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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
21.ª SESSÃO ORDINÁRIA DO 3.° PERÍODO DA 1.ª LEGISLATURA
1912-1913
EM 10 DE JANEIRO DE 1913
Presidência do Exmo. Sr. Vítor José de Deus Macedo Pinto
Secretários os Exmos. Srs.
Jorge Frederico Velez Caroço
Pedro Januário do Vale Sá Pereira
Sumário. - Abre a sessão com a presença de 79 Srs. Deputados.
Lida e aprovada a acta, dá-se conta do expediente, sendo admitidos em "segunda leitura" alguns projectos de lei. já publicados no "Diário do Govêrno".
O Sr. Presidente participa à Câmara que recebeu uma carta do Sr. Presidente do Ministério, comunicando-lhe que o novo Govêrno se apresentará pelas 15 horas.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Joaquim Ribeiro responde às considerações feitas no final da sessão anterior pelo Sr. Deputado Casimiro Rodrigues de Sá.
Envia um requerimento para a mesa o Sr. Deputado Jacinto Nunes.
Ordem do dia. (Discussão do projecto de lei n.° 22, aprovando, com modificações) o decreto, com fôrça de lei, do Govêrno Provisório, sôbre a concessão do subsídio de 2.500 escudos que a Junta Autónoma das obras da cidade do Pôrto tem de entregar anualmente à Escola Elementar de Comércio). - Usam da palavra os Srs. Deputados Brito Camacho e Fernando Macedo.
As 15 horas e 15'minutos, tendo dado entrada na sala o novo Govêrno, interrompe-se a discussão da ordem do dia.
O Sr. Presidente do Ministério (Afonso Costa) faz a apresentação do Gabinete, lendo a declaração ministerial.
Usam da palavra, seguidamente, os Srs. Deputados Alexandre Braga, Nunes Godinho, Brito Camacho, António José de Almeida, Júlio Martins, Alfredo Ladeira, Pereira Vitorino e Gouvêa Pinto, respondendo-lhes o Sr. Presidente do Ministério.
A sessão é interrompida por 20 minutos.
Reaberta a sessão, tendo o Sr. Deputado Morais Rosa requerido a contagem, procede-se à chamada.
O Sr. Presidente declara que estão presentes 82 Srs. Deputados, mas encerra a sessão por não se encontrar na sala o Sr. Ministro do Fomento, para
assistir à discussão do projecto de lei n.° 22, e marca a próxima sessão para segunda-feira, 13 do corrente, com a mesma ordem do dia.
Antes de se encerrar a sessão. - Envia uma declaração de voto para a mesa o Sr. Deputado José Carlos da Maia.
Abertura da sessão - As 14 horas e 55 minutos.
Presentes - 79 Srs. Deputados.
São os seguintes Srs.:
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Ferreira.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Souto.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Balduino de Seabra Júnior.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Alfredo Guilherme Howell.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Nunes Ribeiro.
Álvaro Poppe.
Américo Olavo de Azevedo.
Angelo Rodrigues da Fonseca.
Angelo Vaz.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino Carvalho Mourão.
António Amorim de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Augusto Pereira Cabral.
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António Barroso Pereira Vitorino.
António Caetano Celorico Gil.
António França Borges.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Granjo.
António José Lourinho.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António Pádua Correia.
António de Paiva Gomes.
António Pires Pereira Júnior.
António Valente de Almeida.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves.
Carlos António Calisto.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Domingos Leite Pereira.
Emidio Guilherme Garcia Mendes.
Ernesto Carneiro Franco.
Ezequíel de Campos.
Fernando da Cunha Macedo.
Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava).
Francisco Cruz.
Francisco José Pereira.
Francisco Luís Tavares.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Gastão Rafael Rodrigues.
Gaudêncio Pirea de Campos.
Guilherme Nunes Godinho.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique José Caldeira Queiroz.
Henrique José dos Santos Cardoso.
Inocêncio Camacho Rodrigues.
João Barreira.
João Camilo Rodrigues.
João Carlos Nunes da Palma.
João Duarte de Meneses.
João Fiel Stockler.
João Gonçalves.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Machado Ferreira Brandão.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José Cerqueira da Rocha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Frederico Velez Caroço.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António Simões Raposo Júnior.
José Augusto Simas Machado.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Bernardo Lopes da Silva.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Carlos da Maia.
José Dias da Silva.
José Francisco Coelho.
José Jacinto Nunes.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Montez.
José Pereira da Costa Basto.
José da Silva Ramos.
José Tristão Pais de Figueiredo.
Jovino Francisco de Gouvêa Pinto.
Júlio do Patrocínio Martins.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Miguel de Abreu.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Philemon da Silveira Duarte de Almeida.
Rodrigo Fernandes Fontinha.
Severiano José da Silva.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vítor José de Deus Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano Mendes de Vasconcelos.
Afonso Augusto da Costa.
Alexandre Braga.
Álvaro Xavier de Castro.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António José de Almeida.
António Maria Malva do Vale.
António Maria da Silva.
António Silva Gouveia.
Aquiles Gonçalves Fernandes.
Artur Augusto Duarte da Luz Almeida.
Aureliano de Mira Fernandes.
Carlos Maria Pereira.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.
Germano Lopes Martins.
João Pereira Bastos.
Joaquim Teófilo Braga.
José de Freitas Ribeiro.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
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José Perdigão.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel José da Silva.
Tiago Moreira Sales.
Tito Augusto de Morais.
Tomé José de Sarros Queiroz.
Não compareceram à sessão os Srs.:
Alexandre Augusto de Barros.
Amónio Afonso Garcia da Costa.
António Cândido de Almeida Leitão.
Carlos Amaro de Miranda e Silva.
Carlos Henrique da Silva Maia Pinto.
Eduardo de Almeida.
José Barbosa.
José Bessa de Carvalho.
José Cordeiro Júnior.
José Maria Cardoso.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
José Tomás da Fonseca.
José Vale de Matos Cid.
Luís Maria Rosette.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães.
Às 14 horas e 40 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Tendo respondido á chamada 79 Srs. Deputados, está aberta a sessão e vai ler se a acta.
Foi lida e aprovada a acta.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
EXPEDIENTE
Ofícios
Do arquivista do Parlamento dinamarquês, pedindo ao Parlamento português uma colecção dos documentos históricos e técnicos que menciona, a fim de ali ser organizado um museu.
Para a Secretaria.
Do 6.° grupo de metralhadoras, quartel de Bragança, enviando uma folha de informação do Sr. Deputado Vitorino Henriques Godinho.
Para a Secretaria.
Representações
De vários proprietários, comerciantes e industriais do concelho de Monchique, protestando contra o pedido formulado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão, para lançar um imposto de 1 por cento sôbre todas as mercadorias que se exportarem pela barra daquele porto.
Para a comissão de finanças.
Segundas leituras
Projectos de lei
O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre a admissão à discussão dalguns projectos de lei já publicados no Diário do Govêrno.
Artigo 1.° É considerada oficial a correspondência que por intermédio do correio haja de expedir a Santa Casa da Misericórdia do Pôrto, desde que a referida correspondência transite em sobrescritos abertos em que se leia a respectiva legenda, a inscrição de "Isenção de franquia" e a data da sua concessão.
Art. 2,° Fica revogada a legislação em contrário. = O Deputado, Adriano Gomes Pimenta.
Foi admitido.
Artigo 1.° Fica suprimido o § único do artigo 42.° do decreto de 26 de Maio de 1911.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa, em 6 de Janeiro de 1913.= José do Vale de Matos Cid.
Foi admitido.
Senhores Deputados.- Por portaria do Ministério do Fomento de 8 de Dezembro de 1911 foi nomeada uma comissão de vários funcionários e outras entidades da cidade do Funchal para estudar e propor ao Govêrno os melhoramentos de que carece o pôrto artificial do Funchal e apresentar seguidamente o plano de trabalhos que reputasse necessários para êsse fim.
Desempenhou esta comissão briosamente o seu mandato, e depois dum demorado estudo do assunto em que consumio alguns meses, deu por findos os seus trabalhos, apresentando ao Sr. Ministro do Fomento de então um substancioso relatório em que o problema que havia sido sujeito à sua ponderação ficou cabalmente resolvido, debaixo do seu duplo ponto de vista, administrativo e financeiro.
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Escusado será denunciar o estado lastimoso em que se encontra presentemente o pôrto do Funchal, pôrto que, apesar do abandono a que de todos os tempos tem sido votado, é pela sua situação verdadeiramente privilegiada", um excelente pôrto de escala da navegação de longo curso entre os principais da Europa e África, contando-se, hoje, em muitas centenas, os navios que ali aportam para se fornecerem de água, carvão e refrescos.
Chega a ser verdadeiramente criminoso que um pôrto desta ordem, que desempenha tam alta função económica e que está prestes a ser extraordinariamente aumentada a sua afluência por efeito do canal do Panamá, seja ainda um pôrto primitivo, desprovido de todos os elementos de progresso, fazendo o seu tráfego por processos os mais antiquados e inteiramente inadaptáveis ás exigências e necessidades do comércio moderno.
Na verdade as embarcações que o demandam não encontram ali os meios necessários para o bom exercício das suas operações comerciais, vendo-se com tristeza que, áparte as obras realizadas desde o cais da entrada da cidade até o molhe da Pontinha, e estas mesmas não representando se não uma mínima parcela do muito que se precisa fazer, tudo ali falha em matéria de comodidades, hoje absolutamente indispensáveis em portos daquela natureza.
Não há ali cais de carga e descarga nem armazéns para abrigo de mercadorias, tantas vezes expostas às intempéries do clima e debaixo duma fiscalização insuficiente, sujeitas, por isso, a fáceis extravios ; não há ali guindastes nem vias rápidas de comunicação entre o cais e a alfândega, fazendo-se todos os serviços marítimos duma maneira primitiva e caótica, inteiramente incomportável com um pôrto aberto à navegação de todo o mundo.
As instalações do serviço do pôrto, como a alfândega, a capitania e a delegação de saúde reclamam melhoria urgente nas suas actuais condições, de molde a centralizá--las, aproximando-as, tanto quanto possível, das proximidades do pôrto, primando sobretudo as que dizem respeito à Delegação de Saúde, nas quais se nota a falta indesculpável que ainda hoje se nota de o Funchal não possuir um pôsto de desinfecção marítimo, que o defenda da invasão das epidemias exóticas, de que vem sendo vítima aquela pérola do oceano e por cuja carência ainda recentemente o Govêrno da República sofreu as consequências.
É fácil demonstrar como o movimento marítimo do pôrto do Funchal tem aumentado nestes últimos 15 anos duma forma bem animadora e do mesmo modo o movimento comercial.
Para comprovar a primeira asserção, bastará lembrar que emquanto no quinquénio de 1891 a 1895 o número de navios entrados ali foi, em média, 692, representando, em média, 1.500:000 toneladas de arqueação, tal média alcançou, no quinquénio de 1905 a 1909, 1:425 embarcações, representando em média, toneladas 5.500:000 de arqueação.
Para comprovar a segunda afirmação, isto é, para se avaliar do seu movimento comercial, mostra a estatística oficial que, sendo representado o seu comércio geral no quinquénio de 1891 a 1895 pela média de 2.088:000 escudos, passou a ser no quinquénio de 1905 a 1909 pela de escudos 4.171.000 escudos.
Dois elementos, mais, bastarão para levar ao vosso espírito a convicção da urgência dêste projecto de lei.
Diz respeito o primeiro ao número de passageiros em trânsito pela Ilha, computando no primeiro dos referidos quinquénios em 42:897 e no segundo em 121:650. O segundo elemento não é menos eloquente e refere-se aos rendimentos cobrados pela alfândega do Funchal, os quais foram respectivamente nos dois quinquénios 384.000 e 618.000 escudos, ou seja, dam para o outro, um coeficiente de aumento de 1,60. Expostas a largos traços as razões do presente projecto de lei, resta encará-lo sob o seu duplo ponto de vista, administrativo e financeiro.
Tanto sob o primeiro, como sob o segundo, cumpre-me dizer lealmente à Câmara que êste projecto não oferece novidade alguma. Êle está vazado nos moldes do decreto com fôrça de lei de 1911, instituindo na cidade do Pôrto uma Junta Autónoma das obras da cidade e regulando a sua constituição, atribuições e funcionamento.
Não é mais, portanto, que uma obra de adaptação, tendendo a criar na cidade do Funchal uma instituição idêntica.
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Assim como a criação da Junta Autónoma das obras da cidade do Pôrto não trouxe encargos alguns para o Tesouro, do mesmo modo a Junta Autónoma das Obras do pôrto do Funchal, que se pretende criar por êste projecto de lei, tambêm os não trará.
O arquipélago da Madeira, tal qual como a cidade do Pôrto, dispõe dos recursos próprios indispensáveis para levar à prática o plano geral dos melhoramentos de que carece o pôrto do Funchal. São o seu comércio e as corporações administrativas que tomam sôbre si os encargos orçamentais que tais obras demandarem por reconhecerem de sobejo a necessidade inadiável de se acudir ao lamentável estado do porto.
Assim, o comércio do Funchal aceitará de bom grado que se crie um adicional de 3 por cento sôbre os direitos de importação e impostos municipais cobrados pela Alfândega do Funchal sôbre todas as mercadorias, exceptuados os géneros alimentícios e tabacos nacionais e estrangeiros. Pode computar-se esta cotização em cêrca de 12.000 escudos por ano.
A Junta Geral do Distrito contribuirá com 50 por cento dos aumentos verificados na sua cobrança por efeito de leis já promulgadas pela República.
Esta receita pode reputar-se anualmente em cêrca de 15.000 escudos.
Por sua vez, a Junta Agrícola da Madeira, obedecendo ao pensamento da sua criação, que é fomentar e desenvolver toda a riqueza da Ilha, votará nos seus orçamentos anuais 6 por cento de rendimento do imposto de produção de aguardente, verba que se pode reputar em cêrca de 9.000 escudos.
As câmaras municipais contribuirão com 30 por cento sôbre o rendimento do imposto sôbre os tabacos nacionais e estrangeiros, que pode bem computar-se em cêrca de 10.000 escudos anualmente.
Finalmente, um pequeno imposto de higiene e os rendimentos da exploração comercial do pôrto, venda de terrenos conquistados ao mar, arrendamento de armazéns, à medida que se forem construindo, darão uma receita que, sem sombras de exagero, se pode reputar em cêrca de 22.000 escudos por ano.
Todas estas receitas perfarão a verba de 70.000 a 80.000 escudos anuais que a
Junta Autónoma administrará dentro dos limites que lhe são prescritos e que é reputada suficiente para o fim que se pretende atingir.
A parte administrativa é perfeitamente semelhante á do decreto já citado, de 7 de Fevereiro de 1911, e sendo até hoje reconhecida, como boa, na cidade do Pôrto não precisa aqui de qualquer justificação.
Nestes termos tenho a honra de submeter à vossa aprovação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É instituída na cidade do Funchal uma corporação que será denominada Junta Autónoma das Obras do Pôrto do Funchal, tendo nas suas atribuições:
a) As obras de reparação indispensáveis no pôrto de abrigo na Pontinha, tanto do lado interno como do lado externo da enseada; instalação no mesmo molhe de maquinismos de carga e descarga; ligação com a alfândega por meio duma linha férrea eléctrica; armazéns no terminus da linha e bem assim prolongamento e melhoramento do cais da Entrada da Cidade: a construção dum cais para mercadorias em frente da alfândega; abertura duma avenida marginal entre o cais da Entrada da Cidade e o extremo leste do Campo Almirante Reis; construção duma pequena doca entre o cais da alfândega e a foz da Ribeira de Santa Luzia, com as devidas instalações para serviço de pequena cabotagem da ilha; e, finalmente, todas as demais instalações complementares como seja um edifício da alfândega, a construção dum pôsto marítimo de desinfecção, a dum mercado, praça do peixe; capitania do pôrto e serviço de saúde;
b) A conservação, exploração e aproveitamento de todas as instalações, obras e serviços que vier a montar dentro dos limites das suas atribuições.
Art. 2.° A Junta será constituída permanentemente por onze membros, a saber:
1.° Presidente da Junta Geral do Distrito;
2.° Presidente da Câmara Municipal do Funchal;
3.° Presidente da Junta Agrícola da Madeira;
4.° Director das obras públicas do distrito;
5.° Director da alfândega;
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6.° Capitão do pôrto;
7.° Presidente da Associação Comercial;
8.° Um vogal especialmente designado pelo Govêrno, pelo Ministério do Fomento;
9.° Um vogal eleito pelas casas bancárias do Funchal;
10.° Um vogal eleito pelas associações de classe dos comerciantes por grosso e a retalho do Funchal;
11.° Um vogal eleito pelas câmaras dos diferentes concelhos do distrito.
§ único. A eleição dos designados sob os n.ºs 9.° a 11.° será feita perante a Câmara Municipal do Funchal, em dia que o governador civil do Funchal oportunamente designará.
Art. 3.° Serão, igualmente, membros da Junta, os cidadãos eleitos para Deputados pelo círculo do Funchal.
Art. 4.° O mandato electivo, a que se referem as alíneas 9.° a 11.° do artigo 2.°, é por tempo de dois anos e poderá recair em cidadãos alheios ao grémio dos respectivos eleitores com recondução para eleições sucessivas.
Art. 5.° Da Junta será presidente o presidente da Junta Geral do Distrito e vice-presidente o presidente da Câmara Municipal do Funchal, e ela escolherá de entre os seus restantes vogais o secretário e o tesoureiro.
Art. 6.° O governador civil do Funchal terá lugar em todas as sessões da Junta, poderá convocá-la extraordinariamente quando reputar conveniente, e será nela ouvido, mas não terá voto nas suas deliberações nem poderá embargar obras nem empreendi mento algum.
Art. 7.° O presidente da Junta, em exercício, terá sempre voto nas deliberações dela e voto de qualidade em caso de empate na votação.
Art. 8.° O cargo de membro da Junta é obrigatório para todos os funcionários públicos designados neste decreto ou eleitos pelas classes acima referidas e voluntariamente quanto aos demais cidadãos, sendo para todos gratuito e incompatível com qualquer participação directa ou indirecta em obras, contratos ou serviços que tenham de ser custeados com fundos a ela afectos.
Art. 9.° A Junta, quanto às obras até aqui dependentes do Ministério do Fomento, rica sujeita á fiscalização superior dêste Ministério; com respeito àquelas que colidirem com atribuições da Junta Geral do Distrito ou da Câmara Municipal do Funchal sujeitar-se há, conjuntamente, à fiscalização das mesmas corporações, e quanto a contratos de alienação ou hipoteca e a empréstimos ou operações financeiras em que houver de recorrer à subscrição pública ou haja de formular, publicamente, programa ou anúncios, ficará sujeita à fiscalização do Ministério das Finanças.
§ 1.° Os planos e projectos para a realização de obras não poderão ser executados sem aprovação do Govêrno pelo Ministério do Fomento, e quando caibam na esfera de acção da Junta Geral e Câmara Municipal, tambêm com aprovação destas, mas estas aprovações entender-se hão concedidas sempre que sejam decorridos trinta dias sôbre a data da entrada dos mesmos planos ou projectos nas repartições competentes, sem que por parte destas se formule decisão a seu respeito.
§ 2.° A Junta conformar-se há, em todas as suas obras, com as leis e regulamentos vigentes.
Art. 10.° Para ocorrer aos seus fins constituirão receita da Junta:
a) Um adicional de 3 por cento sôbre os direitos do importação e sôbre os impostos municipais cobrados pela Alfândega do Funchal, exceptuados os géneros alimentícios :
b) 6 por cento do rendimento anual do imposto de produção da aguardente cobrado pela Junta Agrícola da Madeira:
c) 50 por cento do aumento que se verificar na cobrança dos impostos directos pagos pelos contribuintes do concelho do Funchal, a partir do segundo semestre do ano económico em que a Junta se instituiu em relação ao máximo atingido por essa cobrança em igual período dos três anos económicos anteriores a 1910-1911;
d) 30 por cento sôbre o rendimento do imposto municipal sôbre os tabacos nacionais e estrangeiros;
e) O rendimento da exploração comercial do pôrto do Funchal, venda de terrenos conquistados ao mar, arrendamentos de armazéns e dos mencionados terrenos ou doutros que o Govêrno ou quaisquer entidades cedam à Junta;
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f) O rendimento dum imposto de higiene da taxa de 10 centavos pago por todos os passageiros que saltem no pôr-to, não devendo êste imposto ser cobrado senão quando se achem concluídas todas as obras do melhoramento do pôrto e as do saneamento que estão a cargo da Câmara Municipal do Funchal;
g) As importâncias pertencentes ao Estado, em todas as multas, por descaminho ou transgressões dos regulamentos fiscais que forem cobradas pela Alfândega do Funchal, em pagamento voluntário ou coercivamente, a contar da data da criação da Junta;
h) Quaisquer outras doações ou donativos que lhe forem concedidos por colectividades ou particulares ou consignados por diplomas especiais.
§ 1.° A percentagem a que se refere a alínea c) dêste artigo será entregue à Junta no fim de cada ano económico, e no fim do ano económico seguinte será descontada ou aumentada à respectiva percentagem a diferença para mais ou para menos, nas cobranças coercivas ou em atraso do exercício imediatamente anterior, em relação tambêm ao máximo atingido pelas cobranças obtidas nos três anos decorridos de 1907 a 1910.
Art. 11.° A Junta poderá, para os seus fins, realizar todos os contratos e operações de natureza civil, administrativa ou financeira que houver por conveniente, e terá personalidade civil completa para estar em juízo e fora dele representada pelo seu presidente.
§ 1.° Nas atribuições conferidas por esto artigo compreender-se há, alem das mais, o direito de adquirir bens mobiliários ou imobiliários e conservá-los na sua posse por tempo indefinido, e de alienar, consignar ou hipotecar em garantia aos seus contratos ou operações, ou para assegurar seus serviços, a raiz ou os condimentos de quaisquer edificações, instalações ou serviços por ela instituídos e bem assim consignar o produto dos impostos a ela afectos na forma dos artigos antecedentes.
Art. 12.° A Junta será isenta de toda a espécie de imposto pelos edifícios, instalações ou serviços por ela instituídos e utilizados para um fim de interesse público, e gozará de prerrogativas estabelecidas para as obras distritais e municipais pela lei civil ou de processo.
Art. 13.° Nos actos e contratos da Junta, servirá de notário, sem emolumento, o secretário da Junta Geral do Distrito.
Art. 14.° Qualquer conflito de jurisdição ou dúvidas de competência, que se suscitarem entre a Junta e o Estado ou a Junta Geral do Distrito ou a Câmara Municipal do Funchal, na execução ou interpretação de obras, contratos ou operações àquela aprovadas, serão decididas por arbitragem, para o que cada uma das partes designará o seu árbitro, servindo a desempatar, em matéria de obras, o vice-presidente de Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, em matéria civil e administrativa o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e em matéria financeira, o presidente da Junta do Crédito Público.
Art. 15.° A Junta formulará, com aprovação do Ministério do Fomento, e sob a reserva estatuída no final do § 1.° do artigo 9.°, os regulamentos adequados à perfeita execução dêste decreto, mas êste entra desde já em vigor para todos os efeitos legais.
Art. 16." Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões, em 4 de Janeiro de 1913. = Os Deputados pela Madeira, Manuel Gregário Pestana Júnior = Carlos Olavo = Ribeira Brava.
Foi admitido.
Para a comissão de obras públicas.
Senhores Deputados: - A descentralização administrativa, estabelecida pela constituição não será um facto se a descentralização dos serviços não for acompanhada da descentralização dos meios.
Os intuitos da lei orgânica da República seria um pesado sacrifício, se as administrações locais fossem coagidas a criar as suas receitas com excepção das suas principais fontes. E neste caso está a lei de 23 de Julho de 1880, que no § 4.°, do, artigo 1.°, proíbe que as câmaras municipais das ilhas adjacentes lancem impostos; sôbre o tabaco, estendendo assim aos Açores e Madeira idêntica disposição da lei de 3 de Março de 1884.
É certo, porêm, que tal proibição no continente obedece a um interesse supe-
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rior do Estado, porquanto existe ali o exclusivo do tabaco.
Nas ilhas adjacentes onde êle não existe resulta de tal proibição um grave obstáculo para a administração municipal a cujos antigos encargos se vem juntar outros novos pela orientação descentralizadora de legislação republicana.
Todos os principais municípios dos Açores e Madeira, com excepção do de Ponta Delgada, se tem queixado da violenta disposição do citado § 4.°, do artigo 1.°, da lei de 2 de Julho de 1885, e alegam que da sua revogação resultaria o equilíbrio das suas finanças e a satisfação de serviços e melhoramentos inadiáveis, mediante um imposto moderado e igual sôbre o tabaco.
Em 1911, a Câmara Municipal do Funchal solicitou dos poderes do Estado que lhe fôsse permitido tributar o tabaco açoreano, comprometendo-se a tributar com igual taxa o tabaco indígena e o procedente do estrangeiro, de modo a manter a concorrência das três espécies de tabaco no mesmo pé em que estão, actualmente, não sofrendo nada, por isso, a importação do tabaco dos Açores e encontrando a Câmara nela uma grande receita de que muito carece para obras de reconhecida urgência.
No relatório que precede o Orçamento ordinário da Câmara Municipal de Angra para 1912 se diz que a imprensa local já indicara a tributação do tabaco, o que ofereceria aumento de rendimento sem vexame para o contribuinte e sem receio de afectar a economia do concelho; mesmo com uma taxa mínima, acrescenta a comissão municipal que nem prejudicaria a indústria, nem traria encargo sensível para o consumidor; obter-se hia o bastante para com o subsídio anual já concedido pela Junta Geral, ocorrer à anuidade resultante da operação financeira necessária para canalizar convenientemente a água potável, como tanto urge a bem das condições de salubridade da cidade e que talvez permitisse atender--se a alguns outros serviços.
A Câmara Municipal da Horta tambêm reclamou a liberdade da tributação do tabaco para equilibrar a sua fazenda, fundando se em que o exclusivo do tabaco não se estende às ilhas adjacentes, e foi para melhor garantir êsse exclusivo no continente que se proibiu a tributação municipal e se regulou o direito que pagaria o tabaco açoreano entrado ali.
Deve pois revogar-se o § 4.° do artigo 1.° da lei de 23 de Julho de 1885, que proíbe ás câmaras municipais das ilhas adjacentes lançar impostos sôbre tabaco.
Nestas circunstâncias tenho a honra de submeter á vossa aprovação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Fica permitido às câmaras municipais das ilhas adjacentes lançar impostos sôbre o tabaco, sendo igual a taxa de cada concelho para o tabaco proveniente do mesmo e para o importado dos outros concelhos ou do estrangeiro.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 4 de Janeiro de 1913. = Os Deputados pela Madeira, Manuel Gregário Pestana Júnior = Carlos Olavo = Ribeira Brava.
Foi admitido.
Para a comissão de legislação civil.
Senhores Deputados. - O artigo 1.° do decreto de 30 de Junho de 1912, determinando que as praças de pré da armada tenham de vencimento, quando com baixa ao hospital, o pré e gratificação de recondução, veiu até certo ponto melhorar a sorte dos que, naquela situação, com dificuldade podiam ocorrer às necessidades do seu lar em virtude dos descontos que sofriam.
Mas se a humanitária doutrina do citado decreto veiu beneficiar uma tam prestimosa classe, como indubitavelmente é a das praças da armada, a verdade tambêm é que ela deixou no olvido uma outra não menos digna de igual atenção e benefício e que ainda hoje se encontra numa situação de manifesta inferioridade relativa à primeira.
Assim sucede, Srs. Deputados, aos sargentos e equiparados do exército, na sua grande maioria chefes de família, e que, quando obrigados a baixar aos hospitais, ficam numa situação verdadeiramente desumana e angustiosa, principalmente quando não contam três anos de serviço efectivo, pois nesse caso não tem direito a vencimento algum.
A fim de obviar a esta desigualdade, imprópria duma democracia, e ainda no intuito de atenuar os sacrifícios que uma tam
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digna e laboriosa classe tem a fazer para manter a dignidade e brilho do seu posto, tenho a honra de submeter à vossa esclarecida apreciação, e nunca desmentido patriotismo, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os sargentos ajudantes, primeiros e segundos sargentos do exército, bem como os seus equiparados, terão de vencimento, quando em tratamento nos hospitais, o pré e gratificação de readmissão correspondentes.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa, 7 de Janeiro, de 1913. = O Deputado, Fernando da Cunha Macedo.
Foi admitido.
Para a comissão de guerra.
Artigo-1.° As vagas de alferes actualmente existentes e as que de futuro ocorrerem no quadro dos oficiais do secretariado militar e no quadro auxiliar do serviço de administração militar, a que respectivamente se referem o § 1.° do artigo 187.° e o § 2.° do artigo 194.° do decreto de 25 de Maio de 1911, que reorganizou o exército, serão unias e outras preenchidas pela promoção àquele pôsto dos sargentos-ajudantes e primeiros sargentos mais antigos de todas as armas e serviços, quando reunam todas as condições de promoção do pôsto de alferes da sua arma ou serviço.
Art. 2.° As vagas de alferes que ocorrerem no quadro dos oficiais de administração militar, a que se refere o artigo 165.° do já citado decreto, serão preenchidas:
a) Dois terços pelos militares habilitados com o respectivo curso professado na Escola de Guerra.
b) Um têrço pelos sargentos-ajudantes e primeiros sargentos que reunam todas as condições exaradas no artigo anterior.
Art. 3.° Quando simultaneamente se produzam vagas de alferes em todos ou nalguns dos quadros dos oficiais, a que se referem os artigos 1.° e 2.°, os sargentos-ajudantes e primeiros sargentos, a quem pertencer a promoção, terão o direito de optar, por ordem de antiguidade, pelo serviço que lhes convier, ou ainda pela promoção para a sua arma ou serviço de origem, quando esta lhes pertença ao mesmo tempo que aquela.
Art. 4.° Os sargentos-ajudantes e primeiros sargentos podem desistir dos benefícios da presente lei, quando prefiram ser promovidos pela sua arma ou serviço de origem.
Art. 5.° Para os efeitos dos artigos 3.°
4.° o Ministério da Guerra consultará os interessados antes de serem promovidos.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrário.
Lisboa, em 7 de Janeiro de 1913.== O Deputado, Fernando da Cunha Macedo.
Foi admitido.
Para a comissão de guerra.
Senhores Deputados.-De longa data vem o povo da Madeira reclamando contra o regime cerealífero ali estabelecido, ao qual, com justa razão, atribui o alto preço e a inferior qualidade do pão que consome.
No continente, onde a cultura cerealífera é grande, tendo já atingido o suficiente para consumo do país, e onde a concorrência dos trigos exóticos poderia determinar a ruína da lavoura portuguesa, compreende-se a necessidade dum regime de excepção. Não acontece, porêm, o mesmo com relação à Ilha da Madeira, onde a cultura do trigo não pode ser explorada com vantagem, e apenas atinge uma insignificante produção comparada com as necessidades do consumo local. Esta produção e a importação podem computar-se, respectivamente, números redondos, em 600:000 e 8.000:000 de quilogramas.
Desde a adopção dêste regime na Madeira, a produção de cereais tem-se sempre mantido quási a mesma, ao passo que a importação aumentou considerávelmente.
É a confirmação da inutilidade dum regime que em nada aproveitou à agricultura local o apenas servia e serve os interesses dum pequeno número em detrimento do consumidor.
Baseados nestes factos irrefutáveis, e no desejo de acudir à situação precária em que se encontra, sobretudo, o operariado Madeirense, em face do difícil problema da sua alimentação, é que os abaixos assinados, Deputados Madeirenses, vem submeter à vossa apreciação as medidas que reputam de natureza urgente, tendentes a remediar o mal que aflige aqueles povos. Nas medidas propostas, tivemos em vista
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não cercear as actuais receitas aduaneiras, respeitar os interesses legítimos dos que exploram a indústria da moagem na Ilha da Madeira e ainda manter as disposições legais adoptadas no intuito de proteger a cultura cerealífera da Madeira.
Esperam, portanto, os abaixo assinados, que possa merecer a vossa aprovação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A compra do trigo produzido no distrito do Funchal, a importação do trigo o da farinha e o fabrico dêste, nesse mesmo distrito, serão regulados pelas bases anexas a esta lei e que dela fazem parte integrante, decretando o Govêrno o regulamento necessário para a sua completa execução.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Bases que fazem parte integrante da lei
Base 1.ª
A tabela reguladora dos preços dos trigos insulares e o modo como êstes devem ser adquiridos pelos importadores de trigo exótico, continuam a ser os estabelecidos no regulamento para o comércio dos trigos na Ilha da Madeira, de 23 de Dezembro de 1899.
Base 2.ª
A importação do trigo de qualquer procedência só é permitida:
1.° Aos fabricantes de farinhas e aos negociantes que se inscrevam num registo especial que será aberto na delegação do Mercado Central dos Produtos Agrícolas;
2.° Aos lavradores, para semente.
§ 1.° Até 31 de Dezembro de cada ano o Govêrno fixará, por decreto, o direito a cobrar pelo trigo exótico que for importado no distrito do Funchal durante o ano seguinte.
§ 2.° O direito a cobrar será proposto ao Govêrno pelo Conselho Superior do Comércio e Indústria, tendo em atenção:
O preço médio do trigo nos principais mercados, calculados sôbre os preços dos últimos trinta dias, acrescido das despesas acessórias (frete, seguro, quebras, carga, o descarga, comissão e carretagem, e outras devidamente justificadas) e da importação, do direito a cobrar na alfândega, de sorte que o total não exceda 60 réis por quilograma.
Base 3.ª
E permitida a. importação de farinhas a todas as entidades a que se refere a base 2.ª, sendo o direito de importação regulado, em relação ao do trigo, com o acréscimo de 30 por cento.
Base 4.ª
Sempre que algum dos fabricantes de farinha, a que se refere a base 2.a, prove, com documento autêntico da Alfândega do Funchal, ter exportado farinha, ser-lhe há permitido importar uma quantidade de trigo na proporção de 125 por cento da farinha exportada, sendo de 0,5 réis por quilograma o direito a cobrar por essa quantidade.
§ único. A farinha exportada será de qualidade não inferior ao tipo da extracção de 70 por cento.
Base 5.ª
É proibida a exportação de trigo e farinha para o continente da República, procedente da Ilha da Madeira, bem como a importação de trigo e farinha do mesmo continente.
Sala das sessões, em 6 de Janeiro de 1913. - Os Deputados, Carlos Olavo = Manuel Gregário Pestana Júnior - Américo Olaco = Ribeira Brava.
Foi admitido. Para a comissão de cultura.
O Sr. Presidente: - Cumpre-me participar à Câmara que recebi uma carta do Sr. Presidente do Ministério, na qual S. Exa. me comunica que o novo Govêrno se apresentará pelas 15 horas.
Está aberta a inscrição para antes da ordem do dia.
Inscreveu-se o Sr. Deputado Joaquim Ribeiro.
Antes da ordem do dia
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: ao terminar a sessão de ontem, eu pedi a V. Exa. que me concedesse a palavra, afim de responder às considerações do Sr. Deputado Casimiro Rodrigues de Sá.
V. Exa. não ma concedeu, porque não é permitido concedê-la, segundo parece, quando ela se pede naquela altura da sessão.
Entendia eu, porêm, que ela me era devida, pois tratava-se duma justificação, que
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eu queria formular em resposta a unias explicações daquele Sr. Deputado.
S. Exa. trouxe ao debate o Sumário das Sessões, para provar que uma afirmação, que fizera à Câmara, era verdadeira. Houve, porêm, mais uma afirmação de S. Exa. e foi sôbre essa outra que eu falei.
Se S. Exa. estranhou que eu falasse com indignação e me condenou ao corte das suas relações pessoais, por minha parte tenho a dizer que sacrificarei, sempre, as relações pessoais, seja de quem for, quando eu entenda que assim devo proceder, pugnando, pelo prestígio da República.
E o caso de hontem. Eu afirmarei sempre o que ontem afirmei, a bem do prestígio da República.
Tenho dito.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que tenham papéis a enviar para a mesa, podem fazê-lo.
Documento enviado para a mesa
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja enviada, com a maior brevidade possível, uma nota com o resumo do recenceamento dos operários corticeiros ordenado no regulamento de 21 de Novembro de 1010, distinguindo entre os operários nacionais e os estrangeiros. = Jacinto Nunes.
Mandou-se expedir.
ORDEM DO DIA
Discussão do projecto de lei n." 22, aprovando com modificações o decreto com fôrça de lei do Govêrno Provisório, sôbre a concessão do subsidio de 2.500 escudos que a Junta Autónoma das obras da cidade do Pôrto tem de entregar anualmente à Escola Elementar do Comércio.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se á ordem do dia, continuando em discussão o projecto de lei n.° 22.
O Sr. Brito Camacho:-No parecer sôbre o projecto n.° 22, diz a comissão que aprova, com modificações, o decreto do Govêrno Provisório, sôbre a concessão do subsídio de 2.500 escudos à Escola Elementar do Comércio do Pôrto.
Eu não sabia que tivesse sido dado para ordem do dia êste diploma do Govêrno Provisório, que se refere á Junta Autónoma do Pôrto.
Por isso, pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, se realmente, havia sido dado, para ordem do dia, êste diploma do Govêrno Provisório, a que a comissão se refere, no preâmbulo do projecto de lei em discussão. Não me consta, mesmo, que êle tivesse sido distribuído. Era, porêm, bom que o fôsse, e tivesse sido marcado para ordem do dia, porque, ao menos sempre se discutia um projecto do Govêrno Provisório.
Realmente, como disse, não me consta que tivesse sido feita a distribuição dele, conforme é costume fazer-se com todos os diplomas.
O Sr. Presidente: - O decreto a que V. Exa. se refere, nem está para ordem do dia, nem foi distribuído.
O Orador: - Então como é que a comissão diz que êle merece a aprovação da Câmara?
O que eu tenho presente, não é somente o decreto de 8 de Abril de 1911, com algumas modificações; é um projecto novo.
O Sr. Presidente: - A propósito dêsse projecto recaiu uma votação da Câmara, concedendo a urgência para a sua publicação no Sumário das sessões.
O Orador: - De acôrdo, para o projecto que tenho presente, e que está manuscrito; mas o que aqui está, o que se discute, é o decreto de 8 de Abril de 1911, que a Câmara não conhece.
Portanto, V. Exa. ou a comissão farão favor de me informar a êste respeito.
O Sr. Presidente: - A mesa não pode dar resposta, sôbre êsse assunto ; mas qualquer membro da comissão poderá informar V. Exa.
O Sr. Fernando Macedo: - Sr. Presidente: a comissão de comércio que foi eleita na sessão legislativa passada recebeu o Diário do Govêrno n.° 82 de 10 de Abril de 1911 com o decreto do Govêrno Provisório de 8 de Abril do mesmo ano, a fim de dar parecer sôbre êle.
Êsse projecto está publicado no Diário
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do Govêrno. Portanto a Câmara não pode ignorar o seu conteúdo. Alêm disso, na sessão de 7 dêste mês, mandei para a mesa o parecer da comissão do comércio sôbre êsse decreto do Govêrno Provisório; e ao enviá-lo para a mesa disse que o parecer, naturalmente, não tinha grande impugnação, visto a comissão lhe ter introduzido, apenas, algumas modificações e que, em face disso, pedia para ser publicado no Sumário das sessões e ser dado para ordem do dia na primeira oportunidade. Essa oportunidade chegou ontem; mas como não pode ser discutido, ficou para hoje.
Tendo dito.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Brito Camacho: - Suponho que a modificação consiste em remediar uma falta que, realmente, era grave, porquanto deixava parte do pessoal da Escola Elementar de Comércio sem ser paga.
Por simples omissão se falou em pessoal menor sem fazer a distinção que realmente existe entre pessoal menor pessoal subalterno. Essa falta remedeia-se no artigo 2.° do projecto da comissão.
Entendo que o projecto deve ser aprovado, tal como a comissão o apresenta, e folgo muito com que tenha a sanção parlamentar um dos decretos do Govêrno Provisório.
O decreto de 8 de Abril de 1911, que foi uma das primeiras providências decretadas pelo Govêrno Provisório, teve o voto unânime do Conselho de Ministros. Parece-me que êle corresponde aos legítimos interesses da cidade do Pôrto.
Portanto, dou o meu voto ao projecto da comissão de comércio, indústria e minas.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente: - Constando-me que o novo Ministério se encontra nos corredores da Câmara, interrompo a discussão da ordem do dia para que êle possa fazer a sua apresentação.
Deu entrada na sala o novo Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Leu a seguinte declaração ministerial:
Tendo o Ministério da Presidência do Sr. Dr. Duarte Leite Pereira da Silva dado por finda a sua missão, o Sr. Presidente
da República, depois doutras diligências e tentativas, dignou-se encarregar-me de constituir Gabinete, o qual tenho a honra de apresentar ao Parlamento.
Não obstante ser grave e difícil a situação que a República herdou, o Govêrno procurará merecer do País a mais larga e pronta confiança, para poder atacar de frente os problemas que carecem de imediata resolução, e assim a sua política inspirar-se há nos mais lídimos interesses nacionais. Desta sorte - embora o Govêrno haja saído apenas duma parte do Congresso- a sua acção procurará exercer-se de modo a não suscitar estéreis atritos e apaixonadas pugnas parlamentares, tendo a peito a realização duma obra que, na sua essência, poderia ser inscrita no programa dum Ministério de plena concentração republicana.
E, todavia, uma tal situação, definida e franca, oferece campo aberto a todos os debates que, orientados em são critério moral, político e nacional, possam concorrer vantajosamente para esclarecer e acertar os negócios do país, para se efectivar a indispensável fiscalização parlamentar e ainda para terem mais idónea solução aquelas questões em que a paixão patriótica ou a emulação elevada das discussões concorrem para o seu mais amplo estudo e aperfeiçoamento.
Para isso, o Govêrno, fortalecido pela profunda confiança pública de que bem corresponderá às exigências do programa do Partido Republicano e às solenes e conscientes promessas dos tempos da propaganda, dará à sua acção um carácter essencialmente nacional, libertando-a de exclusivismos e esperando e aceitando a colaboração de todos os bons portugueses para o engrandecimento da Pátria e da República.
Tendo como primordial necessidade o urgente saneamento da organização burocrática que a República recebeu do extinto regime, o Govêrno procurará, como norma permanente de administração, fomentar a morigeração em todos os serviços públicos, e, para isso, propõe-se avocar, sem demora, o resultado de todos os inquéritos e sindicâncias já realizados em diversas repartições, para depois proceder na conformidade das leis, dos regulamentos e dos ditames da moral e da defesa das instituições, sempre que se encontre em face
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de delito ou de irregularidade punível, e ordenará outros inquéritos que acaso se mostrem necessários.
Portugal que, felizmente, durante a República, tem mantido com todas as potências as melhores relações, recebendo delas provas constantes de consideração e estima, seguirá a sua tradicional política externa, lialmente apoiada á secular aliança britânica, e com prazer aproveitará todas as oportunidades para ainda estreitar os laços de íntima amizade que o prendem à República Brasileira.
Tem o Govêrno diante de si quatro dias somente do prazo marcado para ser entregue á discussão do Parlamento o Orçamento Geral do Estado, faltando-lhe ainda organizar o orçamento do Ministério do Interior e rever o de todos os outros Ministérios, com excepção do das Finanças.
Tal afirmação é, por si, suficiente para justificar que o Govêrno, obedecendo rigorosamente ao preceito constitucional, perfilhe o trabalho executado pelo ilustre Ministro das Finanças do Govêrno que o antecedeu, esforçando-se, em colaboração com o Parlamento e suas comissões, por que comece de realizar-se o princípio do equilíbrio orçamental, base essencial da política financeira do Govêrno, por o ser do crédito do país.
Neste propósito, trabalhará na organização definitiva do Orçamento, e apresentará às Câmaras Legislativas projectos fazendários, destinados a que, com êste ou com outro Govêrno, no futuro ano orçamental, se possa cumprir tal desideratum com sacrifício público, sim, mas com equidade, sem excessos, e não determinando a desorganização de forças económicas nem de serviços úteis.
O Govêrno tambêm cuidará de estabelecer a unidade orçamental para todo o território da República, sem prejuízo da possível autonomia financeira de cada colónia.
O novo Ministro das Finanças aceita, quanto aos intuitos genéricos de beneficiação da Fazenda Pública, as propostas que o patriotismo e espírito de verdade inspiraram ao seu antecessor, e colaborará no aperfeiçoamento e votação dalgumas delas, instando desde já pela conversão urgente em lei da República da proposta sôbre a contribuição predial.
De sua iniciativa, o Govêrno apresentara brevemente projectos sôbre as contribuições de registo, industrial, sêlo e revisão pautal. E outros se seguirão, todos em obediência a um plano, que será oportunamente formulado.
No que diz respeito á fiscalização das sociedades anónimas, o Govêrno acabará com a interferência, reputada vexatória, do Estado em tam importantes instituições de economia particular, propondo a reorganização dêste serviço em bases profícuas, económicas para o Tesouro e aproximadas das da legislação inglesa sôbre o assunto.
Os diplomas sôbre arrendamento serão pelo Govêrno codificados, propondo ao Parlamento os aperfeiçoamentos de que careçam e generalizando a sua aplicação a todo o país como legislação protectora dos legítimos direitos dos proprietários e inquilinos e defensora dos interesses vitais do Tesouro.
No mais breve espaço possível apresentará ainda o Govêrno à Câmara um projecto de reforma e simplificação da contabilidade do Estado.
Para beneficiação dos serviços públicos e para se preparar por uma sólida educação nacional o futuro da República, o Govêrno insiste na necessidade da criação imediata do Ministério da Instrução, que pode e deve operar-se com mínimo encargo para o Estado.
Exprime tambêm o voto de que o Parlamento o habilite, o mais depressa possível, a democratizar o país pela execução do Código Administrativo, realizando-se as eleições dos corpos respectivos, visto que vão passadas as razões que ainda há meses as contraditavam formalmente.
Para a realização dêste propósito, o Govêrno colaborará com o Senado no aperfeiçoamento do projecto do Código Administrativo e com a Câmara dos Deputados no da lei eleitoral.
Ainda pelo Ministério do Interior será formulado o projecto, de lei orgânica da polícia de Lisboa, no que diz respeito a segurança e investigação.
Não esquecerá o Govêrno que o problema da assistência sanitária é em Portugal daqueles que mais reclama do Estado o seu cuidado para valorização e amparo da importante actividade municipalista e corporativa, e da benemerência particular.
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O Govêrno aceita, perfilha e deseja ver votada, o mais rapidamente possível, a lei da responsabilidade ministerial, sujeita à apreciação do Parlamento, prometendo contribuir para o melhoramento dessa lei, indispensável para a satisfação de públicos compromissos da República e afirmação de moral política.
As leis relativas â igreja são executadas tais quais são, instando, porem, o Govêrno porque a da separação do Estado das igrejas seja posta desde já em ordem do dia, para a sua ampla discussão parlamentar.
O projecto de modificação à lei penal, apresentado pelo ilustre Ministro da Justiça transacto, sendo tambêm harmónico com o pensar dêste Govêrno, precisa de breve solução da parte do Parlamento. Ao mesmo tempo, o Ministro da Justiça trabalhará nos projectos que vai apresentar sôbre a organização judiciária e a Ordem dos Advogados.
Pelo Ministério da Guerra continuar-se há a realização e a execução da reforma do exército, decretada pelo Govêrno Provisório. Procurar se lia, sobretudo, acentuar a disciplina e preparar e adestrar oficiais e soldados para que, logo que as condições financeiras o permitam, seja devidamente completado ò plano de organização de defesa nacional; sôbre o projecto relativo aos tribunais militares, o Govêrno exprime o sou voto, desejando que a Câmara o habilite com condições para terminarem brevemente os julgamentos que aos mesmos tribunais estão afectos.
Pelo Ministério da Marinha será apresentado o plano da reorganização geral da Armada, fazendo neste ramo de serviço tudo quanto for possível para que a Marinha Portuguesa, fiel às suas honrosas tradições, possua em breve um número de oficiais e marinheiros suficientes e devida mente especializados para poderem satisfazer às crescentes exigências que a esquadra projectada, e em começo de execução, vem criar.
Pelo Ministério do Fomento propõe-se o Govêrno reorganizar o trabalho industrial e agrícola por meio duma revisão de disposições relativas a novas indústrias; auxiliar o comércio de exportação sob todas as formas compatíveis com os recursos do Tesouro Público ; completar a organização dos serviços tendentes ao melhoramento e aproveitamento das correntes de água do país; regulamentar e fazer executar o decreto de 22 de Março de 1911, sôbre dragagem, e desenvolver a construção de estradas e outras vias de comunicação.
Estudará tambêm o problema do barateamento das subsistências, a aplicação de leis sociais às diversas formas da actividade económica, defendendo e valorizando a fôrça de trabalho, e cuidará do desenvolvimento progressivo da indústria mineira, a par do incremento das demais indústrias.
Pelo que respeita às colónias, o Govêrno, inspirando-se no salutar preceito do artigo 67.° da Constituição, submeterá à apresentação do Congresso projectos tendi, antes a dar a cada província ultramarina urna verdadeira individualidade jurídica, com a possível autonomia financeira e administrativa, de acôrdo com o estado de adiantamento de cada uma delas.
Procurará promover, dentro dos recursos de cada colónia, o máximo aproveitamento das suas comunicações marítimas e fluviais, o avanço de estradas e caminhos de ferro e portos, como o exigem por igual a bem fundada afirmação da nossa soberania, o fomento e o aproveitamento das riquezas nativas. Estudará a maneira de aplicar ás populações coloniais os benefícios dalgumas das leis já promulgadas sob o regime republicano, designadamente das leis de separação e do registo civil, cuja adaptação ao ultramar vai, pelo respectivo Ministro, ser cuidada com urgência e ponderação.
Tal é, em suas linhas gerais, o programa que o Govêrno se propõe efectivar. Ao apresentá-lo, não o move o doentio prurido de deslumbrar a espectativa nacional com fantasias irrealizáveis. Anima-o um espírito de reflectida decisão e a energia precisa para integralmente cumprir. A realização duma tal obra requere o indispensável e dedicado concurso de quantos sinceramente ambicionam o engrandecimento da República.
Para todos êsses, o Govêrno confiadamente espera uma liai colaboração, o esfôrço, o trabalho, a boa vontade de todos; o país os apreciará e, em face dêles, o Govêrno, forte pela consciência da sua inquebrantável dedicação à República, tranquilamente aguarda o seu julgamento, com a quieta serenidade daqueles que não trepidam jamais no cumprimento do dever.
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Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Sr. Alexandre Braga: - Dentro da República, as declarações ministeriais não podem ser, como o foram na monarquia, apenas um pretexto para a troca de correctos cumprimentos e de imprecisas, duvidosas, afirmações políticas, traduzindo, por parte dos governamentais, a incondicional louvaminha dos que acreditam na eficácia da lisonja, e, por parte dos partidos que não tem representação no Govêrno, a desacreditada habilidade de ocultar, por detrás de artificiosas palavras, a possibilidade, à escolha, de todas as atitudes futuras.
Os homens da República não podem conhecer a política de astúcia e de subterfúgio, a política dúbia, cambiante, dissimulada, que enxertou, dentro da monarquia, a alma de Maquiavel na parda consciência de Tartufo. E para todos nós republicanos, que todos somos, o igual dever de colocarmos, acima das divergências de orientação particular, a sagrada defesa' da República: aos partidos de governo, mais ainda do que aos outros, cabe a obrigação indeclinável de dizer, àqueles que os representam nas cadeiras do poder, a desnudada intenção de todo o seu pensamento, em palavras insofismáveis e rigorosas, que, pelo culto eterno da verdade, saibam esquecer a perigosa idolatria das individualidades transitórias.
É êste o primeiro Govêrno partidário da República. A intervenção, nele, dum elemento estranho à política, representada nesta Câmara pelo grupo parlamentar em cujo nome eu tenho a honra de falar neste momento, não lhe altera êsse acentuado carácter, porque Gsse elemento não representa própriamente um grupo de homens adstritos à disciplina duma política, que, invariavelmente, os prenda, mas somente a equilibrada harmonia de tendências independentes, para as quais chegou a hora de conjugarem a sua comum orientação, com a orientação invariavelmente afirmada e seguida pelo agrupamento político que, nesta casa do Parlamento, representa o partido republicano português.
Tanto vale dizer que, à formação dêste primeiro Govêrno partidário, corresponde o início duma política de fins definidos, afirmações concretas, realizações precisamente formuladas.
Fechou-se aquela era de instabilidade e indecisão, em que a nossa boa vontade não pôde encontrar, apesar dos melhores e mais sinceros esforços, aquela clareira de conciliação, que tornaria possível a realização das elevadas aspirações e das necessidades instantes da República que todos fizemos, e cujo prestígio e engrandecimento nenhum de nós tem o direito de esquecer em nenhuma hora.
Se a essas louváveis, se a essas patrióticas tentativas de conciliação de ideas e de princípios, todos deram, embora com orientação e critério diversos, o seu honrado concurso, o partido republicano orgulha-se de lhes não haver negado, jamais, a sua invariável e desinteressada boa vontade.
Não o cegou nunca a ambição do poder, e se nesta hora as suas mãos o detêm, elas não o guardam como um prémio que jamais apeteceram, mas como uma pesada responsabilidade a que não tinham o direito de furtar-se. A solução partidária para nós - todos bem o &abem-impôs-se somente quando todos reconhecei am a inviabilidade das outras soluções partidárias tambêm; e mais, quando se julgou inexequível a derradeira tentativa por nós proposta da conservação do gabinete anterior pelo tempo que tosse necessário para o possível aparecimento duma indicação constitucional a que houvéssemos todos de submeter-nos como nos cumpria; e mais ainda, depois de todos os outros agrupamentos políticos haverem reconhecido, tácita ou expressamente a impossibilidade de assumirem o poder. Nestas condições, forçados os executores dum mandato que ninguêm pode receber, é-nos lícito esperar, sem que isto represente de nenhuma forma uma solicitação ou uma transigência, que todos os partidos da Câmara se conservem numa atitude de cooperação sincera para o acabamento da obra de decisiva consolidação e de firme defesa da República, obra que as circunstâncias políticas actuais a todos os republicanos impõe como o primeiro e o mais sagrado dos deveres. Esperar o contrário representaria, nesta hora, uma profunda injustiça e um pesado agravo para os dois partidos que não tem representação no Govêrno, porque seria atribuir-lhes os intuitos anarquizantes de quem, tendo reconhecido a impossibilidade de governar por si, abriga o sã-
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crílego propósito de inutilizar a solução do Govêrno que êle próprio reconhecera como a única possível.
Naquelas cadeiras eu não vejo individualidades determinadas; vejo figuras impessoais, simbolizações encarnadas, princípios de sempre, afirmações conhecidas, invariáveis, corajosas, que as circunstâncias políticas impuseram, a final, como sendo as sós que, nesta hora, estavam em condições de servir utilmente a República.
Procurar tendenciosamente atingi-las, não - ninguêm o fará, porque todos, todos, os golpes que assim lhes fossam jogados feririam em pleno coração a República.
A declaração ministerial é clara e precisa, acentuadamente caracterizada por aquela resolução e firmeza que tem o eterno condão de nobilitar o procedimento dos homens. Nem outra cousa, de resto, poderia coadunar-se com nma situação em que todas as imprecisões seriam funestas, em que todas as confusões seriam perigosas.
Não repetirei, porque seria inútil e enfadonho, tudo quanto está lucidamente exposto no admirável documento que a Câmara acaba de ouvir ler. Quero sobretudo acentuar que a declaração ministerial abandonou corajosamente o estafado sistema de formular vagas promessas, indecisas e nevoentas, emoldurando-as numa expressão confusa, dentro de cuja imprecisão- e elasticidade possam caber todas as quebras de cumprimento, todas as cómodas faltas de realização do prometido.
A Câmara notou por certo que, relativamente a uma das afirmações que mais interessam à vida nacional, a que envolve a promessa duma gradual tendência para o próximo equilíbrio do orçamento, a declaração do Ministério não quis confinar-se no fácil campo das indeterminações dentro do tempo, mas antes corajosamente assumiu o compromisso de honra de a tornar numa realidade já existente para q Orçamento do ano económico próximo. É a fulminante resposta, que a palavra internerata e sempre cumprida do homem ilustre que preside ao Ministério dá resolutamente aos profetas de desgraça, que agoirenta mente visionam, para um futuro próximo, um horizonte financeiro carregado de ameaças e de desastres, em que não pode descortinar-se, sequer, a solitária palpitação duma perdida estrela guiadora. E esta só promessa, autenticada pela sólida fé que merece a palavra dum homem que nunca soube faltar aos compromissos contraídos, basta a desanuviar a apreensiva visão de quantos estremeciam no receio de que as jeremiadas dos nossos sinistros augures corespondessem, na verdade, a uma fatalidade irremediável.
Nas linhas gerais, o programa do Govêrno palpita da chama duma ardida fé no ressurgimento glorioso da Pátria, e todo êle revela uma comovente e respeitosa fidelidade ao passado, norteando-se sempre pelas obrigações ligadas ao estrito cumprimento do velho programa do partido republicano, estandarte da nossa honra e da nossa glória, a cuja amorosa sombra se batalharam as mais nobres pugnas do nosso passado.
A confiança do país vai despertar para a vida intensa do futuro, e o dia de hoje marcará na história da República o início duma era de prosperidade e florescente.
E de uso o fazer-se em ocasiões idênticas a esta o elogio dos homens que ascendem àquele lugar.
Eu penso porêm que o elogio antecipado diminui as mais das vezes aqueles a que se dirige o deprime sempre aquele que o pronuncia.
Os homens não se engrandecem com vazias palavras encomiásticas; engrandecem-se pela sua obra, pelo seu esforço, pelo seu labor. Penso que não é esta a hora de queimar, nas caçoilas de ouro que usam agitar-se lentamente em face do altar dos ídolos, o insenso dos ritos festivos.
A hora é de severas meditações, de duras exigências e de pesadas responsabilidades.
Os homens que ali se sentam sabem bem o que devem ao seu nome, ao seu passado, à sua mentalidade. Nenhum prémio podem encontrar nas palavras de saudação dos outros.
Uma única voz êles procuram escutar: é a da sua preocupada consciência, que silenciosamente mede a potencial da sua energia criadora em relação às tremendas responsabilidades que assumiram em face da Pátria e do futuro.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Nunes Godinho:-Em nome dos parlamentares independentes, tenho a honra de cumprimentar o Govêrno, e de dizer
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que o grupo parlamentar independente, inspirando-se nos superiores interesses da Pátria e da República, considerou sempre do seu dever facilitar a resolução de todas as crises ministeriais.
Na que vem de ser resolvida com a organização do actual Govêrno, os parlamentares independentes não esqueceram os seus deveres cívicos e patrióticos, e por isso não hesitaram em aceitar as responsabilidades inerentes ao compromisso imposto pelas circunstâncias políticas do momento.
Hoje, como sempre, o grupo parlamentar independente honrará os seus compromissos, porque confia tambêm no Govêrno, que procurará tornar efectivei a plataforma e o programado administração que nos aproximaram para as responsabilidades da actual situação política.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Brito Camacho: - Na sessão de sábado quebrou se aqui uma velha tradição parlamentar, e quebrou-se, infelizmente para o Parlamento, quando ainda era chefe do Govêrno um homem de excepcionais qualidades de inteligência e de carácter, como o Dr. Duarte Leite. Mau foi que assim sucedesse, mas pior seria se vingasse o precedente. Digo estas palavras porque me ficou na consciência o remorso, como Deputado, do procedimento que houve para com o Ministério da presidência do Sr. Duarte Leite.
Não quero apreciar as condições em que se produziu a crise, nem a solução que teve. O Sr. Presidente do Ministério disse que há-de inspirar-se sempre nos legítimos interesses da Nação. É um terreno dentro do qual todos nos poderemos encontrar, onde certamente todos nos encontraremos. De resto, os termos gerais em que está feito o programa ministerial, dir-se hiam traçado, como disse o Sr. Presidente do Ministério, para um Govêrno de concentração.
Tem o Govêrno a indispensável maioria para viver dentro da Câmara, e assim os Deputados da união republicana, sem nunca fazerem uma oposição sistemática, poderão exercer com bastante largueza o seu papel de colaboradores que fiscalizam, e essa fiscalização é necessária a todos os Governos. A união republicana não tem a responsabilidade de nenhuma das crises ministeriais que se tem dado, e por mais duma vez tem afirmado que reputa de todo o ponto inconveniente o regime de instabilidade governativa, que em parte alguma é útil aos interesses nacionais.
O Govêrno tem apenas quatro dias para confeccionar o Orçamento, tempo manifestamente insuficiente para uma revisão cuidadosa. Pois bem; sendo o equilíbrio orçamental uma aspiração de todos, e constituindo um velho compromisso de S. Exa., em nome dos meus amigos tomo a responsabilidade de votar um MU, relevando o Govêrno da responsabilidade em que incorrer pela falta de não apresentar o Orçamento no prazo constitucional. Estou certo de que o bill será aprovado por todos,- e assim o Sr. Presidente do Ministério poderá imediatamente satisfazer o seu compromisso mais solene e mais grave.
Terminando, direi ao Govêrno que êle terá, por parte dos Deputados da união republicana, o apoio que tornar legítimo pelos seus actos.
S. Exa. não reviu.
O Sr. António José de Almeida: - Declaro, em nome do partido evolucionista, que a sua atitude será de fiscalização parlamentar e de oposição política. Essa fiscalização, porêm, será sempre patriótica e a sua oposição, por mais intensa e ardente que se manifeste, nunca revestirá uma forma sistemática ou tendenciosa, antes será sempre impregnada daquele amor e respeito que devemos à República, que é de todos nós, e à nacionalidade, que é a fonte de que brotou o espírito dos portugueses, que tem assento nesta casa. E em qualquer hipótese o partido evolucionista, declarando-se em oposição libérrima e patriótica, procederá, sempre, nas suas lutas e combates parlamentares, com tal clareza e lialdade, que a Nação bem poderá avaliar dos seus processos e dos seus intuitos.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Júlio Martins: - Feitas as declarações, em nome do partido republicano evolucionistas, pelo meu ilustre chefe e meu querido amigo Dr. António José de Almeida, afirmações que tem o meu completo assentimento, vou fazer algumas considerações, de minha exclusiva responsabilidade, ao Govêrno do Sr. Dr. Afonso Cos-
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ta. que pela primeira vez hoje se apresentou a esta Câmara.
Há tempos que a opinião republicana, expressa na imprensa do partido democrático, vinha apregoando que os regimes das concentrações governativas tinham, falhado por completo, e só se tornavam prejudiciais para a marcha da República.
É esta tambêm a minha opinião, e, por isso, estranho a constituição do actual Gabinete.
Não sei se o grupo parlamentar independente se integrou no grupo parlamentar democrático, o qual, por sua vez, está integrado no partido republicano histórico.
Se assim foi, é de facto um Govêrno partidário o que aí se encontra, - e de vez podemos dizer que as concentrações morreram dentro da República. Se assim não foi, isto é, se continua a existir, de facto, o partido independente, com ideas políticas e planos financeiros, discutidos e aprovados nas suas reuniões, planos que não sei se foram adoptados pelo actual Govêrno, ouso afirmar que se iludiu a opinião republicana, que gritava contra as concentrações, pois de facto o Govêrno do Sr. Afonso Costa é uma franca e aberta concentração ministerial, apoiada por um bloco parlamentar, onde só não entraram evolucionistas.
Seja, porêm, como for, cumprimento o Govêrno, e, ouvindo ler o programa ministerial, recordo perante o Parlamento e perante o país os compromissos públicos do partido democrático, e felicito a opinião radical, porque ela vai, finalmente, assistir à morte dos deficits da imbecilidade e da incompetência, pondo-se em seu lugar o desejado equilíbrio orçamental.
Julgava que no dia 15 de Janeiro entoaríamos todos um coro de entusiásticas saudações de alegria ao desaparecimento de oito mil e tantos contos de réis que o Orçamento do Estado nos devia apresentar. Infelizmente vejo que, pelas declarações do Ministério, isso não é possível para já, como o exigia a opinião republicana. A nossa política, rodando definitivamente para a esquerda, vai realizar no Poder aquele programa de realizações aproximadas do Partido Socialista, expresso há tempos nas colunas do Século, pelo Sr. Dr. Afonso Costa. Dinheiro, ir-se há buscar onde o houver, carregando nos ricos e insentando por completo as classes pobres,
miseráveis, que não mais pagarão cousa alguma.
A lei da separação das igrejas do Estado irá cumprir-se integralmente, fechando-se as igrejas no prazo marcado por lei e criando-se para todo o sempre em Portugal uma Igreja Pensionista Nacional, transitando Roma para o Terreiro do Paço e removendo-se o Vaticano para o Ministério da Justiça, - e será, então, ocasião propícia de riscar do Orçamento a nossa representação junto da Santa Sé e do Papa, realizando-se, por tal arte, os desejos e os votos da Associação do Registo Civil.
O jôgo vai ser enérgica e eficazmente proibido, e não poderá jamais esta Câmara discutir, regulamentar e aprovar o projecto de lei do jôgo, porque contra isso se levantam os honrados compromissos do Sr. Dr. Afonso Costa, Presidente do Ministério.
Já não há medo dos monárquicos e vão fazer-se as eleições administrativas.
O Govêrno do povo pelo povo vai certamente manter nas ruas a ordem pública e as garantias individuais e rejeita, por absoluto, as opiniões do Sr. Ministro do Interior, quando declarou há tempos, na imprensa, que os homens públicos podiam ser vaiados e apupados na praça pública, pela onda desvairada da multidão em revolta.
Emfim, que a política do Govêrno seja a afirmação do seu radicalismo oposicionista e por tal forma a República se haja de engrandecer no seu caminho aos olhos de nacionais e estrangeiros.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Alfredo Ladeira: - Sr. Presidente: envio para a mesa a seguinte
Declaração
Os Deputados socialistas independentes que tomam assento na esquerda da Câmara, tendo acompanhado o grupo parlamentar democrático na situação de aliados que já os ligava ao partido republicano português, declaram conceder todo o concurso á acção política do Ministério que acaba de se apresentar, reservando-se um entanto o direito de apreciarem as questões sociais e de carácter económico com a máxima independência e em harmonia com os seus princípios.
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Lisboa, em 10 de Janeiro de 1913.= Os Deputados, Pedro Januário do Vale Sá Pereira = Alfredo Maria Ladeira.
O Sr. Pereira Vitorino: - Sr. Presidente : quando no Parlamento da República Portuguesa as últimas votações tem oscilado entre meia dúzia de votos, não será de mais que eu use da palavra para afirmar a minha atitude em foce do novo Govêrno.
Sr. Presidente: como Deputado republicano, alheio a todos os partidos políticos, de certo modo eu me sentiria embaraçado se só agora viesse dar o meu apoio ao grupo parlamentar democrático, que hoje constitui a característica política do Govêrno.
Desde o dia 2 de Dezembro, porêm, quando a desinteligência dos grupos, em que se baseava o Govêrno de concentração, desmentia já a existência lógica dêste, e então o grupo parlamentar democrático se apresentou, oferecendo-se para receber o pesado encargo de governar na indicação que pretendeu do Parlamento, desejando constituir a maioria da mesa, desde o dia 2 de Dezembro, repito, eu tomei como dever meu de Deputado independente facilitar essa solução, única que se me afigurava determinada. E se a esta data me reporto é para afastar de mim qualquer responsabilidade na situação, que se me afigura incongruente, de ter visto os grupos da direita reclamarem para si os predicados de maioria, quer na constituição da mesa, quer na constituição das comissões, para, no mesmo momento político, ver que ao Govêrno era chamado, por exclusão de partes, quando por outros títulos podia sê-lo, o grupo parlamentar democrático, considerado antes como minoria, embora neste Govêrno se encontre um ilustre membro do grupo de independentes organizados em partido político.
Quero afastar de mim qualquer responsabilidade nesta situação que ainda hoje subsiste, a meu ver incoerente, ainda que eu muito respeite a opinião daqueles que pensem diversamente de mim. É que, Sr. Presidente, eu aprendi a considerar que um Estado é tanto mais forte quanto mais lógica é a sua existência. E todas estas considerações servem ainda para que eu, ao afirmar hoje o meu apoio ao novo Govêrno, o não faça apenas com a serenidade, com a ponderação por que sempre costumo conduzir os meus passos, na minha vida pública como na minha vida particular: - faço-o tambêm com a admiração e com o entusiasmo que me desperta o proceder patriótico do chefe do grupo democrático, que nos seus braços tomou o peso de tam grave encargo, (Apoiados) quando até nesta República parlamentar ao público se terá oferecido o aspecto de que o terreno em que assenta é movediço, áparte a consideração em que todos devemos ter as declarações que hoje aqui são feitas dos diferentes lados da Câmara.
Eu quero neste momento afirmar que o meu apoio será o mais liai, o mais completo: (Apoiados) que ainda mesmo que amanhã aqui se discuta uma ou outra qualquer questão, em que eu, pelas minhas razões, seja levado a ver duma maneira diversa daquela que o Govêrno entenda, fazendo o Govêrno dela condição da sua vida política, eu não hesitarei em ceder dessas minhas razões em obediência à razão primacial da necessidade, patrióticamente considerando, de que êste Govêrno se mantenha no poder (Apoiados).
Isto ainda, porque eu facilmente admito que não pense bem, mas certo estou de que bem é o meu sentir, a minha dedicação patriótica: e ainda porque não me é lícito supor que em qualquer questão dessas estivesse uma imoralidade, único motivo que me levaria a afastar o meu apoio do Govêrno. De mais sabe a Câmara como a preocupação da moralidade tem prendido a minha atenção e o meu esforço, na minha modesta acção parlamentar, a ponto de eu ter aqui trazido questões que, de momento ou persistentemente tenho defendido conforme a oposição que se lhes faz, e só porque elas a meu ver representavam insuportável injustiça.
Que importa que elas façam sorrir aqueles que não sentem como eu?...
Quanto a mim, tenho por seguro que de nada vale reformar as nossas leis, se não mudarmos os nossos costumes (Muitos apoiados). Confio, no entretanto, em que a acção do Govêrno não será apenas alevantada pela inteligência administrativa e financeira, mas tambêm pela sua virtude, pela sua conduta republicana, patriótica. Todo o Govêrno eu quero personificar na figura do seu presidente, em quem eu vejo não apenas o homem de talento in-
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vulgar, mas tambêm o genuíno carácter que tem, sôbre aqueles caracteres que comodamente se fecham, evitando o cadinho das lutas políticas, a excelsa qualidade de ser o mais inquebrantável carácter, mais venenosamente caluniado (Apoiados).
É por tudo isto, Sr. Presidente, que eu ao Govêrno ofereço o meu apoio, o mais completo, o mais liai.
Vozes: - Muito bem. Muito bem. O orador foi muito cumprimentado por vários Srs. Deputados.
O Sr. Gouvêa Pinto: - Sr. Presidente: não pareça estranho que, sem embargo da minha modestíssima situação nesta casa, eu diga tambêm algumas palavras, muito ligeiras, depois de terem falado os dirigentes dos grupos políticos aqui representados, pois que em verdade em nenhum dêles me enfileire.
O Govêrno acaba de expor o seu programa, que pode significar muito e pode não significar nada (Apoiados). Os programas não se avaliam própriamente pelas afirmações que encerram, mas pela execução que venham a ter (Apoiados).
Convenço-me de que o novo Ministério} está possuído dos melhores desejos de realizar uma administração proveitosa: tanto basta para que todos nos empenhemos em facilitar a sua missão, quer apoiando-o abertamente, quer fiscalizando a sua obra.
Todos sabem que a situação não é desafogada e que, pelo contrário, oferece muitas dificuldades de diversa natureza.
Sob o aspecto político, a questão da ordem pública é primacial. O Sr. Presidente do Ministério sabe bem que sem ordem não pode haver progresso e que, portanto, indispensável é uma disciplina social que a todos permita exercer livremente a sua actividade.
Para isso muito conviria que o mais brevemente possível se restabelecesse a paz nas consciências e se extinguissem os ódios que, por vezes, parecem devorar-nos. Quanto ao problema económico-financeiro, o chefe do Ministério reconhece a sua alta importância para a vida da Nação, porque em verdade dele dependem todas as reformas que hajam de fazer-se.
Nas relações de carácter internacional, bem compreende a Câmara quanto nos importa inspirar confiança a outros países
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(Apoiados), visto que com êles temos de conviver (Apoiados); - e isto que é necessário a todas as nações mais necessário se torna para nós que somos um pequeno país.
Deputado colonial, compreende V. Exa., Sr. Presidente, quanto interesse mo pôde merecer o que o Govêrno faça pela prosperidade do nosso império ultramarino. Neste capítulo da administração pública, permitir-me hei chamar a atenção para a urgente e gravíssima crise de Angola que tanto pesa sôbre o orçamento da metrópole e que em demasia se tem protraído, deixando, porventura, mal feridos os nossos créditos de grande povo colonial. Também a Índia carece que se atenda ao seu fomento e que se extinga o lamentável déficit das subsistências, que se pode atenuar realizando as indispensáveis obras de irrigação das Novas Conquistas. Lembrarei, tambêm, a conveniência de se introduzir na organização do exercito colonial as necessárias modificações para que uma parte importante das despesas que com êle se fazem se possa aplicar, às obras úteis da instrução, de beneficência e de assistência pública (Apoiados).
Termino, Sr. Presidente, fazendo votos para que os actos do novo Ministério sejam benéficos para o país e para que a expectiva com que êle é recebido possa, em breve prazo, converter-se em franco e caloroso aplauso à sua obra (Apoiados).
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador foi cumprimentado por alguns Srs. Deputados.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - A necessidade que o Govêrno tem de se apresentar, ainda hoje, perante a outra casa do Parlamento, impede-me de corresponder mais demoradamente á amabilidade dos oradores que acabam de falar.
Limito-me, por isso, a agradecer aos Srs. Brito Camacho, Nunes Godinho, Alfredo Ladeira e Pereira Vitorino as palavras de incitamento duns, de apoio caloroso doutros e de apoio esperançado e confiante dos demais, com que foi recebido o Ministério, que vem para trabalhar, que não quere outro título senão o de Ministério de trabalho. E ao Sr. António José de Al-
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meida, que falou em nome do grupo evolucionista desta Câmara, agradeço tambêm a declaração clara, nítida e, ao mesmo tempo, patriótica, de que fará ao Govêrno oposição, uma oposição liai, que êste seria o primeiro a solicitar, se S. Exa. não o tivesse declarado, para bem do país, porque, da discussão que se travar, tirar-se hão os necessários frutos.
O Sr. Deputado Júlio Martins fez observações por sua conta e responsabilidade pessoais, tendentes a demonstrar que não tem confiança no Govêrno; e, ao mesmo tempo, fê-lo com vagas e amáveis ironias a que teremos ocasião de nos referir no debate sôbre a Separação e nos demais, que o cumprimento patriótico do nosso dever impõe.
O Sr. Gouvêa Pinto fez-nos algumas observações, destinadas a acreditar mais nos factos do que nas palavras. E tambêm êsse o meu critério.
A êsse Sr. Deputado, que pediu ao Ministério o cumprimento das promessas, desejando que elas se traduzissem em factos, direi que estou habituado a cumprir o que prometo, porque, desde que as promessas se não podem traduzir em factos, é melhor que essas promessas se não façam.
O Sr. Brito Camacho-tomando boa nota de que eu mantenho a velha promessa que, aliás, não é bem uma promessa, mas um estado do meu espírito de republicano e de português, de não pôr no Orçamento senão propostas para o equilíbrio das despesas e receitas-disse que se eu pudesse fazer, senão tudo isso, pelo menos alguma cousa, S. Exa. não teria dúvida em votar um bill de indemnidade, para que eu pudesse fazê-lo alêm de 15 de Janeiro.
Ora a nossa Constituição é imperativa e, para mim, permanentemente imperativa. Não há prescrição da Constituição a que eu desobedeça.
Se o dia da minha apresentação fôsse o de 15 de Janeiro, eu traria à Câmara o Orçamento, mesmo em prova escrita.
Para obedecer ao preceito da Constituição que estabelece que o Orçamento tem de ser apresentado até 15 de Janeiro, se fôsse preciso, eu apresentá-lo hia até em provas de imprensa, em rascunhos, em papéis escritos no carro que me conduzisse ao Parlamento, mas havia de trazer o Orçamento no dia marcado.
O Orçamento é uma obra de colaboração de cada Ministro com os seus funcionários e, particularmente, com o seu chefe de contabilidade.
Depois, cada Ministro entrega-o ao seu colega das Finanças, que, por sua vez, o dá a rever aos funcionários encarregados especialmente dêste serviço. Portanto, o Orçamento é um complexo trabalho burocrático que, pelo menos, exige seis meses para ser elaborado.
Não é preciso, mesmo, alongar o prazo para a apresentação do Orçamento, porque o desejado equilíbrio orçamental, que se há-de realizar, não é apenas obra do próprio Orçamento.
É necessário estudar com muito cuidado o Orçamento, e o seu equilíbrio não se pode conseguir só dentro dele próprio.
Essa obra tem de ser completada no Parlamento pela discussão do Orçamento e das propostas de lei de carácter económico e financeiro que digam respeito à diminuição de despesas e ao aumento de receitas.
Essa obra não será apenas o efeito do trabalho dêste Ministério. Mas o Govêrno que lhe suceder encontrará o caminho desbravado.
É a promessa que formula quem nunca faltou ao prometido.
O equilíbrio orçamental não pode ser obra apenas dum Govêrno. A obra do actual Govêrno será uma tentativa para se aproximar da realidade dos factos. Mas, estou convencido, absolutamente, de que o meu esforço há-de ser eficaz. Empregarei, pois, todos os esforços para satisfazer as aspirações de todos os que na República pedem o equilíbrio do orçamento e a moralidade na administração pública.
O equilíbrio orçamental e a moralidade na administração é que hão-de facilitar o crédito do país, e dêste crédito é que há-de vir a diminuição dos encargos da nossa divida.
Portanto, se tivermos tempo, eu e o Govêrno, havemos de efectuar o nosso programa na íntegra. Para isso contamos com a boa vontade de fazer obra útil, porque o Ministério é acima de tudo um Ministério que quere e há-de trabalhar. E até o Sr. Júlio Martins, que tam incrédulo se
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mostrou, há-de, perante a boa vontade de fazer alguma cousa, que eu manifestarei em todas as circunstâncias, ter um dia um movimento de afectuosa generosidade para com um homem que só espera trabalhar e trabalhar muito pelo bem e pela prosperidade do seu país.
Tenho dito.
S. Exa. não reviu.
Em seguida o Ministério saiu da sala e dirigiu-se para o Senado.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por 20 minutos.
Eram 16 horas e 30 minutos.
ÀS 16 horas e 50 minutos foi reaberta a sessão.
O Sr. Morais Rosa: - Requeiro a contagem.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Procedeu-se à chamada.
Responderam á chamada os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Adriano Mendes de Vasconcelos.
Afonso Ferreira.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Braga.
Alfredo Balduíno de Seabra Júnior.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Poppe.
Américo Olavo de Azevedo.
Angelo Rodrigues da Fonseca.
Angelo Vaz.
António Albino Carvalho Mourão.
António Amorim de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Augusto Pereira Cabral.
António Joaquim Granjo.
António José de Almeida.
António José Lourinho.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António de Pádua Correia.
António Pires Pereira Júnior.
António Valente de Almeia.
Artur Augusto Duarte da Luz Almeida.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos António Calixío.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Ezequiel de Campos.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.
Fernando da Cunha Macedo.
Francisco Cruz.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Gaudêncio Pires de Campos.
Germano Lopes Martins.
Guilherme Nunes Godinho.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique José Caldeira Queiroz.
Henrique José dos Santos Cardoso.
João Carlos Nunes da Palma.
João Duarte de Meneses.
João Gonçalves.
João José Luís Damas.
João Machado Ferreira Brandão.
Joaquim Brandão.
Joaquim José Cerqueira da Rocha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Teófilo Braga.
Jorge Frederico Velez Caroço.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António Simões Raposo Júnior.
José Augusto Simas Machado.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Francisco Coelho.
José Jacinto Nunes.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Perdigão.
José Pereira da Costa Basto.
José da Silva Ramos.
José Trintão Pais de Figueiredo.
Júlio Patrocínio Martins.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Alegre.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Miguel de Abreu.
Manuel de Brito Camacho.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Rodrigo Fernandes Fontinha.
Severiano José da Silva.
Tito Augusto de Morais.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Continua em discussão o projecto de lei n.° 22.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Não estando presente o Sr. Ministro do Fomento, para assistir à discussão do projecto de lei n.° 22, vou encerrar a sessão.
A próxima sessão é na segunda feira, 13 do corrente, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 25 minutos.
Declaração de voto
O signatário, não encorporado, por diversos e justificados motivos, em nenhum dos partidos republicanos ultimamente constituídos, declara que não delegou em indivíduo algum o encargo de transmitir ao Sr. Presidente da República as suas opiniões sôbre a solução da recente crise política, à qual se conservou completamente estranho.
E mais declara que solidariedade alguma tem com as afirmações publicadas, a propósito da referida crise, pelo chamado grupo dos independentes. = O Deputado, José Carlos da Maia.
O REDACTOR = Melo Barreto.