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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
59.ª SESSÃO
EM 27 DE FEVEREIRO DE 1912
SUMÁRIO - Leitura e aprovação da acta. - Expediente. - Tem segunda leitura uma proposta do Sr. Deputado Manuel José da Silva e é aprovada sem discussão - O Sr. Presidente declara que a mesa nomeará a comissão a que se refere a proposta aprovada. - O Sr Deputado João Gonçalves apresenta e justifica um projecto de lei referente à desamortização dos bens da Companhia das Lezírias. - O Sr Deputado Santos Pousada manda para a mesa um projecto de lei relativo às construções escolares. - O Sr. Deputado Miguel de Abreu agradece à Câmara a manifestação de sentimento pelo falecimento de seu pae - O Sr Deputado Manuel José da Silva interroga o Govêrno sôbre a proibição dum comício sindicalista.- Responde o Sr Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos).- Volta a usar da palavra sôbre o mesmo assunto o Sr. Deputado Manuel José da Silva, respondendo-lhe ainda o Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos).- O Sr Deputado Brito Camacho ocupa-se da projectada greve mineira na Inglaterra, pedindo ao Govêrno às necessárias providencias para obviar às dificuldades que dela podem advir às indústrias nacionais.- O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos) responde ao Sr. Deputado Brito Camacho. - O Sr. Deputado Francisco Luís Tavares chama a atenção do Govêrno para os excessos da fiscalização junto das fábricas de tabaco micaelenses - O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos) declara que transmitirá ao seu colega das Finanças as considerações do Sr Deputado. - O Sr Deputado Alfredo Ladeira protesta contra o desrespeito dos proprietários duma fábrica para com a comissão de inquérito às indústrias têxteis. - Responde o Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos). - O Sr Presidente anuncia que vai passar-se à ordem do dia e convida os Srs. Deputados a enviarem documentos para a mesa.
Primeira parte da ordem do dia.- Continuação da discussão do projecto de lei n.° 74, reforma administrativa. - Usa da palavra sôbre a ordem o Sr Barbosa de Magalhães, tendo esgotado a hora da primeira parte da ordem do dia e ficando com a palavra reservada. - O Sr. Presidente comunica que vai ler-se a última redacção dum projecto -O Sr. Deputado Lopes da Silva requere a contagem. - O Sr. Presidente declara que estão presentes 92 Srs. Deputados. - É lida na mesa a última redacção do projecto referente às isenções da contribuição de renda de casas, sendo aprovada.
Segunda parte da ordem do dia. - Continuação da discussão do pertence n.º 40. alterando os preceitos estabelecidos na lei de 4 de Maio para a revisão das matrizes. - Usa da palavra o Sr. Deputado Jorge Nunes que termina enviando uma proposta para a mesa.- O Sr. Deputado Gaudêncio Pires de Campos (por parte da comissão de administração pública) manda para a mesa um parecer.- O Sr Deputado Vitorino Guimarães envia para a mesa um parecer por parte da comissão de finanças. - Usa da palavra sôbre o pertence em discussão o Sr Deputado Emídio Mendes, ficando com a palavra reservada.- O Sr. Presidente declara que vai passar-se à discussão do projecto n.° 76. - É lido na mesa o projecto - O Sr. Deputado Lopes da Silva manda para a mesa uma proposta de emenda - O Sr Deputado Mendes de Vasconcelos requere a contagem. - O Sr Presidente declara que estão presentes apenas 76 Srs. Deputados, e nomeia a comissão que há-de dar execução à proposta do Sr. Deputado Manuel José da Silva - O Sr. Presidente explica que não pode conceder a palavra aos Srs. Deputados Inocêncio Camacho e Jacinto Nunes para troca de explicações, visto ter da encerrar a sessão e afirma que nas palavras trocadas entre êstes Srs. Deputados não houve intenção de oitenta.- Levanta se um incidente, intervindo os Srs. Deputados Simas Machado, Álvaro Pope e o Sr. Presidente, que depois de ter nomeado para presidente da comissão de colónias o Sr. Deputado José Barbosa, em conformidade com a autorização dada à mesa, levanta a sessão, marcando a seguinte e a respectiva ordem do dia.
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Presidência do Exmo. Sr. António Aresta Branco
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Francisco José Pereira
Abertura da sessão. - Às 14 horas e 40 minutos.
Presentes - 99 Srs. Deputados.
São os seguintes: Adriano Gomes Ferreira Pimenta, Adriano Mendes de Vasconcelos, Afonso Ferreira, Alberto de Moura Pinto, Albino Pimenta de Aguiar, Alexandre Augusto de Barros, Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, Alfredo Djalme Martins de Azevedo, Alfredo Guilherme Howell, Alfredo Mana Ladeira, Alfredo Rodrigues Gaspar, Álvaro Nunes Ribeiro, Álvaro Poppe, Amílcar da Silva Ramada Curto, António Afonso Garcia da Costa, António Alberto Charula Pessanha, António Albino Carvalho Mourão, António Aresta Branco, António Augusto Pereira Cabral, António Barroso Pereira Vitorino, António Brandão de Vasconcelos, António Joaquim Ferreira da Fonseca, António José de Almeida, António José Lourinho, António de Paiva Gomes, António Pires Pereira Júnior, António dos Santos Pousada, António da Silva Gouveia, António Valente de Almeida, Aureliano de Mira Fernandes, Baltasar de Almeida Teixeira, Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Carlos António Calixto, Carlos Henrique da Silva Maia Pinto, Carlos Maria Pereira, Carlos Olavo Correia de Azevedo, Casimiro Rodrigues de Sá, Domingos Leite Pereira, Eduardo de Almeida, Ernesto Carneiro Franco, Ezequiel de Campos, Fernando da Cunha Macedo, Francisco Cruz, Francisco José Pereira, Gastão Rafael Rodrigues, Gaudêncio Pires de Campos, Germano Lopes Martins, Guilherme Nunes Godinho, Helder Armando dos Santos Ribeiro, Henrique José Caldeira Queiroz, Henrique José dos Santos Cardoso, Henrique de Sousa Monteiro, Inocêncio Camacho Rodrigues, João Barreira, João Camilo Rodrigues, João Carlos Nunes da Palma, João Carlos Rodrigues de Azevedo, João Duarte de Menezes, João Fiel Stockler, João Gonçalves, João Luís Ricardo, João Machado Ferreira Brandão, Joaquim José Cerqueira da Rocha, Joaquim José de Oliveira, Joaquim Ribeiro de Carvalho, Jorge Frederico Velez Caroço, Jorge de Vasconcelos Nunes, José Afonso Pala, José António Simões Raposo Júnior, José Augusto Simas Machado, José Barbosa, José Bernardo Lopes da Silva, José Botelho de Carvalho Araújo, José Francisco Coelho, José de Freitas Ribeiro, José Jacinto Nunes, José Luís dos Santos Moita, José Maria Cardoso, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães, José Miguel Lamartine Prazeres da Costa, José Perdigão, José Pereira da Costa Basto, José da Silva Ramos, José do Vale Matos Cid, Júlio do Patrocínio Martins, Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho, Manuel José da Silva, Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, Miguel Abreu, Miguel Augusto Alves Ferreira, Pedro Alfredo de Morais Rosa, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, Rodrigo Fernandes Fontinha, Severiano José da Silva, Tiago Moreira Sales. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, Vítor José de Deus Macedo Pinto, Vitorino Henrique Godinho, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.: Alberto Souto, Álvaro Xavier de Castro. Américo Olavo de Azevedo, Angelo Vaz, António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, António Joaquim Granjo, António Maria de Azevedo Machado Santos, António Maria Malva do Vale, António Pádua Correia, Aquiles Gonçalves Fernandes, Emídio Guilherme Garcia Mendes, Francisco Luís Tavares, Francisco de Sales Ramos da Costa, João José Luís Damas, João Pereira Bastos, Joaquim António de Melo Castro Ribeiro, Joaquim Brandão, Joaquim Teófilo Braga, José de Barros Mendes de Abreu, José Bessa de Carvalho, José Dias da Silva, José Mendes Cabeçadas Júnior, José Montez, José Tomás da Fonseca, Jovino Francisco Gouveia Pinto, Luís Inocêncio Ramos Pereira, Manuel Alegre, Manuel de Brito Camacho, Filemon da Silveira Duarte de Almeida, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Paes, Tomé José de Barros Queiroz.
Não compareceram à sessão os Srs.: Afonso Augusto da Costa, Alexandre Braga, Alfredo Balduíno de Seabra Júnior, Angelo Rodrigues da Fonseca, António Amorim de Carvalho, António Caetano Celorico Gil, António Cândido de Almeida Leitão, António Flórido da Cunha Toscano, António França Borges, António Maria da Cunha Marques da Costa, António Maria da Silva, Artur Augusto Duarte da Luz Almeida, Augusto de Vera Cruz, Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, Fernão Bôto Machado, Francisco Xavier Esteves, José Carlos da Maia, José Cordeiro Júnior, José Tristão Paes de Figueiredo, Luís Maria Rosette, Porfíno Coelho da Fonseca Magalhães, Tito Augusto de Morais.
Às 14 horas e 45 minutos abre-se a sessão catando presentes 56 Srs. Deputados.
Lê-se a acta.
Às 15 horas estando presentes 79 Srs. Deputados, aprova-se a acta.
EXPEDIENTE
Justificação de faltas
Participo a V. Exa. que por motivo de serviço público não pude comparecer ás sessões desta Câmara nos dias 5, 6, 7, 8, 9, 15, 22 de corrente mês. = O Deputado, José Afonso Pala.
Justificada.
Para a comissão de infracção e faltas.
Ofícios
Do Ministério das Finanças, enviando cópia da nota da Direcção Geral da Contabilidade Pública, acompanhada dos relatórios e propostas de lei apresentadas às Câmaras pelos Ministros da Fazenda, desde, 1892 até a data, e Orçamentos Gerais do Estado, relativos aos anos de 1907-1908 e seguintes.
Satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Gastão Rafael Rodrigues.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, satisfazendo em parte o requerimento do Sr. Deputado Caetano Francisco Cláudio Eugé-
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nio Gonçalves, enviando cópia da nota da Direcção Geral da Contabilidade Pública, acompanhada do relatório da proposta de fazenda do Ministro Teixeira de Sonsa,
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, enviando 160 exemplares de cada um dos orçamentos das despesas dos Ministérios do Interior e Marinha para o ano económico de 1912-1913, a fim de serem distribuídos pelos Srs. Deputados.
Para a Secretaria.
Do regimento de artilharia n.° 1, pedindo para serem ouvidos sôbre um auto de corpo de delito a que se está procedendo naquele regimento os Exmos. Srs. Deputados José Afonso Pala, João Pereira Bastos, Machado Santos e Manuel Alegre.
Telegramas
Lisboa. - Pedrógão Grande. - Por me ser solicitado Presidente Camará e cavalheiros mais ilustrados esta vila, rogo a V. Exa. proteste perante representantes Nação, contra caluniosas afirmações sôbre arruaças ou gritos subversivos contra instituições, último dia carnaval publicadas Mundo quarta feira e segundo queixa consta feita estão depondo setenta testemunhas provando ser tudo calunioso referente arruaças ou gritos pedem tambêm para assistirem inquérito representante Nação pedindo venha sindicar Dr. Jacinto Nunes, filho ou outro representante Nação para maior autenticação inquérito. Administrador, Eduardo Magalhães.
Para a Secretaria.
Viana do Castelo. - Em reunião de associação a que tenho a honra de presidir, foi resolvido telegrafar a V. Exa. pedindo que os Deputados da Nação atendam justiça reclamação que lhes é apresentada pelo grémio dos construtores civis de Lisboa, atendendo se assim dalgum modo á grave crise que a classe atravessa. Presidente grémio empreiteiros Construtores Civis e Artes Correlativas de Viana do Castelo, Rego Viana.
Para a Secretaria.
Representações
Da Academia de Sciências de Lisboa, pedindo que sejam revogados os decretos de 17 de Outubro e 2 de Novembro de 1910, restituindo-se à Academia a sua tipografia e remodelando-se, de acordo com ela, o sistema de retribuição às suas publicações subsidiadas, e que no Orçamento do Estado sejam incluídas as verbas necessárias para as suas publicações e para a do Dicionário da Academia.
Para a comissão de finanças.
Da Associação Portuguesa dos Proprietários, reclamando respeitosa mas calorosamente contra o decreto de 4 de Maio de 1911 sôbre a contribuição predial.
Para a mesma comissão.
Segundas leituras
Tem segunda leitura, é admitida e aprovada sem discussão uma proposta do Sr. Deputado Manuel José da Silva a fim de que se regule o regime da produção e do consumo de álcool e bebidas alcoólicas no país, apresentada na sessão anterior.
O Sr. Presidente:-Eu não sei se a intenção do Sr. Deputado é que a mesa nomeie uma comissão.
O Sr. Manuel José da Silva: - Sim senhor.
O Sr. Presidente: - A mesa nomeará de acordo com os mais grupos da Câmara, a comissão de que se trata.
O Sr. João Gonçalves: - Usa da palavra para apresentar um projecto de lei, que considera da máxima importância, e a que, espera, as comissões respectivas se dignarão dar parecer, não sucedendo como se deu com outros dois, que em tempos mandou para a mesa, o dos delinquentes alienados e o da capacidade profissional dos presos, que jazem esquecidos nos arquivos das comissões.
O projecto que hoje apresenta, e que, como disse, é da máxima importância, refere-se à desamortização dos bens da Companhia das Lezírias. Da sua adopção resultarão não só grandes lucros para o Estado, como grandes vantagens para a economia nacional.
O discurso será publicado, na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Santos Pousada: - Sr. Presidente: mando para a mesa um projecto de lei, para o qual requeiro a urgência da discussão.
Pelo Código de 1868 alargaram-se as atribuições das comissões administrativas e pela lei da instrução primária maiores foram essas atribuições, a ponto dessas colectividades entenderem que deviam, com um intuito muito louvável, construir edifícios escolares, modificar outros já existentes e adquirir diversos prédios para escolas.
A verdade, porêm, é que muitos dêsses edifícios que hoje existem, e até mesmo aqueles que ultimamente foram construídos, carecem de ser derruídos ou abandonados. (Apoiados).
Acontece tambêm que as juntas de paróquia, que se regem pelo mesmo Código, tratam de praticar os mesmos erros, isto é, construindo edifícios escolares, modificando alguns já existentes e adquirindo, por meio de compra, alguns prédios para o mesmo fim.
Êsses prédios, porêm, não satisfazem às condições que são indispensáveis para edifícios desta natureza, por se não atender às condições de ventilação, luz, exposição e concorrência, o que dá em resultado êsses edifícios terem de ser abandonados.
Ora para obstar a êste estado de cousas, e como nós não sabemos quais as atribuições que devem competir às comissões administrativas, por se estar ainda a discutir o Código Administrativo, e não tendo sido ainda discutida a reforma de instrução primária, que deve obrigar que os edifícios escolares satisfaçam a determinadas condições, é que eu mando para a mesa êste meu projecto, que, como a Câmara vê, é absolutamente justificado.
O Sr. Miguel Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para agradecer à Câmara a manifestação de sentimento prestada á memória de meu pai, no dia 5 dêste mês.
O meu agradecimento dirige-se a todos indistintamente com a maior sinceridade e gratidão; mas peço a V. Exa. e à Câmara licença para especializá-lo ao Sr. Deputado Jacinto Nunes, por ter tomado a iniciativa dessa manifestação e pelas palavras que dedicou à memória de meu pai.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva: - Sr. Presidente: ontem, quando fiz uso da palavra, tinha um assunto em que
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precisava tocar, mas em que não toquei por falta de tempo. Era o seguinte:
Disseram os jornais que o comício promovido pelos sindicalistas, no domingo passado, fora proibido pela autoridade.
Eu desejava saber, por parte do Govêrno, se êsse facto foi provocado pelos próprios sindicalistas ou pelos promotores da reunião, ou se êles não tinham cumprido as formalidades da lei e o Govêrno mandou proibir êsse comício.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos):- Em resposta ao Sr. Deputado Manuel José da Silva, direi que o Govêrno, desde que qualquer cumpra as disposições da lei de reunião, não põe, nem pode pôr, impedimentos a essa reunião.
Tem, porêm, obrigação de fazer que as leis do país se cumpram. E as pessoas que promoviam o comício no domingo passado não cumpriram as prescrições da lei e, portanto, a autoridade competente fez o que devia fazer: não deixou reúnir.
Foi só por essa razão.
O Orador: - Registo as declarações do Sr. Presidente do Ministério e aproveito a ocasião para declarar que, quando se discutiu nesta Câmara a última greve, não me manifestei, exactamente porque não costumo manifestar--me sem estar no meu estado de serenidade completo e de ter perfeito conhecimento dos factos.
Registo, pois, as declarações do Sr. Presidente do Govêrno e aceito-as como verdadeiras, mas o que é facto é que o que tenho observado leva-me a afirmar que o Govêrno em todas as questões operárias não tem procedido com a conveniência e com a inteligência com que devia ter procedido. (Não apoiados).
O Govêrno fez distribuir, em 31 de Janeiro, um declaração pública, que mandou afixar nas ruas de Lisboa, em que dizia que estava de posse - a forma não será esta, mas é a essência - dos elementos necessários para poder afirmar que o movimento grevista fora promovido por reaccionários. (Apoiados).
Na outra casa do Parlamento, o Govêrno, chamado a responder, declarou que nada dava a saber, sem que se concluíssem as investigações do tribunal de excepção, etc. Eu entendo que o Govêrno procederá com conveniência para a ordem pública, se for franco e disser o que sabe, sem prejuízo das investigações a que se está procedendo.
Aproveito a ocasião para dizer - visto que na ocasião me limitei a fazer uma declaração de voto - que o Govêrno obrigou a República a fazer uma figura nada simpática, trazendo a esta Câmara uma proposta para que se julgassem os operários grevistas por um tribunal de excepção, quando o partido republicano - aqui e em toda a parte do mundo - condenou sempre todos os princípios de excepção.
Em minha opinião a suspensão de garantias e a formação do tribunal de excepção, a pedido do Govêrno, votado nesta Câmara em 1 de Fevereiro - não com o meu voto, que tal resolução não aprovei- são medidas que outro efeito não podiam produzir senão o de confessar publicamente que o Govêrno se achava fraco para garantir a ordem pública, e que o medo lhe fizera perder o sangue frio.
O estado de espírito do operariado em geral acusa uma justificada exaltação que urge acalmar, porque as declarações do Sr. Presidente do Ministério nesta Câmara, e as declarações que o Govêrno tinha feito publicar na imprensa, comprometiam enormemente a causa operária.
O Govêrno deve trazer ao conhecimento da Câmara e do país o que sabe e o que sabia em 31 de Janeiro, sem prejuízo das investigações a que se está procedendo.
Assim é que se conseguirá serenar a classe operária em todo o país e se conseguirá provar que o Govêrno é composto de entidades ilustradíssimas e que sabe bem o que faz. (Apoiados).
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Estou certo de que o Sr. Deputado não se associa, por forma alguma, à exploração que se tem tentado fazer das palavras pronunciadas pelo Govêrno quando foi da última greve.
O Govêrno não disse que a greve fora feita pelos reaccionários, nem que os operários estavam nas mãos dos reaccionários; o que o Govêrno declarou foi que por detrás do elemento operário se meteram elementos reaccionários. Foi isto o que declarou e que há-de ser demonstrado, porque a Câmara compreende que há toda a vantagem em que isso se faça quando as investigações, que estão quási a terminar, estejam completas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: pedi a palavra na presunção de que estivesse presente o Sr. Ministro do Fomento, porque desejava chamar a sua atenção para um assunto importante. Como S. Exa. não se encontra presente, espero que algum dos Srs. Ministros presentes lhe comunicará as minhas considerações.
Está iminente, em Inglaterra, uma greve que pode pôr em risco de paralização todas as indústrias que carecem de carvão para a sua laboração. Entendo que se devem tomar todas as providencias, porque a greve será inevitável, para nos prevenirmos contra todas as eventualidades.
Quando Ministro do Fomento, mandei sindicar da forma como a Companhia da Mina do Cabo Mondego, que explora carvão, cumpria o contracto que tem com o Govêrno. É uma sindicância que ninguêm leu, mas que vale a pena ler-se, porque o resultado dela é de tal ordem que, segundo me parece, deve ser entregue ao poder judicial.
Êsse contracto não tem, a meu ver, nenhum fundamento jurídico para se conservar; tanto mais que êle representa um prejuízo para o Estado, e nenhuma ocasião mais oportuna do que esta para o anular.
Parece-me oportuno o momento para o Govêrno pensar um pouco no contracto que tem com a Companhia do Cabo Mondego, e, concomitantemente, fazer discutir, já não direi aprovar, o projecto ainda apresentado pelo Govêrno Provisório, sôbre o aproveitamento das quedas de água.
Como V. Exas. vêem, êstes assuntos relacionam se inteiramente, e espero que algum membro do Govêrno transmita ao seu colega do Fomento estas minhas considerações.
Há necessidade dê estar prevenido para a hipótese de faltar o carvão, e há necessidade de regular a situação do Estado com a Companhia do Cabo Mondego, e converter em lei o projecto sôbre o aproveitamento das quedas de água, que há-de ser possível de grande exame e de grandes modificações, porque não tenho a pretensão de que êsse diploma saísse inteiramente perfeito das mãos de quem o fez, embora em todo o caso encerre os princípios fundamentais que devem ser a base duma lei regulando as quedas de água.
Espero que algum dos Srs. Ministros presentes, transmitirá ao Sr. Ministro do Fomento estas minhas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Pedi a palavra para assegurar ao ilustre De-
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putado, o Sr. Brito Camacho, que transmitirei ao meu colega do Fomento as judiciosas considerações que acaba de fazer, que tem toda a oportunidade, e que S. Exa. apreciará particularmente desde já essa sindicância à Companhia do Cabo Mondego que, de facto, pelas informações que tenho, precisa de larga atenção e cuidado.
O Sr. Francisco Luís Tavares: - Desejava falar quando estivesse presente o Sr. Ministro das Finanças; mas como S. Exa. não está presente vou fazer breves considerações, pedindo a quaisquer dos Srs. Ministros, que vejo na sala, o favor de as transmitir ao seu colega.
V. Exa. recorda-se de que, durante a Assembleia Constituinte, a primeira vez que falei nesta casa pedi ao Sr. Ministro das Finanças, que então era o Sr. José Relvas, para resolver com brevidade sôbre uma sindicância que foi feita às fábricas de tabacos micaelenses. O Sr. Ministro resolveu aceder ao meu pedido, mas o tempo passou e creio que não tomou resolução definitiva.
O Sr. José Relvas, quando Ministro das Finanças, a meu pedido (ao tempo exercia o cargo de governador civil), mandou fazer uma sindicância ás fábricas de tabacos dessa ilha, pois as fábricas queixavam-se de que o poder central as vexava com exigências fiscais perfeitamente inúteis, e pediam para ter maior liberdade de movimento.
De facto essa sindicância foi feita por um funcionário muito distinto das alfândegas, que fez um largo relatório, cujas conclusões, suponho, são favoráveis às pretensões dos industriais. Eu pedi que se tomasse uma resolução baseada no relatório, mas tal resolução não se tomou; e como há perto duma semana o Sr. Ministro das Finanças fez publicar uma portai ia louvando o Sr. Damásio Ribeiro pelo excelente serviço prestado nessa sindicância, não sei se o Sr. Ministro tomou qualquer resolução sôbre o assunto. Caso S. Exa. a não tivesse tomado, uma vez que o assunto se abordou, visto ser louvado o sindicante, pé dia ao Sr. Presidente do Ministério a fineza de transmitir ao seu colega o meu desejo de que qualquer resolução se tome a fim de que se facilite aos industriais o exercício da sua indústria por uma forma mais livre. Julgo conveniente saber-se que perto dum quinto do capital circulante, na Ilha de S Miguel é devido â indústria do tabaco, o que é importante porque os industriais podem, querendo, exercer a chômage, o que acarretaria gravíssimas dificuldades para aquela ilha.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Comunicarei ao Sr. Ministro das Finanças o que acaba de dizer o ilustre Deputado e estou convencido de que S. Exa. tomará no devido interesse a questão, porquanto ela é realmente importante.
O Sr. Alfredo Ladeira: - Sr. Presidente: como V. Exa. e a Câmara sabem, foi nomeada por portaria do Sr. Ministro do Fomento uma comissão de inquérito às indústrias têxteis, da qual eu faço parte como alguns outros meus colegas nesta Câmara. Essa comissão foi dividida em três sub-comissões; uma para fazer o inquérito - na zona do norte, outra no centro e outra no sul do país. As duas primeiras sub-comissões, a do norte e a do centro, ainda não começaram a exercer a sua missão. A que porêm tem que fazer o inquérito na zona do sul já está funcionando.
Ora eu soube pelos jornais de hoje que, indo esta subcomissão à fábrica de Arroios, os directores desta se tinham recusado a receber a sub-comissão por dela fazer parte um delegado da associação de classe que tinha sido despedido do serviço da mesma fábrica.
Eu não sei os motivos por que êsse empregado foi despedido, mas o que sei é que êsse indivíduo desde o momento em que ia desempenhar uma missão oficial tinha perdido evidentemente a sua qualidade de operário.
Chamo a atenção de S. Exa. para o facto, para que êle não se torne a reproduzir, porquanto se êsse operário estava no exercício duma missão puramente oficial, o desrespeito não foi contra êsse indivíduo, roas contra a República.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério (Augusto de Vasconcelos): - Tem muita razão o Sr. Deputado Alfredo Ladeira se os factos se passaram como S. Exa. contou e que os jornais relataram. Comunicarei as considerações de S. Exa. ao meu colega do fomento que tomará as necessárias providências para que não haja o menor desrespeito pelas comissões por parte de ninguêm, seja quem for.
O Sr. Presidente: - Vou passar à ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papéis a mandar para a mês sã podem fazê-lo.
O Sr. Nunes da Palma: - Mando para a mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro, com urgência, os documentos seguintes:
1.° Nota da importância ilíquida, por concelhos e bairros, e por ano, dos emolumentos da contribuição de registo por título gratuito, descriminando-se os que pertenceram aos secretários de finanças e delegados do Procurador da República nos anos civis de 1907 a 1911 :
2.° Nota da importância ilíquida, por concelhos e bairros, dos emolumentos de contribuição de registo por título oneroso cobrados nos meses de Junho a Dezembro de 1911;
3.° Nota da importância ilíquida, por distritos, dos emolumentos de contribuição de registo, por título gratuito, que foram abonados aos inspectores de finanças;
4.° Nota da importância ilíquida, por concelhos, dos emolumentos de execuções fiscais, cobradas em cada um dos anos civis de 1907 a 1911, designando-se separadamente os recebidos pelos juizes, escrivães, contadores e oficiais de diligências;
5.° Nota, por concelhos, do número de escrivães de execuções fiscais e do de oficiais de diligências actualmente em serviço, indicando-se, nominalmente, os que acumulam as funções do seu cargo com quaisquer outras e quais essas sejam;
6.° Nota da importância ilíquida, por concelhos e bairros, e por anos, dos emolumentos de décima de juros cobrados em cada um dos anos civis de 1907 a 1911;
7.° Nota da importância ilíquida, por concelhos e bairros, e por ano, dos diversos emolumentos não mencionados acima e compreendidos na tabela n.° 2 anexa ao regulamento geral da Administração da Fazenda Pública, de 4 de Janeiro de 1870;
8.° Nota da importância ilíquida, por distritos, dos emolumentos cobrados nas inspecções de finanças, em cada um dos anos de 1907 a 1918, descriminados os provenientes de certidões e registos de cartas de arrematação, e, globalmente, todos os outros mencionados na tabela n.° 1 anexa ao regulamento de 4 de Janeiro de 1870;
9.° Nota da importância ilíquida, por concelhos, da gratificação pelo pagamento de vales do correio abonada aos tesoureiros da Fazenda Pública em cada um dos anos civis de 1907 a 1911.
10.° Nota da importância das percentagens, por anos e concelhos, recebidos pelos tesoureiros da Fazenda Pública e pela arrecadação de depósito da Companhia dos Tabacos, nos anos de 1907 a 1911;
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11.° Nota da importância dos proventos recebidos dos respectivos cofres camarários, pelos tesoureiros da Fazenda Pública, nos anos civis de 1907 a 1911, como tesoureiros privativos do município.
27 de Fevereiro de 1912. = O Deputado, João Carlos Nanes da Palma.
Para a Secretaria.
Mandou-se expedir.
Documentos mandados para a mesa
Pareceres
Da comissão de agricultura sôbre o projecto n.° 96-B relativo â chamada, por manifesto, do trigo serôdio próprio para semente e para, no caso de se verificar que o existente no pais não basta para as necessidades da lavoura, importá-lo do estrangeiro, parecer que deve ser aprovado.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 48-G, vindo do Senado; é de parecer que deve ser aprovado, relativo a ser autorizada a Câmara Municipal da Feira a emitir 700 obrigações amortizáveis de 50$000 réis.
Foi a imprimir.
Foi apresentado o parecer da comissão de finanças sôbre o projecto n.° 6-A, esclarecendo e completando as disposições do decreto de 23 de Agosto de 1911, relativo ao subsídio arbitrado aos membros do Congresso.
Foi a imprimir.
Foi apresentado um parecer da comissão de agricultura, com concordância da de finanças, sôbre a proposta 96-B, determinando que o Govêrno possa adquirir trigo serôdio próprio para semente, para distribuir aos lavradores, que em designadas condições, o requisitem.
Para a comissão de finanças.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei n.° 74, reforma administrativa
O Sr. Presidente: - Tem a palavra sôbre a ordem o Sr. Deputado Barbosa de Magalhães.
O Sr. Barbosa de Magalhães: - Obedecendo às prescripções regimentais, lê a sua
Moção de ordem
Fazendo parte da comissão administrativa, e seu dever expor os motivos pelos quais não assinou o parecer que se discute.
Por circunstâncias alheias à sua vontade, foi o menos assíduo de todos os membros dessa comissão, e, quando o parecer se concluiu e foi assinado, não estava na Câmara.
É êste o motivo porque nele não figura o seu nome, pois de contrário, apesar de não concordar com todas as suas disposições, tê-lo-hia assinado, reservando-se para depois na Câmara expor os pontos de discordância, como fez o Sr. Jacinto Nunes.
Uma cousa, no entretanto, deve dizer, e isso para opor à campanha que lá fora se move contra o Parlamento; que a comissão administrativa trabalhou assiduamente e com o maior zelo no estudo do projecto agora em discussão.
E, dito isto, vai agora expor o que, em seu entender, devia ser o novo Código Administrativo, respondendo ao mesmo tempo ao brilhante discurso proferido na última sessão pelo Sr. Álvaro de Castro.
Da exposição feita por êsse Sr. Deputado parece depreender-se que o que S. Exa. desejava era o adiamento do projecto, se não no seu todo, pelo menos duma parte dele.
Nesse ponto está em discordância com S. Exa., porque, se há capítulo do Código Administrativo que careca de ser revisto, é exactamente o que se refere ao contencioso, porque, pode dizer-se, e cousa que, entre nós, quási não existe.
O Sr. Álvaro de Castro é contrário à coodificação administrativa, porque vê nela o perigo da estabilidade, preferindo, por isso, que se fizessem várias leis avulsas sôbre a administração local, acomodadas às diferentes regiões. Não lhe parece isso possível, pois a especialização só se pode fazer para Lisboa.
A seu ver, é êste o momento de fazer uma obra democrática sôbre o municipalismo, entendendo-se por municipalismo todos os agregados administrativos
Desde há muitos anos que se reclama a implantação do antigo municipalismo, do regresso à tradição das administrações locais, existentes anteriormente ao estabelecimento do regime liberal. O município, então, era considerado como um núcleo de resistência contra as classes nobres e muitas vezes tambêm contra as prepotências do poder central. Era o legítimo defensor do povo.
A restauração dos municípios, como então existiam, impõe se como uma conveniência social, porque representam, como fim, não só um núcleo de resistência contra as prepotências do poder central, mas ate contra as pressões e exigências com grandes empresas financeiras.
Foi a êste mesmo critério que a comissão subordinou o seu trabalho; o que resta saber é como o traduziu no seu parecer.
De vários capítulos consta o projecto, e a cada um dêles se vai referir, tam ligeiramente quanto possível, por que não deseja fatigar a Câmara, mas dizendo o suficiente para expor o seu modo de pensar.
Ocupa-se, em primeiro lugar, da divisão administrativa. Nesse ponto, mantêm o que ia existe, a divisão em distritos, concelhos e paróquias. Dá o seu voto ao estabelecido pela comissão, porque embora muitos prefiram a antiga divisão por províncias, êle, orador, entende que hoje nenhuma vantagem traria, porque as circunstâncias tem variado bastante, e tinha, pelo contrário, o inconveniente de exigir a criação de mais um agregado administrativo.
Considera tambêm a comissão, e com isso igualmente concorda, que é necessário fazer uma nova divisão territorial administrativa, mas como essa modificação não se pode fazer duma vez, porque daí podiam resultar graves inconvenientes, consigna no projecto uma autorização ao Govêrno, para a ir alterando à proporção que os povos a reclamem. Nisto é que não está de acordo, porque a comissão diz que a alteração se pode fazer desde que seja reclamada por dois têrços dos interessados, e êle, orador, entende que isso não é bastante, porque nem sempre a vontade do povo é de atender; é necessário que ela não vá contra o interesse geral.
O que desejava, e que não vê no parecer, era que fôsse obrigatório o princípio da audiência, pois não quere
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que nenhuma alteração se possa fazer sem que sejam previamente ouvidas as entidades administrativas.
Posto isto, vai referir-se à constituição dos corpos administrativos. O projecto consigna o princípio da independência dos poderes para as juntas gerais dos distritos e para os municípios, mas não procede da mesma forma, por impossível, para com as juntas de paróquia. É justo o princípio, mas o que é necessário é destrinçar o que são funções deliberativas do que são funções administrativas.
Quanto ao número de membros que devem compor as corporações administrativas, tem dúvidas sôbre se será possível, por falta de gente habilitada, constituí-las tam numerosamente como consta do parecer. A seu ver, o que se devia era fixar o mínimo do número de membros, e para os municípios proceder-se com o mesmo critério que se adopta para as juntas gerais do distrito. Assim como para estas se dispôs que nelas tivessem representações todos os concelhos, assim nos municípios devem estar representadas todas as paróquias que constituem o concelho.
Na disposição incompatibilidades, tambêm entende que há alguma cousa a modificar, pois as que se exigem para os corpos deliberativos não devem ser as mesmas que se imponham aos executivos, de contrário corre-se o risco de não se encontrarem cidadãos em número suficiente para poderem desempenhar êsses lugares.
Dando a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia, o orador ficou com a palavra reservada.
Êste discurso será publicado na íntegra, quando S. Exa. haja devolvido as notas taqiiigráficas.
O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.
Vai ler-se a última redacção do projecto.
O Sr. Lopes da Silva: - Requíiro a contagem. Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Leu-se a última redacção do projecto referente às isenções da contribuição de renda de casas, sendo aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
Continuação da discussão do pertence n.° 40, alterando os preceitos estabelecidos na lei de 4 de Maio para a revisão das matrizes.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: desde as primeiras sessões que eu nesta Câmara tenho constantemente proclamado a necessidade de proceder-se previamente a uma revisão geral de matrizes sem o que não se poderá tornar exequível o decreto de 4 de Maio.
Parece-me que encetei esta campanha ainda na Assembleia Nacional Constituinte.
A Câmara, pode dizer-se que nenhum caso fez dêste meu pedido.
Mais tarde, sendo Ministro das Finanças o Sr Duarte Leite, apresentei uma proposta que conduzia ao mesmo fim.
No primeiro dia tive a impressão de que a Câmara concordava comigo, aceitando a minha proposta, mas, no dia seguinte, não sei que transformação se operou, que eu vi-me na necessidade de pedir licença para. a retirar da mesa e aguardar oportunidade para a apresentar.
Mais convencido fiquei de que a razão estava do meu lado, quando o Sr. Ministro das Finança, Sr. Sídónio Paes, veio pedir a suspensão da lei de 4 de Maio, até Julho.
Nessa ocasião já parte da Câmara concordava com a revisão prévia das matrizes.
Nessa ocasião tambêm aproveitei o ensejo para dizer que lamentava que o Sr. Ministro das Finanças não tornasse extensiva a mais um ano essa suspensão, porquanto teria necessidade de novamente apresentar nova medida no mesmo sentido.
A comissão de finanças superiormente representada nesta Câmara, pois é composta de homens que se impõem não só pelo seu talento, como pelas suas faculdades de trabalho e de estudo e pelo conhecimento que tem de assuntos desta especialidade, a comissão de finanças, que até então não emitiu parecer e até pelo contrário, contrariou sempre os meus propósitos, é ela agora que reconhece implicitamente que andava em êrro e que vem pedir que se proceda a uma revisão larga de matrizes, que o mesmo é que pedir a suspensão do decreto de 4 de Maio.
Não tenho senão que congratular-me, não só, por ver suspenso o decreto de 4 de Maio, com o qual não simpatizo, tal como se encontra redigido, mas porque se reconheceu mais uma vez, que nunca em país algum se remodelou o sistema fiscal sem se ter procedido previamente a uma larga revisão de matrizes, a fim de se conhecer a capacidade tributária de cada país.
E claro que em princípio concordo com o projecto da comissão de finanças e só lamento que ela tivesse acordado tam tarde.
Quando digo que concordo em princípio, não quero dizer, evidentemente, que concordo com os artigos que compõem esta proposta.
Não concordo, em primeiro lugar, com o limite mínimo para a revisão de matrizes.
Diz-se no projecto que só se deve proceder à revisão de propriedades cujo valor seja superior a 100$000 réis.
Discordo em absoluto desta 'disposição, pois todos sabem bem que há proprietários cujo rendimento colectável é inferior a 100$000 réis, devido ao valor baixo das matrizes.
Embora êsse rendimento não seja uma manifestação de riqueza, representa uma mediania que não justifica a excepção.
Estou convencido de que a comissão de finanças não terá dúvida em concordar com a proposta que tenho tenção de mandar para a mesa, modificando as disposições do artigo a que aludo.
Não me parece tambêm que a revisão se fôsse fazer a tempo de se abrirem os cofres em Julho, de forma a fazer-se a cobrança da contribuição pela lei de 4 de Maio.
Além disso, tencionava propor que as comissões em vez de 80 fossem 130, porque, certamente, aquele número não podia, conscienciosamente, proceder em dois ou três meses ao trabalho que a comissão pensava que se podia realizar nesse espaço de tempo; como, porêm, o Sr. Ministro das Finanças se adiantou nesse sentido, concordo com a proposta de S. Exa. para que em vez de 80 comissões se fixe êsse número em 120.
E nem mesmo 120 comissões, Sr. Presidente, poderão fazer êsse trabalho a tempo, com consciência, atribuindo aos prédios revistos um rendimento aproximado da verdade.
Se houvesse uma comissão por cada freguesia talvez se pudesse fazer essa revisão em tam curto prazo de tempo, mas como as circunstâncias do Tesouro Público não permitem tal, teremos de por de parte tal ideia.
Sr. Presidente: não concordo com a forma porque essas comissões vão ser constituídas, nem me parece que as circunstâncias do país possam conceder ajudas de custo
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de 2$800 réis em um serviço falho de quaisquer bases scientíticas.
Os engenheiros e agrónomos que se nomeiam para essas comissões não terão oficialmente a prática necessária para se desempenharem da sua missão, e nisto não vai o propósito de melindrar seja quem for.
Eu tenho um curso agrícola, e a acrescentar a isso tenho dois anos de prática de avaliação de propriedades, portanto já V. Exas. vêem que tenho alguma teoria e alguma prática dêsses serviços. Pois bem : posso declarar categoricamente à Câmara que, na terra em que eu vivia, pouco mais ou menos, poderia avaliar uma propriedade não me afastando muito do seu verdadeiro valor, mas se alguém se lembrasse de me pedir para ir a um concelho limítrofe fazer uma avaliação confesso que poderia, ainda que animado dos melhores intuitos, cair num êrro aproximado de 50 por cento ou mais, hipótese esta ainda bastante falível.
Os representantes dos proprietários nas comissões terão de ser os mentores dessas comissões, e elas terão que lhe aproveitar a avaliação da propriedade, por isso que, oficialmente, em virtude apenas do seu diploma, os engenheiros e agrónomos, como disse, desajudados de quais quer aparelhos scientíficos, â simples vista, não tem competência para bem se desempenharem da sua missão.
Portanto, Sr. Presidente, num país pobre como o nosso, devemos pôr de parte um tal sistema. (Apoiados).
Num país pobre como o nosso, é uma barbaridade conceder ajudas de custo de 2$500 réis diários a uma grande quantidade de indivíduos como é a que deve compor essas comissões. (Apoiados).
O que pois me parece melhor é seguir um outro critério e modificar a constituição dessas comissões, escolhendo homens práticos e honestos para presidir a essas comissões e a êsses trabalhos e pôr de parte a ideia do projecto. (Apoiados).
O Sr. Ministro das Finanças deve indagar quem convêm que presida a essas comissões, sendo o resto das comissões constituídas por representantes das classes interessadas.
Eu sôbre o assunto não apresento uma proposta completa, mas ela é mais económica para o país e deverá dar melhores resultados.
O que e necessário é que o Sr. Ministro das Finanças escolha para presidir a essas comissões alguém que se imponha pela sua honestidade, e são critério, ,que esteja coberto de todas as suspeitas, e que tenha vivido afastado das repartições públicas.
As repartições de finanças na província tem poucos empregados e se se fôsse a elas tirar ainda alguns, certamente os serviços ficariam num caos.
Eu quero que o homem que deverá presidir às comissões seja um dos representantes do Estado, sendo nomeado pelo Sr. Ministro das Finanças.
A comissão agregai á a si um ou mais representantes dos lavradores, ou dos sindicatos agrícolas, onde os houver.
Com estas comissões tam simples, estou convencido de que os resultados hão de ser satisfatórios, e o custo muito menor, salvaguardando-se os interesses do Estado e do contribuinte.
O que não faz sentido é organizar comissões como se fossem proceder à revisão de matrizes, tendo por base o cadastro territorial geométrico, quando apenas, hoje, só lhe poderemos impor um critério: é do bom senso.
Poderá haver ainda nesta Câmara quem tenha dúvida acerca do que estou dizendo, pensando que eu estou fantasiando ou quero fazer obstrucionismo ; mas, os Srs. Deputados que imaginem que isto não é verdade, podem consultar algum dos nossos colegas que viva na província, que poderá dizer se um proprietário do Alentejo, por exemplo, se pode julgar habilitado a avaliar uma propriedade nas Lezírias do Ribatejo ou nas fragas do Douro.
É necessário não ter trabalhado nunca com essas comissões para se chegar às conclusões a que chegou a comissão de finanças, acabando por supor que em dois ou três meses êstes trabalhos estejam realizados.
O Sr. Jacinto Nunes: - Nem em três anos.
O Orador: - E não suponha a Câmara que o rendimento colectável poderá aumentar até 8.000:000$000 réis com a revisão das matrizes a que se vai proceder.
O Sr. Inocêncio Camacho: - Há proprietários que possuem propriedades no valor de 400:000$000 réis e pagam uma insignificante contribuição.
O Orador: - Não há dúvida do que o rendimento colectável pode e deve aumentar bastante, mas não julgue a Câmara que, proporcionalmente ao aumento do rendimento colectável, ha-de aumentar o imposto lançado sôbre a terra.
O imposto a aplicar tem de se basear na capacidade tributária da terra e não nas concepções, empíricas quási sempre, dos nossos financeiros. Hoje a propriedade, em alguns concelhos, suporta 30 a 40 por cento de imposto, porque está na matriz com um valor muito abaixo da verdade. Feita a revisão, inscrita ela pelo seu verdadeiro valor, ela não suportará tal imposto, nem cousa parecida. Fixar percentagens, prever receitas provenientes da cobrança de novos impostos, sem proceder previamente à revisão das matrizes, o mesmo é que, desapoiados dos modernos conhecimentos de engenharia, começar a construção dum casa pelas águas furtadas. Pela revisão é que se devia ter começado. E, grande parte da responsabilidade que aos outros se quere atribuir, pertence à comissão de finanças e não á má vontade dos contribuintes.
Eu tenho pela comissão de finanças a máxima consideração, mas da sua obra discordo muito.
Interrupção do Sr. Jacinto Nunes.
O Sr. Inocêncio Camacho: - O Sr. Jacinto Nunes promoveu contra o decreto de 4 de Maio a maior das guerras.
O Sr. Jacinto Nunes: - Falta à verdade.
O que eu disse é que se não podiam cumprir as formalidades das declarações que os proprietários tinham que entregar nas repartições de finanças.
Trocam-se ápartes.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Sr. Jacinto Nunes: - Eu disse aqui e lá fora, por várias vezes, que não fazia essas declarações, porque não era obrigado a fazê-las.
E disse que seria tolo se as fizesse, emquanto estivesse de pé o regulamento de 1881. Disse isso e mantenho ainda tudo quanto disse.
O Orador: - Eu quero manter o máximo sangue fria quando discutir qualquer assunto (Apoiados), e só o não terá quem tiver um temperamento azedo ou não tiver a fôrça dos seus argumentos. E forte com a minha razão, eu continuarei calmo, fazendo as minhas considerações.
Sr. Presidente: se não houvesse a ilusão de que os grandes proprietários nada pagam e que, portanto, era preciso à outrance lançar-lhe as mãos às gùelas e obrigados a pagar, se o Sr. Ministro das Finanças tivesse concordado com o meu projecto de lei, isto é, reconhecesse que a lei de 4 de Maio era inexequível, emquanto não fôsse feita a revisão das matrizes, o que agora reconhece..
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se toda a Câmara tivesse logo procedido assim, êsses trabalhos estariam hoje muito adiantados e nós não ouviríamos as declarações que acaba de fazer o Sr. Inocêncio Camacho.
Se os homens que fazem leis, e que julgam que elas se podem executar, tratassem de dar prestígio à República, em vez de a desprestigiar, teimando no êrro, se êsses estadistas tivessem ouvido as classes interessadas e deferissem os pedidos que elas fizessem, e fossem de justiça, a lei de 4 de Maio tinha-se cumprido e nós não estaríamos agora perdendo tanto tempo com esta questão. (Apoiados).
Houve aqui alguns Deputados, e eu fui um dêles, que se levantaram para dizer que esta lei devia ser modificada, mas vinha-se sempre com o argumento de que essa lei era intangível.
O Sr. Tomé de Barros Queiroz: - A comissão de finanças nunca fez tal declaração 5 pelo contrário, declarou sempre que aceitava todas as emendas, que fossem beneficiar e melhorar a lei.
O Orador: - A comissão de finanças nunca fez ta declaração, mas os seus membros foram sempre contrários à minha emenda, pedindo a suspensão da lei, mandando-se proceder previamente à revisão das matrizes.
A comissão de finanças nunca declarou a lei intangível, mas contrariou sempre os propósitos daqueles que a queriam ver modificada, e que o faziam animados dos melhores intuitos.
Mas, Sr. Presidente, apelou-se para tudo e eu, sempre animado das melhores intenções, pedindo atenção para as minhas propostas, visto ser impossível meter o país inteiro na cadeia, não por rebeldia, mas pela impossibilidade dos proprietários cumprirem o que estava disposto nesta lei, nunca logrei ver aprovadas essas mesmas propostas.
Alvitrou-se até que, pelo país fora, se procedesse à avaliação de três tipos de prédios, como se os prédios estivessem subordinados a três tipos definidos, como as botas dos soldados.
Folguei com as declarações do Sr. Barros Queiroz, porque, como a Câmara compreende, daqui resultava necessáriamente que, ou o Estado ou os contribuintes ficavam roubados, estabelecendo-se tal critério para uma revisão.
Imaginem V. Exa. que a propriedade que, por sorte, era avaliada para ser fixada como padrão, em vez de estar na matriz pelo seu valor real, estava apenas por 100$000 réis, quando valia 3:000$000 réis.
Compreende V. Exa. a verdadeira extorsão que se fazia a todos os proprietários, cujos prédios fossem do tipo referido.
Todos os prédios, os do mesmo tipo, teriam, portanto, de subir na matriz na proporção de 1 para 10.
Dava-se a inversa, se por acaso era avaliada uma propriedade que estava pelo seu valor, ficando de fora todas aquelas que tinham uma avaliação baixa; neste caso, como vêem, ficava o Estado roubado.
Disse mais o Sr. Inocêncio Camacho que uma alta mentalidade portuguesa é que tinha lembrado a conveniência da expropriação; eu leio até as palavras de S. Exa.
Leu.
Sr. Presidente: por mais que tenha cogitado, não sei quem tenha sido esta mentalidade portuguesa Estas palavras poderão ser dum bom financeiro, dum bom contabilista, mas nunca dum economista, e que conheça bem o pais, o que é essencial.
Não quero mais ou menos repetir o que já disse, por isso vou resumir as minhas considerações. Lamento, Sr. Presidente, que a comissão de finanças se tivesse irritado até o ponto de receber mal as minhas observações. Não tive intuito de ser desagradável para qualquer dos membros da comissão de finanças, com os quais mantenho relações de amizade; mas lamento muito que se tivesse irritado tanto, não pelo que possa importar à minha pessoa, mas pelo que daí possa resultar. E claro que a comissão, irritando-se a êsse ponto, talvez não queira concordar com a minha proposta, mas mandando-a para a mesa fico a bem com a minha consciência, certo de que cumpri o meu dever.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O Sr. Pires de Campos: - Por parte da comissão de administração pública, mando para a mesa o parecer sôbre um projecto de lei já aprovado no Senado.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Por parte da comissão de finanças, mando para a mesa um parecer.
O Sr. Jacinto Nunes: - Simplesmente para perguntar se se mantém o regulamento de 20 de Agosto.
O Sr. Tomé de Barros Queiroz: - A comissão de finanças está estudando o assunto para apresentar o seu parecer.
O Sr. Emídio Mendes: - Sr. Presidente: começarei por declarar que não dou o meu voto ao projecto apresentado pela comissão de finanças. Nas considerações que passo a fazer, encontrarão V. Exa. e a Câmara a plena justificação do meu procedimento.
Segundo o que ouvi dizer ao Sr. Inocêncio Camacho, pareceu-me poder depreender que o que levou a comissão de finanças a apresentar o projecto em discussão, foram as dificuldades que se levantaram na execução da lei de 4 de Maio.
Questões desta natureza devem ser tratadas com a maior franqueza e sangue frio, ponde de parte mal entendidas conveniências políticas.
Em assuntos graves, como êste e como são todos aqueles que directamente se ligam com o regime tributário dum país, deve sempre dizer-se toda a verdade, e só a verdade, apontando com a maior lialdade todos os inconvenientes, sejam êles quais forem, que a aplicação duma determinada lei pode trazer.
Nem nos deve preocupar, Sr. Presidente, a circunstância de a lei ou projecto que se discute na obra do regime que defendemos ou ser proposta de pessoas, que alêm de nos merecerem muita consideração, tem ainda a grande virtude de sempre terem comungado nos nossos ideais políticos.
Por isso eu me tenho atrevido a criticar a lei de 4 de Maio de 1911 ; por isso eu me atrevo hoje a discordar do projecto que a esta Câmara trouxe, certamente com a melhor das intenções, a ilustre comissão de finanças.
Ainda funcionava a Assembleia Nacional Constituinte quando eu e o meu colega, Sr. Jorge Nunes, pedimos que, emquanto se não fizesse uma revisão conscienciosa da lei de 4 de Maio, a execução desta lei ficasse suspensa. Pedimos, mas a Câmara não atendeu o nosso pedido. Mais tarde, era Ministro das Finanças o Sr. Duarte Leite, voltei a insistir, dizendo com o maior desassombro que a lei de 4 de Maio, embora contivesse alguns princípios teoricamente bons, tinha contudo enormes defeitos que tornavam difícil quando não impossível a sua inteira aplicação, motivo porque era de toda a conveniência e necessidade que nós, antes de mais nada, revissemos cuidadosamente essa lei, uma das mais importantes do Govêrno Provisório, reformando-a de maneira a torná-la prática e apta a ter o tesouro os benefícios que, sem essa reforma, êle não podia ter.
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Guiado pela palavra autorizada do então Ministro das Finanças, a Câmara não ligou importância às minhas considerações.
Continuamos pois a perder meses á espera que os contribuintes viessem prestar as declarações e que, sem uma séria sanção, os obrigava a lei de 4 de Maio, declarações que aliás ninguêm pode conscienciosamente ter, tam defeituosa é nesse ponto a lei.
Sucedeu o que eu esperava, Sr. Presidente: As declarações não apareceram, o país não cumpriu a lei de 4 de Maio, e as matrizes continuaram e continuam ainda naquele vergonhosa estado em que se encontravam quando se proclamou a República!
Apesar disto, apesar das matrizes prediais continuarem a ser uma completa burla, o actual titular da pasta das Finanças não duvidou pedir à Câmara a aplicação da lei de 4 de Maio, contando, no orçamento já aprovado pelo Parlamento, e em virtude dessa aplicação, com um aumento de rendimento da contribuição predial de mais de 1:000 contos, e pedindo para que o Govêrno fôsse autorizado a fixar a taxa média dessa contribuição.
Protestei veementemente contra essa proposta ministerial porque julgava e continuo a julgar que é uma violência, uma injustiça, e até um enorme perigo para a República, a aplicação da lei de 4 de Maio, pelo menos, emquanto, como preliminar indispensável, se não fizer uma revisão de matrizes completa, conscienciosa e sobretudo justa e honesta.
Mais uma vez as minhas palavras não foram ouvidas, e, depois de no Orçamento de 1911-1912, se ter contado com o tal aumento de contribuição predial, deu-se ao Govêrno a autorização pedida e, para tornar a lei mais popular, isentaram-se do pagamento de contribuição predial centenas de milhares de contribuintes, que, se as matrizes não fossem uma burla, não podiam nem deviam ser beneficiados com tal isenção.
Emfim, Sr. Presidente, sem se terem recebido as declarações dos contribuintes, sem se ter feito a revisão de matrizes, sem se saber o rendimento global de cada contribuinte, base imprescindível para, nos termos da lei de 4 de Maio, se concederem isenções e se determinar a taxa relativa a cada contribuinte, o Parlamento autorizou o seu voto, mas com o meu protesto, a aplicação desordenada dessa lei, que por isso mesmo se pode dizer que ficou esfrangalhado.
Agora, e infelizmente só agora, a ilustre comissão de finanças e a Câmara vêem que eu e o Sr. Jorge Nunes tínhamos razão, que a apreciação da lei de 4 de Maio é dificílima, se não impossível, e que urge tomar uma providência que resolva a crítica situação em que o Tesouro se encontra, impossibilitado, se as cousas se conservarem como estão, de receber o aumento de contribuição predial com que, talvez inadvertidamente, se contem no orçamento em vigor.
Poderá o projecto em discussão ter o condão de resolver a dificuldade? Afoitamente posso afirmar que não.
A respeito das boas intenções da ilustre comissão de finanças, a que fiz e faço justiça, a verdade é que não é prática a solução que com esta proposta se pretende dar à questão da contribuição predial.
E desde já, Sr. Presidente, me comprometo, e, gastando o menor número de palavras, demonstrar que 6 fundamentada e não gratuita a afirmação que acabo de fazer.
A questão da contribuição predial no nosso país, reduzida à sua expressão mais simples, e esta: as matrizes prediais estão num estado vergonhoso, são uma verdadeira burla, pois dela não consta nem a terça parte do rendimento ou do valor real da propriedade, e daí resulta muito logicamente que a contribuição predial não dá ao Estado a terça parte do que deveria dar.
E êste estado vergonhoso das matrizes, deve em abôno da verdade dizer-se, que não se refere unicamente à grande propriedade, refere-se tambêm à média e à pequena propriedade, podendo mesmo dizer se que em Portugal ninguêm ou quási ninguêm paga aquilo que deve pagar.
Se V. Exa. correr todo o país, há-de ver nas matrizes cousas fenomenais, formidáveis.
Citarei um exemplo:
Eu estive numa praia de banhos em que as casas para banhistas se alugavam por 150$000 réis, e havia proprietários que faziam o seguinte: Em primeiro lugar davam uma declaração insignificante, de 50$000 réis, e depois ainda vinham pedir a anulação, porque essa casa só tinha estado arrendada durante três. meses, vindo assim a pagar de contribuição 900 e tantos réis. Isto é verdadeiro, pode ser constatado e reconhecido por todos os Srs. Deputados que conhecem suficientemente o norte do país.
Eu suponho que a Câmara dispensa que eu lhe apresente todos os exemplos que poderia citar e que mo permite que considere como pouco assente que as matrizes prendais, e relativamente a toda a propriedade, grande, média e pequena, estão num estado vergonhoso.
Urge portanto tomar uma medida prática, embora real ou aparentemente violenta, que rapidamente, mas com a maior justiça e honestidade ponha cubro a um tal estado de cousas.
Essa medida, embora acarrete sacrifícios para os contribuintes, deve ser posta em prática, porque assim o exigem os superiores interesses da República, mas deve aplicar se a todo o país e a todos os contribuintes, porque assim o exigem tambêm a justiça e a moralidade da mesma República.
A República não pode, nem deve, fazer leis que se não apliquem a toda a gente e ao mesmo tempo.
Ora, Sr. Presidente, admitindo, por mera hipótese, que se pode fazer uma útil revisão de matrizes, por meio de avaliações feitas por comissões, como pois a proposta, ou êsse trabalho é muito demorado, e então, aprovando essa proposta, nós não temos tempo para valer à dificuldade de momento que a comissão de finanças pretendeu remover, ou então, para que êsse trabalho seja rápido e a dificuldade se remova, é necessário que a lei que daqui saia não seja de aplicação geral, que seja urna lei injusta ou de funil, e que as avaliações sejam parciais feitas às propriedades de certos e determinados proprietários, de certos e determinados concelhos!
Ora isto não pode ser, porque é uma revoltante injustiça, e leis injustas só as podia fazer a monarquia e não a República.
Como ia dizendo, a reforma das matrizes deve fazer-se com um critério absolutamente justo, imparcial e honesto, não se fazendo para uns e para outros não, mas para todos. É essa revisão criteriosa das matrizes, feita por avaliações de comissões, é um trabalho que leva muito tempo a fazer se; não se faz num mês, nem em dois, nem, talvez, num ano. Mas o que é verdade é que o Sr. Ministro das Finanças veio â Câmara dizer que já êste ano tínhamos na contribuição predial um aumento grande. Eu desde logo duvidei, e, ainda mais, quando S. Exa. nos apresentou o Orçamento Geral do Estado pelo qual já elevava a taxa a 15,2...
O Sr. Ministro das Finanças (Sidónio Paes): - O máximo.
O Orador: - ... dizendo que a fixação da taxa dependeria das avaliações que se fizessem.
Ora, o que eu pus logo em dúvida foi que se fizessem as avaliações a tempo de obter essa taxa. É a minha opinião era que se chegava ao final sem haver matéria colectável para se poder cobrar a contribuição predial tal coma
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se dizia no Orçamento. E porquê? Porque não havia tempo de fazer todas as avaliações e se se fizeram já algumas a aplicação da lei é infinita.
O Sr. Deputado Jorge Atines apreciando as comissões avaliadoras expôs com muita clareza e com muita verdade a situação como ela era. E eu sou, não pela minha longo prática de advogado, mas pelo que tenho visto e observado, absolutamente contrário às avaliações e aos avaliadores.
Eu só conheço um avaliador competente da propriedade; é o seu proprietário, desde que se estabeleça uma sanção séria, e expropriação, para quando êle falta à verdade na suas declarações.
Quanto às comissões de avaliação, entendo que elas tem os maiores defeitos. De 100 comissões não se salvam 10, ou seja por falta de competência, ou seja mesmo até por irregularidades por essas comissões por alguns do seus membros cometida no desempenho das suas funções.
Alem dêstes defeitos há ainda um outro que é evidente, que resulte da diferença de critério de avaliação adoptado pelas diversas comissões, e que afinal redunda numa manifesta injustiça.
A comissão encarregada de avaliar as propriedades do concelho A pode ter, e com certeza terá, um critério de avaliação diferente do que tem a comissão encarregada de avaliações no concelho B e daqui, é evidente, resulta uma desigualdade enorme entre os proprietários dum e doutro concelho E para obviar a êste inconveniente um só remédio havia, que aliás se não pode adoptar: encarregar uma única comissão de proceder às avaliações em todo o país. ;Então o critério de avaliação seria o mesmo, poderia haver justiça nas avaliações, mas estas nunca mais acabavam de se fazer!
Mas não ficam aqui os inconvenientes das comissões que a proposta pretende criar.
Pelas razões que o Sr. Deputado Jorge Nunes apontou e com as quais concordo, as oitenta comissões não podem fazer o trabalho que é necessário em 8 meses, nem em tam pouco tempo em trabalho podia ser conscienciosamente feito ainda que as comissões fossem 200!
Mas eu não posso por emquanto fazer a crítica completa das comissões criadas pela proposta em discussão. Apontei-lhe os defeitos, mas, antes de demonstrar a existência dêsses defeitos, eu desejo fazer ainda algumas considerações.
Como já disse - e nisto concordou o Sr. Inocêncio Camacho - a comissão de finanças trouxe esta proposta para rapidamente resolver a situação criada pela aprovação do Orçamento notando em que êste se referia ao aumento do rendimento da contribuição predial.
Não seria preferível que a ilustre comissão nos trouxesse antes um projecto completo da reforma de lei de 4 Maio?
O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado de que tem apenas dois minutos para terminar as suas considerações ou então fica com a palavra reservada para a próxima sessão.
O Orador: - Ficarei com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: - Vai ler se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 76.
Leu-se na mesa.
O Sr. Lopes da Silva: - Depois de ter assinado, como membro da comissão de colónias, êsse parecer, parecia-me mais justo que êle fôsse modificado em harmonia com a proposta que mando para a mesa e que é a seguinte:
Proposta
É aplicado em todas as províncias ultramarinas e para os efeitos de importação e exportação recíprocos dos produtos nelas produzidas o mesmo regime pautal em vigor na província de Moçambique, segundo o preceituado no n.° 1 do § 1.° do artigo 1.° dos preliminares das pautas de Moçambique, de 29 de Dezembro de 1892. = Lopes da Silva.
O Sr. Mendes de Vasconcelos: - Requeiro a contagem.
Procedeu-se à contagem.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados, por isso vou encerrar a sessão. Nomeio para fazerem parte da comissão que há-de dar execução à proposta do Sr. Manuel José da Silva, os Srs. Nunes Godinho, Manuel José da Silva, Macedo Pinto, Silva Ramos e João Luís Damas.
Vista a autorização dada à mesa, nomeio para presidente da comissão de colónias o Sr. José Barbosa.
Não posso conceder a palavra aos Srs. Inocêncio Camacho e Jacinto Nunes, porque tenho de encerrar já a sessão.
As palavras que o Sr. Deputado Inocêncio Camacho proferiu não foram na intenção de melindrar o Sr. Jacinto Nunes, nem o Sr. Jacinto Nunes teve intuito de ofender o Sr. Inocêncio Camacho.
Esta explicação dou-a eu à Câmara, visto que sendo horas de encerrar a sessão não posso dar a palavra a S. Exa
O Sr. Jacinto Nunes: - Mas isto é uma questão de honra pessoal.
O Sr. Presidente: - V. Exa., Sr. Jacinto Nunes, deve fazer justiça ao Sr. Inocêncio Camacho, não acreditando que as palavras que S. Exa. proferiu fossem com intenção de o magoar.
O Sr. Jacinto Nunes: - Acima de tudo a dignidade.
Trocam se àpartes.
O Sr. Simas Machado: - V. Exa. dá-me licença?
Eu estava perto do Sr. Inocêncio Camacho quando proferiu aquelas palavras e fiquei convencidíssimo de que da parte do ilustre Deputado não houve intenção de melindrar o Sr. Jacinto Nunes.
O Sr. Jacinto Nunes: - Pelo que vejo, todos falam menos eu.
Risos.
O Sr. Álvaro Poppe: - Sr. Presidente: se a questão está generalizada, eu tambêm desejo falar.
Trocam-se ápartes.
O Sr. Simas Machado: - Tomei a palavra na melhor das intenções, com o fim de apaziguar esta questão.
O Sr. Álvaro Poppe: -Se os interessados não podem falar, V. Exa. tambêm não pode falar.
O Sr. Simas Machado: - Eu suponho não precisar das lições de V. Exa.
Vozes: - Ordem, ordem.
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12 DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, às catorze horas e meia, sendo a ordem do dia:
Projecto de lei n.° 103 autorizando o Govêrno a mandar proceder à chamada do trigo serôdio próprio para semente, e a importá-lo quando necessário;
Projecto de lei n.° 74 organizando o Código Administrativo.
Pertence ao projecto de lei n.° 40 modificando os preceitos estabelecidos pela lei de 4 de Maio de 1911 para as avaliações de propriedades rústica e urbana.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
O REDACTOR = João Saraiva.