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REPÚBLIGA PORTUQUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

18.ª SESSÃO

EM 28 DE NOVEMBRO DE 1911

SUMARIO. - Antes da ordem do dia.- Chamada e abertura da sessão. - Leitura e aprovação da acta.- Dá-se conta do expediente.- Usa da palavra o Sr. Deputado Carvalho Araújo, sôbre a presença, em Portugal, do Sr. José de Azevedo Castelo Branco. Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Silvestre Falcão). - Fala e apresenta um projecto de lei sôbre a alimentação pública, o Sr. Deputado Manuel José da Silva, a quem responde o mesmo Sr. Ministro.- O Sr. Deputado Camilo Rodrigues acusa um funcionário do Ministério das Colónias. Responde-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro). - O Sr. Deputado Joaquim de Oliveira apresenta um projecto de lei isentando de contribuição de registo determinada compra de prédios. Refere-se a assuntos coloniais o Sr. Deputado Ézequiel de Campos, a quem o respectivo Sr. Ministro responde. - O Sr. Deputado Adriano de Vasconcelos ocupa-se das contas do Estado, cujo orçamento reclama, e refere-se depois ao incidente ocorrido com a saída das duas chinesas oftalmologistas. Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Silvestre Falcão). - O Sr Deputado Francisco Cruz refere-se aos vencimentos dum funcionário enviado ao Egito. Responde-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro). - Enviam para a mesa: o Sr. Deputado Fernão Boto Machado dois projectos de lei, e o Sr. Deputado Eduardo de Almeida um requerimento.

Primeira parte da ordem do dia. (Eleição de comissões). - Elegem-se as comissões de negócios estrangeiros, da guerra e de obras públicas.

Segunda parte da ordem do dia. (Continuação da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 25 (acidentes de trabalho): Usa da palavra o Sr. Deputado Fernão Boto Machado, que apresenta um contra-projecto. - Usam da palavra sôbre diversos assuntos os Srs. Deputados Adriano de Vasconcelos, Jacinto Nunes, Jorge Nunes e Ministro do Fomento (Estevão de Vasconcelos).- Enviam participações os Srs. Deputados Silva Ramos e Ramada Curto.

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Presidência do Exm.o Sr. António Aresta Branco

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Tiago Moreira Salles

Abertura da sessão - Ás 2 horas e 20 minutos da tarde.

Presentes - 111 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcelos, Afonso Ferreira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alfredo Maria Ladeira, Alfredo Rodrigues Gaspar, Álvaro Nunes Ribeiro, Álvaro Pope, Américo Olavo de Azevedo, Amílcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, António Afonso Garcia da Costa, António Alberto Charula Pessanha, António Albino Carvalho Mourão, António Aresta Branco, António Augusto Pereira Cabral, António Barroso Pereira Vitorino, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, António Flórido da Cunha Toscano, António França Borges, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António Joaquim Granjo, António José Lourinho, António Maria de Azevedo Machado Santos, António Maria da Silva, António Pádua Correia, António de Paiva Gomes, António dos Santos Pousada, Augusto José Vieira, Augusto de Vera Cruz, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Caetano Francisco Cláudio Eugênio Gonçalves, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos António Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Eduardo de Almeida, Ernesto Carneiro Franco, Ezequiel de Campos, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Fernão Boto Machado, Francisco Cruz, Francisco José Pereira, Francisco Luís Tavares, Francisco de Sales Ramos da Costa, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudêncio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, João Barreira, João Camilo Rodrigues, João Carlos Nunes da Palma, João Duarte de Menezes, João Gonçalves, João José Luís Damas, João Luís Ricardo, João Pereira Bastos, Joaquim António de Melo Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, Jorge de Vasconcelos Nunes, José Afonso Pala, José Alfredo Mendes de Magalhães, José António Simões Raposo Júnior, José Augusto Simas Machado, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araújo, José Carlos da Maia, José Cordeiro Júnior, José Dias da Silva, José Francisco Coelho, José de Freitas Ribeiro, José Jacinto Nunes, José Luís dos Santos Moita, José Miguel Lamartine Prazares da Costa, José da Silva Ramos, José Tomás da Fonseca, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Vale Matos Cid, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel José da Silva, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Morais Rosa, Pedro Januário do Vale Sá, Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães, Rodrigo Fernandes Fontinha, Severiano José da Silva, Tomé José de Barros Queiroz, Tiago Moreira Sales, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, Vítor José de Deus Macedo Pinto, Vitorino Henriques Godinho, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Angelo Rodrigues da Fonseca, António José de Almeida, António Pires Pereira Júnior, Aquiles Gonçalves Fernandes, Emídio Guilherme Garcia Mendes, Inocêncio Camacho Rodrigues, João Fiel Stockler, Joaquim José Cerqueira da Rocha, José Bessa de Carvalho, Júlio do Patrocínio Martins, Luís Inocêncio Ramos Pereira.

Não compareceram à sessão os Srs.: - Afonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, Alfredo Balduíno de Seabra Júnior, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Álvaro Xavier de Castro, António Amorim de Carvalho, António Brandão de Vasconcelos, António Caetano Celorico Gil, António Cândido de Almeida Leitão, António Maria da Cunha Marques da Costa, António Maria Malva do Vale, António Silva Gouveia, António Valente de Almeida, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Carlos Maria Pereira, Domingos Leite Pereira, Francisco Xavier Esteves, Henrique de Sousa Monteiro, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Machado Ferreira Brandão, Joaquim Teófilo Braga, José Maria Cardoso, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Mendes Cabeçadas Júnior, José Montez, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, Luís Maria Rosete, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tito Augusto de Morais.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Encontram-se na sala 69 Srs. Deputados, número suficiente para se resolver sôbre a acta, mas não para deliberar sôbre outro qualquer assunto.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

É lida a acta e aprovada sem reclamação.

Declaração de voto

"Declaro que se estivesse presente à sessão de 27 do corrente teria votado a moção apresentada pelo Deputado Sr. Jacinto Nunes.-Lisboa, em 28 de Novembro de 1911.= José do Vale Matos Cid., Deputado pelo círculo n.° 18.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Estão agora presentes 79 Srs. Deputados, número com que a Câmara já pode tomar deliberações.

Vai ler-se o expediente.

Lê-se. E o seguinte:

EXPEDIEME

Ofícios

Do Senado, remetendo o projecto de lei sôbre alterações à lei de 23 de Outubro de 1911, ali aprovado com alterações.

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Do Ministério da Justiça remetendo uma lista dos funcionários dependentes daquele Ministério, que são Senadores e Deputados, com a indicação dos vencimentos que percebem.

Para, a Secretaria.

Do Governador Civil da Horta, remetendo uma representação da Comissão Administrativa do concelho da Horta, em que pede a promulgação de algumas medidas legislativas que julga indispensáveis à reorganização das suas finanças.

Para a Secretaria.

Do Governador Civil, substituto, de Angra do Heroísmo remetendo uma representação dos funcionários superiores e empregados menores do mesmo Govêrno Civil, em que pedem que lhes sejam mantidos os vencimentos indicados no projecto do Código Administrativo, mas englobando-os em vencimentos de categoria.

Para a Secretaria.

Do Comité de Chelm, remetendo uma representação dos Srs. Polacos, protestando contra um novo desmembramento do Reino da Polónia, intentado, segundo dizem, pelo Império da Rússia.

Para a Secretaria.

Justificação de faltas

Telegrama do Deputado Amorim Carvalho, justificando as suas faltas por motivo de doença.

Para a Secretaria. Foi justificado.

Do Deputado Joaquim Brandão, justificando as suas faltas às sessões de 20 a 24 do corrente, por motivo de doença.

Para a Secretaria. Foi justificado.

Do Deputado Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, participando ter faltado às sessões por motivo de doença.

Para a Secretaria.

Foi justificado.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na parte dos trabalhos antes da ordem do dia.

Pedem a palavra alguns Srs. Deputados.

O Sr. Carvalho de Araújo: - Sr. Presidente: no último sábado recebi um telegrama de Vila Rial de Trás-os-Montes, cópia de um outro dirigido pelas Câmara Municipal e comissões municipal e paroquiais daquele distrito ao Sr. Ministro do Interior.

Êsse telegrama diz o seguinte:

O Sr. Deputado lê um telegrama em que se pede, a bem da ordem pública, a expidsão do Sr. José de Azevedo Castelo Branco.

Eu peço a S. Exa. o Sr. Ministro do Interior, que dê rápidas e enérgicas providências, visto que a presença do Sr. José de Azevedo Castelo Branco, naquele distrito, representa uma afronta, não só para os republicanos dali, mas para todos os republicanos portugueses. (Apoiados).

Quando aã minha propaganda eleitoral, estive em Vila Rial, e tive a infelicidade de lobrigar a figura sinistra daquele cavalheiro, passeando muito à sua vontade pelas ruas daquela localidade, sempre cercado da sua corte, que é composta de alguns ministros da defunta monarquia; e tive denúncias de que ali se conspirava descarada e livremente e que se efectuavam reuniões a que presidia o Sr. José de Azevedo, nas quais se juntavam vários amigos políticos e pessoais que o visitavam ameudadas vezes. Sua Exa. é ali verdadeiramente um régulo, dispondo absolutamente daquela gente. O Govêrno Provisório da República entendeu que o devia expulsar de Portugal. É conhecido, de toda a gente o passado do Sr. José de Azevedo. Êste senhor desempenhou no Brasil um papel repugnante e miserável (Apoiados) contra as novas instituições do pais. Quer em conferências, quer nos jornais, cuspiu infâmias e bolsou as maiores canalhices sôbre a República. (Apoiados).

É, pois, para admirar e muito que êsse homem se apresente hoje em Vila Rial.

Terminando, peço ao Sr. Ministro do Interior que dê enérgicas providências, a fim de evitar gravíssimos conflitos. Ainda hoje tive informação de que aquilo por lá não está bom. É verdadeiramente para lastimar que nas prisões estejam centenas de indivíduos inconscientes que se venderam a troco de alguns vinténs, quando os verdadeiros culpados andam à solta e passeiam livremente sôbre o território português.

Tenho dito, Sr. Presidente. (Apoiados).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Silvestre Falcão): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara, em resposta ao Deputado Sr. Carvalho de Araújo, que apenas recebi aquele telegrama mandei logo para Vila Rial o respectivo Sr. Governador Civil, que se encontrava em Lisboa, para me informar do que havia. S. Exa. apenas chegou, informou-me de que efectivamente estava lá o Sr. José de Azevedo Castelo Branco. Então dei ordem para que o prendessem. E o que tenho a dizer.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: há quási oito dias que eu pedi a palavra e enviei para a mesa uma nota de interpelação ao Sr. Ministro do Interior. E aproveito a ocasião de estar hoje com a palavra para dizer o que então queria referir à Câmara, na presença agora do Sr. Ministro.

O assunto da minha interpelação era referir ao Sr. Ministro do Interior que, no dia 19, a força policial, por ocasião da greve dos padeiros, tinha assaltado a sede daquela associação, situada na rua do Bemformoso.

Não quero por forma nenhuma censurar o Govêrno ou por qualquer maneira criar-lhe dificuldades, mas sim quero pedir ao Sr. Ministro do Interior que mande inquirir do que realmente se passou, para fazer ir a responsabilidade a quem tocar, porquanto a Associação dos Padeiros e outras associações que residem na sede da Federação, são associações devidamente legalizadas que tem personalidade jurídica e devem estar a coberto de ataques, como êste que se praticou ultimamente.

A Constituição da República não permite, nem também o permite o espírito de instituições democráticas, que, em caso nenhum, se assalte a sede duma colectividade ou duma família qualquer, e que se prenda a esmo quem

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aparece. Note-se que foram presos indivíduos que nunca foram padeiros, que não estavam na reunião e nada absolutamente tinham com o caso, o que não obstou a que sofressem o vexame de estarem presos e de terem de esportular o termo respectivo que, segundo me parece, lhes foi restituído.

Eu peço, em nome das associações operárias, ao Sr. Ministro do Interior o obséquio de mandar inquirir e tornar responsável qualquer entidade pelo que lhe possa caber, e para que, no futuro, em casos idênticos, a fôrça pública evite tais ataques que nada acreditam a República.

Aproveito também a ocasião, de estar com a palavra, para pedir à comissão de legislação operária, que já está eleita, que, tam depressa quanto possível, dê o seu parecer sôbre o projecto apresentado por mim a esta Câmara para que se suprima o regulamento das greves e se faça substituir pelo regulamento dos tribunais arbitrais, a fim de que as greves, não só não produzam para o operário os inconvenientes que todos conhecem, mas também não produzam para o Estado os inconvenientes que delas resultam sempre.

Aproveito mais esta ocasião para mandar para a mesa, sob a forma de projecto de lei, uma ideia, que respeita a todo o país, pois se relaciona com a alimentação pública, pedindo para ela a maior atenção da Câmara. E como o Regimento desta Câmara não permite que eu a leia, nem a justifique, requeiro a V. Exa. Sr. Presidente, que ela seja publicada no Diário das Sessões, a fim de que toda a Câmara tenha conhecimento dela. Em todo o caso, e apenas como esclarecimento, devo dizer duas palavras: No nosso país o consumo do açúcar corresponde a 7 quilogramas por habitante, ao passo que em Inglaterra êsse consumo se eleva a 36 quilos. Se formos averiguar a razão por que o consumo do açúcar é, entre nós, tão diminuto, veremos que isso se deve a ser êsse produto caríssimo. Portugal é o país onde o açúcar, se paga mais caro; as nações mais pequenas da Europa gastam mais de 70:000 toneladas de açúcar e nós apenas 35:000 toneladas.

Peço, pois, a V. Exa., Sr. Presidente, e a toda a Câmara que examinem e apreciem bem esta minha ideia, porquanto o assunto é de muitíssima importância.

O Sr. Ministro do Interior (Silvestre Falcão): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao .Sr. Deputado Manuel José da Silva que, até agora, não tive conhecimento de que se praticasse qualquer cousa ilegal, relativamente à greve dos padeiros, mas que me vou informar, e se por acaso alguma cousa houver que mereça castigo ou censura, pode S. Exa. ter a certeza de que será feita justiça.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente:-Dou a palavra no Sr. Camilo Rodrigues, mas tenho a observar a S. Exa. que não pode realizar a sua interpelação anunciada ao Sr. Ministro das Colónias, embora êste Sr. Ministro já se tivesse dado por habilitado, porque ainda não foi marcada para ordem do dia.

O Sr. Camilo Rodrigues: - Mas essa interpelação lá não e a mesma.

O Sr. Presidente: - Eu é que tinha que designar o dia em que essa interpelação se devia fazer.

O Sr. Camilo Rodrigues: - Os factos mudaram desde, que anunciou a sua interpelação, por isso que o capitão do pôrto de Angola já está demitido.

O Govêrno Provisório nomeou capitão do porto de Angola o Sr. Moura Brás, perfeitamente ao abriga da lei, porque o decreto de 21 de Marco de 1892 estabeleceu que êsse lugar seja desempenhado por um oficial de marinha, mas não marca a patente.

O Sr. Moura Brás, que é segundo tenente da armada, foi legalmente nomeado, e, por isso, surpreendeu-o a demissão dêsse funcionário, que é zeloso e inteligente, tanto mais que há no Ministério das Colónias altos funcionários que de há muito deviam estar na Penitenciária e que ainda hoje ali se conservam.

Não faz acusações vagas. O Sr. Eusébio da Fonseca, alto funcionário do Ministério das Colónias, foi, na União Colonial, acusado de praticar desonesticlades em fornecimentos, e até hoje ainda não levantou a luva, porque o
não pode fazer. Não pretende levantar escândalos, mas o que é preciso é que justiça se faça. Para isso manda para a mesa uma proposta de inquérito.

Não encontra motivo para a demissão do capitão do porto de Angola, a não ser por que era um funcionário honesto. Essa capitania comprava carvão a uma companhia inglesa à razão de 14$000 réis por tonelada. Moura Brás propôs que êsse fornecimento fôsse transferido para a Companhia do Caminho de Ferro de Mossâmedes a 8$000 réis, isto é, menos 6$000 réis do que o pagava a capitania. Essa proposta foi remetida para a Direcção das Colónias, que é uma verdadeira Falperra, e ainda não deu solução ao caso.

O capitão do porto, porém, de acordo com o governador, resolveu não esperar pela autorização e passou a comprar o carvão ao fornecedor do caminho de ferro de Mossâmedes. Êstes são os factos.

Agora pergunto ao Sr. Ministro das Colónias: que razão teve S. Exa. para demitir o capitão do porto de Angola, que tinha sido nomeado ao abrigo da lei e que era um funcionário honesto?

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - É sempre com muito prazer que ouço as palavras de elogio a camaradas meus.

Efectivamente o Sr. Moura Brás é um oficial muito distinto muito digno, sério e honesto, mas é segundo tenente, o artigo 4.°, do regulamento de o 1 de Marco de 1892, diz:

Leu.

O lugar de chefe de departamento dos serviços marítimos na metrópole é exercido por capitães de mar e guerra e em toda a costa de África tem de ser exercido por um primeiro tenente.

Não pode nunca ser um segundo tenente.

V Exas. diziam que a política republicana devia ser a de pôr cada um no seu lugar, segundo a sua competência e categoria; pois foi isso que eu fiz: nomeei um primeiro tenente, e mantenho essa nomeação.

O Sr. Camilo Rodrigues: - O decreto de 31 de Março não está em vigor? Se está em vigor, o que êle diz simplesmente é que pertence êsse lugar a um oficial de marinha, sem se referir à categoria dele.

O Sr. Ministro de Colónias (Freitas Ribeiro): - O facto de estar um segundo tenente nesse lugar, era um abuso que se cometia no tempo da monarquia, e o o m que era preciso acabar.

O capitão do porto de Angola é ao mesmo tempo, como S. Exa. sabe, chefe do departamento marítimo, e, portanto, tem de ser um oficial superior.

O Sr. Camilo Rodrigues: - Mas êsse oficial estava legalmente nomeado.

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O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Mas era um escândalo; fazia-se isso para proteger afilhados.

O Sr. Camilo Rodrigues: - O Govêrno Provisório protegia escândalos?

O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - O Govêrno Provisório nomeou o Sr. Moura Brás, porque então não havia confiança em muitos outros oficiais; mas essa. atmosfera acabou e hoje todos os oficiais de marinha são republicanos.

O Sr. Camilo Rodrigues: - O que eu pergunto, é se está em vigor ou não o decreto de 31 de Março de 1892?

O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Está em vigor.

O Sr. Camilo Rodrigues: - Então estava legalmente nomeado êsse oficial.

O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Já disse a S. Exa. que não tinha categoria para exercer o cargo de capitão dos portos de Angola.

Se amanhã se quisesse nomear um capitão de porto para o Lobito, lutávamos com a dificuldade de ter de procurar um oficial mais moderno que o Sr. Moura Brás, porque de contrário não podia estar sob as suas ordens.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara e aos Srs. Deputados que queiram discutir o assunto o favor de se inscreverem.

O Sr. Santos Moita: - Requeiro que se generalize o debate.

O Sr. França Borges: - No caso de se generalizar o debate, peço a palavra.

Leu-se a proposta do Sr. Camilo Rodrigues.

O Sr. França Borges: - Peço a palavra sôbre a proposta.

O Sr. Presidente: - Ainda não está admitida. Fica para segunda leitura. Hoje nem mesmo posso consultar a Câmara sôbre se a admite ou não.

O Sr. Joaquim de Oliveira: - Eu pedi a palavra para um negócio urgente, que consiste em apresentar à consideração de V. Exa. e da Câmara um projecto de lei destinado a isentar o Hospital de S. Marcos, da cidade de Braga, do pagamento de contribuição de registo relativa à compra de prédios que aqui indica e que pretende realizar o mais breve possível, para construir um novo edifício hospitalar, e destinado a conceder qualquer expropriação por utilidade pública, quando porventura haja exigências despropositadas por parte dos respectivos proprietários.

Antes de apresentar êste projecto, tinha-me entendido com o Sr. Ministro das Finanças a fim de saber se efectivamente êste assunto podia ser resolvido por um simples despacho ministerial, e fui ter com S. Exa., porque sabia que no tempo da monarquia, e ainda há poucos anos antes dela ter desaparecido, a alguns institutos de beneficência da cidade de Braga tinha sido feita essa concessão por um simples despacho ministerial.

Soube, porém, que era ilegal, e então resolvi trazer à consideração da Câmara êste projecto de lei, que é tudo quanto há de mais justo e razoável.

Ninguém ignora que ao Estado compete favorecer os estabelecimentos de beneficência pública, facultando-lhes todos os meios necessários para o seu desenvolvimento.

Ora sucede que êste hospital foi construído numa época em que se desconheciam as bases fundamentais da sciência médica, e por consequência as suas aplicações práticas à higiene. Êsse hospital não tem as enfermarias necessárias, não tem o pessoal laico, e acontece mesmo não poderem ser ali recebidos todos os doentes. Nesta conformidade e tendo em consideração o louvável desejo da comissão administrativa a que me referi, qual é o de construir um hospital que satisfaça por completo ao movimento de doentes, quer sob o ponto de vista higiénico, quer ainda sob o ponto de vista do número de enfermarias e do seu pessoal técnico, eu entendo que a Câmara não negará o seu voto a êste projecto de lei, e até mesmo dispensará o Regimento e as formalidades que êle exige, desde que saiba que é urgente construir o edifício hospitalar e que para isso é precisa a autorização competente para adquirir os terrenos indispensáveis.

Assim, eu peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite a dispensa do Regimento, a fim de o meu projecto entrar desde já em discussão.

S. Exa. não reviu.

Vai ser publicado no "Diário do Govêrno", para depois ser submetido à admissão.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Joaquim de Oliveira pede-me para consultar a Câmara sôbre se consente que o projecto entre desde já em discussão.

O Sr. Manuel Bravo: - V. Exa. pode informar-me se êsse projecto traz aumento de despesa ou diminuição de receita?

O Sr. Presidente:-Traz diminuição de receita.

O Sr. Manuel Bravo: - Então deve ir à comissão.

O Sr. Presidente:-Em todo o caso eu tenho de consultar a Câmara sôbre a urgência.

Consultada a Câmara, foi rejeitada a urgência.

O Sr. Ezequiel de Campos: - Há poucos dias quis eu, Sr. Presidente, mostrar à Câmara, que ter deitado abaixo a monarquia não era bem ter construído a República. Isto, a propósito da nomeação de governadores para as colónias; e lembra-me de, nas considerações que apresentei, ter chegado à conclusão de que era melhor enveredar por outro caminho nessas nomeações, chamando para as colónias verdadeiras competências, pessoas que conheçam bem as necessidades das terras de além-mar, e para elas levassem um conjunto de elementos indispensáveis para que fôsse por diante a espinhosa e árdua tarefa da reconstrução das nossas colónias.

Eu disse então que só em S. Tomé, num espaço de tempo relativamente curto, tinham passado pelo governo daquela nossa possessão nada menos de umas vinte pessoas.

Procurando com verdade conhecer exactamente quem por ali tinha passado, eu apurei que desde setembro de 1910 até agora, houve nada menos de doze governadores, o que dá para cada um uma gerência de dois meses e uns tantos dias.

O Sr. Presidente do Conselho, respondendo-me, disse nessa ocasião, que era bem justificada esta instabilidade de governantes, por isso que a vida das colónias era agitada.

Não respondi a S. Exa. nem manifestei o meu modo de ver contrário, porque tendo já falado, a Câmara, natu-

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turalmente, não me permitiria a que de novo lhe roubasse mais tempo.

Não concordo com a opinião de S. Exa. porque quando fizemos a Republica tinhamos obrigação de conhecer bem os homens a quem fosse cometida essa tarefa.

A monarquia andou oitenta anos á matroca, e à matroca parece que vai a nossa governação republicana. Nós devemos começar por propor um plano de vida para a Nação Portuguesa. (Apoiados).

Marcar o destino da Patria no conjunto mundial, tendo bem em conta a medida do esforço de que seremos capazes, a nossa crise económica e financeira, as tendências da nossa raça, o objectivo sucessivo da nossa actividade de programas definidos a realizar em prazos curtos, para a sequência proveitosa do Governo.

Entendo que devemos dar um balanço cuidado à nossa situação actual; entendo até que é necessário termos sempre diante dos olhos a herança pesada que nos coube, para não nos esquecermos do trabalho de construção de que estamos incumbidos.

Esta sala, onde se destinam os negócios públicos, não está bem preparada para isso. Devia ser como nas aulas de química, onde a serie de Mendelief mostra os pesos atómicos e os claros a preencher com os elementos a descobrir os números fundamentais da orientação da governança publica.

Quereria que os quadros ali no fundo, os quais estão por acabar, fossem preenchidos com os algarismos que representam a nossa situação economica, a nossa situação colonial e a nossa situação financeira, em letras negras com aproximação até o conto de réis, para que todos tenhamos bem presentes esses números e nos preocupássemos mais com eles, do que estarmos a fazer discursos, que são, sem duvida magníficos, mas que de nada servem para o país.

Sim, este e todos nós precisamos ter sempre presentes os déficits volumosos que os governos da monarquia nunca foram capazes de extinguir, o desequilíbrio comercial vergonhoso que sempre nos tem onerado, a percentagem de analfabetos, a vida colonial, a nossa divida interna e externa, todo esse passado negro que nos acabrunha. Ficassem esses números e todos aqueles que representam o lado negro da herança que recebemos ali bem patentes a todos.

Naqueles quadros, do lado da direita escreveríamos mais tarde em letras de ouro os saldos que fôssemos obtendo es economia e nas finanças nacionais. E no centro, debaixo daquelas palmas, com prazer havíamos de registar bem legíveis os nomes de quem tivesse governado tão bem que tivesse provocado os anciados saldos.

E na sala dos passos perdidos para que não fosse perdido todo o tempo ali, como são perdidos os passos, ficavam bem esses mapas completos, modernos, do continente, de ilhas adjacentes e das colónias, para termos sempre bem no espirito o cuidado de manter integro e bem administrado o património nacional.

Desculpe-me a Câmara esta divagação, mas é que o meu espirito não se adapta bem ao sistema da vida que se tem seguido até aqui no Parlamento.

Sinto que se gastam palavras em demasia. Se fôssemos s. fazer de cada milhar delas 1 milímetro cubico já não caberia ninguém aqui, contando talvez somente as que se proferiram no tempo da Republica. E escrevendo em letra clara as ideias manifestadas no mesmo tempo, talvez não chegássemos a encher um livrinho de mortalhas de cigarros.

Posto isto, vou entrar no assunto. Todos sabem que a Europa tem em perspectiva uma nova partilha da África, e a Alemanha, no sul de Angola, manifesta a sua má vontade pela linha problemática que serve de baliza para marcar os limites do nosso território. Os direitos adquiridos, desde que não passam de platonismo histórico, nada representam. E necessário que nos precavamos, e isso só se consegue fazendo bons governos com gente estudiosa, livre de pechas burocráticas e criando um grupo de coloniais que, dispostos a trabalhar com amor no ressurgimento nacional, vão para as colónias estudar o que elas carecem, observando tambêm atenciosamente o que se faz nas colónias estrangeiras, sobretudo nas inglesas.

Eu devo dizer que em Angola as cousas não vão muito bem.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam apenas dois minutos para terminar as suas considerações.

O Orador: - Eu tinha ainda muito que dizer, mas vou desde já referir-me ao assunto para que pedi a palavra.

Li nos jornais que dentro em pouco tempo se vai tratar de entabolar negociações a respeito do caminho de ferro de Ambaca. Julgo necessário, tambem, que se tome a serio esta questão, porque não posso compreender que uma parte desse caminho de ferro seja do Estado e outra parte de uma companhia. E, já que falo de caminhos de ferro, referir-me hei tambêm ao de Mossamedes.

Este caminho de ferro é um dos sólidos documentos da incompetência que preside no Ministério das Colónias, ao delineamento dos caminhos de ferro de Angola.

Assim, decidiram que fosse de 0m,60; todavia tem uma extensão de perto de 400 quilómetros e nos primeiros 80 de percurso não ha água. A este caminho de ferro andam ligados dois médicos, um deles o Sr. Moreira Júnior, Ministro, o outro o Sr. Ramada Curto, governador, e assim não admira nada que seja necessário o emprego duma algália para alargar a via. Pensou-se, se não estou em erro, em alargar a via, mas parece-me que ainda nada se resolveu, e por isso desejo que o Sr. Ministro das Colónias me informe se no seu Ministério existe qualquer projecto de modificação em prazo curto deste caminho de ferro, de forma que pudesse representar com vantagem o papel económico a que está destinado na nossa África do Sul. Consta-me que a Companhia de Mossamedes queria explorar, ou pelo menos remodelar este caminho de ferro, como tambêm me consta que a mesma companhia nunca fez nada em África nem cumpriu as cláusulas do contracto, o que será talvez motivo para se considerar como falida. Entendo, pois, que nós não devemos negociar com essa companhia a reconstrução da linha, sem um estudo atento do problema, tanto mais que, não sendo uma companhia especial de construção, não poderá dar as vantagens de economia ao Governo que lhe daria qualquer empreiteiro da nossa casa ou estranho. Nestas condições, não cumprindo a companhia com o que se estipulou, o Governo não deve perder a ocasião de fazer construir por si, em boa empreitada cujas bases é urgente estudar, este caminho de ferro.

Nestas condições peco ao Sr. Ministro das Colónias que quanto antes traga a esta casa um projecto que atenda a este melhoramento.

O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Sr. Presidente: poucos minutos tomarei a atenção da Câmara.

Pareceu-me que o Sr. Ezequiel de Campos se voltou a referir à nomeação do governador de S. Tomé.

Este oficial é. na verdade, um homem novo e não tem ainda um perfeito conhecimento das colónias; em todo o caso, sabendo que se estão passando casos anormais devidos á mudança de regime, estou certo que ele, com o prestigio do seu nome e com a sua inteligência, concorrerá para restabelecer ali a tranquilidade.

O Sr. Ezequiel de Campos: - A atitude dos rocei-

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ros de S. Tomé tem sido um pouco explorada sob o ponto de vista político. O que é preciso para acalmar é uma boa administração da parte do Govêrno - e essa não a tem havido, nem na monarquia, nem na República.

O Orador: - Creia S. Exa. que o Govêrno tem a maior confiança em que o Sr. Mariano Martins se saberá desempenhar do seu lugar com o devido critério.

Relativamente ao caminho de ferro de Angola, o Govêrno tem a peito solucionar a. questão dos caminhos de ferro de Ambaca, de Mossâmedes e do Lobito, e já deu ordem para se suspender a construção do caminho de ferro de Mossâmedes para não continuar a asneira da construção de uma linha de 70 centímetros.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Adriano de Vasconcelos:-Desejava fazer uma pergunta ao Sr. Ministro das Finanças, mas como S. Exa. não está presente, fá-la a qualqueer dos Srs. Ministros que estão na Câmara.

Desejava saber o dia em que o Govêrno apresentará à Câmara o Orçamento Geral do Estado.

O estado da Fazenda Pública é lastimoso. A Câmara votou os duodécimos até o fim de Dezembro, e tendo de votar o Orçamento tem de discuti-lo á pressa, porque no dia i de Janeiro tem de entrar em execução. A sua apresentação é portanto urgentíssima.

As cifras que vem publicadas no Diário do Govêrno mostrara bem o descalabro em que vão as finanças públicas, e a necessidade que há de tomar providências, por que só por essa forma a República se consolidará.

No Diário do Govêrno vem publicadas as contas de receita e despesa de Julho e Agosto dêste ano, comparadas com as de iguais meses do ano anterior, acusando um déficit de 2.859:000$000 réis.

Se quiséssemos calcular o déficit do ano pelo dêstes dois meses, o que em boa razão não se pode fazer, porque tanto as receitas como as despesas variam de mês para mês, teríamos que êsse déficit seria de 18.000:000$000 réis, o que somando com 4.000:000$000 réis do déficit anterior, representaria 22.000:000$000 réis.

Êle, orador, não sabe quais as providências que o Govêrno tomará para que êste déficit seja extinto e, portanto, não pode dizer que o déficit seja êste, mas o que é fora de dúvida é que o descalabro da Fazenda Pública é horroroso. Se se fizer mais administração do que política, teremos consolidada a República; de contrário, a República cairá, como caiu a monarquia.

A um outro assunto vai agora referir-se, e se não se ocupou dele na sessão de ontem foi para não irritar o debate. Hoje, que a ordem está restabelecida, que o Govêrno está cheio de força com o apoio que o Parlamento lhe deu, e que Lisboa, como êle, orador, verificou, voltou à normalidade, não vê inconveniente em chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior para um abuso praticado pela autoridade e que, até certo ponto, deu em resultado os tumultos que se originaram nas ruas de Lisboa.

Segundo o que leu nos jornais, e pelas informações que pôde obter, verificou que a força pública entrou em casa do cidadão, arrebatou duas mulheres, fê-las meter em um automóvel, transportá-las para a Azambuja e dali para Badajoz.

Isto representa um ataque à Constituição. A força pública não pode invadir a casa do cidadão, senão nos casos previstos na Constituição. A autoridade praticou, portanto, um abuso do poder. Não sabe quem é o responsável, mas o Sr. Ministro do Interior deve sabê-lo, e se o não sabe, deve informar-se. E não se alegue que não se entrou em casa do cidadão, porque se tratava dum hotel e os regulamentos policiais permitiam que assim se procedesse, porque os regulamentos policiais não podem estar acima da Constituição, ou então representava-se uma comédia quando se discutiu êsse diploma.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Egas Moniz: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa os seguintes requerimentos.

Os requerimentos são de oficiais do exército, pedindo que se lhes faça justiça.

O Sr. Ministro do Interior (Silvestre Falcão): - Pedi a palavra, e, com franqueza, não desejaria ocupar-me aqui dum assunto que, no meu entender, não é digno de se ventilar numa casa do Parlamento: o assunto das chinesas; mas gostosamente o faço, desde que o ilustre Deputado que acaba de falar me proporciona ensejo de desfazer a lenda de que a autoridade entrou violentamente numa casa para dela tirar as chinesas.

A autoridade não fez semelhante cousa; as chinesas é que quiseram sair, porque estavam verdadeiramente apavoradas com o barulho que se fazia em roda delas, e a polícia, de acordo com elas, retirou as dessa casa e fê-las transportar até a Azambuja e dali para a fronteira.

Relativamente ao que S. Exa. disse a respeito do estado das finanças do nosso país, também creio que S. Exa. é dum pessimismo tal que ninguém nesta Câmara o acompanhará.

Em toda a parte, não só num Estado, mas em nossa casa, há um mês ou outro em que se fazem despesas enormes e outro em que se fazem menos, e para se saber o que corresponde à verdade, é preciso tirar uma média de largos anos.

Mal de nós se o que S. Exa. disse, fôsse a expressão rigorosa da realidade! Era um horror!

V. Exa. verá, dentro em pouco, quando se apresentar o Orçamento, que é a expressão da verdade e é feito com tal escrúpulo que num ponto em que se não pôde precisar a afirmação da despesa-isto pelo Ministério do Interior- nesse ponto não se põe a quantia que se deve gastar, porque não é possível inscrevê-la, e eu me referirei a essa particularidade, quando se tratar do Orçamento do Ministério do Interior.

Relativamente ao dia em que se deve apresentar o Orçamento, não posso dizer nada a êsse respeito, embora esteja convencido de que deve ser dentro de poucos dias.

V. Exa. compreende a situação em que está o Govêrno: nós entrámos no Govêrno há dias; o Sr. Ministro das Finanças fazia parte, é certo, do gabinete transacto, mas nessa ocasião tinha a responsabilidade de outra pasta; S. Exa. teve de tomar posse do Orçamento como se fôsse absolutamente novo no Ministério, a não ser na pasta que diz respeito ao Ministério do Fomento.

Nestas condições, não se revê o orçamento em vinte dias: estou porem convencido de que, dentro de um prazo breve, o Orçamento será apresentado à Câmara.

Êstes serviços são feitos com toda a morosidade; o orçamento do Ministério do Interior, aquele que conheço mais de perto, foi mandado para a Imprensa Nacional, mas isto caminha com tal morosidade que ainda há três ou quatro dias o Sr. Ministro das Finanças se queixava de que ainda lho não tivessem mandado da Imprensa Nacional para êle o poder rever.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Adriano de Vasconcelos: - Peço a V. Exa. que me conceda a palavra para responder ao Sr. Ministro do Interior.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa.

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8 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

O Sr. Carlos da Maia: - Achava conveniente que o Sr. Adriano de Vasconcelos falasse, para que se desfaça a impressão que ficou na Câmara depois, das palavras de S. Exa.

O Sr. Presidente: - Eu é que dirijo os trabalhos da Câmara, e seria um mau precedente S. Exa. usar agora da palavra; tem ocasião de o fazer depois.

O Sr. Adriano de Vasconcelos: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão, para explicações.

O Sr. Francisco Cruz: - Sr. Presidente: cumpre-me em primeiro lugar cumprimentar o Ministério na pessoa dos Srs. Ministros presentes desejando-lhe uma vida próspera e feliz e também manifestar quanto aos acontecimentos de ontem a expressão das minhas felicitações pelas medidas enérgicas que tomou o Govêrno. E permita-me V. Exa. dizer que elas são necessárias porque há muito quem não faça senão chantage.

Sôbre assuntos de economia não há nada, sôbre assuntos de indústria e de agricultura em que há de assentar a nossa vida não há nada, nem em nada se tem pensado. Em lugar de se pregar a anarquia, devia-se pregar o trabalho.

Eu devo dizer aqui e em toda a parte que não faço parte de grupo algum político, mas que sou republicano acima de tudo.

Os homens mais em evidência na política não tem feito senão política à moda de João Franco e de José Luciano.

Êsses homens deviam apresentar programas para sustentar as suas opiniões. Sem programas não há partidos, há oligarquias como as de Hintze e de Teixeira de Sousa.

O fim principal para que pedi a palavra foi para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro das Colónias.

Desejo saber se S. Exa. já tem elementos acerca de estudos da cultura de algodão nas colónias.

Foi nomeado para êsse fim o agrónomo Visconde de Pedralva com 5:400$000 réis.

Consta-me que recebe ainda, com o fim de ir ao Egito estudar essa cultura, a gratificação de 10$000 réis por dia. São, pois, 9:000$000 réis.

Espero as informações do Sr. Ministro das Colónias e reservo-me para, em ocasião mais oportuna, tratar do assunto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Tenho a dizer ao Sr. Deputado que foi com efeito nomeado o Sr. Visconde de Pedralva, mas não posso neste momento precisar qual o seu vencimento, nem quanto se lhe abonou para ir ao Egito.

Nunca recebeu qualquer gratificação especial por êsse serviço, mas simplesmente o que lhe competia.

Creio ter respondido claramente às considerações do orador que me precedeu.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar à ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para mesa, podem fazê-lo.

Foram mandados para a mesa os seguintes documentos:

Projecto de lei

Do Deputado Fernão Boto Machado, autorizando o Govêrno a mandar construir um ramal de estrada que partindo de Travancinha, no concelho de Ceia, termina em S.
em S. Tiago do mesmo concelho. Para a Secretaria. Para ser publicado no "Diário do Governou.

Do Deputado Fernão Boto Machado, instituindo um seguro obrigatório para todos os trabalhadores de ambos os sexos.

Para a Secretaria.

Para ser publicado no "Diário do Govêrno".

Requerimentos

Renovo o requerimento que apresentei à Assembleia Nacional Constituinte em 22 de Agosto, para que, pelo Ministério do Interior, me seja enviada cópia do relatório da sindicância ao Liceu de Vila Rial, por causa dos acontecimentos que ali tiveram lugar no último ano lectivo.

E mais requeira:

Que, pelo Ministério do Interior, Direcção Geral da Instrução Primária, me seja dada cópia da sindicância feita, em 3 de Setembro de 1908 ou durante o mês de Setembro de 1908, pelo sub-inspector de Vila Nova de Gaia, Bento José da Costa, ao professor primário oficial de Guimarães, Mário Vieira 5 cópia do relatório de sindicância ao círculo escolar de Guimarães a que procedeu, em 1910, o Dr. Alves dos Santos; e que a mesma Direcção Geral me informe se ali existe ou não uma queixa apresentada pelo presidente do 3.° júri de exames do 2.° grau, em Guimarães, Agosto de 1910, por causa da falsificação de uma prova escrita, e, em caso afirmativo, cópia dessa queixa e indicação do procedimento tomado em face dela.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 28 de Novembro de 1911. = O Deputado, Eduardo de Almeida.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

1.ª Parte Eleição de comissões

O Sr. Presidente: - Estando marcada para a primeira parte da ordem do dia a eleição das comissões de negócios estrangeiros, guerra e obras públicas, interrompo a sessão por 12 minutos, para que os Srs. Deputados possam formular as suas listas.

Eram 3 horas e 45 minutos da tarde.

Às 5 horas e 10 minutos reabre-se a sessão, procedendo-se em seguida â chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Nunes Ribeiro e Francisco Luís Tavares.

Corrido o escrutínio, verificou-se terem entrado na urna, para a comissão de guerra, 98 listas, sendo o resultado da eleição o seguinte:

[Ver valores da tabela na imagem]

Simas Machado
Pereira Bastos
Vitorino Guimarães
Vitorino Godinho
Paes de Figueiredo
Balduíno Seabra

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[Ver valores da tabela na imagem]

Velez Caroço
António Granjo

Corrido o escrutínio para a eleição da comissão dos negócios estrangeiros, verificou-se terem entrado na urna 96 listas, das quais duas brancas, sendo eleitos os Srs.:

[Ver valores da tabela na imagem]

Egas Moniz
José Barbosa
Caetano Gonçalves
Bissaia Barreto
Eduardo de Almeida
Helder Ribeiro
Filemon de Almeida

Corrido o escrutínio para a comissão de obras públicas, verificou-se tarem entrado na urna 96 listas, sendo efeitos os Srs.:

[Ver valores da tabela na imagem]

António Maria da Silva
Cerqueira da Rocha
Ezequiel de Campos
Jorge Nunes
João Carlos Nunes da Palma
João Pereira Bastos
Álvaro Pope

2.ª Parte

Continuação da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.° 25 (acidentes no trabalho)

O Sr. Presidente: -Vai passar-se à 2.a parte da ordem do dia, continuação da discussão do projecto de lei n.° 25, sôbre acidentes no trabalho, prosseguindo no uso da palavra, que lhe ficou reservada da sessão anterior, o Sr. Fernão Boto Machado.

O Sr. Fernão Boto Machado: - Sr. Presidente: vou continuar a série de considerações que resolvi opor ao projecto dos acidentes de trabalho. Antes, porem, de o fazer, e porque alguém me informou de que o Sr. Ministro do Fomento está maguado por expressões que eu aqui proferi, desejo, se V. Exa. e a Câmara mo permitirem, dar, não uma satisfação ao Sr. Ministro do Fomento, porque, em minha consciência julgo não lha dever, mas afirmar-lhe, uma vez mais, a minha consideração pessoal pela honestidade do seu carácter e pela sinceridade do seu trabalho.

Conheço bem as disposições do artigo 60.° do Regimento, que me impõem o dever de não pronunciar aqui palavras que ofendam colectividades ou pessoas, e nessa conformidade tenho procedido. Sou mesmo por princípios, por ideias, por índole e por sentimentos, incapaz de fazê-lo.

Prezando-me de ser correcto, todos os dias faço um esforço novo para ser, de cada vez mais, um homem bem educado.

De resto, conheço o Sr. Estêvão de Vasconcelos há mais de 20 anos, e emquanto êle for, como tem sido, honesto, a minha consideração por êle será inalterável.

O que eu disse aqui, e vou sustentar ainda, é que a sua proposta de lei é incompleta, deficiente e até desnecessária, e que a sua aprovação, só por si, isolada doutras providências em favor da família trabalhadora, redundaria numa verdadeira burla. Hei de demonstrá-lo. Mas, se a palavra burla foi dura, confesso que fui buscá-la no vocabulário usado pelo Sr. Estêvão de Vasconcelos, porquanto, quando S. Exa. pronunciou o seu discurso sôbre o projecto de acidentes no trabalho, em sessão de 16 de Março de 1909, ali empregou essa mesma palavra, como consta do Diário da Sessão dêsse dia, no período que passo a

ler, e que diz assim: - "O assunto não se presta a novas "mistificações"; combater o meu projecto de lei sob o pretexto de que êle não dá ao proletariado todas as garantias necessárias, é muito simplesmente "uma burla"

Prova isto, por um lado, Sr. Presidente, que eu, empregando a palavra burla, me deixei influenciar pela leitura dêsse discurso do hoje Ministro do Fomento, e prova, por outro, que êsse projecto era julgado insuficiente até pelos deputados monárquicos que então o combatiam.

Tomarei ainda dois minutos à Camará a explicar um outro assunto. Já vi escrito, no artigo de fundo dum jornal republicano, a acusação de que nesta casa do Parlamento se estava fazendo obstrucionismo a propósito do projecto de lei sôbre acidentes no trabalho. Ora, como o único parlamentar que até agora, sob a República, aqui combateu êsse projecto, fui eu, evidentemente que a acusação se refere expressa e directamente a mim, visto que até fui quem iniciou o debate.

Tenho, por consequência, a declarar a V. Exa. e à Câmara, para que conste seja a quem for, que eu sou absolutamente incapaz de me prestar a qualquer papel que me encomendem, e ainda mais incapaz de aqui estar com o propósito de fazer obstrucionismos.

Estou aqui, não com o propósito de ser dirigido e de obedecer incondicional ou condicionalmente a homens, mas para raciocinar, para proceder e para votar conforme os meus princípios, as minhas ideias e os ditames da minha consciência depois de esclarecida. Ainda ante-ontem votei, não só um projecto da iniciativa do Sr. Ministro da Justiça, mas as emendas, que julguei sensatas, apresentadas pelo Deputado Sr. Germano Martins.

Fique, pois, bem entendido, e de uma vez para sempre, que os meus propósitos, sendo sempre sinceros, jamais obedecerão ao intuito de exercer obstrucionismos.

Fui-já o disse aqui e volto a dize-lo - o primeiro a apresentar um projecto sôbre o seguro obrigatório de todos os trabalhadores, no qual, à frente das garantias que eu procurava reivindicar para os modernos escravos do capitalismo, figurava a segurança para os acidentes do trabalho.

De resto, se estou convencido de que o projecto do Sr. Estêvão de Vasconcelos não será aprovado, nem mesmo assim estou disposto a deixá-lo cair sem o meu protesto mais veemente, por o julgar incompleto, deficiente e até inútil. E se tenho sido demorado nas minhas considerações, e reconheço que na verdade o tenho sido, é porque - digo-o sem quebra de estima pelos meus colegas nesta Câmara -, os tenho visto sempre dominados quási exclusivamente pelo problema político, esquecendo quási todos, aqui e lá fora, o mais importante e notável de todos os problemas, que é o problema económico-social, A êsse respeito, entre os nossos políticos, há talvez só duas excepções a fazer - os Srs. João de Menezes e Brito Camacho, e eu sou tanto mais insuspeito, apontando êsses dois nomes, quanto é certo que sei não ser da simpatia dêsses dois parlamentares.

O Sr. Brito Camacho: - Mas eu nunca lho disse!

O Orador: - Mas tem-mo demonstrado, o que é bem peor.

Alem disso, eu não tenho culpa de que o problema do trabalho seja duma tão imensa vastidão. Não obstante a minha incompetência (Não apoiados), eu tive a preocupação, talvez censurável, dê em primeiro lugar, fazer um pouco de história dos revoltados e escravizados de todos os séculos; em seguida dizer quais são as causas primaciais do seu mal; depois os remédios a aplicar; e, por último, visto que a única oposição que se levanta a reformas mais vistas, é a da situação do tesouro, indicar donde há de vir a receita, não só para a execução do projecto em debate, mas para reformas mais amplas, mais

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protectoras, mais libertadoras e mais emancipadoras dos servos da gleba do moderno feudalismo capitalista. Reformas que não sejam, como agora se quer, só a proclamação do direito à mutilação, ao suicídio, à morte, e, como os patrões dizem, à preguiça e ao pão da família, mas o direito ao pão e á, vida de todos os que no trabalho se inutilizam ou resultam em incapacidade pela velhice, pela doença, pelo desastre, ou pelo desemprego sem culpa.

É tempo, emfim, de dar coordenação â ordem de ideias que a esta Câmara vinha expondo no meu anterior discurso. Vou fazê-lo.

Depois de ter demonstrado que uma das causas do mal-estar social de todos, ricos e pobres, fartos e famintos, senhores e servos, patrões e operários, fortes e fracos, exploradores e explorados, provinha do monopólio da propriedade na mão de uma pequena minoria, eu propunha-me demonstrar, na última sessão, que a actual organização social era tão profundamente iníqua, absurda e estúpida, que a ninguém permitia ser feliz.

Não são felizes os proprietários, porque vivem aterrados com a ideia das secas, dos ventos, das chuvas, das tempestades, das cheias, das devastações e das crises da abundância.

Não são felizes os juristas e os capitalistas, porque sabem que, em presença de cracks como o do Credito Predial, e outros, não podem viver tranquilos sôbre a segurança dos seus capitais e dividendos, até mesmo porque os próprios Estados fazem bancarotas.

Não podem ser felizes os comerciantes, porque lhes fazem pavor os grandes stocks depositados nos seus armazéns, e estabelecimentos, sem venda e sem saída.

Não são felizes os industriais, pela grande luta da concorrência, e pelo constante definhamento das indústrias e dos seus empreendimentos mais arrojados.

Não são felizes os reis, nem os padres, nem os advogados, nem os médicos: não é feliz pessoa, alguma, e de todos os mais infelizes são os que trabalham segundo a infame lei do salário e au jour le jour.

Assim, a questão social não pode ser encarada, nem resolvida, sem se reconhecer que não há ninguém feliz à face da Terra, e, pelo menos, que não podem ser felizes os homens de coração, aqueles que estiverem convencidos de que a felicidade de todos só pode realizar-se á custa da felicidade de cada um, e de que a felicidade de cada um só pode realizar-se à custa da felicidade de todos, ou, dizendo o por outro modo, quando haja igualdade de meios e condições, e cada um produza o que puder e retire o que necessitar. Quando cada um for por todos e todos por cada um.

Como grandes causas do mal de que sofre toda a humanidade, toda eu já fiz a crítica dos monopólios da propriedade e do capital.

Pois bem. Vejamos agora se será mais justo, mais legítimo, e mais humano, o monopólio dos maquinismos e instrumentos de trabalho e de produção.

Vejamos como foi grande, colossal, maravilhoso, o maior da história dos povos, êsse século XIX, que, mercê da mecânica, perfurou montanhas, aproximou continentes, suprimiu as distâncias, confundiu as raças, demoliu as fronteiras à scicncia, à literatura, à dor e ao pensamento, e cobriu o mundo de riquezas, de comodidades, de luz e de beleza.

Contemplemos êsse século mágico, deslumbrante, que penetrou os segredos da Natureza, dominando-lhe os êle mentos; que inventou a máquina motriz e a operatória, o vapor, o telégrafo e o telefone; que descobriu a electricidade e fez as suas maravilhosas aplicações; que descobriu o radium e o mundo dos infinitamente pequenos; que com o cinematógrafo inventou a fotografia animada e com o gramofone achou a fotografia do som, alargando, em tudo o mais, a grande expansão do saber humano.

Analisemos as admiráveis conquistas dêsse século fantástico, mas vejamos, também, como êle, fazendo a concentração da propriedade, do capital, da grande indústria, das matérias primas, dos instrumentos de trabalho e elementos da produção, foi, para os escravos do capital, o mais iníquo, o mais cruel e o mais desumano da História.

Vejamos o que êle fez em relação aos inventos da mecânica. Vejamos, como as máquinas, que deveram ser os instrumentos de libertação, de emancipação e de um pouco de repouso para a máquina humana, foram, pelo seu monopólio na mão dos que as possuem, a causa da maior miséria e da maior desgraça da família trabalhadora.

Em primeiro lugar, perguntamos: Acaso uma máquina terá alguma cousa de individual? £ Uma máquina será a obra individual de qualquer pessoa, e, principalmente, será o resultado das locubrações, do esforço e do estudo daquele que, só por ter dinheiro para a comprar, a possui?

Evidentemente, não. As máquinas motrizes e operatórias, hoje tão aperfeiçoadas que dir se hiam seres inteligentes, representam o esforço e as locubrações de muitos homens do passado, que, indo de mais em mais, realizando os seus inventos e as suas descobertas, e de modo que, por dedução, a um novo invento ia sucedendo um invento melhor, e, aproveitando-se a ideia inicial do primeiro, ao imediato correspondia uma maior perfeição, como se a um invento correspondesse outro, e todos, aproveitada a descoberta inicial, fossem elos ou cadeias duma mesma soas máquinas não tem hoje nada de individual, até mesmo porque uns lhe fazem uma peça, outros outra peça, uns um braço, e outros outro braço, uns um parafuso, e outros outro parafuso, uns urna roda. e outros outra roda, uns o engenho, e outros a caldeira, uns o motor, e outros o correame. As máquinas, tanto não tem nada de individual, que, quando os Srs. Deputados vão até o campo, e vêem um lavrador lavrando e vivendo a sua grande vida ao sol, com certeza dizem que aquele bom homem não anda laborando só, mas que ao seu lado trabalha o homem feliz que um dia inventou o arado e a charrua.

As máquinas tanto não tem nada de individual que, quando nós entramos numa tipografia, dizemos sempre, ao ver o impressor, que ao lado dele trabalha Marinoni, e, se contemplamos o compositor, imediatamente o associamos à alma imortal de Gruttenberg, que, inventando a imprensa num rasgo de génio, nessa mesma hora inundou de luz os quatro cantos da Terra!

As máquinas tanto não tem nada de individual, que sempre se tem dito que elas foram inventadas por verdadeiros beneméritos da humanidade e para geral benefício da humanidade.

Então, se cias foram inventadas por bemfeitores e beneméritos da humanidade, e para uso, proveito e benefício geral da humanidade, como se compreende que elas estejam hoje só na mão dos que podem comprá-las, aproveita Ias e explorá-las em seu benefício individual e exclusivo?

Ah! Sr. Presidente: as máquinas que, pelo aumento da produção, deviam produzir um pouco de descanso e a fartura dos trabalhadores, vieram, pelo seu monopólio na mão dos seus possuidores, tornar mais cruel e mais aflitiva a eterna noute de dores e de sofrimentos dos que trabalham. Foram a sua esperança e converteram-se no seu inferno.

Vieram criar a "crise de braços", pela substituição de cem homens por uma mulher eu uma criança; vieram produzir a degenerescência da raça pela chamada. das mulheres à fábrica; vieram desorganizar e desmoralizar a família e a vida dos trabalhadores; vieram agravar e aumentar a luta do homem contra o homem, tornando-a mais feroz; vieram tornar os proletários manuais mais

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dependentes do que nunca; vieram diminuir-lhes as faculdades de estudo e investigação; vieram criar exércitos de réprobos, de párias, de excomungados do próprio trabalho; vieram aumentar as anciedades e as incertezas, aumentar as estatísticas da loucura, do suicídio e do crime, criar a falange enorme dos que pela "greve dos ventres" já hoje fogem à procriação para não aumentarem o número dos desgraçados e das que tem de prostituir-se por força, e vieram enervar e destruir as energias e as forças criadoras dos produtores, sem sequer lhes diminuírem o custo da produção consumida em seu alimento e vestuário.

Vieram, emfim, impedir o desenvolvimento normal das crianças, raquitizar, definhar e prostituir as mulheres, e degradar os homens até o ponto de os converterem em meros alimentadores automáticos de azeite, de petróleo, de lenha e de carvão do ventre dêsses gigantes de ferro.

Por tal modo, em vez de serem as redentoras do proletariado, as máquinas foram o seu pior e mais desalmado inimigo. Assim monopolizadas, a luta entre o capital e o trabalho é mais feroz do que entre os irracionais, e o princípio darwiniano chegou ao seu máximo triunfo: - aos fracos estão fatalmente destinados a ser devorados pelos fortes".

Eu já disse, Sr. Presidente, que não venho aqui proclamar a violenta revolução social, nem que se faça a expropriação da propriedade, do capital e dos instrumentos de produção em bloco.

Sei bem que as revoluções são crises brutais da evolução e que só estoiram à sua hora.

O que venho dizer é que as condições dos trabalhadores são profundamente cruéis e agonizantes, e que o dever de todos nós é investigarmos onde estão as causas do mal, os erros, as deficiências, as extorsões e até os crimes, para impedirmos que por tal modo continua exploração e a desgraça dos que trabalham.

Se a Guinara se não sente aborrecida ou fatigada, eu desejo ainda tratar dum outro monopólio, que não pode, nem deve deixar de ser corrigido pelos Governos da República.

É o monopólio das grandes heranças.

É preciso que os homens de Estado, bem possuídos das ideias de reforma social da nossa época, se convençam de que o perigo, o grande perigo, não está na fronteira, nem é a Espanha, a Alemanha, a Inglaterra. Nem é o perigo branco, nem é o perigo amarelo.

O perigo para todas as nações do mundo, agora que os proletários vão tendo a consciência da grande injustiça da sua situação e dos meios directos de a melhorarem, é o perigo dos revoltados de todos os séculos de opressão, é o perigo dos escravos seculares, o perigo dos ludibriados e explorados de todas as épocas da história do mundo.

Êsse é que é o grande perigo social.

O que há, pois, a fazer?

Ir ao encontro das reclamações justas dos trabalhadores e em vez de se lhes dar, como se diz, "peixe-espada", dar-se-lhes, como é de direito e de justiça, não só o pão do espírito, mas o pão do próprio corpo.

Dinheiro? Receitas? Há muito onde ir buscá-lo, porque, felizmente, há muito quem possua mais do que o que precisa.

Tudo está em que os homens de Estado e os parlamentares tenham a energia e a coragem de adoptar não o imposto proporcional estrito, mas o imposto proporcional sempre progressivo.

O imposto proporcional, que foi uma criação da grande revolução francesa, é injusto, é afrontoso dos pobres, é desumano e é iníquo. Fez o seu tempo e o seu descrédito por ser estúpido que o que tem 10 pague 1, o que tem 100 pague 10, o que tem 1:000 pague 100 e o que tem 10:000 pague só 1:000, visto que isso é obrigar o que morre de fome a pagar, na proporção, o mesmo que paga aquele que rebenta de fartura. Por êsse sistema de derramamento do imposto paga mais o que possui menos.

Paga muito o pobre, que mal ganha para lentamente morrer de fome, e não paga o que deve o que tem o que precisa e até o supérfluo, que deve pagar, de mais em mais, na proporção progressiva dos seus rendimentos e até das comodidades e regalias que disfruta.

Os pobres não tem nem gosam nenhumas.

Assim, a proporcionalidade estrita converte-se num atentado contra a justiça e contra a igualdade proporcional, resultando, por êsse modo, a aparência exterior, a máscara ou o grosseiro e enganoso símbolo duma equidade fementida.

E se o imposto é a expressão económica e financeira da lei biológica da cooperação na vida social, cada um deve concorrer para essa cooperação na progressão aritmética dos seus haveres e comodidades.

Os que não tem casa sua, nem água, nem pão certos, nco podem nem devem pagar na simples proporção dos que tem casa, cholets, palácios, criadagem, carros, automóveis, cavalos, luz eléctrica e todas as mais vantajens do progresso e da civilização.

O que eu proporia, ainda, seria, não a supressão das heranças, porque a ideia é serôdia e a sua evolução não está feita, mas que as grandes heranças, ao transmitir-se, fossem fortemente carregadas pelo imposto também proporcional e progressivo.

Proporia mesmo que se limitasse o direito de sucessão e de testar, além duma certa cifra, e só em favor de descendentes e ascendentes. O resto, para a colectividade, e destinado exclusivamente à instrução, educação e solidariedade com os deserdados da sorte e da fortuna, de modo que êles, além do mais, tivessem certos o pão de hoje e o almoço e o jantar dos dias seguintes.

O contrário é estarmos fora dos nossos princípios e das nossas ideias, e nem se compreende que, num país de cinco ou seis milhões de criaturas, haja fortunas de 8, 10 e 14 mil contos, com extensões territoriais de muitos quilómetros, ao mesmo tempo que a grande, a enorme maioria, não possui sequer um palmo de terra ou uma pedra, para plantar uma couve, ou descansar a cabeça na febre da desgraça.

Com efeito, andámos, durante trinta ou quarenta anos, a dizer que o direito hereditário do mando, o direito hereditário dos reis, era afrontoso da sciência, da moral, da soberania dos povos, do interesse das nações, e da dignidade humana, porque era estúpido que um homem, só por ser filho de um rei, herdasse 5 ou 6 milhões de criaturas, como quem herda um rebanho de ovelhas, ou uma vara de porcos, mas, afinal, nós, os republicanos, caímos nos mesmos vícios e erros com relação à hereditariedade da fortuna, e temos o mesmo respeito, que condenávamos, pelo direito de sucessão, mantendo intangível e sagrado o direito hereditário dos bens dos grandes senhores da terra e do capital. E todavia, os aspectos sociais e morais da questão, os aspectos do problema hereditário do mando e do poder dos reis, e o do direito hereditário das grandes fortunas, são perfeitamente os mesmos.

O Sr. Jacinto Nunes: - Não é isso que está em discussão.

O Orador: - Isto refere-se ao problema social económico e do trabalho, com o qual a minha moção tem uma ligação bem íntima. Descanse o meu velho e querido amigo sr. Jacinto Nunes, que ainda não chegou a hora da expropriação das suas grandes herdades do Alentejo. Lá chegará um dia. (Risos).

Mas, de facto, o que fazem os filhos dos reis ? Para herdarem o trono, ou levam os pais a abdicar, ou os suprimem pelo punhal ou pelo veneno. E o que faz o herdeiro

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em perspectiva de receber uma grande herança? Igualmente dominado pela cubica, procede como os filhos dos reis. Assim é que aquele que um dia assina o seu testamento, assina precisamente nessa mesma hora a sua sentença de morte. E, depois, que o digam os jurisconsultos e homens do foro que estão nesta Camara: Nos tribunais é uma verdadeira enxurrada de miserias morais, produzidas em virtude das heranças. Filhos matam país, irmãos matam irmãos. Familias de anjos, em cuja casa se respirava uma atmosfera de amor, no dia em que faleceu um dos cônjuges e se abriu o direito á herança, converteram-se em familias de demónios para sempre inconciliáveis. A seguir, em minutas, em alegações, em folhetos, em disputas, vem ondas de ódio, infamias e calunias duns herdeiros contra os outros, não, muitas vezes, por causa duma grande propriedade, mas por causa duma simples bugiganga sem valor real, artístico ou estimativo; que estupida que é toda esta organização social!

Sr. Presidente, se o Estado, ao mesmo tempo que é a violência organizada, é tambem a cristalização da força e do direito, essa força e esse direito devem ser aplicados no sentido de realizarem a justiça social para todos os desgraçados.

Interrupção do Sr. Jacinto Nunes, que não se percebeu.

O Orador: - Eu estou dentro do critério republicano. Se falasse como penso, decerto que o Sr. Presidente me não deixava prosseguir. O Estado é uma excrescência cara que tende a desaparecer, porque é tão absurda que, se o indivíduo morre ab intestato e sem herdeiros, herda-lhe a fortuna, e, se esse mesmo indivíduo não tiver que comer, nem lhe mata a fome, nem sequer lhe assegura o direito ao trabalho.

Há nada mais absurdo?!

Interrupção do Sr. Jacinto Nunes, que tambêm não foi ouvida.

O Orador: - Não saio disto. O Estado, emquanto existir, tem o dever de realizar o progresso, o bem estar dos cidadãos e dos povos, numa palavra, a justiça social. O Estado não deve ser só para dar grandes empregos aos tubarões. Não podendo ficar indiferente a tanta miséria publica, tem o dever de realizar reformas que melhorem a sorte dos seus cidadãos deserdados e na miséria, sob pena de trair a sua missão.

Vou agora, Sr. Presidente, entrar na ultima parte das minhas considerações, e peço desculpa, se tenho fatigado a Câmara. A culpa não é só minha, mas tambêm dos que me interrompem.

Nesta ultima parte do meu discurso, vou referir-me directamente ao projecto que se discute.

Esse projecto está longe de poder satisfazer ás classes produtoras, e mais longe ainda de remediar sequer remotamente a sua profunda miséria.

Em primeiro lugar deixa, como já demonstrei, de abranger classes numerosíssimas, as mais numerosas, e bem dignas de atenção do Governo e do Parlamento. Deixa esquecida a legião dos homens do mar, classe, aliás, bem merecedora de protecção.

Deixa esquecida a dos trabalhadores do campo, apesar de ser a mais numerosa, e todos dizerem que o nosso país é essencialmente agrícola.

Deixa esquecidos os simpáticos pieds-nus dos jornais, os serviçais domésticos, e muitas outras classes. E se os rapazinhos dos jornais formam uma classe adorável, os homens do mar são sempre homens de grande coração, talvez só porque andam sempre entre o perigo e a grandeza do mar e do firmamento, os do campo são os mais desgraçados de todos, e os domésticos são tão profundamente infelizes que alienam a sua liberdade à razão de 3$000 réis por mós. Os homens do mar, então, andam sempre em perigo iminente, fazem sacrifícios superiores ás forças humanas, tem muitos dias no ano em que não podem trabalhar, são, em fim, dos que mais sofrem, dos que mais sentem, e, porque tem grande coração, tambêm dos que mais amam.

Alem disso, o projecto em discussão é uma inutilidade; sem vir acompanhado doutras reformas benéficas e protectoras do povo trabalhador, é desnecessário.

É claro que não sinto nenhuma espécie de prazer em lhe vibrar o golpe de misericórdia, e em lhe acompanhar o enterro com pompas fúnebres. Mas realmente o projecto é uma inutilidade e é um logro nesta altura da Republica. É um ludibrio, permitam-me o termo, porque o mundo, as ideias e a evolução social tem caminhado muito em quatro anos.

O projecto foi apresentado ha quási quatro anos a um parlamento monárquico. Depois disso, a marcha da revolução social foi galopante, foi vertiginosa, e, não obstante isso, não obstante nós termos feito uma Revolução, que ai se está chamando social, e da qual resultou a Republica.

O projecto volta aqui, mesquinho e aleijado, tal como foi apresentado para conquista a dentro dum regime político atrasado e reaccionário.

Sr. Presidente: de duas, uma: ou se pensa que o proletariado português é fundamentalmente estúpido, ou então pensa-se que ele se calará com um bolo que o deixa, como até aqui, cheio de fome.

O projecto é, alem disso, desnecessário.

Os acidentes do trabalho estão, ha 44 anos, previstos e acautelados na legislação portuguesa. O direito a indemnizações por acidentes no trabalho está, desde 1867, assegurado no artigo 2:398.° do Código Civil Português.

O Sr. Caldeira de Queiroz: - Mas não se referem à responsabilidade profissional.

O Orador: - Eu demonstrarei a V. Exa. que a responsabilidade profissional é sempre iludida pelos patrões. A jurisprudência corrente dos tribunais portugueses é no sentido de reconhecer o direito da indemnização a todos os trabalhadores vitimas de acidentes. E se as decisões não são em maior numero, nenhuma culpa tem os tribunais de que o proletariado, vitima dos crimes da monarquia, que lhe negou a instrução, seja duma ignorância profunda a respeito dos direitos que lhe estão assegurados na lei. As reclamações de indemnizações contam-se pelos dedos, porque o proletariado português, longe de perceber que o projecto em discussão é insuficiente e é inútil, ainda por cima vem ao parlamento, em numero de 1:500 pessoas, como ha dias disseram os jornais que fez a classe têxtil, pedir que seja votado esse projecto, como se se tratasse de votar a sua emancipação económica. Ah! Sr. Presidente, que tristeza isto me causa, e como todo o meu esforço é assim estéril e inútil!

Notem V. Exas., Srs. Deputados, que as decisões da magistratura, decerto muito poucas, porque ninguêm lhes requer mais, não tem nada de arbitrarias, visto que os magistrados, fundando-se no artigo 2:398.° do Código Civil, se fundam tambêm, e estabelecem a competência e a legalidade do meio, não só no artigo 36.°, n.° 6.°, do decreto de 14 de Abril de 1891, sobre o trabalho das crianças e das mulheres nas fábricas, que dá competência aos inspectores industriais para sindicarem das causas dos sinistros que se dessem, participando-os ao Ministério Publico, e no regulamento de 6 de Junho de 1895, que abrangeu operários maiores e menores, sem distinção de sexos.

Leu os artigos indicados.

O Sr. Caldeira Queiroz: - Mas quando não se apura responsabilidade do patrão, quem indemniza o operário?

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O Orador: - E quando se apura a responsabilidade do operário, quem indemniza o patrão? Há muitos casos em que nem a responsabilidade pode ser apurada. A única maneira de obviar a êsses inconvenientes é o seguro obrigatório, ou a reforma dos trabalhadores, que é o que eu já propus e vou propor a esta Câmara.

Cruzam-se ápartes.

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Continuando as interrupções; dêsse modo, não é possível terminar a discussão da generalidade do projecto. Peço que não interrompam o orador.

O Orador: - Diz bem o Sr. Deputado Silva Ramos. A maneira que o operário vai caminhando para o fim da jornada, exactamente por que vai aumentando a fadiga, vai estando mais disposto aos desastres. Conheço, a êsse respeito, a percentagem das estatísticas dos desastres na sua progressão geométrica com o aumento das horas de trabalho. Mas, por isso, também eu já apresentei a esta Câmara o meu projecto de oito horas de trabalho, ou dez, quando o patrão pague mais dez por cento nas duas horas de acréscimo.

Há, na verdade, muitos casos que tem fatalmente de ser omissos na lei. Nem a lei pode ser sempre taxativa, nem pode provar todos os desastres. De resto, há sempre a chicana do patrão, com todas as desvantagens do fraco contra o forte.

Novas interrupções.

O Sr. Presidente: - Eu não posso consentir uma discussão assim. Com tantas interrupções e diálogos, ver-me hei na necessidade de retirar a palavra ao orador.

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, o único que aqui tem razão de queixa, sou eu. Continuo, pois.

Eu tenho em casa quatro volumes de decisões de todos os tribunais de primeira e segunda instância, publicados pelo Ministério do Comercio da República Francesa desde 1903 a 1906, que provam, até a saciedade, que os patrões, ao contestarem aos pedidos de indemnização, invocam quasi invariavelmente, a culpa dos operários nos acidentes, quando, o que é mais infame, não alegam que o operário, desejando suicidar-se, quis assegurar o pão à família, ou, mutilando se, quis assegurar o direito à preguiça. E um grande número dessas decisões conclui, efectivamente, por absolver os patrões de toda a responsabilidade e das indemnizações, apesar de estarem entregues a juizes togados, e não, como o projecto em discussão propõe, aos tribunais de árbitros avindores, que podem ser uma conquista democrática, mas que são dominados pelo caciquismo, quando as decisões não são dadas ou influenciadas pelos governadores civis. Sucede isto, em Franca, depois de os operários terem consumido, meses e meses seguidos, em reclamações, em diligências, em caminhadas, e em súplicas diante dos tribunais.

A minha convicção sincera e profunda; Sr. Presidente, é que o projecto em discussão só serve para deitar poeira nos olhos daqueles que puseram todas as suas esperanças nas reformas libertadoras e emancipadoras da República.

E, porque assim o penso, vou enviar para a mesa um ante ou contra-projecto, que, abrangendo os acidentes no trabalho, corresponda às reclamações e ás necessidades do povo trabalhador, us promessas da propaganda republicana, ao programa do partido, e á missão social que a República se propôs realizar.

Ao projecto do Sr. Estêvão de Vasconcelos falta, inclusive, o parecer da comissão de finanças, em termos de nos habilitar à apreciação da despesa a que vai dar causa. Ser-me hía possível mostrar à Câmara como procedem lá fora as comissões similares, fornecendo, nos seus pareceres, não só todos os dados estatísticos e financeiros, mas quadros e idades, subsídios a conceder, etc., etc. Ao Sr. Deputado Barros Queiroz emprestei eu um trabalho muito completo, nesse sentido, apresentado ao Parlamento francês, pela respectiva comissão, em Abril dêste ano. Sem um trabalho análogo, nós não podemos, nem devemos aprovar o projecto, porque o faríamos sem os subsídios indispensáveis ao esclarecimento das nossas consciências.

Bem sei, Sr. Presidente, que o grande argumento aduzido contra as reformas, em benefício das classes produtoras, que eu propus, se. estriba nas precárias circunstâncias do Tesouro.

Mas se se está disposto a fazer com que as companhias e bancos privilegiados, tais como a das Lezírias, que é uma afronta â economia do país, a das Aguas, a do Gaz, a dos Eléctricos, e outras, que são autênticos estados dentro do Estado, contribuam com o que devem contribuir para o Tesouro Nacional e a benefício dos que tudo produzem e nada possuem; e se se está disposto, também, a obrigar os ricos a pagarem o que devem, haverá receita de sobra para se votar as reformas que tenho proposto e proponho.

E não se esqueça, em caso algum, que a dissidência progressista apresentou um projecto sôbre acidentes no trabalho, muito mais amplo, mais completo, m ai s perfeito, mais generoso, e mais humano do que o que está em discussão.

O meu contra-projecto é do teor seguinte:

Ante ou contra-projecto

"Considerando que o projecto em discussão, tendo sido apresentado há quási quatro anos (9 de Maio de 1908) a j um parlamento monárquico, com reivindicação mínima do | programa do partido republicano nesse momento, não corresponde, isolado e só por si, às promessas dêsse partido, às reclamações da família trabalhadora, â marcha vertiginosamente galopante das ideias e da evolução económica dos nossos dias, nem à missão igualitária e social da República Portuguesa;

Considerando que pretender que a República, emfim vitoriosa, faça hoje dessimétrica e mesquinhamente, em benefício das classes produtoras, só o que um seu parlamentar de então reclamava da monarquia (muito menos, aliás, do que os da dissidência progressista, que apresentaram um projecto muito mais perfeito, generoso e completo do que o de agora em discussão), o mesmo é que proclamar que o progresso humano fez uma paragem na sua história, que a democracia esteve a dormir, que os seus propagandistas estiveram, a mentir, que o proletariado português é um exército de cegos e imbecis, e que a República nenhuma diferença faz, para melhor, mais progressivo, mais perfeito e mais humano, da monarquia;

Considerando que a pura e simples lei dos acidentes, além de ter aplicação só à parte mínima, insignificante, pelo número, dos trabalhadores que se incapacitarem nos desastres, é o reconhecimento do direito e até do estímulo â mutilação, ao suicídio e à preguiça, e não, como deve ser, o reconhecimento e a garantia, a todos êles, do direito, natural, primordial, fundamental, que todos os seres humanos tem ao pão e â vida;

Considerando, além disso, que não é uma lei de carácter necessário, imperioso e imediato, porquanto o direito a indemnizações por desastres no trabalho, longe de ser um direito novo a reconhecer e a conquistar, tem já, sem distinção de sexo ou idade das vítimas, a sua obrigação e sanção fixadas no artigo 2398.° do Código Civil, e a jurisprudência corrente dos tribunais portugueses com efeito o tem aplicado, estendendo a todos os trabalhadores a dis-

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posição do artigo 19.° do decreto de 14 de Abril de 1891 sôbre o trabalho dos menores e das mulheres nas fábricas, que no n.° 6.° do artigo 36.° até impõe aos inspectores industriais o dever de sindicarem as causas dos sinistros que se derem, apurando a responsabilidade dos que dirigirem os trabalhos e participando-a ao Ministério Público;

Considerando que o que se impõe ao Congresso e à República é a promulgação de uma lei que assegure, por maneira clara, simples e insofismável, o direito ao pão e â vida de todos os trabalhadores e dos que estão a seu cargo, sem distinção de sexos, idade ou fornias de incapacidade;

Considerando, porem, que a única razão de valor, para a não adopção de um projecto geral de seguro ou reforma, é a das difíceis circunstâncias do tesouro e das indústrias; mas

Considerando, por outro lado, que, mesmo dada a hipótese de que a execução dessa lei demande a receita anual de 3.000:000$000 réis, não é demais calcular que, por meio do imposto proporcional e progressivo se pode ir buscar o dobro à bolsa dos ricos, à revisão dos contractos com as companhias e bancos privilegiados e à transmissão das grandes heranças, e até mesmo se poderia ir buscar o tripulo à limitação do direito de testar a uma certa cifra e a favor de descendentes e ascendentes, pois que é absurdo o direito de testar em favor de estranhos, visto que, estranhos por estranhos, tam estranhos são aqueles em favor dos quais se testa, como são os operários favorecidos com a reforma, aliás com mais direitos, pois que foram os criadores e construtores das riquezas e comodidades a transmitir;

Por tudo isto, ouso propor como ante ou contra-projecto o seguinte:

CAPITULO I

O seguro obrigatório - A Caixa de solidariedade social

Artigo 1.° Para obviar, tanto quanto possível, aos males resultantes da incapacidade de trabalho, total ou parcial, produzido por acidentes, doença, desemprego ou velhice, é instituído o seguro obrigatório para todos os trabalhadores de um e outro sexo.

Art. 2.° O serviço financeiro desta instituição terá, em cada distrito, uma organização independente, sob a imediata inspecção do Estado. A sua direcção será confiada a um conselho, cuja composição e atribuições dependerão do regulamento especial.

Art. 3.° Competirá â Caixa Geral de Depósitos centralizar superiormente todos os serviços do seguro obrigatório, numa repartição que se denominará "Caixa Nacional do Seguro Obrigatório dos Trabalhadores".

§ único. O seguro será contra os acidentes no trabalho, a doença, o desemprego, a velhice ou a senectude.

CAPÍTULO II

Das cotas

Art. 4.° A cota de cada segurado será fixada por uma tabela feita pelo Conselho Distrital, em presença da média dos salários, e segundo a natureza das industrias da região e dos respectivos riscos do trabalho. Essa tabela será sujeita á aprovação do Estado.

Art. 5.° A cota será paga pela forma seguinte: $ % pelo Estado, 4 % pelo patrão, e $ % pelo segurado.

§ único. O patrão fica autorizado a reter êstes $ %, que depositará com os $ °/o que ficam a seu cargo.

Art. 6.° Os que trabalham aos dias serão obrigados a segurar-se a si próprios, e a pagar, com regularidade, e de antemão, uma cota que será oportunamente fixada.

Art. 7.° Os patrões são obrigados a pagar, com antecedência, e mensalmente, as cotas devidas pelas pessoas que estiverem ao seu serviço.

Art. 8.° As cotas em dívida cobrar-se hão executivamente, como as contribuições gerais do Estado.

§ único. Em caso de quebra gozarão da natureza dos créditos privilegiados.

CAPÍTULO III

Dos acidentes

Art. 9.° O segurado, ferido em qualquer acidente, receberá uma soma que lhe será paga, o mais tardar, 20 dias depois do mesroo acidente, e durante todo o tempo da incapacidade para o trabalho.

§ único. Essa soma será calculada pela média do seu salário diário.

Art. 10.° Quando do acidente resultar incapacidade absoluta, essa soma será de 60 %, e quando a incapacidade for relativa, será a soma correspondente a 50 % do alário anual.

Art. 11.° No caso de morte por acidente, além da indemnização anterior, o Conselho de Administração pagará, ou á família do segurado, ou directamente ao credor, a quantia de 10$000 réis para as despesas do funeral, e alem disso:

20 % ao cônjuge sobrevivo, até morrer ou casar de novo;

10 % a cada um dos filhos, até aos 14 anos completos;

20 % a cada um dos mesmos filhos, no caso de serem órfãos de pai e mãe;

20 % aos ascendentes do falecido, emquanto vivos ou permanecerem na indigência, se vier a verificar-se que o primeiro era o amparo dêstes últimos.

§ 1.° As pensões pagas não poderão, em caso algum exceder 60 % do salário anual do segurado.

§ 2.° A redução, tendo de fazer-se, será proporcional a cada interessado.

Art. 12.° Os segurados, vítimas de acidentes, tratados gratuitamente nos hospitais, só terão direito a metade da indemnização durante o tempo em que lá permanecerem.

Art. 13.° As pensões não poderão exceder a cifra (...x...), nem ser inferiores á cifra (...y...) máximo e mínimo a fixar como percentagem do salário cotidiano.

Art. 14.° As pensões serão todas pagas mensalmente, não podem cessar sob qualquer pretexto, e são absolutamente isentas de arresto ou penhora, mesmo a título de pagamento de encargos fiscais.

Art. 15.° A inspecção do Estado exercer-se há por meio de inspectores gerais e pelo Ministério das Finanças, ao qual se enviarão semestralmente:

1.° Um relatório sôbre as operações do conselho distrital;

2.° Outro relatório sôbre os acidentes ocorridos, com a indicação das somas pagas.

Art. 16.° Toda a declaração falsa, por parte de qualquer patrão, será punida com multa de 50$600 a 300$000 réis, e a toda a demora da declaração, por parte do mesmo patrão, corresponderá a multa de 20$000 a 200$000 réis.

Art. 17.° O Govêrno publicará o regulamento indispensável à execução desta lei.

Art. 18.° Fica revogada toda a legislação aplicável em contrário.

Lisboa e Sala da Câmara dos Deputados, em 28 de Novembro de 1911. = O Deputado por Lisboa, Fernão Boto Machado.

Acrescentarei apenas mais duas palavras na sustentação do meu contra-projecto.

Já indiquei onde em verdade será fácil ir buscar receitas mais que suficientes para se realizarem as reformas que a família trabalhadora de nós reclama, e que serão simples actos de justiça.

Mas se essas receitas fossem ainda insuficientes, outras

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poderiam ir achar-se, e enormes, no limite ao direito de testar,

Sabem V. Exas. que o direito de testar, ao contrário do que sucede noutras nações, quási mio tem limite entre nós, nem sequer no sentido de podermos testar só a favor de descendentes e ascendentes.

Para V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara, fixarem bem as afrontosas anomalias a que essa amplidão da faculdade de testar ou de herdar dá causa, citarei um facto, bem clamoroso, de que há dias tomei conhecimento pela leitura duma revista. Foi o seguinte:

Faleceu, há pouco, em Inglaterra, o cidadão Ogdon Goelet, que deixou uma herança de 62:500 contos de réis. Fora operário, montara uma fábrica em dias felizes, e pusera se a passear pela Europa, pela América, pelo mundo. Essa enorme fortuna fora amassada com o suor, com o sangue, com as lágrimas, com os braços, a inteligência, e com a própria vida dos milhares de operários da fabrica, pois que o famoso inglês, depois que a fortuna começara a sorrir-lhe, nem sequer voltou a pôr ali os pés.

Pois sabem V. Exas. o que succedeu?

Êsse homem, tantas vezes milionário, lembrou-se de fazer a viagem de que não se volta, e a sua grande fortuna, em vez de aproveitar aos que a tinham realizado, foi parar às mãos dos parentes igualmente milionários, que, tendo vivido quási sempre na Austrália, nem conheciam a fábrica, nem sequer conheciam o parente que assim lhes legava tão enorme fortuna.

Os operários, que a tinham amassado com o seu suor, continuaram, para todo o sempre, na grande galé do trabalho e da miséria. Não será isto a iniquidade suprema?

Repito, que não proponho o limite das fortunas; mas acharia justo que se fixasse, em limites justos, o direito de testar e de sucessão a uma certa cifra, e só em favor da descendentes e ascendentes, porque estranhos por estranhos, os mesmos estranhos ainda são aqueles que ajudam a construir as grandes fortunas.

O que fôsse alem dêsse limite, devia reverter a favor da colectividade, destinando-se à instrução, à educação e às reformas da assistência e solidariedade de carácter social com os deserdados.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Sei bem que fazeis, pelo menos, justiça à minha sinceridade, se bem que saiba igualmente que me chamareis utopista, visionário, ou sonhador. Mas eu estou profundamente convencido de que serão possíveis todas as grandes e generosas reformas em favor das classes deserdadas e famintas, no dia em que nas cadeiras ministeriais se sentarem oito homens com a energia, a coragem e o pulso necessários para irem arrancar o dinheiro onde êle existe até a superfluidade, em regra destinado a fazer herdeiros que ou são inúteis, ou são parasitas, ou são devassos, ou são desgraçados incapazes de se valerem a si ou aos seus semelhantes.

Eu estou profundamente convencido de que essas reformas serão possíveis no dia em que na bancada ministerial esteja sentado um Ministro das Finanças da coragem do meu colega "soliciter", o Ministro das Finanças da Inglaterra, Lloyd George, - porque nesse grande país não se pergunta a cada um pelos seus títulos de "doutor", mas simplesmente pela sua capacidade intelectual, e principalmente pela sua capacidade moral, e é possível a um solicitador ser Ministro - um Ministro da coragem de Lloyd George, que no seu relatório financeiro ousou escrever estas palavras:

"Não posso deixar de esperar, e de crer, que, ainda antes de desaparecer a geração actual, daremos um grande passo em direcção a êsse tempo venturoso, em que o povo inglês se terá libertado da pobreza e do seu inseparável cortejo da degradação e miséria, como hoje está livre das feras que outrora infestavam as suas florestas".

Eu estou, emfim, profundamente convencido, de que essas reformas serão uma realidade viva, no dia em que tivermos um Ministro das Finanças, que, como Lloyd George no seu discurso de New Castle, tenha a coragem de dizer aos senhores do capital e da terra portuguesa:

"Eu digo a todos os lords, a todos os grandes proprietários monopolizadores do território inglês: Há muito tempo que vos tendes escapado às contribuições que os mais cidadãos pagam. Pois chegou agora a vossa vez, e haveis de pagar!"

Não dia em que surgir um homem assim em Portugal, não só as reformas que tenho proposto serão possíveis, mas o trabalho em Portugal deixará de ser a degradação e a exploração que é nas galés modernas, que se chamam fábricas, atdiers e oficinas, e o proletariado ressurgirá para a vida tal como ela deve ser vivida, intensa, bela, digna e feliz.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador foi muito cumprimentado por alguns Srs. Deputados e abraçado por outros.

Leu-se a moção sendo admitida.

O Sr. Presidente: - Faltam apenas quinze minutos para dar a hora de se encerrar a sessão e como estão alguns Srs. Deputados inscritos para antes de se encerrar a sessão, o melhor é não dar a palavra a mais nenhum Sr. Deputado sôbre o projecto. (Apoiados).

O Sr. Adriano de Vasconcelos: - Pedi a palavra para me referir á resposta que o Sr. Ministro do Interior se dignou dar-me, de que em breves dias o orçamento seria apresentado à Câmara,

Faço votos para que êsses breves dias se não transformem em longas semanas ou meses.

Quero também dizer que, nos números que eu citei há pouco, me referi ao Diário do Govêrno, e que deles não tirei nenhuma espécie de conclusão, ao contrário do que supôs o Sr. Ministro do Interior.

Eu declarei que as conclusões que podia tirar estavam sujeitas a êrro, e que dependia a sua rectificação das medidas que o Govêrno entender dever trazer à Câmara.

Quanto à já cançada questão das chinesas, direi que me regosijo que se tivesse finalmente averiguado, que nenhuma violência da Constituição se cometeu, fôsse qual fôsse o funcionário que a tivesse feito; e regosijo me também por ver que o estudo das línguas orientais está tão adiantado em Portugal, que foi facílimo compreender que as chinesas o que queriam era ir-se embora, para se verem livres da perseguição do povo!...

S. Exa. não reviu.

O Sr. Jacinto Nunes: - Sr. Presidente: eu disse na última sessão que os comícios que se tem realizado em Lisboa, anteriores aos de domingo, não tinham sido precedidos de participação oficial, que a lei exige aos seus promotores, isto é, conhecendo com urna antecedência de vinte e quatro horas o local onde se realiza, o dia, hora e assunto.

Disse também que se não podiam realizar comícios desde que se não obedecesse a estas precauções. Mas o Sr. governador civil avisou-me de que todos os comícios anteriores aos de domingo tinham sido precedidos da participação oficial e que, só com os realizados naquele dia se não tinha cumprido êsse preceito.

Não tendo motivos para duvidar da palavra do Sr. go-

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vernador civil, entendi dever dar esta satisfação à Câmara, retirando as acusações que fiz.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: - Eu pedi a palavra, em nome da comissão de acumulações, para chamar a atenção do Govêrno para o seguinte facto.

A comissão encarregada de elaborar um projecto de lei, sôbre acumulações e limite de vencimentos dos funcionários públicos, tem lutado com enormes dificuldades para apresentar o seu trabalho, devido à falta de elementos officias em que se possa basear.

Êsse trabalho, não há duvida, será presente à apreciação da Guinara, mas seguramente virá deficiente e sofrerá emendas que, porventura não sofreria se à comissão fossem fornecidos os elementos que requereu.

Por intermédio da Secretaria da Câmara foram requeridos, para todos os Ministérios, listas de todos os funcionários públicos com a nota dos seus vencimentos. Até agora apenas chegou â comissão a nota dos empregados do Ministério das Colónias, e, assim, eu pedia ao Sr. Estêvão de Vasconcelos que envidasse os seus esforços para que pelo seu Ministério essa nota nos fôsse fornecida, e instasse com os seus colegas, a fim de no-los enviarem também.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Fomento (Estêvão de Vasconcelos):- Sr. Presidente: eu posso garantir a V. Exa., e à Camara, que envidarei todos os meus esforços junto dos meus colegas, a fim de que sejam satisfeitos os desejos do Sr. Jorge Nunes e da comissão a que pertence.

Pela minha parte, se mais cedo tivesse conhecimento dêsse facto, já teria dado as providencias necessárias para que êsses documentos fossem enviados com a possível rapidez.

Amanhã mesmo darei as mais terminantes ordens nesse sentido, não tendo mesmo dúvida de impor a responsabilidade a qualquer dos meus funcionários, a fim de que, com brevidade, êles venham para a Câmara.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Silva Ramos: - Mando para a mesa a seguinte

Participação Participo a V. Exa. que está constituída a comissão de saúde e assistência, tendo escolhido o Sr. Dr. Egas Moniz para presidente e a mim para secretário.

Lisboa, em 27 de Novembro de 1911. = José da Silva liamos.

Para a Secretaria.

O Sr. Ramada Curto: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Constituída a comissão de legislação criminal. = Presidente, Dr. Caetano Gonçalves = Secretário, Ramada Curto.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão realizar-se há amanhã, à hora regulamentar, sendo a ordem do dia, na primeira parte, a eleição das comissões de pescarias, correios, telégrafos e indústrias eléctricas, e de minas, indústria e comércio, tendo as duas primeiras cinco membros e a terceira sete.

Na segunda parte, discussão das emendas do Senado ao projecto dos conspiradores; na terceira parte, continuação da discussão do projecto de lei n.° 25, sôbre acidentes de trabalho.

Está encerrada a sessão.

Eram 6 horas e 25 minutos.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Representações

Dos divisores dos Correios de Lisboa, pedindo que seja melhorada a sua situação, visto estarem na classe imediata à dos aspirantes.

Para a Secretaria.

Dos divisores dos Correios de Lisboa e Pôrto, pedindo para serem isentos do pagamento de direitos de mercê, em harmonia com o decreto de 12 de Setembro último, e a exemplo do que se passa com todo o pessoal menor das repartições do Estado e dos corpos administrativos.

Para a Secretaria.

O REDACTOR = Afonso Lopes Vieira.

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