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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

17.ª SESSÃO ORDINÁRIA DO 3.° PERIODO DA 1.ª LEGISLATURA

1912-1913

EM 6 DE JANEIRO DE 1913

Presidência do Exmo. Sr. Yitor José de Deus Macedo Pinto

Secretários os Exmos. Srs.

Jorge Frederico Velez Caroço
Pedro Januário do Vale Sá Pereira

Sumário. - Abre a sessão com a presença de 76 Srs. Deputados.

Lida e aprovada a acta, dá-se conta do expediente, sendo admitidas, em "segunda leitura", algumas propostas e alguns projectos de lei, já publicados no "Diário do Governo".

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Ramos da Costa insta pela discussão de diversos projectos de lei de sua iniciativa, que ainda não tem pareceres das comissões respectivas.

O Sr. Deputado Brito Camacho apresenta e justifica uma proposta revogando o § 1.º do artigo 2.° da lei de 28 de Junho de 1912, relativa ao subsidio dos membros do Congresso.

O Sr. Deputado Manuel Bravo requere a urgência e dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Deputado Brito Camacho. Aprovado êste requerimento, entra a proposta em discussão, sendo aprovada depois de algumas considerações do Sr. Deputado Pires de Campos.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Duarte Leite) participa à Câmara que apresentou ao Sr. Presidente da República o pedido de demissão colectiva do Govêrno, que foi aceite, e faz diversas considerações, explicando a crise ministerial.

O Sr. Deputado Barros Queiroz apresenta o parecer da comissão de finanças sôbre a proposta de lei relativa à conversão da dívida interna.

O Sr. Presidente comunica à Câmara que foi procurado pela direcção da Associação Central da Agricultura Portuguesa, que lhe entregou a representação contra a proposta de lei n.º 2, de 25 de Novembro de 1912, relativa à contribuição predial rústica. Sôbre o assunto usam da palavra os Srs. Deputados Brito Camacho e Afonso Costa, resolvendo-se que a representação seja distribuída pelos Srs. Deputados

É aprovada a dispensa do Regimento, para entrar em discussão o projecto de lei do Sr. Deputado Brito Camacho, relevando o Govêrno da responsabilidade em que incorreu, pela publicação do decreto que prorroga o contrato com o Banco Nacional Ultramarino. O projecto é aprovado na generalidade e na especialidade.

E autorizada a reùnir durante a sessão, a comissão de minas, comércio e indústria.

Enviam documentos para a mesa os Srs. Deputados Carlos Calisto, Francisco Cruz e Caldeira Queirós.

Ordem do dia. - E considerado prejudicado, pela aprovação do projecto de lei do Sr. Deputado Brito Camacho, o projecto de lein.°6-A, prorrogando o contrato com o Banco Nacional Ultramarino.

(Discussão do projecto de lei n.º 409, relativo ao Código Eleitoral). Usam da palavra, sôbre a generalidade, os Srs. Deputados Jacinto Nunes e Sá Pereira. E aprovado o projecto na generalidade. Passa-se à discussão vá especialidade, usando da palavra, sôbre o artigo 1.°, os Srs. Deputados Henrique Cardoso, Jacinto Nunes, que apresenta uma proposta de emenda, Ezequiel de Campos e Gastão Rodrigues. O Sr. Deputado Henrique Cardoso apresenta uma "questão prévia" para que se adie a discussão, por não estarem incluídas no projecto algumas emendas aprovadas pela comissão. E admitida e aprovada, em seguida, a "questão prévia" do Sr. Deputado Henrique Cardoso.

São aprovados, sem discussão, na generalidade e na especialidade, os projectos de lei: n.º 171, reintegrando no exército activo o alferes de infantaria do quadro da reserva, Miguel Augusto Alves Ferreira, e n.º 244, fixando a remuneração do inspector técnico de higiene do Hospital de S. José. E dispensada a ultima redacção do projecto de lei n.º 171, a requerimento do Sr. Deputado Fernando Macedo.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Deputado João Gonçalves trata de assuntos relativos à Penitenciária de Lisboa.

Encerra-se a sessão às 17 horas e 50 minutos, marcando o Sr. Presidente a imediata para o dia seguinte.

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Abertura da sessão às 14 horas e 55 minutos.

Presentes 64 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso Ferreira.
Alberto de Moura Pinto.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Alfredo Maria Ladeira.
Álvaro Nunes Ribeiro.
Álvaro Poppe.
Angelo Vaz.
António Albino Carvalho Mourão.
António Aresta Branco.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Cândido de Almeida Leitão.
António França Borges.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José Lourinho.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António Pádua Correia.
António Pires Pereira Júnior.
António Silva Gouveia.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Amaro do Miranda e Silva.
Carlos António Calixto.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Ernesto Carneiro Franco.
Ezequiel de Campos.
Fernando da Cunha Macedo.
Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava).
Francisco Cruz.
Francisco José Pereira.
Francisco Luís Tavares.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Gastão Rafael Rodrigues.
Gaudêncio Pires de Campos.
Germano Lopes Martins.
Guilherme Nunes Godinho.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique José Caldeira Queiroz.
João Barreira.
João Carlos Nunes da Palma.
João Duarte de Meneses.
João Fiel Stockler.
João Gonçalves.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim José Cerqueira da Rocha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Teófilo Braga.
Jorge Frederico Velez Caroço.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António Simões Raposo Júnior.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Bernardo Lopes da Silva.
José Cordeiro Júnior.
José Dias da Silva.
José Francisco Coelho.
José Jacinto Nunes.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pereira da Costa Basto.
José da Silva Ramos.
José Tristão Pais de Figueiredo.
José do Vale Matos Cid.
Jovino Francisco de Gouvêa Pinto.
Júlio do Patrocínio Martins.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel José da Silva.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Miguel de Abreu.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Philemon da Silveira Duarte de Almeida.
Rodrigo Fernandes Fontinha.
Tiago Moreira Sales.
Tito Augusto Morais.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vítor José de Deus Macedo Pinto.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adriano Mendes de Vasconcelos.
Alberto Souto.
Alexandre Braga.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo de Azevedo.
António Joaquim Granjo.
António Maria Malva do Vale.
António Maria da Silva.
Aquiles Gonçalves Fernandes.
Carlos Maria Pereira.
Emídio Guilherme Garcia Mendes.

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Henrique José dos Santos Cardoso.
João Camilo Rodrigues.
José Bessa de Carvalho.
José de Freitas Ribeiro.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
José Tomás da Fonseca.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Vitorino Henriques Godinho.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Augusto de Barros.
Alfredo Balduíno de Seabra Júnior.
Alfredo Guilherme Howell.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo Rodrigues da Fonseca.
António Afonso Garcia da Costa.
António Alberto Charula Pessanha.
António Amorim de Carvalho.
António Augusto Pereira Cabral.
António Caetano Celorico Gil.
António José de Almeida.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
António de Paiva Gomes.
António Valente de Almeida.
Artur Augusto Duarte da Luz Almeida.
Aureliano de Mira Fernandes.
Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves.
Carlos Henrique da Silva Maia Pinto.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo de Almeida.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.
Henrique de Sousa Monteiro.
Inocêncio Camacho Rodrigues.
João Machado Ferreira Brandão.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José Augusto Simas Machado.
José Barbosa.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Carlos da Maia.
José Maria Cardoso.
José Montez.
José Perdigão.
Luís Maria Rosette.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães.
Severiano José da Silva.

Às 14 horas e 30 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estando presentes 60 Srs. Deputados, vai ler-se a acta. Foi lida a acta.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à segunda chamada.

Procedeu-se à segunda chamada.

O Sr. Presidente: - Responderam à segunda chamada 76 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.

Deu-se conta do seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao requerimento do Sr. Deputado Júlio Martins, remete cópia conforme, do documento recebido da Companhia de Mossâmedes, acêrca das importâncias pagas pela referida Companhia, por serviços do contencioso.

Para a Secretaria.

Do Ministro do Fomento, enviando o exemplar da obra Lê Portugal au point de vue agrícola, satisfazendo ao pedido do Sr. Deputado Tito Augusto de Morais.

Para a Secretaria.

Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em satisfação ao pedido do Sr. Deputado Manuel Pires Vaz Bravo Júnior, declarando que a comissão de sindicância aos serviços do mesmo Ministério examinou os documentos a que o mesmo Sr. Deputado se refere.

Para a Secretaria.

Da Associação dos Médicos Portugueses, agradecendo o relevante serviço prestado à classe médica, pelo facto de se ter aprovado o projecto de lei que concede uma pensão à família dos médicos, que morrerem vítimas de doença contraída no exercício dos seus deveres profissionais.

Para a Secretaria.

Representações

Da Associação Central de Agricultura Portuguesa, protestando contra o novo im-

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pôsto sôbre o cacau, por considerá-lo a ruína da agricultura de S. Tomé e Príncipe.

Para a comissão de colónias.

Do Sindicato Agrícola de Lagos, fazendo várias considerações acêrca da imposição de novos impostos.

Para a comissão de agricultura.

Do Sindicato Agrícola de Alenquer, no mesmo sentido.

Para a mesma comissão.

Da Comissão Administrativa Paroquial da freguesia de Valongo, pedindo que sejam reformadas diversas disposições do Código Civil e da Legislação Judiciária.

Para a comissão de legislação civil.

Da Sociedade Junqueira, Limitada, fábrica de conservas de peixe em Armação de Pêra, concelho de Silves, contra a autorização pedida pela Comissão Municipal Administrativa de Portimão, para lançamento de 10 por cento sôbre mercadorias exportadas pela barra daquela vila.

Para a comissão de pescarias.

Dos serventes da Casa da Moeda e Papel Selado, pedindo que os seus ordenados sejam equiparados aos dos seus colegas do Ministério das Finanças.

Para a comissão de finanças.

Justificação de faltas

Do Sr. Deputado Angelo Vaz, justificando as suas faltas, com um atestado médico.

Para a comissão de infracções.

Do Sr. Deputado João Pereira Bastos, declarando que, por motivo de doença, não tem podido comparecer às sessões.

Para a mesma comissão.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre a admissão, à discussão, das seguintes propostas de lei e dos seguintes projectos de lei:

Segundas leituras

Propostas de lei

Foram admitidas as seguintes propostas de lei, já publicadas no Diário do Govêrno:

A lei de 22 de Fevereiro de 1911, que reorganizou o ensino médico, estabeleceu para os primeiros assistentes da Faculdade o vencimento anual de 600 escudos, desdobrando em 400 escudos de categoria e 200 escudos de exercício.

Posteriormente a lei de 27 de Março do mesmo ano, que reorganizou o quadro do pessoal para o Hospital Escolar de Santa Marta, fixou para os primeiros assistentes o vencimento de 240 escudos.

Possivel é que êste último diploma pretendesse apenas abranger nesta parte aqueles dos primeiros assistentes que exclusivamente exercessem funções clínicas, sem ónus de ensino; no emtanto, desde que o artigo 70.° do primeiro daqueles diplomas determinou que os assistentes da 6.ª, 7.ª e 8.ª classes seriam pagos pela verba de dotação dos hospitais onde fizessem serviço, pareceu às estações competentes que nenhum outro vencimento podia ser mandado abonar aos assistentes de Santa Marta senão o que vinha fixado no quadro respectivo.

Embora a mais conforme com os textos legais tem, porêm, esta interpretação, o defeito de criar para alguns assistentes uma situação desigual em relação aos seus restantes colegas, dando-lhes uma remuneração muito inferior e desconhecendo-lhes direitos que a lei lhes havia reconhecido.

Sendo, pois, de toda justiça emendar esta incongruência e dar a quem a lei conferia um direito, e que dentro da lei tem cumprido integralmente o seu dever, aquilo que justamente deve caber-lhes, tenho a honra de apresentar á consideração da Câmara a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Os vencimentos que competem a todos os primeiros assistentes da Faculdade de Medicina, que exercem funções de ensino, são os fixados no artigo 69.° do decreto com forca de lei de 22 de Fevereiro de 1911.

Art. 2.° A diferença entre os vencimentos que a êsses assistentes tenham sido abonados e os que por esta lei lhe são reconhecidos.

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ser-lhes há abonada desde a data em que entraram em exercício das suas funções, como primeiros assistentes efectivos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, em 3 de Janeiro de Duarte Leite Pereira da Silva - António Vicente Ferreira.

Foi admitida. Para a comissão de finanças.

Artigo 1.° A Secretaria Geral da Presidência da República ser á constituída p elo secretário geral, dois oficiais e dois correios.

Art. 2.° Alêm dos funcionários indicados prestarão serviço no Palácio de Belém, permanente ou eventual, aqueles dos serventuários dos antigos paços, que, nos termos do artigo 8.° do decreto de 30 de Junho último, o secretário geral indicar.

Art. 3.° O secretário geral da Presidência continuará percebendo o vencimento lixado no § 1.° do artigo 2.° do decreto de 23 de Agosto de 1911; o vencimento dos oficiais é fixado em 600$000 réis o em 292$000 réis o dos correios.

§ único, aquele dos oficiais que desempenhar as funções protocolares no Palácio dei Presidência será abonada a gratificação de 300$000 réis.

Art. 4.° Os lugares do quadro da Secretaria Geral da Presidência são providos em comissão temporária de serviço público, sendo o provimento precedido de proposta do secretário geral.

Art. 5.° São condições necessárias para o exercício dos lugares de oficiais as habilitações legais exigidas para admissão nas Secretarias de Estado.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.

Ministério das Finanças, em 3 de Janeiro do 1913. = Duarte Leite Pereira da Silva = António Vicente Ferreira.

Foi admitida. Para a comissão de finanças.

Projectos de lei

Foram admitidos os seguintes projectos de lei, já publicados no Diário do Govêrno:

Pagamento da dívida flutuante externa

Artigo 1.° Fica o Govêrno autorizado a realizar um empréstimo em duas séries iguais, do tipo de 4 1/2 por cento, amortizável em sessenta anos, na importância do 120.000.000 de escudos.

§ 1.° A primeira série dêste empréstimo destina-se a saldar a dívida flutuante externa, computada em 11.940.000 escudos, o a estabelecer a primeira série do capital do Banco da República Portuguesa e à conversão das obrigações dos empréstimos de 4 1/2 por cento de 1891 e 1896.

§ 2.° Da segunda série, 8.373.900 escudos aplicam-se a completar o capital do Banco da República Portuguesa, 12.000.000 escudos ao desenvolvimento da viação pública, e o restante constitui fundo para a defesa nacional e para saldar os encargos da operação financeira a realizar.

Art. 2.° Os encargos do juro e amortização do empréstimo a que alude o artigo anterior, computados na quantia de 2.907.210 escudos para cada série, ficam caucionados com a renda que a Companhia dos Tabacos de Portugal paga ao Estado.

Art. 3.° O saldo da segunda série do empréstimo de que trata o artigo 1.° desta lei, completado o capital do Banco da República Portuguesa, fica depositado nos cofres do mesmo Banco, em conta corrente, à ordem do Govêrno, vencendo juro à razão do 1 por cento, abaixo da taxa de desconto do mercado livro de Londres, e serão levantados à medida das necessidades dos pagamentos de viação e do material de defesa do país.

Art. 4.° O programa de defesa há-de estar realizado no prazo máximo de dois anos, a contar da data do contrato para o empréstimo mencionado no artigo 1.° desta lei.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 3 de Janeiro de 1913.= O Deputado, António Maria da Silva.

Foi admitido. Para a comissão de finanças.

II

Banco da República Portuguesa

Artigo 1.° É criado em Lisboa um Banco da República Portuguesa que será o banqueiro do Estado, ficando a seu cargo o recebimento de todas as contribuições, a venda das estampilhas fiscais, o pagamento dos serviços públicos tanto no país como no estrangeiro, a realização de todas

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as operações de crédito que o Estado tiver que fazer, as transferencias de fundos nos serviços do Estado, a criação e administração de caixas económicas, de previdência, de seguros populares ou contra a invalidez, sem trabalho e acidentes de trabalho, que o Estado tiver de criar em virtude de leis votadas no Parlamento ou já existentes em rés ditado de leis em vigor, instituição de agencias no estrangeiro, especialmente nos Estados Unidos do Brasil, para efectuar cobranças de rendas, liquidação do dívidas e heranças, operações cambiais, empréstimos sôbre fundos nacionais e estrangeiros de reconhecido valor, redesconto aos Bancos e casas bancárias de Lisboa e Pôrto de crédito reconhecido, dos valores comerciais que êstes possuírem, quando precisarem de mobilizar a sua carteira, crédito agrícola e industrial e fazendo ainda outras operações bancárias, que serão fixadas no regulamento e estatutos do Banco.

§ 1.° É absolutamente proibido ao Banco descontar leiras, valores comerciais ou emprestar sôbre papéis de crédito de empresas particulares ou de serviços públicos, tais como caminhos de ferro e navegação, a particulares, sociedades anónimas ou companhias, excepto quando estas operações se efectuarem por intermédio do estabelecimentos bancários de reconhecido crédito, agregando-se às responsabilidades já constantes daqueles valores mobiliários as dos estabelecimentos bancários que fizerem a transacção com o Banco.

§ 2.° Passa para o Banco todo o pessoal dos serviços de cobrança de impostos e pagamentos hoje a cargo do Estado, depois de apuradas as condições em que se encontra êsse pessoal e de regulamentados os serviços do Banco.

§ 3.° As leis referentes a seguros populares e aos contra a invalidez, falta de trabalho e acidentes de trabalho podem ser de iniciativa do Banco; mas, quando o não forem, é sempre obrigatória a consulta à direcção do Banco que deve acompanhar a proposta de lei durante toda a discussão parlamentar, sendo publicada com a respectiva proposta.

§ 4.° As instituições de providencia já existentes a cargo do Estado, o Banco fará um rigoroso inquérito, procurando estabelizá-las na sua organização financeira, quando isso seja possível, e, quando o não possa conseguir, as operações dêsses institutos ficarão como secções absolutamente autónomas dentro do Banco da República Portuguesa, nunca envolvendo com as dele as suas operações financeiras.

§ 5.° As operações determinativas do crédito agrícola ou industrial, previdência e mutualismo, só poderão ser empreendidas pelo Banco dentro dos precisos termos do seu estatuto ou por lei especial.

Os privilégios do Banco e a sua acção financeira poderão estender-se às colónias, mediante lei e regulamentação especial.

Art. 2.° A administração ou gerência do Banco é absolutamente independente da acção do Govêrno do país, que no entanto nomeia o seu governador por decreto presidencial, renovável de quatro em quatro anos e sôbre proposta do Ministro das Finanças.

§ 1.° A direcção do Banco é constituída por oito directores eleitos de dois em dois anos, em escrutínio secreto, da seguinte forma:

Um pelo Senado; um pela Câmara dos Deputados; um pelos conselhos dos serviços autónomos e Conselho Superior da Administração Financeira do Estado; um tirado do Ministério das Finanças e eleito pelos directores gerais, chefes de repartição o de serviço daquele Ministério; um pela Associação Comercial de Lisboa, Industrial Portuguesa, Central de Agricultura e Associação dos Lojistas de Lisboa; um pelos Bancos e casas Bancárias de Lisboa; um pelas Associações Comercial do Pôrto, Industrial Portuense e Centro Comercial da mesma cidade; e, finalmente, um pelos Bancos e casas Bancárias do Pôrto.

§ 2.° Para a eleição dos directores que representam as associações de Lisboa e Pôrto, designados no parágrafo antecedente, terão os sócios que se reùnir em sessão conjunta, na sede da mais antiga, tudo em. harmonia com o que preceituar o estatuto do Banco.

§ 3.° A eleição dos directores que representam os bancos e casas bancárias de Lisboa ou do Pôrto far-se-há em termos análogos ao indicado no parágrafo anterior e em harmonia com as disposições estatuintes do Banco.

§ 4.° Nunca podem estar em exercício apenas os directores eleitos pelo Congresso

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Nacional e pelos funcionários e a escala do serviço regular-se há de maneira que êstes fiquem sempre em minoria.

Art. 3.° Além da direcção haverá no Banco um gerente devidamente remunerado e interessado nos lucros do estabelecimento, que terá a seu cargo o estudo de todas as operações e a sua preparação, de modo que, ao serem presentes a deliberação da direcção, esta se encontre habilitada a decidir do assunto.

Art. 4.° O capital do Banco da República Portuguesa é constituído pelos valores a seguir designados e que serão devidamente computados ao instalar-se o mesmo Banco:

[Ver tabela na imagem]

§ único. 80 Banco da República Portuguesa tem o direito de mobilizar os papéis de crédito pertencentes ao Estado e enumerados neste artigo e no parágrafo antecedente, substituindo-os por outros ou transformando-os em valores estrangeiros, quando reconheça ser êsse um meio de regularizar as operações cambiais que tiver que fazer para pagamento do coupon externo da dívida portuguesa, quer remetendo as cambiais às entidades encarregadas dêste serviço, ou fornecendo-as a Junta do Crédito Público.

Art. 5.° O fabrico das notas do Banco constituo exclusivo do Banco da República Portuguesa para todo o continente e ilhas adjacentes.

§ 1.° Emquanto o Banco da República Portuguesa não estender as suas operações às colónias, em virtude do disposto no § 1.° do artigo 1.° desta lei, a circulação fiduciária fica fixada em 100.000.000 de escudos, podendo contudo elevar-se a 120.000.000 de escudos.

§ 2.° As notas são inconvertíveis, e devem ser aceites como moeda em todo o país sem exceptuar as colónias portuguesas.

§ 3.° O Banco da República Portuguesa pagará com notas do Banco de Portugal, devidamente carimbadas com sêlo especial, o valor das suas reservas metálicas e a dívida do Estado àquele estabelecimento de crédito, para o que terá o prazo dum ano a contar da data da promulgação da presente lei.

§ 4.° Durante o prazo fixado no parágrafo antecedente o Banco de Portugal poderá pagar os descontos de letras a particulares com as notas assim carimbadas e recebidas em pagamento da dívida do Govêrno e das reservas metálicas, devendo contudo inutilizar até cinco dias, contados da data da promulgação desta lei e em presença do delegado do Govêrno, todas as notas que existirem nos cofres da sua série e nos dez dias seguintes àqueles as existentes nos cofres da sua filial e agências distritais tanto do continente como das ilhas adjacentes.

§ 5.° As inutilizações de notas de que trata o parágrafo anterior serão feitas por meio de fogo, lavrando-se em triplicado os competentes autos de inutilização em que se devem consignar os números e séries das notas em correspondência com o valor nominal de cada uma das espécies que vão incinerar-se. Êstes autos serão assinados pelos funcionários que designa o parágrafo seguinte, agentes do Banco de Portugal, e duas testemunhas estranhas

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ao funcionalismo e tanto quanto possível proprietários na localidade. Um dos autos ficará na agência para encontro das contas dos agentes com o respectivo Banco, e os dois outros autos enviados ao Govêrno, e entregará um ao Banco da República Portuguesa para a verificação de que as notas do Banco do Portugal que lhe são entregues não correspondem aos números e sortes incineradas.

§ 6.° As inutilizações serão efectuadas em presença do governador civil do distrito respectivo, do inspector de finanças, do secretário de finanças da sede do distrito e dos gerentes da filial ou agencia do Banco de Portugal no distrito, não podendo retirar-se os funcionários a que se refere êste parágrafo sem verificarem que as notas ficaram inteiramente reduzidas a cinzas.

§ 7.° As notas existentes nas agências do Banco de Portugal, fora das sedes dos distritos, constituindo carteira ou valores do mesmo Banco, serão entregues pelo agente ao recebedor do respectivo concelho que lhes passará recibo em quadruplicado, onde designarão as espécies das notas com os seus respectivos números e séries. Um dos exemplares ficará em poder do agente para encontro das suas contas com o Banco de Portugal, dois outros serão expedidos pelo recebedor ao director geral da Fazenda Pública para os efeitos de remessa e arquivo de que trata o § 5.º dêste artigo, e o quarto ficará em poder do recebedor para, em presença dele o dum dos expedidos, efectuar a entrega das notas aos agentes do Govêrno encarregados de as expedirem para a devida inutilização.

§ 8.º As notas do Banco de Portugal existentes nos cofres públicos, à data da promulgação da presente lei, serão expedidas pelos exactores da Fazenda Pública, dentro de dez dias como encomenda postal registada e com valor declarado para a sede do respectivo distrito, a fim de que o Govêrno as faça recolher á sede do Banco da República Portuguesa para ali receberem o carimbo de que trata o § 3.º dêste artigo.

§ 9.° No dia primeiro do mós que seguir ao da promulgação da presente lei, os referidos exactores da Fazenda Pública procederão à remessa das notas cobradas no mês anterior nos termos indicados no parágrafo antecedente. Do mesmo modo devem proceder nos quatro meses seguintes.

§ 10.° Os bancos e casas bancárias de Lisboa e Pôrto e os da província efectuarão dentro de sessenta dias, a contar da data da promulgação desta lei, a troca por notas do Banco da República Portuguesa das emitidas pelo Banco de Portugal que tiverem nos seus cofres.

§ 11.º Todas as notas carimbadas que voltarem aos cofres do Estado serão remetidas ao Banco da República Portuguesa para que lhas troque por notas da sua própria emissão do modo que no fim de dezoito meses, a contar da data da promulgação desta lei, não haja mais notas em circulação senão as do Banco da República Portuguesa.

§ 12.° As notas carimbadas que o Banco de Portugal não tiver conseguido pôr em circulação serão por êste devolvidas ao Banco da República Portuguesa para que lhas troque por notas novas, findos os dezoito meses referidos no parágrafo antecedente.

Art. 6.° O Banco da República Portuguesa receberá, pelo valor por que forem inventariados, todos os maquinismos para fabrico das notas em poder do Banco de Portugal, para iniciar o mais rapidamente possível o fabrico das suas notas, de maneira que, passados dezoito meses sôbre a promulgação desta lei, deixem totalmente de circular até as notas carimbadas do Banco de Portugal, referidas no § 3.° do artigo antecedente.

Art. 7.° O Congresso nomeará uma comissão de financeiros e jurisconsultos para elaborar os estatutos do Banco da República Portuguesa que será submetido à apreciação do Parlamento no prazo máximo de quatro meses, a contar da data da promulgação desta lei e entrará em vigor seis meses depois da mesma data.

§ 1.° Esta comissão será constituída por cinco membros.

§ 2.° Da comissão a que alude êste artigo podem fazer parte indivíduos estranhos ao Congresso.

§ 3.° Os vogais da comissão, que não perceberem vencimentos pelos cofres públicos, serão devidamente remunerados, fixando o Congresso a quantia necessária para lhes remunerar o trabalho. Aos que forem funcionários do Estado serão man-

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tidos todos os vencimentos e gratificações legais que receberem, mas dispensados do serviço para se poderem entregar assídua e exclusivamente aos trabalhos que lhes são cometidos neste artigo.

Art. 8.° Emquanto não forem aprovados os estatutos e regulamento do Banco êste limitar-se há por meio dos seus agentes à cobrança dos rendimentos do Estado, ao pagamento das despesas públicas e ao cadastro e distribuição do pessoal do Estado que fica sob a sua alçada, para que possa sem demora entrar em actividade do serviço, logo que se promulguem aqueles diplomas.

Art. 9.° O Banco apresentará anualmente ao Congresso um relatório circunstanciado e assinado, em que mencionarão todas as operações que tiver feito.

§ 1.° Êste relatório será acompanhado das contas de gerência e dum parecer do governador em que formulará e fundamentará as propostas que houverem sido combinadas e discutidas pela direcção e que forem tendentes à melhor e mais profícua administração do estabelecimento.

§ 2.° O Congresso elegerá uma comissão de cinco membros para exame das contas e escrituração do Banco que será num ano constituída por três Senadores e dois Deputados no seguinte por dois Senadores e três deputados e assim sucessivamente.

§ 3.° Esta comissão revisora de coutas no fim de três meses, a contar da data da sua eleição, apresentará um parecer sôbre o estado do Banco e sôbre as propostas do governador e formulará as emendas e regras que devem seguir-se na administração do estabelecimento.

§ 4.° O relatório, contas e pareceres de que trata êste artigo, serão discutidos em sessão conjunta do Congresso, onde se fará representar o Banco pela maioria da sua direcção e onde comparecerá o governador para darem as explicações que o Congresso lhes pedir.

Art. 10.° No estatuto e regulamento do Banco consignar-se hão as atribuições da direcção, sôbre o pessoal do Estado, que passa para o serviço do estabelecimento de crédito.

§ único. As vacaturas no pessoal do Banco serão preenchidas pela direcção, que fixará os quadros respectivos em conformidade com as necessidades do serviço.

Art. 11.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 3 de Janeiro de 1913.= O Deputado, António Maria da Silva.

Foi admitido. Para a comissão de finanças.

III

Contribuição industrial

Artigo 1.° E o Govêrno autorizado a proceder a um inquérito e a um estudo com o intuito de reformar a distribuição da contribuição industrial, de modo a torná-la mais equitativa.

§ 1.° Nas indústrias têxteis a tributação incidirá sôbre a produção por meio de selagem, convenientemente estudada.

§ 2.° Em todas as indústrias onde possa aplicar-se a selagem será suprimida a tributação por meio de grémios e indicadores mecânicos.

§ 3.° Nas indústrias da construção civil a tributação será paga por meio de selos de estampilha colados sôbre termos de responsabilidade, contratos lavrados perante notários, contratos de empreitadas e outros análogos.

§ 4.° Em todas as indústrias e agências indeterminadas, em que isso seja possível, suprimir-se hão os grémios, desde que haja método mais fácil de fazer incidir a tributação.

Art. 2.° As tabelas de tributação e as das multas correlativas serão submetidas à aprovação do Parlamento, depois de elaboradas em presença dos resultados do inquérito indicado no artigo antecedente.

Art. 3.° Logo em seguida à aprovação da presente lei, o Govêrno tornará efectiva a sua execução, fazendo proceder sem demora ao respectivo inquérito, ouvindo os empregados de finanças, grémios, classes interessadas, engenheiros em serviço na Direcção Geral do Comércio o Indústria, para fornecerem os elementos técnicos relativos às diversas indústrias e quem mais entender o julgar competente, de modo que, passados quatro meses após a promulgação da lei, esteja de posse dos elementos que lhe permitam fixar as tabelas do imposto, por forma que êle corresponda tanto quanto possível à produção individual, sem que para isso tenha que aumentar o pessoal do fisco, mas aplicando-o mais

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profícuamente possível aquele que existe já.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em 3 de Janeiro de 1913. = O Deputado, António Maria da Silva.

Foi admitido. Para a comissão de finanças.

Artigo 1.° São autorizadas, a favor do Ministério da Guerra, as antecipações, por operações de tesouraria em conta de liquidação, dos fundos necessários para pagamento das despesas que tenham de ser efectuadas pelas unidades e estabelecimentos militares.

§ 1.° Não são compreendidas nesta autorização as despesas extraordinárias, as de obras a cargo da engenharia militar e as que tenham de ser pagas nas gerências seguintes, cujo pagamento continuará a ser feito por ordenamento prévio.

§ 2.° Estas antecipações efectuar-se hão por meio de saques mensais, na importância indispensável para pagamento das despesas dêsse mês, são remetidos pelas vias competentes à Repartição de Contabilidade do Ministério da Guerra, nos princípios de cada mês, depois de devidamente processados e legalizados pelas estações competentes da Administração Militar.

§ 3.° A Repartição de Contabilidade, feitos os lançamentos devidos, efectuará a remessa dos títulos de saque à Direcção Geral da Fazenda Pública para esta tornar efectivo o seu pagamento, nas diversas localidades, pelos correspondentes cofres do Ministério das Finanças.

Art. 2.° O ordenamento das despesas, segundo a classificação orçamental e o seu ajustamento com as quantias respectivamente abonadas por antecipação a cada unidade ou estabelecimento, far-se há mensalmente por meio de contas apropriadas, das quais devem constar todas as despesas pagas pelos fundos recebidos por antecipação.

§ 1.° Um exemplar destas contas, com a indicação da classificação dada pela Repartição de Contabilidade ao respectivo ordenamento da despesa, será pela mesma Repartição remetido ao Conselho Superior da Administração Financeira do Estado.

§ 2.° Os documentos relativos a cada conta da despesa ficam temporariamente arquivados nas Inspecções dos Serviços Administrativos até se ultimar a conferencia da conta imediata, finda a qual serão pelas mesmas Inspecções remetidos directamente ao Concelho Superior da Administração Financeira do Estado para, sôbre êles e a respectiva conta, exercer a sua fiscalização financeira.

§ 3.° Os saldos provenientes do ajustamento das contas dum mês serão encontrados no saque imediato, com excepção dos que respeitarem ao último mês de cada ano económico, que deverão ser entregues nos cofres do Estado, antes de findo o mês seguinte.

§ 4.° De todas as despesas autorizadas, com cabimento nas verbas orçamentais, que não tenham sido pagas até o último dia de cada ano económico, serão organizadas, pelas respectivas unidades e estabelecimentos, relações que serão remetidas à Repartição de Contabilidade para a sua liquidação e providências precisas, a fim de poder ocorrer ao pagamento durante as cinco gerências seguintes.

Art. 3.° As despesas do Ministério da Guerra, sujeitas ou não a ordenamento prévio, poderão realizar-se conforme as necessidades do serviço, sem dependência de cabimento nos duodécimos das competentes verbas orçamentais, não podendo, porêm, em caso algum, ser excedido o total dos créditos que estiverem autorizados para êsse ano económico.

§ único. Na Repartição de Contabilidade do Ministério da Guerra será organizada uma conta de liquidação das despesas dêsse Ministério por operações de tesouraria, devendo esta Repartição indicar, à 8.ª Repartição Geral da Secretaria da Guerra, oportunamente, os saldos disponíveis dos créditos autorizados a que seja aplicável a antecipação estabelecida pelo artigo 1.°

Art. 4.° O Ministro da Guerra, quando a conveniência dos serviços assim o exija, poderá transferir, por decreto publicado no Diário do Govêrno, verbas dum para outro artigo do mesmo ou de diferente capítulo da distribuição da despesa do Ministério, e dentro do mesmo artigo, por despacho que será comunicado ao Conselho Superior da Administração Financeira do Estado, verbas duma para outra rubrica.

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§ 1.° Nenhuma dessas transferencias poderá porêm, ser efectuada, seja qual for o pretexto ou motivo, de verbas exclusivas da despesa do pessoal para. as destinadas própriamente a material e vice-versa, nem tam pouco para reforço de qualquer das verbas do pessoal quando o execesso da despesa for motivado por argumentos de quadros ou de vencimentos não autorizados expressamente por lei.

§ 2.° No decorrer do ano económico, quando alguma das verbas orçamentais estiver prestes a ser esgotada, a Repartição de Contabilidade do Ministério, ouvida a 8.ª Repartição da 2.ª Direcção da Secretaria da Guerra, apresentará ao Ministro as propostas de transferência, que forem necessárias, procedendo semelhantemente quando se torne indispensável algum crédito especial ou extraordinário.

Art. 5.° Os diversos cofres do Ministério das Finanças efectuarão as transferencias que lhes forem pedidas pelas unidades e estabelecimentos militares.

§ único. Estas transferências só poderão efectuar-se por motivo de serviços da respectiva administração, a cargo dessas unidades e estabelecimentos, e mediante apresentação de guias em duplicado, visadas péla correspondente Inspecção dos Serviços Administrativos, contendo a indicação da quantia total a transferir, aplicação a que se destina.

O recibo será passado pelos diversos cofres, no duplicado da guia, para a documentação de que a unidade ou estabelecimento possa carecer.

Art. 6.° A Repartição de Contabilidade do Ministério, a 8.ª Repartição da 2.ª Direcção Geral da Secretaria da Guerra, as Inspecções dos Serviços Administrativos junto das divisões do exército, e os conselhos administrativos das unidades e estabelecimentos militares, são responsáveis, na parte que a cada um couber, pelo exacto cumprimento dos preceitos de contabilidade estabelecidos na legislação em vigor, que não sejam alterados pela presente lei, e pela aplicação de fundos e verificação dos diferentes documentos e contas das despesas, conforme o que a tal respeito estiver preceituado.

§ 1.° A responsabilidade caberá à referida repartição e autoridades militares, em geral, pelas transgressões dos preceitos legais e, em especial, nos seguintes termos:

1.° A Repartição de Contabilidade, por todos os ordenamentos de despesa a mais dos créditos autorizados.

2.° A todas as repartições e estações fiscais do Ministério, pelas despesas ilegais ou indevidas que processarem.

3.° Aos conselhos administrativos e mais autoridades militares, que administrarem fundos ou dêles dispuserem para determinado fim, pelo seu desvio ou indevida aplicação que lixes derem, e pelos saldos que tenham a restituir por liquidação das suas contas mensais.

§ 2.° As responsabilidades de que trata o parágrafo antecedente importam, para os responsáveis, a restituição imediata das respectivas importâncias, independentemente de qualquer procedimento disciplinar ou criminal, que possa caber-lhes pela preterição dos preceitos legais.

Art. 7.° A correspondência sôbre assuntos de administração do exército e a remessa e devolução de documentos, entre a Repartição de Contabilidade do Ministério da Guerra e qualquer das estações oficiais e outras autoridades dependentes do mesmo Ministério, efectuar-se hão por via da 8.ª Repartição da 2.ª Direcção Geral da Secretaria da Guerra.

Art. 8.° Pelo Ministério da Guerra serão elaboradas as instruções regulamentares necessárias para que a presente lei tenha execução no princípio do próximo ano económico.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrário.

Câmara dos Deputados, em 3 de Janeiro de 1913. = O Deputado, Helder Ribeiro.

Foi admitido. Para a comissão de finanças.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para antes da ordem do dia. Inscreveram-se vários Srs. Deputados.

O Sr. Ramos da Costa: -Numa das primeiras sessões apresentei à Câmara um projecto de lei sôbre a construção de casas baratas para as classes menos abastadas. Êsse projecto foi enviado à comissão de legislação e há muitos meses que dorme sos-

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segadinho dentro do arquivo da mesma comissão.

Eu peço a V. Exa., Sr. Presidente,, a fineza de recomendar, aos ilustres membros daquela comissão, que elaborem o respectivo parecer, a fim de ser discutido nesta assemblea, e no caso dessa comissão não cumprir com êsse desejo, e com essa determinação de V. Exa., que o meu projecto seja apresentado à Câmara sem parecer, em virtude do que manda o nosso Regimento em vigor.

Êste projecto, a meu ver, é de grande alcance, porque as classes proletárias não tem recebido até hoje quási benefício algum pela mudança do regime, e é necessário, mais do que a ninguêm, que a República preste a essas classes todo o seu apoio, todo o seu auxílio. (Apoiados). Não é só atender a outras classes que menos precisam do que aquela, é necessário primeiro atender a quem tem menos, do que atender a quem tem mais. (Apoiados).

Mais tarde apresentei, tambêm, um projecto de lei tendente a atenuar a crise de trabalho das classes de construção civil.

Êsse projecto foi apresentado nesta Câmara e enviado, tambêm, a uma comissão que não deu parecer, e, interrogando eu um dos membros dessa comissão, êle disse que não havia crise operária, que todos tinham que fazer, e a demonstração cabal desta asserção está naquela romaria constante que se vê no Terreiro do Paço, instando com a Direcção Geral das Obras Públicas para dar trabalho a uma legião enorme de operários que tem tido até a coragem de, com uma bandeira negra com as palavras "Pão ou Trabalho", percorrerem as ruas da cidade esmolando...

Sr. Presidente: eu peço a V. Exa. e a Câmara que dêem atenção ao que eu digo, senão sento-me e calo-me.

O Sr. Presidente: - Eu peço a atenção da Câmara.

O Orador: - Eu préviamente digo a V. Exa. e a todos os meus colegas que não desejo censurar ninguêm, nem menosprezar os seus trabalhos, mas o que é verdade é que as comissões, para que todos os Deputados ou parte dêles fazem todo o empenho em delas fazer parte, não cumprem com os seus deveres, como determina o Regimento.

Isto não é censura, é a citação dum facto que não se deve repetir, sob pena do Parlamento cair numa situação desagradável para todos nós. (Apoiados). São inúmeros os projectos que estão em poder das comissões para relatar, e ninguêm faz caso dêles, ocupando-se no entretanto doutros assuntos menos importantes para os serviços da República e da Pátria.

Eu tenho apresentado alguns projectos de lei que me parecem de interesse geral, mas muito poucos tem tido a dita de obterem parecer.

Uma voz: - Há mais queixosos.

O Orador: - Um outro projecto que considero de grande valor, é um projecto que apresentei em 5 de Julho de 1911, para evitar a continuação do crime de falsificação dos géneros alimentícios.

Êste projecto tinha por fim castigar os comerciantes menos honestos e que envenenam lentamente todas as classes, e aí não se atinge só a classe baixa, mas todas as classes, das mais ricas às mais pobres, porque todas comem e os géneros alimentícios sendo falsificados vão afectar a individualidade de todas as pessoas, causando-lhe muitas e variadas doenças.

Pois êsse projecto, sendo de grande alcance e de valor, foi abafado na comissão. E eu peço a V. Exa. a fineza de dizer à comissão que dê o seu parecer sôbre êle ou o traga para a discussão mesmo sem parecer, conforme manda o Regimento.

Um outro projecto que eu apresentei em 18 de Agosto do ano passado, para a construção duma avenida marginal do Tejo, projecto que dava receita, foi tambêm pôsto de parte. Quero tornar êste facto bem saliente para haver a certeza no país de que há um Deputado eleito pelo povo, sem pertencer a partido algum, que protesta contra a má orientação que tem seguido a administração pública.

Êste projecto da avenida marginal do Tejo traz grandes vantagens para o comércio e está elaborado segundo um importante trabalho feito pelo Sr. Adolfo Loureiro, distinto engenheiro e especialista em estudos hidrográficos. Disse o Sr. Adolfo Loureiro que se pode construir a avenida, orçada em 1:000 contos de réis, com o produto da venda dos terrenos marginais que tem o valor de 1:200 contos de réis,

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o que dava um saldo, de 200 contos de réis a favor do Estado. Mesmo, porêm, que não houvesse saldo, faziam-se as obras sem despesa. No emtanto, apesar de todas essas vantagens, absolutamente nada se tem feito, e continuam os terrenos a ser roubados ao Estado. E um roubo que eu não posso permitir, sem protesto, na minha qualidade de Deputado da Nação.

Apresentei ainda um outro projecto de lei sôbre a criação da Administração Geral de Agricultura, em que se fazia uma economia de mais de 50 contos de réis; pois a comissão não apresentou parecer e pelo Govêrno foi promulgado um decreto aumentando a despesa à Direcção Geral de Agricultura em algumas dezenas de contos de réis!

É assim que se administram os dinheiros públicos.

Apresenta-se um projecto que representa uma fraude económica e, ao contrário de a apreciar, faz-se publicar uma disposição aumentando as despesas! Isto é quási um escárneo!

Apresentei tambêm, em 7 de Julho de 1912, um projecto de lei, que me parece de alta moralidade e que alguns membros desta Câmara defenderam em conversas particulares e em entrevistas jornalísticas.

Refiro-me ao projecto sôbre a incorporação de todos os emolumentos cobrados em repartições públicas nas receitas do Estado.

Ainda há pouco li no Século uma entrevista com o Sr. Dr. Matos Cid em que êle aprova e defende esta minha lembrança.

Pois êsse projecto está a dormir no arquivo da comissão, se não o extraviaram como tem sucedido a muitos outros.

Porque não se fez isso?

Porque não o quiseram fazer!

Diz-se - não sei se é verdade ou mentira - que há quem se empenhe em que êste projecto não seja lembrado.

O Sr. Fernando Macedo: - Principalmente o pessoal das alfândegas!

O Orador: - Eu não tenho nada com isso directamente.

Parece-me de toda a moralidade que êstes emolumentos entrem nos cofres do Estado, e os empregados sejam compensados nos seus vencimentos pelos prejuízos que sofrem com a cessação dêsses emolumentos.

Para isto se pôr em prática, as dificuldades são insignificantes, mas as vantagens são incalculáveis, como podia citar algumas;- mas para não cansar a atenção da Câmara, reservar-me hei para outra ocasião.

Isto não são discursos, são citações, porque eu tenho aqui um rol de projectos que ainda não tem pareceres, que está á disposição da Câmara.

Existe, tambêm, no arquivo da comissão de obras públicas, um projecto para a construção do ramal de Sines, na linha do Vale do Sado, que. daria uma das maiores receitas a esta linha por atravessar uma região rica sob muitos aspectos. Também dorme em companhia doutros.

Há uma instituição chamada Caixa de Aposentação.

Essa instituição tem trinta anos de existência, mas ainda não se constituiu a sua administração!

Parece incrível que uma instituição desta natureza não tenha, há trinta anos, a administração que a lei orgânica lhe destinou.

Essa instituição está entregue às boas graças do director geral da contabilidade pública, que não sei quem é, nem quero saber, mas que pelos serviços que lhe competem pouco tempo tem para se ocupar da Caixa de Aposentação.

Nesse projecto de lei fiz incluir uma secção da Caixa de Aposentação para os militares, o que julgo indispensável.

Os militares contribuem para a Caixa de Aposentação, mas não se sabe como são administrados os dinheiros que êles dão para essa caixa, é tudo contas de saco!

Em 22 de Novembro apresentei à Câmara um projecto de lei para a criação da Junta de Defesa Nacional, que acho de grande valor, mas a comissão ainda não deu parecer sôbre êsse projecto.

Peço, portanto, a V. Exa. a fineza de dizer à comissão que apresente o seu parecer o mais depressa possível, e, no caso de não o apresentar, V. Exa. ponha em discussão êsse projecto de lei.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Ramos da Costa o favor de mandar

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para a mesa uma nota dos projectos de lei que apresentou e a que acaba de se referir, para eu providenciar sôbre o caso.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: naturalmente, V. Exa. recorda-se de que votámos aqui uma lei que tem a data de 28 de Junho de 1912 e cujo § 1.° do artigo 2.° preceitua que se conceda o subsidio aos membros do Congresso que provem estar doentes.

Sr. Presidente: fez-se isso na melhor das intenções, com o propósito de garantir, a quem faltasse ás sessões, por motivo justificado, o direito de receber o subsídio que lhe compete.

Acontece, porem, que alguns abusos se tem dado. (Apoiados).

Digo-o com bastante desgosto, sucedendo serem abonados subsídios, por motivo de doença, a quem nunca esteve doente.

Se é triste que isto se diga na Câmara, pior é que se diga lá fora, com razão, porque quando nós todos os dias pedimos a maior moralização dos costumes, sobretudo o mais severo rigor para com todos os funcionários da República, é lamentável que demos exemplos desta natureza.

Ao abrigo dêste § 1.° é abonado subsídio a quem faltar às sessões durante dez, doze e quinze dias, apresentando atestados de doença; mas o que é certo é que somos propensos aos abusos, e êstes abusos redundam em desprestígio do Parlamento.

Nestas condições, lamentando mais uma vez que por causa dos pecadores, paguem os justos, vou propor a revogação do artigo 1.°, da lei de 28 de Junho de 1912.

Mando para a mesa a minha proposta, para a qual não peço urgência, nem dispensa do Regimento.

Apenas chamo para ela a atenção dos meus ilustres colegas, que tem todo o empenho em que se moralize esta situação e se cumpra, rigorosamente um dever.

A proposta é a seguinte:

Proposta

Proponho a revogação do § 1.° do artigo 2.°, da lei de 28 de Junho de 1912.= O Deputado, Brito Camacho.

O Sr. Manuel Bravo: - Requeiro a urgência e dispensa de Regimento, para a proposta do Sr. Brito Camacho, sôbre a revogação do § 1.° do artigo 2.° da lei de 28 de Junho de 1912.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta do Sr. Brito Camacho.

Consultada a Câmara, foram aprovadas a urgência e a dispensa do Regimento.

O Sr. Álvaro Poppe: - Desisto da palavra, em virtude do requerimento do Sr. Manuel Bravo ser o mesmo que eu desejava formular.

Foi lida na mesa e admitida a proposta do Sr. Deputado Brito Camacho.

O Sr. Pires de Campos: - Como V. Exa. sabe, Sr. Presidente, eu, na minha qualidade de Deputado, tenho tomado parte nos debates desta Câmara, à qual faltei apenas duas vezes, por motivos poderosos.

Em princípio, estou de acôrdo com as considerações apresentadas pelo Sr. Brito Camacho. Devo, entretanto, lembrar a V. Exa., que muitos colegas desta Câmara se encontram, era Lisboa, fazendo sacrifícios superiores às suas forças e recursos materiais.

Êsses parlamentares podem amanha, adoecendo, ter de fazer face a êsses sacrifícios, recorrendo ao subsídio, e, por isso, me parece um pouco violento, senão injusto, que, nessa ocasião, se lhes vá tirar o subsídio.

S. Exa. não reviu.

Foi aprovada a proposta do Sr. Deputado Brito Camacho.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Duarte Leite): - Comunico à Câmara que no sábado passado, tendo solicitado uma audiência do Sr. Presidente da República, apresentei a S. Exa. a demissão colectiva do gabinete, alegando, para isso, fundamentos que S. Exa. reconheceu legítimos. O Sr. Presidente da República concedeu ao Govêrno a exoneração solicitada, embora mostrasse sentimento por se ver privado da colaboração do Ministério, cujas qualidades de trabalho, zelo e patriotismo foram muito apreciadas por S. Exa., o que bastante me apraz registar.

As razões que expus ao Sr. Presidente da República, para solicitar a exoneração do gabinete a que tenho a honra de presidir, vou indicá-las à Câmara, e são muito singelas. Baseiam-se elas no modo como foi constituído o Ministério e nas condições em que se organizou.

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A fórmula de concentração republicana foi imposta pelas duas casas do Parlamento, porque na ocasião em que o Ministério se constituiu, nenhum dos partidos políticos, representados no Congresso, tinha maioria suficiente para poder governar, e ainda porque êsse momento era de incertezas e agitações políticas. Essa fórmula tornou-se indispensável.

A concentração produziu-se para a defesa enérgica e consolidação da República; e esta necessidade foi invocada por uma parte do Congresso para significar o seu desejo duma mudança ministerial.

Foi essa, por consequência, a determinante da formação dêste Ministério.

Para satisfazer o seu desideratum encontrou o Ministério todo o apoio nos diferentes partidos políticos; e assim se conseguiu restabelecer a tranquilidade pública e acabar com a agitação que então lavrava no país, sendo fornecidos ao Govêrno todos os recursos para dominar as tentativas dos conspiradores dentro do país e da incursão rialista.

Acalmados, porêm, os espíritos e sere1 nadas essa agitação e a ordem pública, dentro em pouco se tornou censurável a concentração republicana, que, tal como foi constituída, tinha, necessáriamente, uma duração transitória.

Fácil era de prever o seu gradual enfraquecimento, porque só transitoriamente e para um objectivo determinado é útil a representação simultânea, dentro do Govêrno, de partidos cujo antagonismo de programas e de processos está bastante acentuado. Assim o compreenderam os partidos políticos, e de deis dêles partiu a afirmação, publicamente feita, de que o regime de concentração, tirando homogeneidade ao Poder Executivo, tolhe a sua acção e não se apropria às iniciativas fecundas que a situação do país reclama.

Igualmente o aceita o Ministério, como um facto reconhecido que dispensa ao Congresso qualquer manifestação expressa de descontentamento, visto como desapareceu aquela íntima colaboração do Legislativo e do Executivo que, desde o início, eu declarei, em nome do Govêrno, ser indispensável ao desempenho da sua árdua missão.

Expondo á Câmara as razões que trouxeram a demissão colectiva do Ministério, cumpre-me dizer que, dentro das suas forças e do prazo da sua duração, êle julga ter satisfeito, por sua parte, o programa de trabalho indicado na declaração com que se apresentou.

Quanto à discussão do Orçamento fez-se, como estava anunciado, até 30 de Junho.

Afirmou tambêm o Govêrno a necessidade de remodelar as corporações administrativas, isto é, de discutir o Código Administrativo, de modo a que, num prazo não afastado, se reformem essas corporações.

Como tive ocasião de acentuar, como comentário á esta declaração, essa parte não constituía o programa dum Govêrno diante de partidos, mas um programa de partidos diante dum Govêrno, e na discussão do projecto do Código Administrativo o Govêrno antecipou a sessão ordinária, convocando-a em Novembro, a fim de dar tempo a que no termo do ano ou até 15 de Janeiro, data que a Constituição fixa para apresentar o Orçamento, se pudesse considerar o Código Administrativo como suficientemente discutido ou avançado na discussão, de sorte que as eleições se fizessem dentro dum prazo breve.

Seria necessário tambêm votar o Código Eleitoral na parte referente ao recenseamento, a fim de que êste se iniciasse no princípio do ano que agora começa.

O Congresso entendeu que devia modificar os trabalhos e ainda hoje não está discutido o Código Eleitoral. De sorte que é de prever que a remodelação das corporações administrativas, a fazer-se em prazos legais, tenha de esperar bastante tempo.

A discussão da proposta de lei criando o Ministério de Instrução Pública e Belas Artes foi, efectivamente, feita aqui, mas não se fez ainda no Senado. Nela intervim com os alvitres que a minha curta experiência indicavam e não tive a satisfação de os ver atendidos pela Câmara.

Em política externa manteve o Govêrno o programa que tinha anunciado, e teve a satisfação de poder deixar no pé, nas condições que eram de prever que se pudessem conseguir.

Nas relações com o Govêrno espanhol acabou com a situação equívoca, que tinha encontrado, como já teve ocasião de anunciar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros na abertura da sessão extraordinária.

A situação dos conspiradores portugueses, que estavam em território espanhol,

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está regulada por uma convenção que ainda não foi definitivamente reduzida à forma precisa, mas cujas bases estão assentes e tem sido até agora respeitadas.

Na preparação do Orçamento Geral do Estado o Sr. Ministro das Finanças correspondeu á espectativa nele depositada; do seu estudo minucioso resultou a apresentação dum relatório para o qual, muito especialmente, devem todos os Srs. Deputados e Senadores concentrar a sua atenção, e apresentou, ao mesmo tempo, algumas propostas financeiras tendentes a diminuir considerávelmente o déficit. Dessas propostas, umas já tem parecer, outras não estão nas mesmas condições. No entanto, o Ministério cumpriu o que tinha prometido: preparou o Orçamento do ano futuro e iniciou o estudo das condições que permitem atenuar o déficit. Ao mesmo tempo, como tinha sido anunciado, apresentou as bases para o contrato com o Banco de Portugal.

Pela sua parte, o Sr. Ministro do Fomento, a quem estava incumbida a execução das leis promulgadas para o desenvolvimento económico do país, procurou, dentro das dificuldades que encontrou, cumprir esta parte do programa, e estou convencido de que seria difícil conseguir da boa vontade de qualquer outro um esforço mais eficaz, dadas as condições em que êsse esforço teve de se realizar.

O Sr. Ministro das Colónias, que tinha apresentado já ao Parlamento uma série de medidas que não tinham sido discutidas, dada a sua urgência entendeu, de acôrdo com o Ministério, que deviam ser promulgadas no interregno parlamentar, usando da faculdade que lhe confere um dos artigos da Constituição. Êsses diplomas justificam a confiança depositada na inteligência e actividade dêsse meu ilustre colega.

Por fim, devo acrescentar a êste rápido resumo que, em todos os pontos em que a actividade ministerial se viu forçada a intervir, o Ministério conseguiu encontrar em todos os seus membros uma perfeita unidade de vistas e bom entendimento, sem o qual a sua acção seria perfeitamente ineficaz. Isso não quere dizer, contudo, que o regime de concentração política, que é a base do Ministério, pudesse permanecer durante mais algum tempo.

Agradeço as palavras de atenção e de consideração que recebi da Câmara, e estou certo de que todos os seus membros estão persuadidos de que a missão do Govêrno, na verdade, terminou.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se á ordem do dia. Convido os Srs. Deputado" que tiverem papéis a enviar para a mesa, a fazê-lo.

O Sr. Barros Queiroz: - Em nome da comissão de finanças mando para a mesa o parecer sôbre a proposta de lei relativa à conversão da dívida interna.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara.

Fui procurado pela direcção da Associação Central de Agricultura Portuguesa que me entregou a representação que no dia 9 de Dezembro último tencionava trazer ao Parlamento e que os acontecimentos dêsse dia não permitiram. Essa representação, que eu li com todo o cuidado, parece-me, apesar de ser talvez por vezes um pouco violenta, estar dentro das normas regimentais.

E por vezes, repito, um pouco violenta; mas isso só terá como resultado o alienar as simpatias da Câmara, em vez de as atrair.

Parece-me que a representação deve ser distribuída por todos os Srs. Deputados. Explico isto à Câmara para que não se possam suscitar dúvidas sôbre a sua distribuição.

O Sr. Brito Camacho: - Se V. Exa. leu a representação e viu que ela não contêm cousa alguma de agressivo e melindroso para o Parlamento e para as instituições, requeiro a sua publicação no Diário do Govêrno.

O Sr. Afonso Costa: - Sinto não estar de acôrdo com o meu colega, Sr. Brito Camacho. Não há necessidade de publicar essa representação no Diário do Govêrno, porque V. Exa. já disse que a vai mandar distribuir por todos os Srs. Deputados. No Diário do Govêrno só devem ser publicados documentos que dêem fôrça ao regime. Estar a imprimir no Diário do Govêrno um documento com palavras que só servem para irritar e incomodar, não vale

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a pena. Essa representação só servirá para alienar as nossas simpatias.

O Sr. Presidente:-Depois de se fazer a distribuição da representação, consultarei a Câmara sôbre a sua publicação no Diário do Govêrno.

Está na mesa um projecto de lei do Sr. Brito Camacho concedendo um bill de indemnidade ao Govêrno, pela publicação do decreto de 28 de Dezembro de 1912, relativo ao Banco Ultramarino.

A Câmara votou já a urgência; agora vai votar-se a dispensa do Regimento.

Foi lido na mesa o projecto de lei do Sr. Deputado Brito Camacho.

É o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° E o Govêrno ressalvado da responsabilidade em que incorreu pela publicação, no Diário do Govêrno de 01 de Dezembro de 1912, do decreto de 28 do mesmo mês, nos termos do qual, e pelo Ministério das Colónias, foram prorrogados os privilégios concedidos ao Banco Nacional Ultramarino, por decreto de 30 de Novembro de 1901.

Art. 2.° A situação actual do referido Banco, na parte respeitante aos ditos privilégios e suas relações com o Estado, manter-se há até que pelo Congresso da República seja apreciada devidamente a proposta ministerial de 16 de Dezembro de 1912.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Lisboa, em 3 de Janeiro de 1913. = O Deputado, Brito Camacho.

O Sr. França Borges: - A Câmara tomou alguma- resolução sôbre a publicação da representação da Associação de Agricultura no Diário do Govêrno?

O Sr. Presidente: - Não tomou resolução alguma.

Foi aprovada a dispensa do Regimento para o projecto de lei do Sr. Deputado Brito Camacho.

Foi aprovado o projecto de lei na generalidade.

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o projecto, na especialidade.

Vai ler-se o artigo 1.°

Foi lido na mesa o artigo 1.°

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 2.°

Foi lido na mesa o artigo 2.°

O Sr. Afonso Costa: - Suponho que o decreto prorroga o contrato entre o Estado e o Banco Ultramarino somente até que a Câmara se pronuncie sôbre êle. Portanto, parece-me desnecessário votar o artigo 2.°

O Sr. Brito Camacho: - No Diário do Govêrno há um êrro que é necessário rectificar.

O Sr. Afonso Costa: - Nesse caso estou de acôrdo com a votação do artigo 2.° Foi aprovado o artigo 2.°

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 3.°

Foi lido na mesa o artigo 3.°

Foi aprovado.

O Sr. Fernando Macedo: - Peço aV. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que a comissão de comércio, indústria e minas reúna durante a sessão.

Foi autorizado.

Documentos enviados para a mesa

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério dos Estrangeiros e das Finanças, me sejam enviados os trabalhos de estatística e os relatórios consulares publicados depois de Julho último. = O Deputado, Carlos Calisto.

Mandou-se expedir.

Renovo o meu requerimento de 19 de Junho de 1912, para que me seja fornecido o seguinte:

Pelo Ministério do Fomento me seja enviada cópia do projecto das obras impostas ao arrematante como condição de venda feita pelo Estado no distrito de Santarém, concelho da Barquinha, dos terrenos denominados "Praias da Barquinha e Água Vesa", situada na margem direita do Tejo;

Cópia da autorização do Govêrno, em satisfação da referida condição de venda para as obras que se realizaram;

Certidão se foi submetido à aprovação

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do Govêrno o projecto definitivo das mesmas obras e em que data.-O Deputado, Francisco Cruz.

Mandou-se expedir.

Projecto de lei

Do Sr. Deputado Henrique Caldeira Queiroz estabelecendo que, para o preenchimento de todos os lugares criados na Direcção Geral de Agrimensura da província de Moçambique, seja aberto concurso público, nos termos do artigo 204.°, § 4.°, e artigo 205.° do regime provisório para a concessão de terrenos do Estado na província de Moçambique, aprovado por decreto de 9 de Julho de 1909.

A publicar no "Diário do Governo".

Para "segunda leitura".

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 6-A, prorrogando o contrato com o Banco Nacional Ultramarino

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 6-A.

Foi lido na mesa.

É o seguinte:

Projecto de lei

Estando pendente do estudo e parecer .do Conselho Colonial, nos termos do n.° 3.° do artigo 39.° da lei de 27 de Maio de 1911, o projecto relativo ao regime bancário colonial a submeter à discussão e aprovação do Congresso da República, conforme o disposto no n.° 11.° do artigo 26.° da Constituição e sendo urgente providenciar no sentido de não serem interrompidas as operações que resultam para o Branco Nacional Ultramarino dos privilégios que lhe foram garantidos pelo contrato de 30 de Novembro de 1901 e já prorrogados por leis de 30 de Novembro de 1911 e 30 de Maio de 1912, prorrogação esta que termina no dia 31 do corrente, tenho a honra de submeter à vossa aprovação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São prorrogados até que o Congresso da República resolva sôbre o projecto relativo ao regime bancário colonial os privilégios garantidos ao Banco Nacional Ultramarino por contrato de 30 de Novembro de 1901.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Ministério das Colónias, em 16 de Dezembro de 1912. = O Ministro das Colónias, Joaquim Basílio Cerveira e Sousa de Albuquerque e Castro.

Foi lido na mesa o parecer da comissão de colónias sôbre êste projecto de lei.

É o seguinte:

Senhores Deputados. - A vossa comissão de colónias é de parecer que a proposta de lei n.º 6-A merece a vossa aprovação, atendendo às condições em que actualmente se encontra ainda o regime bancário colonial, não podendo deixar de, neste momento, exprimir o seu voto para que, dentro da actual sessão legislativa, o Congresso da República ponha um termo, e rápido, às constantes prorrogações dos privilégios que o Banco Nacional Ultramarino vem disfrutando. = António Silva Gouveia = António Augusto Pereira Cabral = Amílcar Ramada Curto = Fernando da Cunha Macedo, relator.

O Sr. Presidente: - Parece-me prejudicada a discussão dêste projecto de lei, depois de aprovado o projecto do Sr. Brito Camacho. Em [todo o caso, vou consultar a Câmara.

Consultada a Câmara, foi considerado prejudicado o projecto de lei.

Discussão do projecto de lei n.° 409, Código Eleitoral

O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o projecto de lei n.° 409 (Código Eleitoral).

Como já foi aprovada a dispensa da sua leitura, ponho o projecto em discussão, na generalidade.

O Sr. Jacinto Nunes: - Vai combater alguns pontos dêste projecto que entende capitalíssimos, porque vão de encontro a disposições constitucionais e do Código Civil e ainda contra todos os princípios e preceitos da lógica.

O artigo 7.° do Código Civil estabelece a igualdade para todos os cidadãos portugueses e a lei de família decretada pelo Govêrno Provisório diz que ela se baseia na igualdade do homem e da mulher. Na Constituição tambêm se não faz distinção nenhuma entre homens e mulheres.

Não se compreende que um homem

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rude, que não tem a menor noção do que seja uma lista, possa votar e a mulher não o possa fazer.

Não se compreende esta anomalia que, a final, é contrária ao espírito da Constituição, segundo o que se lê no artigo 74.°

Não pode compreender como a mulher não possa conquistar direitos políticos, que são reconhecidos na Constituição ao homem. Não é lógico julgar a mulher incompetente, sem capacidade, para ser elegível, se ela pode ser médica, se pode ser chamada a exercer o mais alto professorado, como acontece com a Sr.a D. Carolina Michaélis de Vasconcelos. Só o egoísmo do homem é que se pode opor a isso.

Se a mulher não pode votar, nem ser Aleita, tambêm não deve contribuir para as despesas públicas.

Está estabelecido que nenhum empregado da Câmara Municipal possa ser vereador, pois não pode ser patrão e subordinado ao mesmo tempo.

Nenhum empregado da Junta Geral do Distrito pode fazer parte da mesma Junta.

Como é, então, que há-de existir excepção para os empregados do Estado poderem ser Deputados e Senadores, quer dizer, subordinados do Govêrno e ao mesmo tempo seus fiscais? Com que lógica se determina isto? Semelhante permissão é imoral.

Quem é empregado público fica sem autoridade para fiscalizar actos do Govêrno.

Se os empregados de Companhias não podem fazer parte dos respectivos corpos gerentes, tambêm não se devia consentir que os empregados do Estado pudessem ser eleitos para Deputados ou Senadores.

Devia estabelecer-se o princípio da incompatibilidade entre a função do funcionário e de membro do Congresso, como sucede em diversos países.

Com que autoridade pode vir um subordinado do Ministro da Guerra censurar nas Câmaras o seu superior?

Se o Deputado responder que o Ministro não manda nele? É o resultado dum oficial poder ser Deputado ou Senador.

De vê-se estabelecer o princípio da incompatibilidade, como existe na Bélgica, França, Itália, Sérvia, România, Espanha, Suíssa, etc.

Também não concorda com a carta de eleitor, porque é difícil cumprir-se isso na província, porque ninguêm a vai pedir. Só os profissionais em pedir votos é que respeitarão isso. A carta do eleitor não dispensa a verificação da identidade por uma entidade qualquer. Não concorda com ela.

Os homens de alto valor moral e intelectual não se sujeitam a mendigar votos, porque acham isso humilhante.

Como individualista, e por isso foi grande admirador de Spencer, pronuncia-se abertamente contra a declaração obrigatória para quem quiser ser candidato.

Aos homens de valor repugna-lhes mendigar votos. E contra a exigência da apresentação da candidatura.

Resumindo, declara ser contrário, à excomunhão política decretada contra as mulheres, mesmo porque se não respeita a Constituição no artigo 74.° e artigo 7.° do Código Civil, e a própria lei de família.

Perante a Constituição, todos os cidadãos que gozam direitos civis estão no gozo dos direitos políticos, diz o artigo 74.° da Constituição, e o Código Civil não faz distinção de sexo para o gozo dos direitos civis. Perante a Constituição e o Código as mulheres devem gozar de direitos políticos, e mesmo porque, em todas as manifestações da actividade e do génio humano, as mulheres tem patenteado a sua capacidade.

Quem percorre a história do mundo encontrará grandes rainhas, como Isabel a Católica que previu a glória de Colombo, Catarina da Rússia, Maria Teresa da Áustria, etc.

Entende tambêm que deve haver incompatibilidade entre as funções de empregado do Estado e de membro do Congresso, e que deve ser abolida a carta de eleitor, assim como a exigência da apresentação da candidatura.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taguigráficas.

O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: muito ligeiramente me referirei ao projecto, tanto mais que não esperando que êle entrasse em discussão, não trouxe alguns elementos que colhi e de que preciso para a análise da sua doutrina.

A comissão que deu parecer sôbre o projecto sustenta que não é justo que se conceda o voto às mulheres, opinião com que não estou de acordo.

Eu não sei, mesmo, se a Câmara tem

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competência para julgar da forma e condições em que os cidadãos são eligíveis. O eleitor e que está no caso de dizer quem é que deve eleger.

Entendo que na lei deve ficar consignado quais os cidadãos com direito a serem eleitos, mas não devemos mencionar na lei quais os indivíduos elegíveis, porque essa capacidade pertence ao eleitor. Esta foi a minha opinião sustentada durante muito tempo na tribuna popular. Por consequência, mantenho ainda hoje essa orientação. Quando muito a Câmara terá capacidade para reconhecer do direito de eleitor, mas não capacidade para reconhecer do direito de eleição.

No Capítulo 1.°, artigo 9.°, a comissão é de parecer que não devem ter voto os criados de servir. Acho isto extraordinário, e não sei qual o motivo porque o criado de servir, que saiba ler e escrever, não deva ser eleitor como qualquer outro cidadão. O Sr. relator da Comissão explicará. Há ainda um artigo que diz respeito aos cidadãos que são eleitores, embora não saibam ler nem escrever, desde que paguem contribuição. Não compreendo a razão porque se não permite o direito de votar aos indivíduos que não sabem ler e escrever e se vai abrir uma excepção para os analfabetos que paguem contribuição. Se não se concede o voto aos que não sabem ler e escrever, não deve haver excepções para ninguêm, quer paguem contribuição, quer não.

Referiu-se o Sr. Jacinto Nunes, quando fez o seu discurso, à carta de eleitor, dizendo que não concordava com ela. Neste ponto estou em desacordo com S. Exa.. Sou de parecer que a carta de eleitor se deve criar, porque é indispensável para se verificar a identidade do eleitor. Digo isto porque no tempo da Monarquia muitos erros se cometeram devido a não haver maneira de se poder fiscalizar a identidade do eleitor. A carta de eleitor tem muitas vantagens: facilita a identidade do eleitor e não dá ocasião a que êle possa votar em duas, três ou quatro assembleas.

Referiu-se S. Exa. á apresentação das candidaturas, dizendo que não as aceita. Também é essa uma parte da lei, com a qual não concordo, porque já não concordava com ela, quando foi promulgada a lei eleitoral pelo Govêrno Provisório.

Não acho, nisso, vantagem absolutamente alguma, nem sei qual o fim que se quere atingir, colocando, na lei eleitoral, a cláusula de que ninguêm pode ser Deputado, sem que apresente, préviamente, a sua candidatura.

Ainda na lei do Govêrno Provisório havia uma razão de ser, que era a de saber-se que, quando não havia um certo número de candidatos, não se fazia a eleição. Não sei as razoes que possa haver para que êste principio continue a ser incluido na lei eleitoral.

Temos, ainda, em matéria eleitoral, uma parte das mais importantes: são as punições impostas ao cidadão que não cumpra os seus deveres, que abuse da sua situação e arraste indivíduos à urna ameaçando-os e impondo-lhe a obrigação de votarem em certas e determinadas listas sem que saibam bem o que fazem.

Eu sou de opinião que êsse princípio se deve manter e, talvez, até um pouco mais garantido do que está nesta lei. Porque, tudo quanto se faça, no sentido de moralizar, em costumes eleitorais, é pouco.

Nós não podemos consentir que se faça, no actual regime, o que se fazia na monarquia, em que a maior parte dos deputados eram nomeados pelo ministério do reino, e não eleitos pelos eleitores. Então, as fraudes eram constantes.

Nestas condições, eu sou de opinião que todos nos devemos reùnir para evitar as falsificações e abusos ; e todas as punições, que se façam nesse sentido, são poucas.

Termino, por aqui, as minhas considerações, reservando-me para, na discussão da especialidade, apresentar as respectivas emendas.

Tenho dito.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Requeiro a contagem.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que ocupem os seus lugares. Vai proceder-se à contagem. Procedeu-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados. Vai ler-se o projecto, para ser votado na generalidade.

Foi aprovado o projecto na generalidade.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o projecto na especialidade.

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Foi lido na mesa o artigo 1.° É o seguinte:

Artigo 1.° São eleitores de cargos legislativos e administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino maiores de vinte e um anos ou que completem essa idade até o termo das operações de recenseamento, domiciliados no território da República Portuguesa, nos quais concorram alguma das seguintes circunstâncias:

1.° Saber ler e escrever;

2.° Ter pago no ano anterior, de contribuição directa ao Estado, qualquer quantia.

§ único. São tambêm eleitoras as mulheres maiores de vinte e cinco anos, que tenham um curso superior, secundário ou especial.

O Sr. Henrique Cardoso: - Pedi a palavra porque; tendo assinado vencido, em parte, o parecer, preciso de dar a explicação dessa minha assinatura.

Um dos motivos porque estive em discordância com a comissão que redigiu o parecer sôbre o Código eleitoral está, precisamente, no artigo 1.°.

Veiu, aqui, ao Parlamento, uma representação das comissões eleitorais do partido republicano de Lisboa, reclamando, e, de certa maneira, com justiça, contra essa segunda categoria de cidadãos eleitores. Disse-se, e com fundamentada razão, que, a não estabelecer-se o sufrágio universal, parecia um privilégio, de certa maneira impossível, o conceder-se voto aos analfabetos, que tivessem a ventura de possuir fortuna.

De facto, a simples razão de viver a peso de capital não me parece que dê aquela capacidade eleitoral que aos outros a lei recusa, pelo facto de êles serem desprovidos de fortuna.

Se há o princípio igualitário, que o partido republicano sempre defendeu, o voto deve ser concedido a todo o cidadão.

Não compreendo a excepção que se abre para os indivíduos que tem a sorte de possuir capital.

Nestes termos, assinei vencido. Devia fazer esta declaração, porque me mantenho, absolutamente, no critério de que para ser eleitor, se deve ter a competência necessária e não a posse de fortuna.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Jacinto Munes: - Ninguém pode duvidar da capacidade da mulher para ser membro do Congresso.

A mulher deve intervir nos negócios públicos, come sucede em Inglaterra.

Na Inglaterra, nas 14:750 comunas, a mulher pode intervir como qualquer outro chefe de família.

Com mais direito do que alguns homens, ela deve ter voto e poder ser eleita para os cargos públicos

Se a mulher pode ser negociante, industrial, administradora do casal, quando o marido estiver interdito, deve, tambêm, intervir na administração do Estado.

Vai apresentar uma proposta de emenda relativa ao voto da mulher.

E necessário respeitar-se a Constituição. Se a sua proposta não fôr aceite rasga-se a Constituição.

O discurso será publicado na, íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ezequiel de Campos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma declaração de voto.

Não me conformo, de maneira alguma, que numa lei como esta que estamos discutindo, uma lei eleitoral, haja referências ao pagamento duma contribuição. Protesto, portanto, contra o § 2.° do artigo 1.°

Quanto ao § 1.° "saber lei e escrever", parece-me tambêm não obedecer ao verdadeiro critério.

Entendo que o critério que devia presidir à escolha dos eleitores seria conceder-se, apenas, voto aos chefes de família.

Quanto ao voto concedido às mulheres, escuso de aduzir os argumentos apresentados, já, pelo Sr. Jacinto Nunes nesse sentido.

Dou o meu completo aplauso a essa idea; - tanto mais que, de ninguêm é ignorado, as mulheres estão dando lições de perspicácia, saber e até de tenacidade.

Terminando as minhas considerações, repito, rejeito o artigo 1.° tal como está, em absoluto, a não ser que emendas posteriores lhe dêem outro aspecto.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Gastão Rodrigues: - Para não demorar a discussão do Código Eleitoral, não usei da palavra ao discutir-se a generalidade dêste projecto.

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As declarações que em matéria de princípios tencionava fazer nessa ocasião, reservei-as, todavia, para êste momento em que se discute o artigo 1.° do projecto.

Sou partidário, Sr. Presidente, do sufrágio universal e se por reconhecer não existir, por emquanto, oportunidade dum sistema de princípios eleitorais, defendido sempre por nós, republicanos, daí até a minha concordância com o projecto de lei em discussão medeia uma enorme distância.

Discordo, em absoluto, das suas bases principais.

Discordo da doutrina expressa no artigo 1.° dêste projecto.

Não dou os meus louvores â comissão encarregada por esta Câmara de o elaborar, porque, em minha opinião, o reputo atentatório da liberdade política do eleitorado.

Sr. Presidente: se o artigo 1.° estatui que se conceda o voto aos cidadãos que saibam ler e escrever, não compreendo que se conceda o voto aos analfabetos que paguem contribuições e que, por inexplicável anomalia, se prive dêsse direito, concedido por diplomas anteriores, aos que dele usavam como chefes de família.

Entre êstes e aqueles reputo para mim indispensável saber qual o critério que permite o uso dum direito político que a outros se nega.

Estabelecido o critério de simplesmente se considerarem aptos para o exercício de voto os que saibam ler e escrever, pregunto, porque se estabelece uma excepção para os que paguem qualquer quantia de contribuições, critério que, afinal, é contrário aos mais rudimentares princípios de lógica?!

Êste princípio é erróneo e positivamente absurdo. Não tem, Sr. Presidente, razão de subsistir dentro duma lei eleitoral, a primeira que é feita pelo parlamento da República.

Dentro da monarquia, pelas leis eleitorais marcaram-se, por assim dizer, duas fases: uma de reacção e outra de progressivas liberdades políticas.

A fase de reacção política, em matéria eleitoral, foi sustentada pelas leis de 1895, 1896 e 1901.

Qualquer destas leis. estatui que o indivíduo que pague 500 réis de contribuição directa tenha direito ao voto.

Nos diplomas reputados mais liberais,

como seja a lei eleitoral de 1878 e na lei eleitoral em vigor, do Govêrno Provisório, ambas, para não citar outras, incluíam não só os cidadãos que soubessem ler e escrever, mas os que fossem reputados como chefes de família, embora analfabetos.

Entre estas duas garantias a conceder ao eleitorado, é sem dúvida atentatório à liberdade e igualdade política dos cidadãos, permitir-se o uso de voto a analfabetos porque directamente contribuem para o Estado não permitindo àqueles que, representando a grande massa popular, pagam todavia ao Estado, embora indirectamente, senão mais e mais pesadas contribuições.

Aprovado êste artigo, Sr. Presidente, a sua aplicação dará as mais extraordinárias anomalias.

Da legislação feita pela República se conclui a minha afirmação. A lei de 4 de Maio de 1911 isenta de contribuição o rendimento colectável inferior a 5$000 réis.

São alguns milhares de eleitores a que o presente artigo retira o direito de voto.

Da lei de contribuição industrial que fixa para os salários superiores a 800 réis a incidência do imposto, basta considerar com atenção, por exemplo, que existe uma profunda diferença entre os meios fabris e industriais para ajuizar dos resultados da aplicação do artigo 1.° do projecto.

Nos centros industriais e fabris do norte e sul do país o salário é relativamente inferior aos doutros meios industriais e fabris do centro do país.

Se o salário nestes excede, a importância fixada para incidência do imposto, naqueles a sua excessiva redução nem sequer a atinge.

Teríamos dentro das mesmas indústrias, por êste facto, meramente por nma divergência de localização, o absurdo da lei conceder o voto a operários analfabetos, negado pelo contrário a outros, em idênticas condições, que uma mera questão de flutuação de salário impediria de usar. Nenhuma lógica poderá destruir êste argumento. O mesmo quási que sucede com a aplicação da lei do Govêrno Provisório que fixa a contribuição de renda de casas, destinada a desaparecer, mas que, vigorando ainda, poderá determinar, em face do projecto, os seus efeitos.

Conforme a classe dos concelhos, se fixa

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tambêm o rendimento sôbre o qual incide o imposto. Vota num concelho de 6.ª ordem o contribuinte que pague quantia superior á da renda anual de, 30$000 réis. Não vota, Sr. Presidente, o analfabeto que num concelho de 3.ª, 4.ª ou 5.ª ordem paga quantia superior à renda dum concelho de 6.ª ordem!

O Sr. Henrique Cardoso: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, se me permite, com autorização do orador, usar da palavra em nome da comissão para fazer a seguinte declaração:

No parecer distribuído à Câmara não estão incluídas as emendas que foram aprovadas pela comissão e que o alteram em muitos pontos.

Neste caso peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se concorda que a discussão dêste projecto de lei seja adiada até que as emendas sejam juntas ao parecer. Parece-me de toda a conveniência adiar-se esta discussão, que não se pode fazer perfeita sem que o parecer seja completado com essas emendas.

S. Exa. não reviu.

O Orador: - Como as emendas ainda não foram apresentadas, termino por aqui as minhas considerações até que elas venham á discussão.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Como a declaração do Sr. Deputado Henrique Cardoso é uma questão prévia, vou submetê-la à consideração da Câmara.

Foi lida na mesa a "questão prévia" do Sr. Deputado Henrique Cardoso. É a seguinte:

Questão prévia

Não estando junto ao parecer n.° 409 as emendas aprovadas pela comissão, proponho seja suspensa a discussão até que elas hajam sido distribuídas pelos Srs. Deputados. = Henrique Cardoso.

Foi admitida e, em seguida, aprovada. O projecto de lei foi retirado da discussão.

Discussão do projecto de lei n.° 171

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 171.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

N.° 171

Senhores Deputados.-Já tem sido apresentados á vossa apreciação alguns dos decretos do Govêrno Provisório, que visaram a galardoar a acção de vários revolucionários no movimento de õ de Outubro de 1910, ou a reparar prejuízos resultantes de perseguição a antigos republicanos, que injustiça grave seria subsistirem com T. implantação do novo regime.

Nem todas as faltas, porem, o Govêrno Provisório pode remediar, nem todas as reparações pôde efectuar, algumas decerto por não lhe serem oportunamente presentes, não sendo por isso de estranhar que sejam ainda apresentados à vossa consideração certos casos, cuja resolução representa um incontestável acto de justiça.

Nestas condições se encontra o projecto n.° 63-G, que o Sr. Deputado Miguel de Abreu apresentou nesta Câmara em sessão de 19 de Janeiro último.

Miguel Augusto Alves Ferreira era alferes de infantaria, pertencendo ao regimento de infantaria n.° 18, quando, para evitar os desgostos que lhe podiam advir e o mal-estar resultante das perseguições que lhe eram movidas, dado o conhecimento que havia das suas ideas republicanas, pediu a sua demissão de oficial do exército, ficando, pela legislação em vigor, pertencendo ao quadro de reserva.

A vossa comissão de guerra, julgando-se bem integrada no espírito de justiça que caracteriza esta Câmara, é de parecer que o projecto merece a vossa aprovação, pois tende êle a fazer voltar às fileiras do exército activo um oficial republicano que soube sempre empregar os seus esforços em prol da República.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E reintegrado no exército activo o alferes de infantaria do quadro de reserva, Miguel Augusto Alves Ferreira, indo ocupar na escala de promoção o lugar que lhe competia ao ser separado daquele serviço.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 11 de Março de 1912. = José Augusto Simas Machado = Alfredo Balduíno de Seabra Júnior = Vitorino Henriques Godinho = Vitorino Máximo de Car-

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valho Guimarães = Jorge Frederico Velez Caroço.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de finanças, tendo estudado o projecto de lei n.° 63-C, não tem que opor à sua aprovação, antes lhe merece inteiro aplauso, visto que, segundo o parecer da comissão de guerra, traduz um acto de inteira justiça e não traz aumento de despesa, visto o oficial, quando reintegrado, ir ocupar uma vaga do quadro da arma de infantaria, para o qual está prevista a necessária verba no orçamento.

Sala da comissão de finanças, em 25 de Março de 1912. = Inocência Camacho Rodrigues = Aquiles Gonçalves = António Maria Malva do Vale = Álvaro de Castro = Tomé de Barros Queiroz = José Barbosa = José Carlos da Maia = Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

63-C

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É reintegrado no exército activo o alferes de infantaria do quadro de reserva, Miguel Augusto Alves Ferreira, indo ocupar na escala de promoção o lugar que lhe competia ao ser separado daquele serviço.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 19 de Janeiro de 1912.=Miguel de Abreu.

Foi aprovado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 244. Foi lido na mesa. É o seguinte:

N.° 244

Senhores Deputados. - A vossa comissão de saúde e assistência públicas, tendo examinado o presente projecto de lei, com êle concorda, sendo de parecer que merece a vossa inteira aprovação.

Lisboa e sala da comissão de saúde e assistência públicas, em 8 de Abril de 1912. = Pedro Januário do Vale Sá Pereira = Afonso Ferreira = Ezequiel de Campos = J alio Martins -José da Silva Ramos, relator.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de finanças, tendo examinado a proposta de lei n.° 172-H, é de parecer que merece a vossa aprovação, pois melhora a organização dos serviços de higiene e não acarreta qualquer aumento de despesa ou diminuição de receita.

Sala da comissão de finanças, em 29 de Maio de 1912. = Inocêncio Camacho Rodrigues = Aquiles Gonçalves = António Maria Malva do Vale = Álvaro de Castro = Tomé José de Barros Queiroz = Joaquim José de Oliveira = Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães, relator.

172-H

Existe no quadro dos hospitais civis de Lisboa o lugar de Inspector técnico de higiene, em cujas funções se compreendem-de conformidade com o artigo 161.° do respectivo regulamento, a permanente direcção dos serviços gerais no ponto de vista higiénico, a inspecção dos serviços especiais confiados a direcções técnicas, a direcção, sob o ponto de vista higiénico, dos serviços especiais que não tenham direcção própria técnica e a permanente inspecção fiscal dos géneros alimentícios, a começar no acto de serem recebidos dos fornecedores até a sua entrega a quem deva consumi-los.

E, como se vê, um cargo de importantes responsabilidades, cujo desempenho carece de manifestas aptidões técnicas e conjuntamente duma vigilância assídua e cuidada, e que, portanto, muito convêm que seja desempenhado por um facultativo, que nos hospitais exerça já outras funções.

Acontece, porem, que a respectiva remuneração, de 500$000 réis, é dividida em 300$000 réis de vencimento e 200$000 réis de gratificação, o que, sendo diminuto como retribuição a um clínico, que exclusivamente se consagrasse ao exercício dêste lugar, não pode ser integralmente dado a qualquer dos clínicos hospitalares, que dêsse cargo possa ser incumbido, por motivo de apenas ser acumulável a parte dessa remuneração consignada como gratificação.

Ora por tam diminuta paga, e para execução de serviços tam fundamentais e de tamanha monta, facilmente se compreende a impossibilidade, aliás verificada já, de se encontrar quem cabal e proficientemente ! os queira e possa desempenhar. Nestes ter-

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mos, pois, tenho a honra de apresentar à vossa consideração a seguinte:

Artigo 1.° O Inspector técnico de higiene do Hospital de S. José e Anexos receberá, como remuneração única por êste lugar, a gratificação de 500,$>000 réis anuais.

§ único. Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em 12 de Abril de 1912. = O Ministro do Interior, Silvestre Falcão.

Foi aprovado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Fernando Macedo: - Requeiro que seja dispensada a última redacção do projecto de lei n.° 171, a fim de seguir imediatamente para o Senado.

Consultada a Câmara, assim se resolveu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Presidente: - Como a hora vai bastante adiantada e o Sr. João Gonçalves pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, vou dar a palavra a S. Exa.

O Sr. João Gonçalves: - Sr. Presidente: não é só por honra própria, mas tambêm para dignidade do Poder Legislativo e para dignidade do Poder Executivo, que pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Entendo que não deve ficar estabelecido o precedente de que, quando se pedem explicações a um Ministro, êsse Ministro se furte a responder, a justificar-se e pratique a incorrecção de voltar à sala sem dar uma resposta aqui prometida há meses, mas até hoje não vinda. Não quero entrar na apreciação dos motivos que determinaram S. Exa. a ter semelhante procedimento, e não desejo mesmo entrar em minúcias ao processo de sindicância ao chamado conflito da Penitenciária, porque receio defrontar-me com indivíduos com largas responsabilidades nesta questão e que são aparentados com o Sr. Ministro da Justiça. Estou, porêm, certo que a bem do prestígio da República não pode continuar a situação de impunidade para aqueles que coagiram os seus subordinados a depor contra a verdade no referido processo e para aqueles que mentiram no propósito de enxovalhar.

Estou, tambêm, certo de que não pode continuar a situação dum certo empregado que foi recomendado, certamente por desconhecimento, por um tio cujo nome e posição social omito, para um lugar público, embora nessa ocasião tivesse um mandado de captura por quebra fraudulenta. Foi julgado, provando o quesito que a sociedade a que pertencia não usa de seriedade nos seus negócios, e do seu passado corre um cadastro cheio de vergonhas. Não obstante desempenha êste homem, José de Lemos, as funções de fiscal.

Não prescindo, pois, duma resposta do Sr. Ministro da Justiça sôbre a impunidade concedida a autênticos criminosos, não só como Deputado, mas por consideração para com o Parlamento, e para prestígio do próprio lugar que o Sr. Correia de Lemos ocupa.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental. A ordem do dia é a seguinte:

Projecto de lei n.° 222 (Caldelas).

Projecto de lei n.° 143-E (Odemira).

Projecto de lei n.° 243, fixando em 10 por cento a taxa da contribuição de registo.

Projecto de lei n.° 127 (Responsabilidade ministerial).

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 60 minutos.

O REDACTOR = Melo Barreto.

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