluções! Mas como nós não podemos mudar os homens, façamos ao menos as Leis, e acomodemo-las ás nossas circumstancias; e assim iremos percorrendo o estado de transição em que nos achamos, e que é inhibitavel.

Sr. Presidente, tambem se atacou esta provisão como uma medida preventiva, e então disse-se — neste assumpto o Legislador deve dar toda a liberdade de communicar o pensamento, e só depois do facto é que deve castigar. — É um argumento tambem velho, e a que respondeu tambem um nobre Membro desta Casa, sendo Ministro, com a maxima de que em materia criminal é mais prudente precaver do que castigar. Com tudo com relação aos crimes por abuso da Imprensa não me authoriso com a sua opinião, porque a não sigo. A maxima é verdadeira com relação a todos os crimes, menos os que resultam dos abusos da Imprensa, que devem antes castigar-se do que prevenir-se, porque a prevenção póde tolher o uso do direito. Eu não sou, portanto, da opinião do nobre Par, quando Ministro, com relação á Imprensa; não quero a prevenção, quero a repressão, e quero as garantias para aquelles que podem abusar deste direito; e considero o deposito como uma garantia, porque não se abusando não ha crime, e podem expender bellissimas doutrinas e bellissimos pensamentos, sem com tudo offender a Sociedade; mas se offende é necessario que se tenha dado garantias para responder pela offensa, e a garantia real e efficaz não se tem por ora descoberto outra mais segura senão o deposito, e o deposito é necessario que seja de uma quantia tal que segure não só o maximo da pena, mas todas as que se impozerem, assim como perdas, damnos, e custas, por quantos crimes se possam commetter no mesmo numero.

Nada mais direi sobre esta materia, porque tudo quanto disser é repetição do que se tem dito todas as vezes que esta materia vem á discussão, e entre nós é esta a quarta vez que vem ao Parlamento.

O Sr. B. de Porto de Moz — Pouco direi; Membro da Commissão e assignado no seu Parecer com declarações, devo agora tomar a palavra para dar explicações: é por esta occasião que eu tenho a dar a principal, não só sobre o modo como assignei, mas mesmo sobre o modo por que procedi posteriormente, e invocarei o testimunho de todos os meus illustres collegas da Commissão para apoiarem a exactidão do que disser.

A minha situação desande faz com que eu falte algumas vezes na Commissão; succedeu que uma dellas fosse aquella, em que se tractou da discussão dos minimos. Todos sabem que os minimos estavam na cifra de 500$000 réis no Projecto que veio da Camara dos Sr.s Deputados, e os meus illustres collegas, e a Camara lembram-se, que fóra este reduzido a 200$000 réis pelo parecer das duas Commissões reunidas, e que assim veio para esta Camara, offerecendo-se posteriormente uma emenda, em que elle fóra restringido a 100$000 réis.

Na Commissão eu não tinha votado nesta questão, por me não achar presente.

A minha opinião era que 200$000 réis de minimo era ainda forte, e desejava que se diminuísse por metade, e que a cifra fosse de 100$000 réis.

Depois tractou-se na Commissão do deposito, e a illustre maioria votou por 3:000$000 réis, tal tinha vindo da outra Camara; a minoria da Commissão votou por 1:200$000 réis, e houve um voto singular nesta minoria, que excluia todo e qualquer deposito. — Houve mais dois votos singulares, um do Sr. Tavares de Almeida, que se tinha decidido pela quantia de 2:000$000 réis, e eu preferi a 1:600$000 réis.

Esta é a história dos factos, e assim se apresentou o Projecto; e e desnecessario dar explicações sobre outros pontos, que por ventura fizessem objecto dellas se estas pelas modifficações que soffreram com emendas apresentadas pela maioria da Commissão, se tornam superfluas; mas neste ponto de depositos estou em uma posição especial para dever explicar-me.

Tinha-se apresentado o Parecer da Commissão nesta Camara, e passados tempos fui convidado por alguem, que votava por 3:000$000 réis em deposito, a vir a uma transacção! Expressão de que se usa muita vez, e que eu rejeito; não ha transacção, segundo o meu modo de intender, a respeito daquillo que «e chamam principios (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado), podem haver conveniencias, que aconselhem a mudança de opinião, mas transigir contra principios, é expressão inconveniente.

Fui convidado para entrar em explicações sobre o meu modo de votar: pretendeu-se que eu em vez de votar por 1:600000 réis, preferisse antes a opinião do D. Par e meu amigo o Sr. Tavares de Almeida, que era na escala ascendente a mais proxima á minha; votava elle por 2:000$ réis. Eu respondi que sendo o meu voto singular, e não tendo eu força para fazer triumphar na Camara a minha opinião, eu cederia pelos 2:000$ réis, se o minimo ficasse sendo 100$000 réis; mas que eu precisava explicar-me perante a Commissão inteira, porque não queria de modo algum parecer contradictorio. Acceite, e accordado este arbitrio, a Commissão foi convocada ou por grupos, ou ouvidos singularmente seus Membros, e consultados, a quem se deram os motivos e rasões que acabo de expor, por esta fórma ficaram sabendo todos os dignos Membros da Commissão qual era o meu voto, e os motivos da minha mudança, em que suppuz, e comigo todos os meus collegas da Commissão, que algum melhoramento alcançara para a Lei.

Sr. Presidente, a minha convicção, que eu peço se respeite, porque intendo que nada é mais respeitavel do que uma profunda convicção (Apoiados): foi essa.

Direi agora, que eu sempre fui de opinião que houvesse um deposito, e sempre julguei que sem elle, faltariam as garantias ás provisões contidas neste Projecto.

(Entrou o Sr. D. de Palmella).

Sr. Presidente, que se tem feito? Que valeria este Projecto? Não seria perdido todo o tempo que se tem gasto com a sua discussão, se depois de estabelecer tantas provisões, marcando a criminalidade, graduando a penalidade com tanto cuidado, e tudo meditado para que a liberdade da Imprensa não soffresse, mas o abuso della se reprimisse, faltasse por fim neste systema, a sua garantia? Seria o mesmo, e talvez valesse mais, não ter feito nenhuma Lei, julga-la desnecessaria. Esta opinião poderia ter inconvenientes, mas não seria absurda (Apoiados).

Para que quereis Juizes? Para que cereaes o Tribunal dos Jurados de tantas garantias, e os escolheis tão qualificados? Se por fim illudis a sentença que por ventura o Jury tiver dado? Vou ver, Sr. Presidente, se posso demonstra-lo.

Eu digo que muitas das disposições votadas nesta Lei ficam ainda problemáticas, eu que as tenho votado, não sei, se outras melhores, se poderiam substituir; outras em que eu tambem tenho votado, sei de certo que só são justas pela força das circumstancias, sem essas razões forçadas eu votaria contra: um exemplo; a qualificação do Jury de liberdade de Imprensa é um erro de principios, o Jury commum é o unico que lhe quadra, porque nos julgamentos o que se lhe pede é o bom senso para fixar a opinião publica, e este só reside nelle: eu elevei a qualificação de um Jury, que já anteriormente era qualificado, ninguem votou de outro modo, esta opinião obteve a unanimidade dos votos: mas é que todos intendemos que as circumstancias nos justificaram; o abuso intoleravel da liberdade da Imprensa, não nos deixava outro arbitrio; sacrifiquei pois as minhas opiniões, e esqueci os principios, forçado pela necessidade; não vi alguem que fizesse o contrario; pois bem — eu fallo assim, do que eu proprio tenho votado, mas o deposito! Esse não, esse é uma garantia indispensavel ao systema da Lei, sem elle a Lei é nulla.

Agora permitia o D. Par o Sr. C. de Lavradio que eu me dirija a S. Ex.ª, não o faria se fosse para o censurar. Disse hontem o D. Par, tractando-se dos Depositos; —Eu tenho, feito muitas concessões, mas esta não a poiso fazer. = Com respeito á verdade direi, que S. Ex.ª não tem feito uma só concessão; as suas primeiras opiniões na Comissão ou foram sustentadas, ou votadas pelo D. Par na Camara; isto só prova que as suas convicções eram tão profundas, que não lhe consentiram variar uma só de suas idéas; mas não fez concessões á maioria da Commissão, e isto é tanto assim, que quando a maioria da Commissão approvou uma emenda pela qual admittia as recusações absolutas; estabelecia um numero maior de Jurados; — mostrando-se que nas Provincias era absolutamente impossivel conservar este numero, no que conveio S. Ex.ª nessa occasião, depois veio aqui e votou pela sua primeira opinião. Isto é uma verdade que eu só aponto para restabelecer factos, e para mostrar a rigidez do D. Par.

Ora, as razões que adduzem para provar que os depositos não são necessarios, para garantia da repressão dos abusos de liberdade de Imprensa não as acho justas, e para provar o contrario eu farei algumas observações, e se na exposição dos argumentos de alguem que eu vou fazer, para os refutar, eu faltar á exactidão, rogo que me notem; para eu restabelecer a sua verdade. A primeira das referencias que eu tenho que fazer diz respeito a um D. Par, cujo talento eu admiro, e que disse que havia perigo no deposito, e que não podia dar outro resultado mais do que, aglomerar gente que juntasse a somma precisa para «formar; que o resultado seria formarem-se opiniões adversas ao Governo, embaraçosas para a Administração, por effeito da necessidade de reunir capitães, superiores ás faculdades de um só individuo, que então suas relações, suas protecções, tua força corromperiam o Jury o que cumpria evitar.

Ora, eu appello para a reminiscencia dos D. Pares Membros das duas Commissões reunidas para lhes observar, que quando alli se tractou dos depositos, e eu reflecti que o deposito não era um acto arbitrario, e que o deposito devia na propria Lei ter uma base, que o determinasse e pedi que se não votasse antes da penalidade, o que se me concedeu, servi-me então deste mesmo argumento contra os depositos fortes na sua quantia, e respondeu-me alguem: — esse argumento é apenas plausivel.

Eu conheci depois á força de meditar, pelo respeito que devia á pessoa, que tinha assim julgado o meu argumento que elle não era só apenas plausivel que era até especioso, e que só tinha apparencias.

Sr. Presidente, de que Imprensa se tracta quando te falla dos depositos? Hontem até se disse que a liberdade do pensamento ficára destruída, e destruido por consequencia o §. 3.º do artigo 145.º da Carta Constitucional pelo estabelecimento do deposito; mas esqueceu observar que quando se tractava de depositos, tractava-se da Imprensa periodica e politica: confundiram-se pois as duas especies, e é preciso descrimina-las bem. A Imprensa periodica e politica tem sempre grupos por de traz de si, e não póde deixar de os ter, quando veste uma cór politica; e se queria que a Imprensa periodica fosse simplesmente a necessidade de explicar o pensamento individuos, que necessidade tinha o individuo a respeito de quem falla a prescripção da Carta, de escrever tantas vezes por semana, tantas por mez, e sempre para explicar o seu pensamento singular? Porque se não é esta necessidade individual, lá estão os partidarios, com todas as circumstancias, que o D. Par a quem me derijo, receia pelos depositos. Não é certamente na Imprensa periodica e politica que existe a garantia da expressão do pensamento individual, cada qual póde sem duvida communicar as suas idéas; para isso não se exige depositos; mas a Imprensa periodica e politica, essa tem de sua natureza, ser a expressão de grupos, e de um partido mesmo, logo o argumento é especioso, e deve-se descriminar a Imprensa periodica, que não póde deixar de ser a expressão de muitos grupos, e de um partido, da outra Imprensa para a qual não póde, nem devem haver depositos; por consequencia á razão que se dá dos perigos que resultam dos depositos, digo, que taes perigos não existem pelo deposito, porque se os ha, elles existem do mesmo modo na Imprensa periodica e politica. Esses perigos, esses inconvenientes, evitam-se de outro modo; os resultados das opiniões da Imprensa, e dos interesses dos partidos pretenciosos, quando reflectem na ordem publica, evitam-se de outro modo, limitam-se por outras cousas; mas eu não quero observar aqui outras doutrinas, que me levariam longe, em uma questão que vai longa: ainda homem o Sr. Fonseca Magalhães deu alguma idéa, posto que para outro fim, do modo por que isto se deve fazer.

Um dos inconvenientes do deposito consiste em que a Imprensa ha-de representar o dinheiro, e isto é máu segundo a opinião de um D. Par a quem estou respondendo; é máu, e muito máu, se os outros capitães que formam a riqueza da Sociedade não forem tão bem representados; mas isto será verdade? Eu ponho-me da parte da sciencia, e quero reivindicar a sua dignidade. Será possivel que a sciencia se curve ao dinheiro até ao ponto de o servir como escrava, sem que nunca ella mesma exprima seu proprio pensamento? Hão-de permitir-me que eu pense o contrario; por ultimo hão-de permittir-me, que eu querendo que todos os capitães sejam representados pela Imprensa, intenda que não haja algum mal em ser representado o dinheiro tambem (Apoiados). Pois qual é melhor: ainda assim, que a Imprensa seja representada por um individuo escolhido expressamente para o fim de evitar responsabilidades, que se lhe não podem impôr, ou que esse mesmo individuo, que sempre assim é escolhido, tenha a seu lado outros, que interessados em evitar os abusos, o cohibam? É verdade que nada disto era preciso se a Imprensa quizesse ser leal! Sr. Presidente, leal não é a Imprensa de que fallo, em Paiz nenhum, porque em Paiz nenhum ella se tem sujeitado a pôr debaixo dos seus artigos o seu proprio nome (Apoiados): em Inglaterra pretendeu-se isso, mas não se conseguiu, e nisto o que lá é impossivel, em parte alguma se hade verificar, se assim se praticasse, se cada um expremisse o seu proprio pensamento, e tivesse a lealdade de firma-lo com o seu nome, então sim, muitas destas provisões estabelecidas no Projecto seriam escusadas. É certamente uma grande exigencia a de um deposito para garantir abusos dos que querem ocultar-se por de traz de um editor responsavel sem alguma garantia para a Sociedade! Nós temos um deffeito de pessimos resultados; tomamos uma idéa pela sua face mais apparente; a philantropia assalta-nos muitas vezes tambem, e á força de ser bons, somos perigosos, protegendo a causa de um contra a de muitos, t não poucas vezes contra a da Sociedade inteira.

O argumento mais forte que se tem empregado é o da inconstitucionalidade. Sr. Presidente, se é certo que a medida é inconstitucional, eu rejeito-a; mas é ella inconstitucional? Vejamos a Carta no artigo 145.º, §. 3.º (Leu). Quem, Sr. Presidente, avista da leitura deste artigo não fica tranquillo com a sua consciencia? A Carta não consigna direitos naturaes, estes são imprescriptiveis.

Pois bem, a livre expressão do pensamento um direito natural para que o consignou a Carta T Pela mesma razão que o fez a respeito da segurança individual, e da propriedade porque todos haviam ser limitados, e reguláveis para serem sociaes; no §. 3.°, aonde consigna o Direito natural, e imprescriptivel da livre emissão do pensamento, já ella o limita pelas palavras — com tanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio deste direito, nos casos, e pela fórma que a Lei determinar. — Ha ahi alguem, que duvide agora que a Lei póde estabelecer o deposito? Pois a Carta nas palavras — nos casos, e pela fórma — que empregou, não deixou á Lei, que forçosamente havia regular o direito, porque o não ha na Sociedade que não seja regulável, a faculdade de estabelecer garantias para evitar o seu abuso? Qual é a difficuldade constitucional que se oppõe? Negaes, que o deposito seja um meio para evitar o abuso! É necessario faze-lo, ou nós teremos razão; mas notai então que a sentença fica sem effeito, e a Lei sem garantias, e a propria Carta illudida na sua prescripção.

Sr. Presidente, em questões muito simplices, o que é mais conveniente é deixa-las na sua simplicidade, quando a verdade se revela de si mesma para que é complica-la? A verdade soffre então. Deixemos esta questão em que me parece os escrupulos tem cessado. Mas diz-se: — os depositos será o meio de evitar os abusos, ou serão elles uma medida prohibitiva, em vez de coercitiva? Ha pouco acabo de prevenir estas difficuldades, mas ainda direi poucas palavras a este respeito, para seguir a toda a parte o D. Par a quem respondo; o Sr. Fonseca Magalhães disse, não sei se por estas palavras: —ha outros direitos igualmente perigosos, eu mais perigosos para a boa ordem social, porque delles se póde abusar muito, e com tudo não se exige o deposito, portanto, que ratão ha para o exigir aqui? — E disse mais S. Ex.ª: — por ventura exige-se algum deposito para os homens que trazem armas com que podem offender o seu similhante?— E accrescentou: — Não; exige apenas uma fiança.

Analysemos: — Este argumento serve para quem vota a favor da provisão, e responde aos que não querem o deposito; mas logo o veremos.

Distingamos os crimes por abuso de liberdade de Imprensa, que não são os crimes communs; a differença de uns e outros é immensa; nos primeiros existe um perigo, um alcance, e consequencias, que os crimes communs não igualam. Os direitos communs vivem com o Cidadão, vivem para assim me explicar no seu domestico, acompanham-o em toda a parte, são a sua sombra, mas esses direitos não tem a natureza dos da liberdade de Imprensa, porque estes precisam ar livre, fazer explosão como a chamma, inquietos de si, carecem de movimento; agitam-se em todos os sentidos; o seu effeito não pára junto do homem que os empregou, não vivem com elle vão ecoar ao longe, correm em diversas direcções, o seu effeito sente-se por toda a parte, e já não necessita da causa que lhe deu impulso; já ella não existe, o direito morreu com o homem, os seus effeitos vivem, duram apesar da morte! De todos os direitos de que o homem póde usar na Sociedade qual é o que a este se assimilha? Mas é necessario não deixar sem exame o proprio exemplo produzido o porte de armas: se eu precisasse de exemplo» para corroborar a minha opinião, iria pedir ao D. Par que me emprestasse esse seu que produziu o porte de armas; por honra da Imprensa o digo, não póde dar-se paridade entre uma e outra cousa, nem o direito é o mesmo na Sociedade, nem o alcance do seu abuso é igual; ha-de entre uma e outra dar-se tal differença, quanto a intelligencia excede o braço do homem; mas não se disse que a faculdade de trazer armas demandava uma fiança? E é verdade, dá-se uma fiança; mas não basta: quereria S. Ex.ª acceitar para a Imprensa periodica, e politica o que está estabelecido para o porte de armas? Não quer de certo; se para a Imprensa se exigisse o que se exige no porte de armas, que citou como exemplo, da desnecessidade de garantias para prevenir

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abusos, teriamos a censura na liberdade de Imprensa; S. Ex.ª sabe, sem duvida, que é necessaria uma licença prévia para trazer uma arma: mas deixemos este exemplo, aonde se dão superiores prevenções, ao que era necessario, e por isso mesmo menos proprio para provar a intenção do D. Par, porque em uma sociedade bem organisada, é a força publica que se deve encarregar da segurança do Cidadão, e parecia mais desnecessaria a lança, bastando só a licença da Authoridade. Mas eu vou lembrar-lhe agora um direito, que está nas sociedades bem governadas demasiadamente gravado, é o direito de andar, eu o aprecio ainda mais, que o de tudo dizer ou de fallar livremente, e todavia ninguem póde andar sem passaporte; alguem tem impugnado isso, mas se o impugna com razão é o que se deve averiguar, porque eu não sei que se possa pretender que um homem corra á descripção pelo Paiz, entrando e sahindo nas terras, vagando pelas estradas, com o privilegio de ficar desconhecido, a fim de roubar os pacíficos habitantes de um contorno, assassina-los talvez; embora; o direito de caminhar é natural, e é essencial, soffra todo o mundo, esqueçam-se os direitos de todos, mas poupe-se, e respeite-se o direito de andar de cada um.

Sr. Presidente, não sei, se é a irreflexão, ou a philantropia, que nos leva tantas vezes a este grave inconveniente, de certo contra as nossas intenções, de bafejar a causa de poucos contra o direito de muitos; a regra da governar, é o opposto.

Permitta-me a Camara uma reflexão, bem mal cabida na minha defficiencia de authoridade; mas sempre a farei. — As maiorias, a opposições tem um defeito commum, as maiorias querem tudo, as opposições querem tudo; todos julgam a sua situação eterna, meus Srs. uns, e outros a nossa situação não é eterna (O Sr. M. de Ponte de Lima — Apoiado). Eu vou concluir, como já disse que desejava, mas responderei ao ultimo argumento, que me parece ter uma solução, elle foi feito em fórma de pergunta, eu responderei perguntando quantos abusos se compram com 800$000 réis? foi a pergunta ainda não houve resposta, porque se fechou a Sessão, e eu vou dá-la. Diga-me o D. Par quantos te compram com 1:200$000 réis que elle quer para o deposito, que lha direi quantos se compram com 800$000 réis.

O Sr. C. de Lavradio agradece ao D. Par que o precedeu a bondade com que o tractou quando combateu os seus argumentos, o que aprecia tanto mais porque a sensação mui agradavel que experimentou o Orador, com a entrada na Camara do.seu digno presidente, o perturbou de prestar ao seu discurso toda a attenção que merecia por ter ficado possuido de uma grande satisfação, sentimento em que toda a Camara certamente o acompanhou (Muitos e repetidos apoiados).

O Orador julga desnecessario pedir á Camara que não tome, sem prévia e séria meditação, resolução alguma sobre a materia em discussão porque está certo que todos os D. Pares estão com elle convencidos de que ella é uma das importantes deste Projecto.

Entrando no objecto em discussão, o nobre Orador repetiu os argumentos que hontem apresentou, e que não lhe foram combatidos, nem pejo Sr. Ministro das Justiças nem pelos dois D. Pares que combateram algumas das proposições que hontem enunciou, e que sustentou com argumentos que, não foram destruidos. Assim é que insiste em dizer que os depositos são contrarios á lettra e ao espirito do §. 3.º do artigo 145.º da Carta Constitucional, em que o seu Augusto Legislador reconheceu o direito que todos os portuguezes tinham de communicar por escripto, de palavra, ou por qualquer outro meio de publicação, os seus pensamentos; direito que não proveio da generosidade do Augusto Dador da Carta porque é um direito natural, que o homem recebeu de Deos, e de que sómente por a violencia póde ser privado, mas como a violencia não póde produzir direitos, segue-se que aquelle, cuja existencia a Carta reconheceu, e que já existia antes della, é um direito illimitado, condições que a mesma Carta lhe reconhece.

Ainda mais; os depositos são tambem uma violação dos §§. 12.º e 15.° do citado artigo da Carta, o primeiro dos quaes declara que a Lei é igual para todos, e o segundo que abole todos os privilegios, que não forem essencial e intimamente ligados aos cargos por utilidade publica, porque estabelecem um privilegio enormíssimo, e que póde com o andar dos tempos vir a ser um meio de opressão, a favor dos homens ricos, facultando sómente a estes o uso do direito de communicarem livremente o seu pensamento com absoluta exclusão dos menos favorecidos da fortuna; a como este privilegio não tem as condições indispensaveis para poder subsistir em presença da Carta, é evidente que a sua creação vai viola-la: o nobre Orador, á vista disto, não póde querer! que se conceda a ninguem este privilegio, mas ao mesmo tempo reconhece que se houvesse da conceder-se a alguem, era mais logico fazer essa concessão aos pobres que mais necessitam delle para se defenderem da opressão. São estas as proposições que hontem enunciou, e são tambem estes em summa os argumentos com que as sustentou, e a que se não respondeu; e principalmente sobre o segundo nem uma palavra se disse.

Passando a tractar das objecções que se lhe fizeram, como não estava presente o Sr. V. de Laborim reuniu os argumentos de S. Ex.ª aos que hoje apresentou o Sr. Ministro da Justiça para simultaneamente responder a ambos.

Objectou-se-lhe que não era coherente porque votára pelas penas pecuniarias e vinha combater os depositos; mas a arguição não lhe parece justa porque, quando votou as penas foi para castigar os que abusassem de um direito em damno da sociedade, ou de algum individuo; e os depositos considera-os uma restricção ao uso, uma penalidade imposta aos que usarem do direito que tem: quer penas rigorosas, e proporcionaes ao crime que commetterem, contra os que por palavras, ou por qualquer outro modo abusarem do direito da manifestação do pensamento, e por isso votou pelas penas que este Projecto estabelece; mas agora não se tracta de castigar o crime; o que se tracta é de impedir, de tolher ao individuo que não tiver riqueza o uso de direito de manifestar as suas idéas; não ha portanto contradição nenhuma em combater os depositos depois de ter approvado as penalidades, por isso que são differentes as especies.

O nobre Orador não nega que os depositos foram estabelecidos pelas Côrtes Constituintes em 1837, e que foram conservados pelo Parlamento de 1840, mas nega que esses factos constituam direito, e que possam adduzir-se para provar a constitucionalidade dos depositos como fizeram os dous illustres Oradores a que se refere: elle D. Par não concorreu com o seu voto para as Leis de 10 de Novembro de 1837, e 19 de Outubro de 1840 porque se não achava em nenhum dos Parlamentos que fizeram essas Leis, e ainda que se achasse não lho daria, por serem já de então as suas opiniões de hoje; e quando assim não fosse, quando então tivesse tido umas, e hoje outras não duvidaria confessar que errou, tendo se convencido do seu erro, porque esse é o seu dever como cidadão, dever mais rigoroso ainda como Membro desta Camara (Apoiados).

O Sr. Ministro objectou contra os seus argumentos a excepção de que eram já muito velhos; ao que sómente responderia que desde o principio dos seculos se diz que dous e dous são quatro, e nem por isso alguem deixa de o repetir apesar de ser isso tambem muito velho. Igual a esta excepção lhe parecia uma nutra do mesmo Sr. Ministro, de que esses argumentos de nada valiam porque, não obstante files, a Lei fez-se, e existe: mas elle Sr. C. tirava uma consequencia diversa da do Sr. Ministro, e era que essa Lei que se fez não só violou a Carta, mas tambem o direito natural do homem.

O N. Par não accompanha o Sr. Ministro no terreno era que entrou, combatendo as fianças deixa isso ao talento de dous illustres Oradores que as sustentaram, um dos quaes, auctor da substituição que se está tambem discutindo, já pediu a palavra, pois está certo de que desempenharão cabalmente a tarefa de responder a S. Ex.ª. O que o nobre Orador deseja é que se rejeitem os depositos, e para esse fim unicamente é que discute pois deseja que os principios sejam acatados e fiquem intactos; se o não conseguir há-de inclinar-se ao que menos se affastar delles pois considera isto um bem em comparação do mal maior que se evita: mas apesar disso não póde deixar de dizer alguma cousa sobre o que o Sr. Ministro da Justiça reflectiu a respeito da legislação ingleza.

Não é por simpathia, ou capricho que o nobre Orador respeita a legislação e os uzos inglezes, mas pelas provas que tem de que é o unico Paiz onde ha verdadeira liberdade com ordem (Apoiadas). É na Inglaterra unicamente que ha verdadeira liberdade individual, e verdadeira liberdade na emissão do pensamento; castigam-se os delinquentes, pune-se o abuso do direito, mas o seu uso ninguem o tolhe, não ha Lei, nem Magistrado que se lembre ou de tolher ou de restringir esse direito, e mal iria ao Magistrado, ou Authoridade qualquer, já não diz que se attrevesse a faze-lo, mas que o sonhasse: se houvesse na Inglaterra uma authoridade que sonhasse tal cousa; deixava logo de o ser (Apoiados).

Isto disse o Orador por causa da allusão que o mesmo Sr. Ministro fez ao Tribunal de equidade e consciencia, a que preside o lord Chanceller; mas não é o seu proposito mostrar o engano em que S. Ex.ª está a respeito delle porque isso o levaria muito longe.

Pareceu-lhe que o Sr. Ministro se referira ás muitas Leis que ha na Inglaterra contra a liberdade de Imprensa, e como não sabe que hajam nenhumas com essa applicação (O Sr. C. da Taipa - Não ha). Pede a S. Ex.ª que apresente o cathalogo dessas Leis inquisitoriaes contra a Imprensa, no que não só fará um serviço a elle D. Par, que apesar de ter estado na Inglaterra por differentes vezes, e de ter procurado instruir-se na sua legislação, não só pelos livros, mas ainda com os homens praticos, alguns Juizes, e outros que foram Chancelleres, não achou similhantes Leis, e até ignora que existam; mas fará tambem S. Ex.ª um grande serviço aos Jurisconsultos, e em geral a todos os cidadãos inglezes, que lhe hão-de ficar por isso muito obrigados, e até por esse serviço receberá premios das academias (Riso, e apoiados. O Sr. Ministro da Justiça pede a palavra, e logo depois o Sr. C. da Taipa).

Para responder ao Sr. B. de Porto de Móz passou o orador a lêr o § 3.º do artigo 145.º da Carta, que o mesmo Sr. Barão analysou, e por occasião de o lêr manifestou o desejo de que fosse tão frequente a leitura deste Código por todos os DD. Pares, que viessem a sabe-lo de cór; e até quereria que uma das condições que te exigisse a qualquer Par para poder tomar assento nesta Camara fosse a de saber de cór a Carta Constitucional (riso).

Por este § observou que o D. Par a que se referia tinha achado nas expressões; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercido deste direito, nos casos, e pela fórma que a lei determinar, limites ao uso desta faculdade; mas que elle orador pelo contrario nenhuma limitação via ao uso do direito n'aquellas palavras, e sim a consagração de que elle era amplissimo, o que porém determinava a segunda parte do § era a punição dos abusos, da injúria, e da calumnia, para os quaes é justo que hajam leis penaes para reprimir o abuso mas não o uso do direito (Apoiados), que é o que se pretende com os depositos, como já com franquesa disseram alguns DD. Pares. Mas esses depositos não se exigem para a publicação dos livros, disse-se aqui, continuou o N. orador, que aquelle que não podesse estabelecer um periodico para por elle manifestar as suas idéas, podia publicar livros; mas que para tal se dizer é necessario desconhecer os embaraços que para isso ha, que são muitos, não sendo por certo dos menos importantes custar um livro muito mais caro do que um periodico, e por isso faltaram-lhe compradores, pois se ha pouca gente que lêa periodicos, menos ha que lêa livros; e assim é claro que esse meio que se indica é um meio de illudir-se aquella amplissima disposição da Carta de poderem todos manifestar o seu pensamento sem estorvo algum: é verdade que a imprensa periodica tem abusado, e continua desgraçadamente a abusar deste direito; mas qual é aquelle de que se não abusa todos os dias? qual é aquelle dia em que não chega ao conhecimento do Sr. Ministro da Justiça, ou do Sr. Governador Civil, que estão presentes, a noticia de um crime commettido com uma faca, um páo, ou com murros? e isto procede do direito que cada um tem da mover livremente as suas mãos; porque não se publica então uma Lei que o prohiba, ou que exija um deposito para que só quem o der possa mover livremente as mãos ou braços? (riso) de tudo se abusa, o só porque a imprensa abusa é que contra ella ha-de haver um odio tão figadal! não sabe a rasão disso o N. Par porque não póde acha-la no motivo que se dá de que todos somos victimas destes abusos.

Isso é verdade, e o orador especialmente tem sido o alvo dos tiros dessa imprensa, que não só lhe imputa coisas bem graves, mas que até se diverte a analysar a tua figura, e a discutir a sua saude; mas não faz cabedal disso, quando a imprensa o injuriar em pontos que interessem a sua honra procurará a protecção dos tribunaes, em cuja justiça confia. Não quer que se supponha que no que disse pretende defender os abusos que commette a imprensa periodica, pois que muitas vezes se tem levantado contra elles, e sinceramente os deplora porque faz uma idéa mui elevada do que deve ser um escriptor publico, que considera um verdadeiro missionario da civilisação, que deve ensinar o povo e adverti-lo de seus erros e condemnar os crimes; o que isto não fiz não é digno desta grande missão. Mas não quer que se julguem criminosas as censuras feitas pela imprensa, e se cada um metter a mão na sua consciencia ha-de achar que muitas vezes ellas lhe fazem impressão util para a sua correcção; elle orador, pelo menos, muitas vezes to tem aproveitado das advertencias que se lhe tem feito.

Nestes tempos em que vivemos, de desordem e de grande corrupção, é necessario que haja a imprensa de todas as côres para censurarem e Advertirem os differentes partidos porque não são os homens que commungam na mesma opinião que hão-de publicar os defeitos de seus correligionarios, mas sim os de opinião contraria: e por assim pensar á que o N. orador sentiu que o seu amigo o Sr. V. de Laborim se levantasse com a espada erguida contra a imprensa de uma certa côr: as doutrinas dessa imprensa não são as que elle orador professa, são mui diversas, mas quer que ella gose do mesmo direito que a Carta reconheceu a todos os Portuguezes sem distincção da partido politico. A discussão é que sómente póde exclarece los, e vence-los, e por isto deseja a discussão, mas é necessario ao mesmo tempo que a lei fundamental seja uma verdade, que ninguem se attreva a sophisma-la porque então os absolutistas reconhecerão a differença que vai da nossa fórma de governo aquella por a qual combatem (Apoiados), e nós os venceremos pelo meio da convicção da superioridade do nosso systema.

O Sr. V. de Algés não esperava ter ainda hoje de tomar parte nesta discussão, não só porque já se tem dito quanto lhe parece sufficiente para esclarecer a consciencia da Camara, como porque as forças continuam a faltar-lhe; mas foi obrigado a intervir de novo na discussão, por algumas expressões que o Sr. Ministro da Justiça proferiu, e que elle Orador póde perceber entre o seu discurso, de que com tudo não pôde ouvir a maior parte, por defeito sem duvida do seu ouvido, e pelo estado não mui quieto da Camara; e como aquellas expressões eram diametralmente oppostas á doutrina que o nobre Orador professa, teve de pedir a palavra, no uso da qual espera ser breve, não só porque o D. Par que o precedeu immediatamente, muito bem analysou as razoei do Sr. Ministro, como porque está convencido de que convem abreviar o mais possivel esta discussão, não porque não seja muito importante, e digna de que com ella se occupe todo o tempo que nella se tem empregado, mas porque um concurso de circumstancias fortemente aconselha a que se ponha termo neste debate, que lhe parece que ha-de ficar escripto em lisonjeiros caracteres nos fastos da historia parlamentar portugueza (Apoiados), porque ainda não viu nenhum mais pausado, mais livre, mais consciencioso (Repetidos apoiados), e que mais honra faça á Camara dos Pares do Reino. (Continua a mesma manifestação).

O Orador está bem certo de que o Sr. Ministro não foi discipulo de Pithagoras, ainda que bem pareça seguir a seita delle por o modo como argumenta, pois se mostra convencido de que tudo o que se fez é bem feito, e de que taes pessoas não podiam fazer certas cousas porque não eram capazes de as fazer, o que serve para mostrar quanto é candida e pura a consciencia de S. Ex.ª; á vista do que, elle Orador, que nenhuma vontade, nem idéa tem de ser discipulo de Pithagoras, não teria duvida em se-lo do Sr. Ministro, e em seguir as suas opiniões como simples individuo, se não foste membro de um Parlamento, e como tal tendo não sómente a liberdade, mas a obrigação de analysar os principios e os factos.

Passando depois a responder ao mesmo Sr. Ministro, observou-lhe que o seu argumento, de que os principios e razões da Opposição não valiam; de nada, porque apezar delles se tinham feito as Leis que ella combalia, não era argumento que tivesse força alguma, porque as Camaras não estão reunidas semente para fazerem Leis novas, mas para alterar a revogar ás amigas, e para emendar o que nellas não fosse bom; e nesse caso se o seu argumento prevalecesse nunca mais se poderiam emendar Leis, altera-las, ou revoga-las. Disso mais, que quando ouviu S. Ex.ª affirmar que a experiencia tinha mostrado que os depositos não eram sufficientes, esperava que para provar a sua asserção preenchesse os principios de conveniencia porque nas duas Camaras ha um logar especial para os Srs. Ministros, apresentando os motivos, e os dados estatisticos, pelos quaes sa conhecesse que a prudencia e a sciencia aconselhavam que te augmentasse a cifra dos depositos; isto é, esperara que o Sr. Ministro, abrindo a sua pasta, mostrasse que em taes e taes processos sobre abuso da liberdade de Imprensa, tendo os réos sido condemnados em taes e taes muletas, não tinham chegado para satisfaze-las as quantias dos depositos (Apoiados): e que para não perder uma só das suas informações de facto, te aproximou de S. Ex.ª, pois ainda que, quando elle Orador teve a honra de ser Ministro da Justiça, nunca se deram taes factos, era possivel que depois apparecessem, e então diria tambem com S. Ex.ª que se deviam augmentar os depositos; mas debalde, porque o Sr. Ministro não apresentou documento nenhum que mostrasse que tivesse havido depositos que não chegassem para pagar alguma condemnação. Nem era possivel que o mostrasse, porque aquillo de que o Governo ia queixa é de não terem havido condemnações; e se as não tem havido, é claro que se não póde mostrar que os depositos que se exigem por a Lei era vigor, de 1:200$ réis não eram sufficientes, e por conseguinte falta a razão para propôr que os mesmos se augmentem invocando a sua insufficiencia.

O Orador respondeu mais ao Sr. Ministro, que arguia de insufficiente o deposito, por elle proposto, de 1:200$000 de réis, perguntando-lhe se achava mais sufficiente o de 2:000$000 réis que sustentava; e passou em seguida a mostrar-lhe que não; analysando os argumentos que no Congresso em 1837 se apresentaram, e que o Sr. Ministro adoptou como seus, declarando que se assim não fosse não se occuparia delles, porque, posto respeitasse muito os seus originarios andores, nada tinha com as opiniões que emittiram.

Nesses argumentos que o Sr. Ministro fez seus, disse o Orador começando a sua analyse, pretende-se mostrar que não servia o deposito existente, porque o réo, ajuizado por abuso de liberdade de imprensa, podia conjunctamente commetter differentes crimes, como: attacar a Religião, o Chefe do Estado, uns poucos de individuos, etc. e sendo condemnado por esses differentes crimes, não chegava o deposito. Quando isto ouviu, ficou o Orador surprehendido, porque julgava que não havia accummullação de penas (Apoiados), e tinha como principio certo de jurisprudencia criminal que a pena maior absorvia a menor (Apoiados repetidos); que um réo que commetteu diversos crimes pelos quaes tem de ser julgado, o maior desses crimes absorve todos os outros, e a pena que a esse maior crime corresponde não póde ser addicionada com outras penas menores. (Apoiados). Parece-lhe que. o Sr. Ministro não é desta opinião, apezar de que o nobre Orador conserva a que tem em quanto não fôr convencido de que é erronea; mas a proposito observa que se assim fosse, o argumento de S. Ex.ª provaria de mais, porque por elle se mostraria a necessidade de 10, 20, ou mesmo de 100 contos de réis (Apoiados), tanto mais porque tambem tractou das perdas e damnos. Assim os argumentos com que o Sr. Ministro quiz mostrar a necessidade de augmentar os depositos não só não convenceram o Orador, mas vieram pelo contrario dar mais força ao que hontem havia exposto, de que não podia haver outras razões que justificassem o deposito senão a da segurar o juizo pelo maximo da pena, e pelas custas do processo.

Como o Sr. Ministro não se limitou a combater as opiniões do nobre Orador para a diminuição do deposito, porque tambem combateu a sua proposta para a opção da fiança, com o fundamento de que as fianças eram illusorias, porque o que hoje era um bom fiador, ámanhã podia deixar de o ser, o que a experiencia demonstrava; e se mostrou admirado de que houvesse quem sustentaste uma cousa illusoria, de que elle mesmo Sr. Ministro, como particular, tinha sido por muitas vezes victima, acceitando obrigações de fiança, cujos fiadores tinha depois achado que não possuiam meios para responder por essas obrigações; julgou o Orador que devia applicar ao argumento da experiencia contra as fianças o mesmo que dissera quanto á experiencia sobre os depositos; isto é, que S. Ex.ª devia mostrar que não se póde conseguir tornar effectivas taes ou taes fianças, querendo realisa-las pela condemnação dos Jornaes affiançados; mas não aconteceu assim! e oxalá que o mal, que se lamenta, de não terem havido condemnações por abusos de liberdade de imprensa, procedesse de não se terem realisado as fianças, tendo-se antes preenchido o fim legitimo e politico da imposição da pena! Eram estes os desejos do Orador, mas não tem acontecido isto porque não tem havido condemnações, e não ha portanto a prova de que o fiador, quando é procurado, não está na posse de seus bens para responder pela fiança.

O nobre Orador, discorrendo neste sentido, mostrou que, em regra, nem isso era possivel, porque o Ministerio Publico cumpre o seu dever, e não se vai buscar para Dador nestes assumptos quem apenas tenha de seu 2, 4, ou 5 contos de réis, mas pessoa estabelecida e abonada que possue uma fortuna dez ou doze vezes superior ao objecto da fiança; que era portanto possivel que circumstancias extraordinarias o tornassem insolvavel, mas que isto não acontecia senão por excepção, e é Legislador deve regular-se pela regra geral, e que por esta, e pelos principios communs, a qualquer homem abonado não póde convir apresentar-se fallido de bens.

Passando depois a occupar-se dos argumentos

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que o Sr. Ministro foi buscar a authoridades estrangeiras, não quiz prevenir o que outros Oradores, a que S. Ex.ª respondia, teriam a dizer sobre a exactidão de suas asserções, e contentou-se de observar a respeito de tal argumento que S. Ex.ª não graduara os seus argumentos pelos que em sentido contrario apresentaram os Oradores a quem assim pretendia responder, porque tendo elles apresentado principios e doutrinas, a resposta de S. Ex.ª, tirada só de authoridades de Nações estrangeiras, não era uma resposta: esse modo de combater ainda seria admissivel se S. Ex.ª se referisse á authoridade, mas com a condição de que essa authoridade tivesse por base os bons principios e a verdadeira doutrina, que era d'onde unicamente tiravam a sua força essas authoridades, e não pelo simples facto de se haver adoptado tal disposição em tal Paiz.

Mas se o nobre Orador entendeu que devia não aprofundar esta parte do discurso do Sr. Ministro, não póde deixar de occupar-se do que disse, depois de referir-se ao que se pratica nessas Nações estrangeiras, mostrando-se pesaroso de que aqui se não seguisse o que nessas Nações está estabelecido, que é a prisão dos fiadores, que não tem com que pagar, ao que accrescentou — esta pena, que já existiu entre nós, deixou de ter logar por desuso. = O nobre Par intende que é grande honra para qualquer Paiz que caiam em desuso penas barbaras ou excessivas (Apoiados), porque isso mostra que a opinião publica as condemnou como o resultado de principios errados, o que tambem é consequencia da illustração (Apoiados); e por isso não quer tirar á Nação Portugueza a honra que lhe cabe por já não existir esta pena (Apoiados): mas a verdade obriga-o a dizer que não foi só pelo desuso, e geral reprovação que essa pena caiu, mas porque Leis especiaes assim o determinaram: ninguem póde ser preso por dividas civeis, é um aforismo, e até um rifão popular. O Sr. Ministro não o ignora por certo, e se nesta occasião lhe não lembrou a Lei de 20 de Julho de 1774, que manda que ninguem possa ser preso por dividas civeis, e o assento da Casa da Supplicação de 17 de Agosto do mesmo anno, é certamente porque tinha a sua attenção empregada nos importantes negocios que estão a seu cargo.

As prisões que não sejam por crimes graves, qualificados, e provados não deve ter logar, disse o Orador, e honra seja aos antigos Jurisconsultos e praxistas, que as condemnaram (Apoiados); para prova do que pediu licença para lêr as expressões seguintes de um assento, que muito honra a Casa da Supplicação:

«Prisões servem de cevar o odio, e a vingança dos credores, e de opprimir contra todas as razões da humanidade os miseraveis devedores até darem a vida nos horrorosos carceres, em que os tem detidos.» Assento de 18 de Agosto de 1774.

Assim pensavam os Jurisconsultos portuguezes, continuou o nobre Par, em 1774, por dividas civeis não se prende, e mostra esperança de que estas doutrinas sejam conservadas na reforma completa da Magistratura portugueza, que ha tanto espera, e do que ainda não perdeu a esperança porque tem a satisfação de vêr no Ministerio a S. Ex.ª que não hade faltar ao que solemnemente prometteu: que no seu systema para a organisação judicial não resuscitará S. Ex.ª por certo a pena de prisão por dividas civeis pois faz justiça á illustração de S. Ex.ª, do Ministerio, e do Parlamento.

O Orador observou que ainda que os responsaveis pelas dividas fiscaes podem ser presos, como se determina na Reforma Judicial, não é por dividas civilmente contrahidas, mas porque são responsaveis como Exactores fiscaes, Agentes da arrecadação de dinheiros da Fazenda Publica, e como taes incorrem n'um crime qualificado, que deve ser punido e com prisão; o que mostra que é uma especie mui diversa, que não póde ser adduzida para argumento a favor da prisão por dividas civeis, pena, que espera em Deos, no Parlamento, e na 'Augusta Pessoa que dá finalmente sancção e vigor ás Leis, que nunca mais se restabelecerá nos nossos Códigos (Apoiados).

Antes de concluir, dirigiu-se o nobre Orador a um D. Par seu amigo e collega, tanto nesta Casa, como em outra parte, que com quanto se não referisse ao nome delle Orador, o fez á sua doutrina na pergunta que endereçou ao Sr. Fonseca Magalhães, a proposito da que este D. Par fez, de quantos abusos se compravam com 800000 réis, que é a differença que vai da Proposta feita pelo nobre Orador para que o deposito seja de 1:200$000 réis, e o que a Commissão propõe que é 2:000$000 réis. Este D. Par, seu collega e amigo, não respondeu aquella pergunta, mas disse que responderia quando se lhe mostrasse, quantos abusos se compravam por 1:200$000 réis; e como esta é a cifra da sua Proposta, não póde deixar de dizer a S. Ex.ª que sendo o maximo da pena 1:000$000 réis: é claro que o 1:200$000 réis comprava o abuso correspondente a essa pena, ficando nos 200$000 réis restantes larga margem para o pagamento das custas do processo: agora a differença para mais que a Commissão propõe para perfazer os 200$000 réis, S. Ex.ª que responda, se quizer, ou que o faça o Sr. Ministro da Justiça, que já fallou em perdas e damnos.

Pela doutrina delle Orador, não ha para que applicar esses 800$000 réis, mas pela do Sr. Ministro da Justiça, ainda essa quantia não chega, e será necessario augmenta-la muito.

Depois de muitas outras considerações, concluiu fazendo um Requerimento para que, na occasião de se votar este artigo, a sua Proposta se separe nas duas partes, de que é composta; porque a primeira que é uma emenda tendente a fazer reduzir a cifra do deposito a 1:200$000 réis, e a segunda que é um additamento, estabelece a opção da fiança, e marca esta na quantia de 2:400$000 réis, dobro da cifra que propõe para o deposito, e se ambas fossem votadas conjunctamente, a segunda ficaria prejudicada, o que mostrou que não

devia ser. Sendo assim divididas na votação as duas partes de que se compõe a sua Proposta, ainda que se vença, como é provavel, que o deposito seja de 2:000$000 réis nem por isso póde deixar de votar-se sobre a segunda parte da Proposta, que é para se deixar a opção da fiança, para a qual proporá nessa occasião a cifra de 4:000$000 réis, dobro da vencida para o deposito, que é a proporção que seguiu (Apoiados).

O Sr. Presidente pediu licença para fazer-se a communicação de um Officio, que acabava de chegar da Camara dos Srs. Deputados, que talvez convenha conhecer-se immediatamente (Apoiados).

Em consequencia leu.

O Sr. Secretario M. de Ponte de Lima um Officio, datado de 27 do corrente, do Presidente da Camara dos Srs. Deputados remettendo una Proposição de Lei sobre a despeza ordinaria (extraordinária do Estado para o anno de 1850 a 1831.

O Sr. Presidente, deve ser remettido á Commissão de Fazenda, mas não sabe se a Camara quererá seguir a pratica, do anno passado, de mandarem todas as Commissões, que tem a dizer alguma cousa no Orçamento, um Membro nomeado por ellas para se reunir á Commissão de Fazenda, a fim de melhor e mais facilmente poderem examinar o Projecto de Lei da despeza, e apresentarem o seu Parecer.

O Sr. V. de Algés requer que cada Commissão nomeie dous Membros, como se fez no anno passado e no antecedente, porque póde algum ficar impedido, e haver assim quem o substitua. O Orador justifica este requerimento com o mau estado de sua saude, que o obrigará provavelmente a faltar á Commissão, porque se acha realmente doente, e não póde ella por conseguinte contar com o seu fraco apoio.

O Sr. C. de Lavradio apoia este requerimento, e pede que a Commissão, assim composta, tome o nome de Commissão do Orçamento, como nos outros annos.

Resolveu-se que fosse remettida esta Proposição de Lei á Commissão da Fazenda, á qual se deverão aggregar, para dar o seu Parecer sobre este objecto, dous Membros de cada uma das Commissões da Camara.

O Sr. Presidente convidou as differentes Commissões para se reunirem ámanhã ás 11 horas, a fim de nomearem os Membros que devem ir á Commissão de Fazenda examinar o Orçamento (Apoiados).

Como a hora estivesse a dar, e ainda tivessem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, e os D. Pares C. da Taipa, e Fonseca Magalhães, levantou S. Em.ª a Sessão, dando para Ordem do dia do ámanhã (28), a continuação desta discussão. Eram mais de quatro horas.

Relação dos D. Pares que concorreram á Sessão de 27 de Junho de 1850. Os Srs. D. de Palmella, Cardeal Patriarcha, D. de Saldanha, D. da Terceira, M. de Castello Melhor, M. de Fronteira, M. de Loulé, M. das Minas, M. de Ponte de Lima, Arcebispo de Evora, C. das Alcaçovas, C. das Antas, C. do Bomfim, C. da Cunha, C. do Farrobo, C. de Lavradio, C. de Linhares, C. de Mello, C. de Paraty, C. de Penafiel, C. da Ponte de Santa Maria, C. de Porto Côvo de Bandeira, C. de Rezende, C. da Ribeira Grande, C de Rio Maior, C. de Semodães, C. da Taipa, C. de Terena, C. de Thomar, C. do Tojal, Bispo de Beja, Bispo de Lamego, V. de Algés, V. de Benagazil, V. de Campanhã, V. de Castellões, V. de Castro, V. de Ferreira, V. de Fonte Arcada, V. de Fonte Nova, V. de Laborim, V. de Ovar, V. de Sá da Bandeira, B. de Ancede, B. da Arruda, B. de Chancelleiros, B. de Monte Pedral, B. de Porto de Moz, B. de S. Pedro, B. da Vargem da Ordem, Ozorio Cabral, Pereira Coutinho, D. Carlos de Mascarenhas, Pereira de Magalhães, Margiochi, Tavares de Almeida, Silva Carvalho, Albergaria Freire, Macario de Castro, Portugal e Castro, Arrochella, Fonseca Magalhães, e Mello Breyner.

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