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CAMARA DOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 28 DE JULHO DE 1848.

Presidiu — O Sr. D. de Palmella, e depois o Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios — Os Sr.s M. de Ponte de Lima

Margiochi.

Aberta a Sessão pelas duas horas e meia da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão.

Mencionou-se a seguinte

CORRESPONDENCIA.

Um officio do Ministerio do Reino, acompanhando o seguinte

DECRETO.

Usando da faculdade que Me concede o artigo 74 da Carta Constitucional, e depois de ouvido o Conselho de Estado nos termos do artigo 110 da mesma Carta: Hei por bem prorogar as Côrtes Geraes da Nação Portugueza até ao dia 14 do proximo mez de Agosto. O Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino assim o tenha intendido para os effeitos convenientes. Paço de Cintra, em 27 de Julho de 1848. = RAINHA. = Duque de Saldanha.

ORDEM DO DIA.

Parecer n.° 51 sobre os Additamentos offerecidos pelo Sr. C. de Linhares ao Projecto de Lei n.º 38, cuja discussão já teve logar a pag. 1165, col. 1.ª

O Sr. C. de Lavradio — Acaba de ler-se esse Projecto de Lei, mas eu lembro á Camara que não está presente nem o auctor do Projecto originario, que é o D. Par o Sr. V. de Laborim, que por incommodo de saude não tem vindo á Camara; nem tambem está presente o D. Par o Sr. C. de Linhares (o qual está inhibido de concorrer hoje á Camara) que é auctor de varios additamentos feitos ao mesmo Projecto. Parece-me pois que devia ficar addiada esta discussão, até que estivessem presentes os dous D. Pares que referi (Apoiados), ou pelo menos o D. Par o Sr. C. de Linhares, que me disse esperava concorrer á Camara no principio da proxima semana.

O Sr. Presidente — Propõe o D. Par, que fique addiada a discussão deste Projecto, até que estejam presentes o seu auctor, e o auctor dos additamentos que lhe foram feitos: assim o vou pôr á votação.

O Sr. Duarte Leitão — Este Projecto já foi addiado uma vez, e mandado á Commissão duas, está por tanto nos termos do poder discutir-se: quanto mais, Sr. Presidente, que o D. Par o Sr. V. de Laborim declarou, que não se obrigava a defendê-lo, e que era delle méro apresentante. É verdade que não está presente o D. Par o Sr. C. de Linhares para sustentar os seus additamentos; mas elles foram remettidos á Commissão, e esta já sobre elles deu o seu parecer. Na presença disto parece-me, que não deve haver mais addiamento, e se a Camara decidir que o haja, espero que não seja indefinido, e se de para ordem do dia de uma das proximas Sessões.

Resolveu-se nesta conformidade.

O Sr. Presidente — Antes de outra discussão, vai ler-se um officio que acaba de chegar á Mesa.

CORRESPONDENCIA.

Um officio da Camara dos Srs. Deputados, enviando uma Proposição de Lei para serem confirmadas as pensões concedidas ás pessoas mencionadas na mesma Proposição.

Passou á Commissão de Fazenda.

O Sr. M. de Ponte de Lima — Aproveito esta occasião para fazer um requerimento, mesmo deste logar, afim de que se peça ao Governo, ou á Camara dos Srs. Deputados, qual e o motivo por que se dão pensões a estas pessoas, que vem aqui mencionadas, porque nestes papeis não se dá motivo algum.

O Sr. Silva Carvalho — Como este negocio vai á Commissão de Fazenda para dar o seu parecer, ella pedirá os esclarecimentos se forem necessarios (Apoiados).

O Sr. M. de Ponte de Lima — Eu não fico satisfeito, e repito o meu requerimento.

O Sr. Presidente — O D. Par pede que se peça ao Governo, ou á Secretaria da Camara dos Srs. Deputados, os documentos por onde constem os motivos por que se concederam estas pensões.

Foi approvado aquelle requerimento verbal.

O Sr. Presidente — Vai ler-se a ultima redacção das alterações feitas nesta Camara na Proposição de Lei n.º 41, que lhe enviou a dos Srs. Deputados, á qual será remettida se forem julgadas as mesmas alterações conformes com o que se vencêra.

Alterações feitas pela Camara dos Pares na Proposição de Lei vinda da Camara dos Srs. Deputados, sobre serem isentos do pagamento de direitos de mercê, os titulos, ou condecorações conferidos por serviços praticados para sustentação do

Throno da Rainha, e da Carta.

Artigo 1.º As mercês de titulos ou condecorações, que tenham sido, ou houverem de ser concedidas a militares, ou a outros quaesquer cidadãos, por distincto comportamento no campo de batalha, ou em galardão de serviços relevantes feitos ao Estado, ficam isentos do pagamento dos direitos de mercê, de sello, e de quaesquer outras despezas que se deverem pelos respectivos Diplomas.

§. unico. Só são reconhecidos serviços relevantes feitos ao Estado, por qualquer agraciado para o fim da isenção estabelecida neste artigo, aquelles que assim forem considerados em Conselho de Ministros, e como taes declarados nos respectivos Diplomas.

Art. 2.° Fica deste modo declarado, e confirmado o Decreto de 7 de Março de 1847, e revogada toda a Legislação ou disposições em contrario.

Julgadas conformes com o que se vencera, expediram-se á outra Camara.

O Sr. C de Lavradio — Peço a palavra sobre a ordem do dia.

Parecer n.° 55 sobre a Proposição de Lei n.° 48, approvando algumas Leis das Dictaduras de 1846 e 1847.

PARECER N.º 55.

A Commissão de Legislação, reunida com os Membros convocados das outras Commissões, examinou a Proposta de Lei n.° 48 vinda da Camara dos Srs. Deputados, approvando algumas Leis das Dictaduras do anno de 1846 e 1847, e revogando outras. A Commissão é de parecer, que a sobredita Proposta deve ser approvada, fazendo-se com tudo o seguinte additamento, relativamente ao Decreto de 10 de Março de 1847.

Artigo 2.º São conservados no Supremo Tribunal de Justiça os Magistrados, despachados em virtude do Decreto de 10 de Março de 1847, com o ordenado de um conto de réis, que venciam como Juizes da Relação de Lisboa, até que pela vagatura de logares naquelle Tribunal entrem no quadro legal, que não é alterado por esta disposição, ficando em tudo o mais considerados como os outros Membros do Supremo Tribunal de Justiça.

O artigo 2.° da Proposta de Lei deverá passar a ser artigo 3.º

A Commissão intendeu, que esta alteração era necessaria para que a Lei não tivesse effeito retroactivo, e conciliando todos os principios revogasse o Decreto de futuro, sem offender direitos adquiridos, nem desconhecer actos consumados, tendo na devida attenção a economia da Fazenda Publica.

Sala da Commissão, em 14 de Julho de 1848. = G. Cardeal Patriarcha = José da Silva Carvalho = B. de Chancelleiros = B. de Porto de Moz = José Antonio Maria de Sousa Azevedo (com declaração) = Francisco Tavares de Almeida Proença

= C. de Thomar (vencido quanto ao artigo 2.°) = Manoel Duarte Leitão (com declarações).

Proposição de lei n.º 48.

Art.º 1.º — Continuam a ter observancia todos os Diplomas, contendo materia legislativa de execução permanente, publicados pelo Governo desde 21 de Maio de 1846, até que sejam revogados, ou alterados pelo Poder Legislativo.

§. unico. Exceptuam-se os Decretos de 29 de Maio e 3 de Agosto de 1846, ácerca de transferencias dos Juizes de Direito, e outras providencias relativas a Officiaes Militares, e Professores de Instrucção Publica; o Decreto de 29 de Maio do mesmo anno, que suspendeu a Carta de Lei de 3 de Maio; e o Regulamento de 16 de Julho de 1845, sobre a organisação do Conselho de Estado como Tribunal Administrativo; e o Decreto de 10 de Março de 1846, elevando a quinze o numero dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, cujas disposições são declaradas sem effeito.

Art.° 2.° — Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 8 de Julho de 1848. (Com a assignatura da Presidencia da Camara.)

O Sr. Presidente — Está o parecer em discussão na sua generalidade, e tem a palavra o D. Par o Sr. C. de Lavradio.

O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, se este Projecto de lei tivesse sido apresentado a esta Camara em tempo competente, a sua discussão devia ser muito importante, porque era esta, em quanto a mim, a occasião de examinar com methodo, direi mesmo com severidade, todos os actos das duas Dictaduras, da que começou em Maio e terminou em 6 de Outubro de 1846, e da que começou na noite de 6 de Outubro e terminou não sei quando, porque isso é ainda uma questão; mas, Sr. Presidente, a maior parte destes actos foram já examinados, posto que não methodicamente na discussão da Resposta ao Discurso do Throno, e em outras subsequentes: portanto, não serei eu quem virei agora provocar sobre elles uma nova discussão Comtudo declaro, que se algum D. Par me quizer chamar a esse campo, eu estou prompto a entrar nelle, e não me hei-de recusar ao combate, e hoje me apresentarei ainda mais forte, porque tenho as brilhantes armas que me forneceram os meus adversarios, quando reconheceram os dous grandes principios, que tinha reconhecido e decretado a Administração a que pertenci — a necessidade da eleição directa, e a de exigir grandes sacrificios dos credores e dos servidores do Estado. Foram estas duas principaes accusações que se fizeram aquella Administração, accusações que já cahiram, e nos deram armas para combater os nossos adversarios.

Agora vou tractar do projecto, e poucas palavras direi, porque a minha saude me não permitte ser longo, as minhas reflexões serão as mais breves possiveis, e unicamente as necessarias para motivar o meu voto. (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra sobre a ordem). Sr. Presidente, sendo approvado este Projecto de lei ficam approvados todos os actos das duas Dictaduras, excepto quatro, que são os dous Decretos, ambos com data de 29 de Maio, e o Decreto de 3 de Agosto de 1846, e o Decreto de 10 de Março de 1847. Não me occuparei destes Decretos por sua ordem chronologica: o primeiro de que me occuparei será o de 3 de Agosto de 1846 ácerca das transferencias dos Juizes de Direito.

Sr. Presidente, este Decreto foi publicado pela Administração a que tive a honra de pertencer: comtudo declaro, que approvo a sua revogação, e não a approvo agora, mas já a approvei quando elle se publicou, porque no artigo 4.º está expressamente declarado, que as disposições daquelle Decreto só terão vigor em quanto durarem as circumstancias extraordinarias em que então estava o Paiz: portanto, logo que cessaram aquellas circumstancias, ficou o Decreto revogado.

Quanto ao Decreto de 29 de Maio do mesmo anno, que suspendeu a Carta de Lei de 3 de Maio sobre a organisação do Conselho de Estado como Tribunal Administrativo, devo observar á Camara, que aquelle Decreto não revogou, mas apenas suspendeu a Lei de 3 Maio até á abertura das Côrtes. O Governo reconheceu a necessidade de um Conselho Supremo de Administração; mas o Governo, por motivos de economia, e tambem por lhe parecer que aquella Lei não satisfazia ao seu fim, julgou dever suspender os seus effeitos até que as Côrtes resolvessem, o que parecesse mais conveniente a este respeito.

Sr. Presidente, na discussão daquella Lei, em manifestei a minha opinião a respeito da necessidade da creação de um Tribunal Administrativo; combati as disposições do Projecto, que depois foi convertido em Lei, e ainda hoje estou convencido, de que aquella Lei carece ser reformada. Portanto, sem ennunciar por ora uma opinião, isto é, tem declarar se approvarei, ou rejeitarei esta disposição á Projecto, ouvirei primeiro as pessoas competentes, e depois votarei conforme me parecer mais conveniente ao Paiz. Segue-se o Decreto de 10 de Março de 1847, cuja revogação eu tambem approvo, visto que pessoas mais competentes na materia, do que eu, me dizem que não era necessario augmentar o numero dos Juizes do Supremo Tribunal de Justiça.

Mas, Sr. Presidente, com o que me não posso conformar, é com a annullação dos despachos dos Juizes nomeados em virtude daquelle Decreto, porque isso seria dar á Lei um effeito retroactivo. Tambem não posso conformar-me com a especie de transacção proposta pela illustre Commissão de Legislação. Pois hão de ser conservados os Juizes nomeados em virtude do Decreto de 10 de Março, e sendo os seus deveres iguaes aos dos seus collegas, os seus interesses hão de ser differentes?! Não sei em que principio de direito se possa fundar uma similhante determinação! (Apoiados.) Se a Camara decidir que aquelles Juizes devem ser conservados no Supremo Tribunal de Justiça, fará uma grande injuria e injustiça, se acaso elles forem collocados n'uma posição diversa da dos seus collegas: isto é injusto, e como a Camara ainda não resolveu, posso repetir que é injusto.

Sr. Presidente, guardei para ultimo logar enunciar a minha opinião sobre a revogação do Decreto de 29 de Maio de 1846: por este Decreto foi revogado o ominoso Decreto do 1.º de Agosto de 1844. Eu confesso francamente a esta Camara, que de todos os actos que tenho praticado como homem publico, não houve ainda nenhum que me deixasse a consciencia tão tranquilla, como o de haver concorrido para a revogação daquelle Decreto. Por espaço de quasi dous annos combati aquelle Decreto em todas as occasiões, que para isso se me offereceram; e declaro que não foi por capricho, mas pela convicção que tinha, de que na presença daquelle Decreto não podia haver independencia para o Poder Judicial, e que a fazenda, a vida, e a honra dos cidadãos não tinham segurança em quanto vigorasse aquelle Decreto (Apoiados). Por tanto, eu considero inutil vir hoje repetir a esta Camara, o que muitas vezes tenho dito, e tem sido dito por pessoas muito competentes. Além disso, se fosse necessario combater novamente o Decreto do 1.° de Agosto, não era necessario que eu o combatesse, porque presente está o illustre Presidente desta Camara, que quando este Decreto foi publicado, declarou — que o considerava attentatorio da independencia do Poder Judicial, e que por isso retirava o seu apoio á Administração. Esta nobre e leal declaração augmentou a reputação de S. Ex.ª, não só neste paiz, mas fóra delle (Apoiados). Aqui está tambem o digno Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que teve o nobre e patriotico arrojo de apresentar a representação, que o primeiro Tribunal do Reino tinha feito contra as disposições daquelle Decreto, e assignada tambem pelo D. Par e eximio Jurisconsulto o Sr. Manoel Duarte Leitão. Aquelle Decreto está tambem reprovado pela resolução desta Camara, ainda ha poucos dias confirmada, quando decidiu, que as transferencias dos Juizes de segunda instancia eram inadmissiveis. Hoje a Camara toda é quem defende as minhas opiniões contra este Decreto, e parece-me que para tranquillidade deste Paiz não ha de haver quem queira fazer reviver as suas disposições; mas elle tornará a vigorar senão forem eliminadas certas palavras. Eu hei de mandar para a Mesa uma emenda nesse sentido; mas ella abrange mais outros pontos, e por tanto só a mandarei quando terminar as poucas reflexões, que sobre este objecto ainda tenho a fazer.

Sr. Presidente, na minha emenda, ou additamento, tambem hei de propôr á Camara, que aos Decretos revogados por este Projecto de Lei, se accrescente o Decreto de 12 de Agosto de 1847, que regula a eleição dos Deputados, e que este seja substituido pelo Decreto de 27 de Julho de 1846. Sr. Presidente, a Camara dos Srs. Deputados, esta Camara, o Governo, e o Paiz inteiro, reconhecerão, que era uma necessidade absoluta

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e urgente o substituir as eleições directas ás indirectas: isto foi reconhecido, e reconhecido solemnemente por uma deliberação tomada na Camara dos Srs. Deputados, que determinou tambem, que esta fosse a base do novo Projecto de Lei que se mandou fazer. Devo fazer justiça aos cavalheiros encarregados deste trabalho, parque me consta que o desempenharam em pouco tempo, mas não sei como o desempenharam, porque ainda me não foi possivel obter um exemplar daquelle Projecto de Lei: todavia, o que sei, mesmo pelas communicações feitas a esta Camara, é que o Projecto existe, mas não foi dado para ordem do dia, e provavelmente não poderá ser discutido nesta Sessão, porque ella está muito adiantada. Mas é notavel, que reconhecendo-se a necessidade desta Lei, não se tenha ainda tractado da sua discussão. (Apoiados.)

Eu, como cidadão, assim como qualquer outro, tenho direito, e tem-no o Paiz todo, a perguntar porque motivo se reconheceu o principio, e não foi posto em execução: ora agora como Par não tenho só o direito, tenho o dever de interrogar a este respeito os Srs. Ministros, que são quem me póde responder offical e cabalmente, e por tanto interrogo muito formalmente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que está presente, para saber qual foi a razão, porque depois de ter reconhecido o principio, não foi posto em execução. Eu reconheço a legalidade da outra Casa do Parlamento, respeito, e acato as suas deliberações por tanto tudo quanto eu vou dizer não póde ser de modo nenhum offensivo aos illustres cavalheiros, que alli se sentam, pois considero todos muito dignos de respeito: o que eu vou dizer refere-se ás disposições da Lei, tracta só do Decreto eleitoral, que está hoje em vigor; e torno a repetir, que respeito muito os illustres cavalheiros, que se sentam na outra Camara; mas perguntar-lhes-hei se elles estão convencidos, de que representam o desejo e os interesses do Paiz. Por melhores que sejam as suas intenções, por mais illustrados que sejam, digo que não representam, e não o representam por defeito da Lei. Eu não vou agora tractar dos escandalos praticados durante as eleições, porque, por hypothese quero considerar as eleições como feitas sem nenhuma especie de coacção, sem promessa nem ameaça; considero-as feitas com a maior legalidade e liberdade possivel, e digo, que assim mesmo ellas não podiam produzir a verdadeira representação nacional, tudo por defeito da Lei. Não descerei á analyse da eleição em geral para o demonstrar; mas basta-me unicamente, para exemplo, a Provincia da Estremadura: examinemos se esta Provincia está representada na Camara dos Srs. Deputados.

Se me não engano, no Collegio Eleitoral da Estremadura estiveram presentes 147 eleitores, destes retiraram-se por motivos, que eu agora não quero considerar, porque não vem para o caso, 52: estes 52 representavam 32 ou 33 Concelhos, ficavam 95, e estes 95 fizeram uma eleição, em que houve unanimidade: só faço esta observação para mostrar, que ainda que os 52 se não tivessem retirado, a eleição ainda assim ficava, por defeito da Lei, tal qual foi, o que não aconteceria: primó se as eleições fossem directas; secundó se os circulos eleitoraes fossem pequenos não teria então ficado, como ficou, uma parte muito notavel da Provincia da Estremadura sem ter quem representasse os seus interesses na Camara dos Srs. Deputados.

Sr. Presidente, é escusado cançar-me com esta demonstração, porque eu aqui não me dirijo aos infieis, considero que esta Camara reconhece isto mesmo, pois é hoje a opinião do Paiz inteiro, que é necessario que as eleições sejam directas, e os circulos pequenos, porque sem estas duas condições não ha a verdadeira representação do Paiz; mas vamos ás consequencia que eu deploro muitissimo, e sobre as quaes chamo a attenção da Camara para evitar, que ellas continuem.

Embora as resoluções tomadas pelo Parlamento tenham a força da legalidade, e todo o cidadão portuguez lhe obedeça como deve; mas se lhes faltar a força moral falta-lhes tudo: ora essa força só póde nascer da convicção interna, que os Povos tiverem de que a Lei foi votada pelos Representantes por elles escolhidos, e por isso conhecedores das suas necessidades e desejos; porém aquelles que não tiverem representantes na Camara, dizem — nós não temos quem faça conhecer as nossas necessidades e desejos: por tanto sujeitamos-nos á força sem a convicção da justiça; para estes as Leis não teem a força, que deveriam ter, sobretudo nas circumstancias actuaes, em que é geralmente conhecida a absoluta necessidade de organisar a Fazenda publica, e de exigir para esse fim grandes sacrificios dos servidores, e credores do Estado, e de todo o Paiz. Estes sacrificios, se fossem impostos pelos verdadeiros eleitos dos Povos, seriam faceis de obter, pois ao dever se juntaria a convicção da necessidade; mas quando falta essa convicção, como se poderá obter o sacrificio? Sr. Presidente, as consequencias de uma falsa Representação Nacional são graves em todas as circumstancias; mas são gravissimas nas circumstancias actuaes, em que os sacrificios que ha a fazer são em tamanha escala, que posto que sejam muito grandes os que já estão propostos, talvez ainda não sejam sufficientes para curar o mal e organisar a Fazenda publica.

Foi por todos estes motivos, que julguei do meu dever apresentar estas reflexões á consideração da Camara, e, propôr ao §. unico a emenda que vou lêr, assim como outra ao artigo 2.º proposto pela Commissão.

Emenda.

Exceptua-se o Decreto de 3 de Agosto de 1846, ácerca das transferencias dos Juizes de Direito; o Decreto de 10 de Março de 1847, elevando a 15 o numero dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça; o Decreto de 12 de Agosto de 1847, regulando as eleições dos Deputados, as quaes serão reguladas pelo Decreto de 27 de Julho de 1846, que tem força de Lei, até que seja revogado ou alterado pelo Poder Legislativo.

Art. 2.° São conservados no Supremo Tribunal de Justiça os Magistrados despachados em virtude do Decreto de 10 de Março de 1847.

Devo fazer uma advertencia: nesta minha emenda não fiz menção do Decreto relativo ao Conselho de Estado pelos motivos que já expuz á Camara.

Foi admittida a Emenda.

O Sr. C. de Thomar —......

O Sr. V. de Oliveira — Sr. Presidente, abraçarei o conselho que deu á Camara o D. Par, que me precedeu, de que em materia de tanto momento e tanta ponderação, como aquella que se está discutindo, devemos todos entrar na sua discussão com franqueza e boa fé, e apresentar as rasões e motivos que cada um tem, e em que funda o seu voto.

Creio que, em toda a minha vida parlamentar, tenho dado constantes documentos, de que é por essa fórma que entro sempre nessas questões (Apoiados). Por isso, e por nenhum motivo, nem consideração, não farei excepção a respeito desta: pelo contrario, empenho a minha palavra de honra de que entrarei nella por tal modo e maneira, que não se diga que sou movido por interesses, porque interesses particulares não me fariam sustentar uma opinião que tenho, não de agora, mas desde que considerei as conveniencias publicas, e apreciei os remedios que lhes deviam ser applicados (Apoiados),

Sr. Presidente, de todas as funcções mais elevadas, que se podem exercer, nenhumas, por certo, se antepõem aquellas que tem por fim manter a honra, a vida, e a fazenda de todos os cidadãos. Se estes são os objectos mais caros, mais elevados, e da maior magnitude, é necessario que os Juizes, e os Tribunaes sejam revestidos de todas as attribuições convenientes, para se obter a satisfação mais completa de uma necessidade social, qual a prompta e recta administração de Justiça de uma maneira certa e uniforme. Á sombra da verdade juridica descança a paz das familias, dá-se a certeza do dominio, a segurança da posse. Em toda a organisação judicial bem constituida, para cabal desempenho das funcções judiciaes, é precisamente necessario, que haja um Tribunal Regulador, que vele pela execução da Lei, e faça applicar no espirito com que foi feita e promulgada, por tal fórma, que tire a esperança a todo o litigante de conseguir o resultado contra a sua disposição, pela diversidade com que é applicada, tornando ambigua a mesma disposição. Sr. Presidente, é necessario considerar as cousas como são na realidade, e não como cada um poderá imaginar que ellas são.

A Carta Constitucional estabeleceu, que haja um Supremo Tribunal de Justiça, e foi reserva de para o seu illustre Legislador o Senhor Dom Pedro de Saudosa e Gloriosa Memoria, desempenhar Elle mesmo este preceito da Carta. Pelo Decreto de 16 de Maio de 1832 se mandava organisar este Tribunal, com oito Juizes; mas esta organisação nunca se realisou porque no anno de 1833, sendo Ministro da Justiça o meu particular e antigo amigo o D. Par Sr. José da Silva Carvalho, referendou o Decreto de 14 de Setembro daquelle anno para a organisação deste Tribunal com quatorze Membros, a saber treze Juizes, incluindo o Presidente, e o Procurador Geral da Corôa, Membro nato então deste Tribunal. Com este numero de quatorze funccionou o Tribunal até 1836, e eu não sei que houvesse reclamação alguma contra este numero, advertindo que os ordenados que se estabeleceram eram n'uma disporporção muito grande, comparados com aquelles que hoje tem (Apoiados). Este Tribunal conservou-se deste modo até Setembro de 1836, em que tiveram logar os acontecimentos politicos que todos sabemos; e por motivos que será ocioso expender, reduziu se esse numero de quatorze Membros a onze Juizes Conselheiros, de entre os quaes devia ser nomeado o Presidente, com reducção nos seus vencimentos. Mas que aconteceu de se admittir uma falsa idéa? A experiencia mostrou logo, que não era possivel com este numero desempenhar aquelle Tribunal as suas funcções não obstante a providencia de poderem ser chamados da Relação de Lisboa Juizes, como supplentes, para servirem na falta, ou impedimento dos Juizes Conselheiros, meio defficiente a muitos respeitos, e contrario até á prompta e regular administração da justiça, como logo foi reconhecido por distinctos Jurisconsultos. Desde logo se reconheceu a necessidade de elevar o numero dos Conselheiros do Supremo Tribunal, pelo menos a quinze. É este um facto incontroverso, do que ha documentos officiaes, na respectiva Secretaria, sendo esta necessidade reconhecida pelo proprio Governo. Aqui tem pois V. Ex.ª e a Camara, que o Governo, o qual tinha organisado este Tribunal, teve tambem a consciencia de que elle não podia desempenhar o seu fim, sem que provesse com remedio efficaz.

Sendo Ministro da Justiça o D. Par, o Sr. C. de Thomar, nos fins de 1839, principio de 1840, apresentou o D. Par, o Sr. Manoel Duarte Leitão, então Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, um Projecto de organisação e competencia do mesmo Tribunal, sobre o qual foram officialmente ouvidos alguns Jurisconsultos, que todos foram concordes em que se carecia, pelo menos, de quinze Juizes Conselheiros. De tudo se póde fazer questão; mas este ponto é tão simples, que, em verdade, admira, que sobre elle se levante contestação. — A Lei manda que o Tribunal se divida em duas secções; que os feitos civeis sejam vistos por cinco Juizes, e os crimes por sete; mas sendo as secções apenas de cinco, contando que todos sejam assiduos, como poderão ser vistos os autos crimes por sete? O trabalho em secções reunidas, sobre pezado, é contrario á economia do tempo, á boa ordem do Serviço, e melhor expediente, e por isso, com razão, a Lei manda dividir os Membros do Tribunal em secções; mas quando assim o determina, é por que conta já com um numero sufficiente para haver essa divisão em secções, porque a Lei não póde fazer de um numero menor, um maior. Com estas disposições legaes concordam outras, que hão refiro por não fatigar a Camara. O que é certo é, que, segundo varias disposições, que são leis do Paiz, o serviço do Tribunal, devendo as mesmas ser, como cumpre, executadas, carece de maior numero que o de dez Juizes Conselheiros, para poder satisfazer aos objectos da sua competencia, devendo tambem ter-se em conta os impedimentos por molestia e outras causas (Apoiados). Aqui temos verificado e reconhecido por pessoas doutas e competentes, que o numero de dez Conselheiros não era sufficiente para o Tribunal poder funccionar, e então facil é tirar a conclusão, de que, querendo-se que o Tribunal exista para o fim da sua creação, é absolutamente necessario que tenha o numero de Juizes sufficientes, porque do contrario seria querer um impossivel, dando-se lhe attribuições, que não podia desempenhar no espirito e lettra da Lei.

Quando a Novissima Reforma Judicial de 21 de Maio de 1841 foi publicada, estabelecendo se nella a fórma de processo, e ordem do serviço no Supremo Tribunal de Justiça, já então tinham sido restituídos, ou reintegrados os Conselheiros que por motivos politicos occorridos em Setembro de 1836, tinham pedido as suas demissões, por virtude da Lei de 27 de Agosto de 1840, para a qual tenho a satisfação de ter contribuido com o meu voto. Com este augmento dos Conselheiros reintegrados, aos onze que existiam, cessou a necessidade de elevar o quadro estabelecido pelo Decreto dictatorial de 29 de Novembro de 1836; mas já daqui se vê, que o Tribunal funccionava não com onze, mas com superior numero, sendo os reintegrados sete Conselheiros, que foram considerados como effectivos, sem differença nem distincção alguma dos que estavam no referido Tribunal, e com razão; porque, tão Juizes eram uns como os outros. Eis aqui mostrado como então cessou a necessidade, porque alem dos onze Conselheiros, que estavam em effectividade de serviço, existiam mais sete reintegrados, dos quaes alguns se aposentaram, não sendo porém nunca o numero dos Conselheiros em effectividade inferior a quinze, numero que se julgou necessario, ainda antes das Cartas de Lei de 19 de Dezembro de 1843, que deram novas attribuições, e algumas da mais alta importancia para a Sociedade.

Mostrarei agora qual era o pessoal effectivo do Tribunal, ao tempo que se adoptou e publicou a medida estabelecida no Decreto de 10 de Março de 1847.

Tinha o Tribunal doze Conselheiros, incluindo-se o Presidente, a quem não se distribuem feitos, nem tem voto ordinario, sendo assim onze os Juizes: destes onze devem tirar-se dous, que estavam absolutamente impossibilitados de todo e qualquer trabalho, como é de todos sabido, o Sr. Joaquim Antonio de Magalhães, e José Antonio Ferreira Braklami, que infelizmente já passaram á habitação dos justos, pelo que ficavam nove disponiveis; destes achava-se ausente um n'uma das Provincias do Norte, sem se poder recolher sem perigo, pelo estado de guerra civil e levantamento, em que estava o paiz, restavam por tanto oito. Oito Juizes para todo o trabalho do Tribunal!

Sendo pois por todos reconhecido, que o numero necessario era, pelo menos, de quinze, como será possivel admittir-se, que oito Conselheiros fossem sufficientes para todo o serviço, e que não teriam nunca causa alguma que obstasse á sua assiduidade? Tal era o pessoal do Tribunal ao tempo do Decreto de 10 de Março de 1847. E sendo, como é, assim, como se poderá sustentar a não necessidade? Não funccionava o Tribunal? Não exercia elle as mesmas funcções? Não tinha as mesmas attribuições? Não deviam as partes gozar as mesmas garantias judiciaes, que as Leis lhes concedem? De duas uma, ou se haviam de fechar as portas do Tribunal, interrompendo-se a acção da justiça, ou provêr-se de modo que elle desempenhasse as suas funcções no interesse da Sociedade e dos particulares. A unica maneira prudente e razoavel era pois elevar o numero, não arbitrariamente, mas segundo as opiniões e pareceres officiaes dados desde 1839. A Administração, a que tive a honra de pertencer, depois de madura reflexão e de repetidas conferencias, examinando tudo quanto se havia dito sobre tão grave assumpto, resolveu-se a adoptar esta medida, que reputo salutar e absolutamente necessaria, pois que qualquer outra acarretaria gravissimos inconvenientes.

Cumpre-me tambem aqui observar, que se a necessidade de que o Supremo Tribunal de Justiça tivesse, pelo menos, quinze Membros, era reconhecida e por todos sentida antes das Cartas de Lei de 19 de Dezembro de 1843, muito mais indispensavel se tornou, desde que essas Leis lhe deram novas e importantissimas attribuições, permittindo segundas e mais revistas nos mesmos feitos civeis ou crimes, e auctorisando os aggravos de petição e de instrumento, que antes não haviam. E peço á Camara que bem attenda a que, entre estas novas e diversas attribuições, se encontra uma da mais alta importancia, e que tem sido objecto de grandes locubrações entre os doutos, qual a de se conformarem as segundas e ultimas instancias com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, em segunda revista, no ponto de direito, como é expresso no §. 2.° do artigo 5.° da referida Lei de 19 de Dezembro de 1843. Com esta disposição, unica que fosse, já se vê a grande necessidade de maior numero de Juizes, a fim de não serem só os mesmos, que concederam a primeira revista, ou ainda alguns mais, porém em minoria. A Lei quer que as segundas revistas sejam julgadas em secções reunidas; e aqui temos duas cousas a observar: primeira, que existem secções; segunda, que hão de entrar na segunda revista mais Juizes que na primeira.

Mas não havendo um numero sufficiente de Conselheiros, como se poderá o Tribunal dividir nas duas secções? Como poderá o feito ser julgado por maior numero, se elle não existe, ou quasi que não existe, quando se de uma pequenissima minoria? É esta uma circumstancia, á qual se deve prestar toda a mais séria attenção, segundo pede objecto de tanta importancia.

Já se vê pois, que com um numero inferior a quatorze Juizes, pelo menos, o Tribunal não póde satisfazer nem ás prescripções da legislação em vigor, nem preencher, como convem, aos interesses da Sociedade, e segurança dos particulares, as importantissimas attribuições que lhe estão incumbidas.

Conferidas, por tanto, estas attribuições e reconhecida a necessidade de dar as maiores garantias possiveis á boa e prompta administração da Justiça, como convem, era impossivel, que o Tribunal funccionasse com um numero menor. O mesmo Sr. C. de Thomar que impugna agora o augmento dos Juizes Conselheiros, sendo Membro da Administração quando se propoz o Projecto, que foi convertido depois de approvado na Carta de Lei de 19 de Dezembro de 43, reconheceu a necessidade de se elevar o numero, porque a esse tempo não lhe era estranho o defficientissimo methodo de supprir as faltas, ou impedimentos dos Juizes Conselheiros, com Juizes da Relação de Lisboa. Esta inconveniencia de chamar os Juizes de Lisboa para supprir as faltas, ou impedimentos dos Membros do Supremo Tribunal, foi desde logo sentida por habeis Jurisconsultos: entre estes enumerarei o muito douto e honrado Conselheiro J. D. Felgueiras, cuja perda a Magistratura deplora, o qual disse n'um Projecto apresentado ao Governo, de cuja feitura por este fóra encarregado, sendo Ministro da Justiça o Sr. C. de Thomar — que para o despacho dos numerosos feitos que alli se accumulam, não basta a providencia dos Supplentes estabelecida no §. 2.º do citado artigo (1.º) do Decreto de 29, de Novembro de 1836, a qual, retardando o serviço das Relações, pouco ou nada adianta o do Supremo Tribunal, onde o tempo para os vistos póde absorver todo o intervallo da necessidade. Neste ponto tambem sempre estiveram concordes todas quantas pessoas competentes emittiram suas opiniões. Reconhecido por tanto mais este inconveniente, outra razão mais para se elevar o numero, e mais tambem outra razão que justifica o Decreto de 10 de Março 1847.

O augmento dos Juizes Conselheiros, já virtual e implicitamente estava reconhecido por esta Camara, quando votou a Lei de 19 de Dezembro de 1843. Permitta-me a Camara que eu leia o que nesta Casa disse o muito douto e distincto Jurisconsulto, o D. Par o Sr. Sousa Azevedo, na Sessão de 5 de Dezembro do mesmo anno de 1843, sendo então Ministro da Justiça na Administração em que tambem era Ministro do Reino, o D. Par o Sr. C. de Thomar (Leu o trecho do discurso a que se referira).

Reconheceu este illustre Jurisconsulto, combinando com os que tinham sido consultados sobre a materia, a necessidade de augmentar o numero de Cavalheiros, elevando-a, pelo menos ao numero de quinze, do que não discordou o Governo. Ha por ventura nada mais explicito, mais claro e terminante? (Uma voz — E o augmento da despeza?) Augmento de despeza, ouço eu dizer! Qual de nós poderá fazer argumento com augmento de despeza, quando se mostra a necessidade com todas as demonstrações e provas? Toda a despeza que se faz em administrar justiça rectamente, é uma despeza productiva, necessaria, util, e importante. Á vista do que tenho dito, parece-me que tenho demonstrado, que pelo Decreio de 10 de Março nada mais se fez, do que prover se a uma necessidade, e que longe delle dever ser derogado, se deve sustentar, por isso mesmo que a sua disposição é além de justa e salutar, de absoluta necessidade.

Em quanto ao que se affirmo, de que no Supremo Tribunal não estivam pendentes tantas causas, que demandassem um tal numero de Juizes, eu tambem aqui tenho alguns mappas estatisticos do mesmo Tribunal, publicados no Diario do Governo por ordem do referido Tribunal, e assignados pelo seu respectivo Secretario, e dos quaes vou dar conta á Camara (leu os), Por elles a Camara reconhecerá qual era o numero de causas em recurso de revista, que alli estavam accumuladas. E note se bem a ultima statistica proximamente anterior ao Decreto de 10 de Março: se esta, assim como as outras não são exactas, a inexactidão está da parte do Tribunal, porque elle é quem as deu; mas é certo que assim correram sem serem rectificados.

Mas. Sr. Presidente, eu não quero fazer questão sobre o numero de causas, que estão affectas aquelle Tribunal, porque a questão mais importante não é, nem se existem 600, 700, ou as que forem; bastaria que lá existisse meia duzia, ou ainda uma unica, porque nessa unica deviam guardar-se todas as formulas, tinham as partes todo o direito, que se lhes dessem todas as garantias legaes, por isso que a boa administração da justiça é devida tanto a um como a todos, são todos raios do mesmo circulo: logo a questão do numero é sempre inferior á da legalidade, esta é que é a questão importante. Oxalá, Sr. Presidente, que não houvessem tantas causas, tantos litigios, e tantas demandas (Apoiados)! Oxalá que os homens só olhassem pelos seus legitimos interesses, e que respeitando sinceramente os principios de moralidade, quizessem unicamente aquillo que uma consciencia recta lhes aconselhasse, porque então apenas appareceriam, nos Tribunaes mui poucos litigios! mas assim mesmo os interesses da propria Sociedade exigiam, que essas mesmas poucas causas fossem submettidas á decisão de uma boa administração de justiça, porque se por haver uma só causa a julgar se lhe negassem todas as garantias, qual seria o resultado? Se nós queremos que haja a maior rectidão e promptidão nos julgamentos das

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diversas causas; se nós reconhecemos que isso é uma das primeiras necessidades; havemos de negar os meios, para que haja essa rectidão e promptidão? A Administração pois a que eu tive a honra de pertencer, considerando essas necessidades nenhuma duvida teve em publicar aquelle Decreto.

Responderei agora ao illustre orador, que me precedeu, o qual principiou dizendo, que a Administração que promulgára aquelle Decreto havia exorbitado das attribuições, attribuições que ella mesma se tinha imposto; que das duas uma, ou a Administração se havia contido dentro das suas attribuições, que se tinha imposto, ou senão tinha contido; que provando-se a primeira parte, todos os actos dessa Administração deviam ser approvados e sanccionados pelo Corpo legislativo; mas dando-se a segunda, ninguem poderia defender os seus actos, porque de facto estavam nullos. Eu vou pois tractar de provar em como a Administração não exorbitou das attribuições, que se impozera, e que a força e imperio das circumstancias tornou necessarias.

Pois o Governo, reconhecendo a necessidade de prover á continuação da boa administração da justiça, havia deixar-se estar de braços encruzados, e mudo espectador? Pelo relatorio do Decreto de 27 de Outubro de 1846 a Camara conhecerá tambem, que o Ministerio, de que eu tive a honra de fazer parte, não exorbitou das attribuições que se impozera (leu-o). Pois poderá haver ordem publica, uma vez que não haja administração da justiça, nos termos e pelas formas e maneiras que as leis estabelecem? Persuado me de que não. Mas vejamos outras palavras de que se serviu esse Ministerio no preambulo do Decreto (leu o). Se a Administração pois teve todos estes fortes motivos para aconselhar a Soberana á adopção daquella medida, elevando o quadro dos Juizes Conselheiros, medida que ainda hoje a experiencia mostra necessaria, e tanto que eu até pediria ao Ministerio houvesse de preencher o logar, que está vago, por morte de um dos seus membros, porque sem aquelle numero é impossivel funccionar segundo a letra e espirito da lei, dando á sociedade e ás partes todas as garantias legaes; por outra parte, se com boas, convenientes e inconcussas razões se sustenta a providente, e salutar disposição daquelle Decreto; não vejo motivo algum, para que elle deixe de continuar em vigor como outros, que por este Projecto se pretendem sanccionar, a fim de que continuem a ser leis, e como taes cumpridas e acatadas.

S. Ex.ª perguntou se á boa administração da justiça era absolutamente indispensavel a nomeação demais tres Conselheiros para o Supremo Tribunal de Justiça: e eu responderei — que attendendo ao pequeno numero de Juizes, que então existia, á quantidade de feitos accumulados, e á natureza dos julgamentos em revista, responderei, digo, que sim; porque, sem esse numero de Juizes reputo como impossivel juridico, que o Tribunal podesse funccionar, não só já com respeito á legislação antiga, como á moderna, que lhe déra nova competencia. O D. Par porém accrescentou — que no Supremo Tribunal de Justiça apenas existiam oitenta e seis processos! S. Ex.ª já deve saber, que existem muitos mais, e se todos não correm é porque as partes os não preparam; mas desde o momento em que os prepararem, os Juizes teem de conhecer delles, e por conseguinte nós devemos suppôr a obrigação desse conhecimento desde o acto da entrada das causas no Tribunal: logo, se n'um dia existem oitenta e seis causas, no outro podem existir trezentas, e mais, porque isso depende de serem ou não preparadas pelas partes, e daqui se vê que o argumento das oitenta e seis não vale cousa alguma.

Com as estatisticas na mão mostrei eu, que as causas existentes no Supremo Tribunal de Justiça eram em grande quantidade; mostrei que os oito Juizes então existentes, e em actividade de serviço, não eram sufficientes para poderem com brevidade despachar os processos, nem para dar, não obstante e sua muita honradez e probidade, aquellas garantias que as leis prescrevem, e que tem o seu fundamento no maior numero de votos; mostrei portanto que o Decreto fóra uma necessidade, e que deverá subsistir por estar conforme com o interesse social, em harmonia com a legislação existente, e de accordo com o que nesta propria Camara foi reconhecido e votado.

Eis-aqui as razões em que me firmo; e se mais alguns argumentos se apresentarem, tractarei de lhes responder, certo de que uma medida que tem por si todos os factos, a experiencia, os votos de pessoas competentes, a lei, e a conveniencia publica, não póde ser destruida quando imparcialmente avaliada.

O Sr. Presidente — A Camara permittirá que, antes de dar a palavra aos D. Pares que se seguem, se lêa um officio que acaba de vir da Camara dos Srs. Deputados: é sobre o Projecto das transferencias.

Correspondencia.

Um officio da Camara dos Srs. Deputados, participando que não conformando-se ella com as alterações feitas pela dos Pares na Proposição de Lei, que lhe dirigira sobre a transferencia dos Juizes, resolvêra sujeitar as mesmas alterações á decisão de uma Commissão Mixta, para a nomeação dos Membros da qual ella ia a proceder.

O Sr. C de Lavradio — Eu requeiro que antes de se elegerem os Membros, que devem fazer parte da Commissão Mixta, se publique a Sessão da que primeiro teve logar, porque até hoje ainda se não publicou (O Sr. C. das Antas — É verdade).

O Sr. D. de Palmella — Devo informar a Camara, de que á Mesa já havia dado ordem, para que quanto antes se publicasse a Sessão da Commissão Mixta, officiando-se alem disso a alguns Membros da outra Camara, que houvessem de remetter revistos os seus discursos por cuja falta a Sessão se não teem publicado.

O Sr. C. de Thomar — É de esperar que se cumpram as ordens da Mesa.

Todos sabem que as Camaras estão unicamente prorogadas até ao dia 14 de Agosto, temos objectos importantes de que nos occuparmos, e por conseguinte é necessario, que esse negocio seja publicado quanto antes, mesmo para que o Paiz possa saber qual é a legislação que fica em vigor a este respeito.

O Sr. C. de Lavradio — Requeiro que a Sessão da Commissão Mixta seja publicada sem os discursos daquelles de seus Membros, que os não tenham entregado, por que isto é o mesmo que se pratica a respeito dos Membros desta Camara (Apoiados).

O Sr. C. de Thomar — É verdade.

O Sr. Presidente — Nem isto é objecto de questão, é uma daquellas cousas que entra no regulamento geral.

O Sr. Secretario Margiochi — No Officio que se dirigiu, marcou-se o prazo de quarenta e oito horas para serem entregues os discursos.

Devo porém declarar, que os discursos dos D. Pares que entraram na Commissão Mixta já se acham na imprensa, e é natural que na Segunda feira se publiquem.

O Sr. Presidente — Quando se ha de proceder a eleição dos Membros que hão de fazer parte da Commissão Mixta?

O Sr. Fonseca Magalhães — Segunda feira.

O Sr. Presidente — Segunda feira é dia feriado, e então parecia-me ser melhor á manhã.

O Sr. C. de Lavradio — Parece-me que o costume, é esperar-se primeiro que venha a lista dos Srs. Deputados, que devem fazer parte da Commissão Mixta, e depois então nomearemos nós igual numero de Pares; porque sem sabermos qual é o numero que da outra Camara vem, não podemos nós elegermos o nosso, por isso que não sabemos qual ha de ser.

O Sr. Presidente — Pois bem. Quando vier a relação dos Membros da outra Camara, que devem fazer parte da Commissão Mixta, então procederemos á eleição dos Membros desta Camara.

Continúa a ordem do dia, e tem a palavra o Sr. Fonseca Magalhães.

O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, apenas me sinto capaz de offerecer algumas considerações á Camara sobre a materia importantissima deste projecto: os D. Pares que fallaram antes de mim mostraram muita proficiencia nella: eu não posso aspirar a tanto; e comtudo creio do meu dever expor sinceramente o que penso sobre alguns argumentos, que foram apresentados.

Neste projecto ha diversos pontos que, para clareza, é forçoso extremar: póde dizer-se que os objectos que elle contém são mais que as palavras que os referem; e cada um delles merece serio exame, porque a sua decisão influirá na moral publica, e na politica deste paiz.

Eu declaro que voto pela emenda do D. Par o Sr. C. de Lavradio, sobre as excepções deste artigo unico do projecto, marcando alguns diplomas mais que devem ser revogados, e outros que o estão, e que no seu entender devem ficar em vigor. Direi opportunamente os motivos em que me fundo.

Agora fallarei relativamente ao Decreto de 10 de Março de 1847: a discussão que sobre este Decreto tem havido nas Camaras prova, ou ao menos deixam-me convencido, de que o que se pretende, a revogação que delle se quer, é uma injustiça e uma immoralidade.

Sr. Presidente, é hoje a primeira vez que se traz ás Camaras legislativas um projecto de lei para pôr fóra dos seus logares Juizes que foram despachados pela Authoridade que exercia todos os poderes publicos!

Já antes tinhamos visto discutir e approvar em Côrtes leis sobre individuos; mas sempre com o objecto de fazer bem — de conciliar, de restituir e reintegrar funccionarios desapossados e expulsos; mas hoje apresenta-se aqui uma medida que não me parece outra cousa senão medida de vingança pessoal, e com desabrimento admiravel. (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra.) Proteste-se embora que tal intenção não ha, que até nunca existiu: eu poderei acredita-lo, ta vez — não o affirmo; mas o publico não o crerá, nem o póde crer.

Este projecto para exautorar funccionarios não accusados, pertencentes a um dos poderes publicos, e despachados por aquella mesma authoridade que se proclama legitima pelos que impugnam e querem annullar o acto da nomeação, é na verdade extraordinario: custa-me a conceber como tudo isto cabe no espirito dos D. Pares, que approvam e pedem a expulsão. Quem viu já que a titulo de excesso da authoridade se tirassem as dragonas ao official promovido, e que elle, munido de um Decreto Real, voltasse á patente anterior? Pois alguns desses despachos se tem feito, e reconhecido injustos; mas nenhum dos agraciados foi victima da falta que não era sua. Diga-se ingenuamente, já praticou em tempo algum acto igual ao que se quer que pratique o Corpo legislativo a respeito de tres Juizes do Supremo Tribunal de Justiça? Ninguem dirá que sim. Muitas censuras de despachos illegaes se tem feito: não examinarei agora se com razão se sem ella; mas a annullação que se pretende nunca teve logar: é preciso dar o primeiro exemplo desta iniquidade. Diz-se que o Ministerio, que fez a nomeação, violou a Carta; que despachou Juizes sem que elles fossem necessarios para o serviço; que augmentou as despezas, augmentando ordenados; e que é por isso merecedor de censura. — Convenho em que aquelle Ministerio violasse a Carta: elle era uma contínua violação della: ahi se leu um diploma que bem claro o prova: essa questão não é para aqui, nem nós tractamos de a examinar; mas se vós entendeis isso porque não accusaes os violadores? E só nesse acto sois tão zelosos da observancia da Carta, sem comtudo quererdes que se accusem os culpados, bastando-vos que sejam punidos os innocentes? Qual é a parte do crime que corresponde aos Juizes illegalmente despachados? Ainda nenhuma se lhes attribuiu; e apesar disso é só sobre elles que a espada de Themis, brandida com exemplar imparcialidade, ha de descarregar o golpe! Argumenta-se que a Dictadura, se é que tinha esse nome o governo da época a que me refiro, não devia legislar senão sobre objectos que contribuíssem para a salvação do paiz, e para pôr termo á guerra civil: bem está; e quem assim argumenta poderá dar-se como exemplo deste rigorismo? Digo mais, quem será hoje o juiz desta qualificação para decidir se o acto de que se tracta deve ou não ser nesse sentido reputado medida desnecessaria? Já ouvistes os homens que o praticaram? Não; nada disto: por um leve exame, que ninguem qualifica de desapaixonado, se decide que tal necessidade não havia, e que os Juizes despachados pelo Governo, que tudo fez, que todos os poderes exerceu, foram nullamente despachados, e devem ser expulsos do Tribunal aonde se tem sentado. Eu sei que as Côrtes podem reprovar o acto, e proceder contra os seus auctores; mas duvido muito que, ao menos moralmente, se possa impôr a pena a quem não commetteu a falta; e esses, a quem ella deve attribuir-se, ficam impunes. Censura! Pois se apenas os censurarmos, sendo elles sós os culpados, que igualdade haverá, desauthorando aos que nenhum crime commetteram? (Apoiados.) Isto não tem resposta: convenço-me de que ninguem aqui ma poderá dar satisfactoria.

Mas estes Juizes ha mais de um anno, ha quasi dous annos, estão a julgar no Supremo Tribunal de Justiça, isto é, naquelle cujas sentenças são irrevogaveis (Apoiados); essas sentenças tem sido cumpridas e respeitadas, sem que até hoje nem um só clamor se levantasse contra a legitimidade de taes julgadores, sendo elles reconhecidos Juizes como todos os seus demais collegas, pelas partes litigantes, e pelo publico em geral, e sem uma só excepção: e agora propõe-se que lhes digamos: vós não sois Juizes — nunca fostes Juizes; — a vossa nomeação não podia faze-la quem a fez; é irrita e nulla. Se assim é, se tal nullidade fere a nomeação, é evidente que todos os seus effeitos tem a mesma: são nullos os Juizes, e as suas decisões e sentenças: o que elles tem julgado não foi julgado: as partes contra quem decidiram não devem accommodar-se com as decisões: os processos estão como antes dellas; e os effeitos de taes sentenças são como se não tivessem tido logar. Que bello estado de cousas! que feliz decisão esta, que se quer tomar, annullando os despachos que o Governo fez de taes Juizes! E annullando-os ao mesmo tempo que se proclamam legitimos e bons todos os demais actos desse mesmo Governo!

Não me opponho repito, a que se acuse o Ministerio a que nos referimos: elle em tal caso, se defenderá se puder: ao menos será ouvido em sua defensa, e aqui haverá quem o ajude a justificar-se. O que eu pretendo é que não commettamos nós a estupida injustiça de punir os innocentes. O crime consiste, segundo se diz, em despachar tres Juizes, sem necessidade demais do que o numero que havia no Tribunal de Justiça; e eu, sem querer entrar na apreciação das razões dadas para demonstrar esta não necessidade, sempre direi que me parecem concludentes os argumentos empregados pelo D Par o Sr. Sousa Azevedo para provar que realmente havia alli necessidade de mais Juizes do que os que funccionavam quando o despacho foi feito: e não só com referencia a esse tempo, mas ainda ao numero de dez ou doze que se diz ser sufficiente para julgar no Tribunal. Não entrarei, como disse, neste particular objecto, eu repetiria apenas o que já se tem ouvido; e por isso o não diria tambem como os D. Pares que se encarregaram de demonstrar que com esse numero succederá infallivelmente que as segundas e terceiras revistas sejam decididas por maioria de membros que tenham julgado os feitos: o que importa o mesmo que dous julgamentos pelos mesmos Juizes; uma perfeita illusão das garantias que a lei dá ás partes litigantes; um absurdo de serias consequencias. E diz-se que se augmentou a despeza publica em virtude da nomeação de tres Juizes — a questão é se esses Juizes eram necessarios para a boa administração da justiça; porque em quanto a despeza nenhuma se faz no Estado, que mais legitima deva considerar-se, com os funccionarios publicos. Eu quizera que os Juizes recebessem bons ordenados, e que tivessem mui poucos processos; que houvesse no fôro a mesma paz que desejâmos na politica. Quanto menos rixas e demandas, mais harmonia e socego nos povos. Por isto me não faço muito cargo das estatisticas das causas que havia pendentes no Tribunal de Justiça. Disse um D. Par que seriam oitenta; outro que se lhe seguiu fez subir o numero a oitocentas. A differença não é consideravel attendendo ao valor isolado de cada algarismo! Eu tenho para mim que nem seriam só oitenta, nem tantas como oitocentas: esta differenca que parece tão singular, talvez resulte do modo de contar essas causas pendentes. (Riso — Apoiados).

Disse e repetiu um D. Par que não era officio nosso virmos tractar aqui de negocios pessoaes: eu affirmo a mesma cousa, mas não me parece que a censura possa recahir sobre quem não tomou a iniciativa. Esta iniciativa foi tomada em offensa e menoscabo de tres pessoas: e isto fez a questão pessoal, e parcialmente pessoal; e alguns Dignos Pares comigo tomaram a defensa dos offendidos. Não sei qual das partes deste debate é a mais odiosa. Já não é a primeira vez que de taes questões se occupa o Parlamento (não para fazer mal, mas sim para fazer bem, como acima toquei). Em 1836 pediram a sua demissão alguns Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça: o Governo de então proveu os logares que ficaram vagos. Mais tarde quiz-se conciliação; e os homens do partido que então dominava, e o D. Par talvez pertencesse a esse partido (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra para responder), reconheceram essa necessidade; e foi o Sr. Vieira de Castro, e foram os seus amigos, que propuzeram uma lei de restituição para esses Conselheiros. Passou a lei; entraram os que haviam sido demittidos; cresceu por conseguinte o numero alem do marcado na lei; e ninguem rejeitou a medida por esse accrescimo de despeza. Creio que então ficaram 17 Conselheiros. Mas a morte tem sido um constante operario de economias; porque o numero ha sido por ella diminuido. Quando se fez o despacho contra o qual se manifesta tanta indisposição, parece, segundo affirma o D. Par o Sr. V. de Oliveira, que não havia mais de oito Juizes: com tres que foram nomeados ficaram onze. Acabou a guerra civil; foram, como cumpria, restituidos aos seus logares os membros do Supremo Tribunal que haviam sido demittidos, e accresceram aos onze que existiam: temos pois treze, e com o seu Presidente quatorze. Eis-aqui o gravissimo inconveniente que tanto se tem encarecido, e para fugir ao qual se propoz nada menos do que a expulsão dos tres nomeados illegitimamente — nullamente — iniquamente, sem que de tantas faltas se peça a responsabilidade a quem as commetteu; querendo-se que pague o mal quem de nenhum modo o podia praticar, nem praticou. Nós já vimos em virtude de uma lei de paz e de conciliação dezesete Juizes naquelle Tribunal, e não tivemos por escandaloso esse numero, mas agora, que são treze, e que se precisa de quinze, clamamos que é indispensavel nada menos do que uma expulsão violenta. Não entendo similhante variação de opiniões.

O que eu entendo é que motivos nobres e generosos, e de puro desejo de paz e conciliação, actuaram no animo do Parlamento portuguez em 1838, para que elle adoptasse a providencia que tomou, a da restituição; e que iguaes motivos, e o desejo de conseguir os mesmos fins devem hoje influir na Camara dos Pares, para que ella confirme o Decreto de 10 de Março de 1847, ainda suppondo que não se precisava de tantos Juizes (Apoiados). Sr. Presidente, que bello que seria (digo-o sem querer recorrer ao sentimentalismo) vêr sahir da sala do Tribunal, arrastando as capas, ou cahindo a cabeça com ellas, esses tres homens expulsos sem crime, tendo julgado como Juizes, reputados bons Juizes, sem um só queixume de injustiça, de venalidade, de peculato — lançados das portas do edificio, com affronta da justiça, da razão, de todos os principios! E chamou-se illegitimo para os nomear aquelle mesmo Ministerio, mais absoluto do que todas as dictaduras que temos visto entre nós, que tomou medidas muito mais extraordinarias, e a meu vêr muito menos justificaveis do que está! E porque todo este apparato quasi patibular? Porque, não o sei, ou não estou disposto a declarar o que me parece; mas o que se diz é: porque póde vir outra dictadura, e fazer outro despacho caprichoso — entulhar o Tribunal e outros Tribunaes, e não sei que mais cousas, todas terriveis! E já nos vamos lembrando de outra dictadura? Ora eu peço a todos que não fallemos nisso: faça o Governo a diligencia para que ella não chegue, que muito está em suas mãos evita-la; mas se vier, e se não houver Juizes para os Tribunaes, ou ha de cessar o curso da justiça, ou se hão de nomear os que forem necessarios: daqui não ha mais por onde escolher, segundo me parece (Apoiados).

Disse porém uma verdade o D. Par que defendeu a medida tomada pelo Governo, quanto á nomeação destes Juizes, respondendo á consideração que fóra feita, de que tal nomeação se não podia reputar medida tendente a pôr termo á guerra civil. Na verdade, se não concorre para pôr termo ás desordens e commoções publicas facilitar a boa administração da justiça, não sei o que possa concorrer para esse fim. O que sei, e o que sabemos) todos, é que sem esse meio de defender os direitos dos cidadãos, segurar-lhes a fazenda, a honra e a vida, não ha paz, nem ordem; e o Estado será a imagem verdadeira da mais infernal anarchia. Neste sentido não posso deixar de concordar em que a medida de que tractamos podia concorrer em grande parte para o restabelecimento da ordem; e ter sido reputada necessaria para o mesmo fim, que agora se nega. Eis aqui em summa o que se me oferece dizer sobre esta questão dos Juizes nomeados, sem me resolver a entrar em particularidades quanto ao serviço interno do Tribunal, e distribuição das funcções dos seus Membros. Estas cousas pertencem aos illustres Jurisconsultos, que ou servem no mesmo Tribunal, ou tem a pratica de taes negocios. Segundo entendo, não será comtudo difficil de demonstrar que o bom serviço deste se não póde desempenhar com menos de 15 membros; e por isso estou resolvido por ora a votar pela conservação do Decreto de 10 de Março.

Agora seguem-se outros dous que no Projecto se mencionam: ambos são datados de 29 de Maio. O primeiro delles, diz relação ao Conselho de Estado como Tribunal Administrativo. O Conselho de Estado como Tribunal Administrativo tinha sido mandado suspender pela Administração de Maio, por considerações que reputo justas, e que naquelle tempo não podiam ter inconvenientes. Aquelle Ministerio tanto não julgou desnecessaria a creação do Supremo Tribunal Administrativo, que suspendeu o exercicio delle, e não revogou o Decreto, como praticou com outros. Pareceu-lhe que, nas circumstancias em que o Reino se achava, era impossivel que o Tribunal funccionasse — queria reconsiderar esta creação — talvez simplifica-la; e nada se perdia em suspende-la. Não me pertence agora entrar nesses motivos, nem a expozição delles viria a proposito: é certo comtudo que, no estado actual, entendo dever dar-se remedio á confusão e incerteza em que vemos a Administração do paiz: nenhuma uniformidade e cimetria nas medidas, nenhuma resolução de recursos importantes: as consultas das Juntas de Districto, muitas das quaes se referem a objectos interessantes são perdidas, e apenas ficam depositadas nos archivos. As necessidades dos povos, expressas na maior parte dessas consultas, quem as ha de examinar? Daqui segue-se o desalento e a tibieza nos

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trabalhos, ao vêr-se que nenhuma attenção se presta aquellas assembléas administrativas. Eu concorri para a feitura dos regulamentos do serviço desse Conselho de Estado administrativo; e posto que me parecesse que lhes não faltavam defeitos, esperei que a pratica os fizesse sentir, para depois se corrigirem com mais probabilidade de bom acerto.

É verdade o que um D. Par affirmou que a maior parte dos Empregados na Secretaria desse Tribunal foi tirada de outras Repartições, sem novo onus da Fazenda, ou com muito pouco no accrescimo de leves differenças. Cumpria por tanto não demorar os ensaios deste serviço. Por estes mesmos motivos, sem a menor hesitação votarei porque se restabeleça o exercicio do Conselho de Estado como Tribunal Administrativo, a fim de pôr termo á confuzão que reina na Administração, e a muitos males que existem pela falta de recurso das decisões dos Conselhos Administrativos, que estão para assim dizer, sem culpa sua, sendo decisões soberanas, ou nullas.

Os mesmos Conselhos de Districto, quando houver um Tribunal superior, que possa vêr e examinar os negocios que por elles passam, terão mais cuidado e circumspecção: consultarão mais attentamente as Leis, e os principios de justiça. Em fim todas as obrigações marcadas ao Conselho de Estado, como Supremo Tribunal, devem ser cumpridas para que a Administração do Reino não seja uma anarchia (Apoiados). Vem aqui a proposito fallar ainda no Decreto do 1.º de Agosto por occasião do de 29 de Maio de 46 que o revogou. É escusado qual ficar aquelle, e renovar antigas feridas. Deixa-lo: a sua reputação está formada, e será duradoira. Um outro Decreto de 3 de Agosto, tambem de 1846, ordenou transferencias de Juizes de primeira Instancia; mas foi declarado providencia temporaria, quando o que fóra abolido tinha o caracter permanente de Lei do paiz. A isto exclamou o D. Par com todo o enthusiasmo da sua indignação = ahi está o mal, a iniquidade! Temporario! Que horror! Veja-se qual das providencias era mais odiosa. = Eu respeito e considero como devo o elevado caracter de dous illustres Membros da Administração de Maio, que se assentam nesta casa. Ambos sabem quanto os estimo, e quanto reconheço o seu espirito liberal, e o amor que professam as instituições constitucionaes; e ousadamente invoco o seu testimunho sobre a minha desapprovação ao Decreto de 3 de Agosto. Comtudo, não pude nunca achar-lhe o defeito de ser temporario; antes, se por alguma razão poderia elle desculpar-se seria essa da sua limitada duração. Pois que? considerado elle um grande mal, uma violação dos principios, diminuiria o seu effeito destructor pela interminavel duração que tivesse? O argumento contra a limitação apresentou-o o D. Par, não attentando a que se contradizia. Queria-se, arguiu elle, servir os affilhados, e depois que elles fossem providos nos melhores logares, dar o Decreto por abolido para que ficassem seguros! Não é forte este modo de argumentar para concluir pela preferencia que se quiz dar ao do 1.º de Agosto, porque esse conservava para sempre os Juizes debaixo da acção do Governo, sujeitos todos os dias, transferidos e não transferidos, a transferencias novas, em quanto o da Dictadura de Maio authorisava uma medida, violenta sim, mas que não seria mais do que uma, que tomada em circumstancias tão graves e extraordinarias deixaria o Poder Judicial de novo gosando da independencia de um poder politico. Mas nós estamos hoje muito longe da época em que essa providencia da Dictadura teve logar — Os tempos são tranquillos, graças Providencia. O paiz não arde no incendio das discordias civis. O Governo proclama que o socego reina em toda a parte; e seria então assim? É grande erro o de julgar de factos passados sem contemplar a differença das circumstancias em que elles tiveram logar, comparadas com as actuaes; e esse erro é quasi geral: por isso. de ordinario, somos tão maus Juizes dos homens e das cousas. Esse Decreto de 3 de Agosto foi promulgado reinando no paiz uma agitação extraordinaria, que o Governo se empenhava em applacar. O mal que se sentia era grande, ameaçava ser maior: para lhe pôr termo eram necessarios sacrificios, e não devia hesitar-se em faze-los, embora com alguma injustiça individual, a fim de evitar inconvenientes maiores (Apoiados). Mas agora não nos fazemos cargo do estado em que se achava o Reino: olhamos o acto sem referencia ao tempo. O Ministerio queria acabar quanto antes com a sua propria Dictadura; e não receava que á que elle exercia se seguisse outra; mas esperava o regimen da Carta, a restituição das saltitares provisões della, e os meios de remediar esses mesmos defeitos, que elle commettia para mais depressa acabar com a necessidade de commetter muitos mais. Eu creio que estas eram as idéas da Administração; e posto que as não approvasse em tudo, porque via na medida uma reacção, já filha de outra, e que provavelmente excitaria mais alguma, não posso deixar de tomar em contemplação as diversas circumstancias do paiz, quando caprichosamente se publicou o Decreto do 1.º de Agosto de 44, comparadas com as que se davam quando appareceu o de 3 de Agosto de 46. Publicou-se o 1.° estando já o Reino em paz. terminada inteiramente uma commoção que o agitara; promulgou-se o segundo quando a agitação era vehementissima. Vagamente se diz daquelle lado que nesta ultima época o Governo procedeu assim para favorecer os seus affilhados: banalidade por banalidade, porque não diriamos nós tambem, que em 44 o que o Governo quiz foi collocar os seus affilhados nos melhores logares, e vingar-se dos que não vestiam a sua libré? Não sei como ha ainda nesta casa quem recorra a taes miserias, que tiram, em logar de dar força a quem lança mão dellas? Este raciocinar, se assim podemos chamar-lhe, ainda é mais extravagante do que a comparação entre o temporario e o permanente: se bem que a este respeito S. Ex.ª se destruiu a si proprio quando declarou que havia participado não sei quando aos seus collegas (e invocou o testimunho de um delles) que era chegado o tempo de abolir o tal Decreto do 1.° de Agosto!.... Em tal caso, era tambem temporaria essa insigne providencia? E, perguntarei eu, se tanto se me permitte, quando se abulisse o Decreto do 1.° de Agosto haviam de subsistir os seus resultados, ou desfar-se hia a obra que por elle se tinha feito? Seria tambem elle temporario ou não? E se temporaria era a medida, mas permanentes os seus effeitos, para que accusaes dessa mesma falta, a de proteger affilhados, ao Decreto de 3 de Agosto? Porém eu ouvi dizer, ainda daquelle lado, que pelo primeiro só se decretou uma ameaça! É muito affirmar! — Em quanto a mim, o Ministerio, apesar da declaração do D. Par, difficultosamente despojaria aquelle bello diploma da sua maior perfeição, a da permanencia, arma que deporia a muito custo o Ministro que a empunhára. (Apoiados).

E, repito, sem embargo da minha desapprovação á providencia publicada em 3 de Agosto de 46, não devo occultar que a Administração que a publicou tinha o intuito de desfazer com ella algumas injustiças que se tinham commettido authorisadas pelo Decreto do 1.° de Agosto (Apoiados.) O proposito, não o nego, era de justiça, porque se tractava de remediar procedimentos de violencia; porém o meio era reaccionario, funesto; meio que corrige um mal por outro, a injustiça pela injustiça. Esta murcha de reacção em reacção ha de terminar, se se lhe não puzer côbro, por uma dissolução geral da sociedade, por um cataclismo em que todos ficaremos submettidos. É por isto que me opponho, e opporei sempre ao arbitrio das transferencias extraordinarias, que, apesar de todas as cautellas e seguranças, são uma flagrante violação dos principios, e um grande abalo dado ás instituições (Apoiados). Temo os effeitos do abuso que o Governo póde fazer da faculdade que pede, por muita confiança que nos Ministros possa haver. Eu declaro que não tenho o Sr. Presidente do Conselho por homem vingativo, e apoucado: reconheço em S. Ex.ª muita generosidade, grandeza de animo, e a virtude da tolerancia: assim fossem todos — estas virtudes são suas proprias. (Apoiados.) Mas S. Ex.ª está hoje alli (O orador apontou para os bancos do Ministerio), póde não estar ámanhã; eu voto nas Leis sem attenção a que um homem determinadamente as ha de fazer executar.

Convenho pois em que o Decreto de 3 de Agosto tenha o defeito de reaccionario; mas não accusemos tanto os seus authores como aquelles que deram o primeiro exemplo de violação dos principios (Apoiados). Lembro-me de um antigo e probo Magistrado que me fallou cheio de angustia porque fóra transferido de um logar inferior aquelle para que era mandado, e muito inferior. Admirei me do queixume porque o achei destituido de fundamento em quanto a interesses, a situação, a tudo. Mas breve me convenci da razão que assistia o queixoso. Não era nem o mal, nem o bem dos logares, era o acto das transferencias que indicava falta de confiança no caracter do transferido; era a ordem, invitto judice, contra os principios da instituição. E voltando ás qualificações comparadas dos Decretos do 1.° e de 3 da Agosto, é força concluir adoptando o proprio argumento do meu adversario, que se um era máo por ser de duração temporaria, o outro não tinha sido melhor porque temporario se considerava tambem. Se o Ministro que o referendou o não disse nelle, declarou-o depois, como hoje confessa: e essa confissão a mim ainda me indica mais alguma cousa, e é o reconhecimento de que tão violenta medida não podia subsistir como Lei ordinaria, e que eram intolleraveis os inconvenientes que produzia.

E posto que ninguem hoje possa negar a monstruosidade de tal diploma, estaremos nós ainda em risco de o vêr de novo tornar vigente? Intendo que não. O D. Par disse que julgava necessario a todos os Governos conformar-se com as opiniões e idéas da época sobre objectos politicos; e eu pergunto se nesta, se em qualquer época de alguma illustração póde approvar-se o Decreto do 1.º de Agosto? Porém ainda assim não desisto de querer saber se elle será restituido ao corpo da nossa Legislação? Fez-se um Projecto de Lei sobre transferencias dos Juizes; foi discutido e approvado na Camara dos Srs. Deputados; passou a esta Camara, que alterou algumas das suas disposições. Não se conformou com ellas a outra Camara, A Commissão mixta deixou o negocio por decidir, e a Lei ficou inutilisada, como se não tivesse sido proposta. Sobre o segundo Projecto póde acontecer o mesmo empate, e caducar tambem: neste caso, qual será, sobre transferencias, a Lei que vigore? Annullado que seja o Decreto de 29 de Maio, que revogou o do 1.° de Agosto, ficará este era vigor, ou continuará a considerar-se revogado? Se sim, para que sequer annullar aquelle que o revogou, e qual Lei regulará as transferencias dos Juizes? Eu desejo que o Sr. Presidente do Conselho tenha a bondade de declarar-me qual seja, sobre este ponto, a opinião do Governo. Eu supponho a hypothese de ser empatada de novo a votação sobre o novo Projecto das transferencias, e de ser approvada a revogação do Decreto de 29 de Maio, que aboliu o do 1.° d'Agosto (O Sr. C. de Thomar — Ha diversas opiniões.) Faremos esse presente á Nação e ao Poder Judicial?... Ha differentes opiniões!... Bem sei eu que ha differentes opiniões: o que peço à Camara é que repara nesta resposta, que parece ser dada por quem falla em nome do Governo. Não se sabe qual será a sorte daquelle novo projecto, que o Governo apresentou na outra Casa do Parlamento; e a mim parece-me que em quanto á revogação do Decreto de 29 de Maio (O Sr. C. de Thomar — Sobre a ordem) não devemos tomar aqui resolução alguma em quanto se não vir se é ou não approvado por ambas as Camaras um Projecto de transferencias dos Juizes. (Muitos apoiados.) Eu estou persuadido que nem a maioria desta Camara, nem individuo algum della quererá presentear o Paiz com o bom Decreto do 1.° de Agosto (Apoiados).

Sr. Presidente, o D. Par o Sr. C. de Lavradio propôz a revogação do Decreto de 12 de Agosto de 47, e o Decreto eleitoral, que o Governo fez quando quiz convocar as Côrtes. O mesmo D. Par propôz que, em quanto se não fazia nova Lei de eleições, ficasse em vigor o Decreto de 27 de Julho de 1846. Não tracto agora de substituir Decreto a Decreto. O de 12 de Agosto é insustentavel, ainda que possa com razão dizer-se que emendou alguns defeitos de outros Decretos do Governo; mas o Governo não quiz alterar o systema seguido nas eleições anteriores, feitas sob o regimen da Carta desde 1826 até agora. O Decreto de 12 de Agosto melhorou o que podia melhorar-se sobre este assumpto, conservado o systema, que na verdade é vicioso. (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado.) Mas eu tenho o desgosto de differir um pouco da opinião do D. Par em quanto ao Decreto de 27 de Julho. Concorri para a feitura deste Decreto, mas vi nelle uma infracção da Carta, e por isso um defeito; fallo em quanto ao systema de eleição directa. Com tudo, ainda me deixou maiores escrupulos a demasiada escala na privação de direitos politicos (O Sr. Duarte Leitão — Apoiado.); pareceu que nelle havia mais excepção, do que neste Paiz poda haver ao direito de eligibilidade. Não concedo que devamos privar tantos cidadãos dessa direito, posto que eu sou de opinião que algumas incompatibilidades se devem decretar por bem do serviço, e em observancia dos principios. Contra o Decreto de 27 de Julho se levantou um espantoso alarido, porque substituíra o methodo directo ao indirecta da Carta: hoje porém essa vozeria cessou, porque uma das Camaras já decidiu que o artigo da Carta não é constitucional. Neste caso a violação da Lei fundamental foi, como a de todas as dictaduras, que no seu exercicio a violam desde que se arrogam a faculdade de legislar; e tanto importa uma violação como muitas, e sobre um objecto como sobre outro. A sua existencia é uma continuada infracção da Carta. Sempre assim se intendeu. Lembro-me, que notando eu a uma pessoa mui conjuncta ao Governo em 1844 uma repetição de actos arbitrarios do Ministerio, e na maior parte injustificaveis por desnecessarios, esta pessoa me respondeu: — não importa; vão todos no bill: tanto valem todos mais um como menos um (Riso). Eis-aqui o que são dictaduras. Havendo faculdade para atropellar a Lei do Estado, recresce a necessidade de actos infractores della; e cada um de taes actos é um excesso criminoso, se, como disse, extrema necessidade o não torna desculpavel. Agora o peso e a medida das violações é uma sciencia de casuistas em que não quero penetrar. O Governo que legisla pratica a maior das viciações: ou infrinja um artigo da Carta, ou outro, sempre os infringe todos (O Sr. Duarte Leitão — É uma segunda violação); esta segunda vai tambem no bill, e discute-se tudo de uma só vez, e para maior perfeição, só na generalidade! (Riso.) A Lei de eleições, ou os Decretes por que as eleições se teem feito, são defeituosos sem duvida; e talvez o menos imperfeito fosse o de 27 de Julho, porque na verdade esse foi organisado muito mais conformemente ás idéas do tempo, á opinião publica, do que nenhum outro.

O Decreto que se promulgou em 1826 não foi reputado mau: a opinião não o reclamava melhor. Assim aconteceu que durante muitos annos se não levantaram queixas em Inglaterra contra o seu imperfeitíssimo systema e eleitoral; mas desde que a Nação em geral o tachou de monstruoso, foi-se reformando, e está hoje muito melhorado, posto que não sem graves defeitos. (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado.) E continuarão ainda as reformas ao passo que a opinião nacional as proclamar necessarias; e não tardarão talvez a ter logar. Este meio de reformar quando apparece a necessidade de emendar os defeitos das instituições é o verdadeiro progresso; não de salto, mas a passos seguros e firmes, sem receio de precipitações, que trazem em resultado retrogadar muito áquem. O Decreto por que se fez a ultima eleição tem o defeito que todos lhe conhecem, o de não produzir uma verdadeira representação nacional: isto não culpando a ninguem de o executar deslealmente (O Sr. C. de Lavradio — Apoiado), e sim por condição da mesma Lei. Não o digo porque o mal eu o considere em ser indirecta a eleição. Ainda para mira não é claro qual dos methodos seja preferivel; posto que em these pareça mais perfeito o methodo directo. Se o segui no Decreto de 27 de Julho foi por ceder ao que me pareceu opinião publica dessa época. Um e outro methodos se illudem, um e outro dão logar a falsificações, a terriveis nullidades. Lembro-me de vêr em 1837 uma carta de um cidadão influente a um seu amigo, transmittindo-lhe a noticia de haver-lhe dado 800 votos que a seu favor passaram de uma mesa, aonde cresciam para outra onde faltavam! Agora o que eu tenho por essencial, por indispensavel, é o augmento do numero dos Districtos eleitoraes: assim a opinião das diversas localidades será representada, e não absorvida pelos votos de populações a que se aggreguem os eleitores das mais pequenas, de modo que um voto venha a decidir de uma eleição de vinte ou trinta Deputados de uma só pôr e opinião politica; estes nunca seriam eleitos se os circulos tivessem sido menores; porque em tal caso não só as opiniões locaes triumphariam, mas seria mais verdadeira a escolha. Destes defeitos, que todos reconhecem no systema que até hoje se tem seguido, e que muitos attrihuem, e sem razão, ao methodo indirecto, se concilie, a meu vêr, que a eleição directa é a mais verdadeira, a que admitte menos sophysmas na representação nacional; mas eu creio que a maior parte dos inconvenientes desapparecem sempre que os circulos eleitoraes derem um até dous Deputados, e tres quando muito.

Sejamos justos a Lei ou Decreto de Junho de 1846 ainda me parece que não tinha sufficientemente subdividido os circulos; posto que alli se tomassem as mais severas medidas para evitar as falsificações, as violencias, e os arbitrios da Authoridade. Não vi ainda o novo Projecto da Camara dos Srs. Deputados: consta-me que nelle ha muito mais circulos do que no Decreto do Ministerio de Maio: pena é que elle se não discuta; porque entendo que, doado o Paiz com uma boa Lei de eleições, tem o governo um precioso penhor de satisfação e tranquillidade publica: as opiniões appellariam confiadamente para a urna; e a nação ganharia muito. Eu não tenho pretendido fazer o processo ao Decreto de Agosto, nem ao Ministro que organisou: as circumstancias em que se achava podiam bem justificar o systema que seguiu. Este systema com tudo não póde continuar, porque é imperfeito, não correspondendo ao fim que se pretende obter — uma verdadeira representação nacional.

Mas os Decretos eleitoraes, que até hoje tem sido promulgados não são Leis, são actos do Executivo para o momento: o Governo, em quanto não houver Lei, os póde alterar; e se houvesse, por falta della, de adoptar-se algum, seria sem duvida preferivel o da dictadura de 1846, porém com algumas correcções no sentido que já indiquei.

Deve porém o Governo livrar o Paiz de vergonha de ter desde 1826 uma Carta Constitucional, sem possuir uma Lei permanente de eleições, base do systema representativo, e a maior garantia de estabilidade e solidez do mesmo systema. E para affiançar ao Paiz Lei permanente, sempre promettida e nunca feita, parece-me que devia desde já declarar-se derogado o ultimo Decreto de Agosto de 47, que, depois do que tem occorrido, e do que se tem dito na outra Sala do Parlamento, nunca mais poderá servir para qualquer eleição a que venha a proceder-se.

Demasiada tem sido a transição sobre eleições, e com ella porei termo ás considerações que me pareceu dever apresentar sobre o grave assumpto de que nos occupamos. É verdade que mais alguns apontamentos tenho eu escripto sobre diversos objectos que certos oradores tocaram; porém, a dizer a verdade, vejo-os de tal modo obliterados, que não os sei lêr, nem me recordo do assumpto delles (riso): isto me acontece muitas vezes. Sei que deixei muito por dizer, em espacial pelo que toca aos Juizes despachados para o Supremo Tribunal de Justiça; e posto que até este momento sustento a opinião que ennunciei sobre esse objecto, não digo que presistirei nella se os argumentos e demonstrações de oradores mais entendi los do que eu me fizerem convencer de que devo adoptar outra.

Vozes — Está a dar a hora. Está a dar a hora.

O Sr. C. de Thomar—....

O Sr. C. de Lavradio — Parece-me que o D. Par propõe, que se não tracte da excepção dos Decretos de 29 de Maio e 3 de Agosto, ficando adiada até que se combinem as duas Camaras sobre os pontos da Lei das transferencias dos Juizes, de que tractam aquelles Decretos (Apoiados).

O Sr. D. de Palmella — Eu creio que não ha ninguem, que não queira a revogação do Decreto de 3 de Agosto, e sou eu o primeiro que a quero; mas a questão deve versar sobre o Decreto de 29 de Maio.

O Sr. C. de Thomar — Pois bem, que esta parte fique adiada até se decidir a questão na Commissão Mixta.

O Sr. Presidente — Proporei então que fique adiado tudo quanto diz respeito ás transferencias dos Juizes, em quanto a Commissão Mixta não resolve sobre este ponto.

Assim se resolveu.

O Sr. Presidente — Ámanhã (29) haverá Sessão, tendo por ordem do dia a mesma Proposição, excepto na parte respectiva á transferencia dos Juizes; o Parecer n.º 50 sobre o Projecto da Lei n.° 43; e o Parecer n.º 62 sobre a Proposição de Lei n.º 49; e proceder-se-ha tambem á eleição dos membros da Commissão Mixta, que com os da Camara dos Srs. Deputados, deve resolver sobre as alterações na Proposição de Lei sobre a transferencia dos Juizes. Está fechada a Sessão. Eram mais de cinco horas.

O Sub-Director da Secretaria, Chefe da Repartição da Redacção, José Joaquim Ribeiro e Silva.

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