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CAMARA DOS PARES DO REINO.
SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1848.
Presidiu — O Sr. V. de Laborim.
Secretarios — Os Sr.s M. de Ponte de Lima.
Margiochi.
Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 34 D. Pares, leu-se e approvou-se a acta da ultima Sessão — Concorreram os Sr.s Ministros dos Negocios Estrangeiros, Guerra, e Justiça,
Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA.
1.º Um officio da Camara dos Sr.s Deputados, declarando o motivo pelo qual ha differença de 2:000$000 réis de mais nas despezas dos Encargo Geraes, que a verba proposta pela Commissão de Fazenda da mesma Camara.
Passou o officio á Secretaria.
2.º Outro officio da mesma Camara, enviando uma Proposição de Lei sobre a organisação do Corpo de Engenheiros navaes, e da sua respectiva Escóla.
Passou a Proposição á Commissão de Marinha.
O Sr. C. da Ponte de Santa Maria — Pedi a palavra para mandar para a Mesa um parecer da Commissão de Guerra sobre a Proposição de Lei n.º 35.
Mandou-se imprimir. (1)
O Sr. V. de Fonte Arcada — Creio que haverá talvez dous mezes, ou mais, que eu pedi certos esclarecimentos sobre emprestimos feitos pelo Governo desde Janeiro até á época, em que eu fiz o requerimento: parece-me que nada mais facil do que responder a este requerimento, porque para isso bastava ir aos livros do Thesouro, e extrahir delles o que alli constasse: não era preciso informações de Governadores Civis, ou de Contadores de Fazenda de um ou outro extremo do Paiz, tudo se fazia dentro do Thesouro, se se quizesse responder com a brevidade, que cumpre aos requerimentos feitos por esta Camara ao Ministerio; porque, quando um Membro desta Camara faz um requerimento, que é approvado, deixa de ser seu, considera-se da Camara; e para esta (como ramo do Poder Legislativo) estou convencido, de que o Governo deve ter toda a deferencia: parece-me que este requerimento já foi repetido duas ou tres vezes, e ainda não me consta que fosse satisfeito: por consequencia, eu peço a V. Ex.ª, como acto da Mesa que se costuma fazer administrativamente, que novamente se peça ao Governo que haja de responder a este requerimento, que como disse é da Camara, que o approvou, e desejava que isto se fizesse com alguma brevidade, a vêr se ainda é possivel ter conhecimento daquelles emprestimos, sobre que pedi informações.
O Sr. Presidente — Será satisfeito o D. Par.
O Sr. Fonseca Magalhães—Sr. Presidente, é para lêr um parecer da Commissão d'Administração Publica ácerca de um projecto de lei, que veio da outra Camara sobre tomar-se extensiva a applicação do imposto no que se cobra em Caminha, á feitura de uma ponte no rio Ancora. A Commissão tinha pedido a esta Camara que solicitasse da Camara dos Srs. Deputados a remessa dos esclarecimentos que suppoz existiriam alli: esses esclarecimentos já vieram, e a Commissão os avalia. Peço a V. Ex.ª que tenha a bondade de vêr se se dispensa a segunda leitura.
Mandou-se imprimir aquelle Parecer. (2)
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, eu desejava que o Sr. Ministro da Guerra fosse prevenido, de que eu queria fazer lhe uma pergunta em consequencia de uma publicação feita n'um jornal desta Capital, e de que alem disso tive conhecimento por algumas communicações que me foram dirigidas: eu não vou fazer uma censura, o que desejo é esclarecer-me sobre a materia.
Constou-me que se tinha feito a arrematação do fornecimento da 1.º Divisão Militar a razão, me parece, de 29 réis a ração de pão, e 165 réis as forragens, quando a Repartição de viveres do Exercito fazia este mesmo fornecimento a razão de 27 réis a ração de pão, quer dizer ama differença de 2 réis; e as forragens a razão de 150 réis, quer dizer uma differença de 15 réis. Estou certo, de que o Sr. Ministro da Guerra apresentará razões muito fortes para mostrar os motivos, porque preferiu esta arrematação, posto que á primeira vista se apresente como lesiva para a Fazenda, por isso que a differença é de vinte e tantos a trinta contos de réis para mais. Como está presente uma parte do Ministerio, peço a algum dos Srs. Ministros, que faça esta communicação ao seu collega para S. Ex.ª me responder quando poder. (O Sr. Ministro da Justiça — Eu creio que elle está na outra Camara, é não poderá tardar muito.) Pois se S. Ex.ª ainda hoje aqui vier, e poder responder, muito bem, senão n'outro qualquer dia.
Ordem do dia.
Proposição de lei n.º 29 sobre as transferencias dos Juizes de Direito, cuja discussão começada a pag. 1072, col. 2.ª, seguiu a pag. 1086, col. 2.ª, e pag. 1099, col. 2.ª
Proseguiu o
Artigo 1.º Os Juizes de Direito de primeira e segunda Instancia no Continente do Reino e Ilhas adjacentes, poderão ser mudados pelo Governo de umas para outras Comarcas, ou Relações, quando o bem do serviço publico assim o exigir, precedendo audiencia, por escripto, dos Juizes, cuja transferencia se pretender effectuar, e voto affirmativo do Conselho d'Estado.
§. unico. A transferencia se effectuará para logar que esteja vago. Se não estiver logar algum vago na occasião em que se decretar a transferencia, o Governo designará o primeiro que vagar, ficando entretanto o Juiz com exercicio com o ordenado por inteiro,
Emenda do B. de Chancelleiros.
Proponho que se supprimam no artigo 1.° as palavras — Segunda Instancia. — B. de Chancelleiros.
O Sr. Presidente — A ordem do dia pelo que diz respeito aos Juizes de Direito de segunda Instancia, na conformidade do Regimento artigo 73, linha de se discutir n'outro dia: é este por tanto hoje o objecto da ordem do dia. Está discutido e approvado o projecto, pelo que. diz respeito aos Juizes de primeira Instancia: agora entra em discussão se os Juizes de segunda Instancia devem ou não ser transferidos. Ninguem pede a palavra vou pôr a votos, (O Sr. D. de Palmella — Peço-a eu.) Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. D. de Palmella — Vou ainda uma vez elevar a voz, embora a minha opinião não seja attendida pela maioria desta Camara, para lhe pedir que não conceda com o seu voto ao Governo uma faculdade, que reputo attentatoria dos principios do systema representativo.
Tem-se analysado e comparado entre si varios artigos da Carta para mostrar, que as transferencias são conformes ás suas determinações. A mim parece-me que não se tem conseguido mostrar isso; mas quando se tivesse conseguido de, uma maneira evidente, o que se seguiria é, que existia na Carta um artigo secundario em contradicção manifesta com um dos seus artigos fundamentaes; e nesse caso perguntaria eu á Camara qual, dos dous preceitos se deveria observar; e se seria mais conforme ao, espirito da Carta pôr em execução o artigo secundario, ou obedecer ao principio fundamental. Porém nem mesmo se verifica esta contradicção, que eu por hypothese admitti; e a unica consequencia que se póde deduzir do minucioso exame, a que se tem procedido de varios artigos da Carta é, que não se encontra nelles expressamente a prohibição da transferencia dos Juizes de segunda Instancia; mas que não se acha tão pouco expressa a declaração, de que elles devam ou possam ser transferidos.
O artigo da Carta em que se fundam os defensores deste projecto diz sómente: os Juizes poderão ser transferidos; é esta faculdade que não só é justa, mas conveniente pelo que toca aos Juizes de primeira Instancia, mediante uma lei reguladora, que estabeleça o praso da sua permanencia nos logares que occupam, que os ponha acoberto da arbitrariedade, e que os sujeite, como sempre foi costume neste paiz, a certas formalidades essenciaes para dar conta da sua residencia; esta regra, digo, não póde applicar-se, nem pelos mesmos motivos, nem pela mesma fórma, nem com as mesmas condições aos Juizes de segunda Instancia, como já na ultima occasião em que fallei procurei demonstrar.
Não acontecia no tempo do governo absoluto, que um membro, por exemplo da Relação de Lisboa, recuasse na sua carreira voltando para a Relação do Porto, nem que, depois de chegar ao Desembargo do Paço, fosse transferido para qualquer outro Tribunal. Achava se por tanto estabelecida uma escala na carreira da magistratura desde a primeira entrancia até aos logares mais elevados. Actualmente as Relações ou Tribunaes de segunda Instancia, que existem em todo o Reino, são considerados como iguaes entre si. Não está marcada entre elles differença de graduação, á excepção do Tribunal Supremo de Justiça, que nessa parte corresponde ao Desembargo do Paço. Mas de certo não se poderá sustentar, que um Juiz transferido á Relação de Lisboa para a do Porto, ou dos Açores, considere que se pratica com elle um acto de equidade, a não ser por motivos muito especiaes.
Por consequencia a faculdade que o Governo reclama é uma faculdade de arbitrariedade. Quer o Governo nesta parte exercer uma tutella, quando reputar que o bem publico assim o exige; e então transfere esse Juiz de um Tribunal para outro: ora a razão do bem publico, que póde admittir-se e considerar-se com relação aos Juizes de primeira Instancia, que julgam singularmente, e cuja presença póde em alguns casos suppôr-se incompativel com o bem dos povos aonde residem, e que no fim de tudo não é mais do que uma antecipação daquella transferencia a que legalmente ficam sujeitos no fim de certo prazo, como dous ou tres annos; essa razão, digo; não póde de maneira nenhuma applicar-se aos Juizes, de segunda Instancia, que julgam collegialmente, que formam parte de um corpo collectivo, cuja presença nesse corpo não tem os inconvenientes que podem imaginar-se na permanencia de um, Juiz, que se acha em contacto immediato com os povos do logar em que reside.
A necessidade da transferencia de um Juiz de segunda Instancia só póde, quando muito, ser motivada por causas extraordinarias da natureza das que já aqui se indicaram; e portanto se, por exemplo, n'uma guerra civil se disser e provar, que um Juiz tomou parte nas discordias politicas, pegou em armas, e que por isso se torna menos apto para exercer as suas funcções no tempo em que está suspensa a acção das Leis, em que a Constituição não existe de facto, porque o que existe é a discordia e a guerra civil, applique-se-lhe embora então remedio extraordinario, se as circumstancias absolutamente o exigirem; mas não se tire dahi argumento para estabelecer uma regra permanente contraria aos principios do Codigo fundamental.
Allega-se o bem publico como motivo sufficiente para authorisar permanentemente o Governo a fazer, as transferencias dos Juizes; mas pergunto eu — quem será o que decide nos casos em que o bem publico exige que se recorra a similhante
(1) Quando se discutir, será integralmente consignado.
(2) Vid. a nota 1.º