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CAMARA DOS PARES DO REINO.

SESSÃO DE 19 VE JULHO DE 1848.

Presidiu — O Sr. V. de Laborim.

Secretarios — Os Sr.s M. de Ponte de Lima.

Margiochi.

Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 33 D. Pares, leu-se e approvou-se a acta da ultima Sessão — Concorreu o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, e o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Parece-me, pelo que ouvi lêr na acta, que se me não engano, não está bem especificada naquella parte em que falla da proposta, que eu hontem fiz á Camara, para que prorogasse a Sessão até que se votasse o artigo do projecto, que estava em discussão.

O Sr. Secretario Margiochi — Eu leio a acta, e V. Ex.ª verá que lá está isso bem especificado (leu-a).

O Sr. V. de Fonte Arcada — Bem: como se diz que não houve numero estou satisfeito.

O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, não é nada que se assemelhe a uma censura nem mesmo a uma interpellação o que vou dizer: é tão sómente o desejo que tenho de chamar a attenção do Governo para um objecto que me parece de maxima importancia.

Todos sabem os trabalhos e as despezas que tem custado essas tão falladas obras da barra da Figueira; mas eu tenho diante dos olhos uma relação, e mui circumstanciada dos desastres e naufragios que alli tem ultimamente tido logar. (Entra o Sr. Presidente do Conselho.)

Muito folgo com a entrada neste momento do Sr. Presidente do Conselho.

Estas obras hydraulicas, feitas por mãos ignaras, dão um resultado quasi sempre contrario ao que se pertende conseguir; isto é, não o melhoramento dos rios, nem o das suas fozes, mas a sua destruição, ou pelo menos, ficam em peior estado que antes; e eis-aqui a razão porque a Commissão de Administração Publica ha pouco expoz que obras desta natureza devem ser desde o começo ao fim dirigidas por pessoas competentes. A barra da Figueira está perdida. Aqui se vê o que me refere pessoa de probidade, e de muita intelligencia. (Leu uma carta a esse respeito.)

Sr. Presidente, não faço menção destas circumstancias senão para pedir ao Sr. Ministro, e Presidente do Conselho, que tenha a bondade já, quanto antes, digo em quanto é tempo, de dar-se ao cuidado de mandar averiguar o estado em que se acha a foz do Mondego. Lembro-me de haver sido promulgada uma Lei, em virtude da qual se deu a obra da barra da Figueira por arrematação uma associação. — Esta prometteu, como vulgarmente se diz, mundos e fundos; mas é certo que o povo, cujo instincto é admiravel sobre tudo quanto é de interesse material seu, prognosticou o que havia de resultar. Nada mais direi sobre este desagradavel objecto; e só peço ao Sr. Presidente do Conselho, cujo zelo pelo bem do Paiz me não é desconhecido, que desprendendo-se por alguns momentos dos cuidados que o affrontam sobre outros assumptos, mande examinar com muito escrupulo o que está feito da dita obra, e quaes as consequencias do que se tem feito, e as que tem de resultar provavelmente para o futuro.

Todos sabem que o porto da Figueira é um dos mais interessantes da costa occidental do Paiz, situado no centro della, e servindo de meio de commercio a duas bellas provincias; e apesar disto em que estado de ruina se acha? vergonhoso.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Sr. Presidente, pedi unicamente a palavra para satisfazer ao D. Par.

O estado em que se acha a barra da Figueira é realmente lastimoso, e segundo as ultimas informações a este respeito recebidas, consta-me que esses estragos, que teem havido, teem sido devidos a essa mesma obra (O Sr. Fonseca Magalhães — Pois é o que eu digo), que tinha por fim melhora-la: em consequencia disso o Governo fez já aquillo, que podia fazer, que foi ordenar ao Inspector das Obras Publicas, que elle mesmo fosse com aquelles Officiaes Engenheiros, que mais conhecimentos hydraulicos tivessem, examinar o estado em que está aquella obra, tomando depois as providencias, que julgasse mais convenientes.

O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, ninguem faz mais justiça ao zelo e á habilidade dos nossos Officiaes do Corpo de Engenheiros do que eu. Tenho muita consideração pelos talentos e serviços do Inspector das Obras Publicas; mas fallemos com a franqueza que devemos empregar em taes negocios: teremos nós Engenheiros hydraulicos? A verdade e que estamos fazendo ajustes com estrangeiros, mestres ou que taes se reputam, pelo serviço das machinas de vapor, e não nos pejamos de os chamar de fóra do paiz, e de pagar-lhes por subido preço; e isto quando se não póde dizer que carecemos tanto de taes conhecimentos como dos de hydraulica; por quanto já temos mancebos de distincto talento portuguezes que aprenderam esse ramo de sciencia, e o podem praticar.

Não temos conhecimentos praticos da hydraulica — em muitas nações se sente a mesma falta — isso não envergonha; o que envergonha é a presumpção de saber-se o que se ignora. A applicação das sciencias faz-se com perfeição relativa à pratica della. Não tendo nós quasi nenhuma pratica, devemos achar-nos em atrazo: esse é consequente.

Peço ao Sr. Presidente do Conselho que nunca o Governo entregue a superior inspecção e direcção de taes obras senão a homens acreditados por conhecedores dellas, embora custe muito traze-los ao nosso paiz. A experiencia mostra que, ainda quando taes obras são dirigidas por mestres consummados, occorrem desastres e contratempos; que será quando os directores não passam dos conhecimentos theoricos, desacompanhados de annos de variada pratica?. Repito, isto não é censurar os nossos compatriotas, que tem aptidão para todas, as artes e sciencias é expor a verdade: porque não ha estudos theoricos, que possam dispensar a pratica neste ramo.

Allega-se que não ha Engenheiro hydraulico de um certo merecimento que não custe grande somma de dinheiro; porém isso não póde servir de obstaculo a um Governo, quando carece de taes obras (Apoiados); porque se se considerar quanto custam os contratempos que sobrevêm quando construidas com menos saber, ver-se ha que não é economia, é perdição fia-las de mãos inexpertas. Lembro-me que se estabeleça uma eschola de applicação; mas isso terá logar quando tivermos obras dirigirias como digo; porque os nossos mancebos já habilitados com as theorias poderão fazer grandes progressos: aliás não será possivel tirar proveito algum. Nós já tivemos uma cadeira de hydraulica dirigida por um homem muito digno e habil, o Sr. Manoel Pedro de Mello (creio que este era o seu nome), e V. Ex.ª se lembrará delle, mas a cadeira supprimiu-se, e nada se perdeu, porque a hydraulica ensina-se não de cadeira, mas nas fozes, ou margens dos rios, e nas praias e golfos do mar.

O certo é que estas obras tem sido desgraçadas entre nós; grandes despezas com ellas feitas não tem tido em resultado senão destruição de campinas, entulhamento de barras; e assim ficamos.

As ruinas vão em progresso em todos os rios, sem exceptuar o Tejo, ainda na sua barra. Todos os homens entendidos deploram esse progresso; e nada se faz para o diminuir, porque por agora ainda a boca do rio é larga e profunda.

Tornando pois ao mesmo ponto da obra da barra da Figueira, na qual a despeza de quatorze em quinze contos annuaes, longe de a melhorar, a tem tornado peior do que era, peço ao Sr. Presidente do Conselho que releve a instancia que faço, pedindo-lhe que tome em consideração não digo as minhas observações, mas as que S. Ex.ª necessariamente ha de fazer sobre a necessidade de dar remedio aos males que tanto se sentem, e que estão ameaçando de acabar de todo o já tão definhado commercio que pela foz do Mondego se fazia, e que interessa, pelo menos, duas grandes Provincias deste Reino.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Eu estou de perfeito accordo com o que acaba de dizer o D. Par; mas no entretanto, em honra dos nossos Officiaes Engenheiros, não posso deixar de dizer duas palavras. Em theoria nós tem os excellentes Officiaes; e temos mesmo alguns, que teem assistido a trabalhos desta natureza fóra do Reino, como é, por exemplo, o Engenheiro Maia, que está addido á Secretaria dos Negocios Estrangeiros. Ora, parece-me que o Engenheiro encarregado do encanamento das obras da vala de Azambuja, é um homem eminente nestes trabalhos, e tem dirigido grandes obras, as quaes lhe tem grangeado muito credito (Apoiados); mas apesar disto o desagoadouro daquella vala cahiu, e causou grandes estragos, o que é mais uma prova da difficuldade das obras hydraulicas.

O Governo reconhece com o D. Par a necessidade absoluta dos conhecimentos praticos para poder dirigir taes trabalhos, e logo que lhe seja possivel mandará vir o mais habil Engenheiro neste ramo, que possa obter, na persuassão de que custe o que custar será sempre barato, pelos beneficios que resultarão ao Paiz na boa direcção das nossas importantissimas obras hydraulicas, como pela instrucção que os nossos Engenheiros delle receberão, e o Governo não deixará de o fazer, bem persuadido de que neste objecto terá o necessario apoio no Parlamento. (Apoiados.)

O Sr. D. de Palmella — Pedi a palavra porque se mencionou o acontecimento que acaba de ter logar na Valla da Azambuja. O D. Par o Sr. C. de Thomar pareceu indicar, que o precalço alli acontecido fóra causado por má direcção da obra, ou por erro do Engenheiro que a dirigiu: não creio que seja assim; porque, o que alli aconteceu, occorre frequentemente em obras desta natureza. É difficil que da primeira feitura ellas sabiam perfeitas, e livres de todos os riscos a que estão expostas: é preciso ir observando-as, e vendo o que acontece diariamente para remediar os males, que forem apparecendo.

Ora, eu creio que o facto ultimamente succedido, não foi totalmente repentino e imprevisto. Esta manhã estive eu fallando com um homem eminente nesta materia, o qual me disse, que ha mais de um mez receava, que similhante desastre viesse a succeder, o qual tem remedio se se lhe tivesse acudido a tempo. A Direcção ignorou-o, e por isso não deu as providencias precisas.

Muitos D. Pares que me ouvem estiveram em Inglaterra, e alli viram uma obra maravilhosa de hydraulica, um canal subterraneo por baixo do rio Tamiza, dirigido e feito por um Engenheiro que tem a primeira reputação na Europa: no entretanto, esta mesma obra esteve para se perder mais de uma vez. Depois mesmo de se achar concluida, houve uma irrupção das agoas do rio; mas acudio-lhe, e salvou-a o Engenheiro que a tinha dirigido, pela promptidão e presença de espirito, com que immediatamente acudiu ao perigo que se apresentava, e nisto mostrou elle ter maiores conhecimentos, do que tinha dado provas na feitura da obra toda. Ora, trazendo eu este exemplo quero dizer com isto, que é caso muito ordinario nas obras hydraulicas taes successos, e não creio que o precalço que teve logar na Valla da Azambuja, possa ser motivo para se tachar de inexperiente o Engenheiro, que dirigiu aquella obra, e que actualmente já se não acha em Portugal. É provavel pois que se podesse ter evitado; mas agora do que se tracta é de remediar o mal acontecido (Apoiados).

Creio que todos abundam nas idéas do D. Par, que suscitou esta questão; porque é muito para desejar que as obras hydraulicas, de que se carece em Portugal, occupem muito seriamente a attenção do Governo, e sejam entregues successivamente, e á medida que os nossos meios o permittirem, a homens capazes, não só pelos seus conhecimentos scientificos, mas tambem pela sua experiencia em similhantes trabalhos, a fim de que taes obras sejam dirigidas com proveito.

É necessario convencermo-nos todos, de que Portugal não póde prosperar, nem ter importancia, se não tirar todo o proveito dos seus rios e dos seus portos: são pois estas as obras que sobre tudo interessam a nação, e que por conseguinte devem excitar todo o disvello do Governo. (Apoiados.)

O Sr. Presidente — Eu mandei saber que horas são, e dizem-me que são duas horas e quarenta minutos; e por isso lembro á Camara, que ha um accôrdo tomado, pelo qual se determinou uma hora, passada a qual se deve entrar na Or-