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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
39.ª SESSÃO
EM 23 DE JANEIRO DE 1912
SUMÁRIO. - Lida e aprovada a acta, dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia: - O Sr. Deputado Lopes da Silva occupa-se da carestia do preço do azeite, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos). - O Sr. Deputado Manuel José da Silva anuncia uma interpelação ao Sr. Ministro do Interior. - O Sr. Deputado Alexandre de Barros chama a atenção do Govêrno para uma circular dirigida aos administradores de concelho sôbre a proibição do ensino da doutrina cristã nas escolas primárias, onde aliás, continuam a servir os antigos livros de ensino, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Justiça (António Macieira). - O Sr. Deputado Júlio Martins, trata da greve dos trabalhadores rurais do distrito de Évora, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério. Sôbre o mesmo assunto usam da palavra os Srs. Deputados Pimenta de Aguiar e Jacinto Nunes. - E autorizada a reunir durante a sessão a comissão de marinha. - Mandam documentos para a mesa os Srs. Deputados Vitorino Guimarães, Aresta Branco, Egas Moniz, Miguel de Abreu, Cerqueira da Rocha, Francisco José Pereira e Ministro das Finanças (Sidónio Paes).
Ordem do dia: - Na primeira parte realiza-se a interpelação do Sr. Deputado Santos Moita, sôbre a nomeação dum primeiro oficial da Direcção Geral das Colónias, respondendo-lhe o Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro). - Na segunda parte, entra em discussão o projecto de lei relativo à construção e à exploração dos caminhos de ferro do Alto Minho. - O Sr. Deputado Emídio Mendes apresenta uma questão prévia para que o projecto não possa ser discutido sem o parecer da comissão de legislação civil e comercial, visto conter disposições que alteram o que estatui o Código Comercial. Sôbre o mesmo assunto usam da palavra os Srs. Deputados Rodrigo Fontinha e Germano Martins, resolvendo-se que a comissão de legislação civil e comercial reúna durante a sessão para dar o seu parecer sôbre o projecto. - O Sr. Deputado Pereira Cabral, obtendo a palavra para um negócio urgente, apresenta um projecto de lei equiparando às mercadorias de produção e indústria do continente e ilhas adjacentes, para os efeitos do regime especial estabelecido no n.° 1.° do § 1.° do artigo 1.°, das instruções preliminares das pautas de Moçambique, de 29 de Dezembro de 1892, as mercadorias produzidas em outras províncias ultramarinas. Sôbre o assunto, usam da palavra os Srs. Deputados Germano Martins, José Barbosa, Ministro das Colónias, Álvaro Poppe, Paiva Gomes e Brito Camacho, que manda para a mesa uma moção no sentido de ser o projecto enviado às respectivas comissões, sendo aprovada esta moção. - Na terceira parte continua em discussão o projecto de lei sôbre a contribuição predial (generalidade), usando da palavra os Srs. Deputados Barros Queiroz e Aquiles Gonçalves, que fica com a palavra reservada. - Em seguida lê-se o parecer da comissão de legislação civil e comercial sôbre o projecto de lei relativo aos caminhos de ferro do Alto Minho, que volta a discussão, usando da palavra os Srs. Deputados Ezequiel de Campos (relator), Rodrigo Fontinha, Brito Camacho, Simas Machado, Inocêncio Camacho e Ministro das Finanças. - É aprovada uma proposta do Sr. Deputado Ezequiel de Campas para que a discussão do projecto, seja feita depois da discussão do artigo 196.° do Código Comercial. - Manda para a mesa uma declaração de voto o Sr. Deputado Angelo Vaz.
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Presidência do Exmo. Sr. António Aresta Branco
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
António Joaquim Ferreira da Fonseca
Às 14 horas e 45 minutos, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Na sala estavam 111 Srs. Deputados.
São os seguintes: - Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcelos, Afonso Ferreira, Alberto de Moura Pinto, Alberto Souto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo Guilherme Howell, Alfredo Maria Ladeira, Alfredo Rodrigues Gaspar, Álvaro Nunes Ribeiro, Álvaro Poppe, Álvaro Xavier de Castro, Américo Olavo de Azevedo, Amilcar da Silva Ramada Curto, Angelo Vaz, António Afonso Garcia da Costa, António Alberto Charula Pessanha, António Albino Carvalho Monrão, António Aresta Branco, António Augusto Pereira Cabral, António Barroso Pereira Vitorino, António Brandão de Vasconcelos, António França Borges, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António Joaquim Granjo, António José Lourinho, António Maria de Azevedo Machado Santos, António Maria da Cunha Marques da Costa, António Maria Malva do Vale, António de Paiva Gomes, António dos Santos Pousada, António Silva Gouveia, Aquiles Gonçalves Fernandes, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto José Vieira, Augusto do Vera Cruz, Baltasar de Almeida Teixeira, Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, Carlos António Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Casimiro Rodrigues de Sá, Domingos Leite Pereira, Eduardo de Almeida, Emídio Guilherme Garcia Mendes, Ezequiel de Campos, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernando da Cunha Macedo, Francisco José Pereira, Francisco Luís Tavares, Francisco de Sales Ramos da Costa, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudêncio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Gxtdinho, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Inocêncio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Camilo Rodrigues, João Carlos Nunes da Palma, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João José Luís Damas, João Luís Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, Joaquim Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, Jorge de Vasconcelos Nunes, José Afonso Pala, José António Simões Raposo Júnior, José Augusto Simas Machado, José Barbosa, José de Barros Mendes de Abreu, José Bernardo Lopes da Silva, José' Botelho de Carvalho Araújo, José Francisco Coelho, José de Freitas Ribeiro, José Jacinto Nunes, José Luís dos Santos Moita, José Miguel Lamartine Prazeres da Costa, José Perdigão, José da Silva Ramos, José Tristão Paes de Figueiredo, José do Vale Matos Cid, Júlio do Patrocínio Martins, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Luís Innocêncio Ramos Pereira, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Manuel José da Silva, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel de Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Morais Rosa, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, Philemon da Silveira Duarte de Almeida, Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães, Rodrigo Fernandes Fontinha, Tomé José de Barros Queiroz, Tiago Moreira Sales, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, Vítor José de Deus Macedo Pinto, Vitorino Henriques Godinho, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.: Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, Alfredo Balduíno de Seabra Júnior, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, António Caetano Celorico Gil, António José de Almeida, António Maria da Silva, António Pádua Correia, António Pires Pereira Júnior, António Valente de Almeida, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Ernesto Carneiro Franco, Francisco Cruz, Helder Armando dos Santos Ribeiro, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Gonçalves, João Pereira Bastos, Joaquim António de Melo Castro Ribeiro, José Bessa de Carvalho, José Dias da Silva, José Maria Cardoso, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Pereira da Costa Basto, José Tomás da Fonseca, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tito Augusto de Morais.
Não compareceram à sessão os Srs.: Afonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Angelo Rodrigues da Fonseca, António Amorim de Carvalho, António Cândido de Almeida Leitão, António Flórido da Cunha Toscano, Aureliano de Mira Fernandes, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Fernão Bôto Machado, Francisco Xavier Esteves, Joaquim Teófilo Braga, José Carlos da Maia, José Cordeiro Júnior, José Mendes Cabeçadas Júnior, José Montez, Jovino Francisco de Gouveia Pinto, Luís Maria Rosete, Severiano José da Silva.
Procedeu se à chamada.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada, 70 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai lêr-se a acta.
Foi lida a acta.
Estão presentes 83 Srs. Deputados. Está a acta em discussão.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguêm reclama, considera-se aprovada. Vai dar-se conta do
EXPEDIENTE
Ofícios
Do Ministério do Fomento, enviando, a requerimento do Sr. Deputado Ezequiel de Campos, os esclarecimentos que ate a presente data foram remetidos àquela Secretaria pelas diferentes repartições do mesmo Ministério.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Miguel de Abreu, enviando os esclarecimentos remetidos àquela Secretaria até a presente data, pelas repartições do mesmo Ministério.
Para a Secretaria.
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Do Tribunal da 2.ª vara comercial da comarca de Lisboa, pedindo autorização para que o Sr. Deputado Jovino Gouveia Pinto compareça naquele Tribunal no dia 12 de Fevereiro próximo, por treze horas, a fim de depor como testemunha sôbre os autos de petição para constituição do Tribunal Arbitral.
Foi concedida.
Telegramas
Lisboa - Porto. - Revoltosos 31 de Janeiro, condenados e não contemplados ainda pedem vossa intercessão favor sua causa.
Para a Secretaria.
De Sines. - Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Lisboa. - A Junta de Paróquia de Sines, comércio industrial e principais agricultores reunidos em sessão conjunta, em seu nome e no do povo do concelho de S. Tiago do Cacem, pede à Exma. Câmara dos Senhores Deputados o seu valiosíssimo apoio ao projecto de lei apresentado pelo Deputado Sr. Ramos da Costa, autorizando o Govêrno a contrair um empréstimo para a construção imediata do ramal do caminho de ferro para Sines, que altamente vem beneficiar toda a riquíssima região do concelho de S. Tiago do Cacem. - O Presidente da Junta de Paróquia de Sines, Marreiros Rosa.
Representações
Da comissão municiai administrativa do concelho de Valongo, pedindo que se proceda ao estudo dum ramal dos caminhos de ferro do Minho e Douro, que partindo da estação de Valongo vá terminar na bacia carbonífera de S. Pedro de Cova (Gondomar).
A comissão de obras publicas.
Dos armadores de pesca de bacalhau, pedindo que seja reduzido o actual direito aduaneiro sôbre o bacalhau ao imposto de pescado.
A comissão de pescarias.
Do Centro Comercial do Pôrto, pedindo que seja votado um crédito extraordinário, da importância de réis 100:000$000, para occorrer às obras de reparação urgentes e indispensáveis nos molhes do sul e norte do pôrto de Leixões. (Vem esta representação acompanhada dum ofício do presidente do mesmo Centro).
Para a comissão de finanças.
4.° Dos irmãos das Confrarias da Senhora do Rosário e Almas de Lustosa, concelho de Lousada, pedindo a promulgação da lei que dá às Confrarias a liberdade de continuarem a regular-se pelos estatutos por que se regulavam até 20 de Abril do ano passado. (Vai esta representação acompanhada dum ofício do Sr. Governador Civil do Porto).
Foi enviada à comissão dos negócios eclesiásticos.
5.° Da Câmara Municipal de Cascais remetendo mais 50 exemplares dos folhetos respeitantes à questão entre aquela Câmara e a Empresa das Aguas de Vale de Cavalos.
Mandaram-se distribuir.
Últimas redacções
Foi aprovada a última redacção do projecto de lei n.° 25, estabelecendo a assistência pública, em acidentes de trabalho, ao operariado.
Foi aprovada a última redacção do projecto de lei n.° 33, mantendo a isenção estabelecida no n.° 3.° do artigo 21.° do decreto com fôrça de lei, de 23 de Janeiro de 1905, quando o volume total das encomendas de que trata êsse número exceda, por navio, de três toneladas métricas, e determinando o imposto de tonelagem a pagar pelos vapores que embarquem ou desembarquem volumes.
Foi aprovada a última redacção do projecto de lei n.° 41, aceitando o decreto do Govêrno Provisório de 2 de Novembro de 1910, que promoveu a tenente o alferes de infantaria adido Roque Maria Teixeira.
Foi aprovada a última redacção do projecto de lei n.° 42, concedendo á Câmara Municipal de Nelas a isenção da contribuição de registo pela aquisição dum prédio e mais terrenos destinados ao aquartelamento do regimento de cavalaria n.° 7.
Foi aprovada a última redacção do projecto de lei n.° 61, autorizando o Govêrno a mandar reparar os estragos causados por uma granada no edifício da Caixa Económica Operária.
O Sr. Lopes da Silva: - Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe a Câmara que, para remediar a actual carestia do azeite, autorizou o Governo o Mercado Central de Produtos Agrícolas a vender azeite ao consumidor, desde a quantidade de 10 litros.
Em harmonia com essa autorização foram publicadas nos jornais as tabelas de preços, para que o consumidor saiba o preço por que há de comprar o azeite.
Eu sei, Sr. Presidente, que alguém foi a êsse Mercado e ali lhe apresentaram azeite com a percentagem de acidez de 7 1/2 por cento, quando as leis vigentes determinam que essa percentagem seja apenas de 5 por cento.
Chamo para êste facto a atenção do Govêrno, e como não está presente o Sr. Ministro do Fomento, peço ao Sr. Presidente do Ministério a fineza, de transmitir a S. Exa. as minhas considerações, a fim de evitar, que por intermédio duma repartição pública, se faça a venda dum artigo em condições ilegais.
A lei é clara e positiva.
Nestes termos, reclamo do Govêrno as providências que o caso requere, no sentido de que êsse azeite seja retirado do consumo.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Comunicarei ao Sr. Ministro do Fomento as considerações feitas pelo Sr. Lopes da Silva, declarando desde já, que concordo absolutamente com elas, por serem justas.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: - Pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Fomento, por que lhe desejava fazer umas perguntas, mas visto que S. Exa. não está, desisto da palavra.
O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: mando para a mesa uma nota de interpelação ao Sr. Ministro do Interior, sôbre a ilegalidade com que foram realizadas certas alterações no contracto estabelecido em 1899, para o exclusivo da iluminação pública na cidade do Pôrto.
É a seguinte:
Nota de interpelação
Desejo ouvir, com urgência, o Sr. Ministro do Interior acerca da ilegalidade com que foram realizadas diversas alterações ao contracto do exclusivo de iluminação da cidade do Pôrto, de 1889, bem como sôbre a ilega-
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lidade e inconveniência da transacção que a actual comissão administrativa do mesmo município projecta realizar com a empresa e que está prestes a ser votada.
Sala da Câmara dos Deputados, 23 Janeiro de 1912. = O Deputado pelo Pôrto, Manuel José da, Silva.
Mandou-se expedir.
O Sr. Alexandre de Barros: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir a um assunto, que julgo dever interessar o nosso pais. Por um dos Ministérios, e não posso assegurar que fôsse pelo Ministério da Justiça, foi enviada uma circular aos administradores dos concelhos, a fim de que essas autoridades vigiassem e fiscalizassem as escolas femeninas, por forma que nelas não fôsse ministrado o ensino da doutrina cristã. Não sei, repito, se essa circular foi enviada pelo Ministério da Justiça; mas fôsse que não fôsse, porque isso não altera, de modo algum o facto, essa circular foi distribuída; e daí resulta, que vemos interferir na vida do ensino primário e na sua fiscalização, as autoridades administrativas. Se isso é lógico e óptimo, não sei; mas o que é indispensável fazer, é pôr ordem nestes assuntos.
De facto, determinou-se que se não ministrasse o ensino da doutrina cristã - e determinou-se antes de publicada a a lei da separação. Está bem; e, mais legitimamente, depois da lei da separação, se devia manter uma doutrina desta natureza. Pois bem: eu verifico, que ao mesmo tempo que dêste modo se determina e se faz interferir as autoridades administrativas nesta fiscalização, continuam a servir, no ensino primário oficial, os antigos livros de ensino.
Nesses livros, para não ir mais longe, vou ler, a páginas 21, dum dêles, estas singelas cousas: "Padre nosso, que estais nos céus, etc."
Eu pergunto, que espécie de coerência mantemos nós no ensino primário? Como é que nós, por um lado, determinamos uma fiscalização rigorosa para que se não ministre no ensino a doutrina cristã, e por outro, mantemos até agora êstes livros no ensino primário?
É uma incoerência que me revolta, porque não posso, de modo algum, entender que se faça uma fiscalização severa e ao mesmo tempo se pratique dêste modo.
Não houve tempo, até agora, de remodelar os livros de ensino? Não sei, mas talvez dentre êles, ainda pudesse fazer-se uma escolha razoável, por modo a que uma disposição legal não fôsse contrariada por factos desta natureza.
Peço a atenção dos membros do Govêrno, que estão presentes, para êste assunto, pois que referindo-se êle especialmente à pasta do Interior, e não estando presente o Ministro respectivo, eu desejaria que S. Exas. solicitassem a atenção do seu colega, a fim de que faça terminar uma situação desta natureza, absolutamente inqualificável, para honra de nós todos, e para os interesses da República.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça (António Macieira): - O ilustre Deputado, o Sr. Alexandre de Barros, e o primeiro a reconhecer que, de facto, não pertence ao Ministério da Justiça o assunto a que se referiu; todavia, como S. Exa. aludiu ao Ministério da Justiça na primeira parte das suas considerações, parece-me que devo ser eu o encarregado de transmitir ao Sr. Ministro do Interior as considerações que S. Exa. fez.
A circular do Ministério da Justiça, é uma circular inteiramente legal, está absolutamente no espírito da lei.
O Sr. Alexandre de Barros: - E eu aplaudo-a.
O Orador: - V. Exa. aplaude-a, como toda a gente decerto a aplaude, visto que é constitucional e regular.
No que respeita aos compêndios, isso pertence ao Ministério do Interior. Quem sabe se não se trata de compêndios que devem ser em breve substituídos, e que existem ainda nas escolas por não haver outros? Isto não é antecipar uma resposta: - é uma impressão minha, na certeza de que S. Exa. pode ficar convencido de que transmitirei ao meu colega as suas observações, e que de há-de remediar o assunto, como sempre faz, dentro do possível e nos termos da lei.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Júlio Martins: - Desejaria imenso a presença do Sr. Ministro do Interior. Como, porêm, está presente o Sr. Presidente do Ministério, é a S. Exa. que vai dirigir umas observações, que julga indispensáveis, chamando a sua atenção para um facto, que está produzindo grande perturbação numa cidade, capital do círculo por onde o orador foi eleito: Évora.
É sabido que há dias se passa naquela cidade um facto deveras anormal: declarou-se uma greve de trabalhadores rurais.
Essa greve tem sido, ao que parece, e até por declaração do próprio governador civil, até hoje perfeitamente ordeira.
Tem sido uma greve em que da parte dos grevistas não tem havido perturbação da ordem pública, mas o que é facto é que o actual estado de cousas não pode continuar.
A população de Évora e, em grande parte, a dos distritos limítrofes, está sofrendo extraordinários prejuízos com o que se passa. O comércio ressente-se e há, porventura, uma grande intranquilidade de espíritos da parte dos habitantes daquelas povoações.
Estranho completamente ao movimento, não conhece, o orador, de visu, as causas originárias do conflito. Mas, a serem verdadeiras as informações dos jornais e as entrevistas que os jornalistas tem tido com o governador civil, o que é facto é que é o próprio governador civil quem reconhece às massas a sua reclamação, reconhecendo tambêm que são alguns lavradores que se opõem á realização pacífica do conflito.
Se assim é, ocorre-lhe perguntar: ^Porque é que factos anormais se tem dado naquela região? Porque é que associações se tem encerrado? Porque é que estão presos já muitos homens pertencentes à classes grevista?
Ou são verdadeiras as informações que os jornais dão das entrevistas realizadas com o governador civil, e nesse caso não se compreende a situação, ou há um mal entendido, e então, não estando presente o Sr. Ministro do Interior, o Sr. Presidente do Ministério explicará à Câmara toda a verdade dos factos.
Por sua parte, entende o orador que, a continuarem as cousas no mesmo pé, podem levar-nos a situações gravíssimas.
A greve tem se mantido pacífica até hoje, mas ninguêm pode garantir que, dum dia para o outro, não haja a lamentar factos muito extraordinários.
A República precisa, evidentemente, de ordem; precisa manter o prestígio da autoridade, mas necessita tambêm de manter grande imparcialidade no exame dos factos. E se, no decorrer da análise dêsses factos, se verificarem culpas, seja de quem for, a República tem obrigação de ser intransigente.
A situação não é boa, nem para os lavradores nem para, os trabalhadores,, nem tambêm para a República.
Não ignora que reclamações de ambas as partes tem vindo até o Govêrno. Uma parte apoia o governador civil e outra pede a sua demissão. Nestas circunstâncias, entende, que o Govêrno deve mandar àquela região um delegado de sua inteira confiança, para que êle, apre-
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ciando os factos, apresente um relatório minucioso sôbre os acontecimentos.
Não vai nisso desprestigio para a autoridade.
Desejaria, pois, saber se o Sr. Presidente do Ministério aceita êste alvitre, mandando um delegado de confiança a Évora para informar o Govêrno do que lá se passa, podendo ser êsse delegado alheio a todas as ideias de partidarismo, para que relate mais imparcialmente os factos.
Termina, pedindo ao Govêrno que indague bem da situação, porquanto tal estado de cousas não pode continuar.
O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.
O Sr. João Fiel Stockler (por parte da comissão de marinha): - Peço a V. Exa. Sr. Presidente, que se digne consultar a Câmara sôbre se permite que a comissão de marinha ré una durante a sessão.
Foi autorizado.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Sr. Presidente: o Govêrno tem seguido muito de perto os conflitos que se levantaram na cidade de Évora, por causa da tabela que os lavradores tinham prometido pagar aos trabalhadores rurais.
Dizia-se, a principio, que alguns lavradores haviam faltado àquilo a que se tinham comprometido. As informações, porêm, que eu tenho são as seguintes: neste momento parece não haver tal desacordo, porquanto os lavradores estão dispostos apagar a tabela que ultimamente tinham prometido.
O Sr. João Luís Ricardo: - Estão dispostos a pagar a tabela que êles, lavradores, arranjaram. E outra coisa...
O Orador: - Não sei se haverá absoluto desacordo com todos os trabalhadores rurais.
O Sr. Jacinto Nunes: - V. Exa. dá-me licença? E para restabelecer a verdade dos factos que eu interrompo V. Exa.
Essa tabela foi arrancada pela violência. Mais tarde, os lavradores declararam que os compromissos arrancados pela fôrça não tinham valor algum.
O Sr. João Luís Ricardo: - Não foi nada disso!
O Sr. Jacinto Nunes: - Perdão. Essa reunião de lavradores fez-se efectivamente em Évora, e a ela assistiram cinco a seis mil trabalhadores. Os lavradores eram doze.
O Orador: - Não me parece que haja acordo entre os Srs. Deputados, no que se refere à própria natureza dos factos. O Govêrno, nestas circunstâncias, vê-se em dificuldades para decidir, com segurança, de que lado está a razão.
O Govêrno pediu, é claro, ao Sr. Governador Civil que fizesse um inquérito e que o informasse do que tivesse apurado. O resultado dêsse inquérito ainda não foi enviado ao Govêrno; mas sei que o Sr. Governador civil foi fôrçado, por circunstâncias, de momento, a encerrar umas associações, onde tinham sido agredidos funcionários públicos e polícias o onde foram exercidas outras violências. O Sr. Governador civil não tem a pretenção de conservar fechadas essas associações; logo que se restabeleça a ordem e que os trabalhadores voltem ao trabalho, fazendo o com tranquilidade, mandará reabri-las.
Em virtude dessas desordens efectuaram-se algumas prisões, sendo os indivíduos presos entregues ao poder judicial. Não têm, por consequência, o Govêrno nenhuma acção, sôbre êsses presos.
O Sr. Júlio Martins: - Eu não pedi que o poder executivo mandasse soltar os presos. Mas já agora pergunto êsses presos estão já entregues ao poder judicial?
O Sr. Pimenta de Aguiar: - Creio que não.
O Orador: - O Govêrno deu ordem para que êsses presos fossem, imediatamente entregues ao poder judicial O poder executivo Dão conserva debaixo da sua alçada, preso algum. Não há dúvida de que essa ordem foi dada e, se não foi cumprida, o Govêrno a fará cumprir imediatamente.
Em todo o caso, eu submeterei ao meu colega do Interior o alvitre apresentado pelo Sr. Júlio Martins, com o qual concordo, e posso assegurar que o Govêrno tomará as providências que forem necessárias e das quais dará contas ao Parlamento.
O Sr. Presidente: - Apenas faltam 7 minutos para se entrar na ordem do dia. Tem a palavra o Sr. Jacinto Nunes.
O Sr. Jacinto Nunes: - Pedi a palavra, unicamente para saber se o Sr. Ministro do Interior já se declarou habilitado a responder à minha interpelação.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - O Sr. Ministro do Interior continua, infelizmente, doente.
O Sr. Gastão Rodrigues: - Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Fomento. Como S. Exa. não está presente, desisto da palavra.
O Sr. Pimenta de Aguiar: - Sr. Presidente: pedi a palavra, quando o Sr. Jacinto Nunes dirigiu um áparte ao Sr. Presidente do Ministério, para dizer a S. Exa. a que está mal informado sôbre o que se tem passado em Évora e, por isso se podia muito bem ter dispensado de fazer êsse áparte, visto que não conhece a questão.
O Sr. Jacinto Nunes: - Li o relatório.
O Orador: - A tabela apresentada em Julho era talvez exagerada; entretanto, os lavradores aceitaram-na e, reúnindo-se, resolveram fazer uma outra tabela, que não chegou a ser apresentada aos trabalhadores e que, portanto, não teve valor algum.
E a situação continua na mesma.
O Sr. Jacinto Nunes: - 5:000 ou 6:000 trabalhadores reúniram-se, meteram no meio 12, 20, 30 ou 40 lavradores e, pela violência, arrancaram-lhes essa tabela. Presidia a essa reunião o Visconde da Esperança, o mais antigo e o mais velho republicano do distrito de Évora.
Os lavradores, reconhecendo que essa tabela fôra arrancada pela violência, consideraram que ela não tinha valor algum, e resolveram julgá-la inútil e nula.
O Orador: - O que é verdade é que a tabela não foi feita de acordo entre lavradores e trabalhadores.
Aproveito a ocasião de estar com a palavra, para lembrar ao Sr. Presidente do Ministério que a solução apresentada pelo Sr. Júlio Martins, com que V. Exa. concordou em princípio, já tinha sido apresentada por mim a V. Exa.
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numa conferência que tivemos no Ministério dos Negócios Estrangeiros. V. Exa. ficou, nessa ocasião, de comunicar ao Sr. Ministro do Interior o meu alvitre; mas o Sr. Ministro do Interior tem estado doente e não tem podido resolver o assunto.
Eu que apresentei êste alvitre, agora tambêm apresentado pelo Sr. Júlio Martins, junto o meu pedido ao seu, para que o Govêrno providencie de maneira a acabara situação anormal em que se encontra a cidade de Évora, e que pode ter consequências muitos graves. Quero salvar a minha responsabilidade, prevenindo o Govêrno de tudo quanto se está passando em Évora, e que é muito importante.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Podo V. Exa. contar com a boa vontade do Govêrno.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem propostas a mandar para a mesa podem fazê-lo.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Por parte da comissão de finanças, mando para a mesa os pareceres da mesma comissão sôbre os seguintes assuntos.
Isenção do pagamento de custas e multas nos processos de expropriação por utilidade pública.
Serviços da Biblioteca e Arquivo Gerai da Direcção Geral das Colónias.
Hospital de S. Marcos da cidade de Braga. Foram a imprimir, para serem distribuídos.
Documentos mandados para a mesa
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Fomento, e repartição competente, me sejam fornecidas as informações seguintes:
1.ª Quando e qual o Ministro que nomeou engenheiro adjunto do corpo de engenheiros de obras públicas o Sr. Rodrigo Limpo de Lacerca Ravasco?
2.ª Quando e qual o Ministro das Obras Públicas que o readmitiu?
3.ª Quando e qual o Ministro das Obras Públicas ou do Fomento que o tornou a admitir?
4.ª Quais os motivos das demissões?
5.ª O actual Ministro do Fomento nomeou novamente engenheiro adjunto do corpo de engenharia civil o mesmo Rodrigo Limpo de Lacerda Ravasco?
6.ª Procedeu-se a exame de sanidade antes da sua nomeação?
7.ª Conhece o Sr. Ministro a incapacidade física do nomeado? = Aresta Branco.
Mandou-se expedir.
Requeiro que pe3o Ministério das Colónias me sejam enviadas as cópias dos seguintes documentos:
a) Contracto de 31 de Outubro de 1891 entre o Govêrno e a Companhia dos Caminhos de Ferro através de África;
b) Toda a correspondência trocada desde a implantação da República até o momento actual, entre o Govêrno e a mesma companhia, compreendendo petições ou reclamações de qualquer espécie;
c) O projecto do contracto a fazer entre o Govêrno e a mesma companhia. = Egas Moniz.
Mandou-se expedir.
Requeiro do Ministério do Interior, com a maior urgência, os documentos em virtude dos quais o professor de 2.° grupo do liceu da Horta, José António Bentinho Júnior, saiu daquela cidade. = O Deputado, Miguel Abreu.
Mandou-se expedir.
Nota de interpelação
Desejo interpelar com urgência o Sr. Ministro do Interior sôbre os motivos que presidiram à saida da Horta do professor efectivo José António Dentinho Júnior, e sôbre os motivos que levam o Sr. Ministro a mandar regressar o dito professor àquela cidade. = Miguel Abreu.
Mandou-se expedir.
Projecto de lei
Do Sr. Deputado António Maria da Cunha Marques da Costa, concedendo a pensão anual vitalícia de 540$000 réis a D. Francisca Amália de Oliveira Ferreira, viuva do capitão de infantaria, Eduardo Ernesto de Alcântara Ferreira, falecido no Hospital Colonial.
A publicar no "Diário do Governo".
Para segunda leitura.
Proposta
Do Sr. Deputado Casimiro Rodrigues de Sá, para que seja nomeada uma comissão de cinco Deputados a fim de apresentar parecer acerca do destino a dar aos palácios e tapadas nacionais, repartições de equipagens, etc.
Admitida. Para a comissão de finanças.
Parecer
Da comissão de agricultura, relativo ao projecto de lei n.° 44-E, demarcando a região dos vinhos de pasto do Dão.
Foi a imprimir, para ser distribuído.
Declaração
Declaro que me acho habilitado a responder à interpelação anunciada pelo Sr. Deputado Afonso Ferreira sôbre o secretário de finanças das Caldas da Rainha.
Lisboa, em 23 de Janeiro de 1912. = O Ministro. das Finanças, Sidónio Paes.
Para a Secretaria.
ORDEM DO DIA
Interpelação do Sr. Deputado Santos Moita ao Sr Ministro das Colónias
O Sr. Santos Moita: - Não é da responsabilidade do Sr. Ministro das Colónias a nomeação ilegal do apontador de 2.ª classe do Ministério do Fomento, Armando de Sousa Araújo, para o lugar de primeiro oficial da Direcção Geral das Colónias. Entretanto, talvez pertença a S. Exa. corrigir o êrro cometido, fazendo colocar, no lugar que lhe compete, o empregado que dêsse lugar foi esbulhado.
S. Exa. tem visto que sempre, e depois de proclamado o novo regime, os homens da República tem prometido cumprir as leis.
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Não está, ainda, de forma alguma derrogado o regulamento, pelo qual se fazia o provimento de lugares nas direcções gerais do Ministério da Marinha e Colónias.
S. Exa. pode, acerca do nomeado Armando de Araújo, vir dizer que, em virtude do § único do artigo 9.° do decreto de 24 de Maio de 1911, êsse indivíduo podia ser nomeado primeiro oficial da Direcção Geral das Colónias, porquanto ao Ministro compete a nomeação de quaisquer indivíduos.
E bom, porem, lembrar, que nesse ,parágrafo se diz que o Ministro poderá nomear quem entender que tem competência e habilitações. Ora, vendo isto, o orador procura o regulamento que trata do provimento dêsses lugares, e observa que, por êle, são condições indispensáveis para a admissão ao concurso, apresentando diploma legal de habilitações e um curso superior por qualquer escola da Nação, e noutros casos o curso de instrução secundária ou especial, quando as vagas sejam de amanuense.
Ora, o nomeado nem sequer tem o curso dos liceus. Portanto, nem para o lugar de amanuense podia ir.
Como é, portanto, que se nomeia êsse indivíduo para o lugar de primeiro oficial?
Se se pudesse fazer um pouco de história, talvez se conseguisse investigar se êsse homem tem um passado revolucionário. Êle, orador, porêm, vê, que êle era o administrador do concelho de Grândola, quando se implantou a República em Portugal; era, portanto, um delegado de confiança da monarquia.
Não ignora o orador que, nos tempos monárquicos, Grândola era um estado à parte, em Portugal; era uma espécie de República de Andorra, sob o domínio do Sr. Jacinto Nunes; mas se êsse indivíduo era ali administrador, é porque isso lhe fora permitido.
A nomeação é ilegal. O indivíduo nomeado primeiro oficial não podia, sequer, ser nomeado amanuense.
Mas, há mais. Para que êsse indivíduo fôsse nomeado primeiro oficial da Direcção Geral das Colónias, o que se fez? Preteriu-se um segundo oficial, da mesma repartição, com vinte e quatro anos de serviço, com as melhores informações, e não havendo nunca recaído sôbre êle qualquer benefício da monarquia, antes tendo sido preterido sempre.
Deseja, portanto, que o Sr. Ministro das Colónias só faça justiça e venha dizer, se puder, que, usando da faculdade que lhe concede o decreto de 24 de Maio de 1911, nomeou êsse indivíduo, mas reconhecendo-lhe a competência e as habilitações exigidas pela lei.
Cai-lhe agora sôbre a mesa um outro caso que, embora não faça parte da interpelação, fica já como simples aviso prévio. Trata se dum caso semelhante: outra nomeação ilegal.
Refere-se a José Duarte da Silva e Melo que, tendo sido classificado, em concurso, em quarto lugar, para ser provido na vaga que houvesse no Ministério das Colónias, não foi nomeado, mas sim um outro que ao quadro não pertencia, de apelido Monteiro Bandeira de Lima.
Não se cumpriu, portanto, o § único do artigo 9.° da lei de 1911, que manda recair essas nomeações sôbre individuos que tenham a competência precisa para exercer o lugar.
Espera que o Sr. Ministro das Colónias fará justiça, colocando na situação que lhes compete os indivíduos ilegalmente nomeados, hipótese que êle orador, não julga que possa ser outra senão a de demiti-los.
O discurso será publicado na íntegra, quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Sr. Presidente: o caso tratado pelo Sr. Deputado Santos Moita, na interpelação que me dirigiu a propósito da nomeação do Sr. Armando de Araújo para primeiro oficial do Ministério das Colónias não tem a importância que S. Exa. acaba de lhe atribuir.
Essa nomeação não envolve nenhuma ilegalidade.
Vejamos:
Pela nova organização da Direcção Geral das Colónias, determina-se no § único do artigo 8.°:
Leu.
Devo esclarecer a Câmara de que havia três vagas para primeiros oficiais, e para essas vagas o Ministro podia nomear quem muito bem quisesse...
O Sr. Santos Moita: - Quem quisesse, não! ;Quem tivesse competência e habilitações!
O Orador: - Evidentemente. Quem tivesse habilitações e competência. E o que ia a dizer, mas S. Exa. não me deixou acabar.
Ora, o Ministro, não fez assim.
Quem tinha a preferência era, sem dúvida, o pessoal do seu Ministério, e segundo êste critério, mandou abrir concurso entre os segundos oficiais do seu Ministério.
Neste concurso, ficaram todos, excepto dois, reprovados em mérito absoluto.
As provas do concurso estão fechadas e lacradas no Ministério e à disposição dos Srs. Deputados que as queiram examinar. Essas vagas foram preenchidas pelos dois segundos oficiais que lograram aprovação no concurso e a 3.ª vaga por quem p meu ilustre antecessor julgou ter competência para o desempenho do cargo.
O Sr. Deputado Santos Moita findou o seu discurso pedindo-me que fizesse justiça aos reclamantes. Desde já declaro a S. Exa. que mandarei examinar todas as provas e, se se provar que êsses concorrentes não mereciam ter sido reprovados em mérito absoluto, não tenho dúvida, absolutamente nenhuma, em os promover.
O Sr. Santos Moita: - Eu só pergunto ao Sr. Ministro das Colónias se o nomeado Armando de Araújo tem ou não as habilitações legais. A minha pregunta é bem simples.
O Orador: - O que eu tenho a dizer a S. Exa. é que para a terceira vaga foi nomeado o empregado que p Ministro entendeu que tinha competência.
Apenas S. Exa. me anunciou a sua nota de interpelação, eu pedi ao Director Geral do Ministério das Colónias. Sr. Freire de Andrade, que me prestasse todas as informações acerca do nomeado Armando de Araújo.
O que o Sr. Director me respondeu, foi o seguinte:
Leu.
O Sr. Santos Moita: - Então, exigia-se habilitações aos candidatos que concorriam, e não se exijiam ao indivíduo que se ia nomear?!...
Ora, o Regulamento do concurso exigia que os concorrentes estivessem habilitados com um curso superior; eu pergunto se o nomeado Araújo tinha essas habilitações?...
O Orador: - Eu já disse a V. Exa. que os restantes candidatos foram reprovados em mérito absoluto. E o Ministro entendeu que devia nomear...
O Sr. Santos Moita: - Mas os nomeados tem as habilitações exigidas?
O Orador: - Provavelmente...
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O Sr. Santos Moita: - Um, nem o curso dos liceus tem!
O Orador: - Afinal, S. Exa. sabe muito bem que eu já encontrei êsses empregados no meu Ministério, e as informações fornecidas pelo Sr. Director Geral são de que os nomeados tem competência.
O Sr. Santos Moita: - Nas minhas considerações comecei logo por declarar que não era a V. Exa. que cabia a responsabilidade da nomeação.
O Sr. Presidente: - Mas isso assim é um diálogo continuo. É melhor o Sr. Deputado pedir a palavra.
O Orador: - Tenho dito.
O Sr. Santos Moita: - Pois peço, novamente, a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Santos Moita: - Declara não se dar por satisfeito com as explicações do Sr. Ministro das Colónias.
Está provado - e pelas declarações de S. Exa. mais 30 confirma - que êsse empregado não tem as habilitações necessárias para exercer o lugar de primeiro oficial do Ministério das Colónias, pois nem sequer para amanuense daquela direcção as possui. Por isso não o satisfizeram as declarações de S. Exa. que quereria que fossem precisas.
Com esta declaração dá por findas as suas considerações.
O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: - S. Exa. já deu por findas as suas considerações?
O Sr. Santos Moita: - Sim, senhor.
O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Tenho a declarar que, como já disse, quando tomei conta da pasta das Colónias, encontrei nomeado êsse funcionário. Diz o Sr. Santos Moita que eu, para fazer justiça, devo demiti-lo imediatamente.
Ora eu não o posso demitir. Vou mandar organizar um processo sôbre o caso, para ver se S. Exa. tem ou não tem razão.
O Sr. Cerqueira da Rocha: - Mando para a mesa um parecer da comissão de pescarias.
Segunda parte
Discussão, na generalidade, do projecto de lei relativo à construção e à exploração dos caminhos de ferro do Alto Minho
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto de lei n.° 44 relativo à construção e á exploração dos caminhos de ferro do Alto Minho.
Foi lido na mesa. É o seguinte:
N.° 44
Senhores. - A Comissão de Obras Públicas da Câmara dos Deputados examinou atentamente êste projecto de lei.
Entre a abertura de novo concurso público e a modificação dos contractos de 27 de Setembro de 1904 e 4 de Março de 1907 é de parecer que se deve fazer esta última.
Quando se fecham os contractos nem sempre estão bem estudadas as condições económicas das obras: e por isso e muito frequente acontecer que êles, feitos nas melhores intenções, não podem ser depois cumpridos, porque os elementos definitivos dos projectos saíram muito mais desvantajosos do que os prováveis do delineamento. Assim, tem sido norma constante do Estado rever os contractos, removendo obstáculos, ou concedendo vantagens em troca de outras, de modo que evite a ruína das empresas seriamente constituídas, sem deixar de salvaguardar os interesses da Nação. Esta é a praxe seguida em todo o mundo, sem obrigação de novo concurso público. Citemos alguns casos dentre nós:
Em 12 de Setembro do 1859 foi celebrado o contracto de concessão das linhas de Norte e Leste. Logo em seguida o concessionário pediu várias alterações do contracto, sendo a mais importante a relativa á época de assentamento da segunda via.
A lei de 5 de Maio de 1860 autorizou o Govêrno a modificar o contracto. Surgiram depois as dificuldades da construção da quinta secção entre Gaia e o Pôrto.
Em 1865 o Govêrno celebrou um acordo com a Companhia Rial, que foi aprovado por lei de 2 de Março de 1866, modificando o contracto primitivo. Os embaraços financeiros supervenientes impossibilitaram a Companhia de cumprir o novo contracto. Novamente foi modificado o contracto por lei de 26 de Fevereiro de 1875, cedendo à Companhia o imposto de trânsito sôbre a pequena velocidade nas linhas de Norte e Leste durante 36 anos, o que representa subsídio muito superior ao custo da quinta secção.
Em 11 de Junho de 1864 fora celebrado o contracto de concessão das linhas de Sul e Sueste, com subvenção quilométrica. Por lei de 25 de Janeiro de 1866 foi aprovado novo contracto, substituindo a subvenção pela garantia de considerável rendimento, bruto.
A linha de Guimarães tinha sido concedida para via larga por decreto de 16 de Abril de 1879. Por decreto de 5 de Agosto de 1880 foi concedida, sem o mínimo ónus para a companhia, a substituição da via larga pela estreita. Por lei de 2 de Junho de 1882 foi concedida à companhia a isenção de direitos de alfândega para o material da construção, alêm da isenção de diversas contribuições durante 10 anos, sem se impor em troca o mínimo encargo á companhia.
Por alvará de 2 de Abril de 1891 foi-lhe concedido o troço de Guimarães a Fafe. De 1891 a 1900 foram concedidas sucessivas prorrogações de prazo. Por alvará de 2 de Junho de 1898 considerou-se caduca a primeira concessão, sendo renovada. Por decreto de 14 de Julho do mesmo ano foi declarado sem efeito êsse alvará e renovada provisoriamente a concessão com várias isenções tributárias e vantagens de tarifas na linha do Minho. A lei de l dê Agosto de 1899 aprovou a concessão provisória, aumentando ainda o prazo de isenção de contribuições.
Por portaria de 23 de Junho de 1900, baseada em parecer da Procuradoria Geral da Coroa, foram concedidas, alêm das vantagens daquela lei, as da base 5.;l da lei de 14 de Julho de 1899, o que foi tornado executório pelos alvarás de 22 de Novembro de 1901 e 14 de Maio de 1903.
Por alvará de 22 de Setembro de 1887 fui concedido um tramway a vapor entre Vendas Novas e Santarém. O alvará de 13 de Dezembro de 1888 transformou a concessão na de uma linha de via larga em leito próprio. Em 30 de Junho de 1890 é mudado de Santarém para Sant'Ana o entroncamento da linha de Leste.
Sucederam-se as prorrogações de prazo até 1899. Em 30 de Junho de 1900 é aprovado o entroncamento
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em Setil. Em 11 de Maio de 1900 foi autorizada a transferência da concessão.
Por alvará de 11 de Julho de 1889 foi concedida a linha do Vale de Vouga com o depósito de 50:000$000 réis.
Foram dadas sucessivas prorrogações de prazo.
Por alvará de 23 de Maio de 1901 foram concedidas várias vantagens previstas na base 5.ª da lei de 14 de Julho de 1899, e entre elas o depósito de 8:000$000 réis em vez de 50:000$000 réis primitivamente fixado.
"Por contracto provisório de 25 de Abril de 1905, foram substituídas algumas dessas vantagens pela garantia de juro. O contracto foi aprovado por lei de 20 de Dezembro de 1906, tendo sido nesse contracto modificada a diretriz".
Esta série de factos mostra que o critério seguido entre nós nas relações do Estado cora as empresas concessionárias de caminhos de ferro tem sido o auxílio pela revisão dos contractos quando nisso há interesse público.
E tambêm o critério seguido nos outros países; por exemplo, em França, pelas convenções de 1859, que desafogaram as companhias e permitiram o rápido desenvolvimento da rede, fez-se a revisão dos contractos. Essas convenções foram ainda remodeladas em 1863, 1868, 1869, 1875 e 1873.
Exemplos análogos se encontram na história das redes doutros países.
Neste caso há as seguintes vantagens principais com a remodelação dos contractos:
a) Não se perde tempo em começar a construção, o que traz uma solução à crise de trabalho que apoquenta o norte do país;
b) Não se obtém melhores vantagens com novo concurso;
c) Não é viável, no estado actual da vida portuguesa, a solução do Estado resgatar as Companhias dos Caminhos de Ferro do Pôrto à Póvoa e Famalicão e de Guimarães, e fazer os caminhos de ferro que os concessionários pretendem construir.
a) E muito conveniente desenvolver por todas as formas os melhoramentos que vindo a ser produtivos, ocupem desde já grande número de braços: diminuímos a crise de trabalho e contribuímos para o nosso equilíbrio económico. O começo da actividade segura em obras de fomento traz tambêm consigo o apaziguamento da nossa vida interna e a corrente de simpatia dos capitais portugueses e estrangeiros em busca duma colocação garantida.
b) E sabido de todos que só depois de dois concursos desertos e de assegurada a garantia de juro no terceiro, é que apareceu uma proposta, que por motivos diversos, de que o maior foi a impraticabilidade económica da ponte de Lanheses, o primitivo concessionário transferiu o contracto a outro, que por seu turno fez nova transferência e até, que por outro mais veio êle parar aos concessionários actuais.
Se o Govêrno, cumpridas as formalidades do estilo - perdendo tempo e arruinando uma empresa - abrir nova praça nas condições dos contractos actuais, é muito provável que a- ela só concorra alguém quando as vantagens tiverem sido muito melhoradas quer para a real extensão do sistema, quer no juro garantido, quer talvez tambêm no quantum quilométrico.
Parece-nos que há toda a vantagem em não correr os riscos de experimentar tal proceder que só pode ser ruinoso para todos.
Suponhamos que o Govêrno, cumpridas as demoras e formalidades do costume, venha a ficar, por uma praça deserta, senhor da concensão. Com isto haveria ainda mais demora e prejuízo para a riqueza do país, e nem por isso o Govêrno obteria capital em melhores vantagens, ou construção e exploração mais lucrativa.
Pelo contracto de 27 de Setembro de 1904 o Estado garante apenas 3 por cento sôbre 20:000$000 réis por quilómetro a 150 quilómetros, ou seja 600$000 réis por quilómetro ou 90:000$000 réis por ano.
Não são 20:000$000 réis uma verba quilométrica total avantajada para o programa técnico dos estudos, atenta a fisiografia da região interessada; e o Governo não obtêm com toda a certeza maiores economias no projecto que uma empresa concessionária.
Nestas condições que tem todas as probabilidades de se realizarem, o Govêrno, pelo estado da nossa vida política e financeira, não poderá levantar tão cedo o capital de cêrca de 3.500:000$000 réis para a empresa, se ela não ficar bem mais cara que êste preço, e com toda a certeza não o obterá com o juro de 3 por cento, correspondente á garantia hoje assegurada, somente. 3.000:000$000 réis, que deverá ser apenas nominal, mas por outro muito maior.
Duplo prejuízo: no maior juro e em maior capital empatado. Quere dizer: o Govêrno, revendo o contracto e impondo condições vantajosas para o país, não só aproveita a oportunidade de fomentar a riqueza do Minho na ocasião mais crítica, e com isso captar uma bela simpatia pela República, como tambêm só com um encargo nominal promove o giro de capitais para a construção imediata.
c) De tão evidente que é, não carece de justificação a vantagem económica da fusão duma só companhia das linhas do Pôrto à Póvoa e Famalicão com a de Guimarães e a concessão do caminho de ferro do Alto Minho. De forma que, ou o Govêrno consente que a companhia concessionária dêste último caminho de ferro tenha condições de viabilidade mediante vantagens, ou o Govêrno vai fazer em vez da companhia o resgate das linhas da Póvoa e de Guimarães, apesar de nenhuma disposição em tal sentido estar afirmada nos diplomas de concessão, para depois construir o sistema de via reduzida que aquela delineara.
Pelas condições em que avaliámos a Fazenda Pública não vemos que o Estado possa fazer já, ou em breve, com vantagem, estas operações. E não resta dúvida nenhuma que toda a demora nas medidas do fomento só pode agravar a nossa vida económica e social.
Quer-nos parecer que hoje mais do que nunca deve o Estado chamar a colaborar com êle toda a Nação pelas empresas honestamente constituídas, para se cobrar o tempo perdido e utilizar a nossa riqueza malbaratada. Os nossos grandes males são: por um lado a falta de iniciativa, a carência duma geração nova desapegada da mesa orçamental; e por outros obstáculos que sistematicamente o Govêrno tem anteposto a toda a manifestação de actividade, isolada ou colectiva. Se o espírito scientífico e empreendedor que desde o meio do século passado dá cunho especial à vida moderna não se mostrou em nossa casa, por outro lado o Govêrno não cuidou, como devia, de alentar a germinação dele, quer por uma remodelação da educação nacional, quer pelo auxílio e incitamento franco a todas as honestas actividades nascentes. Razão porque convêm abrir na indústria e nas empresas novas, de carácter particular ou municipalista, campos para a formação da gente nova com energia e vontade.
Grande tarefa tem o Estado para o emprego da sua gente e do seu dinheiro: bem feliz fora êle se duma e doutro tivera o bastante para se desempenhar bem. O Estado explora 681 quilómetros de via larga no Sul e Sueste e 343 quilómetros de via larga e 121 quilómetros de via de l metro no Minho e Douro, ou seja um total de 1:145 quilómetros de caminhos de ferro. Para tornar perfeita a exploração dêles carece de os dotar com boas estações terminais; estabelecer segunda via entre Campanhã e Ermezinde e dentro em pouco entre Barreiro e Pinhal Novo; ampliar várias estações; adquirir e melhorar material circulante. Para os valorizar cabalmente deve construir cêrca de 300 quilómetros de linhas em cada zona.
No Norte, alêm da conclusão do troço de Valença a
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Monção, a linha de Ermezinde a Leixões, Amarante a Cabeceiras de Basto, Vidago a Chaves, Régua a Vila Franca, Carviçais ao extremo do planalto de Miranda, e em futuro próximo, a linha marginal do Douro a juzante de Mosteiro.
No Sul, conclusão de Barreiro a Cacilhas, Seixal e Cezimbra, linha do Sado, Mora a Ponte de Sor, Vila Viçosa a Elvas, Portimão a Lagos, alem das linhas de Serpa ou Pias ao Pomarão e do Baixo Alentejo.
Não seria de mais gastar 10:000 ou 12:000 contos de réis nessa valorização.
Os resultados directos e indirectos compensariam sobejamente o sacrifício. Não será, porêm, fácil o recurso de tam elevado crédito ainda que distribuído por um periodo um tanto largo.
A boa exploração da rede actual, a sua valorização e a melhoria dos serviços dão margem de actividade bastante para o Estado. Por isso toda a colaboração financeira com empresas concessionárias de linhas ainda não construídas nas zonas extremas, que á rede do Estado só pode trazer vantagens, não só revela sensata prudência, como é uma necessidade indeclinável.
Tomar como base o existente, resultante dos factos políticos, administrativos e financeiros da nossa vida constitucional que deu ao regime ferro-viário a sua feição ecléctica, evolucionar e melhorar com prudência, tornando mais intensa a cooperação do Estado com as companhias, fugir de aventuras perigosas para o crédito do país, quais se nos afigura o isolamento do Estado na tarefa de completar a rede ferro-viária bem como o resgate sem elementos de disciplina, energia e finanças das linhas de velha concessão, parece-nos a melhor norma de Govêrno a seguir.
Como primeira dificuldade que já fez fracassar todos os concessionários destas linhas está a definição do traçado de Viana a Ponte da Barca: seguir pela margem direita até Lanheses e depois passar para a margem esquerda em ponte dispendiosa; ou um troço em cada margem do Lima, de Viana a Lanheses.
Devemos notar que foi por uma apreciação superficial da carestia da ponto ferro-viária de Lanheses e da travessia da Veiga de Bertiandos por uma inexacta pesagem das dificuldades técnicas, e não por quaisquer primasias de utilidade para a região a servir - que levianamente se arbitrou a travessa do Lima para a margem esquerda como mais conveniente, em vez da directriz pela margem direita através da Veiga de Bertiandos. Esta, completada pela ligação das duas margens com uma ponte de estrada, seria a solução mais vantajosa.
Supondo que o Estado, por falta de concorrentes depois de nova praça deserta, podia ir fazer êste caminho de ferro, não seria de boa economia atravessar o Lima em Lanheses com a directriz, ou fazer dois trocos de Lanheses a Viana:
"... porque um caminho de ferro há-de ter, ou espera-se que venha a ter, um futuro próspero - porque êle é construído pelo Estado por grandes razoes de Estado ou por qualquer outro motivo há-de ter muito dinheiro no Tesouro - não há daí nenhuma justificação, só por êsse facto, de o tornar caro.
Por outro lado, nenhum caminho de ferro é tão pobre que vá economizar quando uma certa despesa adicional for claramente muito lucrativa. Se está claramente mostrado, ou apreciado por boas razoes, que uma certa despesa adicional pagará 10, 15, 25 ou 50 por cento, como o caso for, pode-se dizer que a companhia, por mais pobre que seja, encontrará processo e meio de obter capital, se os factos forem devida e claramente apresentados". (Railway Location, Artur M. Wellington).
Por isso, entendemos que as mudanças de directriz e serventia das margens no traçado de Viana a Ponte da Barca não representam mais que aquela solução económica que toda ou qualquer entidade construtora e exploradora - Estado ou companhia - havia de tomar, se logo do começo das negociações estivesse claro o ante-projecto da linha.
Base 1.ª
A 1.ª base, removendo um obstáculo insuperável, apresenta compensações atendíveis, cuja justificação completa obrigava a uma monografia pormenorizada dêste caminho de ferro e a considerar a aplicação a um caso especial da teoria económica das directrizes, estudo complexo, bem formulado por A. M. Wellington e Loring Webb nos seus livros magistrais. Por isso fazemos apenas umas referências sumárias para justificar êste nosso parecer.
As duas primeiras condições desta base definem a directriz geral e a ligação das duas margens - concessões para a companhia - e as quatro restantes as obrigações impostas.
1.° A directriz não é desvantajosa para o tráfego da região: serve-a tam bem como pela margem esquerda. De Viana a Lanheses é muito densa a população; de Lanheses por diante ambas as margens são muito povoadas, mas na margem direita são mais importantes e populosas as freguesias entre Ponte do Lima e Ponte da Barca. A estação do Ponte do Lima fica melhor situada na margem direita, do que na margem esquerda a cavaleiro da povoação.
A construção de duas linhas, uma pela margem esquerda (sem subsídio nem garantia de juro) e outra pela margem direita de Viana até Lanheses, a que o concessionário se podia sujeitar pelo artigo-55.° n.° 1.° do contracto, adiando a construção da ponte sôbre o Lima em Lanheses até que o rendimento líquido atinja 8 por cento do capital garantido, não só não traz vantagens, como tambêm causou a recusa de capitais para a empresa, que assim não pode ir avante. Esta solução divide o tráfego até Lanheses por dois caminhos de ferro, concorrentes ainda com o Lima, o que não permite que o rendimento liquido de 8 por cento seja atinjido tam cedo. E tambêm grande desvantagem pura a linha do Minho seria a inclusão da linha de metro entre Viana e Darque para atingir a margem esquerda, que obrigava a refôrçar a ponte, e principalmente perturbaria e daria sujeições embaraçosas, quando não perigosas, a ambas as linhas.
Depois, se fôsse atingido o rendimento líquido de 8 por cento, construída a ponte, ficaria o caminho de ferro da margem esquerda com .pequena utilidade em confronto com o embaraço de duplicação das linhas.
2.° Procedendo-se de acordo com êste artigo atinge-se muito mais cedo a ocasião de construir uma ponte de estrada entre as duas margens, não só porque o caminho de ferro é feito com mais vantagens, sem concorrência de tráfego por um outro troço desfavorecido de subsídio 9 de garantia de juro, mas tambêm porque se toma o limite de 7 por cento, em vez de 8 por cento, de rendimento líquido para a construção da ponte.
3.° Seria longo calcular a diferença de Orçamento correspondente à alteração das inclinações de 30 para 25 milímetros por metro neste sistema que atravessa uma região desdobrada, por vezes atormentada, sempre semeada de relevos orográficos e sulcada de muitas linhas de água desde Mindelo, do lado esquerdo da bacia do Rio Ave, através desta e das do Cavado e do Lima até a margem esquerda do Minho, com a ramificação descendente do Vale do Lima, e ao mesmo tempo atender ao cuidado permanente que houve em não baixar, do raio 100 metros
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(anormalmente 90 metros), isto é em não utilizar nunca o raio mínimo 75 metros.
Mas era êste cálculo o mais necessário para um engenheiro competente mostrar que esta variação de programa foi a melhor compensão que a Companhia podia ter dado ao Estado em troca das concessões que pede.
O Caminho de Ferro de Guimarães por Braga a Monção sobe primeiramente a Serra da Falperra, que passa na Portela de Balazar, subindo 160m,90, entre as Taipas e aquela, com rampa média de 0m,02433, sem nunca ultrapassar 25 milímetros, num percurso de 6:614m,30, em rampa, para depois descer 156m,01 com 6:664m,16 em declive antes de subir 20m,80 para atingir Braga. O raio mínimo empregado foi a 100 metros, e a extensão total de Guimarães a Braga é de 28:734m,63.
De Braga em diante desce para o Cávado, havendo até a Ribeira de Sabariz 3:970m,21 em patamar, 3:796m,42 em rampas de 8:032m,04 em declive com inclinação média de 0m,02209, não excedendo nunca o limite de 25 milímetros por metro. E daí sobe até a Portela do Vade, na divisória do Cávado e do Lima, em terreno descoberto, vencendo 254m,93 de diferença de nível, só com l:484m,22 em patamar e 53m,95 em declive, para 10:763m,98 em rampa dentro do limite do 25 milímetros sem baixar do raio 100 metros em planta. Da Portela do Vade até o Lima nos Arcos de Valdevez o traçado é difícil, pois tem de descer 277m,80 o que obrigou a 12:606m,91 em declive para 4:276m,21 em patamar, e 2:704m,60 em rampa, sem nunca ultrapassar inclinação de 25 milímetros, nem baixar o raio alêm de 90 metros.
Alem dos Arcos será necessário subir a serra do Extremo, obstáculo considerável entre o Lima e o Minho antes de atingir Monção.
Basta considerar que é um caminho de ferro de travessia duma região de relevo muito desdobrado e por vezes áspero, e até só tomar em consideração os números isolados 160m,90 de altitude a subir na Falperra, 254m,93 de Ribeiro de Sabariz à Portela do Vade, com os 277m,80 a descer daqui até os Arcos, para mostrar que só nestes 693m,63 de altitude a vencer sem atenção à descida da Falperra até a Ribeira de Sabariz por Braga, que é muito importante, e à travessia da Serra do Extremo e da bacia do Rio Ave, a mudança da rampa 25 milímetros, por metro para 30 milímetros dava uma economia de 4:624 metros, isto é, dum sexto do primitivo comprimento nas despesas de construção e expropriações. É necessário tambêm coordenar esta deminuição de inclinação com o aumento de raio nas curvas que torna a inscrição muito mais difícil nos acidentes do terreno, movimento de terras maior, e não permite evitar embaraços de construção que não teriam importância no caso duma maior elasticidade de programa técnico. O caminho de ferro assim ficará muito mais caro por todos os motivos.
É verdade que na exploração, se for até o fim do prazo, colherá em parte a empresa a despesa maior de construção: mas menos certo não é que o caminho de ferro fica por esta forma com muito maior segurança no movimento, de maior carga rebocada pelo mesmo peso de locomotiva e susceptível de comboios mais rápidos, que cobrem em excesso a diferença de traçado a mais, todas vantagens muito atendíveis na serventia da região, e principalmente pode o Estado, se fizer o resgate no fim dos 20 anos, ficar com um caminho de ferro nas melhores condições de ser explorado por conta dele.
Pelos estudos já aprovados de Guimarães a Braga e aos Arcos de Valdevez, vê-se bem que da parte dos engenheiros da empresa houve o melhor critério na combinação do programa para o máximo final de economia; e que sempre se pôs de lado a feição da despesa mínima inicial nos vá rios factores considerados: inclinações máximas, raios mínimos, expropriações e serventias baratas.
4.° A redução a um ano do prazo de apresentação dos estudos que faltam, de Lanheses a Ponte da Barca e dos Arcos a Monção, bem como:
5.° A redução a cinco anos do prazo de sete da construção do troço dos Arcos a Monção, mantendo o mesmo prazo para o restante do caminho de ferro, é vantagem para a região e para o Estado pelo tráfego e mais proveitos que a exploração dêste troço mais cedo traz à linha do Minho.
6.° E não deixa de convir por todas as formas aos Caminhos de Ferro do Estado e ao país a iniciativa de promover a concorrência de excursionistas ao Monte de Santa Luzia, em complemento da atracção fatal que a linha de travessia do centro do Minho trará ao norte do país.
Esbocemos, porêm, melhor e em traços de aproximada expressão numérica o caso da ponte de Lanheses só para estrada, com a directriz pela margem direita, comparada com o caso do traçado primitivamente obrigado: pela margem direita até Lanheses, travessia aqui do Lima em ponte mixta, e depois traçado pela margem esquerda.
A ponte de Valença de dois taboleiros de via larga custou cêrca de 240:000$000 réis, incluindo as avenidas. Sendo estas da conta do Govêrno na ponte de Lanheses e a via apenas de 1 metro, a ponte de Lanheses de dois taboleiros não custará mais de 200:000$000 réis.
Por outro lado a travessia da veiga de Bertiandos custará 90:000$000 réis. Há assim uma diferença de 140:000$000 réis.
Ora o rendimento anual da ponte de estrada computável em 2:400$000 réis corresponde a 40:000$000 réis, sensivelmente, de capital a 6 por cento. A construção da ponte de estrada não custará menos de 70:000$000 réis, reduzida a dinheiro actual. A deminuição das inclinações e melhoria de todo o programa técnico nos 158 quilómetros dá uma economia de exploração seguramente muito maior que 2:000$000 réis por anno, ou seja garantia de muito mais de 30:000$000 réis.
Somando estas, três verbas teremos a equivalência em benefícios para o Estado das concessões reclamadas.
Ainda que elas não sejam inteiramente compensadas por vantagens para o Estado, caso êle faça resgate no fim do prazo de vinte anos (o que não nos parece razoável concluir, porque a economia de exploração pelo novo programa técnico é uma verba muito importante e que deve ser considerada logo a partir dos primeiros vinte anos) estas considerações mostram pelo menos a liberdade, se não a obrigação que cabe ao Estado de secundar a empresa com as concessões pedidas. Tanto mais que nenhuma outra se fundou até hoje no país em condições tão pouco onerosas para o Tesouro como esta. Assim as linhas da Foz do Tua a Mirandela e Santa Comba Dão a Viseu tem respectivamente a garantia de 5 1/2 por cento sôbre 19:692$300 réis
22:800$000 réis aplicada à extensão efectiva da linha; o troço de Mirandela a Bragança tem 4 1/2 por cento garantidos sôbre 25:990$000 réis, o que corresponde a 5 por cento sôbre 23:391$000 réis.
Base 2.ª
A fusão das linhas do Alto Minho com as da Póvoa e Guimarães, completadas pelo caminho de ferro de Mindelo a Lousado, é de tal importância para a região, pela homogeneidade de Bitola e material que dispensa qualquer transmissão ou baldeação e pela unidade de exploração, que não podendo o Estado fazê-la, só lhe cumpre promover, em nome do bem público, a sua realização no mais curto espaço de tempo.
Esta fusão foi em princípio admitida pelo Govêrno por despacho de 22 de Julho de 1909.
As condições da segunda base do contracto afiguram-se-nos aceitáveis, afora uma restrição que será prudente fazer.
1.° A linha de Mindelo a Lousado vem completar a
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serventia da região agrícola muito povoada dentre o Leça e o Ave até a linha do Minho por leste, a bela terra da Maia caracterizada pelo aproveitamento cuidadoso de todos os campos e montes.
Não foi de boa previsão financeira a parte da linha da Póvoa a Famalicão: faliu de vez a espectativa de explorações mineiras na Serra de Rates, e a região atravessada não tem nem terrenos muito bem expostos e de constituição muito produtiva, como a Maia, nem a densidade de população das terras ao sul do Ave. O serviço especial de comboios para o mercado de Famalicão, a exportação de toros de pinho da linda mancha florestal de Balazar à Esteia, e as fábricas de serração de Laundos e Vila Nova de Famalicão tem animado mais a vida dêste lanço, que por tantos anos pesou sôbre a exploração do outro, da Póvoa ao Pôrto.
O prolongamento de Laundos a Fão e a linha de Mindelo a Lousado tiveram parecer favorável no inquérito aberto nos termos do decreto de 6 de Outubro de 1898. Por esta primeira condição fica a região litoral muit bem servida, pois tendo duas linhas longitudinais: a do Minho e a do Pôrto à Póvoa, tambêm contará duas transversais - a da Póvoa-Famalicão e a de Mindelo-Lousado - ficando assim a ser a região do país mais favorecida por linhas férreas. Desaparece o inconveniente At inclusão do caminho de ferro de 1 metro da Trofa a Lousado, o que é vantajoso para a linha do Minho.
Pela segunda condição obtêm a linha do Pôrto à Povos e Famalicão um melhoramento importante. Uma das primeiras construídas em Portugal, ressente-se a exploração actual, não tanto da bitola reduzida, mas principalmente das locomotivas e material avelhado, dos engates sem mo Ias, e da falta daquela segurança na via que não permite comboios de passageiros pesados e rápidos.
3.° A Companhia da Póvoa explora desde 1893 o ramal de Leixões à Senhora da Hora, em ligação logo com o Pôrto (4 quilómetros).
O movimento de passageiros em todo o caminho de ferro da Póvoa foi em média de 325:000 no quinquénio anterior a 1894 e neste ano elevou-se a 375:000, para em 1899 subir a 557:000 e em 1908 atingir 883:000.
O movimento de mercadorias de pequena velocidade tonelagem, que fora no referido quinquénio de 18:000 toneladas anuais, elevou-se em 1894 a 24:000, cinco anos depois a 35:200, e em 1908 a 80:140 toneladas, graça principalmente à exportação de toros de pinho que avivou o movimento do troço Póvoa-Famalicão e ao aumento do comércio com Leixões.
Isto mostra que a linha do Pôrto-Póvoa-Famalicão, que foi construída sem pedir nada ao Estado, tem no ramal e pôrto de Leixões um elemento indispensável de vida que não pode ser cerceado sem lhe causar enorme diferença.
Merece, porem, um pouco mais de reflexão ôste ponto:
a) O pôrto de Leixões não dispensa a ligação directa da linha da Póvoa e de todo o sistema de metro;
b) Esta ligação não dá prejuízo, antes pelo contrário, à linha do Minho;
c) Não pode ficar por mais tempo protelado o acabamento do pôrto de Leixões. Cada vez é mais difícil entrar no Douro, e vergonhosa é a situação de ter construído um ante-pôrto por alguns milhares de contos de réis que só, como está, não serve de quási nada.
Matozinhos e a Senhora da Hora, que se tem desenvolvido muito, esperam somente que o caminho de ferro venha da bifurcação de Ermezinde, tanta gente à cidade, em busca de Leixões.
Mas devemos notar que ao ramal da Senhora da Hora se deve a máxima parte do tráfego que sai por Leixões, pois a linha da Póvoa é a serventia única e sem concorrência de toda a região litoral que do Pôrto se estendo até Esposende.
Não é razoável cortar a ligação com êle; porque se a linha não pode dispensar a ligação com Leixões, por ficar privada de exportar a madeira do pinhal da Esteia e Laundos, os vinhos verdes do litoral minhoto e os artigos da indústria de Pedras Rubras, Senhora da Hora e da parte noroeste do Pôrto, não menos prejudicado fica Leixões.
E não é razoável obrigar a construir outra ligação com Leixões da linha Pôrto-Póvoa, dada a existência e bons serviços da actual.
b) E infundado o receio de que as mercadorias da zona servida pelas linhas do Alto Minho e de Guimarães aproveitem estas para as relações com o pôrto de Leixões, de preferência à linha do Minho, depois de ligada com êle de Ermezinde, porque a via larga com menor percurso e tarifas mais baixas - dupla razão de preferência - será a seguida na maior parte dos casos, salvo quando a natureza da mercadoria torna a baldeação enorme e prejudicial. E neste caso prejudicável é, pelo interesse público, que ela não se dê.
Basta olhar para urna carta, em que estejam bem delineados os traçados, e vê-se logo que Monção, Viana, Braga, Famalicão, Guimarães e Lousado, em que o sistema de 1 metro corta ou só encontra com a via, larga, são outros tantos pontos de convergência de mercadorias, quer em busca dêles como centros consumidores, e, por isso, sem transporte na via larga (o que se realizará só para uma pequena fracção do tráfego total da linha de 1 metro), quer para buscar pela via larga outras cidades ou centros industriais e de consumo, o Pôrto, sobretudo, ou Leixões. Só o tráfego exclusivo da linha da Póvoa, mais o que naturalmente lhe é devido, e que já tem em parte da região até as imediações da Trofa, que vai ser servida pela linha de Mindelo a Lousado, continuará a ser dirigido para o Pôrto e para Leixões, como de há muito acontece, sem o mínimo prejuízo para a linha do Minho.
Não; o efeito da fusão e a rede de 1 metro a efectivar, só pode ser favorável ás linhas do Minho. É olhar para o claro que vai na carta, de Nine por Viana a Valença, para leste, sem uma linha férrea, considerar depois o traçado de Monção a Braga e Guimarães, com a linha do Vale do Lima e de Fafe a Lousado e Mindelo, e vê-se logo quanto não vai ser fecunda para a economia do centro do Minho a facilidade dos transportes que uma linha em tão boas condições técnicas vem trazer. E dessa vida nova colherá um belo quinhão a via larga, porque, tendo cada grupo de linhas a sua função e o seu trafego a dez - 1 metro de efectuar os transportes para os nós com a via larga e promover indirectamente o desenvolvimento agrícola e industrial da nossa região mais povoada; a via, larga de facultar o transporto rápido e económico dêsses pontos-nós ao pôrto de Leixões, aos grandes centros de consumo, sem prejudicar em nada, antes pelo contrário, a afluência crescente do tráfego da sua zona própria.
E assim temos como o porto de Leixões é indispensável para as duas linhas, testa natural de ambas, e como elas ambas para êle convergem, sem acção atribiliária no tráfego da região cruzada por elas.
De há muito que a zona noroeste do Pôrto utiliza, para o serviço de passageiros e mercadorias, a ligação Boa Vista-Leixões.
A linha de Ermezinde a Leixões não virá prejudicar aquela ligação, nem se dará o facto recíproco, porque cada uma tem a sua zona própria de influência.
Do Pôrto (S. Bento) há hoje para Matozinhos e Leixões as seguintes linhas:
1.ª Eléctrica marginal do Douro;
2.ª Eléctrica até Boa Vista e depois tramway a vapor;
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3.ª Eléctrica até Boa Vista e depois comboio Boa Vista-Leixões.
Pois todas elas vivem e tem farto movimento. Outras que venham terão tráfego, pois êle surge com elas nas zonas suburbanas, como é sabido.
A unidade de bitola dêste ramal com o resto do sistema é indispensável.
4.ª As linhas da Póvoa e Guimarães, com uma soma de 91 quilómetros, foram as únicas construídas com capitais exclusivamente portugueses e sem subsídio do Estado, e, por qualquer motivo, sem limitação do prazo de concessão, o qual nato pode ser considerado perpétuo, em virtude dos princípios do decreto de 31 de Dezembro de 1864.
O período de noventa anos, consignado neste projecto de lei, parece-nos razoável.
Nas circunstâncias actuais, supondo que êle é já aprovado por vós, isto é, que se conta o prazo desde 1912, temos:
[Ver tabela na imagem]
A média aritmética dá um período de 107 anos. Atendendo tambêm á extensão das linhas, a média baricêntríca dá 28:946:288 = 100 anos. Devemos notar que a linha do Pôrto-Póvoa-Famalicão que tem grande influência no valor do tempo médio, como aliás a de Guimarães, tem uma justificação em parte do prazo um pouco mais largo, por êle ter o aspecto de perpétuo no silêncio da concessão. Mas o excesso Insignificante alêm dos 99 anos para as duas é mais que cerceado pela redução a 90 anos do das linhas do Alto Minho e linha Mindelo-Lousado. Além de que ambas, e sobretudo a linha da Póvoa, tiveram uma vida precária por muitos anos; e a média dos prazos das linhas de Guimarães e da concessão do Alto Minho, como efectivadas já, dá apenas 98 anos e meio.
Parece-nos pois que por esta condição 4.ª fica bem regulada a situação das concessões da Póvoa e de Guimarães numa justa pesagem com a nova concessão do Alto Minho.
5.° E necessário e justo introduzir as restrições do artigo 5.°
6.° O contracto primitivo de 27 de Setembro de 1904 impunha o depósito definitivo de 24:000$000 réis; foi êle aumentado em 31 de Janeiro de 1907 em troca duma prorrogação de prazo, para 50:000$000 réis; mais do dobro. Parece-nos que não é necessário aumentá-lo agora mais para garantia dêste contracto.
7.° Define-se conforme o parecer de pessoas entendidas, que não é devida contribuição de registo na agremiação dos capitais, fusão de três entidades, o que não constitui uma transferência de valores.
8.° A letra do Código Comercial, na opinião da Procuradoria Geral da República, não permite a emissão de obrigações nas condições pedidas neste artigo. Êle, que é indispensável para a realização da empresa, tem todos os precedentes das outras companhias nacionais e de quási todas as estrangeiras a seu favor. Assim:
Companhias portuguesas
Capital em contos de réis
[Ver tabela na imagem]
O número primitivo de obrigações de Guimarães era maior.
Companhias francesas
Capital em milhões referido a 31 de Dezembro de 1904
[Ver tabela na imagem]
Em 31 de Dezembro de 1885 a proporção no conjunto das grandes companhias era de 1:6,6. Em 1904 era de 1:9,1 e hoje deve ser maior.
Esta concessão não vai de forma alguma tornar menos segura a situação dos obrigacionistas, porque todo o caminho de ferro construído - capital efectivado na empresa - e a garantia de juro são penhores mais valiosos que a realização prévia do capital acções, igual ao das obrigações.
Se as obrigações não tivessem garantia de juro e fossem em capital igual ao das acções, conforme a lei, se a empresa não der saldo na exploração, de nada serviriam aos obrigacionistas a imobilização das acções; ao passo que, garantido o juro às obrigações, recebiam êstes o seu coupon, ficando os accionistas sem dividendo, realizando-se então o objectivo do Código Comercial.
O número que arbitrámos dá margem folgada para quaisquer eventualidades alêm das previstas no projecto de estatutos apresentado com o requerimento de 28 de Junho de 1911 pelos concessionários ao Govêrno, o qual é 1: 6,4.
Como a maior parte das obrigações é destinada à construção de linhas que usufruem as vantagens da base 5.a da lei de 14 de Julho de 1899, parece justo generalizar a todo o capital da empresa o disposto na referida base.
É de esperar que passados os primeiros quatro anos seja eliminado o encargo para o Tesouro da garantia do juro. Recorrendo ao relatório da proposta de lei de garantia de juro de 30 de Janeiro de 1904, sabemos que não é preciso recorrer a cálculos mais ou menos falíveis do tráfego provável, baseados na população da zona tributária, população superior a 300:000 almas, como já foi ponderado, e que compreende a de centros tão importantes como Viana, Braga e Guimarães.
Basta comparar as linhas a construir com às do Minho, da Póvoa e de Guimarães.
O rendimento bruto quilométrico destas (excluindo os
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impostos), nos primeiros anos da sua exploração foi o seguinte:
[Ver tabela na imagem]
Ou em média 1:600$000 réis, que hoje é superior já a 2:700$000 réis. Não será inferior àquela média o rendimento inicial das novas linhas. A despesa inicial de exploração economicamente organizada não deve exceder réis 700$000 a 800$000, sendo portanto certo um rendimento líquido inicial de 800$000 réis.
A construção das linhas nas condições prescritas no decreto de 27 de Abril, isto é, em curvas de 75 metros de raio, pode ser levada a efeito sem obras de arte dispendiosas, podendo-se fixar no máximo de 20:000$000 réis o capital tomado para base da garantia de juro. Se for garantido aquele capital quilométrico com o juro de 5 por cento, igual ao que foi estipulado para a linha Torres-Figueira-Alfarelos, bastará limitar a 3 por cento o máximo adeantadamente constituído pela garantia, limite que naquela linha é de 2 por cento. Convêm notar que tendo sido de 1:200$000 réis a média do seu rendimento quilométrico nos primeiros tempos, bastaram quinze anos para que, o crescimento dele viesse a dispensar a garantia concedida, entrando agora no período do reembolso. Para definir claramente e limitar a responsabilidade assumida, pode-se fixar em 150 quilómetros a extensão garantida, proximamente igual à dos anteprojectos, á qual corresponderá o capital, de 3.000:000$000 réis, não podendo, pois, a garantia exceder o limite de 90:000$000 réis, ou 600$000 réis por quilómetro, para o que seria preciso que o rendimento líquido não excedesse 400$000 réis ou o rendimento bruto 1:100$000 réis.
A encontrar com a garantia recebe o Estado o produto dos impostos de trânsito e selo que excederá 15:000$000 réis, e o aumento de receita líquida nas linhas do Minho e Douro, proveniente do afluxo do tráfego das novas linhas, não inferior a 45:000$000 réis.
Na pior das hipóteses, assas improvável, o encargo será pois de 30:000$000 réis. E se a construção das linhas for gradual, deixando-se a do troço dos Arcos de Valdevez a Monção, a mais cara e menos rendosa, para quando esteja concluída a dos outros troços, o encargo dele proveniente sobrevirá apenas no momento em que se acham já êsses em plena exploração.
Para incitar a concorrência, algumas vantagens mais podem ser proporcionadas ao capital, consistindo nas isenções de impostos e outros auxílios proporcionados pela base 5.ª da lei de 14 de Julho de 1899.
São êstes números do relatório do decreto de 24 de Dezembro de 1903 relativos a ama época em que o desenvolvimento económico do pais estava muito atrasado. O rendimento bruto das linhas do Norte aumentou considerávelmente e de então até hoje; e se já se previa por êstes números de precisão incontestável que a empresa era de garantia de juro apenas nominal no desembolso do Tesouro, com mais razão hoje se pode considerar, não de qualquer ónus para o Estado, mas uma bela fonte de receita sem o mínimo dispêndio.
Estudos de engenheiros abalizados - Vasconcelos e Sá, Justino Teixeira e Xavier Cohen, demonstram que não só os rendimentos das linhas da rede de que se pretende a fusão garantem largamente o juro e a amortização das obrigações, como tambêm que a garantia do Estado não chegará a tornar-se efectiva, devendo até haver dividendo para os 900:000$000 réis de acções.
Estando assim prudentemente assegurado o rendimento inicial das novas linhas, que na máxima parte já estão proficientemente projectadas, parece-nos justa a faculdade de emissão nas bases que propomos.
9.° Concordamos tambêm que, sendo necessário regular as condições de resgate das linhas da Póvoa e Guimarães é boa a unificação de prazo, nos termos do artigo 29.° do primeiro contracto de 27 de Setembro de 1904, sendo o prazo nele fixado contado da data do contracto modificado de acordo com êste projecto de lei.
Em conclusão: somos de parecer que o Estado, visto ter uma zona de acção exclusiva no sul do País que lhe tomará por demais toda a actividade, deve utilizar as concessões feitas no Minho, num regime mixto, e facilitar a unificação do sistema regional remover quaisquer estorvos mediante concessões justificáveis, olhando principalmente para o interesse geral e o progresso económico da nossa província mais laboriosa e de tantas perspectivas de futuro industrial e agrícola, o que não deixa de concordar com a contribuição para a prosperidade maior da linha larga e para a valorização do pôrto de Leixões.
E como tambêm os elementos seguros da perspectiva financeira desta empresa de Caminhos de Ferro regionais mostram um encargo apenas nominal para o Tesouro na garantia do juro, e são atendíveis as outras condições das bases dêste projecto de lei, nós somos de parecer que êle deve ser aprovado sem demorar com a leve modificação introduzida, para evitar que se torne mais desconsoladora a corrente de emigração, e que se agravem mais as precárias circunstâncias dos trabalhadores do norte do país, que irão ter já aqui um belo campo de acção.
Sala das Sessões, 10 de Janeiro de 1912. = João Pereira Bastos = Jorge de Vasconcelos Nunes = Álvaro Pope = João Carlos Nunes da Palma = Ezequiel de Campos, relator = Joaquim José Cerqueira da Rocha.
Senhores. - A vossa comissão de finanças vem dar-vos o seu parecer sôbre o projecto de lei n.° 5-A, que se ocupa das "linhas do Alto Minho" ou, mais propriamente, "das alterações aos contractos de 27 de Setembro de 1904 e 4 de Março de 1907, celebrados para a construção e exploração dos caminhos de ferro de Braga a Guimarães, Braga a Monção e Viana do Castelo a Ponte da Barca e ainda "da fusão das Companhias do Pôrto à, Póvoa e Famalicão e a do Caminho de Ferro de Guimarães com a empresa concessionária das linhas acima mencionadas".
Não é da competência desta comissão o estudo do aspecto jurídico do. projecto n.° 5-A que será, sem dúvida, apreciado pela comissão competente.
A vossa comissão de obras públicas no seu parecer, que temos presente, ocupou-se dos aspectos técnico e económico do projecto, chegando à conclusão, que a vossa comissão de finanças perfilha, que é de utilidade geral a execução das obras de que o projecto n.° 5-A se ocupa.
À vossa comissão de finanças resta apenas dar o seu parecer sôbre o aspecto financeiro do projecto: é sua opinião que, dadas as condições actuais do nosso meio financeiro, deveis dar a vossa aprovação ao projecto n.° 5-A, contanto que dum modo iniludível fique consignado o princípio que, seja qual for a importância e número das obrigações que venham a ser emitidas, o Estado é únicamente obrigado ao pagamento da garantia do juro estipulado no contrato de 24 de Setembro de 1904, isto é, o Estado dispenderá o máximo de 90:000$000 réis anuais, ou seja a garantia de 600$000 réis por quilómetro numa extensão de 150 quilómetros, ainda que seja superior a êste número o comprimento da linha.
Por outro lado, por informações colhidas nas estações competentes, pode a vossa comissão de finanças informar-vos que as linhas do Alto Minho não vem prejudicar as linhas do Estado, antes determinarão um aumento do seu tráfego; pelos motivos expostos, entende a vossa comissão que deveis aprovar o projecto n.° 5-A.
Sala das Sessões da Comissão de Finanças, em 11 de Janeiro de 1912. = Inocêncio Camacho Rodrigues, rela-
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tor = José Barbosa = António Maria Malva do Vale = Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães = Tomé de Barros Queiroz = Álvaro de Castro = Joaquim José de Oliveira = Aquiles Gonçalves.
5-A
Senhores: - Devendo ser o progresso económico do país objecto dos nossos mais solícitos disvelos, importa dar vigoroso impulso, até onde o permitem os recursos do Estado, à viação acelerada, factor primacial da riqueza pública.
Se há regiões que, pela densa população, actividade laboriosa e possibilidade de atrair excursionismo, tenham jus a êsse melhoramento, é a província do Minho.
Circunstâncias assas conhecidas, que é ocioso relembrar, tem estorvado a pronta construção .as linhas de Braga a Guimarães, Braga a Monção e Viana à Ponte da Barca, concedidas por contracto de 27 de Setembro de 1904, que até agora não surtiu o desejado efeito.
Depois de duas transferências acha-se a concessão, ao presente, em mãos de empresa portuguesa, que, depois de elevar de 24 contos a 50 contos de réis o depósito de garantia, mandou elaborar, com esmero, os projectos das linhas, aguardando, porem, desde 1908 solução da questão posta acerca do traçado mais conveniente para a linha do Vale do Lima, conforme a proposta de lei apresentada pelo Govêrno em 25 de Julho daquele ano e aceite pela comissão respectiva da Câmara dos Deputados, em termos tais, porem, que os concessionários declararam não os poder aceitar, o que fez voltar o projecto à comissão.
A omissão, no contracto primitivo, de autorização explícita para a necessária emissão de obrigações, que tem na garantia de juro base segura e tangível, embora não prevista, na lei geral, como em relação a caminhos de ferro seria preciso, tornava indispensável uma providência legislativa.
Preparam entretanto os concessionários ás bases duma fusão da sua empresa com as companhias de caminhos de ferro do Pôrto à Póvoa e Famalicão e de Trofa a Guimarães e Fafe.
Foi, em princípio, admitida pelo Govêrno essa fusão por despacho de 22 de Julho de 1909, sob a cláusula de ser elevada de 0m,90 a 1 metro a largura da primeira daquelas linhas, de se fixar uma data única para termo de todas as concessões, algumas das quais tem duração indefinida e se poderiam supor perpétuas, se essa perpetuidade não fôsse de encontro aos princípios do decreto de 31 de Dezembro de 1864, que rege a parte do domínio público constituída pelos caminhos de ferro.
É de indispensável conveniência pública essa combinação, que unifica a exploração de perto de 300 quilómetros de linhas, constituindo um grupo homogéneo e define os direitos do Estado à reversão de todo o grupo em prazo determinado.
Tem sido norma geralmente seguida, mesmo no nosso país, dar o Estado justo auxílio às empresas concessionárias de caminhos de ferro, pelas revisões dos seus contractos, quando as circunstâncias o aconselham, quer a concessão resulte do concurso, quer tenha sido feita sem êle.
No parecer de 20 de Agosto de 1908, da comissão de obras públicas, se encontram reunidos numerosos exemplos dessa forma de proceder.
O natural retraimento do capital, perante os empreendimentos ferro-viários, ainda que quando de auspicioso futuro, aconselha a outorga de facilidades que, sem onerarem o Tesouro, amparam iniciativas e favorecem úteis combinações.
A êsse objectivo obedece a presente proposta de ei, que, alem de reproduzir, na essência, a de 25 de Julho de 1908, estabelece as condições para a fusão das empresas em termos equitativos que a facilitem.
Assim, é prevista não só a concessão, nos termos legais da linha de Lousado a Mindelo, que assegura continuidade do grupo e foi objecto do inquérito administrativo, nos termos do decreto de 6 de Outubro de 1898, como o alargamento da linha da Póvoa e a exploração do ramal da Senhora da Hora, que assegura as relações regionais com o pôrto de Leixões, trazendo-lhe valioso tráfego.
Para o termo de todas as concessões fixa-se uma data única, sendo a sua duração inferior à de noventa e nove anos usualmente estipulada.
Torna-se extensiva a todas as linhas a proibição de contractos particulares e o direito de resgate, que figuram no contracto das linhas do Alto Minho.
Definem-se os termos em que a necessária emissão de obrigações deverá ser feita com a base sólida da garantia de juro, não prevista na lei geral, e, em vista da sua aplicação, na maior parte à construção de linhas, usufruindo as vantagens da base 5.ª da lei de 14 de Julho de 1899, torna-se genérico o preceito da isenção prevista no n.° 8.° da mesma, para a conveniente uniformidade.
Define-se, o que para pessoas autorizadas é matéria assente, que não é devida a contribuição de registo na agremiação de capitais, que não constitui uma transferência de valores.
Ocioso será pois entrar em mais larga exposição de motivos que me levam a apresentar o seguinte
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° Os contractos de 27 de Setembro de 1904 e 4 de Março de 1907 para a construção e exploração dos Caminhos de ferro de Braga a Guimarães, Braga a Monção e Viana a Ponte da Barca serão modificados em harmonia com as prescrições das bases anexas à presente lei, que dela ficam fazendo parte integrante.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrário.
Base 1.ª
1.° O caminho de ferro do Vale do Lima seguirá a margem direita do Rio Lima em toda a sua extensão, desde Viana até o entroncamento na linha de Braga a Monção.
2.° A Empresa concessionária fica obrigada a construir uma ponte sôbre o Rio Lima em Lanheses para ligação da estrada das duas margens, logo que o rendimento líquido das linhas concedidas com garantia de juro atinja 7 por cento do capital garantido, assistindo â mesma o direito de cobrar as portagens previstas no contracto.
3.° Em nenhum dos troços das linhas a construir poderá ser excedido o limite do 25 milímetros nas inclinações.
4.° Os projectos dos troços de Lanheses a Ponte da Barca e dos Arcos a Monção serão apresentados no prazo dum ano a contar da data do novo contracto feito nos termos da presente lei.
5.° O prazo de sete anos previsto no contracto para a construção do troço dos Arcos a Monção é reduzido a cinco anos, contados da data da aprovação dos respectivos projectos;
Todos os outros troços serão construídos no prazo de três anos, contados da data do novo contracto celebrado nos termos da presente lei, para aquele cujos projectos estejam já aprovados, e da data da aprovação dos projectos para os restantes.
6.° A mesma empresa fica obrigada a estudar e promover desde já, quanto em si caiba, a criação duma estância em Santa Luzia, junto de Viana do Castelo, servida por ascensor e dotada com os atractivos e comodidades precisas para chamarem ali concorrência de excursionistas, devendo submeter à aprovação do Govêrno, no prazo dum ano a contar da data do novo contracto feito nos termos da
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presente lei, o respectivo projecto elaborado em harmonia com as indicações das estações oficiais competentes.
Base 2.ª
A fusão das companhias do Pôrto à Póvoa e Famalicão e do caminho de ferro de Guimarães com a empresa concessionária das linhas de Braga a Guimarães, Braga a Monção e Viana a Ponte da Barca, aceite em princípio por despacho ministerial de 22 de Julho de 1909, deverá ser sujeita ás seguintes condições:
1.ª Será construída e explorada, nos termos da base 5.a e 6.a da lei de 14 de Julho de 1899, uma linha férrea dum metro de largura de via de Lousado a Mindelo, com uma estação comum à linha do Minho em Louzado, sendo suprimido o troço comum a esta entre Lousado e Trofa.
2.ª A largura da via da linha do Pôrto á Póvoa e a Famalicão será elevada a um metro, procedendo-se à necessária modificação do material circulante.
3.ª A empresa ou companhia constituída pela fusão atrás indicada continuará a explorar por arrendamento, durante o prazo da concessão, o ramal da Senhora da Hora a Leixões, devendo ser unificada a largura da via com a das outras linhas, sem prejuízo do serviço privativo do pôrto de Leixões.
4.ª A concessão de todas as linhas concedidas à empresa ou companhia resultante da fusão, a saber:
Do Pôrto à Póvoa e Famalicão;
De Trofa a Guimarães e Fafe;
De Braga a Guimarães;
De Braga a Monção;
De Viana a Ponte da Barca;
De Lousado a Mindelo:
é feita pelo prazo de noventa anos, contados da data do novo contracto celebrado nos termos da presente lei.
Findo aquele prazo serão aplicáveis a todas as mencionadas linhas as cláusulas respectivas do contracto de 27 de Setembro de 1904.
5.ª São proibidos os contractos particulares de transporte em todas as linhas da concessão.
As tarifas e horários serão sujeitos ao exame da administração dos caminhos de ferro do Estado antes de serem submetidos á aprovação do Govêrno.
6.ª O depósito de 50:000$000 réis a que se refere o contracto de 31 de Janeiro de 1907 subsistirá para garantia do novo contracto.
7.ª Não é devida contribuição de registo pela fusão a que se refere a presente base.
8.ª Para a realização do plano aprovado na presente base é permitida à empresa ou companhia resultante da fusão a criação e emissão das obrigações necessárias, nominativas ou ao portador, ainda que a sua importância exceda a do capital social realizado, contanto que não ultrapasse a proporção de l de acções para 8 de obrigações. Essa emissão será feita nos termos dos estatutos da empresa ou companhia e mediante prévia autorização do Govêrno, ficando entendido que da emissão nenhumas responsabilidades advêm ao Estado, obrigado unicamente ao pagamento da garantia do juro estipulado no contracto de 27 Setembro de 1904. A essas obrigações, bem como às acções emitidas pela empresa ou companhia tambêm para a realização do plano aprovado na presente base, é aplicável o disposto na base 5.ª, n.° 6, da lei de 14 de Julho de 1899.
9.ª O direito de resgate por parte do Estado tornar se há extensivo a todas as linhas enumeradas na condição 4.ª desta base, nos termos do artigo 29.° do contracto de 27 de Setembro de 1904, sendo o prazo nele fixado contado da data do contracto modificado em harmonia com a presente lei.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 30 de Novembro de 1911. = Tito Augusto de Morais = Rodrigo Fontinha = Casimiro Rodrigues de Sá = Carlos Henriques Silva Maia Pinto = Inocêncio Ramos Pereira.
O Sr. Emídio Mendes (por parte da comissão de legislação civil e comercial): - Sr. Presidente: - pedi a palavra para apresentar uma questão provia:
Lendo o projecto, observo que êle tem, na base 8.ª, matéria que devia ter sido apreciada pela comissão de legislação civil e comercial.
Tenho que pôr, portanto, uma questão prévia, pois o projecto não pode ser discutido sem o parecer da referida omissão, visto conter disposições que alteram o que estatui o Código Comercial.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Rodrigo Pontinha: - Sr. Presidente: - eu não concordo com a opinião do Sr. Emídio Mendes.
O Sr. Emídio Mendes: - Não é a minha opinião: é a opinião da comissão de legislação civil.
O Orador: - Mas eu não concordo com essa opinião, pelo motivo de que se não trata, evidentemente, duma lei geral, que á comissão tivesse de estudar e sôbre a qual tivesse que dar o seu parecer; trata se, tam somente, dum contracto particular, entre o Govêrno e a empresa concessionária, contracto que, de mais a mais - não é novo; uma simples modificação ao contracto primitivo.
A adoptar-se a opinião da comissão de legislação civil, ião haveria projecto algum que não tivesse de ir a essa omissão!
S. Exa. não reviu.
O Sr. Emídio Mendes: - Sr. Presidente: - pedi a palavra, apenas, para responder ao Sr. Deputado Rodrigo Fontinha. Pode ser que, efectivamente, êste projecto envolva uma modificação do antigo contracto; mas por êsse simples facto não se segue que êle não tenha que ir á omissão de legislação civil.
E a favor da minha opinião, eu invoco a opinião da comissão de finanças que, no seu parecer, diz o seguinte:
"Não é da competência desta comissão o estudo do aspecto jurídico do projecto n.° 5-A, que será, sem dúvida, apreciado pela comissão competente".
Nestas condições peço a V. Exa. Sr. Presidente, que consulte a Câmara, sôbre se ela entende que o projecto vá ou não à comissão de legislação civil.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Francisco José Pereira: - Mando para a mesa o parecer da comissão de administração pública sôbre o projecto n.° 30-I.
O Sr. Germano Martins: - Sr. Presidente:-como há divergências de opinião sôbre se êste projecto deve ou não ir â comissão de legislação civil, parece-me que se poderia resolver a questão, propondo V. Exa. que o projecto vá a essa comissão e que ela reúna hoje mesmo, para hoje mesmo dar o seu parecer.
O Sr. Presidente: - Em vista das explicações trocadas, parece-me escusado consultar a Câmara.
E se a comissão de legislação civil der o seu parecer a tempo, ainda hoje o projecto pode voltar á discussão.
Os Srs. Deputados que aprovam que a comissão de legislação civil funcione imediatamente, para dar o seu parecer a fim de que o projecto ainda se possa discutir hoje, tenham a bondade de se levantar.
Foi autorizado.
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O Sr. Pereira Cabral (para um negócio urgente): - Pedi a palavra para apresentar um projecto de lei. Peço a urgência e a dispensa do Regimento, visto tratar-se dum assunto urgente.
O projecto é o seguinte:
Projecto de lei
Artigo 1.° São equiparadas às mercadorias de produção e indústria do continente e ilhas adjacentes, para os efeitos do regime especial estabelecido no n.° 1.° do § 1.° do artigo 1.° das instruções preliminares das pautas de Moçambique, de 29 de Dezembro de 1892, as mercadorias produzidas em outras, províncias ultramarinas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. = António Augusto Pereira Cabral.
Foi lido na mesa.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que entendem que êste projecto é urgente, tenham a bondade de se levantar.
Foi considerado urgente.
O Sr. Américo Olavo: - Requeiro a contraprova.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Ninguém sabe do que se trata!
O Sr. Germano Martins: - Como se citam diferentes artigos de lei, parecia-me r conveniente que a Câmara conhecesse êsses artigos. É possível que o assunto seja de toda a importância; mas era conveniente que se conhecessem êsses artigos.
Leu-se, de novo, o projecto.
Consultada, novamente, a Câmara sôbre a urgência, foi esta aprovada.
O Sr. José Barbosa: - Sr. Presidente: diante de um telegrama vindo de Cabo Verde, dizendo que os esforços que ali se estão fazendo pára levantar uma indústria que foi muito florescente naquela província, a indústria do sal, encontravam numa das nossas colónias embaraços insuperáveis que vem a ser os seguintes: que os géneros exportados das nossas colónias para a província de Moçambique tem ali o tratamento da pauta A, o tratamento aplicado aos géneros estrangeiros, o que faz com que o sal chegado ali pague 250 réis por decalitro, isto é, muito mais do que o seu valor, representando um verdadeiro imposto proibitivo que impede absolutamente êsse comércio. A empresa que, neste momento na Ilha do Sal, província de Cabo Verde, empregou grandes capitais para levantar essa indústria, procura naturalmente mercados para ela, nas nossas colónias e calcula que tem nas outras colónias o mesmo tratamento que tem os produtos em Moçambique. Ainda há pouco, houve ocasião de se importar em Cabo Verde muito milho da província de Moçambique, que foi recebido não só pela ocasião, mas em virtude da pauta de Cabo Verde, em condições favoráveis.
O que é para estranhar é que um produto de Cabo Verde, chegado a Moçambique, seja tratado com um direito como êste. Em 1892, quando se fez esta pauta, estava inteiramente morta a indústria do sal em Cabo Verde. Foi por isso que na pauta de 1892 se introduziu, esta disposição.
E indispensável que o sal, em outras colónias, tenha o tratamento do sal nacional, ao passo que, com a tabela em vigor, o sal não poderá entrar em Moçambique por motivo dos direitos proibitivos. É um mercado que fica completamente excluído para o sal. Está no ânimo da Câmara fomentar o comércio entre as colónias. Não podemos considerar as colónias separadas do resto da Nação.
Se, porventura, o Sr. Ministro das Colónias entender que deve adoptar uma medida geral, como está no projecto do Sr. Pereira Cabral, S. Exa. o dirá. Se, porventura, entender que essa medida exige maior estudo, então atenda S. Exa., pelo menos, à indústria do sal, que se está criando e que tem feito todos os esforços para coloca-se em toda a costa de África. A empresa, que lá está, tem feito grandes sacrifícios para levantar essa indústria, que foi noutros tempos uma grande riqueza da província de Cabo Verde.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Freitas Ribeiro): - Desconheço, em absoluto, o assunto, de que se trata, e só há pouco soube estar um vapor em Inhambane carregado de sal, mas que não pode descarregá-lo por causa dos direitos.
Já nomeei uma comissão para estudar as alterações a fazer nas pautas ultramarinas, mas só quando essa comissão apresentar o resultado dos seus trabalhos, é que poderei trazer à Câmara uma proposta para alterar as pautas.
Relativamente ao facto em si nada sei, aliás teria já providenciado. Se é verdade que em Inhambane está um navio carregado de sal, entendo que é urgente que a Câmara dê o seu voto ao projecto, para que êsse sal não esteja tanto tempo por desembarcar.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Álvaro Poppe: - Sr. Presidente: pedi a palavra para protestar contra a forma como se quere apresentar a esta casa do Parlamento um projecto de lei que eu desconheço, por completo, e se pretende fazer votar de1 afogadilho.
O projecto envolve uma modificação na pauta, e a Câmara não pode consentir que um projecto desta natureza seja votado sem ir, à respectiva comissão e sem os Deputados terem dele pleno conhecimento.
Ainda há pouco a Câmara obrigou o projecto de lei n.° 44 a ir a uma nova comissão, apesar de já ter o parecer de duas comissões, e não me parece que seja grande coerência não se seguir êste preceito regimental para o projecto agora apresentado.
Não é pela simples razão de um Deputado vir pressurosamente com a legislação na mão mostrar a parte que se pretende modificar à pauta que a Câmara pode ter suficiente conhecimento da necessidade urgente do projecto.
Protesto, pois, com toda a veemência, contra a maneira como se pretende fazer votar êste projecto.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: para entrar na discussão dêste projecto eu carecia de conhecer, de perto, o assunto e necessitava ainda de elementos indispensáveis para o poder fazer.
Precisava, por exemplo, de saber, em primeiro lugar, qual a produção da província de Moçambique em sal; segundo, se importa ou não sal e donde, etc.
Alem disso não me parece que a empresa tenha procedido com critério e inteligência porque, como já se afiançou, esta Câmara desconhece o tratamento que ia experimentar o sal que envia para Moçambique.
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É estranho que se carregue um navio de sal e se mande para a província de Moçambique, sem se saber mais nada. Isto dá ideia do pouco critério da administração dessa empresa.
O Sr. José Barbosa: - Declaro a V. Exa., Sr. Presidente, e á Câmara que não estou de acordo com as considerações do Sr. Deputado Paiva Gomes. Eu não conheço a empresa, nem quero conhecer. Entretanto, todos sabem que o interesse vital da província, isto e, o seu maior interêsse, reside no levantamento da antiga indústria do sal. E a modificação na pauta é tam simples que eu suponho que o Govêrno, de per si, podia resolver a questão, sabendo amanhã ou hoje mesmo qual a origem do sal importado de Moçambique, E assim se ficaria sabendo com certeza se o sal não vem do estrangeiro, e se entra em Moçambique sal sujeito a altíssima e antiga tarifo, que é a primitiva.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: escusado será dizer que eu não posso ter nenhuma dúvida sôbre a pureza de honestidade dum projecto apresentado a esta Câmara, seja quem for o seu apresentante.
Não se trata disso. Trata-se duma praxe que muito pouco se respeita e que grandes inconvenientes tem. As considerações que acaba de fazer o meu particular amigo Sr. José Barbosa são de todo o ponto justificadas; o que elas, a meu ver, não justificam é a urgência de votar êste projecto. O que eu desejaria era que isto não tivesse o ar de ser uma cousa particular, que entrasse na lei geral. E o caso dos caminhos de ferro do Alto Minho, em que se vem pedir para um caso particularíssimo a derrogação da lei geral. Eu queria que não se fizesse isso; aí é que está a questão de moralidade; é em actos dêstes.
De modo que me parecia, quanto mais não fôsse, que êste projecto de lei deveria ser remetido às comissões, e elas, reconhecendo a sua urgência, terem tambêm urgência em dar o seu parecer. Assim nós procederiamos de maneira a não manifestar nenhuma má vontade, nem contra os interesses de Moçambique, que precisa do sal barato, nem contra os de Cabo Verde, que precisa ter aquele mercado, mas em harmonia com as boas disposições do nosso Regimento e duma forma que mostre a lisura e a sinceridade das nossas deliberações. Unicamente para salvar aparências, e não porque haja no meu espirito qualquer dúvida contra o projecto, parecia-me que êste devia ser enviado às comissões e depois então, sôbre o parecer dessas comissões, tomarmos qualquer deliberação.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente: - A Câmara tomou uma deliberação. Há, porem, agora a opinião dalguns Srs. Deputados de que o projecto deve ir às comissões. Pedia a algum dêsses Srs. Deputados o favor, visto a câmara ter tomado uma resolução, de mandar uma proposta nesse sentido para eu a submeter à consideração da Câmara.
O Sr. Brito Camacho: - Mando para a mesa a seguinte
Moção
A Câmara, reconhecendo que não é urgente deliberar sôbre o projecto de lei em discussão, resolve que êle vá às respectivas comissões, e continua na ordem do dia = Brito Camacho.
Lida na mesa, foi admitida e aprovada sem discussão.
Continuação da discussão, na generalidade, do projecto de lei relativo à contribuição predial
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão do projecto sôbre contribuição predial. Tem a palavra o Sr. Barros Queiroz.
O Sr. Barros Queiroz: - Sr. Presidente: - mais algumas considerações acerca do projecto. em discussão, e das acusações que a êle foram feitas pelos oradores que me precederam; mas, antes de fazer essas considerações, eu quero prestar a minha homenagem aos Srs. Deputados Jorge Nunes e Jacinto Nunes, pela maneira correcta, liai e digna como encararam a questão. (Apoiados).
Podemos sempre discordar da opinião das outras pessoas, mas temos o dever de reconhecer nelas a intenção com que o fazem, e a intenção dos Srs. Jacinto e Jorge Nunes combatendo êste projecto, e fazer vingar uma lei que, no seu modo de entender, seja mais perfeita do que esta.
Ainda outra declaração prévia: o facto de eu defender, com todos os recursos de que disponho, um sistema tributário que inclua a taxa progressiva e a cotidade, não significa, de modo algum, o meu desejo de atentar contra a propriedade individual. E preciso que isso fique assente.
Eu entendo que cada um deve pagar não só na razão daquilo que possui, mas mais alguma cousa, na razão das suas faculdades. Isto não é, de modo algum, o socialismo integral, a socialização da propriedade; o que eu pretendo é que aqueles que durante todo o regime constitucional gozaram do benefício e do favor do Estado, deixem de gozar dêsse favor e dêsse benefício dentro da República; o que se pretende, é estabelecer uma lei de equidade, de justiça para todos, (Apoiados).
Feita esta declaração prévia, vou entrar na apreciação propriamente dos pontos especiais do projecto.
Eu disse já que as isenções não eram uma novidade entre nós, porque na contribuição industrial essas isenções existiam no tempo da monarquia, e ate. mesmo na contribuição predial existia a isenção para os contribuintes que tivessem colecta inferior a 100 réis. Demonstrei que as isenções não eram apanágio do nosso país, por isso que já existiam em quási todos os outros países. Mas não quero insistir neste ponto.
Um dos pontos importantes do projecto é a declaração; e aquele que mais dificuldades levantou e há-de levantar no país. Entretanto, não e isso uma novidade.
A declaração era obrigatória para o contribuinte da contribuição industrial, embora se faça só em terras de primeira classe. Outro tanto sucede em quási todos os países do mundo. Assim, na Inglaterra, a declaração é absolutamente obrigatória para todos os proprietários. Na Alemanha e absolutamente obrigatória essa declaração para todas as pessoas que possuam mais de três mil marcos de rendimento, e é castigado todo aquele que não fizer a primeira declaração com a perda dos direitos de reclamação contra a tributação que lhe fixar a respectiva comissão; mas pela reincidência é condenado em 25 por cento sôbre as suas colectas. Pois, no nosso país, a cominação que a lei de 4 de Maio impõe-nos refractários, é a perda do direito de reclamar durante três anos. Aquele que faz a declaração e paga ao Estado o que deve pela sua propriedade, não é roubado nem comete uma iniquidade. Quem a comete é o que defrauda o Estado, e, contra os fraudulentos, há o Código Penal.
Tenho ouvido dizer que isto é um prémio àqueles que não fizeram as declarações ao Estado.
Desde que seja um proprietário honesto, não pode dizer senão qual o valor real da propriedade que possui. O facto de pagar mais do que aquele que intencionalmente
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declarou rendimento inferior á verdade, não é um prejuízo. Quem cumpre o seu dever não se julga castigado, porque, se todos pensassem assim, não havia homens de bem.
Evidentemente que não há castigo algum para o proprietário que cumpra o seu dever; castigo, moral pelo menos, sofrem todos aqueles que habilidosamente se furtam ao cumprimento das suas obrigações morais ou materiais. Se assim não fôsse, se os homens honestos não tivessem a satisfação moral das suas qualidades a humanidade seria uma cousa incrível. Levantou-se uma enorme celeuma em volta da declaração; mas a lei de 4 de Maio não exige duma maneira absoluta essa declaração, porque na falta dela manda proceder à avaliação da propriedade. Na Allemanha não se procede assim, a declaração faz-se juntamente com a avaliação.
Eu entendo que faz bem, porque não é privilégio de Portugal, não é apanágio da raça portuguesa tentar defraudar o Estado; isto é universal, é dos povos, é dos homens.
As declarações devem manter-se na lei, porque elas constituem um princípio de moralidade; e é por elas que o Estado pode conhecer quais os proprietários que honestamente cumprem o seu dever para com êle, e saber quem são, em cada concelho, os proprietários em que se pode confiar absolutamente, não só como contribuintes, mas para o desempenho de actos públicos da vida do concelho.
Mas é conveniente manter na lei o princípio da avaliação para, por meio dela, conhecer aqueles que, menos honestamente, cumprem os seus deveres para com a Fazenda.
Com referência ao ponto essencial da cotidade, sistema com o qual não concorda o Sr. Jorge Nunes, julgo necessário dar algumas explicações.
O sistema de tributação por repartição é ainda uma reminiscência das conquistas. Era aquele que usaram os povos bárbaros - era aquele que usaram os povos do norte, quando conquistaram a península ibérica; era o sistema" que usaram os romanos, quando conquistavam qualquer parte do mundo; lançando o tributo para que o povo o repartisse entre si; e o sistema seguido em Marrocos; que se pratica na Espanha e se usa na Turquia. Êste sistema não pode, decentemente, ninguêm defendê-lo, porque êle não é defensável, ainda nos pontos em que as pessoas de boa fé como os Srs. Deputados Jacinto e Jorge Nunes, como, aliás, economistas distintíssimos como o Sr. Anselmo de Andrade, o defendem. Se o fazem, é na suposição, ou melhor, na certeza de que as matrizes estão muito longe da verdade e fazem grandes diferenças de distrito para distrito, de concelho para concelho. Segundo o seu modo de ver, a repartição de contingentes serviria para corrigir os erros, ou fraudes das matrizes.
Dentro da própria execução da lei de 80, se encontra a resposta. Parece que na divisão inicial a fazer-se - visto que na repartição devia haver sempre em vista corrigir os erros da avaliação da propriedade - a maior distribuição e, por consequência, a maior percentagem, seria lançada sôbre o distrito onde as propriedades estivessem menos valorizadas. Tem-se, porêm, praticado absolutamente o contrário. Justamente onda as propriedades estão melhor classificadas e se aproximam rnais da verdade, é aí que a taxa é maior, porque o contingente repartido pela Direcção Geral dos Impostos é maior tambêm, e onde os rendimentos inscritos nas matrizes estão mais longe da verdade; é aí que o contingente repartido é menor e por consequência ar taxa da distribuição tambêm menor.
Que prejuízo há que no sistema da cotidade seja uniforme a taxa em todo o país?
A avaliação não é feita por uma bitola, é, sim, feita pelo valor que tem no próprio local. Se a avaliação da propriedade fôsse feita por quilómetro, por hectare, ou por uma bitola geral, então sim, que haveria prejuízo para os proprietários das regiões menos valorizadas, mas o facto não se dá!
Isso seria um êrro, porque a propriedade, num determinado ponto, rende 5 por cento e noutro ponto rende apenas 1 por cento. Mas desde que a avaliação da propriedade é feita, apenas, dentro da própria freguezia ou, quando muito, do próprio concelho que inconveniente há em que a taxa seja uniforme para todo o país? Evidentemente que não há inconveniente algum. E essa a forma do contribuinte saber o que paga e o que deve pagar.
Resta-me ainda, Sr. Presidente, tocar num outro ponto : a progressão. Combatem-na muito, não são só os Srs. Jorge Nunes e Jacinto Nunes, são todos os grandes proprietários do mundo. Todos êles combatem êste sistema, porque dizem que a taxa, alem dum certo limite, é uma extorsão. Eu declaro que partidário, como sou, do sistema da progressão, à outrance, tambêm não sou de opinião de que essa progressão seja um atentado contra a propriedade de cada um, mas aquilo que êste projecto pretende executar é apenas um pálido reflexo do que pode ser a progressão, pois que ela se eleva apenas a 5 por cento, alem da taxa média, o que quere dizer que é uma insignificância, dado o rendimento da nossa propriedade.
Mas poderia supor-se que isto seria uma inovação para Portugal e que, só aqui, é que vinha experimentar-se os efeitos dessa lei. Ora isso não é verdade.
Já demonstrei ontem que na Inglaterra existe, não só a taxa progressiva, mas até a degressiva, posto que a lei não a consigne, ou melhor, posto que a lei a consigne, debaixo duma outra forma. Eu expliquei que nos rendimentos entre 160 e 700 libras, os contribuintes gozavam dum desconto, não na taxa, mas no rendimento colectável; de forma que isto representava, de facto, redução na taxa, por vezes, a menos de metade.
Demonstrei que, a partir de 5:000 libras, o contribuinte pagava o super-tax igual a 2 1/2 por cento, que não incide sôbre as 5:000 libras, mas a partir de 3:000; que quem tinha 4:000 libras o não suportava, mas que quem tivesse 5:000 já o suportava, a partir de 3:000. Isto representa, por consequência, uma progressão de tal modo que no orçamento do corrente ano, em que a taxa é de 5,83 por cento, o sistema progressivo atinge quási 8,33 por cento.
Mas não é só na Inglaterra que o sistema progressivo existe, é tambêm na Prússia, onde existe, não a contribuição predial e a industrial, como nós a lançamos, mas o imposto de rendimento global, isto ó, o imposto em que cada um dos seus cidadãos, com um rendimento global superior a 3.000 marcos, é obrigado a fazer uma declaração, na qual designe qual o verdadeiro rendimento das suas propriedades, o rendimento dos seus títulos, das suas acções de companhias, emfim, de qualquer rendimento, em geral. E assim, são lançadas taxas, não iguais para todos os cidadãos, mas proporcionais aos rendimentos de cada um.
Como já tive a honra de dizer a V. Exas., a isenção na. Prússia é até 900 marcos.
A tributação não é feita, neste país, como em Portugal e na Inglaterra, tantos por cento sôbre a matéria tributável; ali o processo usado é outro. Pagam-se tantos marcos, por cada tantos marcos de rendimento.
Quem tiver o rendimento global entre 900 e 1:050 marcos, paga 6 marcos; quem tiver de 1:050 a 1:200, paga. 9 marcos; de 1:200 a 1:350, paga 12; mas de 1:350 a, 1500, paga l6. Quem receba de 8:500 a 9:000 marcos, paga 252 marcos; de 9:000 a 9:500, paga 276, e de 9:500 a 10:500, paga 300 mancos. Assim verifica-se que se a tributação fôsse feita em percentagens, como é entre nós, êstes valores corresponderiam a taxas, médias, de 0,61, 0,799, 0,94, 1,12, 2,88, 2,98 e de 3 por cento.
A partir de 10:500 marcos e até 30:500, o sistema adop-
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tado é outro. E lançada a cota fixa de 300 marcos para os primeiros 10:500 marcos, e por cada mil marcos, ou fracção desta importância, acima de 10:500, lançam-se mais 30 marcos.
A partir de 30:500 marcos, o sistema e outro. Pelos primeiros 30:500; lançam se 900 marcos; pelos primeiros 1:500 marcos, alem daquela importância, lançam se 60 marcos e a partir de 32:000, até 77:680 marcos, paga-se a taxa correspondente aos 32:000, ou sejam 960 marcos, e pelo excesso, 80 marcos por cada 2:000, ou fracção.
De 77:680 marcos, até 100:000, paga a taxa correspondente aos primeiros 77:680 e mais 100 marcos por cada 2:000.
A partir de 100:000 e até 10:500, paga 4:000 marcos. Por cada 5:000 marcos ou fracção acima desta quantia, paga se 200 marcos.
Assim verifica-se que os sistemas degressivo e progressivo existem de facto na Prússia.
Para os rendimentos entre 9:500 e 10:500 marcos, a taxa média 6 de 3 por cento. Para os rendimentos inferiores, até 900 marcos, a taxa vem diminuindo, 2,98, até 0,61 por cento. E a degressão tão nitidamente acentuada como aquela que consigna o projecto em discussão.
A partir dos rendimentos globais, de 10:500 marcos ata 30:500, pagam-se 30 marcos por cada 1:000 marcos de rendimento; mas desta importância até 77:680, pagara-se 40 marcos por 1:000 de rendimento. De 77:680 até 100:000, pagam-se 50 marcos por cada 1:000 de renda. De 100:000 para cirna, pagam-se 200 por cada 5:000, ou fracção.
Há positivamente uma progressão: 3, 4 e 5 por cento.
Sr. Presidente: demonstrei, não com eloquência porque a não possuo, mas com os factos, que são ainda a melhor das eloqúências, que na monárquica e conservadora Inglaterra, como na cezarista e imperial Prússia se adoptam sistemas tributários com declarações obrigatórias, taxas degressivas e progressivas, cotidade, avaliações directas e isenções para os pequenos rendimentos. Isto é: o que constitui uma aspiração na República Portuguesa, é um facto consumado nesses dois países.
O sistema de tributação na Prusaia, sôbre o rendimento global, fixa taxas que vão de 0,61 até 4 por cento.
Parecerá á Câmara que a taxa de 4 por cento sôbre a propriedade seria o ideal comparado com a nossa que deve ser, logo que esteja feita a revisão das matrizes, de 10 por cento, mas que no primeiro, e talvez no segundo ano, tenha necessidade de ser de 12 ou 13 por cento.
Mas os processos de tributação são vários nos diferentes países da Europa, e é preciso ter em couta que alguns Estados tem tributações especiais como sucede na Prússia.
A Prússia tem alêm do imposto sôbre o rendimento global, impostos especiaes, sôbre minas, sôbre monopólios, sôbre as indústrias, e ainda outros. A tributação directa, por meio do Einkommenstener, sistema que atinge todos os rendimentos do cidadão, tem, de Cacto, taxas pouco elevadas, mas e preciso não esquecer que êste país tem receitas provenientes doutros impostos, e doutras origens, que se elevam a 3:600 milhões de marcos, ao passo que os impostos directos apenas produzem 404 milhões; quero dizer: os impostos directos apenas produzem a décima parte das receitas do Estado. Emquanto os impostos directos produzem 1/10, as outras receitas produzem 9/10.
A Itália tem o imposto sôbre a riqueza mobiliária, como lhe chamam, cujas taxas vão de 7,5 a 20 por cento. De modo que os Srs. Deputados Jorge Nunes e Jacinto Nunes, que se admiraram com a taxa de 13 por cento sôbre a propriedade, tem aqui um exemplo a ponderar, dando-se ainda a circunstância que essa taxa de 13 por conto tem de ser considerada de modo que quando dizemos que a taxa é de 10 por cento não e, é de 7,5 por cento; quando dizemos que a taxa é de 13 não é, é de 9,75 por cento; quando dizemos que a taxa é de 18 porcento não é, é de 13,5 por cento. Isto pela mais simples das razoes: é que a incidência do imposto não é sôbre o rendimento liquido da propriedade, mas sim sôbre 75 por cento dêste rendimento, visto que a lei permite que os proprietários se enganem em 25 por cento, e nenhum deixará de se enganar.
Resta-me tratar doutro ponto, tambêm importante, da lei de 4 de Maio de 1911: a fixação da taxa. O sistema adoptado pela lei é racional e justo.
A lei de 1899, regulada em 1903, estabelece a taxa fixa de 10 por cento sôbre o rendimento colectável da propriedade urbana. () Ministro nunca tem a certeza da importância que há-de receber, porque isso depende da importância que se inscrever na matriz.
Pelo novo processo não sucede assim. O Ministro, quando elabora o orçamento, calcula a importância precisa; como sabe qual é a importância colectável das matrizes, limita-se a dividir o rendimento pela importância inscrita no orçamento o obtém a taxa, com a certeza de que a cobrança se efectua, o que não sucede hoje.
É êste o processo adoptado pela Income-tax. A fixação da taxa é votada pelo Parlamento conforme com as necessidades do Tesouro.
Vem a propósito dizer que a taxa do Income-tax tem sofrido grandes alterações, conforme as necessidades do Estado.
Em 1798 foi, como já disse, de 10 por conto. Quando foi restabelecido em 1842, a taxa fixada foi de 2,91 por cento.
Em 1855-1856, foi de 6,66 por cento; em 1874-1875, foi de 0,83 por cento; em 1898-1899, foi de 3,33 por cento; em 1902-1903, foi de 6,25; em 1904-1905, foi de 5 por cento; de 1909 até hoje, 5,83 por cento.
Isto tem uma grande importância. A actual lei de contribuição predial tem um grande inconveniente, porque não deixa conhecer o valor real, ao passo que a taxa, sendo fixada pelo Parlamento, é sempre proporcional ao rendimento colectável.
Mas ainda a taxa estabelecida por êste processo tem outras conveniências.
A taxa estabelecida por ocasião da discussão do Orçamento produz largos benefícios para o contribuinte e para o Estado.
Quando o Estado precisar, em virtude de guerra ou epidemia, ou outro qualquer motivo, que a contribuição renda mais 200 ou 500 contos de réis, não carece de lei especial para fazer a tributação. O Parlamento fixa a taxa necessária para êsse fim.
É por êste processo que a Inglaterra tem procedido sempre, e assim ela de ano para ano varia a taxa sôbre o rendimento.
Mas há ainda algumas considerações a fazer a propósito do rendimento inscrito na matriz, posto que ninguêm nesta casa esteja convencido que o rendimento corresponde à verdade dos factos.
Sabe a Câmara qual é a média do rendimento da contribuição predial por quilómetro quadrado de território?
Vou indicar-lho para poder fazer a comparação:
A contribuição predial rústica e urbana em Portugal deve produzir, segundo o Orçamento para 1911-1912, 63$311 réis por quilómetro quadrado, ao passo que na Espanha produz 69$258 réis, na França 69$620 réis, na Itália 114$211 réis, na Holanda 171$250 réis, na Bélgica 179$077 réis e na Inglaterra 287$380 réis.
Se Portugal cobrasse da contribuição predial uma importância equivalente â que cobram os vários países, por quilómetro quadrado, esta contribuição renderia para o Estado o seguinte:
Se fôsse igual à que a Espanha cobra, renderia 6:371 contos de réis; igual à da França produziria 6:405 contos de réis, igual á da Itália renderia 10:507 contos de réis; igual à da Holanda produziria 15:755 contos do réis;
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igual à da Bélgica renderia 16:475 contos de réis; e, finalmente, igual à da Inglaterra produziria 26:438 contos de réis.
Com relação ao produto da contribuição predial por habitante, os factos não são iguais aos do produto por quilómetro, mas não deixam de ser sugestivos.
O rendimento colectável inscrito nas matrizes é muito baixo, devendo subir muito para as propriedades rústicas.
O decreto de 4 de Maio não vai agravar o contribuinte; simplesmente vai pedir-lhe o que êle deve pagar.
Como não desejo fatigar mais a atenção da Câmara vou dar por findas aã minhas considerações.
É claro que o decreto de 4 de Maio, fora dos pontos essenciais, tem cousas .que não são absolutamente impecáveis, mas deve merecer a aprovação do Parlamento com as emendas que o possam beneficiar.
O projecto, na essência, é moral e vantajoso para as finanças do Estado e absolutamente vantajoso para a economia do nosso país.
A Câmara, votando o projecto ou outro que assente sôbre bases análogas a este, pratica um acto de justiça e de moralidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O Sr. Aquiles Gonçalves: - O decreto de 4 de Maio é, de todas as leis que o Govêrno Provisório publicou, a que encontrou maiores dificuldades na sua aplicação.
Impunha-se ao Govêrno Provisório fazer essa lei, porque a organização das matrizes era péssima, e era preciso modificar o sistema tributário, tendo-se em vista uma administração honesta e inteligente, como reclamavam os republicanos.
Os boletins estabelecidos pela lei encontraram da parte dos proprietários uma enorme reacção, devido à maneira como foram organizados, ao procedimento dos escrivães de fazenda e à educação de todos.
Os escrivães de fazenda, em vez de dizerem honestamente aos proprietários que a lei aliviava os medianos proprietários, e sobrecarregava os grandes, ao pedirem-lhe as informações para o preenchimento dêsses boletins, respondiam que era uma trapalhada que ninguêm entendia, e que fizessem como entendessem.
Os pequenos proprietários vinham dizer isso aos grandes, que se riam. O outro motivo é a nossa educação,, que nos leva a pedir tudo ao Estado, entendendo que não lhe devemos dar nada.
É preciso procurar organizar as matrizes, que estão cheias de erros, como provou o Sr. Tomé de Barros Queiroz.
O Govêrno Provisório foi humano no seu decreto, pois isentou de contribuição os edifícios destinados a hospitais onde se dê protecção à infância desvalida e aos velhos.
Estabelece tambêm uma isenção que há-de ser origem de enorme fonte de riqueza. É que isenta os terrenos que forem aplicados à cultura florestal.
A Serra da Estrela, que na sua quási totalidade está escalvada de cultura florestal, há-de beneficiar muito com essa isenção de contribuição predial.
Precisamos tambêm aproveitar as correntes de água dessa serra para fornecimento de fôrça motriz. É lamentável que, havendo tantas quedas de água, se empregue o vapor.
O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado se deseja concluir as suas considerações ou ficar com a palavra reservada.
O Orador: - Ficará com a palavra reservada.
O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer da comissão de legislação civil sôbre o projecto de lei n.° 44, relativo aos caminhos de ferro do Alto Minho.
Foi lido na mesa. É o seguinte:
Parecer
A vossa comissão de legislação civil e comercial dá o seu parecer favorável ao projecto n.° 5-A, sôbre as linhas do Alto Minho. Há neste projecto uma alteração ao artigo 196.° do Código Comercial que não permite a emissão de obrigações alêm da importância do capital já realizado e existente nos termos do último balanço aprovado. Esta alteração, constante da condição 8.ª, justifica-se pela necessidade de habilitar o concessionário a levantar os capitais precisos para a realização duma obra que é de urgente e reconhecida utilidade pública.
A comissão é de parecer que se torna, talvez, necessário estabelecer nas nossas leis vigentes disposições que permitam que, pelo menos, tratando-se de empresas ferro-viárias, se dispense o cumprimento daquela disposição do Código Comercial, estabelecendo se as convenientes medidas preventivas para evitar futuros abusos.
Sala das Sessões, 23 de Janeiro de 1912. = Luís A. Pinto de Mesquita Carvalho = J. L. Vilhena Barbosa de Magalhães = Joaquim José de Oliveira = José Tomás da Fonseca = Emídio Mendes = Germano Martins, relator.
Foi posto em discussão na generalidade o projecto de lei n.° 44.
O Sr. Ezequiel de Campos: - Sr. Presidente: vou tomar muito pouco tempo á Câmara, porque o parecer da comissão de obras públicas foi pormenorizado o bastante para que V. Exas. pudessem apreciar os pormenores das bases e a justiça dêste projecto de lei.
Vem êle de longa data sem solução e os Srs. Deputados da região minhota o subscreveram para modificai-as primitivas bases.
Eu não tomo tempo á Câmara e direi que êste projecto é como que a alma da parte central do Minho; isso é simples de ver, consultando uma carta do norte, porque a linha do Minho, do Pôrto até Valença, serve apenas a região litoral, e toda a parte central fica sem viação. E até uma das manchas mais áridas de traços pretos nas cartas de caminhos de ferro.
Tirando a linha do Pôrto a Valença, vizinha do litoral toda a restante região tem apenas o caminho de ferro de Trofa, por Guimarães a Fafe, e o minúsculo ramal de Braga.
Daqui para leste nada mais há até o caminho de ferro de Vidago, que nem vale a pena considerar por enquanto a linha da Livração a Amarante.
Não é próprio para aqui, mas sim para uma conferência entre engenheiros, expor o traçado da linha de Guimarães a Monsão e das outras linhas que formam o sistema pedido, bem como a sua acção na economia minhota e do país.
O distrito do Pôrto tem uma densidade de população que passa de 200 habitantes por quilómetro quadrado; o de Braga, 132; e de Viana do Castelo perto de 100.
Êstes números em qualquer país adiantado, exigiam uma vida ferro-viária de malhas muito apertadas. Motivo por que é forçoso promover a construção de caminhos de ferro como elemento fundamental da educação das nossas terras de maior densidade, pois não se coaduna bem esta com o atraso social 6 industrial que nos mostram.
É rica de chuva, de terreno desdobrado e cheio de rios e ribeiros. Só falta que a viação acelerada possa fomentar maior comércio, atrair os visitantes e promover a troca de valores, que tudo leva à mudança da prática da vida actual.
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É urgente que logo a seguir ao caminho de ferro, ou já, sem demora, se promova a utilização dos rios do Minho e a arborização das serras, montes e dunas.
E de notar que os caminhos de ferro de via reduzida já existentes no Minho tem como receita principal o transporte de madeiras.
Assim se faliu completamente a ideia de explorar no lanço da Póvoa a Famalicão o transporto dos minérios da Serra do Rates, em compensação veiu a madeira do pinhal da Esteia às Fontainhas trazer uma bela fonte de receita.
Assim a linha da Póvoa tendo tido em 1910 uma receita total de mercadorias de 58:693$000 réis, quási metade dela, ou sejam 26:711$000 réis, foi devida às madeiras.
O vinho deu apenas 5:356$000 réis.
Como é sabido, quási todos os dias se faz para Leixões um comboio de toros, e a fabrica de serração de Larindos movimenta tambêm muita madeira de pinho.
A linha de Guimarães dá receita total de mercadorias 65:377$000 réis contra 15:072$000 réis de madeiras. E 15:104$000 réis a carvão.
Esta verba é eloquente da parte da utilização da energia dos nossos rios.
Importa o país uma grande verba de carvão; a indústria da bacia do Ave, desde Vila do Conde até Vizela, está onerada com o combustível. Venha, pois, o caminho de ferro mostrar esta linda terra do norte de Portugal às iniciativas que queiram aproveitá-la.
Esses caminhos de ferro virão civilizar os povos dessas regiões, desenvolvendo a riqueza dessas terras feracíssimas, que estão desprovidas de meios de viação, não haja dúvida.
É o que tem faltado ao minhoto, cuja vida tendido à merco duma evolução demorada, mal absorvendo nas terras do Brasil os progressos modernos, mal cuidando de fomentar com ideias e iniciativas ousadas a riqueza, tendo quási só por tarefa procriar gente para exportar, analfabetos ou espíritos mal apetrechados para a luta em terra estranha.
Êste caminho de ferro tem grande importância para aquela região e para o provar seria necessário maiores considerações que não vem para aqui.
E duma grande utilidade, ate mesmo para a defesa nacional, pois facultará o transporte de tropas no caso de se cortar do lado do mar a linha férrea de Viana a Caminha.
Dada a falta de estradas boas e o relevo grande da região, seria um risco grave a inutilização dessa linha férrea. A do Alto Minho, porem, facultaria uma deslocação rápida do fôrças.
No decorrer da discussão terei lugar para usar da palavra, e responderei aos oradores que porventura tomem parte no debate.
Tenho dito.
O Sr. Rodrigo Fontinha: - Sr. Presidente: - poucas palavras, apenas as necessárias para dizer que o projecto que se discute representa uma das melhores e mais inteligentes medidas de fomento que a República podia adoptar em favor da região do Minho, até aqui tam desprotegida por parte dos poderes públicos.
Esta é que é a melhor propaganda que se pode fazer da República no Minho, a propaganda pelo facto.
Eu creio que o projecto não terá qualquer dificuldade que embarace a sua aprovação.
Êle vai melhorar duma forma [incalculável as condições de vida, não só da província do Minho, mas de outras províncias, concorrendo tambêm para o engrandecimento geral do país.
Eu sei que o ideal seria que o Estado pudesse proceder á construção de todos os caminhos de ferro e fazer a sua exploração.
Mas é lícito perguntar à Câmara se o Estado Português se encontra em condições económicas de fazer obras desta responsabilidade.
O Estado não se encontra nessas condições e isto se demonstra com o que acontece com o caminho de ferro de Valença a Monção, cuja construção tem estado quási paralisada, o que é deplorável não só pela falta que está fazendo, como pela deterioração, que estão sofrendo as obras já começadas.
A que atribuir êste estado de cousas?
Na República não é certamente devido a desleixo, mas naturalmente á falta de verba orçamental.
Quando os factos mostram duma forma clara as circunstâncias que se dão, não podemos esperar que o Estado se habilite para poder fazer essas construções.
Mau seria isso, porque isso seria a estagnação do progresso, e da vida nacional, e todos sabem que a estagnação na vida das nações pequenas e pobres, como a nossa, representa a morte.
Por isso, compete a nós, representantes do povo, procurar melhorar as condições dêsse povo com medidas de fomento que contribuam para o seu bem estar. O projectado caminho de ferro atrairá ali os excursionistas nacionais e estrangeiros; facilitará a venda dos seus afamados vinhos verdes; promoverá o aproveitamento das quedas de água que ali há, criando energias hidro-eléctricas; levará aos recantos mais escusos o amor pela República; será um veículo admirável de expansão agrícola, comercial e industrial, numa palavra, será uma fonte de riqueza para todos e a satisfação dum desejo por que êsse povo anseia há muito tempo.
Ainda não há muitos dias, um distinto agrónomo me garantiu que uma das causas do atraso agrícola se deve à falta do emprego de adubos próprios, devido á sua enorme carestia, pela dificuldade de transportes. E não será um motivo ponderável a circunstância de ser uma região cuja população, em alguns pontos, é de 300 habitantes por quilómetro quadrado, devendo, a meu ver, a República, tornar querida a terra a essa gente e pôr uma barreira ao verdadeiro delírio de emigração que lá há?
O caminho de ferro do Alto Minho há-de ter influência na solução do problema da crise de trabalho.
Espero que o projecto seja votado pela Câmara, e, desde já. em nome do Minho, me congratulo com a Câmara por esta medida de tam largo alcance em favor duma província, cujos recursos seria um crime não aproveitar e valorizar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: parecia-me que a apresentação do parecer da comissão de legislação civil, tendente a modificar o artigo 196.° do Código Comercial, era indispensável neste projecto.
Foi essa disposição do Código Comercial que fez com que o Govêrno Provisório não tivesse feito a concessão para o caminho de ferro do Alto Minho.
A Câmara sabe que essa empresa se constituiu há muito tempo e que- essa concessão foi há muito tempo dada. Devo dizer à Câmara, que o caminho de Ferro do Alto Minho já conheceu três ou quatro empresas concessionárias. Esta indústria das concessões que tem muito alcance, pelos prejuízos que pode trazer, precisa de ser um dia considerado pela Câmara.
Eu tive ocasião de dizer isto mesmo na Câmara monárquica, em 1909, quando se discutiu êste caso da construção do caminho de ferro do Alto Minho, por esta mesma empresa concessionária.
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Foi-me solicitada com muita instância, sendo Ministro do Govêrno Provisório, esta concessão.
Se o Govêrno Provisório da República estava disposto a usar largamente do chamado direito revolucionário, êle não podia, contudo, usar dessa faculdade até o ponto de passar por cima duma disposição do Código Comercial, para ser vir uma empresa que pretendia construir um caminho de ferro. Nessa ocasião - se bem me lembro - eu respondi aos concessionários dessa empresa que era impossível deferir a concessão, a não ser que uma medida legislativa desfizesse a teia do artigo 196.° do Código Comercial. E acrescentei que não tomava a iniciativa e não propunha semelhante caso em Conselho de Ministros.
Derrogar um artigo do Código Comercial que impede as empresas de emitirem largamente obrigações, a que não correspondam garantias em caução, isso ia alêm do que poderia razoavelmente permitir-se a um Govêrno revolucionário.
Foi por esta razão que não se fez no regime do Govêrno Provisório a concessão do caminho de ferro do Alto Minho.
Entretanto parece-me que valeria a pena designar um dia para se discutir a conveniência de derogar o artigo 196.° do Código Comercial, ou sequer ao menos, de o modificar por modo que êle dê facilidade às empresas construtoras de caminhos de ferro, que talvez, no regime em vigor, só com extrema dificuldade consigam organizar capitais.
Eu não tenho uma opinião arrêtée, a êste respeito; mas entendo que é um ponto que a Câmara deve estudar com muita atenção, porque se jogam nele não só os interesses do Estado, mas os de muitos indivíduos.
Quere se queira, quer não, por muito ou pouco socialista que se seja, o Estado exerce sempre uma função tutelar, e não foi outra cousa senão o exercício dessa função que se teve em vista fazendo-se aquele artigo do Código.
Não seria perigoso generalizar a todas as empresas que se propõem construir caminhos de ferro o que a comissão entende adoptar agora só para esta?
Eu bem sei que é difícil construir caminhos de ferro, e eu já tive ocasião, quando Ministro do Fomento, de dizer que o Estado republicano deve fazer a exploração desses caminhos de ferro por sua conta.
Em todo o caso, em minha opinião, vale a pena discutir êsse ponto.
Sabe V. Exa., Sr. Presidente, como é que se fez essa débacle do Crédito Predial.
Foi exactamente por o Estado não exercer a sua acção fiscalizadora sôbre aquela massa de valores. Os accionistas e obrigacionistas abdicaram nos corpos gerentes e o que é certo é que se deu aquele tremendo desastre que ocasionou grandes prejuízos.
A verdade é que, entre nós, não há accionistas e obrigacionistas que não abdiquem nos seus corpos gerentes e, por isso, admira que êstes desastres, de ordem financeira, não sejam em muito maior número.
Sr. Presidente: entendi em minha consciência dever fazer estas considerações, como Ministro do Fomento do Govêrno Provisório, e ainda porque o assunto merece que esta Assembleia lhe dedique uma sessão, devendo o caso resolver-se como medida geral, e não como um favor a determinada empresa.
O Sr. Simas Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra por causa dumas referências feitas pelo meu colega Rodrigo Fontinha. Antes, porêm, de me referir ao que S. Exa. disse, permita-me V. Exa. e a Câmara que eu felicite os signatários dêste projecto. E faço-o com tanto mais entusiasmo, quanto é certo que estive o ano passado na parte da província do Minho que vai ser beneficiada por êste caminho de ferro, podendo afirmar a V. Exa. e á Câmara que, quer no serviço de propaganda, que ali se fez, quer no serviço militar, conversando com aquele bom povo do Alto Minho, eu ouvi, frequentíssimas vezes, declarar-me que da melhor vontade se colocariam ao lado da República se os Governos republicanos tratassem, com mais cuidado dos seus interesses, do que os tinham tratado os. monárquicos.
O que lhes ouvia pedir era Que os Governos republicanos lhe dessem estradas e escolas e o que é certo é que êles tinham carradas de razão; senão atenda V. Exa. no seguinte:
Quasi todas as freguesias importantes do concelho de Arcos de Valdevez estão ligadas a esta formosíssima vila por caminhos intransitáveis. A povoação de Cabreiros é já uma terra importante. Pois, Sr. Presidente, o caminho que a liga aos Arcos é perfeitamente um precipício. Atravessei-o, várias vezes, com alguns oficiais, - e o que é certo é que em alguns pontos, se escapasse uma pata ao cavalo, como os abismos se escancaram a um e outro lado do atalho, aí desapareceram cavalos e cavaleiros.
Eu, Sr. Presidente, quando passava por Ia ia sempre com o credo na boca. A minha lialdade leva me a confessar o seguinte: eu, na arte da gineta e da estardiota nunca fui forte, mas creio que os que me acompanhavam iam nas mesmas condições; quer dizer que os caminhos são realmente deploráveis. Emquanto isto estiver nestas condições, e absolutamente impossível que aqueles povos possam progredir, e possam estimar as instituições se por acaso a República não tratar com mais cuidado dos seus interesses, do que tratou a monarquia.
Já agora, e por princípio de associação de ideias, permita-me V. Exa. que eu fale num outro assunto, - tanto mais quanto êle pode ser testemunhado pelo meu colega, distinto oficial do estado maior, o Sr. Helder Ribeiro. Refiro-me à estada nas terras de Barroso, com um destacamento mixto, quando pela segunda vez fui para o Norte.
Quere V. Exa. saber uma cousa, e aí está o Sr. Helder Ribeiro que não me deixa ficar por mentiroso: Aqueles povos não pediam outra cousa senão que lhe acabassem de construir a estrada de Chaves a Braga, que já está feita numa grande extensão. Aquela região é riquíssima em pastos e gados, e, no entanto, aquela gente vive com muitas dificuldades, e pelo seguinte: porque os transportes são caríssimos. Assim, um milheiro de telha de Marselha, fica ali por perto de 120$000 réis! Não está presente o Sr. Ministro do Fomento; no entanto, está o Sr. Ministro das Finanças,-e melhor me serve S. Exa., porque tambêm é militar.
Completar-se esta estrada não só vai desenvolver extraordinariamente a riqueza e a economia da região do Barroso, como ela é uma magnífica via, sob o ponto de vista militar.
Quando, num certo momento, se julgou necessária a ida do destacamento mixto, que eu comandava de Barroso para Cabeceiras de Basto, teríamos de andar 155 kilómetros, vindo a Chaves, Vidago, Vila Pouca de Aguiar até Cabeceiras de Basto, porque, se quiséssemos aproveitar essa parte da estrada de Chaves a Braga, que é pequena, teríamos de percorrer todo o caminho desde a Venda Nova até Cabeceiras de Basto, com água até o joelho a infantaria, e correndo o material o perigo de chegar lá todo despedaçado. Por isso mesmo, preferíamos fazer a marcha de 150 quilómetros, a ir por ali. Se essa estrada estivesse completa, efectuaríamos a marcha em metade do tempo. Esta estrada, portanto, não só necessita completar-se por causa do seu valor militar, mas ainda para desenvolver a riqueza e a economia daquelas terras, como já disse.
Quem ouviu àquela gente pedir outra cousa à Repú-
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blica que não fôsse boas autoridades e que lhe completem as estradas?
Termino por aqui as minhas considerações, pedindo ao Sr. Ministro das Finanças para as transmitir ao Sr. Ministro do Fomento.
O Sr. Helder Ribeiro: - Boas autoridades não peça, porque não chegam lá.
O Orador: - Isso não é comigo; e com os homens que se sentam naquelas cadeiras.
Felicito, novamente, a comissão signatária dêste projecto, porque êle há-de forçosamente fazer com que os povos do Alto Minho se consagrem e dediquem mais às instituições republicanas.
O Sr. Inocêncio Camacho: - Não vou falar em nome da comissão de finanças, mas em meu próprio nome, apesar de ser o relator dessa comissão para o projecto que estamos discutindo.
Tive toda a cautela nesse parecer, quando declarei que não o encarava sob o aspecto jurídico. Com efeito, a Câmara julgou que êsse projecto deveria ir à comissão de legislação civil.
Pedi a palavra no momento em que o Sr. Brito Camacho se referia a considerações de ordem geral sôbre o artigo 196.° do Código Comercial. Sou de opinião que êsse artigo deve ser mantido ao Código Comercial, embora se diga que para casos especiais, como sito, porventura, os de que se trata e os sucedidos nos caminhos de ferro do Norte e Leste, pode haver excepção.
A Câmara está animada de boas intenções para votar o projecto; mas é preciso que não se inventem êstes processos rápidos, que podem deixar má impressão no espírito público.
Deve dispensar-se a disposição do Código Comercial para êste projecto; mas é preciso salvaguardar essa disposição noutros casos, pois dá a garantia das omissões ad hoc.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Sidónio Paes): - Pedi a palavra para fazer algumas declarações que os discursos dos ilustres oradores que me precederam me obrigaram a fazer.
Não corre êste assunto pela pasta das Finanças; mas, em todo o caso, como estive na pasta do Fomento durante mês e meio, nesse espaço de tempo foi-me apresentada esta questão ao meu exame. E devo dizer que, pertencendo à província do Minho, como o ilustre Deputado Sr. Fontinha, não tinha senão o desejo de que fossem por diante os caminhos de ferro do Alto Minho, porque reconheço que êles representam para essa província uma enorme necessidade e são de grande vantagem para a economia do país.
A meu ver a disposição do Código Comercial que se quer modificar, tem de ser objecto de estudo cuidadoso e ponderado. E como muito bom disseram os Srs. Deputados, Inocêncio Camacho e Brito Camacho, se há certas empresas que, pelas suas iniciativas podem ser úteis ao país, e por isso mesmo merecem ser acolhidas com toda a consideração, não é menos verdade tambêm que se se fôsse dar uma grande liberdade e largueza a essas empresas, para poderem realizar os seus capitais, emitindo o número de obrigações que entenderem, sem terem encontro com capital algum, os portadores das obrigações dentro em pouco tempo viriam pedir ao Estado proteção, e êste ver-se-hia na necessidade de a dar, embora indevidamente.
Nós conhecemos exemplos bem frisantes. Assim, ainda há momentos, o Sr. Brito Camacho citou u exemplo do Crédito Predial, - e muitos outros poderia citar. li á factos que se tem passado, e que esta Câmara conhece mais ou menos, os quais nos levam a estudar com muito cuidado e com muita ponderação a modificação que se pretende introduzir no Código Comercial.
Todos reconhecem, realmente, que as empresas de caminhos de ferro são muito difíceis de constituir-se e levar por deante os seus empreendimentos, desde que se lhe restrinja a liberdade de acção e se lhe oponham contrariedades à forma do contracto. Mas entre essa restricção estabelecida no Código Comercial e a liberdade completa de acção há-de haver maneira de salvaguardar os legítimos interesses dos portadores de obrigações; e isto, com certeza, não deixará de ser atenta e devidamente estudado pela comissão de legislação.
Eu concordo, pois, perfeitamente com o alvitre apresentado, para que não se faça uma excepção, sem se ter estudado a questão geral sob o ponto de vista da legislação, considerando-se se o artigo deve ser eliminado ou simplesmente alterado, para se salvaguardarem, repito, os legítimos interesses do povo, dos portadores de obrigações, e, tambêm, os interesses do Estado, que é chamado a concorrer com fundos do Tesouro para proteger misérias e desgraças.
Portanto, feita esta declaração, que ao mesmo tempo representa a necessidade que eu tinha de dizer à Câmara e aos ilustres Deputados pela província do Minho o que pensava acerca da construção dêsses caminhos de ferro, como Ministro do Fomento, entendo que se deve levar por diante êsse útil empreendimento, mas tem de reconhecer-se a impossibilidade resultante da disposição do Código Comercial, - a não ser que se queira sa tar, aos pés juntos, por cima da lei.
O Sr. Ezequiel de Campos: - Sr. Presidente: ninguêm se interessa mais por êste caminho de ferro do que eu, - e desejaria que êle se construísse o mais depressa possível. Sou minhoto tambêm, e da terra que tem o pior caminho de ferro do país. Pela minha terra pouco poderei fazer; - por isso dar-me-hia por feliz se pudesse contribuir para a realização dêste melhoramento.
Mas tambêm não posso deixar de concordar em que dum certo modo há conveniência em que se discuta êste projecto só depois da discussão do artigo 106.° do Código Comercial.
É necessário que se ponha a discussão do projecto do Alto Minho a coberto de qualquer suspeita, para que o Parlamento não possa ser acusado de favoritismos, que bera mal ficariam á República. Por isso mando para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a discussão dêste projecto seja feita depois da discussão do artigo 196.° do Código Comercial, sendo cate para amanhã ou para o primeiro dia em que possa ser. = Ezequiel de Campos.
Foi admitida e seguidamente aprovada.
O Sr. Presidente: - Em virtude da proposta que foi aprovada, é necessário que algum Sr. Deputado apresente uma proposta de lei sôbre o artigo 106.° do Código Comercial.
O Sr. Matos Cid: - Prometo apresentar na sessão de amanhã um projecto de lei sôbre êsse assunto.
O Sr. Presidente: - Se êsse projecto for simples, proporei a dispensa do Regimento para êle entrar imediatamente em discussão; se for um projecto complexo seguirá os seus trâmites.
A próxima sessão é amanhã ás 14 horas e meia, sendo a ordem do dia a seguinte:
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SESSÃO N.° 39 DE 23 DE JANEIRO DE 1912 25
Interpelação do Sr. Deputado Pádua Correia ao Sr. Ministro das Colónias, acerca, da situação em que se encontra, perante o decreto de 18 de Novembro de 1910, o Sr. Marinha de Campos.
Projecto de lei n.° 45, regulando a forma da promoção nos quadros do exército.
Projecto de lei n.° 46, autorizando a Câmara Municipal de Alcobaça a alienar o Pinhal da Câmara.
Projecto de lei n.° 40, aprovando o decreto, com fôrça de lei, de 4 de Maio de 1911, sôbre contribuição predial.
Regimento interno.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Declaração de voto
Declaro que votei contra o artigo 78.° do Regimento, na parte que se refere à ordem do dia, porque considero essa disposição anti democrática. = O Deputado, Angelo Vaz.
Para a acta.
O REDACTOR - Mello Barreto.