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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 30 DE NOVEMBRO DE 1858.

PRESIDENCIA DO EXMO. SR. VISCONDE DE LABORIM, VICE-PRESIDENTE.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

D. Pedro Brito do Rio.

(Presente ao abrir da sessão o Sr. Ministro das Obras Publicas, que se retirou, por objecto de serviço, antes de terminar a leitura da correspondencia.)

As duas horas e meia da tarde, achando-se presente numero legal, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente sessão, que se julgou approvada por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um Officio do Ministerio da Fazenda remettendo 60 volumes dos Mappas Geraes do Commercio de Portugal com as suas possessões ultramarinas e nações estrangeiras no anno civil de 1855.

Mandaram-se distribuir.

-da Camara dos Srs. Deputados, enviando uma proposta de lei, sobre o modo de regular a gratificação a que tem direito o Official do Exercito que exercer o Commando militar da cidade de Coimbra.

A commissão de guerra e fazenda.

-da mesma Camara, remettendo uma proposta de lei, sobre serem applicaveis aos Officiaes da Armada as disposições da Carta de Lei de 17 de Julho de 1855.

À commissão de marinha.

O Sr. Presidente declarou que se passava a lêr a interpellação do Sr. Marquez de Vallada, que na sessão de 26 não fóra votada por falta de numero.

Foi lida na Mesa, e não se repete aqui por estar inserta no Diario n.º 292.

O Sr. Presidente propoz que os Dignos Pares que annuissem a ser esta nota de interpellação remettida ao Sr. Ministro do Reino tivessem a bondade de o significar por votação.

Verificada a annuencia da Camara, disse

O Sr. Presidente que se remetteria ao Sr. Ministro; e antes de se entrar na ordem do dia, concedia a palavra ao Sr. Marquez de Ficalho.

O Sr. Marquez de Ficalho declara que cedia da palavra porque tendo-a pedido para interpellar o Sr. Ministro das Obras Publicas sobre a necessidade e urgencia de conservar umas docas no intervallo que se acha entre a Pampulha e o Terreiro do Paço, o dito Sr. Ministro lhe dissera que não podia assistir á sessão por motivo de serviço, e neste caso elle orador se reserva para quando S. Ex.ª esteja presente. (O Sr. Visconde da Luz pede a palavra.) Se o Sr. Visconde da Luz podér porém responder ao objecto, fará S% Ex.ª um grande serviço, porque hoje ha grande terror na classe maritima mais pobre, receiando que deixe de haver um ponto de refugio para occasião de perigo. Ainda ficou por ora um resto de abrigo no que está para atterrar entre a Boavista é o cáes da Ribeira-nova, onde ultimamente se tem salvado muita gente. Ahi vira elle orador na manhã desse dia grande numero de barcos acolhidos, e felizmente ainda o refugio era sufficiente para abrigo desse consideravel numero de barcos, mas se aquelle abrigo se atterrar não haverá desde a Pampulha até ás caldeiras de Santa Apollonia onde se refugie nestas occasiões de temporal um bote desta desgraçada classe maritima. Entende que se deve ter todas as attenções pela classe rica, mas que igualmente se não póde esquecer da classe desgraçada, a qual fica completamente exposta fazendo-se o atterro sem as necessarias docas. Cria-se naquelle ponto um passeio sem duvida lindíssimo, obra que approva, mas se não se deixar um ancoradouro para as classes desgraçadas, estas arriscarão as suas vidas, e o seu capital, embora representado n'um pequeno bote. Agora ainda acharam aquelle refugio, mas ficarão sem elle, se isto não se tiver muito em vista. (Entrou o Sr. Ministro da Fazenda.) Reserva-se portanto para quando estiver presente o Sr. Ministro das Obras Publicas. (O Sr. Ministro da Fazenda—Peço a palavra.) O orador continua dizendo, que S. Ex.ª sabe que isto não é surpreza, é simplesmente uma petição; pois que nesta Camara é um procurador do pobre barqueiro de Lisboa, do pobre desgraçado que vendo-se constantemente em risco devida dia e noite, precisa um refugio para a occasião do perigo.

O Sr. Visconde da Luz declara que tem muita satisfação de estar habilitado para podér responder á interpellação do seu nobre amigo o Sr. Marquez de Ficalho.

Desde muito tempo, mesmo antes de se emprehender aquelle cáes ou paredão da Boa-Vista já havia tenção de se construir uma doca no cáes de Santarem Esse projecto foi ha tempo ao Conselho das obras publicas, fez-se o orçamento, e o Ministro de então esteve a ponto de principiar os trabalhos. Essa doca era destinada a substituir as duas de Santa Apollonia, que de alguma cousa servem, em quanto outras se não fazem. Assevera mais á Camara, que quando se principiou o atterro da Boa-Vista já se fazia tenção de construir, não um abrigo, mas dois, um junto á Ribeira-nova, e outro em frente das carvoarias da Boa-Vista, deixando aberturas no paredão para entrarem os barcos que precisarem de abrigo. É este o plano que está no Ministerio das Obras Publicas, e talvez que a estas horas já esteja approvado.

O Sr. Ministro da Fazenda—O Sr. Ministro das Obras Publicas sabia que o Sr. Marquez de Ficalho queria interpellar a S. Ex.ª, porque o Digno Par teve a delicadeza de o prevenir; mas o meu collega tendo vindo á Camara para res-

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ponder, foi agora obrigado a retirar-se por objecto de serviço, e encarregou-me de responder em seu logar. Felizmente, porém, o Sr. Visconde da Luz, competentissimo a todos os respeitos, sobre tudo nesta materia, preveniu-me no que eu tinha a dizer, e fel-o muito melhor do que eu.

A verdade é que o Governo emprehendendo a obra do atterro, que foi considerada uma obra indispensavel para o melhoramento hygienico da capital, obra a que o Governo pretende dar o desenvolvimento de que é merecedora esta cidade, abrindo algumas ruas com a largura sufficiente para dar um transito mais commodo e facil á circulação do que as ruas actuaes; entretanto não se esqueceu tambem da necessidade de estabelecer um abrigo no Téjo para eventualidades como aquellas por que presentemente estamos passando. N'um plano que o Sr. Ministro do Reino mandou fazer o anno passado, por occasião da febre amarella, lá está designada uma doca para preencher o fim que tem em vista o Digno Par; e, por consequencia, eu o que posso asseverar a S. Ex.ª é que esse objecto não está em esquecimento, e ha de ser attendido.

O Sr. Marques de Ficalho declara-se perfeitamente satisfeito, e chama a attenção dos tachygraphos sobre as notas do que se acaba de dizer, a fim de convenientemente se publicar na sessão, e de certo modo se aliviar o susto em que está a maior parte da gente que tem aquella terrivel vida do mar, por não achar um abrigo no rio.

O Sr. Presidente declara que se passa á primeira parte da ordem do dia, que é a apresentação de pareceres de commissões. (Pausa.)

Como ninguem pede a palavra é obrigado a fazer nova requisição aos Dignos Pares, que são membros das commissões, observando-lhes, que se não derem pareceres sobre os projectos que lhes teem sido remettidos, daqui a uma ou duas sessões, mais a Camara estará inhibida de continuar os seus trabalhos.

Designa as commissões que devem ter pareceres a apresentar.

O Sr. Visconde de Ourem deseja saber quaes são os trabalhos distribuidos á commissão de guerra?

O Sr. Presidente satisfaz ao Digno Par dizendo quaes são.

O Sr. Visconde de Ourem redargue não lhe constar que esteja na commissão de guerra projecto algum.

O Sr. Presidente expõe que os apontamentos a que acaba de se reportar provieram da Secretaria.

O Sr. Visconde de Ourem expõe que tem sido sempre assiduo em perguntar na Secretaria se ha alguma cousa para a commissão de guerra, e ahi se lhe ha respondido que não....

Sobre o projecto a que o Ex.mo Sr. Presidente aludiu dos 60:000$000 para os trabalhos da viação na provincia de Angola, já a commissão de marinha deu o seu parecer, que está na commissão de fazenda, que tambem devia ser ouvida. Assim a commissão de guerra não tem projecto algum sobre que dar parecer

O Sr. Visconde de Athoguia roga ao Sr. Presidente a bondade de lhe indicar quaes os pareceres que a commissão de marinha tenha a dar?

O Sr. Presidente leu a nota que existia sobre a mesa, a qual se reportava ao projecto de lei sobre arrolamento da gente de mar.

O Sr. Visconde de Ourem diz que tal projecto não póde ter andamento, porque no contexto se exara que se regulará pelo modo do recrutamento da gente de terra, e tendo essa Lei do recrutamento de ser alterada qualquer dia. seria por consequencia nullo qualquer trabalho que antes disso se fizesse.

O Sr. Presidente observa ao Digno Par, que não é possivel adivinhar-se na secretaria da Camara o pensamento dos membros da commissão.

O Sr. Conde de Thomar pede a palavra só para fazer sentir que entre os projectos mencionados pelo Sr. Presidente ha alguns que são da iniciativa do Governo, e em vista do que se contém no discurso da Corôa, é natural que os Srs. Ministros não insistam no andamento desses projectos, por isso mesmo que estão annunciadas propostas comprehendendo em grande os objectos a que se referem os mesmos projectos; devendo pois reservarem-se os Dignos Pares para quando chegarem essas propostas. Acha entretanto conveniente que os Srs. Ministros tenham a bondade de verificarem nas commissões aquelles projectos, cuja necessidade SS. Ex.ª entendam deve ser attendida pela Camara, e por consequencia discutidos.

O Sr. Ministro da Fazenda tomará, porém, na consideração que julgar conveniente esta observação, suggerida pelas que apresentou o Sr. Visconde de Ourem.

Mesmo pelo que respeita á Lei do recrutamento, no discurso do Throno promette-se uma medida sobre este objecto; para que é portanto occupar-se agora a Camara desta materia, quando ella ha de ser comprehendida na lei geral?... O Sr. Ministro da Fazenda, repete, tomará isto em consideração, e o communicará aos seus collegas.

O Sr. Presidente como o Sr. Ministro está presente, S. Ex.ª dará as providencias necessarias.

O Sr. Secretario Conde de Mello declarou que os projectos que foram lidos na Mesa, teem todos a direcção que se lhes determinou, e expôz qual era.

O Sr. Visconde de Ourem em vista desta declaração, julga realmente admiravel, que sendo elle orador diariamente assiduo em procurar na secretaria se ha alguma cousa para a commissão de guerra, recebendo sempre resposta negativa, se leia nesta occasião na Mesa os numeros de alguns projectos remettidos á commissão de guerra!

Quanto ao projecto que foi á commissão de marinha, sobre o arrolamento da gente de mar, já disse que o trabalho que se fizesse agora seria inutil.

O Sr. Presidente expõe que a este respeito fica a Mesa inteirada, e que se passa á segunda parte da ordem do dia, que é a interpellação do Sr Conde de Thomar.

O Sr. Conde de Thomar recorda á Camara de que elle orador enviara á Mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, sobre o Decreto de 21 de Setembro de 1858, publicado no Diario do Governo de 9 de Novembro, pelo qual se determinou que seis dos canonicatos da Cathedral de Lis boa, sejam exclusivamente destinados para ser providos em seis presbyteros, doutores pela Universidade de Coimbra, em theologia ou direito, que no seminario de Santarem devem exercer o magisterio.

Neste mesmo Decreto se determina que os ditos doutores antes de serem coitados, hajam de assignar um termo pelo qual se obriguem a exercer o magisterio por espaço de quinze annos. e recusando assignar o dito termo, ou mesmo se, de pois de colados no beneficio, e occupados no magisterio, suspenderem o exercicio deste por tempo de um mez consecutivamente, se deve entender então que ipso facto voluntariamente renunciam a cadeira capitular, e será esta declarada competentemente vaga para nova apresentação.

Deve elle orador dizer, que entendeu, depois de reflectir sobre esta materia, que houve alguma precipitação em parte das disposições deste Decreto, e que não se attendeu aos principios de direito canonico estabelecidos entre nós, e pelo contrario se proclamou uma doutrina que não é sustentavel. Foi por este motivo que julgou dever dirigir a respectiva nota de interpellação ao Sr. Ministro; ouviria as respostas de S. Ex.ª. e depois dellas mandaria uma proposta para a Mesa, se o julgasse conveniente, ou então deixaria á consideração da Camara o avaliar o acto praticado pelo Sr. Ministro. Depois de ter formado este plano, foi informado, mas não officialmente, de que já se acha entabolada uma negociação a fim de obter de Sua Santidade uma bulla de sancção, para algumas das irregularidades em que se tivesse incorrido por virtude das disposições deste Decreto. Se este facto é verdadeiro tem o orador conseguido o seu fim, e então cessaram seus escrupulos: no caso, porém, de mal informado, dará as razões que teve para se occupar deste objecto. Se pois o Sr. Ministro tiver a bondade de responder á sua pergunta, essa resposta lhe servirá para saber qual a marcha que deve dar á sua interpellação.

O Sr. Ministro da Fazenda e das Justiças — Sr. Presidente, este negocio é muito grave, e não me parece que a Camara interesse em que elle seja tractado pela maneira por que eu vejo o quer tractar o Digno Par.

S. Ex.ª tinha formado um plano o qual agora entendia não dever levar á execução; mas eu peço a S. Ex.ª, que não desista desse plano, e que o leve a effeito. O Digno Par entende que o Decreto a que alludo offende o direito canonico, e tinha intenção de provar esta proposição; mas S. Ex.ª alterou este seu plano em virtude das informações extra-officiaes, que recebeu. Rogo a S. Ex.ª que dê essas informações como não recebidas, e se occupe de produzir os motivos em que se funda para emittir a sua opinião de que eu no Decreto a que S. Ex.ª se refere feri o direito canonico. Depois de fallar o Digno Par, eu mostrarei com ajuda de Deos, que não tem fundamento esta proposição do Digno Par.

O Sr. Conde de Thomar fez sentir que pela resposta Sr. Ministro elle orador é convidado a dar as razões por que entende que o Decreto offende o direito canonico. Dirá primeiro que as informações extra-officiaes que elle Digno Par recebeu e mencionou, ainda estão em pé, visto que S. Ex.ª não quer ter a bondade de responder á pergunta que lhe dirigira. Não vem á Camara nesta questão ser advogado dos direitos e regalias do Summo Pontífice. S. Santidade tem nesta Côrte o seu representante, e a este compete o apresentar as reclamações que julgar convenientes. Estimará muito elle orador que não haja motivo para tal; e tambem estimará que o Governo não encontre nenhuma difficuldade na execução do Decreto, porque terá prazer em vêr que o Poder temporal exerce grande acção mesmo nos negocios que respeitam á igreja; mas queira Deos que este Decreto no futuro não encontre difficuldades, e se convença então o Governo de que adoptou disposições inexequiveis.

Temos uma Patriarchal erecta em virtude de bulla de Sua Santidade. Temos que essa bulla para ser executada neste reino leve um Juiz executor, que foi o Em.mo Cardeal Patriarcha Saraiva; e neste negocio andou o seu executor em conformidade com os costumes e estylos usados neste reino, procurando para tudo o consentimento e auctorisação de Sua Magestade Fidelissima. Lavrou-se a competente sentença para a organisação da Sé; e sujeitou-se essa organisação á approvação das Côrtes, naquella parte em que della carecia. Temos por consequencia uma Sé organisada conforme os principios de direito canonico, e pela Lei temporal; e um quadro definido tanto por um, como por outro podér. Note a Camara que por esse quadro se estabelece na Sé um certo numero de dignidades, e de conegos, expondo-se na respectiva sentença que esse numero é indispensavel para o serviço e esplendor do culto.

Em vista disto entende elle orador, que se não podem tirar os conegos da Sé Patriarchal, sem necessidade justificada, para não ficar desprovida a cathedral; porque, tirando-se do quadro dos conegos alguns para os Seminários, outro para Vigário geral, outros para commissões, além dos que podem adoecer, resultará disso ficar a Sé sem o numero de conegos sufficiente para funccionar.

Não é este ainda o ponto mais importante de que ora tracta, se bem lhe parece que a prudencia pede ao Governo não desprova a cathedral do numero preciso para o esplendor do culto: a sua questão assenta principalmente no artigo 3.° deste Decreto, pelo qual se determina que os conegos apresentados nestes seis canonicatos, destinados para os doutores que ensinarem theologia ou direito no seminario de Santarem, sejam obrigados a assignar termo de que hão de exercer esse magisterio por espaço de quinze annos, e se durante um mez seguido, sem motivo justificado, deixa rem de exercer o magisterio, fiquem privados ipso facto do beneficio, julgando-se que renunciaram. Isto é que elle orador entende que se não poderá sustentar. Em vista do direito, em vista da sentença da organisação da Sé cathedral, e em vista dos principios geraes que regulam esta materia, os conegos da Sé cathedral de Lisboa ficaram investidos de todos os direitos, e encargos e regalias que, competem aos conegos canonicamente instituidos. Ora, uma das obrigações que competem aos conegos canonicamente instituidos é a de assistir ao coro. Diz o Concilio: in choro ad psallendum instituti hymnis et canticis Dei no men laudare — e pelo Decreto do Governo ficam aquelles conegos exonerados desta obrigação.

Entre os direitos que competem a estes mes mos conegos, é o de participar de todos os effeitos da collação canonica. Quaes são os effeitos dessa collação, ou, antes disso, o que é a collação?... A collação é a concessão do beneficio, conferindo-se ao provido titulo do mesmo beneficio, com todos os direitos espirituaes e temporaes, e vantagens inherentes a esse mesmo beneficio. Qual é a condição essencial da collação? A condição essencial da collação é a perpetuidade. Isto é um principio que não admitte objecção Então, pergunta, poderá dizer-se que se sustenta este principio de direito canonico, e esta provi são do Concilio de Trento, quando o Governo pelo seu Decreto diz, que a collação póde deixar de ser perpetua, em certos casos, quando annulla mesmo completamente os effeitos da collação, porque diz, que ipso facto ella deixará de surtir os seus devidos effeitos? É isto exactamente o que se contém no artigo 3.', e tal disposição, que torna a renuncia obrigatoria, é tanto mais odiosa na opinião delle orador, quanto que ella se converte em uma pena, que não é infligida em virtude de processo, mas ipso facto; e penas assim infligidas, no seculo em que vivemos, estão até banidas do direito civil! Determina o Decreto que um individuo seja privado ipso facto, não de um emprego civil, mas de um emprego ecclesiastico, ou de um beneficio em que está collado, e que tem a condição essencial da perpetuidade: pergunta em que legislação, em que Canon, em que disposição do Concilio de Trento achou o Governo fundamento para a disposição do seu Decreto?... O Sr. Ministro disse que, depois delle orador desenvolver a sua interpellação, S. Ex.ª confiava em Deos, que havia mostrar completamente o direito que tinha o Governo de adoptar esta medida. Tambem elle orador espera em Deos, que lhe dará vida, para ouvir o Sr. Ministro citar a disposição canonica em que o Governo auctorisou esta medida. Diz o direito canonico que a perpetuidade é condição canonica dos beneficios collados, e a collação deve ser feita sem nenhum pacto, condição ou ajuste — absque nullo pacto condilione, aut modo. — A collação que laborar em algum destes.vicios é nulla aliter facto collatio omni robore et validitate distituitur.

Estimará que o Sr. Ministro opponha textos a textos, e desejará que, na fonte onde elle orador foi tomar estas disposições, que regulam a materia, S. Ex.ª encontre Leis que possa oppôr a estas Leis.

Elle orador tambem podia tractar nesta occasião outra questão, e vinha a ser — se na disposição condicional deste Decreto, em que se inverte inteiramente o principio, ou natureza dos beneficios, havia a simonia, que os canonistas chamam convencional, muito embora obtida com o especioso pretexto de meliori bono. Este ponto, porém, não o desenvolve: deixa-o aquelles que forem mais escrupulosos nesta materia; sendo, comtudo, certo que este negocio não deixa, nem deixará de influir nas consciencias mais escrupulosas, para não acceitarem um canonicato que se dá com obrigação de ir exercer um serviço méramente temporal. O Sr. Ministro não póde ignorar, que a proposição de que não ha simonia, quando se impõe uma obrigação temporal em troca de um beneficio espiritual, se o serviço temporal só era motivo de se conferir o beneficio espiritual, foi condemnada no tempo de Innocencio XI, e a condemnação de uma tal proposição fórma hoje a doutrina geral da Igreja. Uma das obrigações principaes dos conegos é a residencia no seu canonicato para o fim já indicado quando referiu o texto concernente á questão. Quaes são porém as causas que o direito estabelece para a não residencia? São, primeira, a doença; segunda, força maior, como a prisão e outros casos identicos; terceira, a evidente utilidade da igreja, e por extensão a utilidade do Estado. Mas note-se que esta terceira é um favor de direito—pôde mesmo dizer-se que é uma graça— e sendo assim não, póde, contra direito, converter-se em obrigação. No Decreto do Governo é rigorosamente convertido em obrigação, e tão odiosa que o faltar a ella durante um mez consecutivo, isto é, o deixar de ensinar durante este periodo, importa a perda do beneficio, que de sua natureza é perpetuo; e o orador deseja que o Sr. Ministro lhe diga, se o podér temporal póde inverter a natureza dos beneficios? No Decreto falia-se em renuncia voluntaria, e a proposito, lembra o orador, ser tão voluntaria como a dos colonos negros serem engajados pelo Governo francez! (riso).

Supponha-se que um dos providos, nos termos do Decreto do Governo, mais tarde verificou que não póde satisfazer aos deveres do magisterio. Poderá elle, fundado nas disposições do direito canonico e do concilio de Trento, vir exercer as obrigações que lhe impõe a collação no canonicato? Este caso, accrescenta o orador, não está previsto no Decreto; mas se este se executar rigorosamente, aquelle conego não pôde julgar-se com direito a assumir as funcções inherentes á cadeira capitular, de que não póde ser privado senão pelos meios estabelecidos em direito, os quaes todos são invertidos no Decreto do Governo.

A renuncia voluntaria é effectivamente uma das cousas pelas quaes se póde annullar a nomeação; e é certo, que segundo o direito canonico, a mesma renuncia não póde ter logar senão por troca, por morte, ou por pena comminada em processo e sentença competentes. No Decreto, porém, são desconhecidas todas estas causas, que são as unicas estabelecidas em direito canonico.

Quando o legislador adopta uma medida deve necessariamente desde logo vêr as difficuldades que podem apparecer na sua execução, porque sem isso a medida será irreflectida, e não produzirá o effeito desejado. Pergunta ao Sr. Ministro como ha de S. Ex.ª providenciar pelo theor do Decreto nas seguintes hypotheses. Um doutor em theologia ou em direito é chamado pelo Governo, e declara-se-lhe que será provido em um canonicato de Lisboa, sujeitando-se a ir ensinar no seminario de Santarem. Este individuo acceita, mas passados alguns annos, não obstante esse termo que o póde obrigar por um principio de honra, mas não em presença do direito, recusa-se continuar a exercer o magisterio no seminario, e apresenta-se no seu canonicato. Pela lettra do Decreto este homem perdeu o seu canonicato, porém elle está na Sé cumprindo os seus deveres de conego, e que Lei terá o Governo para o obrigar a renunciar ao cabido? Será mettendo-o em processo? Qual o tribunal ecclesiastico que, tendo de um lado o concilio de Trento e os canones, e do outro o Decreto do Governo, condemne este individuo? Segunda hypothese, supponha-se que um individuo acceitou na melhor boa fé (porque o outro póde reputar-se de má fé), entendendo que podia exercer aquellas funcções; chegou porém uma época em que as forças phisicas lhe faltaram, abandonou o seminario, e veio para o seu canonicato, que meio ha de castigar este individuo, que em muito boa fé e consciencia entendeu que abandonava devidamente aquelle logar para vir exercer o seu canonicato? O Decreto nesta parte é inexequivel. Em taes circumstancias estes individuos não podem canonicamente ser privados dos seus beneficios, cujas funcções poderão exercer, seja ou não seja isso da vontade do Governo; e este não conseguirá o seu fim de ter seis doutores em theologia ou direito providos em seis canonicatos da cathedral para ensinar no seminario de Santarem. Cumpria por tanto ter andado com mais alguma reflexão neste negocio. E se o Governo não priva este individuo, muito embora violenta e despoticamente, do seu beneficio, ficará neste caso a descuberto o principal defeito que elle orador nota no Decreto, ter o Governo adoptado uma medida que não póde sustentar em presença dos principios de direito, e que por consequencia legisla medidas inuteis.

O pensamento de ter bons professores naquelle seminario é louvavel, e ninguem o póde contestar, a Camara e a nação estão de accôrdo nelle, nem podia deixar de ser assim, porém é necessario empregar meios adequados e convenientes para conseguir esse fim. Nestes termos o caminho a seguir é diverso: em logar de dar desde logo este beneficio com aquelle encargo—o que envolve a destruição dos princípios—era melhor ter dito que o doutor em theologia ou direito que ensinasse tantos annos no seminario de Santarem seria attendido com preferencia para os canonicatos que vagassem na Sé patriarchal. Assim praticava-se pouco mais ou menos como na Universidade. Nesta não se faziam pactos, havia certas cadeiras, cujas funcções eram desempenhadas por doutores em theologia, direito canonico e civil, e quando chegavam a certa altura então compelia-lhes entrar no canonicato; mas isto mesmo não foi feito só pelo podér temporal, houve tambem o concurso do podér espiritual.

O orador não deseja cançar a Camara com a relação das bullas expedidas no tempo da antiga monarchia, nas quaes se concedia estarem annexas as cadeiras de magisterio a canonicatos, e até mesmo a igrejas parochiaes; mas faz sentir que se fazia então isto devida e canonicamente por accôrdo entre os dois poderes. Pôde agora, na Sé de Lisboa, organisada tambem de accôrdo com os dois poderes, o podér temporal só por si separar estes conegos e destinal-os a diverso mister daquelle para que se crearam os canonicatos?... Eis o motivo porque disse que se deveria ter andado com mais reflexão, e neste objecto, e era mais harmonia com os principios estabelecidos. Com que direito se julgou o Governo para de auctoridade propria dispensar da residencia na Sé estes seis conegos e mandal-os para Santarem?! (Apoiados.) Não se diga que ha a auctorisação do Sr. Patriarcha. porque nem este a podia dar, por não ser Papa, nem o Sr. Ministro se póde considerar o imperador da Russia ou a rainha de Inglaterra para reunir em si os dois supremos poderes temporal e espiritual. (Riso.) Só a Santa Sé é que póde dar em taes casos o breve de non residendo; e tudo quanto não fôr de accôrdo com esta disposição, é uma usurpação. Não se infira desta sua exposição que elle orador se torna nesta Camara defensor dos direitos da Santa Sé; só deseja não concorrer para que se faça uma invasão nos seus direitos, porque as invasões mutuas dos dois poderes teem sempre mãos resultados.

De quanto tem dito se conclue que este decreto no artigo 3.º é insustentavel. Accrescenta comtudo que é louvavel o seu pensamento — pensamento que adopta, que sempre adoptou, e que se acha na Lei de 8 de Janeiro de 1845, que elle orador teve a honra de referendar. Nesta, porém, estabelecia-se que se desse a preferencia para os canonicatos aos alumnos que estudassem em Coimbra theologia ou canones, porém de fórma nenhuma estatuía condições como neste decreto. Parece-lhe, portanto, que não ficaria mal ao Governo reconsiderar a disposição deste artigo 3.º pelo que diz respeito á renuncia obrigatoria, e

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ipso facto, do canonicato, aquelle que não satisfizer as obrigações que lhe impõe este mesmo Decreto, parece-lhe tambem que o Governo não faria mal em procurar obter um breve de Sua Santidade para estes seis conegos poderem deixar de residir na respectiva cathedral além daquelle tempo que se acha marcado no Concilio de Trento.

Na verdade sente que o Sr. Ministro não quizesse responder affirmativamente á pergunta que elle orador lhe dirigira; mas se não foi mal informado (e julga que não) parece-lhe que os escrupulos já chegaram a muita parte, e que alguma negociação está entabolada; parece-lhe mesmo que os escrupulos já chegaram até a alguem provido n'um dos canonicatos com esta obrigação, muito embora não allegasse no seu requerimento esses motivos. Quanto pois se dão todas estas circumstancias, repete que, lhe não parece máo que o Governo reflectindo sobre a disposição do artigo 3.°, tracte de o harmonisar com o direito. Esta foi a razão mais principal porque entendeu que devia interpellar a S. Ex.ª, e esperar a sua resposta para proceder como julgasse mais conveniente.

O Sr. Ministro da Justiça—Sr. Presidente, eu sinto pelo Digno Par, que S. Ex.ª se quizesse encarregar desta interpellação, pois não sei a gloria que lhe possa resultar de triumphar neste debate sobre um assumpto em que S. Ex.ª é competente, e eu não; qualquer que seja o resultado deste combate, para S. Ex.ª não resulta vantagem alguma, e S. Ex.ª mesmo já comprehendeu que podia alguem censural-o (não eu) de vir S. Ex.ª aqui, não sustentar as prerogativas da Corôa portugueza, mas sustentar as prerogativas de alguma outra potencia, que se não julgou offendida com o acto que pratiquei; não sou eu, mas sim foi S. Ex.ª mesmo que indicou que -se poderia tirar essa consequencia da sua interpellação.

A verdade é, Sr. Presidente, que quando eu submetti á assignatura do Chefe do Estado este Decreto de 21 de Setembro, entendi que tinha feito um grande serviço, e honro-me ainda de ter referendado esse Decreto: estimaria mesmo ter algumas occasiões mais de praticar actos desta natureza no pouco espaço de tempo que houver de me conservar encarregado da Pasta dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça. Confesso que tendo pensado muito e muito sobre esta medida, inclino-me a crer, que se poderá melhor applicar ao Digno Par a censura que me fez de menos reflectido neste negocio, e entendi sempre, que se alguma voz auctorisada se levantasse no Parlamento para me accusar, eu havia de ter a meu lado o Digno Par o Sr. Conde de Thomar para me defender; pois que encontrei em Leis referendadas por S. Ex.ª documentos que me levaram a adoptar aquella providencia, e me demonstram agora, que o Digno Par está sustentando doutrinas diametralmente oppostas aquellas que sustentou e aconselhou como Ministro da Corôa (O Sr. Marquez de Vallada— Isso tem acontecido com todos, e com V. Ex.ª mesmo). Pois embora assim seja, o que é verdade é, que nunca censurei nos outros aquillo que eu mesmo fiz; e é a segunda vez que o Digno Par interpellante me vem censurar no Parlamento por eu ter dado ás suas Leis a intelligencia que S. Ex.ª lhes deu quando as referendou.

Sr. Presidente, eu examinei esta questão por todos os lados, como a minha limitada comprehensão, e os meus apoucados conhecimentos 0 permittiam, nem me escapou a questão da residencia a que o Digno Par se referiu, e com tanta insistencia!

Se eu comprehendi bem os argumentos do Digno Par reduzem-se estes ao seguinte: «a cathedral de Lisboa foi organisada por uma bulla, e esta teve a approvação do podér civil, por consequencia é um contracto entre o podér espiritual e o podér temporal; por este contracto está organisada a cathedral com um numero determinado de conegos, cujas obrigações são fixadas na instituição canonica: não póde por consequencia o podér temporal, elle só, alterar essa organisação, nem impôr novas obrigações aos -cónegos.» Parece-me que foi este o argumento principal a que se soccorreu o Digno Par. S. Ex.ª accrescentou, porém, que uma das obrigações dos conegos é a residencia para satisfazer aos deveres do coro, e manter o esplendor do culto, e que na hypothese sujeita nem mesmo o Sr. Patriarcha, porém só e unicamente a Santa Sé podia dispensar na residencia. A Camara vai vêr agora a opinião de S. Ex.ª em época mais remota, sendo Ministro (O Sr. Conde de Thomar —Ê a Lei que eu mesmo citei). É a Lei que S. Ex.ª devia ter examinado antes de fazer a sua argumentação, porque quando foram creados os seminarios, e S. Ex.ª entendeu que devia haver um em cada diocese, comprehendeu o que não queria que eu agora comprehendesse, isto é, a necessidade de que essa organisação fosse a mais economica possivel. Agora vem S. Ex.ª dizer-nos que o meio era estabelecer-se, que o professor em theologia que ensinasse em Santarem no seminario por espaço de dez ou quinze annos, seria chamado para conego na Sé de Lisboa. Mas pergunto eu, quem é que havia de pagar os ordenados desse professor? Eu segui pois os principios estabelecidos na Lei de 28 de Abril de 1815, Lei que o Digno Par sanccionou, que foi feita debaixo da sua influencia, e que determina no seu artigo 10.º o seguinte (leu):

«Aos prelados diocesanos compete o governo economico e a direcção disciplinar dos seminarios de suas respectivas dioceses, debaixo da inspecção do Governo. Aos mesmos prelados pois continuará pertencendo a nomeação dos reitores, prefeitos ou directores, e mais empregados na administração dos seminarios, escolhendo para esses cargos pessoas de reconhecida probidade, e que tenham o zêlo, a prudencia, e luzes necessarias para bem instruir e edificar a mocidade ecclesiastica; preferindo com igualdade de circumstancias os conegos, beneficiados, e clerigos da diocese, que não sendo parochos Collados receberem prestação do Estado ou congrua, ou rendimento ecclesiastico.»

Pois para o serviço do Seminário de Santarem não ha de ser concedido o mesmo que se concedia antes para todos os Seminários, e estará privado agora o Patriarcha de Lisboa das faculdades que aquella Lei lhe reconhecia, e a todos os Bispos de Portugal? Pois nesse tempo os prelados diocesanos podiam dispensar na residencia, para encarregar Cónegos da administração dos Seminários, e agora não o poderão já sem a permissão da Santa Sé?! E não quer o Digno Par que se diga, que S. Ex.ª está sustentando agora mais as prerogativas da Santa Sé do que as da Corôa portugueza e da Igreja lusitana?!

A respeito da falta de circumspecção com que o Digno Par pertende que eu andei neste negocio, direi a S. Ex.ª que esta providencia foi proposta pelo Em.mo Cardeal Patriarcha, foi redigida pelo chefe da Repartição dos Negocios Ecclesiasticos, cuja competencia nestes assumptos ninguem contesta, e foi approvada pelo Conselheiro de Estado Procurador geral da Corôa, a quem ouvi a este respeito, e que foi de opinião, que a providencia contida no Decreto de 21 de Setembro estava nas attribuições do Governo dentro dos limites estabelecidos no mesmo Decreto. Quando eu tenho pois em meu favor destas auctoridades, e a ellas junto a do Digno Par, embora S. Ex.ª esteja esquecido das suas antigas opiniões, não posso ser taxado, e ainda menos por S. Ex.ª, de pouco circumspecto e precipitado.

Torno a dizer, que neste paiz nunca se entendeu a dispensa de residencia como S. Ex.ª queria que se tivesse agora entendido. E para o demonstrar recorrerei a auctoridades que em qualquer occasião serão bem acceitas desta Camara.

Quer V. Ex.ª e a Camara saber como foi entendida esta Lei que creou os Seminários, a respeito da residencia?... Eu lha mostro. Aqui está a proposta do Sr. Cardeal Patriarcha D. Guilherme (leu). S. Em.ª propoz pois, como a Camara vê, um Cónego, e um Parocho collado, dispensando-os da residencia, para o serviço do Seminário de Santarem. Mais tarde propoz outro Cónego, dispensando-o igualmente da residencia, para professor do mesmo Seminário.... (O Sr. Conde de Thomar — Apoiado.)

Pois o Digno Par sustentava ainda agora o contrario. S. Ex.ª sustentou que, na hypothese de que se tractou, nem mesmo o Patriarcha podia dispensar. (O Sr. Conde de Thomar — Para seis.) Pois a questão é de numero?... (O Sr. Conde de Thomar — Eu lho mostrarei logo.) Eu lhe mostrarei que hoje ha mais de seis Cónegos dispensados da residencia por motivo menos importante do que este, e demonstrarei tambem ao Digno Par que me chamou precipitado, que S. Ex.ª é que o foi, quando viu nisto uma dispensa completa de residencia, cousa que senão dá, porque Santarem está hoje ás portas de Lisboa, e os Cónegos são obrigados a vir assistir a todas as funcções solemnes, e a todas aquellas para que forem convidados pelo Patriarcha: por consequencia o explendor do culto não soffre. Peço ao Digno Par que dê logo a razão por que estes escrupulos lhe chegaram agora e não vieram antes.

E já que fallei em escrupulos quero bem alto declarar que o Digno Par está muito mal informado quando diz, que alguem por escrupulo não quer acceitar um canonicato em Lisboa. O facto não é exacto, e peço a S. Ex.ª que o não repita. Nem me parece digno de S. Ex.ª recorrer a taes meios para justificar as suas opiniões.

S. Ex.ª apresentou muitos outros argumentos, que me parecem comtudo a repetição uns dos outros, e por mais esforços que fiz para comprehender em que tinha sido ferida pelo Decreto de 21 de Setembro a Bulla da organisação da Sé não o achei; porque se o tivesse sido tinha-o sido primeiro pelo Digno Par, porque S. Ex.ª, quando essa Bulla tinha creado um quadro na Sé, com um certo numero de dignidades, Cónegos, e Beneficiados, tinha estabelecido na sua Lei dos Seminários o principio de que o Prelado da diocese podia separar os Cónegos que quizesse pára o serviço dos mesmos Seminários, dispensando os Cónegos da residencia. O argumento que S. Ex.ª fez pois contra mim, volta-se inteiramente contra S. Ex.ª, e com tanto maior fundamento, que no caso de S. Ex.ª a dispensa da residencia é completa, em quanto que agora o não é, pela obrigação imposta aos Cónegos Professores de concorrerem á Sé em determinadas festividades, e em todas as mais para que forem convidados pelo Prelado.

Affigura-se-me, que quem foi ferido com esse Decreto foi o Real Padroeiro na sua prerogativa illimitada de escolher os Cónegos entre os ecclesiasticos, que julgasse dignos de os elevar a essa cathegoria, prerogativa que reparte agora com o Prelado desta diocese, quanto á nomeação de seis Cónegos, e isto com o fim de melhorar a organisação do Seminário de Santarem em beneficio da instrucção do clero; e eu não esperava que o Digno Par confundisse este acto de abnegação tão digno de louvor, com o crime de simonia, que consiste em conferir beneficios ecclesiasticos, tirando lucros illicitos dessa concessão!

Sr. Presidente, quem para defender uma causa qualquer recorre a argumentos taes, poupa mesmo ao adversario o trabalho de lhe responder, porque essa causa está julgada, e nada mais me parece necessario dizer a este respeito.

Ora, o Digno Par entende que o Governo foi impôr aos Cónegos uma obrigação que elles não tinham. Pois o Governo impoem-lhes alguma obrigação? Não Srs. Elles é que se impõem essa obrigação, quando declaram que acceitam o canonicato com a condição de reger uma cadeira no Seminário, de Santarem, condição, á custa da qual ganham o ser nomeados sem concurso, e preferirem a ecclesiasticos, que, com iguaes habilitações e mais serviços á Igreja, se não prestam comtudo a exercer o professorado. Este argumento do Digno Par cáe, pois, tambem pela base.

Mas, disse ainda o Digno Par mais tarde, e passados alguns annos, é possivel que esses homens venham dizer que não podem cumprir ambas as obrigações, e querem ficar só com as de Cónegos, obrando assim uns de boa fé, tendo supposto que podiam preencher ambos os deveres, convencendo-se agora de que isso lhes não é possivel; é outros de má fé, tendo acceitado os canonicatos já com o proposito de faltarem ás suas promessas. Respondo, que os que obraram assim de boa fé hão de reconhecer, que o que tem a fazer é renunciar o canonicato; e o que obrar de má fé ha de acarretar sobre si uma tal desconsideração pelo seu indigno procedimento que não ha de achar imitadores (apoiados).

E, Sr. Presidente, não está o Seminario de Santarem ás portas de Lisboa? Não vivem esses individuos n'uma terra mais barata a todos os respeitos do que é Lisboa, e lendo além disto uma gratificação como Professores? Então póde com razão chamar-se a isto um sacrificio? Eu não o entendo assim, nem ninguem o poderá entender (apoiados).

O que eu vejo, Sr. Presidente, é que eu procedi na conformidade do que dispõe a Lei referendada pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar; e entendi que o Decreto em questão ia completar o pensamento contido na Lei de S. Ex.ª

Agora perguntarei, se fará mal o ter um curso completo de sciencias ecclesiasticas ás portas de Lisboa? Não será este Seminario assim organisado de uma grande utilidade não só para a instrucção geral do clero; mas para offerecer ao Governo um viveiro de homens, que se habilitem para as funcções parochiaes, para o professorado e para as mais elevadas funcções ecclesiasticas? Creio que ninguem responderá que não.

Não sei se me escapou algum dos argumentos produzidos pelo Digno Par; mas como S. Ex.ª vai usar da palavra, eu a pedirei de novo se vir que disso tenho necessidade.

O Sr. Conde de Thomar segue expondo que quando fallou a primeira vez, desde logo preveniu que o argumento mais forte que S. Ex.ª apresentaria contra elle orador, seria a Lei dos Seminarios. Declara que não desconhece as disposições dessa Lei, e o Sr. Ministro ha de permittir que observe que S. Ex.ª lhe deu uma intelligencia que não está no seu espirito nem na sua lettra. Suppôr que o artigo 10.° dá auctoridade plena ao Bispo para tirar da Sé os conegos e empregal-os nos Seminarios e outras commissões como bem lhe parecer, é suppôr um absurdo que nem carece de demonstração, nem haverá quem o possa admittir.

A Lei permitte que os Bispos possam chamar conegos para Reitores, Prefeitos, ou outras commissões temporarias, mas isto entende-se sempre nos termos do direito, e de modo que não soffra o serviço das cathedraes, e se falte ao esplendor do culto; pelo Decreto do Governo separam-se da cathedral nada menos que seis conegos, e por espaço de quinze annos, que se póde dizer serem a vida de um conego depois de ter prestado serviços á Igreja e ao Estado! Pela doutrina do Sr. Ministro poderá entender-se que a cathedral possa ficar sem um conego para exercer as funcções do Culto divino! Este absurdo dispensa qualquer demonstração. Os Bispos teem direito e podem chamar até certo numero de conegos para esses empregos, mas não podem extinguir os cabidos, e podem chamal-os para commissões temporarias, mas não permanentes. O Breve de non residendo além dos termos e prasos marcados no Concilio de Trento torna-se nestes casos indispensavel.

O orador declara que tem em muita estima todas as pessoas citadas pelo Sr. Ministro, que entendem este negocio de modo diverso á intelligencia que lhe dá; e a S. Ex.ª affirma que, apesar de no seu discurso pretender rebaixar-se no conhecimento deste objecto, justos louvores lhe tributa pelo modo como tractou esta questão, porque prova que a estudou, como estuda tudo, de cuja defeza se quizer encarregar. Respeita muito ao Sr. Cardeal Patriarcha, bem como o Chefe da respectiva repartição, e o Procurador geral da Corôa; mas em todos esses individuos não vê senão opiniões particulares sobre uma materia especial do direito, e então permittido lhe será tambem a elle orador, e a todos lerem uma opinião differente. Bem sabe que predominou a idéa de montar da melhor fórma possivel o Seminario de Santarem, e que até mesmo se pretende fazer delle uma quasi academia. De si diz que tambem deseja que o Seminario satisfaça perfeitamente á instrucção do clero; mas adverte que, apesar deste grande desejo, é possivel haver engano nos meios empregados para alcançar o fim, e entende que effectivamente houve engano. O Sr. Ministro não lhe destruiu os seus escrupulos sobre este objecto; S. Ex.ª limitou-se a responder a alguns argumentos, mas não aquelles que principalmente adduziu, não para combater a medida em geral, e sim o artigo 3.º do Decreto. Combateu S. Ex.ª a proposição de que se a collação era perpetua, e que não podia ser destruída senão nos casos marcados rio direito canonico? Nem uma palavra a este respeito, e invoca o testimunho da Camara. Destruiu S. Ex.ª os argumentos a respeito da renuncia que, na fórma do direito canonico, deve. ser livre, e não se póde impôr ipso facto pelas Leis civis? Tambem nada a este respeito; pois é materia a que principalmente se devia attender, por não ser possivel, á vista do direito canonico, sustentar a disposição do artigo 3.°, que não é outra cousa mais do que uma renuncia obrigatoria, odiosa, e uma pena, sem processo nem sentença, estabelecida contra o conego que faltar aquelle serviço.

Vigorando pois da sua parte os mesmos escrupulos, ainda entende que se podia ter chegado ao fim de obter bons professores para o Seminario sem offender os principios. Já dissera que se tivessem seguido a disposição do artigo 8.° dessa Lei a que S. Ex.ª se referiu, e que elle orador teve a honra de referendar, e se applicasse essa doutrina aos mestres que fossem para o Seminario, elles se haviam encontrar, sem haver offensa do direito. Tambem dissera que não entrava na questão da simonia, que alguem poderá achar neste Decreto, porque S. Ex.ª deixou sem resposta algumas cousas que expendeu sobre este ponto; e ainda que elle orador se não fizesse cargo de tractar esta questão extensamente, diz comtudo a S. Ex.ª que não deixe de entender que ella tem peso para muitas consciencias dos individuos que se proponham a obter estes canonicatos.

Expoz o Sr. Ministro na sua replica, que a unica pessoa que podia embaraçar, e não consentir nesta medida, era o Real Padroeiro; mas que o Chefe do Estado, em attenção aos grandes beneficios que della se podiam colher, tinha abdicado parte dos seus direitos e prerogativas. Esta proposição assim lançada no meio da Camara, e em vista da fórma de governo que temos admitte muita contestação. (O Sr. Marquez de Vallada— Apoiado). Elle orador não considera o Chefe do Estado, mesmo como Padroeiro, senão como verdadeiro administrador, e não entende que possa abdicar os direitos e prerogativas que lhe pertencem, ou seja como Chefe do Estado, ou como Padroeiro. Sobre esta questão de tamanha importancia trazida á Camara pelo Sr. Ministro, não póde o orador deixar de apresentar as suas duvidas.

Tendo o Chefe do Estado uma rigorosa e constitucional obrigação de passar aos seus successores o reino e direitos do Padroado como os herdou dos seus antepassado, não lhe reconhece o direito de abdicar parte dessas prerogativas senão pela fórma que está estabelecida na Carta, e em virtude de Leis votadas pelo Parlamento, e não de. motu proprio, e sem auctorisação legal.

É verdade que o principio economico foi a norma que elle orador seguiu na adopção da medida dos Seminarios, e acredita que fosse esse mesmo principio o que o Sr. Ministro teve em vista na apresentação da medida contheuda no Decreto de 21 de Setembro. É verdade que esse foi o pensamento da Administração de que fez parte, e das Côrtes que votaram aquella medida, mas se se pertendeu chegar a esse fim, foi pelos meios estabelecidos em direito, e não pela adopção de uma medida que podesse admittir a controversia que hoje se apresenta, e que S. Ex.ª disse que podia ser adduzida por qualquer outro afora elle orador, porque atrás de si estava aquella Lei. Já havia mostrado que com a referida Lei não podia por maneira alguma o Sr. Ministro responder aos seus argumentos, senão dando-lhe uma absurda interpretação que se não contém nella; e quando finalmente as cousas se levam ao ponto a que o Sr. Ministro as pertende levar, a execução da medida é nulla, e logo se proclama o seu absurdo pelos proprios que teem de a pôr em execução.

Deve acreditar que não existe nenhuma reclamação do representante de Sua Santidade, nesta corte, contra este Decreto, porque assim o affirma o nobre Ministro. Elle orador, não tem motivo nem razão para duvidar da sua palavra. Tambem lhe parece que S. Ex.ª indicou não haver negociações sobre este objecto, mas o futuro esclarecerá tal ponto.

Apresentou os seus escrupulos sobre a legalidade ou illegalidade deste Decreto, mas não com o fim que S. Ex.ª indicou, pois não vem aqui defender os direitos da Santa Sé contra os do podér temporal, porque se lisonjeia de adduzir os seus actos quando teve a honra de ser encarregado d* pasta da Justiça, e desafia a que lhe apresentem um Ministro daquella repartição, que tenha sustentado com mais coragem e dignidade os direitos de Portugal em todos os negocios com a Santa Sé. Quem assim falla não receia que se possa suspeitar venha advogar os direitos e interesses da Curia Romana! Advoga sómente os verdadeiros principios; que se reconsidere uma medida que não está de accôrdo com o direito canonico, que nesta parte como em outras é o mesmo que o direito patrio. Quem advoga pois este direito, não advoga os interesses e prerogativas da Curia Romana. Se acaso se pretendeu trazer isto como argumento, ad odium, é de tal maneira fraco, adduzido contra um homem que póde apresentar medidas e factos que provam o contrario, que o argumento cáe por terra e não produz a menor sensação.

Conclue repetindo que apresentou os seus escrupulos, e notou o que entendia serem irregularidades na medida do Governo. Não manda proposta alguma para a mesa, mas estima que o Ministerio haja feito estabelecer regras que ficarão no futuro sendo o direito a seguir, visto dizer S. Ex.ª que nenhuma reclamação tem apparecido contra o Decreto da parte do representante de Sua Santidade.

Que fica, portanto, doutrina corrente, que o Governo póde dispensar do serviço das cathedraes para empregar no magisterio os conegos que bem lhe parecer:

Que não é condição canonica da collação a perpetuidade, e que antes póde ser temporaria e condicional:

Que para ausencia, além do termo marcado no Concilio de Trento, não é necessario obter breve de non residendo:

Que a renuncia do beneficio póde ser obrigatoria, e mesmo considerada como pena, sem processo e sentença.

Estima que tudo isto seja considerado como direito inquestionavel, porque não será elle orador quem combata o augmento de attribuições e prerogativas do podér temporal (apoiados, apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda e da Justiça—Vou fallar debaixo de uma impressão muito dolorosa, porque não sei que vantagens quer o Digno Par tirar desta interpellação: quer S. Ex.ª usar da sua prerogativa parlamentar para crear embaraços ao Governo? Não os cria por este modo só ao Governo, cria-os tambem ao paiz. Já na sessão de hontem se repetiu uma scena similhante, e destas scenas não podem resultar senão complicações e

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embaraços não só para os homens que estão á frente dos negocios mas para o paiz.

Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª e á Camara que me desculpe o calor com que fallo. mas eu sou portuguez, antes de ser Ministro nasci portuguez!

Quando disse aqui o Governo, que tinha direito de tirar da sé os conegos que quizesse, e para os objectos de que carecesse, para os empregar aonde quizesse?! Se eu tivesse dito isto não teria sido chamado á ordem logo? (O Sr. Conde de Thomar— Eu não disse isso, fallei no professorado). Pois se eu tivesse dito que o Governo podia tirar da sé todos os conegos para o professorado, não seria isso igualmente um absurdo?! Pois, Sr. Presidente, este pobre Decreto não diz, que para o provimento destes seis canonicatos precederá a proposta do prelado da diocese? Não será elle que ha de dispensar na residencia até ao ponto em que ella é necessaria? É o podér temporal que dá essa dispensa ou é o prelado da diocese? Os conegos professores são dispensados da residencia a respeito do preenchimento das obrigações diarias do coro, mas não o são nas grandes festividades, e por consequencia esta providencia não compromette o explendor do culto.

Quando disse eu aqui, que a Lei dos seminarios estabelecia o principio absurdo de que os prelados diocesanos podiam dispensar do serviço nas sés todos os conegos? Não o disse, mas se o tivesse dito, podia sustentar esta proposição com letra dessa Lei, que não fixa o numero dos conegos, que podem ser chamados ao serviços dos seminarios. Se houvesse pois absurdo nesta proposição pertencia ella ao Digno Par, que sustentou e referendou essa Lei.

Hoje ha vinte e quatro conegos na sé de Lisboa, e este Decreto emprega só seis no seminario; ficará a sé sem conegos para o exercicio diario do culto? Se ficasse, estava já neste caso, porque mais de seis conegos estão já hoje sem fazer serviço na sé. Parece-me pois que não merecia que o Digno Par desse a direcção que deu a este I debate, e sobre tudo que me imputasse proposições que nenhum homem podia avençar, e Muito menos um Ministro.

Sr. Presidente, deixo á consciencia da Camara avaliar as vantagens destas interpellações, e pediria aos Dignos Pares que quando quizessem interpellar o Governo sobre negocios desta natureza pedissem sessão secreta, porque graves inconvenientes hão de resultar destas interpellações, de que eu não quero assumir a responsabilidade.

O Sr. Conde de Thomar: observa ao Sr. Ministro que não anteviu que da discussão desta interpellação podesse resultar inconvenientes, por ser ella resultado de um acto do Governo, já publicado. Se a S. Ex.ª parecia que se seguiriam inconvenientes competia-lhe pedir sessão secreta. Assim não póde a censura recaír nem sobre elle orador, nem sobre a Camara.

Nada mais dirá sobre a materia, e deixa a sua apreciação ao bom senso da Camara.

O Sr. Presidente declara que a immediata sessão teria logar na seguinte sexta-feira, constando a ordem do dia dos projectos distribuidos na presente; e da appresentação de pareceres de commissões. Em quanto á resposta á falla do Throno, sendo muito natural que a imprensa a remetta antes desse dia, se distribuiria por casa dos Dignos Pares. Assim deu por levantada a presente sessão—eram quatro horas e meia da tarde.

Relação dos Dignos Parco tine estiveram presentes na sessão de 30 de Novembro de 1858

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Pombal, e de Vallada; Condes: da Azinhaga, do Bomfim. de Mello, de Paraty, de Penamacôr, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, e de Thomar; Viscondes: d’Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Fornos de Algodres, da Luz, e de Ourem; Barões: de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Pereira de Magalhães, Margiochi, Proença, Aguiar, e Brito do Rio.

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