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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

44.ª SESSÃO ORDINÁRIA DO 3.° PERÍODO DA 1.ª LEGISLATURA

EM 21 DE FEVEREIRO DE 1913

Presidência do Exmo. Sr. José Augusto de Simas Machado

Secretários os Exmos. Srs.

Jorge Frederico Velez Caroço
Eduardo de Almeida

Sumário. - Abre-se a sessão com a presença de 77 Srs. Deputados, anchando-se o Govêrno representado pelos Srs. Ministro do Interior, Justiça, Guerra e Marinha. - Procede-se à leitura da acta. - O Sr. João de Menesez pede, a palavra sôbre a acta para explicação de voto. - O Sr. Afonso Ferreira manda para, a mesa uma declaração de voto, sendo em seguida aprovada a acta. - Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Baltazar Teixeira manda para a mesa a última redacção dum projecto de lei. - O Sr. Fernando de Macedo chama a atenção do Sr. Ministro da Guerra para alguns casos ocorridos com as juntas de inspecção no3 serviços de recrutamento militar fazendo tambêm algumas considerações sôbre as condições actuais dos alistamentos e sôbre o abuso que se está praticando na imitação dos uniformes militares por parte dalgumas Harmónicas. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra. - O Sr. Carlos Calisto faz algumas considerações sôbre a má arrecadação dos aeroplanos oferecidos ao Ministério da Guerra. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra. - O Sr. Casimira de Sá ocupa-se do modo como foram retirados os livros do registo paroquial do concelho de Fafe. Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça, que aproveita a ocasião para esclarecer o Sr. Jacinto Nunes sôbre a legalidade dalguns despachos de pronúncia provisórios. - O Sr. Pereira Cabral chama a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a exclusão dalgumas crianças indianas de Lourenço Marques numa excursão que se realizou, ao Transval e ainda para a deficiência dos ordenados dalguns funcionários judiciam de Moçambique e a extinção da banda regimental de Lourenço Marques - O Sr. Aquiles Gonçalves trata das reclamações feitas pela Câmara Municipal de Vila Nova de Fozcoa acêrca das actuais condições do partido médico daquele concelho e manda para a mesa um projecto de lei regulando o assunto, e para o qual pede a urgência e dispensa do Regimento. A Câmara assim o resolveu. - O Sr. Matos Cid. (em nome da comissão) aceita a doutrina do projecto. Lido na mesa, é pôsto em discussão e em seguida aprovado na generalidade e na especialidade. - O Sr. Aquiles Gonçalves pede dispensa da última redacção. A Câmara concedeu. - Papéis enviados para a mesa. - Requerimentos doa Srs. Jacinto Nunes, Pereira Vitorino e Jorge Nunes - Projecto de lei do Sr. Marques da Costa. Pareceres. Declarações de voto.

Ordem do dia:

Primeira parte - Interpelação do Sr. Jacinto Nunes ao Sr. Ministro do Interior sôbre a dissolução dos corpos administrativos. Usa da palavra o Sr. Jacinto Nunes, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Interior. O Sr. Jacinto Nunes volta a usar da palavra e manda para a mesa uma, moção, que é admitida. O Sr. Ministro do Interior declara aceitar a moção que é em seguida aprovada. - Segunda parte. - Interpelação do Sr. Casimira de Sá ao Si: Ministro das Colónias sôbre a ida a Londres do Sr. Director Geral da Fazenda das Colónias.- O Sr. Casimira de Sá realiza a sua interpelação. Responde-lhe o Sr. Ministro cias Colónias. - O Sr. Casimira de Sá volta a usar da palavra e manda para a mesa uma moção, que é admitida O Sr. Ministro das Colónias fez ainda algumas considerações em resposta ao Sr. Casimiro de Sá. - O Sr. Álvaro Poppe requere a generalização do debate. - O Sr. Visconde da Rira Brava requere a contagem. - Procede-se à contagem.- O Sr. Presidente anuncia que não há número para se votar o requerimento e manda proceder à chamada. - O Sr. Presidente declara que estão presentes 80 Srs. Deputados. - O Sr. Ramos da Costa manda para a mesa um parecer. - É aprovado o requerimento do Sr. Álvaro Poppe. - O Sr. Presidente do Ministério usa da palavra na generalização do debate. - O Sr. António José de Almeida faz algumas considerações sôbre o assunto, em resposta ao Sr. Presidente do Ministério. - O Sr. Presidente do Ministério

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volta, a usar da palavra. - O Sr. Presidente levanta a sessão marcando-a a seguinte e a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas.

Presentes 77 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Adriano Mendes de Vasconcelos.
Afonso Ferreira.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Souto.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Augusto de Barros.
Alfredo Maria Ladeira.
Álvaro Poppe.
Álvaro Xavier de Castro.
António Amorim de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Augusto Pereira Cabral.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Granjo.
António José Lourinho.
António de Paiva Gomes.
Aquiles Gonçalves Fernandes.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves.
Carlos António Calisto.
Carlos Maria Pereira.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Eduardo de Almeida.
Ezequiel de Campos.
Fernando da Cunha Macedo.
Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava).
Francisco Cruz.
Francisco José Pereira.
Francisco Luís Tavares.
Gastão Rafael Rodrigues.
Gaudêncio Pires de Campos.
Guilherme Nunes Godinho.
Henrique José Caldeira Queiroz.
Henrique José dos Santos Cardoso.
João Camilo Rodrigues.
João Duarte de Meneses.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Machado Ferreira Brandão.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José Cerqueira da Rocha.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge Frederico Velez Caroço.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Augusto Simas Machado.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Bernardo Lopes da Silva.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Cordeiro Júnior.
José Francisco Coelho.
José de Freitas Ribeiro.
José Jacinto Nunes.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Montez.
José Pereira da Costa Basto.
José Tomás da Fonseca.
José Vale de Matos Cid.
Jovino Francisco de Gouvêa Pinto.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel José da Silva.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Miguel de Abreu
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Philemon da Silveira Duarte de Almeida.
Rodrigo Fernandes Pontinha,
Severiano José da Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vítor José de Deus Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alfredo Balduíno de Seabra Júnior.
Alfredo Guilherme Howell.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Nunes Ribeiro.
Américo Olavo de Azevedo.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António Franca Borges.
António José de Almeida.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António Pires Pereira Júnior.
António Silva Gouveia.
Augusto José Vieira.
Aureliano de Mira Fernandes.
Carlos Amaro de Miranda e Silva.

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Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Domingos Leite Pereira.
Emídio Guilherme Garcia Mendes.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Germano Lopes Martins.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Inocêncio Camacho Rodrigues.
João Barreira.
João Carlos Nunes da Palma.
José António Simões Raposo Júnior.
José Barbosa.
José Bessa de Carvalho.
José Carlos da Maia.
José Maria Cardoso.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
José da Silva Ramos.
José Tristão Pais de Figueiredo.
Júlio do Patrocínio Martins.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Tiago Moreira Sales.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Alexandre Braga.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Angelo Rodrigues da Fonseca.
Angelo Vaz.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino Carvalho Mourão.
António Caetano Celorico Gil.
António Cândido de Almeida Leitão.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
António Maria Malva do Vale.
António Maria da Silva.
António Pádua Correia.
António Valente de Almeida.
Artur Augusto Duarte da Luz Almeida.
Carlos Henrique da Silva Maia Pinto.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.
João Fiel Stockler.
João Gonçalves.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Teófilo Braga.
José Dias da Silva.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Perdigão.
Poríirio Coelho da Fonseca Magalhães.

As 14 horas e 30 minutos, principiou a fazer-se a primeira a chamada.

O Sr. Presidente (Às 16 horas): - Vai proceder-se à segunda chamada. Procedeu-se à segunda chamada.

O Sr. Presidente (Às 16 horas e 5 minutos): - Tendo respondido 77 Srs. Deputados, está aberta sessão.

Foi lida a acta.

O Sr. João de Menezes (sobre a acta): - Como na sessão de ontem, quando se procedia à votação da moção do Sr. António José de Almeida, eu tivesse declarado que não só a rejeitava, mas protestava contra o facto dela ter sido posta â votação, podia dizer-se que se eu não queria dar o voto não devia estar na sala; mas como estava na sala, tinha de pronunciar-me aprovando ou reprovando e por isso rejeitei, mas protestando contra o facto dela ter sido posta à votação, porque primeiro devia ter-se feito a classificação das moções, e a primeira que devia ser votada era a do Sr. Álvaro Poppe.

O orador não reviu.

O Sr. Afonso Ferreira: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que, se estivesse presente à votação sôbre as moções relativas á amnistia, teria rejeitado a moção do Sr. Deputado António José de Almeida. =i O Deputado, Afonso Ferreira.

Para a acta.

Aprova-se a acta.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Mando para a mesa a última redacção do projecto relativo ao tirocínio dos oficiais de marinha.

O Sr. Presidente: - Vai lêr-se o

EXPEDIENTE

Ofícios

Da Secretaria da Guerra, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado António Silva Gouveia, informa que a palha adquirida em Elvas foi paga na razão de 85 réis a granel e de 115 réis enfardada, por cada 15 quilogramas.

Para a Secretaria.

Do Ministério do Interior, em resposta ao requerimento do Sr. Deputado António

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Barroso Pereira Vitorino, declara que é indispensável ser indicada a matéria do oficio a que o mesmo requerimento alude.

Com respeito á parte do mesmo requerimento, que se refere à 3.ª Repartição da Contabilidade Pública, vão dar-se as necessárias ordens, para que os esclarecimentos pedidos sejam prestados com toda a urgência.

Para a Secretaria.

Representações

Da Câmara Municipal de Mogadouro, pedindo que seja suspensa ou revogada qualquer ordem que mandasse ratear pelos municípios determinada quantia destinada ao Liceu de Bragança.

Para a comissão de legislação civil.

Dos estudantes Robalo Cardeira, José Candeias da Silva e Joaquim José Leitão, pedindo lhes seja permitido fazer exame do 3.° ano das escolas normais, na época destinada aos exames, sem a frequência que a lei exige.

Para a comissão de instrução superior e especial.

O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para antes da ordem do dia. Inscrevem-se diversos Srs. Deputados.

O Sr. Fernando de Macedo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra, porque tendo há dias, nesta Câmara, o nosso colega o Sr. Francisco Cruz levantado uma questão acêrca duns médicos militares, membros duma junta de recrutamento, eu devo tambêm chamar a atenção de S. Exa. para faltas que, se não são precisamente iguais às que o nosso colega aqui expôs, reclamam, todavia, a atenção e a intervenção urgente do Sr. Ministro da Guerra, porque se trata dum caso que, a meu ver, é uma exploração ou resultado duma indústria nascente e que se está mantendo à custa da lei do recrutamento. E não pareça isto estranho, pois que em todos os tempos se procurou explorar com a mentira acêrca dos serviços do recrutamento.

O caso é o seguinte: desde junho de 1912 que começaram a ser inspeccionados os mancebos alistados no mês de Janeiro do corrente ano, e após a encorporação tiveram já baixa do serviço alguns, por lesões e doenças, para as quais chamo a atenção de todos os especialistas e nossos colegas nesta Câmara, a fim de que digam, em sua consciência, se é possível, no prazo máximo de seis meses, que é o tempo que decorreu desde o mês de Junho, em que os mancebos foram inspeccionados, até Janeiro, em que foram alistados, poderiam ter adquirido as lesões a que em seguida me retiro e que a junta do recrutamento não pudesse distinguir no acto da inspecção.

Por uma relação que me foi enviada pela 5.ª Repartição da 2.ª Direcção Geral da Secretaria da Guerra, se constata que, entre a inspecção e o alistamento, tiveram baixa do serviço militar 185 mancebos em virtude de lesões, muitas das quais não podiam ser adquiridas dentro daquele período.

Vou citar algumas.

Falta sensível de robustez, cavalgamento do dedo do pé direito com impossibilidade do uso do calçado e deformidade do mesmo, deformação toráxica, escrufulose, dedos em martelo, miopia, calo ósseo na perna esquerda, artrite seca do joelho direito, endocardite crónica, deformidade no pé direito com cavalgamento do quinto dedo e calos extensos.

Resumindo: até com falta de altura foi aprovado um mancebo no acto da inspecção.

Uma baixa de serviço por falta de altura! (Risos).

V. Exas. riem-se, mas não atingem o fim disto que é muito curioso.

Eu explico a V. Exas., e vou tambêm descrever a maneira como eu soube dum caso de isenção, que é o cavalgamento do dedo do pé direito a que já me referi: êste caso concreto passou-se da seguinte forma o mancebo em questão foi presente à junta de recrutamento e os seus membros, vendo que tinha uma lesão que o impossibilitava do serviço militar, resolveram isentá-lo definitivamente; mas o mancebo, que levava a lição bem estudada, chorou, invocou o seu patriotismo, talvez mesmo dêsse vivas à República, disse que queria servir a Pátria, que era um desgosto profundíssimo se o isentassem, e pediu por isso o favor de o apurarem.

A junta apurou-o, mas no dia da encorporação, chegou ao regimento e declarou-se impossibilitado para o serviço militar.

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Preguntaram-lhe qual a lesão ou doença de que sofria.

Mostrou o pé; baixou ao hospital e a junta julgou-o incapaz para todo o serviço.

Parece isto um caso simples, mas não é assim.

Se o mancebo ficasse isento definitivamente na ocasião da inspecção, ficava desde logo obrigado ao pagamento da taxa militar durante vinte anos, mas a baixa do serviço pode não o obrigar a êsse pagamento, quando se prove que a lesão foi adquirida durante o serviço militar, meio êste de que os mancebos podem artificiosamente lançar mão, se as juntas não forem escrupulosas.

Por aqui se vê o artifício e a indústria que se vai estabelecendo a propósito da lei do recrutamento.

Entendo que êste caso ú grave e que, se começa a ser conhecido pelos mancebos, faz com que se crie, dentro do exército, uma situação verdadeiramente vergonhosa.

Ora o caso, a meu ver, tem remédio e não é preciso aplicar o regulamanto disciplinar aos membros das juntas de recrutamento para punir estas faltas, mesmo porque elas podem não ser propositadas, mas simplesmente tornar todos os seus membros solidários com os mancebos no pagamento do duplo ou décuplo da taxa militar, e isto será suficiente para que ao serviço das inspecções sanitárias se ligue um pouco mais de atenção.

Outro assunto, para que chamo tambêm a atenção do Sr. Ministro da Guerra, é o que se refere à maneira como se procede ao alistamento dos voluntários e recrutados.

É necessário que êsse alistamento se faça num só dia, para que tanto uns como os outros não estejam a fazer despesa ao Estado desde o dia do alistamento até àquele em que começam a receber a instrução.

Eu me explico:

Pela actual lei do recrutamento, os mancebos que desejam antecipar o seu alistamento, isto é: os voluntários devem alistar-se de 1 a 10 de Janeiro em todas as armas e serviços, e de 1 a 10 de Maio ainda os que se destinam à arma de infantaria, a fim de receberem instrução no segundo período de encorporação. Ora como os períodos de instrução só começam respectivamente em 16 de Janeiro e 16 de Maio, segue-se que o Estado faz com êstes mancebos uma despesa considerável, sem proveito algum, visto êles nenhum serviço fazerem desde o dia em que se alistam até àquele em que se inicia a instrução.

O mesmo sucede com os recrutados, não sendo, porem, a despesa tam avultada, visto êstes se encorporarem de 12 a 15 de Janeiro e de 12 a 15 de Maio.

Ora eu entendo que o remédio para evitar esta despesa inútil é simples: É fazer a incorporação dos mancebos, quer voluntários, quer recrutados, no dia 15 de Janeiro em todas as armas e serviços, e em 15 de Maio para o 2.° contingente da infantaria.

E não me venham dizer que isto é impossível, pois que, a quem tal se aventure, eu apresentarei o exemplo convincente da incorporação das praças da 2.ª reserva que pela antiga lei do recrutamento eram chamadas a receber instrução militar no mês de Agosto, e que, apresentando-se num só dia, êste era bastante para se escriturarem, fardarem e receberem o seu armamento e equipamento, sem que daqui resultassem embaraços ou desordem, e recebendo no dia imediato a sua primeira lição de instrução militar.

Eu deverei ainda notar que os citados reservistas eram organizados em companhias de 200 homens, efectivo êste 10 vezes superior ao que actualmente recebem as companhias nos regimentos de infantaria, com a vantagem para estas de disporem dos seus quartéis permanentes e com bastante antecedência preparadas para aquele fim.

Eu referir-me hei ainda à forma como se procederá em. caso de mobilização total ou parcial do- exército e em que os licenciados se apresentam num só dia, num efectivo aproximado de 3:000 homens.

Creio, Sr. Presidente, ter produzido argumentos suficientes para poder concluir, sem receio de errar, que há toda a conveniência em encorporar os recrutas num só dia, donde resultará uma economia considerável, fim êste para o qual devem convergir todos os nossos esforços.

Outro assunto ainda é o que respeita ao fundo de instrução; êste fundo é constituído pelos descontos que às praças são feitos nos dias que vão de licença, e é des-

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tinado a custear as despesas com as escolas regimentais. Ora, estas despesas hoje são insignificantes, e o fundo de instrução, constituído pelos descontos feitos somente às praças dos quadros permanentes, é mais que suficiente para as despesas a efectuar com as escolas regimentais, devendo, a meu ver, adoptar-se o seguinte critério: Às praças a quem fossem concedidas licenças aos domingos, feriados da República, no Carnaval e na Páscoa, não seriam abonados vencimentos alguns, adoptando-se para tal fim uma outra designação da licença, diferente de: a licença a benefício dos fundos da escola, e por esta forma já no Orçamento do Ministério da Guerra se abateria a despesa a realizar durante aqueles dias de licença.

Para elucidar a Câmara devo informar que as licenças desta natureza concedidas aos recrutas desde 15 de Janeiro a õ de Fevereiro do ano corrente, foram num determinado regimento de infantaria em número de 1:266 o que produz uma despesa de 120,27 escudos e nos 3õ regimentos de infantaria, 11 de cavalaria e 8 de artilharia dá um total de 6.500 escudos, números redondos, sem contar com as tropas de engenharia, saúde, administração militar, etc.

O Sr. Presidente: - Previno a V. Exa. de que já passou a hora.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Até 5 de Fevereiro, pois, não contando com as licenças que se hão de conceder na Páscoa e com os domingos até o fim da instrução, no corrente ano, esta verba elevar se há como é fácil de compreender; e se ela não adquire uma cifra que nos possa colocar numa situação desafogada, é todavia de grandeza adequada á aquisição dalgumas viaturas que bem necessárias são, ou ainda a outros fins mais úteis.

E, para terminar, peço providências ao Sr. Ministro da Guerra para um facto bem desagradável que observei no domingo passado e que me deu a impressão de que os oficiais de engenharia ou do secretariado militar tinham ido alugar instrumentos músicas e andavam, organizados em banda, a tocar pelas ruas da cidade.

Quero referir-me a qualquer corporação que fazia uso dum fardamento semelhante e confundível com os usados no exército dando êste espectáculo ridículo que com vergonha observei. Está aqui um colega meu, que na noite daquele mesmo dia foi atrás dum dêsses indivíduos para se certificar se era ou não oficial do exército, tal a semelhança que aparentava.

Isto reclama, Sr. Presidente, uma intervenção imediata do Sr. Ministro da Guerra. Já ao ilustre antecessor de V. Exa., eu, em meu nome e no de camaradas meus, colegas nas duas casas do Congresso, pedimos que interviesse de forma enérgica para por cobro imediato a esta paródia constante aos fardamentos militares usados por bombeiros e filarmónicas, que ofende os meus brios de militar e de patriota.

O Sr. Ministro da Guerra (Pereira Bastos): - Agradeço ao Sr. Fernando Macedo o ter chamado a minha atenção para uma série de assuntos que são bastante delicados.

Relativamente ao serviço das juntas do recrutamento, não é para surpreender a quantidade de mancebos que é isenta pelas juntas regimentais, porque a maior parte é apurada fora do tempo competente da inspecção.

Não me parece muito para admirar o escapar algum, se atendermos a que o médico tem muitas vezes de examinar 80 ou 100 mancebos, num só dia, numa casa muito apertada e com más condições de luz.

O Sr. Fernando Macedo: - Eu fiz parte duma junta de recrutamento e posso garantir que nunca me poderia passar um mancebo com os pés chatos ou com os dedos em martelo.

O Orador: - O que posso dizer a S. Exa. é que vou chamar a atenção do pessoal competente para um facto dêstes, e não posso fazer mais nada.

O Sr. Fernando Macedo: - O facto que citei, dum indivíduo que instou para ser apurado para a arma de infantaria, é verdadeiro.

O Orador: - Quanto ao facto do mancebo não ficar obrigado à taxa militar, em consequência de ter sido dado como isento na ocasião do alistamento, em vez de o ser

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na junta, não tenho presente a lei, mas parece-me que, por êsse facto, não fica isento do pagamento dessa taxa.

Os únicos que não pagam a taxa são os que ficam isentos, por motivo de serviço; todos os outros tem de pagar a taxa militar.

Emquanto á apresentação dos voluntários, o artigo 66.° diz isto:

Leu.

Interrupção.

O Orador: - Está muito bem, mas eu não estou habilitado a responder isso, que é como que uma parte vaga do exame.

Interrupção.

O Orador: - Calculo que fossem estas as razões; mas, se não houver dúvidas, pode-se fazer uma modificação no regulamento.

Com relação aos recrutados encorporarem-se de 1 a 15, não sei; mas já no regulamento de 1891 havia 30 dias para êles se encorporarem.

A lei de recrutamento está agora em execução, e, desde que a experiência mostre a necessidade de se fazerem alterações, aquelas que estiverem na minha alçada, serão feitas, e acêrca das outras eu trarei ao parlamento uma providência a seu respeito.

Em todo o caso, devo dizer a S. Exa., que os soldados, que vem para uma mobilização, já sabem cumprir as ordens e conhecem as suas obrigações.

Os recrutas, porêm, vem em tal estado de ignorância, que é, por assim dizer, necessário tomar conta de recruta a recruta. E necessário, mesmo, no quartel general, mandar-se telegramas para toda a parte, a preguntar qual a situação dêsses indivíduos.

Eu tomarei providências a êsse respeito.

Com relação ao fundo de instrução, devo dizer que só agora, depois da aplicação da nova lei, é que êste aumentou, e que é gasto a fazer face a tantas necessidades nos quartéis, que conviria não lhe tocar. O que tencionava fazer era informar-me do estado em que se encontra, e, logo que isso fôsse possível, acudir a outras desposas a fazer, alem daquelas a que é destinada, pois V. Exa. sabe que o Orçamento do Ministério da Guerra não é largo, e é preciso aproveitar todos os sobrantes que possa haver, para fazer face ás mil e umas despesas que há nos quartéis. O material de instrução tambêm V. Exa. sabe que deixa muito a desejar.

Com relação aos fardamentos filarmónicos, já tomei providências, chamando a atenção das autoridades competentes para êsse facto. Não sei o que por parte do Ministério da Guerra possa fazer-se com relação a êsses fardamentos. Não é assunto que esteja sujeito à intervenção do Ministério. Pode ser uma lei do Parlamento, que proíba o uso de uniformes que tenham semelhança com os uniformes militares, e o uso de matérias primas usadas nos artigos dos uniformes. Isso é providência a tomar pela Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Calisto: - Desejava chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para um assunto, que me parece de importância.

O ano passado foram oferecidos, ao Ministério da Guerra, creio, que três aeroplanos adquiridos por subscrição. A propósito dum artigo publicado num jornal de ontem, que tratava de navegação aérea, eu recebi uma carta que tratava duma informação que verifiquei que era absolutamente verdadeira, isto é. que os aereoplanos oferecidos o ano passado ao Ministério da Guerra estavam guardados num barracão que tinha servido de cavalariça, onde há paredes com grandes infiltrações, e que os motores dêsses aereoplanos já não funcionam regularmente.

Daqui a pouco, se estas máquinas continuarem tam mal acondicionadas, não funcionarão. V. Exa. sabe bem que um motor duma máquina voadora é muitíssimo delicado e perfeito, e nessas condições precisa de ser tratado com o máximo cuidado.

Parece-me, pois, conveniente que V. Exa., Sr. Ministro da Guerra, que seguramente não sabe dêste facto, dê as suas providências para que aos aeroplanos não suceda o mesmo que a uns balões que há anos foram adquiridos pelo Estado, que foram para o polígono de Tancos, e que, por motivo de estarem encaixotados e dobrados, estão inutilizados, segundo informação oficial que o ano passado me foi enviada do Ministério da Guerra.

O orador não reviu.

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O Sr. Ministro da Guerra (Pereira Bastos): - Em resposta às observações do Sr. Carlos Calisto, tenho a dizer que já nomeei uma comissão, intitulada de aereostação militar, para avocar a si todos os assuntos que se relacionem com ela.

V. Exa. não ignora que no exército não se pensava em aereostação militar, pois faltava-lhe a parte mais importante.

Não pensávamos em aereostação, que pode dizer-se a última cousa a adquirir; não tenho onde guardar os aparelhos e nessas condições nomeei uma comissão para dar providencias sôbre o assunto e para se entender com todas as comissões patrióticas que tratarem de oferecer aereoplanos ao Ministério da Guerra, para se saber o que êsse Ministério há-de fazer sôbre o assunto.

De resto é um assunto que não devemos precipitar, porque somos uma nação pobre.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Calisto (em aparte): - Mas tambêm não devemos deixar estragar aquilo que já temos!

O Sr. Casimiro de Sá: - Sr. Presidente: é simplesmente para fazer ao Sr. Ministro da Justiça um pedido.

De Fafe informaram-me os interessados que havia sido irregularmente apreendidos todos os livros do registo paroquial e mandados para a sede oficial do registo.

Disseram-me que isso não obedeceu a nenhum formalismo legal, sendo até êsse acto praticado com uma certa violência.

Essas informações dadas pelos interessados foram depois corroboradas por outras entidades de procedência insuspeita.

Peço, portanto, a S. Exa. a fineza de mandar investigar do que a êsse respeito se passou, a fim de se saber se foi ou não respeitada a lei.

Reservar-me hei para tratar da questão após as informações do Sr. Ministro da Justiça se o julgar necessário e conveniente.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça (Álvaro de Castro): - Eu mandarei averiguar do caso, porquanto não tenho conhecimento dele, e depois darei a S. Exa. as informações necessárias.

Aproveitando o ensejo de estar com a palavra, vou esclarecer o Sr. Deputado Jacinto Nunes, a propósito duma interpelação que S. Exa. me fez há poucos dias, a respeito das pronúncias provisórias.

Como prometi a S. Exa., trouxe o parecer duma alta entidade da magistratura do Ministério Público.

Para não demorar em satisfazer o desejo manifestado por S. Exa. abstive-me de mandar tirar a cópia para lha remeter.

Envio, portanto, a S. Exa. êste parecer, pedindo-lhe para ler uma das conclusões de despacho de pronúncia, chamado vulgarmente provisório, isto é: lançado antes de concluído ou encerrado o processo preparatório.

E esta:

Leu.

Por aqui se vê que êsses despachos são legais em face de disposições do artigo 987.°, da Novíssima Reforma Judiciária e da lei de 1895.

O Sr. Jacinto Nunes: - Mas eu ainda não realizei a minha interpelação...

O Orador: - Já realizou, sim senhor; é que não se recorda.

Disse até nessa ocasião, a V. Exa., que não tinha intervenção na forma como julga o Poder Judicial, e como S. Exa. queria uma opinião, eu respondi-lhe que, como Ministro, lhe diria, apenas, que consultasse as estações competentes; é essa opinião que eu lha apresento hoje.

O Sr. Jacinto Nunes: - Eu anunciei a interpelação ao Sr. Ministro da Justiça sôbre êsse assunto, e portanto aguardo que S. Exa. se dê por habilitado a responder a ela.

O Orador: - Mas parece-me que eu já lhe respondi...

O Sr. Jacinto Nunes: - Só depois de S. Exa. se declarar habilitado é que pode responder.

O Orador: - Desde já declaro a V. Exa., Sr. Presidente, que estou habilitado a responder à interpelação do Sr. Deputado Jacinto Nunes.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Jacinto Nunes acaba de ouvir, o Sr. Ministro da Justiça já se declarou habilitado a responder á sua interpelação.

O Sr. Jacinto Nunes: - Espero que V. Exa. a fixará para breve.

O Sr. Pereira Cabral: - Sr. Presidente: eu chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias para os seguintes assuntos. Um dêles, refere-se à excepção feita aos filhos dos índios residentes em Lourenço Marques que são súbditos ou cidadãos portugueses para todos os efeitos, com os mesmos direitos, regalias e obrigações que qualquer outro, não se permitindo que entrem na excursão que se realiza todos os anos ao Transvaal. Essa excepção é, a meu ver, absolutamente injusta, não se compreendendo a razão por que os filhos dos índios não podem tomar parte nela.

Outro assunto diz respeito à situação deplorável em que se encontram os magistrados judiciais da província de Moçambique, exceptuando Lourenço Marques.

Foi proibido e, em meu entender, muito bem, que êsses magistrados exercessem a advocacia, visto existirem incompatibilidades jurídicas e morais.

Ficaram, entretanto, quási sem recursos para poder viver.

Quando se discutiu o orçamento da província de Moçambique, advoguei a causa dêles, mas disseram-me que só quando viesse à discussão o orçamento das colónias é que justiça se lhe podia fazer.

Portanto, daqui até lá podem morrer de fome!

Êstes funcionários com o que actualmente percebem não podem conservar o decoro e a dignidade dos seus cargos, visto que ninguêm pode ali viver com 60$000 réis ou 70$000 réis. onde a vida é caríssima.

Outro assunto, finalmente, que desejo tratar é êste: a Câmara Municipal de Lourenço Marques pediu ao Govêrno a autorização duma verba com o fim de conservar ali a banda de música.

Quando a proposta para a supressão das bandas de música veio à Câmara, fui nomeado seu relator e opus-me a que tal medida fôsse posta em execução. Infelizmente, porêm, executou-se.

Não é justo que, continuando a existir as bandas militares na metrópole, deixem de existir no ultramar, onde tanta falta fazem, por ser o único divertimento que ali há.

O Sr. Helder Ribeiro: - Mas vão acabar!

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Vou procurar responder às considerações feitas pelo Sr. Deputado Pereira Cabral.

Com relação ao primeiro assunto que S. Exa. versou, a exclusão das crianças índias do passeio ao Transwal, já tinha conhecimento do facto. E certo que as crianças, filhos da Índia, nem sempre tem sido admitidas regularmente a essas excursões, mas isso não se tem feito ou por insuficiência, em parte, da verba destinada para custear as correspondentes despesas, ou, em parte tambem3 porque era indispensável respeitar os sentimentos tradicionais.

Há necessidade de contemporisar um pouco com êsses sentimentos e é por isso que não se tem dado a admissão das crianças filhos da Índia no passeio ao Transwal, tam amplamente quanto seria para desejar.

Em todo o caso, essas reclamações já chegaram até à presença do Sr. Presidente da República e creio que a todos os Deputados eleitos por aquela província. Procurar-se há, pois, alargar para todas as crianças, em geral, aquele benefício, sem distinção de cor, e, para evitar o escolho ou obstáculo a que aludi, será conveniente que êsse passeio, salutar e higiénico para as crianças, seja feito a território dentro das nossas colónias, se porventura se encontrar alguma onde essa excursão se possa fazer com vantagem. De resto, há a considerar a vantagem da despesa efectuada ficar em território português.

Já vê S. Exa. que a rainha opinião é de que se garanta um tratamento igual para todas as crianças, porque não há razão sentimental que imponha a exclusão das crianças filhos da Índia num tam salutar passeio.

Quanto aos magistrados judiciais, creio que S. Exa. se quis referir aos conservadores e delegados.

Ora, eu devo dizer a S. Exa. que, a

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meu modo de ver, a advocacia foi regularmente proibida.

Andei pelo Ultramar com vencimentos não superiores àqueles que actualmente recebem os funcionários dessa categoria. Embora não tivesse exercido a advocacia, é certo que consegui viver sem privações.

A vida, nas comarcas de Quelimane, Moçambique e Inhambane, não é hoje mais cara do que era há vinte anos.

O Sr. Pereira Cabral: - Posso garantir a S. Exa. que actualmente a vida ali é quási o dobro.

O Orador: - Não sabia que tal se tivesse dado.

Com relação ao vencimento dos funcionários, vou estudar o assunto e ver se, alem dos vencimentos que percebem, poderá adicionar-se uma verba complementar.

Emquanto ao caso das bandas de música, eu sei que se publicou um decreto do Govêrno, ao abrigo do artigo 87.° da Constituição, suprimindo essas bandas de música, mas permitindo, como regime transitório, que, até 50 por cento das despesas que a fazenda provincial fazia com elas, fossem entregues à câmara, a título de subsídio, isto durante um ano.

Eu não vejo que haja necessidade de estabelecer o princípio em obediência ao qual o Estado, a administração central ou a administração superior de cada colónia, tome a seu cargo o entretenimento de, às quintas-feiras ou domingos, fazer tocar a música nos passeios.

O Sr. Pereira Cabral: - Lá fora dá-se muito valor a uma banda de música.

O Orador: - Reconheço que isso assim seja, mas, como S. Exa. compreende muito bem, êsse entretenimento é dum restrito alcance local e só aproveita á população que possa estar a determinada hora, e é um serviço que, portanto, deve ser pago pelas corporações locais. E não se venha argumentar que é a banda de música que contribui para o ensino artístico do indígena...

O Sr. Ezequiel de Campos: - Eu posso informar que alguns governadores gerais gastaram dezenas e posso dizer centenas de contos na compra de saxofones e clarinetes!

Já não bastava o prazer de lhe dar os artistas, mas ainda era preciso comprar os instrumentos!

A medida da supressão foi boa.

O Sr. Pereira Cabral: - E sua opinião; minha não.

O Orador: - A minha intenção, pois, é não alterar o que está decretado. Cumprirei o decreto nos precisos termos, mas não irei alem dele. De resto, ninguêm mais do que eu deseja que a instrução do indígena se desenvolva e que o seu sentimento artístico se afirme, e se melhore, sob todos os pontos de vista, a sua sentimentalidade e inteligência, mas não vou até o ponto de consignar no Orçamento uma tam importante verba para que a função artística duma banda de música se exerça num campo restrito, diminuindo os fundos do Estado, quando em outras obras de superior alcance êsse dinheiro se pode gastar. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Aquiles Gonçalves: - Em negócio urgente, manda para a mesa um projecto de lei, para o qual requere a urgência e dispensa do Regimento, a fim da Câmara Municipal de Vila Nova de Fozcoa prover ao preenchimento do seu partido médico.

É o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° Fica revogada e de nenhum efeito a segunda e última parte do artigo 10.° do decreto de 25 de Maio de 1911, que instituiu a Junta dos Partidos Municipais.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. = O Deputado, Aquiles Gonçalves.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

Lido na mesa, é admitido.

Consultada a Câmara, é dispensado o Regimento e entra em discussão o projecto.

O Sr. Matos Cid: - O principio consignado no projecto de lei já o está, tam-

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bem, no Código Administrativo. Por isso, a comissão aceita êsse projecto.

Esgotada a inscrição, é aprovado o projecto na generalidade e especialidade.

O Sr. Aquiles Gonçalves: - Requeiro dispensa da última redacção para que o projecto possa ir imediatamente para o Senado.

É aprovado.

ORDEM DO DIA

Primeira parte

Interpelação do Sr. Jacinto Nunes ao Sr. Ministro do Interior

O Sr. Jacinto Nunes: - Fui, há dias, informado de que se estavam dissolvendo comissões municipais sem se proceder a sindicâncias, nem ouvir, préviamente, o Procurador Geral da, República. Mais me afiançaram, nessa ocasião, que alguns governadores civis se julgavam, tambêm, autorizados para dissolver, nas mesmas condições, as comissões municipais.

Em meu parecer, estas dissoluções, sem se atender ao Código Administrativo de 1878, que é o que está em vigor, são arbitrárias. Por isso dirigi ao Sr. Ministro do Interior uma nota de interpelação sôbre o assunto.

Vejo, porem, com a mais viva satisfação, que S. Exa. está, se não no todo, pelo menos em parte, e na parte essencial, de acôrdo comigo, não só por umas impressões que trocámos já no seu gabinete de Ministro, mas pelo que vejo hoje publicado no Diário do Govêrno, Trata-se duma circular dirigida, em Maio do ano passado, ao governador civil de Évora.

Dois são os objectivos da minha interpelação: primeiro, é saber se podem decretar-se dissoluções dos corpos administrativos sem se proceder a uma sindicância e sem ser ouvido o Procurador Geral da República; segundo, é se o governador civil tem ou não competência para dissolver êsses corpos.

Com relação ao primeiro ponto, creio que estamos de acôrdo, não só pelo que S. Exa. já me disse particularmente, mas pelo que vejo aqui nos documentos oficiais. Emquanto á segunda parte, é que me parece que não está bem esclarecido.

Aguardo, portanto, a resposta de S. Exa. para saber se para decretar a dissolução dum corpo administrativo se respeita o artigo 16.° do Código Administrativo de 1878 ou se deve ser ouvida a Procuradoria Geral da República.

Peço a V. Exa. que me reserve a palavra para depois da resposta do Sr. Ministro, porque pode ser que eu tenha de replicar.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues): - Sr. Presidente: para dar uma resposta cabal e suficiente às preguntas formuladas pelo Sr. Deputado Jacinto Nunes sôbre aquela parte em que S. Exa. diz que não sabe ainda qual a intenção e qual, portanto, o critério do Ministro do Interior, bastará ler o telegrama de que S. Exa. não tem conhecimento, mas que expedi no sentido de chamar a atenção dos governadores civis para a portaria que veio publicada no Diário do Govêrno, referente á dissolução das corporações administrativas, e no qual se diz o seguinte:

Leu.

Isto prova que o Govêrno pode responder afoitamente pelos seus actos, verdadeiramente legais, não podendo ser acusado de menosprezar as regalias municipais.

E não é só pelos seus actos que o Govêrno pode responder, mas tambêm pelas suas intenções, por isso que o assunto, prestando-se realmente a várias interpretações, é pelo Govêrno definido duma só e precisa forma.

S. Exa. conhece melhor que ninguêm que o estado das comissões municipais não satisfaz completamente ao espírito republicano e democrático que nós desejávamos que existisse nessas corporações.

Umas, são as comissões republicanas que tomaram posse dos municípios, segundo o decreto de 8 de Outubro, outras em virtude do decreto de 3 do mesmo mês e finalmente outras são de nomeação dos governadores civis.

E se sôbre as primeiras não há dúvida que é ao Govêrno que pertence o dissolvê-las depois do processo de sindicância e de ouvida a Procuradoria Geral da República, sôbre as segundas já assim não é, e tanto que no Ministério do Interior havia o critério, mais ou menos variável, segundo os indivíduos que geriam a pasta, de

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que as comissões nomeadas pelos governadores civis podiam, de direito, ser tambêm dissolvidas por êstes. Mas o Govêrno não compartilha desta opinião e igualou-as.

O Sr. Moura Pinto: - O Sr. Silvestre Falcão tambêm não compartilhava.

O Sr. José Montez: - Igualmente o Sr. Duarte Leite não compartilhava; tenho aqui despachos no Diário do Govêrno por onde se pode ver...

O Orador: - S. Exa. o que há-de ver no Diário do Govêrno é a exactidão do que afirmo, e que V. Exa. pode comprovar, informando-se no Ministério.

De resto, como disse, o assunto presta--se a interpretações várias...

O Sr. José Montez: - Qual é o diploma que dá aos governadores civis competência para dissolverem as corporações administrativas?

O Orador: - Não há; mas entendia-se que a dissolução pode ser feita por quem tem atribuições para nomear, segundo indica o Código Administrativo de 1896, aplicável nos casos omissos do Código de 1878.

Isto é a doutrina que lá encontrei.

Não entro na sua discussão, nem na sua apreciação, por isso mesmo, logo que o Sr. Jacinto Nunes anunciou a sua interpelação mandei um telegrama circular a todos os governadores civis chamando a atenção para o facto, e houve dois que me disseram que havia duas comissões que foram dissolvidas e fundamentaram as razões porque o foram.

Devo dizer que a razão principal era estarem as comissões incompletas, ou terem pedido a demissão, mas justificam segundo o seu modo de ver, e foi por isso que chamei a atenção para a portaria que tinha sido expedida e que dizia respeito às comissões que tinham tomado posse segundo os decretos de 8 e 13 de Outubro de 1910.

Dizia eu que êsses governadores civis fundamentaram, segundo o seu parecer, porque era a êles que assistia êsse direito.

Isso está definido não só pelo telegrama que foi mandado e fez-se em obediência à interpretação que parece mais razoável do Código de 1878 e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1912, sôbre a dissolução imposta à Câmara de Gaia.

Eis perfeitamente elucidada qual a orientação que no Govêrno existe acêrca do respeito pelas regalias das comissões que podem representar de qualquer forma poderes municipais, até que melhormente se organize isso, ou melhor se elejam como é desejo do Govêrno.

É o que tenho a dizer.

O Sr. Jacinto Nunes: - Manda para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara, satisfeita com as declarações feitas pelo Sr. Ministro do Interior, de que não dissolveu nem dissolverá nenhuma comissão municipal administrativa, senão nos casos e segundo as formalidades prescritas no Código Administrativo de 1878, que é o que no assunto está em vigor, segundo o disposto no artigo 1.° do decreto de 13 de Outubro de 1910, continua na ordem do dia. = Jacinto Nunes.

Não preciso fundamentá-la, mas em todo o caso devo acrescentar, visto que se levantou a questão, que o Código de 1896 só pode aplicar-se na parte tutelar. O código de 1878 ficou de pé, menos naqueles serviços que já posteriormente pausaram para outros poderes, por exemplo, os serviços de instrução primária, que estavam a cargo das câmaras municipais e que passaram, infelizmente, para o poder central, e as obras públicas distritais, a viação de segunda ordem, que estava a cargo das juntas gerais e passaram tambêm para o poder central. Aqui estão os serviços a que se refere o artigo 1.° De resto, na parte que se refere á tutela é que está de pé, infelizmente, o código de 1896.

A moção foi admitida.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e á Câmara que da minha parte aceito completam ente essa moção, e agradeço-a pelo reconhecimento que traduz para com o Govêrno de êle praticar as boas normas democráticas.

Foi aprovada.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: - Vai realizar-se a interpelação do Sr. Casimiro de Sá ao Sr. Ministro das Colónias.

O Sr. Casimiro Rodrigues de Sá: - Não vem própriamente discutir a ida do Sr. Director Geral da Fazenda das Colónias a Londres, visto que êste caso não é da responsabilidade do actual Sr. Ministro das Colónias, e sim do Sr. Cerveira de Albuquerque. Essa ida foi motivada no seguinte:

O governador de Bombaim, julgando os interesses ingleses lesados, na indústria de destilação, pelo estabelecimento, perto da fronteira, de casas de venda de bebidas alcoólicas, espirituosas, e ainda por outros motivos, como a passagem de contrabando para a Índia Portuguesa, resolveu chamar a atenção dos nossos governadores da Índia Portuguesa para se entabolarem negociações.

Então o Director Geral da Fazenda das Colónias apresentou um relatório ao Sr. Ministro das Colónias, fazendo-lhe ver a necessidade de ir alguém a Londres, tratar do modus vivendi que o Índia Office tinha proposto e que o Govêrno central inglês resolvera que fôsse negociado em Londres.

Êsse caso foi levado a Conselho de Ministros e aí foi decidido que alguém fôsse a Londres. Estava na pasta das Colónias o Sr. Cerveira de Albuquerque.

Diz que há pouca exactidão entre o que se passou em Conselho de Ministros e os termos em que foi redigida a portaria que nomeouto Sr. Eusébio da Fonseca para ir a Londres. No Conselho de Ministros determinou-se que fôsse alguém a Londres, mas não se falou no Sr. Eusébio da Fonseca.

O Sr. Cerveira de Albuquerque apresentou o caso em Concho de Ministros, e aí resolveu-se enviar alguém a Londres para tratar do modus vivendi.

No despacho lançado pelo Sr. Cerveira de Albuquerque, no relatório do Sr. Eusébio da Fonseca, diz-se que em virtude da resolução tomada em Conselho de Ministros é enviado a Londres o Sr. Eusébio da Fonseca para tratar das negociações do modus vivendi. Êsse despacho diz o seguinte:

Leu.

Portanto, entre o que se passou, e a forma como foi redigido o despacho, há uma divergência, pois não se resolveu em Conselho de Ministros mandar a Londres o Sr. Eusébio da Fonseca.

O orador lê vários documentos para mostrar os termos em que era negociado o modus vivendi em Londres.

Lê um documento do Ministério dos Negócio" Estrangeiros, em que se diz que o Sub-Secretário de Estado inglês declarara não conhecer o assunto, mas comprometia-se a informar-se para depois tratar com o representante da República Portuguesa. Isto mostra que, por parte do Govêrno Inglês, não havia proposta para ser enviado a Londres nenhum representante.

Portanto, parece que da parte do Sr. Eusébio da Fonseca havia grande pressa para ir a Londres. Mas isto é da responsabilidade do antigo Ministro das Colónias, Sr. Cerveira de Albuquerque.

Da ida a Londres do Sr. Eusébio da Fonseca resulta um facto mais grave. O Sr. Eusébio da Fonseca recebeu 300 escudos para ajudas de custo, e tem um subsídio de 30 escudos por dia, emquanto durar a sua missão, alêm do ordenado de categoria e exercício, como Director Geral da Fazenda das Colónias.

O Sr. Aresta Branco: - Pregunta qual a lei em virtude da qual o Sr. Eusébio da Fonseca recebe o subsídio e abono de que falou o Sr. Casimiro de Sá.

O Orador: - Responde que os abonos são concedidos pelo decreto de 31 de Agosto, que se refere aos directores gerais quando em visita ás colónias.

Parece lhe que êstes abonos que recebe o Sr. Eusébio da Fonseca são ilegais e irregulares. Por isso êsse funcionário e o Sr. Cerveira de Albuquerque tem obrigação de repor o dinheiro que o Estado entregou ilegalmente.

Ao Congresso é que competia fixar o que havia de receber o Sr. Eusébio da Fonseca pela sua missão especial. O Sr. Ministro não podia arbitrar abonos neste caso especial Ao Congresso é que compete fixar os ordenados dos funcionários.

Pregunta se a missão do Sr. Eusébio

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da Fonseca está terminada e o Sr. Ministro apresenta um bill por o Govêrno ter excedido as atribuições que lhe são concedidas no caso do Sr. Eusébio da Fonseca.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Sr. Presidente: o Sr. Casimiro de Sá colocou-me perfeitamente à vontade, visto ter declarado que eu não tinha responsabilidades ligadas ao assunto.

O despacho, e todos os mais documentos referentes à missão do Sr. Eusébio da Fonseca, são do conhecimento do Sr. Casimiro de Sá, e, como se vê pela leitura que S. Exa. acaba de fazer, está S. Exa. bem informado.

Afirmou S. Exa. que o Conselho de Ministros não designou o Sr. Eusébio da Fonseca para ir a Londres, confirmando o facto com uma declaração do Sr. Cerveira de Albuquerque feita nesta Câmara, e que vem publicada no Diário das Sessões.

Não posso confirmar, por minha parte, o facto, porque êle não se passou comigo, e já tem sucedido que, por qualquer lapso, o que eu digo, nesta e na outra casa do Parlamento, não vem fielmente reproduzido no Diário das Sessões.

O Sr. Manuel Bravo (interrompendo): - Se o Sr. Ministro das Colónias me dá licença eu tenho a dizer que o Conselho de Ministros não resolveu cousa alguma acêrca do Sr. Euzébio da Fonseca.

Foi o Sr. Cerveira de Albuquerque que tomou a responsabilidade da nomeação do Sr. Eusébio da Fonseca.

O Orador: - O que o Sr. Deputado acaba de dizer confirma a declaração que vem publicada no Diário das Sessões, mas nessa resolução não vejo em que o Ministro das Colónias exorbitasse das suas atribuições, escolhendo o funcionário que havia de ir a Londres.

Era necessário dar execução à nomeação feita, provavelmente porque o Conselho de Ministros assim o entendeu.

Naturalmente, o Ministro das Colónias, dêsse tempo escolheu o funcionário a nomear, vindo essa nomeação a recair sôbre pessoal estranho ao Ministério.

S. Exa. escolheu o Sr. Eusébio da Fonseca.

Afirmou-se que o escolhido não era competente.

Não tenho razoes para perfilhar essa opinião, e, pelo contrário, algumas razões tenho para dizer o contrário, porquanto o Sr. Euzébio da Fonseca conhece de perto os negócios da Índia; conhece bem os negócios de África, onde esteve.

Tenho a maior consideração pela União Colonial, mas ela não pode interferir nas resoluções dos Ministros.

As deliberações dessa agremiação, embora sejam muito louváveis os seus intuitos, não podem influir nas deliberações do Parlamento.

Preguntou ainda o Sr. Deputado Casimiro de Sá se o Sr. Eusébio da Fonseca regressa brevemente, se tem concluída a sua missão.

Informo a Câmara de que o Sr. Eusébio da Fonseca, tendo sido mandado para Londres, para tratar do caso do abakari foi depois encarregado de negociações referentes a outra colónia.

Essas negociações seguiram mais rapidamente que as que respeitavam ao abakari, estando o acôrdo negociado para ser assinado. Não indico que negociações são, porque êsse acôrdo não está ainda assinado.

E intenção do Sr. Eusébio da Fonseca, em harmonia com instruções que daqui lhe foram remetidas, regressar a Lisboa logo que assine o acôrdo referente às outras negociações, não ultimando o assunto do abakari relativo à Índia, visto que tem de responder perante a comissão de inquérito aos seus actos como Director Geral da Fazenda das Colónias, como foi solicitado por essa comissão. O Sr. Eusébio da Fonseca pediu autorização para vir a Lisboa. Portanto, chega brevemente.

Com respeito à divergência entre o que se lê no relatório do Sr. Eusébio da Fonseca e a comunicação posteriormente feita com relação à estada dêste funcionário em Londres, parece-me que não se dá de facto.

O sub-secretário de Estado inglês podia não ter conhecimento do assunto que levava a Londres o Sr. Eusébio da Fonseca, e, contudo, está sendo tratado na Índia Office entre esta estação e o Governador do Estado da Índia Inglesa.

A proposta para tratar dêste assunto po-

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dia ter sido feita directamente ao Ministério das Colónias e não ser dirigida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Neste caso, esta estação não podia conhecer o assunto.

Para tratar dele só pessoa competente como o Sr. Eusébio da Fonseca.

O Sr. Brito Camacho: - Mas era para auxiliar o nosso Ministro em Londres.

O Orador: - Perfeitamente. Era um auxiliar do nosso representante em Londres, que não podia conhecer êste assunto especialíssimo do abakari da índia.

Não me parece, portanto, que isto seja ilegal.

Com relação ao despacho em que o Sr. Cerveira de Albuquerque fixou o abono a fazer ao Sr. Eusébio da Fonseca, devo dizer que não me parece tambêm que êle seja ilegal.

Êsses abonos são feitos em virtude do decreto de 31 de Agosto, que é o diploma que regula as ajudas de custo aos funcionários do ultramar e ao abrigo do artigo 17,° da Constituição.

Nesse diploma consigna-se o seguinte, que vou ler à Câmara:

Leu.

Eu, se fôsse Ministro ao tempo em que se fez a nomeação, e se tivesse de mandar alguém encarregado de tratar dum assunto no estrangeiro, talvez não tivesse dúvida em adoptar essa disposição, para arbitrar a importância a abonar nesse caso.

Tratava-se dum serviço não previsto, dum trabalho extraordinário, e era necessário marcar a remuneração especial, já pela qualidade do trabalho, já pelas condições em que êsse serviço havia de ser feito.

Êsse funcionário teria que trabalhar fora das condições normais da sua vida, fora da sua casa, e em Londres onde a vida é cara e onde tinha de se apresentar, em harmonia com a missão'de que ia investido e com a sua categoria.

Não poderia ir com uma retribuição acanhada com que não pudesse apresentar-se regularmente.

Nessas condições, em vez de usar do meu arbítrio para fixar o respectivo abono, preferia, talvez, seguir as verbas marcadas para casos semelhantes.

E êste o modo como deve ser encarada a resolução do Sr. Cerveira de Albuquerque e não doutra forma.

Trata-se duma missão do director geral da fazenda das colónias, e em Londres, onde tinha de estar em contacto com pessoas de categoria superior, não podendo, portanto, apresentar-se em condições mesquinhas.

Não podia ser uma retribuição incompatível com essa situação. Essa retribuição, nos termos do despacho, não é de 600$000 réis mensais, como S. Exa. disse, mas a ajuda de custo de 300$000 réis, por uma só vez, e o subsídio diário de 30$000 réis.

O Sr. António José de Almeida: - É necessário que fique bem assente o que ganha em Londres o Sr. Eusébio da Fonseca.

O Orador: - Ganha o que acabo de declarar á Câmara: 300$000 réis para despesas de viagem e o subsidio diário de 30$000 réis.

Embora Londres não seja uma colónia, tratando-se duma missão especial, respeitante às colónias, tinha de se arbitrar ao Sr. Eusébio da Fonseca uma remuneração em harmonia com a sua categoria.

Creio ter respondido às preguntas que me foram dirigidas pelo Sr. Deputado Casimiro de Sá, declarando mais uma vez que não tenho que apresentar nenhum bill de indemnidade, porque não existe nenhuma infracção das leis.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Casimiro Rodrigues de Sá: - Não tratou da competência do Sr. Eusébio da Fonseca para o desempenho da missão especial a Londres, de que foi encarregado. Mas entende que o Sr. Eusébio da Fonseca não devia ser mandado, porque, quando foi a Macau, em comissão, procedeu violentamente contra um governador dessa colónia.

O Sr. Ministro tinha plena liberdade para escolher quem quisesse, mas tendo o Sr. Eusébio da Fonseca já sido encarregado duma outra missão a Londres, contra o que se protestou nesta Câmara, não devia ter sido novamente encarregado de nova comissão.

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Cometeu-se uma ilegalidade no arbitramento da remuneração ao Sr. Eusébio da Fonseca, visto que nenhuma disposição legal permitia arbitrar-lhe essa remuneração. Acha demasiado o subsídio diário que se concede ao Sr. Eusébio da Fonseca.

Termina, mandando para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara, considerando absolutamente ilegais os vencimentos arbitrados ao Sr. Eusébio da Fonseca, para negociar em Londres um modus-vivendi, espera que o Govêrno, em especial o Sr. Ministro das Colónias, obrigue aquele funcionário a entrar nos cofres públicos com as verbas indevidamente recebidas. = Casimiro Rodrigues de 8á.

Foi admitida.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): - Sr. Presidente: registo a declaração do Sr. Casimiro de Sá, de que não vê competência ao Sr. Eusébio da Fonseca para tratar as negociações do abakari em Londres.

Com relação ao caso de Macau, a que S. Exa. aludiu, não me refiro a êle porque não o conheço.

Disse S. Exa. tambêm que êsse funcionário não devia ter sido o escolhido para essa missão, porque sôbre êle pesavam acusações graves.

Disse S. Exa. que a nomeação do Sr. Eusébio da Fonseca para tratar de negociações em Londres não se devia ter feito, porquanto sôbre êsse funcionário pezam acusações graves. Eu devo dizer a S. Exa. que não tenho conhecimento, no sentido jurídico da palavra, de que haja acusações formais contra o Sr. Eusébio da Fonseca. Levantaram-se simplesmente suspeitas, e para delas averiguar foi nomeada uma comissão parlamentar de inquérito.

Essa comissão, porem, ainda não apresentou o resultado dos seus trabalhos, ignorando-se, portanto, o seu parecer.

Estranhou tambêm S. Exa. que, tendo sido o director geral da Fazenda das Colónias nomeado para tratar da questão do abakari em Londres, se fôsse agravar essa já não pequena irregularidade, a seu ver, com a duma segunda incumbência, para tratar doutra missão. Não vejo motivo para essa estranheza, e antes considero o facto como um acto de boa administração, visto que estando ali um funcionário para tratar de determinado assunto, e demorando se a resolução dêsse assunto, e havendo um outro que se tornava necessário, se não urgente, negociar em Londres, para que êsse funcionário tinha justamente competência, foi encarregado dessa nova missão.

Não vejo, repito, que isso tenha nada de irregular, e, pelo contrário, entendo que representa, como afirmei, um acto de boa administração.

O Sr. Júlio Martins: - Quer dizer: se fossem surgindo as questões, lá estava o Sr. Eusébio da Fonseca sempre pronto para as tratar e escusava-se de nomear mais ninguém.

O Orador: - A questão do abakari, como a Câmara sabe, é uma questão que tem tradições seculares, é um assunto especialíssimo e que demanda profundos conhecimentos especiais; alêm disso, êsse assunto comporta uma volumosíssima legislação que não se averigua bem senão no próprio local.

O outro assunto de que foi incumbido de negociar o Sr. Eusébio da Fonseca era tambêm dum carácter muito especial, respeitante a uma outra colónia.

Era indispensável e urgente negociar a respeito dêsse assunto, e se as negociações permitiam que o mesmo delegado fôsse empregado no estudo dele, eu acho que não foi senão um acto de boa administração encarregar dele o Sr. Eusébio da Fonseca.

Interrupção do Sr. Casimiro de Sá, que não se ouviu.

O Orador: - V. Exa. supõe que qualquer outro funcionário podia ir com menor despesa?

O Sr. Casimiro de Sá: - Não, mas com a mesma competência.

O Orador: - Direi que considerando muito o Sr. general Machado, não tenho dúvida em acentuar que o Sr. Eusébio da Fonseca esteve posteriormente na Índia e conhecia o problema do abakari mais em dia do que aquele cavalheiro.

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As questões coloniais desenvolvem-se de dia para dia, os interesses do nosso estado da Índia modificaram-se bastante depois da estada ali do Sr. general Machado, e por isso acho que o Sr. Cerveira de Albuquerque não procedeu mal escolhendo o Sr. Eusébio da Fonseca, que dali tinha vindo havia pouco tempo (Apoiados).

Tentou-se primeiro aproveitar a flor de maura, a jagra e o melaço, fizeram-se sucessivas tentativas, e agora houve absoluta necessidade de atacar o problema de frente.

Foi isso o que se fez, em vez de se continuar com contemporizações.

Sob êsse aspecto, acho que o acto do Sr. Cerveira de Albuquerque, mandando o Sr. Eusébio da Fonseca a Londres, não foi senão um acto correcto, do mais louvável patriotismo (Apoiados).

Disse o ilustre Deputado interpelante que, áparte tudo isto, o Ministro exorbitara, fixando vencimentos, pois que era à Câmara que devia competir essa fixação, e que a fixação feita pelo Ministro era ilegal, e para dar vulto a êste aspecto de ilegalidade citou um acórdão.

Não quero apreciar ôsse caso a que S. Exa. se referiu da resolução do Tribunal da Relação.

Tenho agora que me referir ao ponto que S. Exa. tocou do despacho do Sr. Cerveira de Albuquerque, fixando os vencimentos do Sr. Eusébio da Fonseca.

O que o Sr. Cerveira de Albuquerque fez, foi, em vez de fixar arbitrariamente uma verba, para abonar ao funcionário encarregado dessa missão, ir fundar-se no decreto de Agosto de 1912, que o Sr. Deputado diz que só pode ter aplicação para as visitas ás colónias, e não a quaisquer outras missões.

Isto foi o que fez o Sr. Cerveira de Albuquerque, em vez dele próprio fixar a verba a abonar.

Parece-me que o meu antecessor procedeu bem.

O aspecto da questão é, pois, êste.

S. Exa. não precisava citar lei alguma no seu despacho, porque nós sabemos muito bem qual o espírito do decreto invocado.

Em vez de se especificar as ajudas de custo que se tinham de abonar...

Interrupção do Sr. Casimira de Sá, que não se ouviu.

O Orador: - O que afirmo é que o Sr. Cerveira de Albuquerque podia legitimamente, sem pedir à Câmara um crédito especial, dotar êsse serviço dentro das verbas orçamentais.

Parece-me que o Poder Legislativo não deve entrar nesse campo, que lhe e absolutamente estranho. Por isso, penso que a emenda de S. Exa. não pode ser aprovada pela Câmara.

Creio ter respondido a todos os pontos.

O orador não reviu.

O Sr. Álvaro Poppe: - Sr. Presidente: Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se concorda em que se generalize o debate.

O Sr. Francisco Herédia: - Requeiro a contagem.

Procedeu-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Não há número para se proceder á votação do requerimento do Sr. Álvaro Poppe. Estão presentes 67 Srs. Deputados.

Vai proceder à chamada.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 80 Srs. Deputados.

Vai proceder-se â votação do requerimento do Sr. Álvaro Poppe.

Foi aprovado.

O Sr. Ramos da Costa: - Mando para a mesa, por parte da comissão de finanças, um parecer sôbre bolsas de trabalho.

Mandou-se imprimir.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): -Por motivo de estar no Senado, numa discussão duma lei que afecta a pasta que tenho a honra de ocupar, não pude assistir a êste debate.

Acabam, porem, de me informar que a questão se reduz ao seguinte: ás condições em que foi nomeado e pago um funcionário que está em Londres estudando e acompanhando uma questão acêrca do abakari.

O Sr. Ministro das Colónias já deu as explicações que neste ponto de vista eram indispensáveis.

O assunto está em meu entender, suficientemente esclarecido, e o Govêrno não

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tem dúvida de que o Ministro que fez essa nomeação procedeu em harmonia com os interesses do Estado; mas, como o Govêrno não está resolvido a deixar-se arrastar tam grosseiramente, nem que assuntos desta ordem se desvirtuem, e querendo ao mesmo tempo que cada um assuma as responsabilidades dos seus actos, não tem dúvida em que a comissão de contas públicas estude o assunto.

O Govêrno não tem a responsabilidade dessa nomeação, nem tem que atender a se foi feita por um correligionário ou por um adversário, porque o seu procedimento seria absolutamente o mesmo; mas o que o Govêrno não pode consentir, repito, é que se levantem questões que possam fazer recair sôbre Ministros da República, sejam êles quais forem, suspeitas de menos respeito pelas leis, que não tem absolutamente o menor fundamento.

Isso seria governar à antiga, e a obrigação de todos, agora, é cumprir os seus deveres como a Constituição lhes impõe.

O Sr. Cerveira de Albuquerque podia, dentro da verba orçamental, marcar maior ou menor remuneração ao empregado nomeado, mas preferiu servir-se da regra indicada num decreto pelo qual o mesmo funcionário receberia se fôsse de visita â nossa colónia de S. Tomé.

Creio que ninguêm quererá comparar a ida a essa colónia cora a ida a Londres para tratar uma questão internacional.

Não tenho que defender o Sr. Cerveira de Albuquerque, que é um verdadeiro homem de bem, porque S. Exa. d não carece de defesa. Pelo que o podiam censurar, era, se êle em vez de se cingir a essa regra, arbitrasse uma remuneração mais elevada.

Mas não fez isso: aceitou os mesmos números. São altos? São baixos? Não temos nada com isso. Pode o Sr. Deputado interpelante considerados muito altos e serem exíguos, e ter ainda o funcionário alvejado de ficar em piores condições, sob o ponto de vista financeiro individual, do que se não tivesse saído de Lisboa. Eu não sei se êsses vencimentos são demasiados ou deficientes; o que sei é que estão inscritos num diploma legal em vigor, e que o Ministro aceitou como se fora um caso estritamente análogo, apesar de ser de natureza a ser muito superiormente remunerado, pois não pode comparar-se uma visita a uma província ultramarina com uma ida a Londres em serviço internacional.

Mas para aquietar a consciência do ilustre Deputado interpelante, para o deixar sossegado na sua defesa intransigente pelos dinheiros do Estado, para S. Exa. poder dormir mais tranquilo, até que o assunto seja suficientemente esclarecido, tenho a declarar a S. Exa. que o Govêrno está pronto a dar cabais e completas provas do modo como administra os dinheiros públicos. Entretanto, o que não consente é que, a pretexto dum acto praticado por um Ministro que não pertence a êste Govêrno, mas que está filiado no Partido Democrático e que é da nossa amizade, se queira levantar uma questão política.

Todos os dias se oferecem á discussão actos, por acaso ou improviso, que se prestam ao levantamento da questão política. Mas êste, não. E fique sabendo o ilustre Deputado mais uma vez que estamos prontos a aceitar toda a espécie de debate. De mais a mais o Govêrno já fez a declaração de que qualquer Deputado pode entrar nos Ministérios a toda a hora e ver todos os documentos que ali existem, excepto, é claro, os que constituírem segredo do Estado, que poucos são, mas que, ainda assim mesmo, muitos poderão ser consultados, porque confiamos no sigilo de cada Deputado.

Êsses actos podem servir de melhor pretexto do que aquele que se inventou ou se imaginou ter-se encontrado em relação ao Sr. Cerveira de Albuquerque, que, se alguma cousa se lhe tem a dizer, é que tem servido o país com o máximo zelo e desvelada dedicação nos lugares que lhe foram confiados.

Todos, qualquer que seja o partido ou o grupo a que pertençam, reconhecem em Ceiveira de Albuquerque as maiores virtudes pessoais e o mais escrupuloso zelo pela causa dos dinheiros públicos (Apoiados).

Todos nós temos o dever de zelar a honra e o prestígio da República; todos nós temos o dever de não aceitar, inesperadamente ou propositadamente, uma interpretação tendenciosa e absurda dos actos praticados por um Ministro da República, visto que temos obrigação de o considerar honrado, cuidadoso e zeloso dos dinheiros públicos (Muitos apoiados). Em

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vez de juízos temerários devemos falar a verdade, e da honra de todos os Ministros da República devermos fazer um património comum, defendendo essa honra como a própria honra da família, porque é a família republicana que está a governar (Apoiados).

Era, todavia, de esperar que a questão assim fôsse colocada, e é preciso perdoar-se a nossa infantil ingenuidade.

O Sr. Casimiro de Sá, que teve aqui o Sr. Ministro das Colónias tantos dias depois da nomeação do Sr. Eusébio da Fonseca para Londres; que tantas facilidades teve de ver êsse despacho, porque êle mostrava-lho no primeiro segando que S. Exa. o quisesse ver; que teve ocasião de não o deixar ir embora sem o interpelar, pois sempre, quando aqui o quiseram interpelar sôbre assuntos da sua pasta, o viam sempre dominador, austero, inflexível, não quis afrontar o seu olhar, nem ouvir a sua resposta.

O Sr. Casimiro de Sá: - Tive medo.

O Orador: - Teve medo de ser confundido imediatamente na sua tentativa de perturbação do espírito público (Apoiados.)

O Sr. o que queria era que se fechasse a sessão, ficando a suspeita no espírito público acêrca do procedimento do Sr. Cerveira de Albuquerque, ao passo que, se êle estivesse aqui, ficaria uma suspeita, mas não a respeito dele.

O Sr. Casimiro de Sá: - Ficava a meu respeito! Eu é que tinha praticado uma acção má, discutindo no uso do meu direito.

O Orador: - V. Exa. adianta o que não deve. Eu disse que se êlc aqui estivesse, não ficava a suspeita sôbre o Sr. Cerveira de Albuquerque, mais nada. O que ficava contra V. Exa. era uma acusação, porque não precisava a suspeita, e a palavra suspeita fica mal em relação a republicanos. Ficava a acusação de que se vem para aqui atacar os Ministros, invocando disposições de lei que lhe parece foram infringidas, fazendo observações que não são completas, tirando deduções que se sabe que não são completamente acordes com os factos, e fazendo o que se chama a invenção do escândalo. (Apoiados).

Isso não consinto eu que se faça emquanto tiver as responsabilidades de chefe do Govêrno, e por isso as de responder pelo modo como o Poder Executivo cumpre os seus deveres. E faço-o neste capítulo tomando a responsabilidade do modo como tem procedido todos os Ministros desde 5 de Outubro para cá. (Apoiados).

Podia fazer-se esta acusação amanhã, que se fôsse com as mesmas bases, eu embora se tratasse dum Ministro seu correligionário, procederia da mesma forma como procedo com respeito ao Sr. Cerveira de Albuquerque.

Em que condições foi nomeado o director geral de fazenda das colónias para ir a Londres? Se é esta a questão a debater-se, debata-se; é legítimo á Câmara examinar as condições em que se fez essa nomeação, relativamente ao interesse público a que essa nomeação possa ter sido destinada. Mas S. Exa. já sabe que essa nomeação fez-se com a precedência do voto do Conselho de Ministros...

O Sr. Manuel Bravo: - Não apoiado.

O Orador: - V. Exa. já disse que não tinha sido com base em Conselho de Ministros.

O Sr. Manuel Bravo: - Devo declarar que, acompanhado por um membro da comissão de inquérito aos actos do actual Director Geral da Fazenda das Colónias e autorizado por um outro-por não estarem presentes na Câmara todos os demais membros dessa comissão - conversei com o Sr. Presidente do Govêrno passado sôbre o assunto e os termos da portaria em questão.

Depois dessa conversação, em que o Sr. Duarte Leite foi claro e preciso, como sempre, nas palavras em que definia a sua responsabilidade, julgo-me autorizado em afirmar que o Conselho de Ministros não exprimiu nenhum voto, porque de tal cousa se não ocupou, sôbre a nomeação do Sr. Eusébio da Fonseca nem sôbre os vencimentos que lhe foram arbitrados. Essa questão é da exclusiva responsabilidade do Sr. Ministro das Colónias do tempo.

O Orador: - Em virtude da deliberação tomada em Conselho de Ministros...

Leu.

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V. Exa. diz que não foi nomeado com base numa resolução do Conselho de Ministros; o despacho diz expressamente que foi depois duma deliberação em Conselho de Ministros que esta nomeação só fez. Pode haver um equívoco, ou antes uma interpretação errada da extensão do voto do Conselho de Ministros, entre o que disse o Sr. Duarte Leite e aquilo que tinha interpretado o Sr. Cerveira de Albuquerque; mas uma cousa é autorizar um emissário para tratar uma questão, outra cousa é a nomeação, e talvez o Sr. Duarte Leite se tivesse querido referir à segunda parte e não à primeira.

De qualquer modo o Ministro nomeou um funcionário com base numa resolução de Conselho de Ministros.

Relativamente á remuneração de funcionários, há a lei de receita e despesa que estabelece os limites dentro dos quais se pode mover a acção de cada Ministro, e a lei de contabilidade.

Quem responde todavia pelos pagamentos mal feitos é quem os manda fazer se quem verifica se estão bem ou mal feitos é a comissão parlamentar de contas públicas, em que, como se sabe, a maioria pertence à minoria.

Interrupções.

Mas quer a maioria nessa comissão seja da minoria parlamentar, ou não, é nessa comissão que se pode examinar se as despesas estão mal feitas.

Interrupções.

Posta assim a questão, como o Govêrno não quere, para honra da República, que lhe compete zelar, que fique qualquer suspeita sôbre as acusações levantadas pelo Sr. Deputado interpelante, solicito que a comissão de contas públicas examine o assunto sob o ponto de vista da conformidade ou desconformidade do despacho do Sr. Ministro das Colónias com as leis que regulam as despesas do respectivo Ministério.

O Govêrno não quere, não aceita nem solicita o voto de ninguêm por espírito partidário.

É necessário, repito, que a comissão parlamentar de contas públicas verifique no Ministério das Colónias todos os documentos, todos os números, a fim de esclarecer a Câmara sôbre o assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António José de Almeida: - Desejo simplesmente frisar que me surpreendeu a doutrina exposta pelo Sr. Presidente do Ministério. S. Exa. disse que não admitia que em volta desta questão se pronunciasse qualquer palavra de que pudesse assultar uma suspeita, que é preciso haver todo o cuidado nas acusações que se façam.

De acôrdo, mas é preciso tambêm que a todos se reconheça o direito de levantar as questões que entenderem.

O Sr. Deputado Casimiro de Sá, devo dizê-lo, não é um pau mandado do partido evolucionista; eu tenho a coragem pessoal, moral e física para arcar com todas as responsabilidades, e se o Sr. Cerveira de Albuquerque estivesse presente poderia dizer se eu alguma vez, directa ou indirectamente, o feri, e se, pelo contrário, por mais duma vez não lhe manifestei a minha simpatia pelo seu trabalho.

O que quero frisar bem que nem eu, nem nenhum dos meus correligionários, estamos na resolução de deixar de levantar as questões que entendemos dever levantar.

Ninguém lançou labéus sôbre o Sr. Cerveira de Albuquerque, o que queremos é que tudo se esclareça, exactamente para que não fiquem suspeitas sôbre ninguém.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sr. Presidente: foi absolutamente intempestiva a maneira como o Sr. Casimiro de Sá pôs a questão, porque não se limitou a pedir esclarecimentos, no que estava no seu direito. S. Exa. apresentou â apreciação do Parlamento uma moçcão de julgamento. Para êle não havia dúvidas, de estava certo e seguro de que havia dinheiros mal pagos, e tanto assim que pediu a sua restituição.

Não se devem fazer acusações dessa natureza, emquanto se não provar que um rial, que seja, dos dinheiros do Estado, foi ilegalmente despendido, e o Sr. Casimiro de Sá não estava suficientemente informado para fazer êsse juízo.

Foi contra isso que me insurgi.

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Disse o Sr. António José. de Almeida que havia de levantar todas as questões que julgasse conveniente para interesse da República. Não lhe peço outra cousa, mesmo porque, se o contrário se fizesse, continuar-se-hia no marasmo em que viveram os governos anteriores, não por culpa dêles, mas por falta de oposição.

Pode S. Exa. estar certo de que serão bem vistas todas as discussões que, na Câmara, se levantem, mas pode tambêm ter a certeza de que os primeiros a sofrerem com questões levantadas, como o fez hoje o Sr. Casimiro de Sá, são aqueles que, por precipitação, se esquecem de que, acima de tudo, deve estar o amor pela justiça e pela verdade.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vários Srs. Deputados pediram a palavra sôbre a interpelação.

São os Srs.: Miguel de Abreu, Ramada Curto, Casimiro de Sá e António José de Almeida.

A próxima sessão é na segunda-feira, sendo a ordem do dia a seguinte:

1.ª Parte:

Continuação da interpelação do Sr. Casimiro de Sá ao Sr. Ministro das Colónias.

Interpelação do Sr. João de Meneses ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sôbre o tratado de comércio anglo-luso e outros boatos tendenciosos, relativos a pré tendidas negociações entre a Inglaterra e a Alemanha.

2.ª Parte:

8. Alterações no orçamento do Ministério das Finanças.

24. Reorganização administrativa de Moçambique.

339. Cobrança de foros pelos corpos administrativos.

56. Primeiros e segundos oficiais do Ministério das Finanças.

177. Alienação de terrenos na posse do Ministério da Guerra.

395. Sôbre a caça e direitos de caçar.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Papéis mandados para a mesa

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, com a maior urgência, me seja fornecida uma nota dos vencimentos recebidos pelo Director Geral da Fazenda, do mesmo Ministério, o Sr. Eusébio da Fonseca, desde l de Novembro de 1912 até hoje, especificando a parte correspondente á categoria, vencimentos de exercício, ao subsídio diário, ajudas de custo, transportes para Londres, e bem assim quaisquer outras importâncias que lhe tenham sido abonadas ou processadas. = O Deputado, Jorge Nunes.

Mandou-se expedir.

Esclarecendo o meu requerimento do 19 do corrente, peço se de conhecimento no Ministério do Interior, onde êsse requerimento foi levado, de que os ofícios a que me referi são todos respeitantes à criação do cofre de pensões da polícia civil do distrito de Viseu. = O Deputado, Pereira Vitorino.

Expeça-se.

Requeiro que me seja fornecida cópia da correspondência trocada entre o Govêrno Português e o seu agente em Londres, o Sr. Eusébio da Fonseca, Director Geral da Fazenda do Ministério das Colónias. = Jorge Nunes.

Mandou-se expedir.

Declaro que, se estivesse presente no final da sessão de ontem, tinha votado contra a proposta de amnistia, porque a julga inoportuna antes de terminados os julgamentos. = O Deputado, Tiago Sales.

Para a Secretaria.

Projectos de lei

Do Sr. António Maria da Cunha Marques da Costa, permitindo, nos termos das disposições do artigo 764.° do Código Civil, a remissão a dinheiro de bens enfitêutico e sub-enfitêutico, quer os respectivos domínios pertençam a menores ou a pessoas a êles equiparados, quer estejam ou não compreendidos no regime dotal.

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Pareceres

Da comissão de finanças, sôbre o projecto n.° 83-C, estabelecimento duma zona franca na Ilha da Madeira.

Para imprimir.

Das comissões de legislação operária e de finanças, dando o seu parecer sôbre o projecto n.° 4-B, bolsas do trabalho.

A imprimir.

O REDACTOR = João Saraiva.

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