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N.º 70

SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. Sr. Buque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Francisco Simões Margiochi

Leitura e approvação da acta da sessão precedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino. — Continuação da discussão na generalidade do parecer n.° 84 sobre o projecto de lei n.° 65. auctorisando o governo a contrahir um emprestimo de 400:000$000 réis para as obras publicas «o ultramar. — Discurso do digno par Carlos. Bento da Silva. — Approvação da generalidade logo em seguida da da especialidade. — Approvacào, depois de algumas considerações do digno par VSLZ Preto e do sr. ministro da marinha (Marquez de Sabugosa), do parecer n.° 119 sobre o projecto de lei n.° 109, que amplia a anctorisação concedida ao governo pela carta de lei de 12 de abril de 1877, podendo ser contratada a construcção da linha ferrea de Mormugão até á fronteira do estado da Índia portugueza, e os melhoramentos do porto de Mormugão. — Approvação, depois de algumas reflexões dos srs. Vaz Preto, ministro da marinha, e Mello Gouveia, do projecto n.° 70; que tem por fim reorganisar o corpo de officiaes de fazenda da armada. — Approvação sem discussão do projecto n.° 69, que tem por fim melhorar a situação dos officiaes inferiores do exercito. — Discussão da generalidade do parecer n.° 108 sobre o projecto n.° 107, que tem por fim crear uma contribuição geral sobre o rendimento. — Discursos dos srs. Antonio de Serpa e ministro da fazenda.

As duas e um quarto da tardo sendo presentes, 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estava presente, o sr. ministro da marinha, e entraram durante sessão os srs. presidenta do conselho e ministros dá fazenda j guerra e reino.}

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão na generalidade do parecer n.° 84 sobre o projecto de lei n.° 60. Tem a palavra o sr. Carlos Bento da Silva.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, estou inscripto para fallar sobre este parecer, e preciso dizer alguma cousa ácerca dos motivos que me determinaram a assignal-o sem declaração.

Devo declarar que me agradada mais a proposta inicial do governo, do que a modificação que subsequentemente se lhe fez.

Assignei sem declarações o parecer que se discute, porque entendo que até certo ponto este projecto é um desengano, e que são indispensaveis as lições dos desenganos.

Já disse um illustre membro d’esta camara, que foi muito tempo presidente de uma administração, que se não governa com illusões, e esta asserção é exacta. A illusão é boa para a imaginação mas é péssima para a realidade.

Não acceito a idéa de que os melhoramentos que se fizerem no ultramar devem pesar sobre a metropole; porque 1 se as provincias ultramarinas têem deficit, muito superior é o que aggrava as circumstancias financeiras do reino. A proporção entre o deficit das provincias ultramarinas e a sua receita, não está em proporção com o rendimento da metropole e o seu deficit.

Os melhoramentos das colonias, assim como os da metropole, não consistem só em obras publicas, dependem tambem, e muito, das medidas economicas, no sentido scientifico, que significam um grande desenvolvimento da riqueza, sem que tragara as immensas despezas que produzem aquellas. Por exemplo, póde alguem negar que duas das provincias do ultramar que deixam de apresentar deficit, e que mesmo apresentam excesso de receita explicam mais essa circumstancia por medidas economicas, que se tem podido adoptar, do que por um excesso de obras publicas feitas sem discrição?

A provincia de Cabo Verde tem um excesso de receita de 11:000$000 réis.

Dir-se-ha que essa provincia está mais perto da metropole.

A regularidade das communicações é de uma grande vantagem economica, e administração d’este paiz, que primeiro tratou de estabelecer a regularidade das communicações entre a metropole e as provincias ultramarinas, prestou um grande, serviço.

Mas voltando a Cabo Verde. Póde se dizer que é unicamente devido á proximidade em que esta provincia se acha da metropole o melhoramento da sua situação economica? Creio que não.

Um cavalheiro que pertence a esta casa, que foi ministro do ultramar, e cuja modéstia peço perdão de offender, o sr. visconde da Praia Grande, talvez concorresse grandemente para um facto com que muito aproveitou aquella provincia.

Houve tempo em que o genero principal da producção de Cabo Verde não podia ser exportado senão para Portugal, porque sobre a exportação para o estrangeiro existia um direito differencial immenso, é que equivalia a prohibil-a. O sr. visconde da Praia Grande entendeu que devia cessar esse direito prohibitivo. E o que aconteceu? O genero subiu de valor mais de 60 por cento.

Esta medida economica serviu, ou não, para melhorar a situação do archipelago de Cabo Verde?

Mas vou citar outro exemplo, em vista do qual se destroe completamente a explicação de que seja a proximidade das provincias ultramarinas, em relação á metropole, que motive o seu desenvolvimento.

Macau está perto de nós? Creio que é uma das colonias que está mais longe. E o que acontece? Macau tem a jactancia de apresentar no seu orçamento um excesso de receita superior a 100:000$000 réis. E Macau é impenitente n’este ponto.

Lembra-me que, sendo governador d’aquella provincia o sr. visconde da Praia Grande, por mais de uma vez lhe arranquei do respectivo cofre sommas importantes para subsidiar as outras provincias.

Digamos a verdade: todos os melhoramentos que intentarmos para as provincias ultramarinas não correspondem, na minha opinião, ao melhoramento que lhes podem dar as qualidades pessoaes dos governadores nomeados para essas provincias. Podem gastar ás sommas que quizerem com melhoramentos das nossas colonias; não ha nenhum igual ao acerto na escolha da auctoridade superior para as governar.

Macau tem a particularidade de. ser porto franco ha muitos annos, desde 1845, creio eu.

Já se vê, pois, que as condições economicas representam

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um papel importantissimo no desenvolvimento material de um paiz. Isto não é uma theoria inventada agora. Mr. Gladstone, um dos homens que n’uma idade adiantada mais falia, e escreve com toda a discrição, dando constante testemunho da sua grande intelligencia, publicou ultimamente n’uma revista quinzenal, Furtnighi Revieiu, um artigo, no qual dizia que em Inglaterra os caminhos de ferro tinham produzido um melhoramento economico que se podia calcular na rasão de 30 por cento, e que as medidas economicas adoptadas n’aquelle paiz tinham produzido tambem um melhoramento, mas na rasão de 70 por cento.

Já se vê que é incontestavel que os melhoramentos materiaes trazem desenvolvimento; mas a proporção das medidas economicas adoptadas por aquella nação, segundo a opinião de um homem competentissimo, é muito superior a esses melhoramentos.

E digo isto n’esta occasião, porque me parece que agora mais do que nunca se desenvolveu a idéa da mais dispendiosa de todas as obras. A epocha actual é toda de exigencias.

Não as quero caracterisar; direi apenas — exigencias do movimento que se pretende desenvolver.

Eu que, até certo ponto, tinha collocado algumas esperanças nos receios do sr. ministro da fazenda, termo renunciado um pouco a ellas, por ver que uma das condições que parece mais propria para um governo improvisar e realisar todos os melhoramentos, é expressamente aquella em que as suas circumstancias financeiras offerecem alguma dificuldade!

Eu não sou d’esta opinião; sei que sustentar estas idéas é odioso; mas é necessario que alguem tome sobre si esse odioso.

Ha certas inteligencias, de certo com intenções muito recommendaveis, que exigem esse desenvolvimento; mas é necessario tornar o odioso de tal facto, que póde trazer um protesto, póde trazer uma falta de pagamento.

N’este ponto devo fazer justiça a um cavalheiro, que a camara ouviu, e a quem deu o testemunho de que aprecia a competencia com que costuma fallar dos assumptos de que se occupa.

Toda a gente sabe que a instrucção d’este cavalheiro é completa em todos os ramos que póde abranger a intelligencia do homem.

Esse cavalheiro pretendeu defender-se (e nada mais sagrado do que o direito da defeza); mas para que se não tome essa defeza como proclamação de idéas que me tenho em vista, preciso rectificar a impressão que poderá ter produzido, a quem não ouvisse com todo o discernimento, a oração d’aquelle digno par.

Devo declarar que, aparte a defeza que s. exa. brilhantemente sustentou, dentro d’esses limites, é justo demonstrar que n’este debate não faltam exemplos de nações mais ricas e poderosas, que têem desenvolvido em larga escala os melhoramentos das colonias que pertencem a essas nações.

Citarei, por exemplo, a colonia do Cabo, onde a divida é de 10 milhões de libras sterlinas, sobre uma receita de 2 milhões.

Os encargos da divida são de 500:000 libras, ou a quarta parte da receita; e ainda assim a proporção dos encargos da receita dá o uma differença muito vantajosa para essa colonia comparada com a proporção da nossa metropole.

O que é verdade é que essa colonia, que aliás tem prosperado muito, e desenvolvido os seus meios de communicação em larga escala, tem grandes vantagens. Por exemplo: só em um ramo tem nada menos do que 6.000:000 carneiros.

Já se vê que quem tem 40.000:000 carneiros, tem uma industria agricola que produz meios de communicação para uma importante exposição de lã. Nós apenas temos na metropole uns 4.000:000 carneiros.

Fallo da India Ingleza. Houve incontestavelmente uma epocha em que o desenvolvimento dos meios de communicação, apesar de para isso ter de se luctar com uma. grande pressão de opinião, foi alem dos limites dentro dos quaes até ali se tinha conservado; e ainda assim depois de se ter construido um grande numero de obras d’esta natureza, estradas ordinarias e vias ferreas, reconheceu-se que as obras d’esse genero ahi construidas não estavam em relação com a extensão d’aquelle estado; mesmo segundo a opinião de um governador da India, tanto o desenvolvimento devia ter sido ali maior para estar em proporção com a extensão da sua provincia que, tendo-se ali construi-lo alguns mil kilometros, nos Estados Unidos dizia-se que em um só anno se construiia um numero igual. Todavia na India ingleza determinou-se, que se reduzisse consideravelmente as construcções de meios communicações, por causa de difficuldades financeiras.

Acontece no nosso paiz uma cousa singular; depois de tomada uma deliberação, e muitas vezes depois das obras construidas, é que se manda estudar o assumpto. E assim que depois de construida grande parte das nossas linhas ferreas, se encarregou uma commissão de engenheiros de determinar a rede dos novos caminhos de ferro!

Ora, eu tenho uma mesquinha opinião que com muita humildade apresento diante de uma outra opinião mais geral de que se devem emprehender todos os melhoramentos ao mesmo tempo.

Pelo que respeita ás colonias, vejo com satisfação que está de accordo commigo o sr. visconde de S. Januario, assim como outros homens intelligentes que têem estado nas colonias; isto é que é conveniente assentar-se n’um systema de administração que habilite as colonias a terem ellas proprias a iniciativa dos seus proprios melhoramentos, e para isso é necessario que as suas instituições sejam aperfeiçoadas.

O sr. visconde de S. Januario alludiu a uma companhia, que infelizmente para alguns dos portos da nossa Africa occidental não podia encarregar-se nem de tomar, nem de levar carga.

Aqui tem a camara uma circumstancia economica infeliz.

O facto de estabelecer communicações regulares com a nossa Africa occidental é na verdade muito importante, mas julgo que a concessão feita a uma companhia que estabeleceu essas communicações fez com que só não podesse ir tão longe, como eu entendo que se devia ir, para se obterem verdadeiras vantagens.

A companhia que estabeleceu as referidas communicações é uma companhia estrangeira, mas os seus barcos navegam com bandeira nacional; essa companhia reduziu ultimamente a importancia do subsidio que recebia por aquella carreira.

Não creio que isto de nacionalisação seja sempre garantia de melhor serviço.

Houve uma companhia nacional, com a qual o estado perdeu uma somma grande, sendo obrigado a fazer-lhe um emprestimo de 600:000$000 réis. Em vista d’este facto, a dizer a verdade prefiro companhias bem organisadas, ainda que não sejam nacionaes, áquellas que tenham esta qualidade, mas não correspondem aos seus fins, pela sua má direcção, como succedeu com aquella a que alludo, da qual se não póde tirar vantagem alguma para os interesses do estado; pelo contrario, creio até que é preciso renunciar a toda a esperança do governo ser embolsado das quantias que emprestou á mesma companhia.

Não desejo tomar muito tempo á camara; não posso, porém, deixar de acrescentar ainda algumas palavras ao que deixo exposto.

Devo dizer que é uma verdade incontestavel que nó te-

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mos grande importancia colonial com relação á extensão das nossas colonias.

Somos uma das primeiras nações entre as cinco grandes nações coloniaes, sob o ponto de vista da area territorial; porque temos em primeiro logar a Inglaterra, cujas colonias occupam uma extensão de 20.000:000 kilometros quadrados; depois segue-se Portugal, que tem de territorio colonias na extensão de 1.860:000 kiionietros quadrados: em seguida temos a Hollanda, que tem colonias na extensão de 1.750:000 kilometros" quadrados; vem depois a França que tem 500:000 kilometros quadrados; e em seguida a Hespanha que tem só 470:000 kilometros quadrados.

Mas, cousa notavel, esta ultima nação que tem uma extensão colonial tão limitada, ha tido a fortuna de possuir uma colonia que, apesar de ultimamente haver estado em guerra durante dez annos, apresenta um orçamento superior a todos os orçamentos de Portugal, e sem que se justifique esse facto pelo desenvolvimento dos melhoramentos materiaes, porquanto essa colonia que tem uma extensão pouco superior á superficie de Portugal, tem apenas 600 kilometros de caminhos de ferro, isto é, um numero inferior em metade áquelle que possuimos.

A Inglaterra, que não gastou nem um penny com elles, retira um milhão de libras esterlinas dos caminhos de ferro, como imposto; o Brazil estabeleceu 10 por cento sobre o transito dos caminhos de ferro; na Austria, havendo difficuldades financeiras, estabeleceram-se 15 por cento; a Belgica que está em condições ainda diversas das mais nações, ainda assim augmentou a sua receita em dois milhões de francos d’aquella proveniencia; em França, os passageiros do caminho de ferro pagam para o estado, nada menos de 23 por cento, e as mercadorias de pequena velocidade chegam a pagar em alguns casos 28 por cento; estes são os dados estatisticos publicados por mr. Foville n’uma interessante obra que escreveu sobre vias de communicações em França.

Ora, as demais nações alem das vantagens indirectas que resultam sempre dos meios de communicação accelerada tiram as vantagens directas que acabei de notar á camara.

Eu entendo, pois, que as nossas possessões carecem de melhoramentos mateariaes, e principalmente de vias de communicação, mas é necessario que ellas paguem pelo menos á metropole os juros dos capitães que se empregam n’esses melhoramentos, e não vejo mesmo outro meio de sairmos das dificuldades.

Estou, pois, de accordo com o digno par que me precedeu, e estou convencido que, quando se adopte um meio reflectido de se estabelecerem os melhoramentos nas nossas colonias, ellas interessarão, consideravelmente, e a metropole com ellas, mas para isso é necessario que não queiramos que desde logo ellas paguem os seus melhoramentos; mais tarde deverão fazel-os á sua custa.

O Brazil serviu muito tempo para ser explorado; nós íamos ao Brazil buscar oiro, como os hespanhoes iam buscar prata a uma possessão sua; e já Montesquieu dizia, que o que nos fazia mal era o oiro que íamos buscar ao Brazil.

Quando se abriram os portos do Brazil ao mundo inteiro, a que estavam completamente vedados, o Brasil teve um augmento de prosperidade extraordinaria, e teve um melhoramento quatorze annos antes de Portugal que foi um banco commercial, então as condições, economicas do Brazil melhoraram: entre nós succederá o mesmo, quando o absurdo systema de monopolio colonial deixar de ter logar.

Isto é tanto assim, sr. presidente, que n’uma discussão muito importante que teve logar em Hespanha com relação á ilha de Cuba, foi citado o sr. D. Ramon de Lasaga quando disse que a historia da prosperidade da ilha de Cuba é a historia da liberdade do commercio. Por consequencia já se vê a importancia das considerações economicas com relação aos, melhoramentos das nossas colonias.

Eu estou persuadido de que tanto o sr. ministro da marinha como a maior parte dos dignos pares que me escutam estão inteiramente de accordo commigo sobre a necessidade de se dar ás nossas colonias todo o desenvolvimento que ellas merecem e de que carecem, porque eu tive occasião de ler n’um escripto do sr. Cameron:

(Leu.)

Por onde se vê que essas provincias poderiam gosar prosperidade igual á que disfructam algumas colonias inglezas das que se encontram em condições mais prosperas. Sobre este ponto tambem me reporto á opinião emittida por um nosso distincto compatriota, tratando-se da reforma das pautas de Moçambique.

(Aparte do sr. Corvo que se não ouviu.}

Ora este sr. Cameron, tratando das nossas colonias do Africa, falla do nobre marquez de Sá da Bandeira, do nosso cônsul em Inglaterra, e presta tambem homenagem a um cavalheiro que faz parte d’esta camara, o sr. Baptista de Andrade.

Eu vejo-me na necessidade de incommodar a modestia do nosso collega, referindo-me aos serviços de s. exa., mas todos fazem honra aos muitos merecimentos, e s,. exa. é um militar intrepido.

Fez concluir uma paz muito proveitosa, e feita n’uma excellente occasião, com o Jaga de Cassange e houve entre nós quem duvidasse da possibilidade da continuação d’essa paz. Pois dura ha quatorze annos.

Eu vou terminar as reflexões que tinha a fazer e a camara me relevará o tempo que lhe tomei.

Mas o governo terá em vista, que uma das medidas mais importantes a tomar em relação ás provincias ultramarinas é o grande cuidado que deve haver na escolha das pessoas que as devem governar; (Apoiados.) nem todos estão nas condições de exercer taes cargos, (Apoiados.) e o sr. marquez de Sá reconhecia tanto isto que, quando tinha de fazer nomeações para o ultramar, era um homem muito superior ao seu partido, não consultava exclusivamente ninguem, não attendia opiniões exclusivas, nem cedia a pressões de especie alguma, nomeava sempre quem lhe parecia que a sua consciencia melhor lhe indicava.

Não quero com isto fazer menos justiça ao sr. ministro da marinha, creio que s. exa. buscará seguir o mesmo caminho, e reconhecerá que d’esta medida é donde advirão melhores resultados.

O sr. Presidente: — Vão ler-se na mesa tres officios que acabam de ser recebidos, vindos da camara dos senhores deputados.

Leram-se na mesa e são do teor seguinte:

Tres officios da presidencia da camara dos. senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

l.ª Tem por fim auctorisar o governo a mandar construir um porto artificial de abrigo e de commercio no sitio denominado Leixões, e um canal e caminho de ferro que communique com o rio Douro e a cidade do Porto, e bem assim a conceder em hasta publica, a execução de varios trabalhos na margem direita do Tejo.

Ás commissões de fazenda e de obras publicas.

2.ª Despendendo durante o anno economico corrente nas obras do porto artificial de Ponta Delgada mais a quantia de 15:000$000 e 3:000$000 réis com as obras de estradas nas ilhas do archipelago açoriano, onde se tenha manifestado crise de trabalho.

A commissão de fazenda.

3.º Creando duas assembléas eleitoraes no circulo n.° 63 (Vouzella).

A commissão de administração publica.

O sr. Mello Gouveia: — Pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 99, vindo da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa e foi a imprimir,

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O sr. Presidente: — Vae votar-se na sua generalidade o parecer n.° 84, visto estar extincta a inseripção

Consultada a camara foi approvado.

O sr. Presidente: — Está approvado, vae passar-se á especialidde.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Não está presente o sr. ministro da .fazenda, não podemos por consequencia occuparmo-nos do parecer n.° 108, passaremos então á discussão do parecer n.° 119, visto achar-se presente o sr. presidente do conselho.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Parecer n.° 119

Senhores. - Às vossas commissões do ultramar e de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 109, já approvado pela camara dos senhores deputados. Por este projecto é ampliada a auctorisação concedida ao governo pela carta de lei de 12 de abril de. 1877, para a construcção da linha ferrea de Mormugão até á fronteira do estado da India portugueza; para os melhoramentos do porto de Mormugão, e bem assim para a continuação da linha ferrea até Nova Hubly.

No proposito de fazer face aos encargos resultantes dos contratos celebrados para a construcção d’estas obras, é auctorisado o governo a applicar a quantia que o governo britannico deve pagar annualmente, segundo o tratado de 26 de dezembro de 1878, e a substituir, sendo necessario, a referida quantia por outra/tendo por base rendimentos do estado da India.

O governo é igualmente auctorisado a estabelecer nos respectivos contratos as condições relativas á remissão, quer ella interesse ao governo, quer á empreza ou emprezas construo toras; e sendo concedida garantia de juros, deverá estatuir-se nos contratos partilha nos lucros, quando forem excedentes ao juro garantido.

Senhores, as notaveis obras designadas na proposta, as primeiras de tão grande importancia que se realisam nas provincias ultramarinas, devem ser altamente uteis ao desenvolvimento do estado da India.

O porto de Mormugão, devidamente resguardado, será o melhor da costa do Malabar, depois do porto de Bombaim, que lhe fica a distancia de cerca de 240 milhas ao norte, e só esta circumstancia será muito favoravel á nossa India, por attrahir ali numerosos navios, principalmente na epocha do anno em que os outros portos da costa são inaccessiveis. Com a construcção do caminho de ferro que, attravessando Goa de oeste a leste, vá entroncar na rede dos caminhos de ferro da India ingleza, não só pelo porto de Mormugão se facilitará a exportação crescente dos productos do nosso territorio, mas tambem, e principalmente, se dará saída a grande copia das producções da India ingleza, entre as quaes avultará o algodão da extensa cultura n’aquella região).

Ao movimento de exportação corresponderá proporcionalmente o de importação, e este giro commercial dará, por certo, consideravel incremento ao progresso, á civilisação e á prosperidade d’aquella historica possessão portugueza.

As vossas commissões julgam tambem judicioso o pensamento de lançar os encargos d’estes melhoramentos ao estado da India, para o que póde contar-se, não só com os quatro laks de rupias annuaes, provenientes das condições do tratado de 26 de dezembro, de 1878, mas tambem com os recursos crescentes d’aquelle estado, como consequencia provavel dos referidos melhoramentos.

Assim, desprendendo-se gradualmente aquella provinda da intervenção da metropole, no que respeita á sua exploração economica, fomentar-se-ha a iniciativa local, e, interessando esta no proprio desenvolvimento, estimular-se-ha a acção das forças vivas d’aquelle territorio, vindo assim a manifestar-se toda a vitalidade de. que for susceptivel.

Por este fundamento são as commissões do ultramar e fazenda de parecer que este projecto merece a vossa approvação para ser convertido em lei.

Sala das commissões, 24 de maio de 1880. = Visconde de Soares Franco = Antonio de Sousa Silva Costa Lobo = Marino João Franzini = Conde de Linhares = José Baptista de Andrade = Visconde de S. Januario, relator = Conde de Castro = Conde, de Samodães = J. J. de Mendonça Cortez = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Diogo Antonio = C. de Sequeira Pinto = Joaquim Gonçalves Mamede = Antonio de Serpa Pimentel.

Projecto de lei n.° 109

Artigo 1.° É ampliada a auctorisação concedida ao governo pela carta de lei de 12 de abril de 1877, podendo ser contratada a construcção da linha ferrea de Mormugão até á fronteira do estado da India portugueza, dos melhoramentos do porto de Mormugão, bem como da parte da- linha ferrea desde ã fronteira até Nova Hubly, mediante garantia de juro e pela forma que se julgar mais conveniente.

§ unico. A construcção das obras mencionadas n’este artigo ficará sujeita á fiscalisação do governo.

Art. 2.° É auctorisado o governo a occorrer ao pagamento dos encargos resultantes dos contratos celebrados para a construcção d’estas obras, com a importancia dos 4 laks de rupias, que, segundo o tratado de 26 de dezembro de 1878, o governo britannico é obrigado a pagar annualmente, e a substituir, quando deixe de vigorar este tratado, a referida, garantia por, outra, tendo por base rendimentos do estado da India.

Art. 3.° E auctorisado o governo a estabelecer nos respectivos contratos as condições em que deve verificar-se a remissão, quer ella seja requerida pela empreza, quer determinada pelo mesmo governo devendo, quanto ao modo de fixar os preços e clausulas da alludida remissão, adoptar-se as regras estabelecidas em contratos identicos.

Art. 4.° Se for concedida garantia de juro, deverá estatuir-se nos contratos a obrigação, por parte da empreza, de dar ao governo partilha nos lucros, quando estes excederem o juro garantido.

Art. 5.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d’estas auctorisações.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 22 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d1 Ávila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario.

Proposta de lei n.8 229-A

Senhores. — Na conformidade das estipulações do contrato assignado em 26 de dezembro de 1878, entre Portugal e a Gran-Bretanha, procede-se actualmente aos estudos, tanto do caminho de ferro de Mormugão até ao ponto da juncção com a rede dos caminhos de ferro indo britannicos, como das obras necessarias para o melhoramento do porto de Mormugão.

Estão muito adiantados estes estudos, e d’elles se póde concluir, segundo as informações do engenheiro nomeado pelo governo portuguez, que a linha ferrea póde ser feita em excellentes condições, tanto pelo que respeita ás despezas de construcção, como em relação á exploração. Dentro de pouco tempo poderá, pois, tratar-se da construcção das obras indicadas nos termos das disposições do alludido tratado.

Pela lei de 12 de abril de 1877 está o governo auctorisado a adjudicar, sob determinadas condições, a construcção do caminho de ferro e obras do porto de Mormugão a uma sociedade, companhia ou empreza que de sufficientes garantias, mas póde dar-se o caso de que as vantagens consignadas na referida lei não sejam as mais adoptadas ou as indispensaveis para se conseguir o fim que se pretende. Deseja por isso o governo munir-se de uma auctori-

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sacão mais ampla do que aquella que lhe dá a lei já citada, para que se não perca o ensejo de começarem as obras ainda no corrente anno, adiantando-se a construcção das secções da linha ferrea, onde com vantagem, só em certa epocha do anno se podem effectuar trabalhos de alguma, importancia, e evitando-se por esta forma que se demore ou prejudique a execução de obras de tão grande alcance para a prosperidade da India portugueza, e que constituem para esta provincia ã principal vantagem do tratado de 26 de dezembro de 1878.

Parece rasoavel que os encargos que possam advir das auctorisações que o governo pede, sejam satisfeitos pela respectiva provincia ultramarina. Para lhes fazer face terá o estado da India, emquanto estiver em execução o tratado, a importancia de 4 laks de rupias, que não poderão de certo ter melhor applicação do que a de contribuir para a realisação de tão importantes melhoramentos; e quando taes encargos vão ainda alem do praso da duração do tratado, devemos crer que esses melhoramentos terão contribuido bastante para desenvolver a riqueza, e modificar as condições financeiras d’aquelle estado, habilitando-o a satisfazel-os sem difficuldade.

Por estas considerações, e tendo o convencimento de que o grande interesse que representa para a India portugueza a prompta realisação dos melhoramentos de que se trata não consentirá que, n’esta questão, se manifestem quaesquer divergencias, temos a honra de submetter á vossa approvação a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° E ampliada a auctorisação concedida ao governo pela carta de lei de 12 de abril de 1877, podendo ser contratada a construcção da linha ferrea de Mormugão até á fronteira do estado da India portugueza, dos, melhoramentos do porto de Mormugão, bem como da parte da linha ferrea desde a fronteira até Nova Hubly, mediante garantia de juro e pela fórma que se julgar mais conveniente.

Art. 2.° E auctorisado o governo a occorrer ao pagamento dos encargos resultantes dos contratos, celebrados para a construcção d’estas obras, com a importancia dos 4 laks de rupias que, segundo o tratado de 26 de dezembro de 1878, o governo britannico é obrigado a pagar annualmente, e a substituir, quando deixe de vigorar este tratado, a referida garantia por outra, tendo por base rendimentos detestado da India.

Art. 3.° É auctorisado o governo a estabelecer nos respectivos contratos as condições em que deve verificar-se a remissão, quer ella seja requerida pela empreza, quer determinada pelo mesmo governo, devendo, quanto ao modo de fixar os preços e clausulas da alludida remissão, adoptar-se as regras estabelecidas em contratos identicos.

Art. 4.° Se for concedida garantia, de juro, deverá estatuir-se nos contratos a obrigação, por parte da empreza, de dar ao governo partilha nos lucros, quando estes excederem o juro garantido.

Art. 5.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d’estas auctorisações.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, em 19 de maio de 1880. = Anselmo José Braamcamp = Marquez de Sabugosa.

O sr. Luiz de Campos (sobre a ordem): — Para mandar para a mesa o parecer das tres commissões reunidas de fazenda, obras publicas e guerra, sobre o caminho de ferro de Lisboa a Pombal, passando por Torres Vedras.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade o parecer n.° 119, a que se refere o projecto de lei n.° 120.

(Pausa.)

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á especialidade.

Leu-se na mesa o

Artigo 1.°

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, vou declarar a minha opinião ácerca do projecto, que está em discussão.

Eu voto contra, e voto contra, porque, tudo que seja fazer despezas, no estado em que se acha o paiz, entendo, que só se devem fazer as indispensaveis, e não me parece que se deve estar a fazer esforços nem a gastar muito dinheiro com as colonias n’esta occasião, porque isso tudo significa aggravar cada vez mais as circumstancias em que está o paiz.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): — Este projecto hão é outra cousa mais, do que a consequencia do tratado que aqui se approvou n’esta camara.

Este caminho não é feito com o concurso da metropole, e d’elle devem advir bastantes vantagens, por isso me não parece, que seja necessario garantia de juro, com o rendimento da propria tinha é que aquelle caminho se ha de fazer, por consequencia não é necessario que a metropole despenda cousa alguma.

O sr. V az Preto: — Segundo acaba de dizer o sr. marquez de Sabugosa, este caminho é a consequencia da execução do tratado da India.

Eu, sr. presidente, não estive presente quando se votou o tratado, e como, se estivesse presente votaria contra, é por isso mesmo que não approvo este caminho de ferro; isto significa uma auctorisação que se vae conceder ao governo, e o governo não faz senão fazer despezas, e pedir auctorisações para as fazer, no estado desgraçado em que se acha o thesouro.

Isto é que eu sei, e é o que se vê, portanto vou sempre protestando com o meu voto.

O sr. Presidente: — Está extincta a inscripção; vae-se vetar na sua generalidade.

Consultada a camara, foi approvado na generalidade, sendo-o tambem na especialidade sem discussão.

O ST. Presidente: — Passaremos ao parecer n.° 82.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Parecer n.° 82

Senhores. — As vossas commissões de marinha e fazenda reunidas examinaram, em suas disposições e fundamentos, o projecto de lei n.° 70, com que a camara dos senhores deputados resolve a proposta de reorganização do corpo de officiaes de fazenda da armada, apresentada pelo governo n’aquella casa do parlamento, e entendem que esta providencia merece ser adoptada pelos motivos que vão dizer.

É notoria a deficiencia numerica dos individuos d’este corpo, que têem competencia legal e exclusiva para muitas commissões de fiscalisação, arrecadação e contabilidade de marinha, e o preambulo da proposta do governo e parecer das respectivas commissões da camara dos senhores deputados,- adiante transcriptos, expõem claramente a desproporção que se dá entre o numero das obrigações e a quantidade dos obrigados.

Atrazos de escripturação, retardamentos indefinidos do ajustamento das contas dos encarregados de fazenda dos navios armados, falta absoluta d’estes fiscaes em commissões de bordo, onde por vezes têem sido impropriamente suppridos por officiaes militares, admissões provisorias e irregulares d’estes empregados, fatalmente determinadas pela necessidade de acudir ao mais urgente, sem se poder regularisar com estes timidos expedientes o importante serviço da fazenda de marinha; são os resultados necessarios de recomposições successivas e sempre restrictivas do pessoal da corporação dos officiaes de fazenda da armada, inspirados n’uma idéa fallaz de economia, que supprimindo o pessoal supprimia as contas.

São trinta e nove as commissões obrigadas dos officiaes de fazenda, e o seu quadro legal é de trinta empregados! Ha mais onze aspirantes supranumerarios, chamados a este serviço pelo imperio absoluto das circumstancias; e este

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pessoal ha de viver em permanente exercicio das suas funcções de mar e terra, não poderá ter uma licença, nem lhe será licito adoecer. Desembarcar alguns d’estes homens para dar contas, não ha que pensar n’isso! E lá andam elles passando de navio para navio, sem ajustar as contas d’aquelle em que cessam de servir; e tarde saberemos ao certo quanto nos custou a manutenção da tripulação o deterioração do material de um navio da armada, n’uma cada viagem ou n’uma dada estação.

É este o estado de cousas no serviço .de fazenda da marinha, que dura ha muito tempo, que alguns ministro; quizeram remediar com propostas analogas á do que só trata, impedidas, no seu andamento, por accidentes varios cie, politica, e que o sr. ministro da marinha actual procura attender, organisando uma corporação de officiaes de fazenda que possa desempenhar-se das obrigações que a lei lhe e impõe.

O quadro, que vem fixado em quarenta e seis officiaes e aspirantes, se não é bastante para folgas de serviço, será suficiente para preencher as commissões da ordenança e dispensar um doente ou substituir um responsavel que desembarca, para ajustar as suas contas.

A nova nomenclatura das categorias d’este corpo, a sua repartição numerica, e a fórma de admissão e accesso adoptados pela camara dos senhores deputados, não merecem reparo das vossas commissões. E o augmento de despeza do quadro actual (comprehendidos os supranumerarios) reorganisado em conformidade do projecto de lei submettido á vossa deliberação, pondo de parte a melhoria de gratificações que n’elle vem proposta, não sobe de 2:284$000 réis, verba realmente insignificante, em relação aos interesses em questão, e que um fiscal de fazenda, que cumpre o seu dever, sabe poupar ao estado n’uma viagem d’aqui aos Açores, em qualquer navio da armada de inferior lotação.

A melhoria de gratificações, proposta no projecto, equipara as dos officiaes de fazenda ás de commissões sedentarias dos officiaes combatentes da mesma graduação, o representa um augmento de 120$000 réis por individuo nas categorias de primeiro e segundo official, e de 24$000 réis na de terceiro official, sommando tudo 1:824£000 réis que, juntos á verba supra faz 4:108$000 réis de augmento effectivo sobre a despeza actual.

Não é este pequeno encargo da melhoria das gratificações justificado pela igualdade de graduação e vencimentos dos officiaes combatentes, que demoverá as vossas commissões de acceitar na sua integra o projecto de lei da que se trata, considerando quanto importa ao interesse da fazenda publica, remunerar devidamente os seus fiscaes, e levantal-os na consideração dos que têem de sujeitar-se ás ordens que elles são encarregados de executar. Por todo o ponderado são as vossas commissões de parecer que o projecto de lei organica do corpo dos officiaes de fazenda. da armada merece a vossa approvação para subir á sancção real.

Sala das commissões de marinha e fazenda reunidas, em 11 de maio de 1880.= Antonio de Serpa Pimentel = Visconde de Soares Franco = Conde de Castro = José Baptista de Andrade = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = Marino João Franzini = João José da Mendonça Cortez = Antonio de Sousa Silva Costa Lobo = Duque, de Palmella = Carlos Bento da Silva = Barros e Sá = Mathias de Carvalho Vasconcellos = Conde de Samodães = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = Joaquim Gonçalves Mamade = José de Mello Gouveia — Tem voto do sr. Conde de
Casal Ribeiro.

Projecto de lei n.° 70

Artigo 1.° O corpo de officiaes de fazenda da armada composto de:

2 primeiros officiaes; com a graduação de capitães tenentes;

10 segundos officiaes, com a graduação de primeiros tenentes;

16 terceiros officiaes, com a graduação de segundos tenentes;

18 aspirantes com a graduação de guardas-marinhas.

§ unico. D’estes 18 aspirantes 12 são effectivos e 6 são interinos.

Art. 2.° Ao pessoal cio corpo de officiaes de fazenda da armada pertence todo o serviço de encarregados e fiscaes da fazenda de marinha, tanto a bordo como em terra, na conformidade da legislação vigente.

Art. 3.° A entrada no corpo de officiaes do fazenda da armada effectua-se na categoria de aspirante interino.

Art. 4.° As vacaturas na classe dos aspirantes interinos são preenchidas por concurso documental e de provas publicas entre os individuos que satisfizerem ás seguintes condições:

l.º Mais de vinte annos de idade e menos cio vinte e cinco;

2.ª Bom comportamento moral e civil;

3.ª Boa calligraphia;

4.ª Exame da lingua francesa, ou da ingleza;

5.ª Curso do commercio;

6.ª Documento que prove ter satisfeito aos preceitos da lei do recrutamento militar;

7.ª Aptidão para o serviço, verificada pela junta de saude naval.

§ 1.° Quando não haja concorrente com o curso do commercio, serão admittidos a concurso os candidatos que, alem dos demais quesitos, apresentarem documento que prove habilitação em contabilidade e escripturação mercantil.

§ 2.° Um regulamento especial estabelecerá a fórma e programma do concurso.

Art. 5.° Os aspirantes interinos só podem passar a effectivos quando haja vacatura n’esta classe e depois de decorridos pelo menos dois annos a contar da data da sua admissão, dando provas de aptidão e capacidade para o serviço que têem a desempenhar, devidamente comprovadas por trabalhos que tenham executado e informações de iodas as auctoridades sob cujas ordena hajam servido.

§ unico. Quando, depois de decorridos tres annos, não sejam considerados aptos para o serviço a que se destinam, serão demittidos.

Art. 6.° Os aspirantes interinos praticam nas repartições de fazenda de marinha, embarcam como adjuntos dos encarregados de fazenda a bordo dos navios de guerra e dos transportes de maior lotação, e só podem servir de encarregados de fazenda em navios de pequena lotação quando estejam habilitados para isso e não haja aspirantes effectivos.

Art. 7.° Os aspirantes effectivos para serem promovidos a terceiros officiaes devem ter, pelo menos, tres annos de embarque fóra do Tejo.

§ unico. O tempo de embarque exigido no capitulo 4.° do titulo 3.° cio decreto de 24 de abril de 1869, para promoção a primeiro official póde ser substituido pelo de seis annos de embarque fóra do Tejo, nos postos de segundo e terceiro official. Em tudo o mais as promoções são reguladas pelos preceitos estatuidos no referido decreto de 24 de abril de 1869.

Art. 8.° Os soldos das diversas classes dos empregados effectivos que compõem o corpo de officiaes de fazenda da armada cão os que actualmente estão estabelecidos por lei, e as gratificações as que lhes corresponderem segundo a tabella que faz parte da presente lei. Os aspirantes interinos têem de soldo annual 240.0000 réis.

§ unico. Os aspirantes interinos quando sirvam de carregados de fazenda a bordo de qualquer navio, e só durante o tempo d’este exercicio, ver cem o soldo estabelecido para os aspirantes effectivos.

Art. 9.° Os actuaes aspirantes interinos e os supranumerarios ficam sendo considerados interinos nos termos

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d’esta lei, e só podem passar a effectivos quando tenham satisfeito ás condições estabelecidas no artigo 5.º; devendo o periodo de tempo de que trata o mesmo artigo e seu § ser contado a partir da admissão dos referidos aspirantes no serviço da armada.

Art. 10.° Os officiaes de fazenda da armada gosam das honras, privilegios e recompensas honorificas concedidos por lei aos officiaes com batentes de igual graduação.

Art. 11.° Ficam addidos ao corpo de officiaes de fazenda da armada nas categorias que actualmente lhes pertencem por virtude dos decretos com. forca de lei de 26 de dezembro de 1868 e 9 de dezembro de 1809, o segundo official, o aspirante e o encarregado das arrecadações do extincto quadro do hospital da marinha.

§ unico. Os empregados a que se refere este artigo não adquirem, porém, direito algum a entrar no quadro a que ficam addidos, nem a promoção successiva. a par dos funccionarios d’elle, e serão promovidos uma só vez ao posto immediato ao que actualmente lhes pertence, quando essa promoção lhes competir pela comparação da sua antiguidade com a dos officiaes da mesma graduação do corpo de officiaes de fazenda da armada.

Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz. presidente = Antonio José d’Avila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secreiario.

Tabella a que se refere o artigo 8.°, e que faz parte da presente lei

[Ver valores da tabela na imagem]

Categorias

Palacio das côrtes, em. 5 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d’Avila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario.

Proposta de lei n.° 123-II

Senhores. — O corpo de officiaes de fazenda da armada, reorganisado por decreto com força de lei de 9 de dezembro de 1869, tem o seguinte pessoal:

2 primeiros officiaes, com a graduação de capitães tenentes;

8 segundos officiaes, com a graduação de primeiros tenentes;

14 aspirantes de l.ª classe, com a graduação de segundos tenentes; e

6 aspirantes de 2.ª classe, com a graduação cio guardas marinhas.

Total, 30 officiaes e aspirantes.

O serviço de fazenda naval de bordo dos navios, aonde ha unicamente um encarregado de fazenda mesmo nos de maior lotação, o do corpo de marinheiros, o do arsenal da marinha, da cordoaria, da repartição fiscal de fazenda de marinha, do conselho de administração de marinha e dos depositos das estações navaes em Loanda e em Moçambique exige, segundo as disposições em vigor, 40 d’aquelles empregados. D’aqui se evidencia que o pessoal que compõe o referido corpo não chega para as commissões que é chamado a desempenhar, isto com grave detrimento do serviço.

Para se occorrer ás mais urgentes necessidades do serviço têem-se, desde 1876, admittido extraordinariamente alguns aspirantes de 2:a classe, sob a denominação de aspirantes supranumerarios, que. hoje ha em numero de 11, embarcados e nas estações navaes quasi na totalidade.

Cumpre regular este estado de cousas, acautelar seriamente os importantes interesses da fazenda de marinha, e legalisar as admissões de um pessoal extraordinario, constituindo o corpo de officiaes de fazenda da armada com o numero de officiaes e aspirantes restrictamente necessario para o serviço que tem a desempenhar, fazendo com que adquiram a pratica indispensavel a esse serviço, acabando com o pernicioso systema de entregar o encargo de fazenda de bordo dos navios a aspirantes inexperientes, e dando ao serviço o aos servidores as garantias que lhes são indispensaveis e a que têem direito.

Desde que se augmenta o pessoal do corpo, ainda que no restrictamente indispensavel, tem de se augmentar a despeza, mas este augmento é diminuto em attenção ao

pouco elevado soldo, que, como é de rasão e justiça, se estabelece aos aspirantes interinos: assim, o augmento da despeza publica não irá alem de cerca de 1:000$000 reis, que deve ter compensação na melhoria do serviço.

Em vista do que deixo exposto, tenho a honra de apresentar á vossa consideração a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° O corpo de officiaes de fazenda da armada é composto de:

2 primeiros officiaes, com a graduação de capitães tenentes;

10 segundos officiaes, com a graduação de primeiros tenentes;

16 terceiros officiaes, com a graduação de segundos tenentes.

18 aspirantes, com a graduação de guardas marinhas.

§ unico. D’estes 18 aspirantes 10 são effectivos e 8 são interinos.

Art. 2.° Ao pessoal do corpo de officiaes de fazenda da armada pertence todo o serviço de encarregados e fiscaes da fazenda de marinha, tanto a bordo como em terra, na conformidade da legislação vigente.

Art. 3.° A entrada no corpo de officiaes de fazenda da armada effectua-se na categoria de aspirante interino.

Art. 4.° As vacaturas na classe dos aspirantes interinos são preenchidas por concurso documental e de provas publicas entre os individuos que satisfizerem ás seguintes condições:

l.ª Mais de dezoito annos de idade e menos de vinte e cinco;

2.ª Bom comportamento moral e civil;

3.ª Boa calligraphia;

4.ª Exame da lingua franceza ou da ingleza;

5.ª Curso do commercio;

6.ª Documento que prove ter satisfeito aos preceitos da lei do recrutamento militar;

7.ª Aptidão para o serviço, verificada pela junta de saude naval.

§ 1.° Quando não haja concorrente com o curso do commercio, serão admittidos a concurso os candidatos que, alem dos demais quesitos, apresentarem documento que prove habilitação em contabilidade e escripturação mercantil,

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§ 2.° Um regulamento especial estabelecerá a fórma e programma do concurso.

Art. 5.° Os aspirantes interinos só podem passar a effectivos quando haja vacatura n’esta classe e depois de decorridos pelo menos dois annos, contados da data da sua admissão, dando provas de aptidão e capacidade para o serviço que têem a desempenhar, devidamente comprovadas por trabalhes que tenham executado e informações da todas as auctoridades sob cujas ordens hajam servido.

§ unico. Quando depois de decorridos ires annos não sejam considerados aptos para e serviço a que se destinam, serão demittidos.

Art. 6.° Os aspirantes interinos praticara nas repartições da fazenda de marinha, embarcam como adjuntos dos encarregados de fazenda a bordo dos navios do guerra e dos transportes de maior lotação, e só podem servir de encarregados da fazenda em navios de pequena lotação quando estejam habilitados para isso e não haja aspirantes effectivos.

Art. 7.° Os aspirantes effectivos para serem promovidos a terceiros officiaes devem ter pelo menos trás annos de embarque fóra dos portos do continente do reino.

§ unico. O tempo de embarque, exigido no capitulo 4.° do decreto com força de lei de 24 de abril de 1869 para ser promovido a primeiro official, póde ser substituido pelo de seis annos, sendo a maior parte fóra dos portos do continente do reino, feito nos postos de segundo e terceiro official. Em tudo e mais as promoções são reguladas pelos preceitos estabelecidos no referido decreto de 24 de abril de 1869.

Art. 8.° Os vencimentos das diversas classes que constituem o corpo de officiaes da fazenda da armada são os que actualmente estão estabelecidos por lei. Os aspirantes interinos têem de soldo annual 240$000 réis.

§ unico. Os aspirantes interinos quando sirvam de encarregados de fazenda a bordo de qualquer navio, a só durante o tempo d’este exercicio, vencem o soldo estabelecido para os aspirantes effectivos.

Art. 9.° Os actuaes aspirantes interinos e os supranumerarios ficam sendo considerados interinos nos lermos d’esta lei, e só podem passar a effectivos quando tenham satisfeito ás condições estabelecidas no artigo 5.°; devendo O periodo de tempo de que trata o mesmo artigo e seu § ser contado a partir da admissão dos referidos aspira no serviço da armada.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, 12 de março de 1880.= Marquez de Sabugosa.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

O sr. Vaz Preto: — Aqui temos outro projecte de auctorisação ao governo para despegas.

O governo pede para fazer uma reforma, mas não se indica a despeza que se vae fazer, e eu desejava que o sr. ministro da marinha me dissesse qual é a despeza que s. exa. calcula que deve custar esta reforma?

O cr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): — O projecto que se discute não é uma auctorisação, porque em toda a sua extensão se diz qual o modo como se ha de proceder a esta reforma, que é uma organisação de serviço.

Quanto á pergunta que o digno par fez tenho a dizer a s. exa. que pela minha primitiva proposta augmentava a despeza em 2:000$000 réis, mas pelas alterações que ella soffreu na camara dos senhores deputados sobe esse augmento a 4:108$000 réis, mas esta despeza resulta em economia, porque d’ella vem grande proveito pais a fazenda; esta escripturação era feita por officiaes da armada, que tendo de atender ás necessidades do serviço, dava em resultado haver a escripturação atrazada, e por consequencia, resultavam muitos inconvenientes.

Em uma pequena viagem que faça qualquer navio compensa-se satisfactoriamente este augmento de despeza.

Alem d’isso, sr. presidente, era necessario reorganisar aquelle corpo, que não tinha e pessoal necessario para o serviço, sendo os governos obrigados a nomear supranumerarios.

O sr. Vaz Preto: — Agradeço as explicações dadas paio sr. ministro da marinha,

Acho muito louvavel o intuito de reformar um serviço que estava mal organisado, e que tinha falta de pessoal, mas esta reforma, como o proprio sr. ministro acabou de confessar, traz um augmento de despeza de mais de réis 4:000$000 annuaes.

Sem me oppor a que se reorganize um serviço que está mal montado, queria que o illustre ministro respeitasse uma lei, que ainda ha bem pouco tempo foi approvada, e que de lei ha que nenhuma despeza possa sor votada sem se crear receita correspondente.

Este principio, que foi votado ultimamente, estava tambem comprehendido no regulamento geral de contabilidade promulgado em 1870.

Parece-me, pois, que o sr. ministro devia ser o primeiro que não quizesse obrigar a camara a votar em sentido contrario áquelle que tinha votado ha tão pouco tempo.

O sr. Mello Gouveia: —Sr. presidente, o digno par oppõe a este projecto a objecção de que não vê creada a receita necessaria para attender aos encargos que elle traz ao thesouro. É muito louvavel o zêlo que s. exa. mostra sempre, em todos os assumptos que se discutem n’esta casa, por manter os principies de uma boa administração, e eu, pela minha parte, tambem declaro a s. exa. que não me preoccupa menos a situação em que temos a fazenda. Nunca vi nem vejo com bons olhos as daspezas publicas escusadas, e Deus sabe quantas d’estas oneram no nosso orçamento! E mesmo aquellas que muitos reclamam como necessarias, e outros pedem como uteis, pelo que acrescentam de commodos ou de esplendor á nossa vida social, mas que podem ser adiadas para circumstancias mais propicias sem compromettimento do decoro nacional, nem perturbação da marcha regular da nossa administração economica e politica, não me são nada sympathicas. E não me são sympathicas, sr. presidente, na conjunctura financeira em que nos encontramos, que é grave, e que talvez, quem sabe, melhorasse mais depressa com um pouco de repouso no fomento, o uma boa diligencia na arrecadação, do que com receitas de imposições novas (que aliás eu não impugno), já do antemão sacrificadas ao progresso parallelo das despezas, que as vão incessantemente absorvendo.

Não me proponho a desenvolver esta these; para que não me preparei, nem me quero preparar, porque vim aqui com o proposito de não oppor a menor objecção á marcha financeira do governo e de ajudal-o com o fraco apoio do meu voo a desempenhar-se da sua ardua missão. Ainda não perdi a confiança nas distinctas qualidades dos srs. ministros, nem me afrouxou a fé que logo, no seu advento, me inspirou a corajosa abnegação com que os vi assumir a responsabilidade de uma situação verdadeiramente difficil, que tinha por synthese a solução da complicada questão de fazenda uma situação economias por extremo comprimida e que é ainda hoje de horisontes muito obscuros.

Sei que a boa vontade e os altos dotes de s. exas são para não mais, e sentiria deveras que lhes faltasse o tempo para dar conta d’esta grande obra, para a qual talvez que o auxilio de todos os céus amigos ainda lhes seja escasso.

Fazendo esta ligeirissima allusão ao meu acanhado modo de ver a questão economica e financeira, que de certo é errado, e eu estimarei muito que o seja, quero afirmar ao mesmo tempo que, sem embargo das minhas repugnancias para todas as despezas novas, que podem ser adiadas para mais favoravel opportunidade, e que eu quizera que não viessem avolumando n’esse implacavel o perigosa defi-

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cit, eu não impugno nem posso impugnar as despezas indispensaveis e impreteriveis, que, longe de serem um encargo oneroso para o thesouro, são a garantia de uma administração esclarecida e poupada, e actuam desde logo em proporção notavel na administração e fiscalisação proveitosa das cousas da fazenda, realisando n’ellas certa e segura economia.

É d’esta natureza o augmento de despeza que traz o projecto de lei em discussão. Custa mais ao estado 4:108$000 réis a nova organisação do corpo de officiaes de fazenda da armada, do que custava até agora o serviço d’esta classe.

Mas, como o digno par e a camara vêem dos relatorios que têem presentes, o que se não sabe é que qualidade de serviço fazem estes empregados, porque a insuficiencia numerica d’este pessoal não dá logar a que se tomem contas aos encarregados de fazenda dos navios, e não se conhece o que se aproveitou ou estragou dos artigos que estão carregados a sua responsabilidade; nem se sabe se estes empregados estão correntes ou alcançados com a fazenda nas suas contas, e muito menos até onde chega o seu alcance, se o ha.

Ouvi e foi dito nas commissões que ha cerca de oitenta contas por ajustar; e isto n’uma armada que conta apenas vinte vasos em serviço entre navios escolas, navios de combate e de transporte, é caso que reclama prompta providencia.

Se quizessemos expressar este facto por uma formula numerica, suppondo que cada uma d’aquellas contas representa uma commissão de tres annos, que a lei auctorisa, poderiamos dizer que ha doze annos se não tomam contas a ninguem.

E quando se pensa que isto succede com um serviço que tem o credito annual de perto de 600:000$000 réis para artigos de consumo, facilmente se póde imaginar a que valor de desperdicios póde dar logar esta confusão de administração.

Portanto, eu creio que a solução d’esta questão está implicita nos factos.

Os factos ahi estão expostos no parecer das commissões, e a camara não póde duvidar d’elles, porque os vê authenticados com os nomes das summidades da marinha, os benemeritos officiaes que subscreveram o parecer, que têem na armada os primeiros postos conquistados pela sua valentia e pelos seus longos serviços de embarque, de navegação e de cominando em todos os mares.

Em presença d’este estado de cousas, não me parece que possa haver duas opiniões.

Quem não recusar os factos, ha de acceitar este projecto ou substituil-o por outro melhor.

Mas seja-me permittido observar, que por mais perfeita que fosse a combinação que se nos offerecesse para remediar este mal, na altura em que temos a sessão, tudo o que ficasse sujeito a novos debates na camara dos senhores deputados, correria risco de não ser approvado este anno; e i debaixo d’este ponto de vista seria peior do que este projecto, porque perderia oito mezes de tempo, pelo menos, espaço em que a fazenda poderia perder pela continuação do estado actual da fiscalisação da fazenda da marinha, o que outra medida provavelmente lhe não daria a ganhar.

Demais, todos os aperfeiçoamentos legislativos podem ter logar em cada anno. Todos os annos se reunem as côrtes e lá poderão ser levadas quaesquer modificações que a experiencia ou exame mais reflectido aconselhem n’este serviço. O que de certo não póde esperar sem grave responsabilidade nossa é o remedio que nos cumpre dar a este mal nos termos mais breves que estejam ao nosso alcance, e a fórma peremptoria de acudir a esta necessidade publica é approvar este projecto.

Finalmente, sr. presidente, temos a questão do augmento de despeza, que é a que fixa especialmente a attenção do digno par, e que aqui devemos considerar em duas hypotheses. A dos vencimentos da legislação em vigor, e a da melhoria de gratificações proposta na cagara electiva.

A primeira hypothese está fóra de discussão. A camara com certeza não quer diminuir os vencimentos actuaes a esta classe de empregados. Não são elles tão grandes que inspirem a menor velleidade de fazer economias á custa d’elles. São os estabelecidos pelo decreto de 30 de dezembro de 1868, referendado pelo sr. Latino Coelho e pelo meu amigo o sr. Calheiros, que tenho o gosto de ver presente, e pelo nosso collega o sr. conde de Samodães, na administração dos srs. marquez de Sá da Bandeira e bispo de Vizeu, em que s. exas. tiveram parte distincta, decreto que então fôra promulgado sob inspirações de uma severa economia. Se em alguma cousa elle deve ser modificado, quando as circumstancias., o permittirem, será no sentido de se alargar um pouco mais o abono de comedorias a algumas classes da armada, que anda realmente fixado em limites muito estreitos para a carestia actual das subsistencias. Nem tão pouco me persuado de que queira reduzir o quadro de pessoal proposto no projecto, porque isso seria não remediar cousa alguma. E n’este caso o augmento de despeza é de 2:284$000 réis, contados os soldos e gratificações da lei vigente a todos os empregados do quadro.

A segunda hypothese é da melhoria das gratificações que governo não propunha, e que a camara dos senhores deputados, adoptou.

Isto representa outro augmento de despeza de mais réis 1:824$000, fazendo do mesmo modo a conta ao vencimento de todas as categorias da classe.

As commissões entenderam que não deviam impugnar este beneficio de vencimento, porque com elle ficam os officiaes de fazenda equiparados aos officiaes combatentes da mesma graduação, com quem vivem a bordo em igualdade de trato e camaradagem; parecendo de rasão que se lhes não desse vencimento inferior, vista a importancia e responsabilidade, do seu officio a bordo, e a conveniencia de os reforçar com as condições de consideração que devem ter para bem desempenhar o seu cargo de fiscaes dos regulamentos da fazenda a que deve sujeitar-se a bordo toda a guarnição, desde o commandante até ao ultimo grumete.

E pois, como disso ha pouco, o total do augmento de despeza para a reorganisação urgente d’este valioso serviço a somma de 4:108$000 réis. Se esta verba tivesse de vir para encargo novo do thesouro, não deveriamos recuar diante d’ella, porque, como já tive a honra de dizer á camara, esta reforma é indispensavel, o o seu resultado economico poupará em cada anno muitas e muitas vezes aquella somma. Mas é que nem este encargo virá acrescentar a lista actual das despezas do thesouro. A dotação actual do ministerio da marinha, em relação á nossa pequena armada, é bastante larga para cubrir esta despeza, sem que o sr. ministro respectivo precise de vir propor no seu futuro orçamento o accrescentamento resultante d’esta lei. Affirmo-o, por experiencia, porque me recordo de sobras importantes que se iam liquidando em varios artigos do serviço de marinha na minha ultima gerencia d’este ministerio.

Estas são as rasões que levaram as commissões a recommendar a approvação d’este projecto á camara, que resolverá o que por melhor tiver na sua alta sabedoria.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, as explicações dadas pelo sr. relator da commissão satisfizeram-me completamente. Espero, porém, que o sr. ministro da marinha me diga se no seu ministerio tem dotação sufficiente para occorrer arestas despezas.

Eu ouvi o sr. relator com a maxima attenção, e as suas idéas calaram em me» espirito. Alem disso, sr. presidente, s. exa. mostrou que acompanhava o governo simplesmente pelo desejo de ver resolvida a questão de fazenda, posto que divirja da marcha que elle vae seguindo. S. exa. achava melhor que. se adiassem algumas despezas que têem sido propostas.

(Interrupção do sr. Mello Gouveia, que não se ouviu.)

70 *

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Parecia-me que s. exa. tinha mostrado desejos de que algumas despezas, mesmo as de fomento, não fossem apresentadas. E isto pelas rasões muito sensatas que apresentou, e com as quaes concordo.

Portanto, sr. presidente, tendo esto projecto por fim regular a organisação destes serviços, e declarando o sr. ministro da marinha que tem no seu ministerio dotação suficiente para satisfazer estes encargos, s. exa. presta homenagem aos bons principios, de que a par da despeza venha a receita.

Sr. presidente, aproveito a occasião para fazer algumas reflexões, que deviam ter sido feitas já com relação a outro projecto.

Eu desejava que o governo acabasse com este systema das gratificações, as quaes só se devem dar por serviços extraordinarios. O principio geral, que se deve estabelecer, é que sejam bem remunerados os serviços, dando-se ordenados equivalentes, porque não comprehendo que se estejam dando gratificações por aquillo que é serviço ordinario. Só os serviços extraordinarios, repito, é que devem ser gratificados.

Por consequencia, o governo procederia muito bem, se fizesse uma reforma, estabelecendo um principio geral n’este sentido.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto.

Vae votar-se a generalidade do projecto.

Posta á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: — Vamos passar á especialidade,

Leram-se na mesa e foram approvados sem discussão os artigos l.° 2.° e 5.°

Artigo 4.º

O sr. V az Preto: — Eu creio que o sr. ministro da marinha tinha pedido a palavra para me responder, e eu desejava ouvir as explicações de s. exa. sobre a pergunta que lhe dirigi.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa):— Sr. presidente, não tenho duvida alguma em responder ao digno par. Eu estou de accordo com a opinião apresentada pelo illustre relator da commissão, de que em nada será necessario augmentar a dotação para satisfazer a este en cargo. E não só estou de accordo com s. exa. n’este ponto, como tambem lhe agradeço o firme apoio que declarou continuar a prestar ao governo em todas as medidas tendentes a melhorar os negocios publicos.

Quanto ao outro ponto a que s. exa. se referiu, não me parece que haja vantagem no systema que s. exa. deseja que se adopte, por isso que as gratificações que se dão por este projecto são as que se dão emquanto dura a commissão, não ha vencimento definitivo, e a gratificação caduca com a commissão.

O sr. Presidente: — Está extincta a inscripção, vae-se votar o artigo 4.°

Consultada a camara foi approvado, como o foram os restantes artigos, sem que tivesse havido discussão.

O sr. Serpa (sobre a ordem): — Mando para a mesa uma representação de alguns fabricantes de papel, contra algumas disposições de um projecto que ha de brevemente ser aqui discutido; eu declaro desde já que não concordo com o que se diz n’esta representação, a minha opinião é contraria, no entanto não tive duvida de me encarregar de a apresentar a esta camara.

O parecer a que se refere a representação é ao n.° 117, e nelle propõe-se uma emenda ao projecto, eu lembrava a v. exa. a circumstancia de a mandar á commissão respectiva.

Leu-se na mesa e foi á commissão.

O sr. Visconde de S. Januario (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer sobre as transferencias de verbas de um capitulo para outro do ministerio da guerra.

O sr. J. J. de G astro (sobre a ordem):—Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra declarando de utilidade publica os terrenos necessarios para as escolas de tiro.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer n.° 104.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Parecer n.° 104

Senhores. — As vossas commissões de guerra e fazenda examinaram com a devida attenção o projecto de lei n.° 69, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por £m melhorar a situação dos officiaes inferiores do exercito.

É obvia a necessidade de obter e de conservar bons officiaes inferiores nas fileiras do exercito. Devem elles ser instruidos e dedicados, não só para estar ao alcance de satisfazer digna e proficientemente aos variados e importantes deveres da sua classe, no serviço dos corpos, mas tambem para que possam educar e formar a seu molde os soldados, dando-lhes nobres exemplos de brio, de honra e de disciplina militar.

E tal a influencia dos officiaes inferiores na formação militar do soldado, que póde afontamente affirmar-se que o corpo do exercito que tiver bons officiaes inferiores, terá forçosamente bons soldados. E tanto assim se reconhece, que é esta, na actualidade, uma das preoccupações na organisação da força armada em todas as nações.

A reducção do tempo de serviço activo, imposta pelas nossas modernas instituições militares, a rara promoção ao posto de alferes, e a falta de outras vantagens que attrahiam os officiaes inferiores, torna extremamente difficil, se não impossivel a acquisição e a demora de habeis militar es d’esta classe nas fileiras do exercito.

As praças graduadas, em geral, findo que seja o seu tempo de serviço, isto é, aquelle a que são obrigadas, vão procurar nas diversas profissões civis melhor remuneração.

É, pois, no intuito de levantar a classe de officiaes inferiores, como convem á disciplina e ao aperfeiçoamento do exercito, que este projecto de lei lhes consigna as seguintes vantagens:

l.ª Augmento de vencimentos nas readmissões no serviço;

2.ª Concessão de reformas com pensões;

3.ª Provimento em empregos civis e militares, que lhes serão exclusivamente destinados, segundo as suas habilitações.

Ao passo que taes vantagens constituem um estimulo para attrahir ás fileiras do exercito e para ali conservar officiaes inferiores competentes, são ao mesmo tempo um justo premio a quem dedica a sua juventude ao serviço da patria na nobre profissão das armas.

Pelo que fica exposto são as vossas commissões de guerra e fazenda de parecer que o projecto n.° 69 seja approvado e convertido em lei, com as seguintes modificações:

l.ª Art. 13.° Aos actuaes officiaes inferiores e musicos serão applicadas as disposições dos artigos 5.°, 6.° e 7.° relativas ás reformas;

2.ª Que a referencia do artigo 14.° aos artigos 2.° e 8.° (o que evidentemente é devido a equivoco na redacção) recaia sobre os artigos 2.° e 9.° do mesmo projecto.

Sala das commissões, 14 de maio de 1880. = Marquez de Fronteira = Fortunato José Barreiros = A. M. de fontes P. de Mello = José Mancos de Faria = Sarros e Sá = José Joaquim de Castro = A. X. Palmeirim = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Antonio Florencio de Sousa Pinto = D. Luiz da Camara Leme = Carlos Bento da Silva = Antonio de Serpa Pimentel = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Conde de Samodães = Conde de Castro = Visconde de S. Januario, relator.

Projecto de lei n.° 69

Artigo 1.° Os officiaes inferiores do exercito em activo serviço poderão ser readmittidos, em conformidade da lei

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do recrutamento, por periodos successivos de tres annos, a contar do termo do serviço effectivo a que cada um estiver obrigado pela natureza do seu alistamento.

§ unico. Estas readmissões poderão ser concedidas por menor praso, quando os officiaes inferiores estiverem a completar o limite da idade fixada no artigo seguinte.

Art. 2.° Os officiaes inferiores não poderão continuar no serviço effectivo do - exercito, depois de terem completado quarenta e cinco annos de idade.

Art.º3.° Aos officiaes inferiores, readmittidos no serviço na conformidade do antigo 1.°, serão abonadas as gratificações, constantes da tabella junta.

§ 1.° Terão direito ao abono e recebimento das gratificações de que trata este artigo, os officiaes inferiores em effectivo serviço, convalescentes, doentes nos hospitaes ou com licença da junta militar de saude.

§ 2.° O official inferior readmittido deixará de perceber a gratificação correspondente, quando estiver detido no quartel, preso correcciorialmente, preso para conselho de guerra ou cumprindo sentença.

§ 3.° As gratificações de readmissão, de que trata este artigo, não são extensivas aos officiaes inferiores das companhias da administração militar, cujos vencimentos continuarão a ser regulados pela legislação anterior.

Art. 4.° A praça graduada, que for promovida ao posto immediato, passará a vencer a gratificação correspondente ao novo posto, segundo o periodo de readmissão em que estiver.

Art. 5.° O official inferior que, pela inspecção de uma junta militar de saude, for julgado incapaz de continuar no serviço activo, quando se prove que a incapacidade foi adquirida no serviço e por effeito do mesmo, terá direito a ser reformado no posto que tiver e com o pret da effectividade.

§ unico. Alem d’este vencimento terá direito á gratificação de readmissão que percebia na effectividade, quando se prove que a incapacidade proveiu de ferimento ou desastre grave occorrido em combate, na manutenção da ordem publica ou no desempenho de outros deveres militares.

Art. 6.° Os officiaes inferiores que tenham quarenta e cinco annos de idade e vinte e quatro ou mais de bom e effectivo serviço, sendo pelo menos vinte nas fileiras, terão direito ás seguintes reformas:

1.° Os sargentos ajudantes e primeiros sargentos, que tenham pelo menos um anno de serviço n’este posto, no de alferes com o vencimento de 15$000 réis mensaes;

2.° Os segundos sargentos, n’este posto, com o vencimento diario e unico de 350 réis;

3.° Os furrieis, n’este posto, com o vencimento diario e unico de 250 réis.

§ 1.° Os sargentos ajudantes e primeiros sargentos, que não tenham um anno de serviço n’este posto, serão reformados no que tiverem com o vencimento diario e unico de 350 réis.

§ 2.° Para o effeito da reforma, é considerado serviço nas fileiras o prestado nos corpos e nas companhias especiaes, incluindo as da administração militar e de correcção.

§ 3.° Os officiaes inferiores, reformados na conformidade das disposições d’este artigo, poderão ser empregados em commissões de serviço sedentario.

§ 4.° Os preceitos d’este artigo são applicaveis aos officiaes inferiores das guardas municipaes.

Art. 7.° Os musicos militares terão direito ás pensões de reforma de que trata o artigo antecedente, e nas mesmas condições de idade e de serviço, uma vez que sejam julgados incapazes de todo o serviço por uma junta militar de saude.

§ 1.° Os musicos conservarão, depois de reformados, as suas denominações hierarchicas.

§ 2.° Para os effeitos da pensão de reforma os musicos

militares serão equiparados aos officiaes inferiores pelo modo seguinte:

Mestre de musica — sargento ajudante e primeiro sargento.

Contramestre e musicos de l.ª e 2.ª classe — segundo sargento.

Musico de 3.ª classe, tambor, corneta ou clarim-mór — furriel.

Art. 8.º Para o effeito das reformas de que tratam os artigos 5.° e 6.° será contado pelo dobro o tempo de serviço passado em campanha.

Art. 9.° Nenhum sargento ajudante ou primeiro sargento poderá ser promovido ao posto de alferes para as armas de cavallaria e infanteria, tendo mais de trinta e cinco annos de idade, e .sem que esteja habilitado com o curso da ciasse de sargentos das escolas regimentaes.

Art. 10.° Os officiaes inferiores que, estando nas fileiras, contarem nove ou mais annos de serviço effectivo, dos quaes pelo menos quatro n’esta classe, e não excederem a idade de trinta e cinco annos, terão direito a ser providos em empregos publicos, que lhes serão exclusivamente destinados.

§ 1.° Pelos differentes ministerios se publicará, no mez de junho de cada anno, uma relação dos empregos de que trata o presente artigo, designando-se o seu numero e qualidade, as habilitações exigidas aos candidatos e o ordenado correspondente.

§ 2.° Os officiaes inferiores que forem providos em algum emprego publico, por effeito das disposições d’esta lei, serão abatidos ao effectivo do exercito, qualquer que seja o tempo que lhes falte para terminarem o periodo por que ultimamente houvessem sido readmittidos.

§ 3.° Para a execução d’este artigo fará o governo os regulamentos necessarios.

Art. 11.° A reforma das praças de pret do exercito continuará a ser regulada pelo decreto com força de lei de 22 de outubro de 1868~ fora dos casos especificados na presente lei.

Art. 12.° Aos actuaes officiaes inferiores, e á principiar no proximo futuro anno economico, serão abonadas as gratificações de que trata o artigo 3.°, conforme o periodo de readmissão em que estiverem.

§ 1.° Aos officiaes inferiores, cujo alistamento tiver sido feito pela lei de 5 de dezembro de 1840, serão computados como successivas readmissões os periodos de tres annos de serviço effectivo, a contar do ultimo anno a que foram obrigados pela natureza do seu alistamento.

§ 2.º O primeiro periodo de readmissão para os officiaes inferiores, que foram alumnos do asylo dos filhos dos soldados, começará a contar-se depois de haverem completado tres ou cinco annos de serviço, segundo a data do seu alistamento tiver sido posterior ou anterior ao 1.° de janeiro de 1869.

§ 3.° Aos actuaes officiaes Inferiores, cujo alistamento tenha sido feito por dez annos, na conformidade da lei de 27 de julho de 1855, começará a contar-se o primeiro periodo de readmissão depois de haverem completado cinco annos de serviço effectivo.

Art. 13.° Aos actuaes officiaes inferiores serão applicadas ás disposições dos artigos 5.° e 6.° relativas ás reformas.

Art. 14.° Aos actuaes sargentos ajudantes e primeiros sargentos não são extensivas as disposições dos artigos 2.° e 8.° da presente lei.

Art. 15.° Fica revogado o artigo 17.° da carta de lei de 10 de abril de 1874, e bem assim toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 3 de maio de lS80. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d’Avila, deputado secretario = José Julio de Oliveira Baptista, deputado vice-secretario.

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Tabella das gratificações diarias a que se refere o artigo 3.° da presente lei

[Ver valores da tabela na imagem]

Postos Primeiro periodo de tres annos Segundo periodo Terceiro periodo Quarto e seguinte

Palacio das côrtes, em 3 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d’Avila, deputado secretario = José Julio de Oliveira Baptista, deputado vice-secretario.

Proposta de lei n.° 166-A

Senhores. — As modernas instituições militares, que têem por fundamento um reduzido tempo de serviço nas fileiras do exercito activo, tornam demasiadamente difficil o recrutamento nos quadros inferiores. Por outro lado, essas mesmas instituições exigem, mais do que outrora, officiaes inferiores instruidos e dedicados, para que possam ser os verdadeiros educadores dos soldados e o exemplo vivo da honra, do brio e da disciplina militar.

É, pois, necessario e urgente envidar os maiores esforços para attrahir e conservar nas fileiras os mancebos a quem a concorrencia das diversas profissões civis, melhor remuneradas, convida a sair do effectivo do exercito, concluido que seja o tempo de serviço a que são obrigados.

A falta de officiaes inferiores tem-se feito sentir em todos os exercitos da Europa, e as differentes nações procuram attender a este importante assumpto, augmentando os vencimentos das praças graduadas readmittidas no serviço, marcando-lhes um determinado numero de empregos civis e militares, em harmonia com as suas habilitações, e recompensando de futuro os importantes serviços d’esta classe, por meio de pensões de reforma que proporcionem aos individuos que a compõem uma modesta posição social, como devido premio a quem sacrifica pela patria os melhores annos da sua vida.

Inspirado n’estes principios geraes procurei applical-os ao nosso exercito, de modo que, melhorando consideravelmente a situação material dos officiaes inferiores, não trouxesse grandes encargos ao estado.

Se a difficil situação do thesouro não me impozesse o dever de ser cauteloso no augmento dos encargos publicos, não duvidaria em considerar n’esta proposta de lei os cabos e as praças equiparadas aos officiaes inferiores. Na impossibilidade de o fazer desde já, optei pelo mais urgente, aguardando a occasião opportuna para acudir a estas não menos attendiveis necessidades.

E, pois, no intuito de elevar a classe dos officiaes inferiores do exercito á altura que lhe compete nas instituições militares da actualidade, que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° Os officiaes inferiores em activo serviço poderão ser readmittidos em conformidade da lei do recrutamento, por periodos successivos de tres annos, a contar do termo do serviço effectivo a que cada um estiver obrigado pela natureza do seu alistamento.

§ unico. Estas readmissões poderão ser concedidas por menor praso, quando os officiaes inferiores estiverem a completar o limite da idade fixada no artigo seguinte.

Art. 2.° Os officiaes inferiores não poderão continuar no serviço effectivo do exercito depois de terem completado quarenta e cinco annos de idade.

Art. 3.° Aos officiaes inferiores readmittidos no serviço serão abonadas as gratificações constantes da tabella junta.

§ 1.° Terão direito ao abono e recebimento das gratificações, de que trata este artigo, os officiaes inferiores em effectivo serviço, convalescentes, doentes nos hospitaes ou com licença da junta militar de saude.

§ 2.° O official inferior readmittido deixará de perceber a gratificação correspondente, quando estiver detido no quartel, preso correccionalmente, preso para conselho de guerra ou cumprindo sentença.

§ 3.° O official inferior readmittido que desempenhar commissão de serviço militar remunerada com qualquer outra gratificação, só terá direito á maior.

Art. 4.° A praça graduada que for promovida ao posto immediato, passará a vencer a gratificação correspondente ao novo posto, segundo o periodo de readmissão em que estiver.

Art. 5.° O official inferior que, pela inspecção de uma junta militar de saude, for julgado incapaz de continuar no serviço activo, — quando se prove que a incapacidade foi adquirida no serviço e por effeito do mesmo —, terá direito a ser reformado no posto que tiver e com o pret da effectividade.

§ unico. Alem d’este vencimento terá direito á gratificação de readmissão que percebia na effectividade, quando se prove que a incapacidade proveiu de ferimento ou desastre grave occorrido em combate, na manutenção da ordem publica ou no desempenho de outros deveres militares.

Art. 6.° Os officiaes inferiores que tenham quarenta e cinco annos de idade e vinte e quatro, ou mais, de bom e effectivo serviço, sendo, pelo menos, vinte nas fileiras, terão direito ás seguintes reformas:

1.° Os sargentos ajudantes e primeiros sargentos que tenham, pelo menos, um anno de serviço n’este posto, no de alferes, com o vencimento de 15$000 réis mensaes;

2.° Os segundos sargentos, n’este posto, com o vencimento diario e unico de 350 réis;

3.° Os furrieis, n’este posto, com o vencimento diario e unico de 250 réis.

§ 1.° Para os effeitos da reforma de que trata este artigo, contar-se-ha pelo dobro o tempo passado em campanha.

§ 2.º Os officiaes inferiores reformados na conformidade das disposições d’este artigo, poderão ser empregados em commissões de serviço sedentario.

Art. 7.° Nenhum sargento ajudante e primeiro sargento das armas de cavallaria e infanteria poderá ser promovido ao posto de alferes depois de ter completado trinta e cinco annos de idade.

Art. 8.° Os officiaes inferiores que, estando nas fileiras, contarem nove ou mais annos de serviço effectivo, dos quaes pelo menos quatro n’esta classe, e não excederem a idade de trinta e cinco annos, terão direito a ser providos em empregos publicos, que lhes serão exclusivamente destinados.

§ 1.° Pelos differentes ministerios se publicará, no mez de junho de cada anno, uma relação dos empregos de que trata o presente artigo, designando-se o seu numero

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e qualidade, as habilitações exigidas aos candidatos e o ordenado correspondente.

§ 2.° Os officiaes inferiores que forem providos em algum emprego publico, por effeito das disposições d’esta lei, serão abatidos ao effectivo do exercito, qualquer que seja o tempo que lhes falte para terminarem o periodo por que ultimamente houvessem sido readmittidos.

§ 3.° Para a execução d’este artigo fará o governo os regulamentos necessarios.

Art. 9.° As reformas das praças de pret do exercito continuarão a ser reguladas pelo decreto com força de lei de 22 de outubro de 1868, fora dos casos especificados na presente lei.

Art. 10.° Aos actuaes officiaes inferiores, e a principiar no proximo futuro anno economico, serão abonadas as gratificações de que trata o artigo 3.°, conforme o periodo de readmissão em que estiverem.

§ unico. O primeiro periodo de readmissão para os officiaes inferiores que foram alumnos do asylo dos filhos dos soldados, começará a contar-se depois de haverem completado tres ou cinco annos de serviço, segundo a data do seu alistamento tiver sido posterior ou anterior a 1 de janeiro de 1869.

Art. 11.° Aos actuaes officiaes inferiores serão applicadas as disposições dos artigos 5.° e 6.° relativas ás reformas.

Art. 12.° Aos actuaes sargentos ajudantes e primeiros sargentos é garantido o accesso apposto de alferes, quando reunam todas as condições exigidas por lei, embora, na occasião de lhes pertencer a promoção ao dito posto tenham mais de trinta e cinco annos de idade.

Art. 13.° Fica revogado o artigo 17.° da carta de lei de 10 de abril de 1874, e bem assim toda a legislação em. contrario.

Secretaria d’estado dos negocios da guerra, em 7 de abril de 1880. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Tabella das gratificações diarias a pé se refere o artigo 3.° da presente lei
[Ver valores da tabela na imagem]

Postos Primeiro periodo de tres annos Segundo periodo Terceiro

Secretaria d’estado dos negocios da guerra, em 7 de abril de 1880.= João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Pertence ao n.° 175

Artigo 7.° Os musicos militares terão direito ás pensões de reforma de que trata o artigo antecedente e nas mesmas condições de idade e de serviço, uma vez que sejam julgados incapazes de todo o serviço por uma junta militar de saude.

§ 1.° Os musicos conservarão, depois de reformados, as suas denominações hierarchicas.

§ 2.° Para os effeitos da pensão de reforma os musicos militares serão equiparados aos officiaes inferiores pelo modo seguinte:

Mestre de musica — sargento ajudante e primeiro sargento.

Contramestre e musicos de l.ª e 2.ª classe — segundo sargento.

Musico de 3.ª classe, tambor, corneta ou clarim mór — furriel.

Joaquim José Pimenta Tello, deputado pelo circulo n. 122.,

(Pausa.),

Não havendo quem pedisse a palavra, foi approvado sem discussão, tanto na generalidade, como na especialidade.

O sr. Presidente: —Passamos ao parecer n.° 108.

Leu-se na mesa, e é o seguinte:

Parecer n.° 108

Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 107 vindo da camara dos senhores deputados, creando um novo imposto geral sobre o rendimento.

Procedeu a commissão a um minucioso exame sobre esta proposta, de iniciativa do governo, e estudou-a sob os differentes aspectos, que ella naturalmente offerece, já pelo da necessidade de aggravar os impostos, já pela- exclusão de outros meios, menos rigorosos, de tributar, já pela economia da medida, a sua productividade, e a forma de tornal-a realisavel, com o menor vexame para o contribuinte e menor desfalque na sua arrecadação.

São muitos os. elementos que a commissão teve á mão para o seu trabalho: o longo e substancioso relatorio do ministerio da fazenda, que precede esta e outras propostas de lei; o relatorio da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, que justifica as novas disposições; os relatorios e as leis de receita e despeza do estado; a elevada e judiciosa discussão, que teve logar na outra camara, antecedente á adopção da proposta; as diversas representações, que sobre este assumpto foram endereçadas ás côrtes; os precedentes no nosso paiz, e os dos paizes estrangeiros.

Em questão tão vasta, difficil e complexa a vossa commissão- não quiz poupar-se á fadiga de tudo ler, examinar e meditar afim de submetter á vossa apreciação um parecer consciencioso.

Na ordem d’este trabalho é evidente que a primeira circumstancia para examinar era a urgencia de lançar sobre o paiz um novo imposto, de que até agora elle se achava livre, tomando sobre nós essa gravissima e desagradavel responsabilidade.

Esta questão afigurou-se á commissão como resolvida em presença da exposição que resulta do orçamento geral do estado. A comparação entre a receita e a despeza faz resultar um desequilibrio que necessariamente inspira serios cuidados; Temos calculada a receita em 28.989:340$027 réis, mas 2.438:000$000 hão de resultar forçosamente de recursos, que o credito ha de fornecer; a despeza foi orçada em 33.820:070$714 réis, em que tomam parte igualmente os 2.438:000$000 réis supra referidos; é evidente que o deficit calculado será de 4.830:830$687 réis, ou, em numeros redondos, 5.000:000$000 réis.

Faliam por si estas cifras, é embora estejam já approvadas medidas tributarias que attenuarão esta importancia, é certo que, por mais favoraveis que venham a ser as circumstancias da cobrança, ficará ainda a descoberto somma importante, que para o governo e para o corpo legislativo não póde ser olhada indiferentemente.

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Estamos habituados a gerir a causa publica com um deficit permanente, persistente e vivaz, que não tom sido possivel supplantar, já nos orçamentos, já nos exercicios, e se alguma vez se esperou dominal-o nos calculos orçamentaes, nunca o exercicio deixou de dissipar as: illusões,

Ora maior, ora menor, ora engrossando outra vez, o deficit figura sempre proeminentemente na nossa historia financeira, e desde que deixamos de abafal-o com os saltos e outras operações de duvidoso exito e proficuidade, tem elle a final a sua manifestação permanente no grande livro da divida publica, passando embora primeiro pelo estado mais apparatoso da divida fluctuante.

Estas differentes epochas da aturada existencia do déficit podem ter explicação e justificação nas circumstancias imperiosas de dotar e paiz com melhoramentos na sua viação ordinaria e accelerada, no seu progresso moral, na administração publica, no seu armamento como potencia militar e naval; todavia, o facto não deixa de subsistir por mais vigorosa e concludente que seja a justificação d’elle.

O que d’aqui resultara foi que, deduzindo das receitas calculadas do thesouro os encargos da sua divida publica e das classes inactivas, que já não concorrem para os serviços, não chegamos a ter disponivel a cifra de réis 10.000:000$000 para as despezas dos differentes ministrios em que se acha dividida a administração publica.

Não é possivel, pois; concebermos esperança de que esta situação, pouco lisongeira, experimente melhoramento apreciavel, tendo só em conta a elastecidade dos impostos creados, e a provavel proficuidade dos mesmos.

Sempre que o deficit assume as proporções que elle tem actualmente em Portugal, governos e parlamentos devem com profundo cuidado procurar cortar-lhe os voos, porque a successão de similhante desequilibrio, em alguns annos, com os juros compostos que resultam da sua capitalização, não tardaria a conduzir o paiz á insolvencia.

Circumstancias bom menos graves eram as da Inglaterra em 1842 quando Sir Robert Peal propoz a restauração do income tax. Era então o deficit d’aquella nação de, £ 2.500:000, sendo o orçamento da receita de £48.350.000 e o da despeza de £ 50 800:000. O deficit que actualmente nos onera equivale proximamente a 1/3 da receita, e aquelle deficit, que se dava então em Inglaterra representava menos de l/24 das mesmas receitas. Sem embargo d’isto aquelle illustre estadista assustou-se e propoz o imposto de Tenda sobre cinco classes de manifestação da riqueza, e a despeito da opposição energica e illustrada de Lord John Russel na camara dos communs e do Lord Brougham na dos pares logrou fazer passar a medida, e diga se tambem que ella vingara com enorme sacrificio e repugnancia da parte dos membros de uma e outra camara, que concorreram com o seu voto.

Em presença do ama situação financeira tão grave como aquella que os corpos legislativos conhecem de sobra, que o paiz aprecia devidamente, porque a publicidade illimitada, de que fazemos uso, não lhe permitte ignorar os factos
capitães da sua administração publica, a vossa commissão, reconhece como indispensavel e indeclinavel o recurso immediato ao imposto, não julgando sufficientes as medidas
até aqui votadas, e rejeitando qualquer adiamento, que
tenha por fim espaçar para outro anno uma medida, que remedeie por algum modo este estado do cousas, mil vezes mais prejudicial do que o augmento de impostos creados, ou da innovação do algum outro.

repisa alem d’isto a commissão, que, embora não possamos de salto restabelecer o equilibrio orçamental por meio de medidas tributarias, é todavia necessario que estas sejam de tal ordem, que o seu producto ascenda a somma respeitavel, que realise corte importante na cifra que represente o desequilibrio conhecido.

Dolorosa será a ferida, não é possivo, desconhecer-se, mas quanto mais retardarmos o momento do causal a, mais grave ella se tornará, quando se tome essa resolução.

Chegando a esta conclusão examinou a commissão a questão se a proposta, apresentada pelo governo e pela outra camara adoptada, poderia sor substituida por expedientes menos gravosos.

II

Esta questão não é monos seria do que a antecedente, porque não é indifferente o modo de exigir sacrificios ao paiz, e, por sem duvida, indicando-se expedientes, igualmente produtivos, e mais acceitaveis, seria impossivel optar por aquelles que fossem contrariados por mais fortes resistencias e erguessem contra si a opinião publica.

Calculou o governo e concorda com elle a vossa commissão, que, alem dão novas receitas já creadas, era ainda indispensavel adoptar alguma medida, pela qual concorressem para o thesouro fundos na importancia aproximada de 1.000:000$000 réis.

Esta cifra, não pequena, ou havia de resultar de aggravamento nos impostos indirectos ou nos directos, ou incidindo sobre ambos conjunctamente.

O imposto do real do agua tem sido successivamente aggravado, desde a sua creação, e no momento actual, quando elle se acha em execução plena por virtude das disposições do regulamento de 29 de dezembro de 1879, evidentemente não podia servir do base para o augmento de rendimento, e o mesmo succedia ao imposto sobre os tabacos, fortemente affectados pela carta de lei de 31 de março de 1879. Os direitos aduaneiros não produzem na proporção das taxas, mas, ao contrario, são muitas vezes enfraquecidos pelo aggravamento, com que se julga augmental-os.

Não raras vezes uma reforma sensata nas pautas, já diminuindo as taxas, já isentando varios artigos, produz um augmento de receita.

Em 1860 era ministro na Gran-Bretanha o mesmo, que actualmente o é igualmente, o notavel chefe do partido liberal, mr. Gladstone; na reforma da pauta que então fez, eliminou a maior parte dos artigos, que n’ella figuravam,, dando motivo a enormes difficuldades no serviço fiscal.

Eram 1:057 os artigos passiveis, e o illustre financeiro reduziu-os a 48. Esta medida teve violenta opposição na camara dos lords, e o governo teve de ceder quanto aos direitos do papel, mas vingou a reforma em todo o rosto. O resultado foi esplendido, porque dois annos depois as receitas haviam augmentado apesar do abaixamento das tarifas.

Não seria possivel, nem toleravel, aggravar a esmo os artigos da pauta para delles auferir resultado, que podesse concorrer para attenuar o deficit existente entre as nossas receitas e as despezas indeclinaveis, que o thesouro tem de cobrir todos os annos.

O imposto de sêllo, larga e successivamente explorado por todos os ministerios, foi, ainda este anno, um dos recursos de que o sr. ministro da fazenda lançou mão para organisar as suas propostas fazendarias.

Não ha nem póde haver predilecção entre os impostos directos e indirectos, nem no nosso paiz ha escolas definidas sobre esta questão.

O mesmo estadista, acima citado, disse uma vez que os ministros da fazenda não podiam ter maior affecto por uns do que pelos outros, que ambos equivaliam a duas damas ricamente dotadas que figuravam na sociedade; mas desce que nos viamos privados do concurso dos tributos indirectos, restava-nos o expediente habitual dos impostos directos.

Não era a primeira vez que lançavamos mão d’este meio, que parecia o mais simples, o menos embaraços para fiscalisação, o mais conforme com os nossos habitos. Pondo de lado a contribuição de registro por titulo oneroso e gratuito, que está já em taxa tão elevada, que todas as conveniencias economicas e fiscaes aconselham a abaixar, temos as contribuições predial, de renda de casas o sumptuaria

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e a industrial, que produzem 5.624:448$000 réis, sobre as quaes lançando 20 por cento addicionaes, poderiamos crear 1.000:000$000 réis de receita.

Este meio tinha os mais serios inconvenientes. Todos estes impostos estão visivelmente mal lançados, desigual e inconvenientemente repartidos, e de tal arte organisados, que não dariam base para novo addicional. Muito sabiam a este respeito todos os homens que, por necessidade ou curiosidade, se occupam dos nossos negocios publicos, mas ninguem sabia tanto como lhe fôra ha pouco revelado pelo importantissimo annurio estatistico da direcção geral das contribuições directas, distribuido apenas ha dias pelos membros dos corpos colegislativos.

Mostra-se n’esse livro o estado deploravel em que se acham as matrizes prediaes, as sonegações que ha na contribuição sumptuaria, e a escandalosa classificação das contribuições industriaes.

Basta o exame d’esse livro para chegarmos á conclusão de que todo o recurso a novo addicioual, sobre estes impostos, seria uma injustiça, um vexame, uma extorsão, e tanto maiores seriam estes males, quanto devemos lembrar-nos que todos esses impostos se acham aggravados com a maior desigualdade com os addicionaes, que as corporações administrativas lançam para satisfazer as suas despesas obrigatorias, as de utilidade e por vezes as de capricho.

Mais e mais. A carta constitucional da monarchia estabelece o principio de que todos os cidadãos devem concorrer para as despezas do estado na proporção dos seus haveres; ora, ha muitas manifestações da riqueza que tem até agora permanecido ao abrigo das exigencias do fisco; seria justo ir aggravar as já tributadas, continuando o privilegio para estas? Parece-nos que, no momento em que é indispensavel o concurso de todos os cidadãos para prestarem o seu auxilio ás urgencias do estado, seria flagrante injustiça sustentar privilegios, feriveis em presença da força das circumstancias.

Mas para podermos ampliar, o imposto a estas manifestações, até aqui beneficiadas, indispensavel era crear uma formula tributaria que as comprehendesse.

Já nas propostas de 18 de maio de 1869 se comprehendia uma que se denominava contribuição de renda. Transformou-se ella na contribuição bancaria, e a sua incidencia não era tão larga, como agora se propõe, porque ainda então não estava exhaurido, como hoje, o expediente dos addicionaes; mas já n’essa epocha se procurou envolver, por fatal necessidade, no apanhamento dos factos, passiveis de imposição, os rendimentos, resultantes de capitães, que eram excluidos da acção fiscal.

A nova proposta, que estamos analysando, não faz mais do que synthetisar aquellas e outras disposições em vigor n’esse tempo, modifical-as e ampliai-as para as manifestações, que ainda ficaram ao abrigo da acção fiscal, que se tem visto compellida a alargar-se para todos os factos, que denotam a riqueza, de modo que toda ella contribua para as vantagens sociaes, que ninguem excluem.

Em resumo, e como resposta á segunda questão, que a vossa commissão formulou a si mesma, pensa ella que é indeclinavel a necessidade de crear nova fonte de receita, organisando-se um imposto, não existente até agora, e cuja incidencia seja larguissima, e pela fórma de tributo directo.

Será, todavia, opportuna a occasião para sobrecarregar o paiz com mais esta imposição, ou, sem embargo da gravidade das circumstancias do thesouro, conviria espaçar por mais um anno este sacrificio, recorrendo no entrementes ao credito em maior escala, do que em todos os casos ha de ser forçoso?

III

Já vimos na analyse da primeira questão que todo o adiamento na resolução d’este assumpto é altamente prejudicial. O deficit crescerá infallivelmente quando mais não seja do que com o juro composto da sua capitalisação.

Podiam, porém, occorrer circumstancias taes nas condições economicas do paiz, que aconselhassem o adiamento., por serem maiores os inconvenientes d’estas do que o encargo do juro do déficit calculado e presumivel do anno que se vae seguir.

Não desconhece a vossa commissão que a industria, o commercio e a agricultura do paiz não se acham prósperos. Com effeito denota-se na industria sensivel apathia, na commercio grande estagnação e na agricultura deficiencia nas colheitas e crise mais ou menos patente.

Nem admira que qualquer perturbação que se evidenceie em algum d’estes elementos de riqueza, se reflicta immediatamente sobre os outros, porque não são independentes, e coexistem em perfeita reciprocidade. Não é, todavia, só em Portugal que se patenteam os effeitos de uma perturbação na industria, no commercio e na agricultura. Queixas similhantes encontrámos formuladas nos relatorios da França, da Inglaterra e outras nações.

Entre nós, alem das causas physicas e inevitaveis que tem influido no mau estado da agricultura, como elemento principal da nossa riqueza, avulta o diminuto progresso que ella tem feito em proporção com o desenvolvimento material que a acção do governo tem imprimido ao paiz. pela construcção das linhas ferreas e das estradas ordinarias. Não é da cultura extensiva que devemos tratar em uni. paiz, cuja população é relativamente densa, é com especialidade a cultura intensiva, que nos cumpro promover, porque não nos achamos em presença de um terreno virgem, que, como o da America, se acha em todo o seu vigor de energia productiva.

Nos ultimos vinte annos muito tem trabalhado o governo e es corpos colegislativos para, dotar o paiz com os meios de facilitar o transporte e a troca dos productos naturaes da terra; não se tem curado com o mesmo interesse de diffundir a sciencia agricola.

Ha continuas queixas de que escasseiam os braços, e que esta falta provem da emigração. Não nos parece que esta causa explique o phenomeno.

Cremos que a população agricola do paiz não é hoje inferior ao que fora antes de começarem estas accusações. A população gerai do paiz tem augmentado, como o demonstram as duas ultimas estatisticas do recenseamento. E, sendo assim, como realmente, a emigração não tem influido no incremento da população. A agricultura exige hoje maior numero de braços do que reclamava outrora. A cultura é mais extensa e ao mesmo tempo mais intensa. Dififerentes molestias vegetaes affectam desfavoravelmente as producções agricolas, e para luctar com ellas são necessarios esforços, que se saldam á custa do braço do homem.

Alem d’isto as obras publicas distrahem grande numero de operarios, que faltam á agricultura, e tambem pelo alargamento das industrias muitos trabalhadores agricolas tomam a direcção dos grandes centros, onde ellas se desenvolvem e prosperam. Não fallando do maior numero de homens validos, que emprega o serviço publico do estado e dos corpos admnistrativos, todos estes phenomenos explicam a falta apparente de cooperadores para a agricultura.

Mas d’este conjuncto resulta um facto, que ninguem contesta, é a alta, dos salarios, a qual se por um lado encarece os productos agricolas, pelo outro produz o bem estar nas classes operarias, que se manifesta na sua melhor alimentação, no seu vestuario, na sua habitação, nos seus cominados, de que todos aproveitam e que se tornam patentes ás vistas menos investigadoras.

Sem embargo de tudo isto, é manifesto que a agricultura não tem acompanhado proporcionalmente a transformação economica do paiz, e apesar do governo se ter occupado d’este assumpto e de haver concorrido com algumas me-

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didas para a diffusão dos conhecimentos agricolas, é certo que ainda resta muito para fazer.

Para luctar com a intemperie das estações, com as epiphitias, com outros obstaculos, que vem contrariar o agricultor, é indispensavel sciencia, e esta não appareço por inspiração. E necessario que todos os agricultores saibam o modo de aproveitar os adubos e possam julgar da sua utilidade relativa, estudem o regimen das aguas, e utilisem os modernos inventos nas machinas agricolas. Não bastam os braços para esta industria, é necessario o capital, que facilita e amplia a exploração e o saber, pelo qual te faz uso de todos estes elementos da producção.

Melhorando a agricultura, aproveitando-se para as differentes culturas os terrenos adequados, destinando á arborisação e aos pastos os outros, que não reunam as condições precisas para a producção dos cercãos, da vinha, da oliveira, a massa dos generos alimenticios crescerá, e a seu turno prosperará a industria, e o commercio que se alimenta de uma e outra, tomará maior incremento, tornando-se florescente.

É alargando a area da materia collectavel, que o imposto virá a ser mais productivo, e equitativamente distribuido, sendo menos pesado para os contribuintes.

Em presença d’esta exposição rapida dos factos ceraes e economicos do paiz, podemos concluir o seguinte: 1.° que a população do paiz tem augmentado; 2.° que os salarios tem crescido; 3.° que a agricultura só tem ampliado, embora menos do que seria para desejar, e se devia esmerar; 4.° que os melhoramentos espalhados com mão larga, sobre tecla a superficie do paiz, tem dado incremento u riqueza publica. É, sendo isto assim, não pareço haver rasão sufficiente para adiar o passo que se procura dar na solução da questão financeira, sobrecarregando o futuro cem novos onus, resultantes da capitalisação dos deficits successivos, que os exercicios persistentemente assignalam.

Forçoso é todavia proceder cautelosamente no agravamento do imposto, a fim de evitar uma crise economica, que seria mais prejudicial do que a financeira; mas cumpre não recuar ante exagerações, descriptas adrede, para entorpecer a marcha governativa e embaraçar a solução de uma questão gravissima, que importa ao presente e futuro do paiz, á sua prosperidade, aos seus brios e á sua honra.

Poderá, porém, a questão ser resolvida apenas peia economia nas despezas publicas, e pela esperança de que os rendimentos estabelecidos produzam aquillo que se vae crear por meio da nova imposição?

IV

A economia é parte integrante de todos os programmas governativos, e nenhum governo deve perdel-a de vista, porque a missão, que têem os poderes publicos, é para administrar com zelo e dedicação os dinheiros da nação; todavia é tal a distancia que nos separa do equilibrio orçamental, é tão avultada a cifra dos rendimentos, destinada para o pagamento dos juros da divida e das amortisações legaes, é ainda tão volumosa a divida fluctuante, que não podemos illudir-nos, imaginando que tudo se ha de resolver por meio das economias, ou côrtes nas despezas do estado. Não são ellas factor de pequena importancia na resolução do problema fazendario, o governo o reconhece, e forceja por verificar economias na organisação dos serviços, e a vossa commissão em união com o pensamento da analoga da outra camara recommenda, insta e reclama, que se não recue n’este justo proposito, mas é forçoso que o paiz se convença que no estado actual das cousas a reducção das despezas não é sufficiente para equilibrar o orçamento.

Os impostos creados podem produzir mais e hão de vir a dar este resultado, mas os directos carecem de ter base mais perfeita para a consecução d’este fim, e essa base não se consegue de prompto com o decretamento de quaesquer medidas e os melhores desejos da administração; os do sêllo e registro têem tomado proporções, que difficilmente poderão exceder-se, sem darem causa a phenomenos oppostos aos que se desejam, e os indirectos demandara exame consciencioso e attenção a serias e graves considerações economicas, que não promettem augmento immediato, que satisfaça ás exigencias imperiosas das despezas publicas.

Nem um paiz bem administrado, que se preza de ser pontual na satisfação dos seus encargos e compromissos, póde confiar cegamente n’estes meios, eximindo-se á imposição de quaesquer sacrificios.

Na paz octaviana, que estamos disfructando ha tantos annos, por mercê de Deus, não póde desculpar-se a falta de organisação na nossa fazenda, porque, se algum dia formos provocados pelas calamidades da guerra, como o fôra a geração, que nos precedera, teremos de recorrer aos emprestimos, que nos habilitem para sustentarmos a nossa independencia, a liberdade e a honra, que é timbre da nação portugueza.

Assentes estes principios 011 estabelecidos estes factos incontroversos, resta-nos examinar se convirá fazer a innovação, que se torna indeclinavel no nosso systema financeiro, decretando o imposto de rendimento nos termos, em que o apresenta a proposta, que estamos examinando.

V

O imposto de rendimento seria o ideal de uma boa organisação financeira se porventura fosse possivel calcular com rigorosa ou pelo menos approximativa exactidão o rendimento de cada um dos cidadãos; então seria elle o imposto unico, e as rodagens fiscaes simplificar-se-íam consideravelmente. Em parte nenhuma ainda se conseguiu esta aspiração, e não ha muito que lord Beaconsfield dizia que nenhum imposto devia ser excessivo, que era lennna fixo de toda a administração financeira, e que a par com o income tax deviam existir os outros impostos directos e indirectos.

Todavia a creação de um imposto movei, destinado a supprir a deficiencia dos outros, e fiador das reformas tributarias, que se emprehendam, parece ser a chave de todo o systema financeiro, a cupula da abobada, a solução plena de todo o problema.

Os tributos indirectos têem uma producção variavel, mas calculavel com antecipação em presença dos factos, proximamente verificados; os directos podem aperfeiçoar-se, mas em geral de anno para anno não dão resultados muito discrepantes; é o imposto de renda, que pela sua mobilidade póde saldar os orçamentos e abrir as portas para reformas arrojadas, quando assentes nos bons principios economicos e administrativos.

Na Inglaterra, que é o paiz onde este recurso poderoso tem sido empregado ha mais tempo, e onde ha mais farta experiencia d’elle, sem embargo do lapso de tempo, em que se renunciou ao mesmo, a taxa varia consoante as necessidades publicas, caracterisadas já pelas guerras, que o paiz sustenta para seu proveito ou defeza do seu nome, já pelas circumstancias geraes, que actuam na politica das outras nações, já pelas reformas fiscaes, emquanto estas não vem compensar os desfalques, que de perto as acompanham. Variavel desde uma pequena fracção, deduzida aos rendimentos individuaes, até uma percentagem já assas sensivel, o thesouro d’aquella grande nação tem no imposto de rendimento a forte alavanca das suas finanças.

O nobre ministro da fazenda concebeu este pensamento, a camara electiva adoptou-o, e a vossa commissão acceita-o e applaude-o, embora lhe fosse muito mais agradavel rejeital-o por ter adquerido a convicção do que não era necessario.

Para se verificar a incidencia d’este imposto é mister organisar a matriz do rendimento passivel, e comprehender

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n’elle todas as manifestações da riqueza publica, não exceptuando uma só, porque todos os cidadãos são obrigados a concorrer para as despezas e encargos da sociedade, de que fazem parte.

Quanto mais larga for essa matriz, tanto mais productivo será o imposto, tanto mais modica a sua taxa, tanto maior concurso prestará para medidas economicas ulteriores, que conpensarão o sacrificio que se fizer.

Sem embargo, a natureza d’este imposto exige que se estabeleça um minimo de rendimento, que fique isento de imposição. Em Inglaterra tem este minimo sido variavel, consoante se precisa alargar mais a incidencia do imposto ou restringi a para necessidades menos graves. Esse minimo não póde ser o mesmo, que se acha estabelecido n’aquelle paiz, attenta a desparidade, que existe entre as. fortunas individuaes entre nós e as que se dão em Inglaterra. Assim á medida que o minimo n’aquella nação foi de £ 150 descendo por vezes a £ 100 e a £ 60, a proposta em discussão fixa-o em 150$000 réis, como somma indispensavel para a sustentação individual, já subjeita aos impostos geraes, que não admittem excepções.

O projecto estabelece cinco classes de rendimentos, sujeitas ao imposto; estão classifiadas no artigo 2.° e são designadas pelos letras A, B, C, D, E. N’estas classes vão entrar rendimentos, que até hoje se achavam ao abrigo da acção fiscal.

Na classe A, denominada applicação de capitães, havia somma avultada de rendimentos, que não eram tributados, e o mesmo acontece á classe B, que se inscreve — do exercicio de algum emprego.

A classe E, rendimentos de qualquer proveniencia, quando não produzidos, mas disfructados no continente do reino e nas ilhas adjacentes, é na sua totalidade nova e isenta até este momento de quaesquer impostos.

Podo allegar-se talvez que este novo tributo é um addicional, e, como já provámos que este methodo era hoje inacceitavel, parecerá haver contradicção. Quanto ás classes acima referidas, até aqui privilegiadas, não existe similhante addicional, e quanto ás outras, que são a classe G, propriedade immobiliaria, e a classe D, commercio e industria, ainda poderia dizer-se que se cria um addicional, mas, quando se admittisse esta interpretação, em todo o caso esse addicional não incidiria arbitraria e fatalmente sobre o rendimento illiquido, mas sim precisamente sobre e rendimento, expurgado dos seus encargos, que o debilitam.

Mais e mais. Procurou-se tornar menos pesado esse addicional, visto que não póde deixar de analyticamente se classificar assim, e destarte os rendimentos da classe A, já anteriormente tributados e os das classes B, C e D são onerados com 2 por cento, e todos os da classe A isentos. de outras contribuições, e os da classe E soffrerão a taxa de 3 por cento.

Pareceria que por este systema os rendimentos da classe B, não tributados por outra maneira, deveriam ser onerados com a taxa maxima, mas a camara dos senhores deputados attendeu ás circumstancias difficeis dos funccionarios publicos, ás obrigações que, lhes cumpre desempenhar, e á nenhuma compensação que podem ter, na alta de preços, resultante dos mesmos impostos.

Por isso e em favor d’elles, ficaram sujeitos á taxa minima do 2 por cento, e se estabeleceram as clausulas do artigo 5.°.

Para os rendimentos da propriedade immobiliaria estabeleceu-se um minimo mais baixo (50$000 reis), e este só no caso do proprietario residir no concelho, onde tiver esse rendimento, e para esta excepção, attendeu-se a que o imposto não vae ferir a renda total do contribuinte, mas sim as diversas parcellas, de que ella se forma, e assim podia elle ter a sua propriedade disseminada em diversos concelhos, e auferir muito mais do que o minimum, escapando-se d’este modo ao tributo, e igualmente se considerou que se o contribuinte não reside no local, onde tem um pequeno rendimento, é porque na outra parte, onde habita, emprega a sua actividade de alguma maneira, d’onde lhe advem mais farta remuneração.

Eis-aqui o quadro geral do imposto, que se vae crear, e que parece á commissão acceitavel no seu conjuncto, mantendo-se o pensamento primordial da proposta, governamental, melhorando-se comtudo por modo muito sensivel, tornando-se mais facil na execução, e mantendo-se o principio salutar de evitar o imposto progressivo, cujas ultimas consequencias não são para desejar, embora na proposta do governo elle não viesse sanccionado.

A taxa é de uma modicidade extrema e ninguem padecerá sensivel vente nos seus interesses por causa d’este pequeno sacrificio, que se lhe impõe para concorrer para as urgencias do thesouro.

Os rendimentos não tributados ficam ainda com inexcedivel vantagem sobre os outros, já sujeitos á acção fiscal, e estes mesmos serão mais beneficiados do que, se prescindissimos d’esta nova lei tributaria, e os fossemos sobrecarregar com um addicional fixo; invariavel e fatal de 20 por cento. Contem, alem disto a proposta uma disposição salutar, o artigo 27.°, pelo qual fica prohibido expressamente o lançamento de addicionaes sobre esta contribuição, por parte das corporações administrativas, e outra tambem justissima se acha inserta, que é a isenção em favor dos estabelecimentos de caridade e beneficiencia, isto é, o patrimonio dos pobres, que todos devem respeitar, quando as circumstancias não são tão difficeis, que nem essa sympathica exclusão é permittida.

A proposta estabelece o pagamento do imposto para os rendimentos pertencentes ás classes A e B, e para a classe C que o proprietario haja de satisfazer por meio de desconto.

Este methodo é simples e não traz comsigo novas despezas de lançamento e fiscalisação. Não succedo o mesmo aos restantes das classes C, D e E, porque, devendo. o pagamento ser directo, mister foi estatuir o modo como devia fazer-se o lançamento e organisar as repartições que deviam superintender na matriz, no lançamento e nus reclamações. O modo de constituir este machinismo forma o restante do projecto de lei, fixando-se de antemão o maximum das despezas que se hajam de fazer até á arrecadação do imposto nas caixas do thesouro. (Artigo 28.°)

Em presença do que fica exposto, parece á commissão que a proposta deve ser approvada, e que attentas as condições graves que determinaram a sua adopção, póde esta medida vir a ser no futuro o instrumento da nossa reorganisação financeira e de profundas reformas em todo o systema tributario, que não podia tentar-se sem ter na mão um recurso seguro para obviar ás incertezas das medidas melhor imaginadas e mais conscienciosamente elaboradas.

Espera, todavia, a commissão que a medida grave, que ella se vê compellida a acceitar e defender, seja admoestação efficaz ao governo e ao paiz, áquelle para que evite toda e qualquer creação de despeza, sem acompanhal-a immediatamente da proposta da receita, que ha de fazer-lhe frente, e a este para que seja paciente, não exija melhoramentos incessantes e despendiosos, sem que se presto simultaneamente a facultar os meios para a sua realisação, sendo sempre tardias e intempestivas as reclamações contra o augmento do impostos, quando se acha creada, por factos anteriores, a impreterivel e fatal necessidade de lançal-os.

Sala da commissão, 21 de maio de 1880.= Thomás de Carvalho = Mello Gouveia = Barros e Sá = Conde de Castro = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = J. J. de Mendonça Côrtez = Joaquim Gonçalves Mamede (com declaração) = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Antonio de Serpa Pimentel (vencido em parte.) = Conde de Samodães, relator.

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Projecto de lei n.° 107

Artigo 1.° E creada uma contribuição geral sobre rendimento, á qual ficam sujeitos, nos termos da presente lei, todos os rendimentos produzidos ou desfructados, no continente do reino o nas ilhas adjacentes, salvas as isenções, feitas as deducções e effectuados os abatimentos adiante prescriptos.

Art. 2.° Para os effeitos do lançamento e cobrança d’esta contribuição, os rendimentos dos contribuintes são divididos em classes, conforme resultarem:

A — De applicação de capitães;

B — De exercicio de algum emprego;

C — De propriedade immobiliaria;

E — De commercio e industria;

E — De qualquer proveniencia, quando não produzidos, mas desfructados no continente do reino e nas ilhas, adjacentes.

Art. 3.° Na classe A comprehendem-se os rendimentos do capitães empregados em titulos do credito, quer sobre o estado, quando cobrados no paiz, quer sobre particulares, quer sobre associações, e os resultantes do direito a prestações ou pensões não comprehendidas nas clubes seguintes.

Na classe B comprehendem-se os rendimentos provenientes de ordenados, pensões, soldos e quaesquer outras remunerações, pagas directamente pelo governo, ou de vencimentos de empregados publicos de corporações administrativas e de estabelecimentos subsidiados ou não pelo estado.

Na classe C comprehendem-se os rendimentos de qualquer das especies de propriedade immobiliaria perfeita, da emphyteuse, sub-emphyteuse, censo, quinhão, usufructo, e habitação.

Na classe D comprehendem-se os rendimentos obtidos pelo commercio, e pela industria, comprehendido e exercicio de qualquer profissão, arte ou officio.

Na classe E comrehendem-se todos os rendimentos que, embora não produzidos, forem desfructados, no continente do reino e nas ilhas adjacentes, qualquer que seja a sua origem e proveniencia.

Art. 4.° Os rendimentos da classe A serão computados segundo as hypotheses, quer pela importancia dos juros, dividendos, interesses, lucros que os respectivos capitães produzirem, e que por qualquer titulo forem distribuidos, ou, não sendo possivel determinal-os, pela media do juro na localidade, quer pela importancia annual da pensão ou prestação devida, abatendo-se sempre as contribuições e os encargos especiaes a que esses rendimentos estiverem sujeitos.

§ unico. São isentos da presente contribuição os rendimentos d’esta classe quando percebidos por estabelecimentos de caridade, beneficencia ou instrucção publica, pelos monte pios, associações do soccorros mutuos e sociedades scientificas.

Art. 5.° Os rendimentos da classe D serão avaliados na totalidade da sua respectiva importancia annual com as seguintes isenções e deducções:

1.° São isentos os rendimentos que não excederem a somma annual de 150$000 réis;

2.° Os rendimentos superiores a 150$000 réis, mas inferiores a 450$000 réis, serão tributados só na parte excedente ao minimo isento;

3.° Os rendimentos que perfizerem, ou forem superiores a 450$000 réis, serão collectados na sua importancia total;

4.° São isentos, qualquer que seja a sua importancia, os rendimentos provenientes de praças de pret do exercito e da armada, de forragens e ajudas de custo eventuaes abonadas a empregados civis ou militares em serviço do estado, e de comedorias dos officiaes e empregados civis embarcados dependentes do ministerio da marinha.

Art. 6.° Os rendimentos da classe C serão calculados, para cada freguezia, pela totalidade do rendimento predial collectavel inscripto na respectiva matriz, - e para cada proprietario, pela justa apreciação relativa do seu rendimento annual pela fórma prescripta n’esta lei.

§1.° Do rendimento total da parochia abater-se hão:

1.° A importancia da respectiva contribuição predial, tanto geral, como districtal, municipal e parochial;

2.° Dez por cento do rendimento collectavel dos predios urbanos para despezas de conservação.

§ 2.° Do rendimento individual abater-se-hão:

l.º Os juros dos creditos hypothecarios;

2.° As annuidades resultantes de qualquer onus real

§ 3,° São isentos da presente contribuição os rendimentos inscriptos na matriz predial por quantia não excedente; a 50$000 réis, quando resultantes de predios sitos no concelho era que o respectivo proprietario tenha residencia effectiva.

Art. 7.° Os rendimentos da classe D serão avaliados na exacta importancia annual que for declarada pelo contribuinte, devendo esto abater em todos a contribuição industrial ou correspondente, os impostos districtaes, municipaes e parochiaes, e, nos não profissionaes, ainda os encargos seguintes:

1.° Despezas de conservação ou de reparação de oficinas e armazens;

2.° Equitativa percentagem para amortisação do valor das machinas e utensilios;

3.° Premio do seguro;

4.° Vencimentos de empregados e salarios de operarios;

5.° Juro de capitães tomados de emprestimo, empregados na respectiva industria ou commercio, e não assegurados por hypotheca, ou por consignação de rendimentos immobiliarios.

§ 1.° Quando a apreciação referida se não poder realisar, por falta de declaração, o rendimento no contribuinte será calculado ou no decuplo da sua quota do imposto respectivo, ou por justa apreciação relativa feita, conforme ao hypotheses, nos termos previstos no n.° 3.° e no § 3.° do artigo 18.°, abatida a importancia da referida contribuição.

§ 2.° Os rendimentos d’esta classe poderão ter as seguintes isenções e deducções:

1.° Os rendimentos que não excederem a 150$000 réis, são isentos de contribuição;

2.° Nos rendimentos superiores a 150$000 réis, mas inferiores a 450$000 réis, só será tributada a parte que exceda aquelle minimo;

3.° Os rendimentos que perfizerem ou forem superiores a 450$000 réis, serão tributados na sua totalidade.

Art. 8.° Os rendimentos comprehendidos na classe E serão avaliados na sua importancia annual, conforme constar da declaração do respectivo contribuinte, e na falla d’esta, por justa apreciação baseada nas informações colhidas, e proporcional ao modo de vida externa, ás despezas conhecidas, e ás verbas de contribuição de renda de casas e sumptuaria pagas pelo contribuinte.

§ 1.° São isentos da presente contribuição os rendimentos d’esta classe nos dois casos seguintes:

1.° Quando desfructados por membros do corpo diplomatico estrangeiro em effectivo serviço ou por agentes consulares de nações estrangeiras, não subditos portuguezes;

2.° Quando desfructados por subditos estrangeiros não domiciliados ou não residentes por mais de um anno.

Art. 9.° A taxa da contribuição geral sobre o rendimento será a seguinte: para os rendimentos da classe A, exorptuados os sujeitos á contribuição bancaria, á industrial o a decima de juros, e para os da classe E, 3 por cento, o para todos os outros, 2 por cento.

Art. 10.° Para o lançamento da presente contribuição sobre os rendimentos das classes C, D e E haverá commissões parochiaes e municipaes, que serão organisadas nos termos dos artigos seguintes, e terão as attribuições que lhes são conferidas na presente lei.

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Art. 11.° Em cada parochia haverá uma commissão composta de cinco membros, um dos quaes será nomeado pela camara municipal, e servirá de presidente, dois serão nomeados pelo escrivão de fazenda, designando este qual d’elles deve ser o secretario, e dois pela respectiva junta de parochia.

§ 1.° Os membros d’esta commissão serão residentes na parochia, podendo ser nomeados para taes cargos os parochos, regedores, professores, as auctoridades ou funccionarios da freguezia e os proprios vogaes da junta nomeante.

§ 2.° Nas parochias sedes do concelho o escripturario escolhido pelo escrivão de fazenda exercerá as attribuições de secretario da commissão parochial.

§ 3.° Podem ser annexadas umas parochias a outras contiguas do mesmo concelho, uma vez que cada grupo de parochias não exceda a 1:000 fogos. N’este caso o numero dos membros da commissão parochial póde ser augmentado de modo que cada parochia tenha na commissão, pelo menos, um representante, que será nomeado pela respectiva junta.

§ 4.° Nas cidades de Lisboa e Porto, e nas restantes povoações que tenham mais de 4:000 fogos, poderá haver subdivisões de freguezias, e mais que uma commissão parochial.

Art. 12.° Em cada concelho haverá uma commissão municipal composta do presidente da camara municipal, que servirá de presidente, do escrivão de fazenda, que servirá de secretario, de um vogal nomeado pelo delegado do thesouro e dois pela camara municipal.

§ 1.° Para os effeitos d’esta disposição cada bairro de Lisboa e do Porto será considerado como um concelho, servindo de presidente no bairro, sede dos paços municipaes, o presidente da camara, e nos outros o vereador que esta designar.

§ 2.° O secretario do commissão parochial deve prestar ao escrivão de fazenda informação ácerca de todas as deliberações, da commissão parochial, e muito em especial das que lhe parecerem contrarias á justiça ou oppostas aos interesses da fazenda publica.

Art. 13.° Os parochos, regedores e todas as auctoridades da parochia são obrigados a coadjuvar a respectiva commissão parochial, prestando as informações que lhes sejam exigidas, e ministrando os livros e documentos de qualquer natureza que possam servir de esclarecimento.

Art. 14.° Ao vogal da commissão parochial que servir de secretario em cada freguezia, será abonada uma percentagem, arbitrada pelo governo, sobre a totalidade do imposto que for lançado e couber a cada parochia, depois de decididas as reclamações pela commissão municipal.

Art. 15.° O desempenho dos cargos de vogal, quer das commissões parochiaes, quer das municipaes, é obrigatorio. A ninguem poderá, comtudo, exigir-se serviço consecutivo nas mesmas commissões por periodo superior a dois annos.

Art. 16.° Se as commissões parochial ou municipal deixarem de se reunir, passarão as suas attribuicões para o escrivão de fazenda, auxiliando-se este do serviço de todos os secretarios nomeados para as commissões parochiaes, ou d’aquelles que julgar convenientes, salva a penalidade em que os vogaes d’aquellas possam haver incorrido.

Art. 17.° O lançamento de contribuição sobre os rendimentos da classe C effectuar-se-ha pela fórma seguinte:

1.° Em cada concelho o escrivão de fazenda extrahirá da matriz predial uma relação por freguezia, com os nomes dos contribuintes, sujeitos a este imposto, e respectivos rendimentos collectaveis, e depois de haver addicionado as verbas d’estes, e de ter effectuado os abatimentos prescriptos no § 1.° da artigo 6.°, fixará a importancia do imposto a dividir pelos contribuintes da parochia;

2.° Em cada freguezia a respectiva commissao parochial verificará a exactidão das relações mencionadas, additando-as com os nomes de quaesquer proprietarios, que n’ella se não encontrem, e em seguida convidará por editaes os contribuintes já inscriptos na matriz, e pessoalmente os ainda não inscriptos, a fim de virem, no praso de oito dias, declarar, aquelles as alterações occorridas nos seus rendimentos collectaveis, estes qual a importancia annual do seu rendimento predial;

3.° O contribuinte inscripto que não fizer as declarações referidas será havido como confesso de não ter rendimento predial inferior ao constante da matriz; o não inscripto ficará sujeito a, que o seu rendimento predial seja avaliado pela commissão parochial, não se lhe admittindo abatimento algum;

4.° Findo o praso designado, a commissão procedendo ás necessarias diligencias e indagações, tomando na devida consideração as declarações apresentadas, distribuirá a importancia do imposto por todos os proprietarios, conforme" entender justo e proporcional, e fixará a collecta que a cada um deve caber;

-5.° Concluido o mappa de distribuição será o mesmo patenteado aos contribuintes, por espaço de oito dias successivos, a fim de apresentarem as reclamações que tiverem a bem de sua justiça.

§ unico. É licito a qualquer contribuinte promover, até á distribuição do imposto, a inclusão do nome de qualquer proprietario, omisso na matriz, na lista dos contribuintes d’esta classe.

Art. 18.° O lançamento da contribuição sobre os rendimentos comprehendidos na classe D far-se ha pelo modo seguinte:

1.° O escrivão de fazenda de cada concelho organisará uma relação para cada freguezia, em que incluirá os nomes de todas as pessoas sujeitas á contribuição industrial, ou á que lhe corresponder, o commercio, industria, profissão, arte ou officio que exerçam, e as verbas da respectiva contribuição lançada a cada um;

2.° Em cada freguezia a commissão parochial verificará a exactidão da relação mencionada, additando-a com os nomes dos que, devendo ser sujeitos á contribuição industrial, ou á que a esta corresponder, n’ella se não encontrem, e em seguida convidará editalmente os contribuintes já inscriptos, e pessoalmente os não inscriptos, a virem no praso de oito dias apresentar declaração escripta da proveniencia e importancia de seus rendimentos annuaes comprehendidos n’esta classe;

3.° O contribuinte inscripto, que não apresentar a declaração no praso legal será havido como confesso de não ter rendimento inferior ao decuplo da ultima quota de contribuição industria,! ou da correspondente que lhe houver sido lançada; o não inscripto sujeita-se a que o seu rendimento seja avaliado pela respectiva commissão parochial, abatendo-se a importancia d’aquella contribuição;

4.° Findo o praso referido, a commissão parochial procedendo ás necessarias indagações, e verificando as declarações apresentadas, indicará qual collecta deve ser lançada sobre os rendimentos dos contribuintes, ou calculados pelas respectivas declarações para os que, havendo-as feito, fossem estas achadas exactas, ou por nove vezes a quota do respectivo imposto lançado no ultimo anno para os já inscriptos que não tivessem feito declaração alguma, ou finalmente pela importancia fixada na respectiva avaliação para os não inscriptos que não viessem declarar o seu rendimento annual;

5.° Findos os seus trabalhos a commissão parochial fará patente aos contribuintes a respectiva relação por espaço de oito dias, a fim de apresentarem" as reclamações que tiverem a bem de sua justiça.

§ 1.° Os exploradores e cultivadores de predios, os concessionarios de minas, e as emprezas de pesca, embora não sujeitos á contribuição industria!, serão incluidos na listados contribuintes d’esta classe.

§ 2.° As companhias anonymas de qualquer especie, commerciaes ou industriaes, embora sujeitos á contribuição in-

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dustrial, não serão comprehendidas na relação organisada pelo escrivão de fazenda, porquanto os dividendo que forem distribuidos são comprehendidos, para os effeitos e esta lei, na classe A.

§ 3.° Qualquer gremio constituido para os effeitos da contribuição industrial póde, na reunião ordinaria anterior ao lançamento do presente imposto, deliberar repartir este entre os agremiados, devendo communicar ao respectivo escrivão de fazenda tal deliberação, entes ao praso em que este tem de organisar a relação mencionada n’este artigo. Verificada esta hypothese, e escrivão enviará no gremio a nota do imposto a dividir, que será a importancia da taxa lançada sobre o respectivo contingente multiplicado por 9, e participará á commissão parochial quaes os contribuintes agremiados. O continente será dividida pelo gremio, sem desconto algum, e com reclamação para a commissão municipal.

Art. 19.° O rol das pessoas sujeitas á contribuição sobre rendimentos compreendidos na classe E será organisado pelo secretario da commissão parochial. Feito que seja, e verificado e approvado pela respectiva commissão, sera remettida a cada contribuinte uma cedula a fim de declarar dentro de certo praso a importancia do sou rendimento annual comprehendido n’esta classe. Recebidas as declarações procederá a commissão ao exame de cada um, e terminadas estas operações fixará para cada contribuinte a respectiva collecta.

§ 1.° Todo o contribuinte a quem for enviada a referida cedula póde provar que os seus rendimentos não se acham comprehendidos n’esta classe, indicando logo a classe a que pertencem.

§ 2.° A falta de declaração sujeita o contribuinte a ser collectado segundo o rendimento que a commissão, havidas as necessarias informações o feitas as competentes diligencias, lhe arbitrar.

§ 3.° A commissão parochial tomará as providencias necessarias a fim de que a cedula seja entregue a cada um dos contribuintes d’esta classe, fazendo cobrar d’elles recibo, que será passado nos termos indicados no regulamento.

Art. 20.° Para a avaliação do minimo isento ou deduziveis em qualquer das especies da classe D, ter-se-hão em conta todos os rendimentos do contribuinte provenientes de outras especies da dita classe, ou da classe B.

Art. 2l.° A commissão municipal compete rever o trabalhos das commissões parochiaes, confirmar as collectas fixadas a cujo respeito não haja reclamação alguma, examinar e attender como for de justiça as reclamações apresentadas.

§ 1.° As diminuições effectuadas a qualquer contribuinte nas verbas de contribuição sobra os rendimentos prediaes. serão addicionadas ao contingente do ermo futuro, a fim de serem convenientemente distribuidas.

§ 2.° As diminuições effectuadas nas verbas de contribuição sobre rendimentos da classe D, que houverem sido distribuidas por gremio, serão divididas proporcionalmente por todos os outros agremiados.

Art. 22.° Ultimada a revisão da commissão municipal, será organisada por freguezias uma lista dos respectivos contribuintes, com a indicação de quanto foi lançado a cada um. Esta lista será affixada nas portas da igreja matriz, durante o praso da quinze dias, para poderem reclamar ante a commissão os contribuintes que se Considerarem aggravados.

§ 1.° A commissão municipal poderá ouvir, sobre a reclamação, a commissão parochial respectiva, e exigir que o reclamante apresento quaesquer documentos comprovativos da sua reclamação, e na frita ou deficiencia d’estes, auctorisar o testemunho abonatorio de duas pessoas, residentes no concelho, que sejam de reconhecida probidade.

§ 2.° Se pelo reclamasse não for satisfeita, dentro de oito dias, a prova que lhe for exigida, a reclamação considerar-se-ha ter caducado.

Art. 23.° Das decisões da commissão municipal caba recurso, sem effeito suspensivo, para o competente tribunal administrativo.

§ 1.° O escrivão de fazenda deve fazer interpor sempre recurso das deliberações da commissão municipal que julgar contrarias á justiça e oppostas aos interesses da fazenda publica.

§ 2.° Na interposição e seguimento d’estes recursos obsevar-se-ha e processo estabelecido para os recursos em materia administrativa e fiscal, na fórma do regulamento.

§ 3.° Se o recurso for a final provido, a importancia da reclamação deve ser encontrada no regulamento de qualquer imposto.

Art. 24.° Alem dos recursos estabelecidos peia presente lei, e fóra dos prasos fixados poios respectivos regulamentos, só poderão recorrer extraordinariamente para o governo, pela direcção geral das contribuições directas, na conformidade da legislação em vigor:

l.° A fazenda nacional;

2.° Os collectados sem fundamento algum para o serem pela contribuição de que se traia.

Art. 25.° A cobrança da contribuição geral sobro o rendimento far-se-ha por meio de desconto nos rendimentos das classes A e B, e nos da classe C que o proprietario houver a satisfazer, e por pagamento directo quanto aos rendimentos das outras classes, tudo pela fórma e nos prasos que serão marcados no regulamento.

§ 1.° As pessoas e estabelecimentos particulares a cargo de quem estiver a solução de rendimentos sujeitos, nos termos d’este artigo, a desconto, são obrigados a satisfazer ao estado as quotas da presente contribuição devida por taes rendimentos, ficando subrogados nos direitos da fazenda nacional, para haverem dos respectivos contribuintes a importancia das collectas que tiverem de pagar.

§ 2.° E nulla toda a condição pela qual as pessoas e estabelecimentos particulares, que tenham direito a taes rendimentos, pretendam libertar-se, eximir-se ou indemnisar-se de referido desconto.

§ 3.° Os estabelecimentos sujeitos á contribuição bancaria e industrial discriminarão na respectiva conta corre até annual os rendimentos que houverem percebido, e por que já se haja pago a contribuição quer por desconto, quer directamente, a fim de não serem novamente tributados.

Art. 26.° Ao contribuinte que queira antecipar o pagamento de qualquer prestação da contribuição geral sobre o rendimento, quando permitido, será abonado um premio de 5 por cento, correspondente ao praso da antecipação.

Art. 27.° Sobre as verbas da contribuição geral de rendimentos não poderão quaesquer corporações administrativas lançar addicionaes alguns.

Ari. 28.° As despezas para o lançamento da contribuição sobre o rendimento não deverão em caso algum exceder a 6 por cento da importancia liquidada da contribuição.

Art. 29.° O governo e auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a execução da presente lei, desenvolvendo as regras e indicações n’ella contidas, estabelecendo multas contra os infractores das suas disposições, não podendo estas exceder a 20$000 réis, tomando emfim todas as providencias necessarias para o facil cumprimento do; preceitos estatuidos.

§ unico. O governo fixará, para o primeiro anno em que esta lei se deva executar, os prasos de lançamento e cobrança da presente contribuição, o outros quaesquer necessarios, pelo modo mais conveniente aos interesses do risco e do contribuinte.

Art. 39.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de abril do 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d’Avila, deputado secretario,

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Proposta de lei n.° 65-N

Artigo 1.° E creada uma contribuição geral sobre o rendimento, á qual ficam sujeitas todas as pessoas nacionaes e estrangeiras residentes no continente do reino e ilhas adjacentes que tenham rendimento superior a 150$000 réis, qualquer que seja a origem e proveniencia d’esse rendimento.

Art. 2.° A contribuição é devida pelos chefes de familia na localidade do domicilio, e recáe sobre os rendimentos proprios e sobre os da mulher e filhos que estejam sob o patrio poder.

§ 1.° A pessoa que tiver duas residencias será havida por domiciliada, para os effeitos d’esta lei, na freguezia onde se achar na epocha em que começarem as operações do arrolamento, excepto se anteriormente tiver declarado perante a camara municipal respectiva que prefere alguma d’ellas.

§ 2.° Quando sobre a mesma pessoa recair mais de um lançamento da contribuição sobre o rendimento, ao ministro da fazenda compete decidir extraordinariamente qual d’elles deve prevalecer, annuilando-se os restantes.

Art. 3.° Da contribuição sobre o rendimento são unicamente exceptuados os membros do corpo diplomatico estrangeiro em effectivo serviço, e os agentes consulares de nações estrangeiras que não tenham no paiz outro rendimento alem do que provier do emprego que exercem.

Aut. 4.° Para os effeitos do lançamento d’esta contribuição os contribuintes são divididos em classes conforme a importancia do rendimento de cada um, e a cada classe corresponde a taxa que vae fixada na tabella junta á presente lei.

Art. 5.° Na avaliação do rendimento de cada contribuinte deve cuidadosamente distinguir-se a sua proveniencia, sujeitando-o a regras peculiares de apreciação conforme resultar:

1.° De propriedade urbana ou rustica;

2.° Da .industria agricola;

3.° Do emprego de capitães;

4.° Do exercido de algum emprego ou profissão;

5.° Do trabalho manual.

Art. 6.° O rendimento dos predios administrados pelo proprietario será avaliado pela media do producto obtido nos ultimos tres annos, deduzindo-se:

1.° A importancia das despezas de conservação;

2.° O premio do seguro;

3.º A contribuição predial;

4.° A importancia dos salarios;

5.° Os onus hypothecarios e encargos reaes de qualquer especie;

6.° Quaesquer outras despezas de custeio;

7.° Os prejuizos extraordinarios resultantes de inundações e incendio, ou de outras causas inesperadas e imprevistas.

Art. 7.° O rendimento dos predios que andarem arrendados será avaliado pela importancia da renda sendo a dinheiro, ou no. valor dos generos que o proprietario receber, e de quaesquer reservas que este desfructe, deduzindo-se:

1.° A importancia da contribuição predial;

2.° As despezas de conservação;

3.° Os onus hypothecarios, e quaesquer outros encargos que sobrecarreguem o predio.

Art. 8.° O rendimento dos foros, censos e pensões será computadora sua importancia quando pagos a dinheiro, ou avaliado pelo preço medio dos generos nos ultimos tres annos quando pagos n’esta qualidade.

Art. 9.° O rendimento dos predios urbanos será computado no preço do arrendamento. Não havendo arrendamento será avaliado por justa comparação com outros predios similhantes, tendo-se em vista as circumstancias especiaes de cada um, e deduzindo-se:

1.° As despezas de conservação;

2.° A contribuição predial;

3.° Os onus hypothecarios e quaesquer outros encargos reaes.

§ unico. As edificações necessarias para a exploração agricola não estão sujeitas á contribuição. Não se comprehendem, porém, na isenção as cercas e os jardins de luxo e recreio.

Art. 10.° O rendimento de capitães empregados em titulos de credito de qualquer natureza, quer seja sobre o estado quer sobre paizes estrangeiros, ou sobre os particulares, companhias, sociedades, corporações administrativas, ou outras pessoas moraes, será computado peia importancia dos juros ou dividendos que esses capitães tiverem rendido. Não sendo possivel determinar quaes os juros se dividendos tornar-se-ha como base de apreciação a media do juro na localidade, devendo deduzir-se sempre a importancia das contribuições a que esses rendimentos estiverem sujeitos.

Art. 11.° O rendimento proveniente do exercicio do commercio, industria, ou de qualquer profissão liberal será apreciado pela media do rendimento nos ultimos tres annos, devendo deduzir-se:

1.° As despezas de conservação ou de reparação de officinas e armazens;

2.° Equitativa percentagem para amortisação do valor das machinas e utensilios;

3.° Premio do seguro;

4.° Salarios de operarios;

5.° Juro do capitães tomados de emprestimo;

6.° Contribuição industrial.

Art. 12.° O rendimento da industria agricola, quando a exerça arrendatario, será avaliado conforme as regras estabelecidas no artigo 6.°, deduzindo-se ainda a importancia da renda.

Art. 13.° O rendimento dos vencimentos ou ordenados fixos e emolumentos será avaliado na importancia da sua totalidade, sem deducção alguma.

Art. 14.° O rendimento proveniente do trabalho manual e não remunerado com salario fixo ou ordenado, será avaliado tomando para base da avaliação o numero provavel de dias, a taxa media dos salarios, e o valor da parte dos pagamentos feitos em generos ou de outras fórmas.

Art. 15.° Nas avaliações que se fizerem para apreciar o rendimento de cada contribuinte deve sempre ter-se era vista, como elementos de informação, os contratos anteriores de compra e arrendamento, ou quaesquer outros que sejam conhecidos, as matrizes das contribuições directas, e quaesquer circumstancias especiaes do contribuinte, ou dos predios ou profissões em cada anno.

§ unico. Em caso algum póde lançar-se uma percentagem qualquer sobre o rendimento collectavel descripto nas matrizes independentemente da avaliação e apreciação especial do rendimento de cada proveniencia.

Art. 16.° Póde ter logar a isenção do imposto aos contribuintes da l.ª classe, e a mudança de classe superior para outra inferior aos que estiverem incluidos na 2.ª até á 8.ª classe, quando se verifique alguma das seguintes circumstancias:

l.ª Consideravel numero de filhos;

2.ª Sustentação de parentes pobres ou idosos;

3.ª Doenças persistentes na familia;

4.ª Prejuizos imprevistos ou inesperados,

Ari. 17.° As repartições publicas do estado de qualquer natureza, as camaras municipaes, as administrações de. sociedades e companhias, as dos estabeleeimentos de beneficencia ou de quaesquer outros corpos moraes, prestarão promptamente ás auctoridades e funccionarios incumbidos do lançamento d’esta contribuição todas as informações que lhes forem exigidas, e que possam servir de esclarecimento para a fiel execução e cumprimento da presente lei.

Art. 18.° Para avaliar o rendimento de cada contribuin-

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te haverá em cada parochia uma commissão especial composta de cinco membros, um dos quaes será remendo pela camara municipal, e servirá de presidente, dois serão nomeados pelo escrivão da fazenda, e dois pela respectiva junta de parochia.

1.° Ás parochias do menos de 200 fogos podem ser annexadas a outras contiguas, uma voa que cada grupo de parochias não exceda a 500 fogos. N’este caso o numero dos membros da commissão parochial póde ser augmentado de modo que cada parochia tenha na commissão; pelo menos, um representante.

§ 2.° Nas cidades de Lisboa e Porto, e nas restantes povoações que tenham mais de 12:000 almas, poderá ir ver subdivisões de freguezias, e mais que uma commissão parochial.

Art. 19.° Ao voga! da commissão parochial que foi especialmente designado pelo escrivão de fazenda incube organisar em cada anno um arrolamento de todas as pessoas residentes na freguezia, e ao mesmo tempo fazer na apreciação preliminar do seu rendimento, tomando em consideração para isso, não só as diversas contribuições directas que pagarem, mas quaesquer outros elementos de informação que consiga obter, não podendo de modo sutura no desempenho d’estas funcções recorrer a meios vexatorios ou illegaes.

§ unico. Os parodies, regedores e todas as auctoridades da parochia são obrigados a coadjuvar a formação do arrolamento, a prestar as informações que lhes sejam exigidas, e a ministrar os livros e documentos de qualquer natureza que possam servir de esclarecimento.

Art. 20.° Nas cidades de Lisboa e Porto, e nas restantes povoações de mais de 20:000 habitantes, os contribuintes são obrigados a prestar, dentro dos prasos marcados nos regulamentos, declaração escripta da importancia e proveniencia do seu rendimento.

§ 1.° Recebidas as declarações a que se refere este artigo pelo vogal da commissão incumbido de fazer o arrolamento, procederá este ao exame e verificação da cada uma, e indicará qual a classe em que deve ser collocado o contribuinte.

§ 2.° Na falta das mesmas declarações terá legar a apreciação preliminar do rendimento, nos termos e condições definidas pelo artigo 18.°

Art. 21.° O arrolamento e apreciação preliminar feita pelo vogal da commissão parochial será apresentado á mesma commissão, a qual, procedendo ás diligencias e informações que julgar indispensaveis para conhecer o rendimento de cada contribuinte, poderá alterar e modificar as apreciações ou avaliações preliminares feitas pelo vogal da commissão, e indicará a classe que compete a cada contribuinte.

Art. 22.° Em cada concelho haverá uma commissão ou junta municipal composta do presidente da camara municipal, que servirá de presidente, do escrivão da fazenda, que servirá de secretario, de um vogal nomeado pelo delegado do thesouro e dois pela camara municipal, á qual compete rever e examinar os trabalhos das commissões parochiaes, podendo confirmar, modificar ou alterar as apreciações ou louvações de rendimento por ellas feitas, e fazer ao mesmo tempo a classe que a cada contribuinte fica pertencendo.

§ unico. O vogal da commissão parochial que fez o arrolamento deve prestar ao escrivão de fazenda informação escripta e fundamentada das deliberações, apreciações ou louvações da commissão parochial, que lhe parecerem contrarias á justiça ou oppostas aos interesses da fazenda publica.

Art. 23.° Ultimada a revisão da commissão municipal será organisada uma lista por freguezias dos contribuirdes n’ellas residentes, cem a indicação da classificação que foi dada a cada um. Esta lista será affixada nas portas da igreja matriz, declarando-se n’ella que no praso de quinze dias podem reclamar ante a commissão os contribuintes que se considerarem aggravadas.

§ 1.º A commissão municipal poderá ouvi, dobre a reclamação, a commissão parochial respectiva o reclamante apresente documentos comprovativos da sua reclamação. Na falta de documentes, ou sendo insufficientes, a commissão póde exigir que o reclamante auctorise a reclamado com o testemunho abrigatorio de duas pessoas residencias no concelho, que sejam de reconhecida propridade e a consciencia, e que tenham rasão sufficiente do sciencia d’aquillo que affirmam, e sendo como taes da confiança e approvacão da commissão.

§ 2.º Se pelo reclamante não forem satisfeitas dentro de oito dias as informações e documentos que lhe foram pela commissão, a reclamação considerar-se-ha ter caducado

Art. 24.° Das decisões da commissão concelhia cabe recurso, sem effeito suspensivo, para o conselho de districto. Se o recurso for attendido, a importancia da reclamação deve ser encontrada no pagamento das prestações que ainda não estiverem vencidas.

§ 1.° O escrivão de fazenda devo recorrer sempre das deliberações da commissão municipal que forem contrarias á justiça e appostas aos interesses da fazenda publica.

§ 2.° Na interposição e seguimento d’estes recursos observar-se-ha o processo estabelecido para os recursos era materia administrativa e fiscal.

Art. 25.° Ao ministro da fazenda; das contribuições directas, pertence sobre todos es serviços relativos a este imposto.

Art. 26.° Aos delegados do thesouro em cada districto compete a superior direcção e inspecção sobre o processo do lançamento e cobrança d’esta contribuição, devendo ter na maxima conta tudo quanto respeitar á exactidão das avaliações do rendimento e á uniformidade dos trabalhos, dando aos seus subordinados as instrucções, ordens e avisos que forem convenientes.

Art. 27 .9 As despezas para o lançamento da contribuição sobre o rendimento não deverão em caso algum exceder a 6 por cento da importancia liquidada da contribuição.

Art. 28.° Ao vogal da commissão parochial incumbido de fazer o arrolamento dos contribuintes em cada, freguesia, será abonada uma percentagem sobre a totalidade do imposto que for lançado e couber aos residentes da freguezia, depois o e decididas as reclamações pela commissão municipal.

Art. 29,° O desempenho dos cargas de vogal, quer das commissões parochiaes, quer das municipaes, é obrigatorio. A ninguem poderá, comtudo exigir se serviço consecutivo nas mesmas commissões por periodo superior a dois annos.

Art. 30.° Lançada a contribuição em um anno, só poderão ter legar annullações das collectas individuaes quando o contribuinte prove no excurso d’esse anno haver soffrido no seu rendimento um prejuizo superior á terça parte da importancia em que elle fóra avaliado. A annullação verifica-se n’esse caso na proporção do desfalque provado na totalidade do mesmo rendimento.

Art. 3l.° Será punido com a multe de 1$000 a 20$000 réis o contribuinte que deixar de satisfazer ás declarações exigidas pelo artigo 20.º e com multa igual ao triplo da contribuição das mesmas declarações, ou no uso que fizer do direito de reclamação o recurso, occultar dolosamente uma pare qualquer do seu rendimento.

§ unico. Ás multas serão exigidas em processo correccional, logo que haja contestação e o contribuinte se não preste a pagar voluntariamente, tanto a contribuição como a multa em que tiver incorrido.

Art. 32.° O imposto sobre o rendimento vence-se o cobra-se trimestralmente, mas ao contribuinte que queira

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antecipar o pagamento será abonado o premio de 5 por cento, correspondente ao praso da antecipação.

Art. 33.° O governo é auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a execução da presente lei, desenvolvendo as regras e indicações n’ella contidas, estabelecendo multas contra os infractores das suas disposições, não podendo estas exceder a 20$000 réis, salvo a hypothese prevista no artigo 31.°

Art. 34.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministerio, 13 de janeiro de 1880. = Henrique de Sarros Gomes.

Tabella a que se refere o artigo 4.° d’esta proposta de lei

[Ver valores da tabela na imagem]

Classes Rendimento Reis Imposto Reis Classes Rendimento – Reis Imposto Reis

Ministerio dos negocios da fazenda, gabinete do ministro, 13 de janeiro de 1880. = Henrique de Sarros Gomes.

O sr. Presidente: — Está em discussão na sua generalidade.

Tem a palavra o sr. Serpa.

O sr. Serpa: — O orador declarou que, tendo assinado o parecer vencido em parte, havia de votar contra algumas das suas disposições, mas que o approvava na sua generalidade e na maior parte dos seus artigos, apesar de ser contrario ao systema geral do projecto, sobretudo depois das transformações porque tinha passado na camara dos srs. deputados. Que votava pela generalidade, porque entendia que era preciso crear receita, e porque da approvação d’este pensamento devia resultar o contrahir-se o futuro emprestimo em melhores condições. Comparou o projecto primitivo do governo com as profundas modificações introduzidas na outra camara. Censurou o imposto sobre os vencimentos em geral diminutos e insuficientes dos funccionarios. Censurou o modo como se ía lançar um addiccional, injustamente e desigualmente distribuido sobre a riqueza predial e industrial. Censurou o imposto sobre os rendimentos creados fora do paiz, que já nos paizes donde provinham tinham pago os impostos respectivos, havendo por tanto para esses rendimentos duplicação de imposto. Porém que estes inconvenientes eram remediaveis, porque d’aqui a um ou dois annos a lei podia ser emendada, e os impostos agora creados ser substituidos por outros mais rascaveis e convenientes. Mas não se dava este caso com o imposto sobre os titulos de divida publica. Aqui o mal era irreparavel, porque a quebra do respeito que sempre se tinha mantido á fé dos contratos e aos compromissos, solemnes do governo era um golpe no credito publico, cujas consequencias seriam funestas e duradouras. Mostrou desenvolvidamente que o estado não podia tributar os juros dos titulos de divida publica, citando as clausulas dos contratos e as declarações feitas em 1870 pelo sr. Braamcamp, como ministro da fazenda. E terminou renovando a declaração de que votava o projecto na- sua generalidade, mas que havia de votar contra o imposto sobre os titulos de divida publica.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da fazenda; mas como tambem pediram a palavra os srs. conde de Rio Maior, conde de Valbom, Carlos. Bento, Fontes e Vaz Preto, desejo saber como s. exas. querem que os inscreva.

O sr. Conde de Rio Maior: — Contra, em parte.

O sr. Conde de Valbom: — Contra.

O sr. Carlos Bento: — A favor.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Contra, em parte.

O sr. Vaz Preto: — Contra.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — Começo por declarar que tomei nota das phrases proferidas peio sr. Serpa Pimentel. Asseverou s. exa. que d’aqui a um, eu, quando muito, dois annos, este imposto terá, necessariamente, de ceder o passo a uru outro systema tributario que não envolva as injustiças, as desigualdades e as iniquidades a que esta lei tributaria vae, dar logar.

Iniquidades, desigualdades e injustiças a que, todavia, s. exa. tambem declarou prestar o seu voto, influenciado para isso pela gravidade das condições financeiras em que nos encontramos nas vésperas de se contrahir um grande emprestimo.

Não posso eu, em nome do governo, deixar de declarar que tenho no maior apreço as considerações de s. exa., que o levam a conceder o seu voto ao projecto que se discute.

Não podiamos nós, governo, deixar de demonstrar ao digno par o grande apreço em que temos as suas palavras; singular documento da mais singular abnegação, visto ir esta até ao ponto de o fazer votar o que reputa uma verdadeira iniquidade. Ora, na verdade, votar de boa mente uma iniquidade é ir um pouco mais alem do que eu, por minha parte, iria se estivesse na opposição. No entanto, reconheço que as intenções do digno par são as melhores, e, agradecendo o voto, abster-me-hei de discutir as rasões que poderam influir no seu animo.

S. exa. referiu-se ás iniquidades da nova contribuição. Contesto que n’ella se dêem taes iniquidades, mas se effectivamente ellas existissem, não soffreriam comparação com muitas outras que em materia fiscal se observam na nossa legislação,, e que precisamente a lei que estamos discutindo n’este momento ajudará a fazer desapparecer mais rapidamente. E uma d’estas, em que já fallei n’esta casa por mais de uma vez, é a que vae buscar a um genero de grande consumo, quasi exclusivo das classes pobres, réis 400:000$000 ou 500:000$000, graças a um imposto muitissimo elevado, que attinge 40 por cento do valor do genero. Todas as conveniencias politicas, todas as indicações sociaes, todas as circumstancias economicas que podem fazer condemnar um imposto, emfim tudo que se vê, e tudo quanto não se vê, na cansada phrase de Bastiat, a que mais uma vez alludiu o digno par, estão mostrando a necessidade de modificar os direitos sobre o bacalhau.

Creio que fui mal comprehendido por s. exa. quando em outra occasião fallei sobre impostos. Eu não sustentei as vantagens do imposto directo, ou do imposto indirecto, não discuti escolas diversas, baseadas na preferencia exclusiva, dada a um ou outro d’este genero de imposição, nem pretendi representar .unia ou outra d’essas escolas; não declarei,

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nem nunca poderia declarar, que representava uma escola que rejeitava em absoluto o recurso ao imposto indirecto, mesmo em larga escala.

O que declarei foi, que nas condições em que se encontrava o nosso paiz, attendendo á importancia muito grande que haviam assumido entre nós as contribuições indirectas, me parecia mais rasoavel ir procurar os recursos que podiam ainda offerecer as contribuições directas, e que seria um erro ir buscar esses recursos novos, de que se carecesse, a contribuições já em demasiado exploradas, como são as que recaem sobro o consumo.

Foi isto o que animei, e é isto o que traduz a convicção profunda, que se formou no meu espirito, pelo estudo das circumstancias economicas e financeiras em que nos achamos, e é isto que inspirou a minha consciencia D r, elaboração das propostas de fazenda que tive a honra de apresentar ao exame do parlamento.

Emquanto ao imposto que se discute não ser um imposto compensador, como disse o digno par, devo observar que outra é a opinião que se infere da leitura dos tratadistas, e, entre elles, de um muito afamado entre aos, de alguns annos a esta parte, e que frequentes vezes tem sido citado n’esta camara por muitos dos seus mais illustres membros; fallo no sr. Paul Leroy Beaulieu, cujos trabalhos a respeito das questões relativas á administração financeira constuiram, durante um certo tempo, o livro por excellencia, e que n’estes assumptos economicos é tido, cem com rasão, por uma das primeiras auctoridades. Se se consertar, repito, este tratadista, ver-se-ha que elle entenda ser e imposto sobre o rendimento uma forma de tributação propria para compensar o effeito e o peso das contribuições indirectas; mas que, para isso, deve ser lançado n’uma proporção moderada. O sr. Paul Leroy Beaulieu acrescem que este imposto representa, na legislação fiscal, a homenagem prestada a um principio de justiça, nina vez que a- taxa seja moderada, não devendo nunca exceder 2 a 3 por cento. É tambem opinião d’aquelle distinctissimo publicista que esta contribuição deve ser lançada recorrendo-se do preferencia ao systema das cedulas, como só faz na Inglaterra e na Austria. E n’este ponto sou naturalmente levado a defender o parecer da commissão da camara dos senhores deputados, que modificou precisamente n’este ponte a proposta de lei que eu apresentara em tempo. Acceitei ao modificações propostas n’este ponto pela referida commissão, embora o meu pensamento tivesse sido primitivamente tributar todos os rendimentos em globo. A camara dos senhores deputados entendeu preferivel, de accordo com a opinião citada do sr. Leroy Beaulieu, seguir o methodo adoptado em Inglaterra e na Austria, isto é, subdividir a cobrança, attendendo assim á principal objecção que se levantava entre nós contra este imposto, que era prestar-se a um systema inquisitorial, objecção que tambem na Inglaterra se levantou contra o income tax, e tambem ali obrigou á subdivisão em cedulas. Acceitei, pois, a alteração adoptada pela camara dos senhores deputados, porque, não se exigindo assim do contribuinte que declare a totalidade do seu rendimento, mas unicamente as diversas fracções d’esse rendimento, evita-se violar esse segredo, que entre nós se guarda com tamanho ciume. O imposto não deixará por isso de ser uma contribuição sobre o rendimento, como na Inglaterra o income taxe não deixa de ter essa natureza, apesar das cedulas, assim como não perder, tambem o caracter de imposto compensador, porquanto no projecto do imposto, tal qual elle se acha hoje em discussão, encontram-se todos os caracteristicos que o sr. Paul Leroy Beaulieu reputa necessarios para lhe conservar esse caracter.

Contestou-lho, porém, o sr. Serpa, á face das condições peculiares do nosso paiz, e n’esse caminho declarou s. exa., no que estou completamente cio accordo, que muito convinha, em questões d’esta natureza, ter em vista os elementos estatisticos e as cousas do nosso paiz, e que, examinada a questão á luz d’esses elementos, se conhecia bem que as condições em que o imposto vão ser lançado o farão recair quasi exclusivamente sobre Lisboa e Porto, o que exclua a idéa de que elle possa ser um imposto compensador. Mas o que admira que seja sobre estas duas cidades que recair, em grande parte este novo imposto, cuja creação é determinada pelas necessidades e urgencias do thesouro, se, por exemplo, com respeito á propriedade, es trabalhos estatisticos que acompanham o meu relatorio indicam que 25 por cento do rendimento predial pertence a Lisboa? Não é tambem aqui que se acham agglomerados quasi iodos os empregados publicos, visto terem a sua sede em Lisboa todas as secretarias, os tribunaes e altas corporações, e, n’uma palavra, todas as engrenagens d’esta nossa enorme machina administrativa?

Mas não são só os empregados publicos, que, pelo maior numero, residem em Lisboa; aqui o no Porto só encontra tambem uma grande parte da industria nacional, aqui existem os grandes bancos, n’uma palavra: se Lisboa e Porto constituem os dois grandes centros de população, como podo admirar que aqui se encontre o maximo rendimento collectavel? Pela mesma rasão, achando-se tambem em Lisboa e no Porto o maior numero de portadores de titulos de divida publica, de certo será n’estas cidades que a cedida A deverá dar maior receita; mas, por esse facto se dar, dir-se-ha que o aggravamento tributario para Lisboa e para o Porto, proveniente d’estes factos, representa uma injustiça? De modo algum. Não creio eu pois, que es argumentos de s. exa. contrariem de qualquer forma a convicção do caracter compensador d’este imposto.

Sr. presidente, a contribuição sobre o rendimento está hoje estabelecida em quasi todos os paizes da Europa, ainda que em muitos d’esses paizes tem a legislação respectiva soffrido importantes e successivas modificações. Na Italia constitue este imposto um grande elemento de receita, e ali tambem por vezes o de diversa forma se tom ido buscar á propriedade tambem um dos elementos do imposto se rendimento, em contrario do que foi asseverado n’esta casa por um digno par. E notarei de passagem que lá se não tem tornado reparado que os ministros acceitem modificações aos seus projectos, e esse ministros têem sido Sela, Minghetti, Scioloja, Cambray, Digny e outros homens distinctissimos.

Pois estes eminentes homens d’estado têem acceitado modificações de tal ordem que muitas vezes se deu o facto de pouco restar por fim do projecto ministerial primitivo.

(Apoiados.)

Seja, porém, como for, o que é certo é que era Italia esta contribuição sobre o rendimento, se tem sido alvo de muitas e successivas modificações, através de todas ellas o imposto sempre tem ficado.

Per isso responderei ás palavras e prophecias de s. exa.; o sr. Serpa, que o imposto entre nós uma vez estabelecido ha de convir a todos, e que esta lei ha de ficar. (Apoiados.)

Para facilitar esse estabelecimento é que, sr. presidente, o governo foi obrigado a acceitar para o rendimento da propriedade o minimo de 50$000 réis, adoptando para essa origem de rendimento um limite em geral, e na hypothese um limite tão elevado, foi a isso impellido por que nas condições actuaes do paiz era essa a maneira de fazer acceitar o imposto mais facilmente.

Sem contestar a grande influencia que esta facto possa ter sobre a productividade do imposto, sempre acrescentarei que não é muito facil, e não percebo como s. exa. o possa ter feito, o determinar qual seja a importancia do rendimento de todas as propriedades que produzem para seus donos menos de 50$000 réis.

Mas, sr. presidente, deixando essa questão, que os factos se encarregarão de esclarecer, direi agora que no discurso do digno par houve sobretudo um ponto que mo obrigou a pedir a palavra, e vou sem demora referir-me a elle, porque

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bem desejava terminar hoje o meu discurso. Refiro-me, inutil é dizel-o ao que o sr. Serpa disse ácerca dos titulos de divida publica. N’esse ponto não posso deixar de sustentar a proposta, embora na linguagem que á camara acaba de ouvir a s. exa., o digno par mostrasse não ser inteiramente contrario á idéa de tributar os juros da divida publica, e se limitasse unicamente a avaliar esta materia delicada sob o ponto de vista particular das disposições dos contratos de emissões de varios emprestimos realisados no estrangeiro.

Responderei a s. exa., que as disposições d’esses contratos a que se referiu não são de modo algum offendidas pela proposta que estamos discutindo.

Em primeiro logar não se trata de tributar os juros da divida publica, mas unica e exclusivamente de lançar um imposto gerai sobre todos os rendimentos dos cidadãos portuguezes, seja qual for a sua proveniencia, e com esta simples affirmação fica defendido o sr. presidente do conselho da contradicção em que quizeram fazel-o encontrar, e a mim proprio tambem, porquanto as clausulas dos contratos que referendámos não se referem senão a emprestimos externos, e a juros pagos em paizes estrangeiros.

Ora, aqui trata-se unicamente dos cidadãos portuguezes; tributa-se unica e exclusivamente o rendimento d’estes cidadãos, seja qual for a fonte donde provenha.

Mas, sr. presidente, n’esta materia de credito publico gosto dos argumentos de auctoridade, o sobretudo, se tal auctoridade é indisputavelmente boa, acolho-me muito voluntariamente a ella.

Seguindo, pois, essa ordem de idéas, se formos consultar em primeiro logar os tratadistas mais illustres, economistas mais distinctos, os auctores d’aquelles livros que devem andar na mão de quantos se occupam de questões de fazenda; se, por exemplo, consultarmos a sciencia das finanças de Rau, livro que está traduzido em todas as linguas, encontraremos ácerca do ponto em discussão o seguinte:

«Tem-se receiado que o tributo sobre os juros prejudique o credito publico, fazendo baixar as cotações, e difficultando novos emprestimos.

«Mas uma providencia de caracter geral, que assenta um evidente principio de justiça, e que não é contraria á escrupulosa execução de determinados compromissos anteriores, não póde causar damno ao credito do estado, mesmo porque vem abrir a este um novo recurso.

«O contrato celebrado entre o estado e os seus credores não póde tolher aquella imposição, porque de modo algum os poderia isentar do dever commum a todos cidadão, o com respeito á obrigação do imposto em si não póde deixar de ser completamente indifferente de quem o contribuinte recebe os juros que constituem o seu rendimento, exactamente como um individuo que tendo alugado uma casa ao estado, não deixa por isso de lhe pagar a contribuição de renda de casas.

«Poderá acontecer que, ao estabelecer-se esto imposto, as cotações se affectem ligeiramente, mas um similhante factor pequena influencia póde ter em comparação de outros mais importantes que determinam o preço dos fundos.»

É isto é uma grande verdade. Não é de certo um imposto geral sobre o rendimento que póde affectar o credito publico; o que póde affectal-o, o que constituo um factor para ter em conta n’esta questão, é a desorganisação da fazenda publica, é o excesso de despeza, e a falta de methodos seguros e de severa fiscalisação na administração dos dinheiros publicos. Em se respeitando estos factores, que são os essenciaes, poderá haver uma perturbação de momento, mas a verdade ha de apparecer, e a firmeza no preço dos fundos ha. de accentuar-se.

Se deixarmos Rau e a sciencia allema, e passarmos a Beaulieu e á sciencia franceza, acharemos a mesma doutrina, affirmada ainda com maior vigor.

Deixemos, porém, os tratadistas, e vamos ver o que se pensa sobre esta materia por parte de legisladores e estadistas nas outras nações.

Em um relatorio apresentado por Cazimiro Perier á assembléa nacional de Bordéus, em 1871; dizia este estadista o seguinte:

«O pensamento de sujeitar de um modo directo os juros da divida publica franceza a um imposto especial não entrou até hoje na mente de ninguem. Propoz-se por mais de uma vez o que é perfeitamente diverso, submetter os titulos da divida, publica a direitos de doação ou successão, e na actualidade pendem de discussão n’esta camara propostas d’esse genero. Examinaremos mais tarde essa questão, limitando-nos por emquanto ao estudo de um tributo geral, abrangendo a um tempo a totalidade dos rendimentos mobiliarios. A minoria da commissão, embora professando o mesmo respeito que anima a maioria com relação aos compromissos provenientes de contratos, julgou, comtudo, n’este caso particular, que os rendimentos provenientes da divida publica não deveriam gosar de immunidade. Se os juros da divida publica não podem ser assumpto de uma tributação especial, não provem isso unicamente da promessa em contrario feita peia lei de 9 vendimiario do anno VI, a qual declarava no artigo 98.° isento de qualquer deducção, (retenue) presente ou futura, o terço da divida publica convertida em inscripções, mas sim porque um similhante compromisso nasce da propria inercia do contrato entre devedor e credor; provem de que o primeiro d’estes não póde a seu bello prazer modificar as condições do mutuo que lhe foi feito; nasce de que na ausencia mesmo de estipulações escriptas, a boa fé não consente áquelle que deve reter ou distrahir do capital que deve, ou dos juros que se comprometteu a pagar uma parcella qualquer.

«Posta n’estes termos a questão, estava resolvida de antemão. Mas o que é licito perguntar é se á nação foi licito alienar, por qualquer fórma que podesse ter sido, um direito imprescriptivel, qual é o de impor encargos á todos os seus filhos, o de lhes impor uma parte proporcional nos sacrificios a fazer sobre a sua fortuna privativa no interesse de todos, seja qual for o emprego que elles tenham dado á sua fortuna.

«A Inglaterra não hesitou em comprehender os seus consolidados de 3 por cento e as suas annuidades entre as origens do rendimento tributavel.

«Debalde se quererá allegar, que para assim proceder teve essa nação de se dirigir á totalidade dos rendimentos, sem distinguir a proveniencia d’estes e ignorando essa proveniencia; porquanto, embora seja, após uma declaração geral, é comtudo por meio de uma deducção directa dos juros de divida, effectuada por occasião do pagamento distes, que tem logar a cobrança do imposto.

«Os estrangeiros possuidores de titulos de divida nominativos não gosam em Inglaterra de isenção alguma, ao passo que na França ninguem pretenderá associar aos encargos que as nossas desgraças fazem pesar sobre a nação, os estrangeiros não domiciliados no paiz, que não residem habitualmente n’elle, o que estão sendo nossos credores.»

Quer dizer, sr. presidente, que em Inglaterra, conforme! se assevera n’este relatorio, entendeu-se que se podia estabelecer o imposto geral sobre o rendimento, comprehendendo n’elle os juros da divida publica. E quer a camara saber qual a expressão usada em Inglaterra para significar! os privilegios da divida publica? É a mesma que se usa em Portugal, e apesar disso o banco administrador da divida publica desconta os juros no acto do pagamento.

« Free of all taxes and charges» — Livres de qualquer imposto ou encargo. Privilegio este que Pitt e Oladstone declararam não poder nunca entender-se como embaraçando o lançamento de qualquer imposto geral. Disse o digno par, o sr. Antonio de Serpa, que lá fóra os governos não tinham contratos com os possuidores dos titulos de divida publica.

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Pergunto a s. exa. se os contratos e clausulas, a que se referia mr. Gladstone, eram menos para respeitar do que os de Portugal? O facto é, porém, que na Inglaterra se entendeu que não havia inconveniente algum em tributar aquella origem de rendimento.

Não canso por mais tempo a camara. Apenas direi que não póde concorrer de fórma nenhuma para o mau exito do emprestimo a votação d’esta camara com relação á classe ou cedula A, em virtude da qual o imposto incidirá sobre os titulos de divida do estado. Os juristas portuguezes teem dado a esse respeito exemplo de muito patriotismo, o que, longe de enfraquecer o credito do paiz perante os capitalistas estrangeiros, o teem exalçado. Senão, veja-se a elevada cotação que os nossos fundos mantêem em Londres, e que se teem accentuado mais com a perspectiva proveniente da votação dos impostos.

Portugal é uma ração honrada; como tal se deve conservar, e a maneira por que o paiz se está prestando aos sacrificios que lhe são exigidos, a maneira por que o governo, a sua maioria e a opposição no parlamento estio reconhecendo a necessidade do imposto, tudo isto não póde fazer senão exalçar o credito nacional e concorrei- uma que o emprestimo, que é necessario contrahir, se realise em condições as mais favoraveis.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã, 29 do corrente, é a continuação da discussão do parecer n.os 103, e a dos pareceres n.os 122, 83, 88, 100, 117, 121, 92, 92-A, 112, 87, 120, 118 e 85.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 28 de maio de 1880

Exmos. srs.: Duque d’Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Podentes, de Rio Maior, de Samodães, de Valbom, da Fonte Nova, da Ribeira Grande; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, do Asseca, de Borges de Castro, de S. Januario, de Ovar, da Praia, da Praia Grande, de Soares Franco, do Valmor; Barão de Ancede; Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Berros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de lucilo, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Cosia, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Pestana Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos do Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattozo, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun o Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias da Carvalho, Ornellas, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.

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