O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

146.ª SESSÃO ORDINÁRIA DO 3.º PERÍODO DA 1.ª LEGISLATURA

1912-1913

EM 28 DE JUNHO DE 1913

Presidência do Exmo. Sr. Guilherme Nunes Godinho

Secretários os Exmos. Srs.

Jorge Frederico Velez Caroço
Pedro Januário do Vale Sá Pereira

Sumário. - Abre a sessão, com a presença, de 56 Srs. Deputados, estando o Govêrno representado pelos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros (António Macieira) e das Colónias (Almeida Ribeiro)

Lida e aprovada a acta, dá-se conta do expediente.

O Sr. Presidente participa à Câmara que nomeou para fazerem parte da comissão de inquérito à questão do ópio os Srs. Deputados Machado Santos, Prazeres da Costa, Vasconcelos e Sá, Pereira Vitorino e Nunes Ribeiro.

O Sr. Deputado João de Meneies, em "negócio urgente", declara que deseja ser ouvido, imediatamente, pela comissão de inquérito aos actos do director geral da Fazenda das Colónias.

O Sr. Deputado Matos Cid requer e. e a Câmara aprova, que esta comissão seja autorizada a reùnir durante a sessão.

O Sr. Deputado Fernando Macedo, em "negócio urgente", trata de concretizar e comprovar as acusações que fés, na sessão de 19 de Fevereiro a alguns funcionários do quadro interno das alfândegas.

O Sr. Deputado líamos da, Costa envia para a mesa um parecer da comissão de finanças e apresenta uma proposta, para a qual requere a urgência e dispensa do Regimento, autorizando o Govêrno a empregar os meios que julgar convenientes para que se estabeleça, brevemente, uma carreira de vapores entre Portugal e Brasil, com bandeira portuguesa É rejeitada a urgência.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues) requere que entre imediatamente em discussão o projecto de lei n.º 303, permitindo aos alunos das escolas do ensino normal a passagem ao ano imediato, segundo o disposto no decreto de 8 de Julho de 1911. Concedidas a urgência e a dispensa do Regimento, é aprovado o projecto, sem discussão, na generalidade e na especialidade, com as emendas da, comissão de instrução primária e secundária, sendo dispensada a sua última redacção, a requerimento do Sr. Ministro do Interior.

O Sr Deputado Jacinto Nunes, em "negócio urgente", ocupa-se da dissolução da Comissão Municipal Administrativa do concelho de Felgueiras e doutros corpos administrativos, respondendo-lhe o Sr. Ministro do Interior.

O Sr. Deputado António Granjo requere a generalização do debate. É aprovado o requerimento do Sr. Deputado António Granjo.

O Sr. Deputado Lopes da Silva requere, e a Câmara aprova, que a sessão seja prorrogada ate se votarem todos os projectos marcados para a ordem do dia.

Usam da palavra os Srs. Deputados António Granjo, que apresenta uma moção de ordem, Jacinto Nunes. Correia Herédia, que apresenta uma moção de Bordem, João Gonçalves, João Brandão, Matos Cid, Tiago Sales, Ministro da Justiça (Álvaro de Castro), Ministro do Interior, Casimira de Sá, que apresenta uma moção de ordem, Presidente do Ministério e Ministro das Finanças; (Afonso Costa), Brito Camacho, que apresenta uma moção de ordem, Júlio Martins, António José de Almeida e Machado Santos

O Sr. Deputado António Granjo requere e a Câmara aprova que incida votação nominal sôbre, a sua moção.

O Sr. Deputado Henrique Cardoso requere a prioridade para a moção do Sr. Deputado Brito Camacho

É aprovado o requerimento do Sr. Deputado Henrique Cardoso.

O Sr. Deputado Correia Herédia requere autorização, que a Câmara concede, para retirar a sua moção

O Sr. Deputado Miguel de Abreu requere, e a Câmara aprova, que incida votação nominal sôbre a moção do Sr Deputado Brito Camacho.

Procedendo-se à chamada, é aprovada a moção do Sr. Deputado Brito Camacho, por 63 votos contra 24 votos.

Página 2

2 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente ao Ministério e Ministro das Finanças envia para a mesa um ofício, solicitando a informação ingente do número actual de Deputados, bem como dos círculos a que pertenciam os Deputados que faleceram ou perderam ou seus mandatos de representantes da Nação.

O Sr. Presidente interrompe a sessão às 19 horas, marcando a continuação dos trabalhos para a noite.

Às 22 horas e 5 minutos, reabre a sessão.

O Sr. Presidente participa à Câmara a morte do Sr. Dr. Campos Sales, ex-Presidente da República do Brasil, e propõe que se lance na acta da sessão um voto de sentimento por êste facto. Associam-se à proposta os Srs. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa), Deputados José Barbosa, Barbosa de Magalhães, Júlio Martins e Nunes Godingo. O Sr. Deputado José Barbosa propõe que a mesa envie um telegrama ao Senado brasileiro, emprestando as condolências da Câmara pela morte de Campos Sales. São aprovadas as propostas do Sr. Presidente e do Sr. Deputo do José Barbosa.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças requere, e a Câmara aprova, que entrem imediatamente em discussão as emendas do Senado ao projecto de lei sôbre as prescrições contra a Fazenda Nacional Usam da palavra os Srs. Deputados Matos Cid, que faz a declararão de que a comissão de legislação civil e comercial aceita as emendas do Senado, Caetano Gonçalves, Emídio Mendes, Moura Pinto, Simões Raposo, que apresenta uma questão prévia, Germano Martins (relator), Ramos da Costa, Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, Celorico Gil, António José de Almeida e Silva Gouveia.

A questão prévia do Sr Deputado Simões Raposo não é admitida São aprovadas as emendas do Senado.

São aprovadas, sem discussão, as emendas do Senado ao projecto de lei que criou o Ministério da Instrução Pública.

É lida na mesa, e entra em discussão, a última redacção, vinda do Senado, do projecto de lei de organização, funcionamento, atribuições e competência dos corpos administrativos. Sôbre o artigo novo, vindo do Senado, usam da palavra os Srs. Deputados Jacinto Nunes, Presidente do Ministério e Ministro das Finanças. É aprovado o artigo novo.

É lido na meta e entra em discussão o parecer da comissão do orçamento sôbre as alterações introduzidas pelo Senado no orçamento do Ministério das Finanças. É aprovado o parecer da comissão do orçamento, que aceita todas as emendas do Senado, com excepção das que dizem respeito ao quadro do pessoal da Secretaria do Congresso da República e à Fiscalização das Sociedades Anónimas.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros requere, e a Câmara aprova, que entre imediatamente em discussão a proposta de lei autorizando o Govêrno a abrir um crédito extraordinário que a habilite a despender até a quantia de 5.000$ com os trabalhos preparatórios da Exposição Universal de S. Francisco da Califórnia em 191o. É aprovada a proposta de lei, sem discussão, na generalidade. É aprovado, sem discussão, o artigo 1.° Sôbre o artigo 2.º usa da palavra o Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros, que apresenta duas propostas de emenda. São aprovadas as propostas do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. É aprovado o artigo 2.°, com a alteração resultante das emendas aprovadas São aprovados, sem discussão, os artigos 3 °, 4 °, 5.º, 6.° e 7.°, tendo dispensada a última redacção, a requerimento do Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros.

(Discussão do projecto de lei n.° 292, aprovando, para ratificação, a Convenção assinada na Haia, em 3 de Abril de 1913, pura se submeter a um árbitro único a divergência relativa à demarcação do artigo 3-10° da Convenção de Timor): - É aprovado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

(Discussão do projecto de lei n.° 293, aprovando, para ratificação, a Convenção assinada em Paris, em 4 de Maio de 1910, destinada à repressão do tráfico das brancas). - É aprovado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros apresenta uma proposta de lei para a qual requere a urgência e dispensa do Regimento, sôbre a renovação da arbitragem com a Suissa Concedidas a urgência e a dispensa do Regimento, é aprovada a proposta de lei, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Presidente participa à Câmara que o Sr. Deputado Pereira Vitorino pediu, escusa de membro da comissão de inquérito à questão do ópio e que a mesa nomeou, para o substituir, o Sr. Deputado Caetano Gonçalves.

É aprovado, sem discussão, o parecer da comissão de agricultura, aceitando as emendas do Senado ao projecto de lei sôbre a reforma dos serviços agrícolas.

O Sr. Deputado Aresta Branco apresenta dois projectos de lei, para os quais requere a urgência e dispensa do Regimento, autorizando o Govêrno a construir, na cêrca da Casa Pia de Lisboa, um pavilhão destinado ao "golf" e determinando que ao nomeações provisórias ou, interinas de professores dos estabelecimentos de equino público poderão recair em indivíduos que tenham exercião as mesmas funções com nomeações de carácter não definitivo. Concedidas a urgência e o, dispensa do Regimento, são aprovados os projectos de lei, sem discussão, na generalidade e na especialidade, sendo dispensada a sua última redacção a requerimento do Sr. Deputado Aresta Branco.

O Sr. Deputado Cerqueira da Bocha requere, e a Câmara aprova, que entre imediatamente em discussão o projecto de lei n.º 306, alterando para 3,12 réis por grau centesimal, e por litro, o limite de 2,62 réis, estabelecido no § 1.º do artigo 73.º da lei de 4 de Junho de 1901, para o preço da aguardente. Usam da palavra, sôbre a generalidade, os Srs. Deputados Nunes Godinho (relator) e Alexandre de Barros, que apresenta urna "questão prévia", e fica com a palavra reservada.

O Sr. Presidente participa à Câmara que o Sr. Deputado Caetano Gonçalves, pediu escusa de membro da comissão de inquérito a questão do ópio e que a mesa nomeou, para o substituir, o Sr. Deputado Júlio Martins.

Enviam documentos para a mesa os Srs. Deputados Nunes Ribeiro, Tiago Sales, Pimenta de Aguiar, Helder Ribeiro e Bissaia Barreto.

O Sr. Presidente encerra a tensão à 1 hora e 25 minutos, marcando a imediata para o dia seguinte.

Página 3

Sessão de 28 de Junho de 1913 3

Presentes à chamada Srs. Deputados.

São os seguintes:

Adriano Mendes de Vasconcelos.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Souto.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Augusto de Barros.
Alexandre Braga.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Balduíno de Seabra Júnior.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Poppe.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
António Alberto Charula Pessanha.
António Amorim de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Barroso Pereira Vitorino.
António França Borges.
António Joaquim Granjo.
António José de Almeida.
António José Lourinho.
António Maria de Azevedo Machado Santos.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Valente de Almeida.
Aquiles Gonçalves Fernandes.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Ezequiel de Campos.
Fernando da Cunha Macedo.
Francisco Correia Herédia (Ribeira Brava).
Francisco José Pereira.
Gaudêncio Pires de Campos.
Germano Lopes Martins.
Guilherme Nunes Godinho.
João Camilo Rodrigues.
João Carlos Nunes da Palma.
João Duarte de Meneses.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Machado Ferreira Brandão.
João Pereira Bastos.
Joaquim José Cerqueira da Rocha.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José António Simões Raposo Júnior.
José Barbosa.
José de Barros Mendes de Abreu.
José Bessa de Carvalho.
José Jacinto Nunes.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Perdigão.
José Tristão Pais de Figueiredo.
José Vale de Matos Cid.
Jovino Francisco de Gouvêa Pinto.
Júlio do Patrocínio Martins.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Miguel de Abreu.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Philemon da Silveira Duarte de Almeida.
Severiano José da Silva.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vítor José de Deus Macedo Pinto
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Álvaro Nunes Ribeiro.
Américo Olavo de Azevedo.
Angelo Rodrigues da Fonseca.
António Caetano Celorico Gil.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria Malva do Vale.
António Pires Pereira Júnior.
Caetano Francisco Cláudio Eugénio Gonçalves.
Carlos Amaro de Miranda e Silva.
Carlos Maria Pereira.
Domingos Leite Pereira.
Emídio Guilherme Garcia Mendes.
Ernesto Carneiro Franco.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Gastão Rafael Rodrigues.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique José dos Santos Cardoso.
João Barreira.
João Gonçalves.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Bernardo Lopes da Silva.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Carlos da Maia.
José Cordeiro Júnior.
José Dias da Silva.
José Francisco Coelho.
José de Freitas Ribeiro.

Página 4

4 Diário da Câmara dos Deputados

José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
José Montez.
José Pereira da Costa Basto.
José da Silva Ramos.
José Tomás da Fonseca.
Manuel Alegre.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Manuel José da Silva.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Ferreira.
Alfredo Guilherme Howell.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo Vaz.
António Albino Carvalho Mourão.
António Augusto Pereira Cabral.
António Cândido de Almeida Leitão.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António Silva Gouveia.
Artur Augusto Duarte da Luz Almeida.
Aureliano de Mira Fernandes.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Eduardo de Almeida.
Francisco Cruz.
Francisco Luís Tavares.
Inocêncio Camacho Rodrigues.
João Fiel Stockler.
Joaquim José de Oliveira.
José Augusto Simas Machado.
José Maria Cardoso.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Porfírio Coelho da Fonseca Magalhães.
Rodrigo Fernandes Fontinha.
Tiago Moreira Sales.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vitorino Henriques Godinho.

Às 14 horas e 40 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 56 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Foi lida e aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.

Foi lida na mesa o seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Da Presidência do Senado, devolvendo a proposta de lei n.° 127-B, que tem por fim ceder à Junta Geral de Angra do Heroísmo uma propriedade sita no lugar de Pôrto Santo, para estabelecimento dum hospital.

Para a comissão de administração pública.

Do Senado, remetendo as seguintes propostas de lei:

Ultima redacção do projecto de lei que cria o Ministério de Instrução Pública. Para a comissão de instrução superior.

Ultima redacção do projecto de lei n.° 41-A, que autoriza a Câmara Municipal de Lourenço Marques a adjudicar, em hasta pública, a construção duma rede de esgotos.

Para a comissão de colónias.

Última redacção do projecto de lei que autoriza o Govêrno a criar, no distrito de Leiria, um novo concelho.

Para a comissão de legislação civil.

Do Ministério da Marinha, enviando um exemplar da última edição da Lista anual de antiguidades dos oficiais da armada, satisfazendo o requerimento do Deputado Augusto José Vieira.

Para a Secretaria.

Telegramas

Castelo Branco, 27. - Presidente Câmara Deputados - Lisboa.- Comissões políticas Partido Republicano Português e direcção Centro Democrático de Castelo Branco pedem Câmara presidência V. Exa. rejeição proposta redução categoria liceu desta cidade, prejudicial interesses materiais e da instrução que lhes cumpre defender neste distrito. = Os Presidentes, Manuel Lopes Gonçalves - Alfredo Mota Xavier Pereira.

Para a Secretaria.

Borba, 27. - Exmo. Presidente Câmara Deputados - Lisboa.- Comissão Administrativa dêste município resolveu por unanimidade última sessão vir perante V. Exa. solicitar para que não seja permitida importação álcool estrangeiro, que seria ruína nossa viticultura, e para que seja elevada a 3,62 por grau e litro "máxima fôrça aguardente conforme proposta Dr.

Página 5

Sessão de 28 de Junho de 1913 5

Tiago Sales". - Presidente, José Manuel Silva.

Para a Secretaria.

Peniche, 27. - Exmo. Presidente Câmara Deputados - Lisboa. - Câmara Municipal Peniche a bem interesses viticultura solicita intervenção V. Exa. para urgente discussão projecto álcool vínico. = Presidente, Câmara Vala.

Para a Secretaria.

Representações

Dos clínicos dos hospitais civis, S. José e anexos, pedindo que seja revogado o decreto de 13 de Dezembro de 1910, que o Laboratório de Anatomia Patológica reverta para a posse do mesmo hospital, que se considere em plena execução o artigo 68.° do decreto de 22 de Fevereiro de 1911, e que emfim se reveja a lei de assistência.

Para distribuir pelos Srs. Deputados.

Da direcção do Montepio Abrantino, pedindo algumas alterações â proposta de lei apresentada pelo Ministro do Fomento sôbre associações de socorro mútuo.

Para a comissão de administração pública.

Da Câmara Municipal de Constância, pedindo que seja discutido o projecto do Sr. Tiago Sales sôbre a elevação do preço da aguardente.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Rio Maior, no mesmo sentido.

Para a comissão do comércio e indústria.

Do Centro Comercial do Pôrto, pedindo que não tenha seguimento o projecto relativo a importação temporária de cascaria vazia.

Para a mesma comissão.

Dos católicos da cidade de Lisboa, pedindo imediatas providências no sentido de se removerem as coacções que pesam sôbre o exercício do seu culto.

Para ser publicada no "Diário do Govêrno".

Da Santa Casa da Misericórdia do Pôrto, pedindo que sejam votados os dois

projectos que dizem respeito ao Hospital de Alienados do Conde de Ferreira.

Para ser publicada no "Diário do Govêrno".

Da viticultura e fabricantes de vinhos em Lisboa, mostrando a situação em que se encontram.

Para a comissão de comércio e indústria.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre os pedidos de licença feitos por vários Srs. Deputados.

São os seguintes:

Pedidos de licenças

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Rogo a V. Exa. que tenha a bondade de consultar a Câmara, de que é muito digno Presidente, sôbre se me concede três dias de licença para tratar, fora de Lisboa, de negócios particulares.

De V. Exa., cr.° at.° obrig.mo=0 Deputado, Rodrigo Fontinha.

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.- Carecendo de dois dias para tratar inadiáveis assuntos de família, e podendo suceder que a minha falta prejudicasse os trabalhos parlamentares quanto a número para a Câmara funcionar, solicito à Câmara dois dias de licença.

Sou de V. Exa. com toda a consideração, at.° v.or ob.rto = Alfredo Howell.

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.- Desejando ausentar-me para o estrangeiro durante o interregno parlamentar, peço a V. Exa. se digne consultar a Câmara, a fim de me ser concedida a necessária autorização. - O Deputado, Prazeres da Costa.

Illmo. e Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.- Tendo necessidade de me ausentar, peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se me concede três dias de licença.

Sala das sessões, em 27 de Julho de 1913. = Francisco Cruz, Deputado.

Exmo. Sr. Vice-Presidente da Câmara e meu prezado amigo.- Tenho minha mãe doente e por isso não posso assistir ás últimas sessões parlamentares.

Página 6

6 Diário da Câmara dos Deputados

Peço-lhe comunique isto mesmo à Câmara para que me dispense de comparecer.

Abraça-o o seu dedicado amigo = Angelo Vaz.

Foram concedidas todas as licenças pedidas.

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que, em cumprimento da proposta apresentada pelo Sr. António José de Almeida, para que fôsse nomeada uma comissão de inquérito à questão do ópio, nomeei para fazerem parte dessa comissão os seguintes Srs. Deputados: Machado Santos, Pereira da Costa, Vasconcelos e Sá, Pereira Vitorino e Nunes Ribeiro.

Para a Secretaria.

O Sr. João de Meneses (em negócio urgente):- Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que eu seja imediatamente ouvido pela comissão de inquérito aos actos do Director Geral da Fazenda das Colónias, e peço tambêm que me seja reservada a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Foi concedida a autorização pedida pelo Sr. Deputado João de Meneses.

O Sr. Matos Cid: - Em nome da comissão de inquérito aos actos do Director Geral da Fazenda das Colónias, requeiro que seja autorizada a comissão a reùnir durante a sessão.

Foi autorizado.

O Sr. Cunha Macedo: - Sr. Presidente: na sessão de 19 de Fevereiro do ano corrente, discutiu-se nesta casa do Congresso um projecto de lei regulando a entrada no quadro do pessoal interno das alfândegas, dos sargentos-ajudantes e primeiros sargentos da Guarda Fiscal; infelizmente para êstes funcionários e para o serviço aduaneiro, o projecto foi rejeitado pela Câmara.

Durante aquela discussão disse eu que se o pessoal interno das alfândegas se opunha à concessão daquele benefício, "é porque, devido a essa disciplina e demais qualidades, alguns funcionários das alfândegas não se atreviam a praticar certas traficâncias ao lado dos seus colegas oriundos da Guarda Fiscal".

Referindo-me depois às perseguições movidas contra o comandante da 1.ª companhia da Circunscrição do Norte, disse o seguinte:

"Este oficial é aquele que sendo, como subalterno, comandante da secção de Matozinhos, envidou prodigiosos esforços para o descobrimento dum grande contrabando de cereais, no qual não ia só feito o despachante ; havia no negócio alguém do pessoal interno da alfândega, como é óbvio".

Estas minhas considerações deram lugar a um ofício ridículo, dirigido pelo Director Geral das Alfândegas ao Sr. Ministro das Finanças, no qual aquela autoridade, alem de pedir autorização para me chamar à responsabilidade...

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Jacinto Nunes.

O Orador: - Oh! Sr. Presidente, eu não acabei porque ainda não comecei.

Com o barulho que se está fazendo, eu não falo!

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. Pausa.

O Orador: - Naquele ofício, alêm de pedir autorização para me chamar à responsabilidade efectiva do agravo por mim feito ao pessoal das alfândegas, pedia, ao mesmo tempo, para eu ser convidado a prestar os esclarecimentos precisos para se instaurar o respectivo processo contra os arguidos do presumido contrabando de cereais.

A êste curioso documento não dei eu resposta alguma, não só porque seria estabelecer-se um precedente desgraçado entabularem os Deputados diálogos com quaisquer funcionários públicos, como tambêm porque não tenho por princípio nem por educação ser denunciante de quem quer que seja.

Mas, para não alongar as minhas considerações, demais que a horrenda acusação está afecta ao respectivo foro, eu vou apenas ler documentos comprovativos da veracidade das minhas afirmativas que há pouco reproduzi:

Tendo sido muito discutido no Pôrto

Página 7

Sessão de 28 de Junho de 1913 7

um conflito havido entre um funcionário do quadro interno das alfândegas e uma sentinela da Guarda Fiscal postada a uma das portas do edifício da alfândega daquela cidade, solicitei, pelas vias legais, copia de toda a correspondência trocada entre as estações aduaneiras e o comando da 1.ª Companhia da Circunscrição do Norte, à qual pertencia a aludida sentinela.

Em virtude desta solicitação foi-me fornecida a cópia da nota n.° 320 de 14 de Maio dêste ano, dirigida ao Director Geral das Alfândegas pelo Director da Alfândega do Pôrto, que passo a ler:

Alfândega do Pôrto, n.° 320, L. C-14, Serviço da República. - Pôrto, 14 de Maio de 1913. - Ao Exmo. Director Geral das Alfândegas, Lisboa. Do Director da Alfândega do Porto.- Na fundada suposição de que o caso a que se alude na nota de V. Exa., N.° 3, L. 817, expedida pela l.4 Secção da 1.ª Repartição, em 10 do corrente, seja o ocorrido em fins de Novembro de 1911, entre o sub-inspector Almeida Lemos, ao tempo em serviço na sede desta Alfândega e o o soldado n.° 164 da 1.ª Companhia da Guarda Fiscal da Circunscripção do Norte, em serviço de sentinela na porta de leste do edifício desta Alfândega, dizendo respeito à exigência de revisão por esta praça duma pequena mala que aquele empregado do quadro interno levava na mão no momento em que saía da Alfândega, exigência a que êsse empregado se recusou retrocedendo com ela, e dando do facto conhecimento verbal a esta direcção, envio a V. Exa. cópia em duplicado da nota do Sr. comandante da referida 1.ª companhia, encarregado de proceder às necessárias averiguações sôbre êste incidente. Devo ainda informar V. Exa. que a referida inala de mão de exíguas dimensões, e sôbre a qual tinha recaído prévio exame ao seu conteúdo,, pelo encarregado da porta, primeiro aspirante Sr. Manuel Nunes da Silva, o qual verificou conter a referida mala apenas dois impressos (jornais) um pequeno frasco vasio tendo servido a leite, e duas maçãs resto do lunch do mesmo empregado. Não tendo sido de momento encontrada a participação dada pelo porteiro de saída a esta direcção, e visto o relato feito pela informação prestada pelo sr. comandante da 1.ª companhia, facilmente se reconstitui e elucida claramente sôbre o valor da ocorrência, e circunstâncias que a revestiram, limito-me a enviar a V. Exa., cópia autêntica, em duplicado, da referida informação, para assim satisfazer a urgência por V. Exa. na resposta a dar. = O Director, José Joaquim de Gouveia Durão.

Está conforme. - 1.ª Secção, da 1.ª Repartição da Direcção Geral das Alfândegas, em 17 de Maio de 1913. = O Chefe da Secção. = J. S. Cunha.

Da simples leitura dêste curioso documento, uma pregunta ressalta desde logo e vem a ser:

Se a misteriosa e inviolável mala "penas continha dois impressos (jornais), um pequeno frasco vasio tendo sendo a leite e duas maçãs, porque motivo se recusou o honesto funcionário a mostrar aquele conteúdo à sentinela?

Mas vejamos o que diz o comandante da companhia na sua nota n.° 378 de 14 de Dezembro de 1911:

Serviço da República - Guarda Fiscal- Circunscrição do Norte - 1.ª companhia - N.° 378 - Porto, 4 de Dezembro de 1911 - Ao Sr. Chefe da 1.ª Repartição da Alfândega do Porto - Do comandante da companhia. - Tendo procedido às neces-árias averiguações sôbre a participação por V. Exa. enviada em que é participante o Sr. Nunes da Silva, dela depreendi que o facto a que a mesma alude parece ter-se passado da forma que passo a narrar.

O Sr. sub-inspector Lemos dirigira-se de dentro do edifício da alfândega para fora com uma pequena mala portátil e o soldado n.° 104, ali de serviço, não tendo visto que ao porteiro fôsse presente a mala para revista, obstou á saída da mala e exigiu que lhe fôsse mostrada para revista, porêm o Sr. sub-inspector, recusando se a mostrar a praça o conteúdo da mala, retrocedeu com esta e dirigiu-se para a Exa. a Direcção.

Pouco depois, voltando para sair, a praça exigiu a revista apesar do empregado porteiro autorizar a saída da mala, pelo que esta ficou abandonada na caseta do porteiro. Depois do que deixo exposto permita-me V. Exa. que faça algumas considerações sugeridas como consequência do facto.

Página 8

8 Diário da Câmara dos Deputados

As sentinelas postadas às portas tem os seus deveres consignados na ordem n.° 373 de 25 de Novembro de 1886, comquanto esta lhes não dê atribuições para revistar volumes, está desde há muito no uso serem êles encarregados da revista de pequenos volumes de mão que não constituem mercadorias. Ora, neste hábito, natural é que algumas praças estejam convencidas de que a revista às portas é da exclusiva competência delas, não só a exemplo do que se pratica nas estações do caminho de ferro, mas ainda porque, em regra, muitos empregados desta casa fiscal com a maior naturalidade e sem constrangimento e rubor mostram sempre indiferentemente ao porteiro ou à sentinela (guarda fiscal) qualquer volume portátil que conduzem, e todavia não me consta ter havido qualquer dissabor, isto talvez porque êstes estejam compenetrados de que a sentinela não é o homem em si, mas o representante da lei perante tudo e todos, investida de poderes inerentes à sua função, e ainda de que a revista em lugar de deprimir antes lhes enobrece e pode contribuir para levantar a dignidade de cada um.

A recusa em princípio da revisão da mala não podemos aceitar com intuito ou propósito de desconsideração, antes se deverá tomar como descabida, porquanto a guarda fiscal em regra conhece um ou outro empregado, mas supor ou pretender exigir o reconhecimento dos empregados sem que possuam qualquer artigo do seu uniforme, seria espalhar a confusão e desorganizar a vigilância; ora êsse empregado que julgou talvez a sua dignidade ofendida pela exigência da revisão, bem poderia supor que, não tendo distintivo, mui bem poderia ser tomado como indivíduo estranho à alfândega, e como espírito mais lúcido, instruído e educado, pertencia-lhe escolher a primasia de exemplificar aos assistentes o cumprimento do dever, indo até o ponto de, reconhecida a sua qualidade de empregado, não dispensar por si que a praça lhe revistasse a mala, e nunca afastá-la da revista da praça, pois que estava perante um funcionário de menor ilustração.

Mas, tendo em consideração que a segunda parte do facto pode revelar um propósito, pela parte da praça, de manter e o direito de que estava possuído de ser o único competente para a revisão de pequenos volumes, ou acintosamente querer fazer prevalecer o direito que não possuía, desacatando a ordem do porteiro, determinei que fôsse punido com admoestação, pois creio ser pena suficiente para o caso sujeito.

Seja-me, porem, lícito informar V. Exa. que êstes factos bastante lamentáveis para as duas corporações, porque ambas caminham e visam o mesmo fim "reprimir a fraude e acautelar os interesses da Fazenda", por isso a repetição de factos idênticos, preciso é serem reprimidos quer por um quer por outro lado, isto é, definir e caracterizar os deveres das sentinelas das portas, tendo-se em atenção que ou as sentinelas nada tem com o que entra ou sai, ou tem; se tem, necessário se torna que se consigne o reconhecimento do empregado e do indivíduo estranho, ou se estão isentos, porque do contrário cairiam nu na inobservância de exigência fiscal pelo receio de confusão.

Está conforme. = 1.ª Repartição da Alfândega do Pôrto, em 14 de Maio de 1913. = O Chefe, Joaquim de Lobo de Ávila.

Conclusão: um cidadão qualquer é intimado por uma sentinela da guarda fiscal a mostrar um volume que transporta, depois de ter passado junto do porteiro do edifício da alfândega que não o examina; o cidadão é por acaso um funcionário daquela casa fiscal, e nesta qualidade insiste em não se submeter à indicação da sentinela, abandonando o citado volume na caseta do porteiro; vem depois um chefe dêste funcionário informar que o citado volume continha restos de lunch.

Que crédito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, merece a informação dêste último funcionário? Quem poderá ainda hoje convencer a sentinela de que o conteúdo da mala não era uma cousa muito diferente de restos dum lunch? E pregunto mais ainda: factos desta natureza não contribuem poderosamente para o desprestígio e a péssima reputação de que goza o pessoal aduaneiro? Não seria mais correcto e mais honesto mesmo, que o funcionário em questão mostrasse lealmente o conteúdo da mala, e tam insignificante êle era, contribuindo assim para que a sentinela não ficasse fazendo mau juízo do seu irreflectido procedimento?

Página 9

Sessão de 28 de Junho de 1913 9

Que pensar de tudo isto, Sr. Presidente?

Tudo; absolutamente tudo, e mesmo um crime praticado no exercício de funções.

E querem V. Exas. saber agora como procede em casos análogos o chefe da delegação aduaneira da estação do Rocio?

Sempre que sai para o exterior do edifício e é portador de qualquer volume, não espera que as sentinelas lhe dirijam intimações; é êle o primeiro a apresentar-se, sem que por isso se deprima a sua dignidade de homem ou de funcionário; não; muito ao contrário; e assim é que S. Exa. goza duma justa reputação de funcionário honesto.

Comparem agora V. Exa. o procedimento dêstes dois funcionários, e digam se não há só uma conclusão a tirar relativamente ao primeiro e se o acto por êle praticado é, ou não uma traficância, pelo menos até prova em contrário, hoje difícil de obter.

Passemos agora ao caso dos cereais:

Quando em fins de 1910 eu comandava a 2.ª companhia da circunscrição do norte, e me preparava para elaborar o relatório de fim de ano, procurei os relatórios anteriores para me certificar se sim ou não tinham sido atendidos todos os pedidos ou reclamações neles formulados, e em caso negativo reproduzi-los no meu, quando sinto a minha atenção presa ao relatório do 2.° semestre de 1909, tanto me custava a acreditar o que nele via escrito

Êste relatório, cuja cópia me foi fornecida oficialmente, dizia o seguinte, na parte exclusivamente respeitante ao assunto de que me estou ocupando:

"Em 27 de Abril dêste ano chegara ao meu conhecimento que do trigo descarregado em Leixões, o quantitativo era um pouco superior ao autorizado pela tabela do rateio publicada a pp. 460 do boletim n.° 10 de 1907, e a pp. n.° 460 do boletim n.° 11 de 1908; em vista, pois, disto dirigi à primeira repartição desta alfândega a seguinte nota:

"Precisando, em virtude dumas indagações, saber as quantidades de trigo despachado no pôrto de Leixões no ano de 1908, e bem assim as despachadas neste ano que por ali deram saída, vou rogar a V. Exa. se digne informar quais os moageiros que por ali despacharam trigo exótico e as quantidades constantes dos respectivos despachos desde Janeiro de 1908".

"Solicitei estas informações com o intuito de ver se realmente a vox populi era vox dei ou vox didboli, e ainda para ser escrupuloso, correcto e cauteloso no cumprimento da lei, pois que delas dependeria auferir a suspeita ou não suspeita da contravenção ou não dos regulamentos fiscais ; mas a resposta àquela nota foi:

"Em resposta ao assunto da nota n.° 37 de 27 do mês de Abril último, que V. Exa. enviou a esta repartição quando comandante da secção fiscal da Senhora da Hora, tenho a honra de comunicar-lhe que tendo a mesma sido presente a S. Exa. o conselheiro director, foi nela exarado, em data de 8 do corrente, o seguinte despacho: o Sr. comandante da secção fiscal da Senhora da Hora, caso tenha conhecimento dalgum delito fiscal, deve fazer à autoridade competente a sua participação, nos termos do artigo 102.° do decreto n.° 2 de 27 de Setembro de 1894, de conformidade com o que foi determinado em nota n.° 404, L. 26, 2.ª secção da 1.ª repartição da Administração Geral das Alfândegas, de 6 do corrente mês".

Ora vejamos o que tudo isto quere dizer:

Ao oficial que nos anos de 1908 e 1909 comandava a secção fiscal da Senhora da Hora constou que nos primeiros semestres daqueles dois anos um determinado moageiro introduzira na sua fábrica quantidades de cereal muito superiores àquelas que pelos respectivos rateios lhe foram atribuídas, o que representava uma fraude com manifesto prejuízo para a Fazenda Nacional. Conhecendo o citado oficial os trucs de que se servem os moageiros e aduaneiros, solicitou da alfândega, única entidade a ouvir no caso, os esclarecimentos necessários que o pudessem levar ao convencimento do delito, pois que as informações que êle possuía eram muito vagas, sem bases firmes em que assentassem, e, quem sabe, porventura o produto duma vingança mesquinha, o que tantas vezes sucede.

A resposta que a alfândega deu, já V. Exas. a ouviram ler:

"Deve fazer à autoridade competente a sua participação, nos termos do artigo 102.°

Página 10

10 Diário da Câmara dos Deputados

do decreto n.° 2 de 27 de Setembro de 1894, etc.".

Querem agora V. Exas. ouvir ler o que diz êste artigo 102? O seguinte:

"Artigo 102.° Os empregados do serviço interno das alfândegas e os agentes da fiscalização externos, que tenham conhecimento de quaisquer factos praticados na sua zona de fiscalização, que em seu entender possam constituir delito de contra bando, de descaminho ou transgressão dos regulamentos fiscais, nos termos dêste decreto, darão dêles participação à autoridade fiscal competente.

"§ único. Esta participação conterá, tanto quanto possível, tudo o que vai preceituado no § 1.° do artigo 71.°".

"Art. 71.°, § l ° O apreensor fará logo participação escrita, datada e assinada, à autoridade fiscal competente, na qual se descreverá o facto da apreensão com as circunstâncias que o acompanharem, designação precisa do local, dia e hora em que se realizou, contendo mais a indicação dos nomes, estado e profissão dos delinquentes ou transgressores, relação dos objectos apreendidos, seu valor presumível, destino que tiveram, e os nomes, moradas e misteres das testemunhas intimadas nos termos do § seguinte".

Conhecem V. Exas. maneira mais prática de encobrir delinquentes e proteger manigâncias? Pois se não conhecem, aqui tem esta:

As estâncias aduaneiras, que deviam fornecer ao comandante da secção todos os elementos para êle formular a sua participação, visto que êste apenas possuía informações vagas, atira-lhe à cara com o artigo 102.°, sabendo perfeitamente que não se podia cumprir o que nele se preceitua, bem como no § 1.° do artigo 71.°, sem que a delegação aduaneira de Leixões, sem dúvida feita no negócio, cumprisse com o seu dever auxiliando o comandante da secção. Sim, porque mau serviço se prestará à Fazenda Pública desde que o pessoal interno das alfândegas não ande sempre do mãos dadas com o da fiscalização externa, irmanados rio mesmo fim de coibir os delitos fiscais.

Mas quais seriam as informações prestadas ao comandante da secção? As seguintes:

"Que o moageiro A - designo assim - introduziu na sua fábrica em 1908 1 milhão de quilogramas de cereal, aproximadamente".

Ora o decreto de 28 de Dezembro de 1907 autoriza a importação, desde 15 de Janeiro a 31 de Julho de 1908, de:

[Ver tabela na imagem]

E a tabela para o rateio do trigo nacional e exótico para o ano cerealífero de 1907-1908, concedendo ao citado moageiro uma percentagem de 1,17 sôbre a totalidade do cereal destinado á panificação, apenas lhe permitia importar 897:441 quilogramas; portanto, importando mais de um milhão de quilogramas, como constava, cometeu um delito fiscal.

Em 1909 sucedeu outro tanto, abstendo-me de ler mais números, para não fatigar a Câmara.

A mim consta-me, Sr. Presidente, que a Direcção da Alfândega do Pôrto pretende sacudir a água do capote, atribuindo à Direcção Geral a responsabilidade da resposta dada ao comandante da secção, mas o que ela não diz é que esta resposta foi sugerida e até certo ponto insinuada pelo director daquela casa fiscal em sua nota n.° 891, de 30 de Abril de 1909, enviada à Direcção Geral, documento êste que tenho em meu poder, mas que será fatigante ler.

Para terminar, Sr. Presidente, e como se os argumentos por mim produzidos não bastem para comprovar a fraude de que me venho ocupando, eu vou ainda ler um último documento, bastante curioso, comprovativo da protecção que os contrabandistas gozam junto das companhias particulares de caminhos de ferro.

Tendo um pedido, por intermédio da Mesa desta Câmara, uma nota das quantidades de trigo expedido da estação de Leça, do caminho de ferro do Pôrto á Póvoa e Famalicão, nos primeiros semestres de 1908 e 1909, com indicação dos consignatários e estacões de desembarque, recebi, como resposta, o seguinte ofício:

"Exmo. Sr. - Encarrega-me S. Exa. o Ministro do Fomento de dizer a V. Exa.

Página 11

Sessão de 28 de Junho de 1913 11

em referência ao pedido feito pelo Deputado Fernando Macedo, em requerimento apresentado em sessão de 19 de Maio findo, a que se refere o ofício de V. Exa. n.° 586, da mesma data, que, segundo informa a repartição competente, não pode ser fornecida a relação pedida das quantidades de trigo expedido da estação de Leça nos primeiros semestres de 1908 e 1909, por a Companhia do Caminho de Ferro do Pôrto à Póvoa e Famalicão declarar não possuir, completos, os arquivo dos referidos semestres.

Saúde e Fraternidade, etc."

Isto lê-se e mal se acredita, meus senhores!

Uma companhia exploradora dum caminho de ferro, que vem em 1913 declarar o não possuir, completos, os seus arquivos respeitantes aos anos de 1908 e 1909"!

Bela administração, não há dúvida! ; Felizmente, que eu não sou sou accionista "desta cousa"!

De tudo o que deixo exposto, ressaltam estas derradeiras conclusões:

"Em 1908 e 1909 um moageiro introduziu na sua fábrica quantidades de cereal superiores às que lhe foram destinadas pelos rateios daqueles dois anos.

Esta fraude levou-se a efeito com a conivência dalguns funcionários aduaneiros, que ocultaram ao pessoal da fiscalização externa os elementos indispensáveis para a formação do respectivo auto.

O caminho de ferro do Pôrto â Póvoa e Famalicão, para encobrir o deliquente, e, porventura, prevenido pelo pessoal aduaneiro, "com o qual lhe convêm andar em boas graças, não possui, completos, os seus arquivos respeitantes aos anos de 1908 e 1909, em que aquela fraude se praticou".

Está tudo certo: moageiros, funcionários da alfândega e caminhos de ferro, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro ... o Deus contrabando.

Está tudo certo

Tenho dito.

O Sr. Ramos da Costa: - Em nome da comissão de finanças, mando para a mesa um parecer, sôbre a proposta de lei, vinda do Senado, relativa à agricultura.

Aproveitando o uso da palavra, mando, tambêm, para a mesa uma proposta, para a qual requeiro a urgência e dispensa do Regimento.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que seja autorizado o Govêrno a empregar os meios que julgar convenientes para que se estabeleça brevemente uma carreira de vapores entre Portugal e Brasil com bandeira portuguesa. Esta autorização durará até 30 de Novembro próximo futuro, e na próxima sessão, que principiará em 2 de Dezembro, o Govêrno dará conta ao Parlamento do uso que dela tenha feito.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em 27 de Junho de 1913. = Francisco de Sales Ramos da Costa,, Deputado.

Foram rejeitadas a urgência e, a dispensa do Regimento.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues):- Já por duas vezes chamei a atenção de V. Exa. para o facto de não haver lei que regule a matrícula nas escolas normais.

Vai abrir-se o ano lectivo e não é possível a matrícula por falta de lei.

Tive ocasião de apresentar uma proposta de lei que não era mais do que a repetição daquilo que estava aprovado. Sei que casa proposta tem parecer favorável da comissão, e, por isso, pedia a V. Exa. a fineza de consultar a Câmara sôbre se permite que ela entre já em discussão, para não ficarmos sem lei sôbre o ensino normal primário.

O parecer é o n.° 303.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei n.° 303. Foi lido na mesa o parecer. É o seguinte:

Parecer n.° 303

Senhores Deputados. - A vossa comissão de instrução primária e secundária, ten-lo examinado a proposta de lei n.° 301-A, Ia iniciativa do Sr. Ministro do Interior, não pode deixar de fazer sôbre o importante assunto a que a mesma proposta se refere algumas considerações.

Apresentou já a vossa comissão o seu

Página 12

12 Diário da Câmara dos Deputados

parecer sôbre o projecto de reforma do nosso ensino normal primário vindo do Senado, e, apesar de ir muito adiantada a actual sessão legislativa, ainda a mesma comissão não perdeu de todo a esperança de ver transformada em lei do país a dou trina consignada no mesmo projecto, projecto êste que, com certeza, sairá muito e muito melhorado da discussão parlamentar.

Dado, porêm, infelizmente, o caso de tal não suceder, então - e para não se dar o facto lamentável, de, num futuro mais ou menos próximo, o Estado lutar com falta de professores primários, a aprovação do projecto impõe se, embora ao mesmo haja a fazer pequenas alterações.

Assim:

No artigo 4.° deverão ser suprimidas as palavras ano lectivo e substituídas por a expressão no próximo ano lectivo.

O artigo 8.° deverá ficar assim redigido:

"Finda a inspecção, os conselhos escolares determinarão a época em que tais exames se devem realizar, os quais não deverão durar mais de oito dias e estarão concluídos até o fim do mês de Agosto do corrente ano".

Lisboa, e sala das sessões da comissão de instrução primária e secundária, em 19 de Junho de 1913.= António José Lourinho = Angelo Vaz = Tomás da Fonseca = Matos Cid, relator.

Proposta de lei n.° 301-A

Senhores.- Sendo provável que nesta sessão parlamentar não possa ser discutido e aprovado o projecto de lei sôbre a reorganização do ensino normal, e sendo absolutamente indispensável tomar as providências necessárias pelo que respeita a exames finais e passagens de classe na próxima época, bem como a admissão de alunos no próximo ano lectivo e funcionamento regular das escolas de ensino normal, de modo a não se dificultar o recrutamento do professorado, espero vos dignareis aprovar a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.° Aos alunos das escolas de ensino normal continuará a ser permitida a passagem ao ano imediato, segundo o disposto no decreto de 8 de Julho de 1911.

Art. 2.° Na constituição dos júris, realização das provas e demais serviço, relacionados com os exames do 3.° ano das escolas de ensino normal, na próxima época, cumprir-se hão as prescrições dos artigos 222.° a 237.° do regulamento de 19 de Setembro de 1902.

Art. 3.° Quando, por virtude de desdobramento de disciplinas ou qualquer outro motivo, houver professores interinos que tenham exercido neste ano o ensino da 3.ª classe, êstes professores só poderão fazer parte do júri quando não houver número bastante de professores efectivos.

Art. 4.° Será permitida, ainda no presente ano lectivo, a matrícula no 1.° ano de todas as escolas de ensino normal, conforme o disposto no artigo 1.° e § único da lei de 29 de Dezembro de 1911.

Art. 5.° A admissão ás escolas de ensino normal será requerida até 15 de Julho.

Art. 6.° Os candidatos deverão apresentar, com os requerimentos, os documentos especificados nas alíneas do § 1.° do artigo 2.° da lei de 20 de Dezembro de 1912, podendo aqueles que não tiverem o diploma a que se refere a alínea c) apresentar o certificado que consta do § 2.° do mesmo artigo.

Art. 7.° Dentro dos dez dias úteis, que se seguirem ao prazo para a recepção dos requerimentos, os candidatos que satisfizerem aos requisitos indicados no artigo anterior serão submetidos à inspecção sanitária.

Art. 8.° Logo que termine a inspecção, começarão as provas do exame de admissão, as quais deverão terminar dentro de oito dias úteis.

Art. 9.° Na organização do júri, e sôbre o programa para êstes exames, observar--se há o disposto no artigo 4.° da citada lei de 20 de Dezembro último, continuando em vigor todas as disposições dessa lei e todas as do regulamento de 19 de Setembro de 1902, que não forem contrariadas por esta proposta.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrário. = O Ministro do Interior, Rodrigo José Rodrigues.

Foram concedidas a urgência e a dispensa do Regimento.

Foi aprovada a proposta de lei, sem discussão, na generalidade e na especialidade, com as emendas da comissão aos artigos 4.° e 8 °, que constam do respectivo parecer.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues):- Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi dispensada a última redacção.

Página 13

Sessão de 28 de Junho de 1913 13

O Sr. Jacinto Nunes: - O Sr. Ministro do Interior continua na sua obra de violência e de desordem administrativa.

Refiro-me á dissolução dos corpos administrativos, isto é, das comissões municipais administrativas.

Até aqui o Sr. Ministro guardava as aparências.

Agora pô-las de parte.

E o posso, quero e mando; é o regime do belo prazer!

Num decreto publicado ante-ontem, vejo que foi dissolvida a Comissão Municipal Administrativa de Felgueiras, presidida por um dos. homens mais sérios, mais respeitáveis e mais independentes desta casa, o Sr. Deputado João Brandão.

O decreto diz que não compareceram dois vogais por doença e que dois outros renunciaram aos seus lugares.

Um dos dois afianço que não renunciou, está nesta casa com uma licença por tempo indeterminado.

Não podia fazer-se a dissolução sem a sindicância.

Nenhuma lei autoriza o Sr. Ministro do Interior a fazer isto.

Porque foi que se não fez a sindicância?

O Sr. Ministro do Interior não pode dissolver nenhuma comissão sem uma prévia sindicância, e mesmo S. Exa. lá declarou que não dissolveria nenhuma comissão sem ter mandado fazer uma sindicância aos seus actos, e disse mais, que se conformaria sempre com o parecer da Procuradoria Geral da República.

Todavia eu devo dizer que para mim êsses pareceres não tem carácter imperativo.

S. Exa. pois não podia dissolver essa comissão.

Eu muito estimaria que S. Exa. citasse à Câmara a disposição duma lei, em que tal venha determinado.

A lei o que preceitua é o que já tenho dito, que nenhuma comissão pode ser dissolvida sem se ter feito uma sindicância aos seus actos.

Não houve sequer uma delicadeza para com o Sr. Deputado João Brandão que era presidente dessa comissão.

Eu talvez devesse anunciar uma interpelação sôbre o assunto; mas o tempo não chegaria para a poder realizar visto que o Parlamento está para ser encerrado em breve.

O que posso dizer, é que se, estando o Parlamento aberto, se dão êstes factos, quando nós podemos chamar o Sr. Ministro à barra, o que sucederá quando estiver encerrado o Parlamento!

Certamente não escapará nenhuma comissão!

Isto realmente está sendo um escândalo político, pois até sucede que um membro substituto da Comissão Administrativa de Lisboa aparece nomeado há três dias membro efectivo da Comissão Municipal Administrativa de Vila Nova de Ourem.

Êsse indivíduo estando recenseado em Lisboa não podia estar recenseado naquela vila.

Êste cavalheiro não podia estar recenseado por Vila Nova de Ourem, porque estava recenseado por Lisboa, e tanto que foi nomeado membro substituto da Comissão Municipal Administrativa de Lisboa.

Vejam que atropelo, que bandalheira política! (Apoiados).

Mais ainda

Fez-se uma sindicância à Comissão Municipal Administrativa de Pedrógão Grande, terra por que me interesso; porque é a terra da minha naturalidade.

O resultado dessa sindicância não podia ser mais honroso para aquela comissão.

O parecer da Procuradoria Geral da República foi favorável àquela comissão.

Agora mandou-se proceder a uma nova sindicância por exigências do Sr. Governador Civil de Leiria que quere que a comissão seja dissolvida.

Isto não pode consentir-se, porque representa um atentado contra as leis do país. (Apoiados).

Se o Sr. Ministro do Interior quere dissolver todas as comissões administrativas, dissolva-as, mas não continue com a comédia das sindicâncias.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues) : - Pedi a palavra para declarar ao Sr. Jacinto Nunes que a minha função, pelo que respeita às comissões administrativas municipais, tem-se limitado a chamas a atenção das autoridades administrativas

Página 14

14 Diário da Câmara dos Deputados

para todas as circulares relativas ao assunto, de forma que todos os processos de sindicância tenham os requisitos legais.

Mantenho os meus actos e as minhas afirmações, e S. Exa. acha que isto não é correcto!

No caso da Comissão Municipal de Felgueiras dou a minha palavra de honra de que não sabia que fizesse parte dessa comissão um Deputado, porque, nestas questões, abstraio-me de fazer política.

O Sr. Jacinto Nunes: - Se houvesse sindicância logo se sabia!

O Orador: - Devo, todavia, dizer que aquela comissão foi dissolvida em virtude do parecer da Procuradoria Geral da República, que diz que, quando essas comissões tenham falta de vogais efectivos, serão chamados os substitutos, e, se ainda continuar a ser insuficiente o número de vogais para que elas possam funcionar, essas comissões deverão ser dissolvidas.

O Sr. Jacinto Nunes: - Não há dissolução sem sindicância!

O Sr. Aresta Branco (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

Se é certo que o Sr. Ministro do Interior parece desejar que, na mesma igualdade, se colocassem todas as comissões que se dissolviam, certo é tambêm, e aceitando-lhe a lialdade das suas intenções, que os seus correligionários desmentiam essas afirmações.

Como explica o Sr. Ministro do Interior que, em Moura, autênticos conspiradores impusessem ao governador civil, monárquico de ontem, rancoroso perseguidor de republicanos, quatro administradores, sucessivamente para dissolver a comissão?

Os dois primeiros não se prestaram a esta torpe mistificação, e o terceiro oficiara à mesma comissão, louvando-a.

Mas apareceu, então, um quarto administrador, que se prestou a essa torpeza.

Quem manda nisso?

Sabe a Câmara quem é? Um conspirador, em casa de quem o penitenciário João de Almeida estivera na véspera da incursão couceirista.

Sabe tambêm o Sr. Ministro do Interior isso, que, como director da Penitenciária, fizera um inquérito a êsse penitenciário, e êle declara que, efectivamente, êsse penitenciário conferenciara com o reaccionário Paulo de Lacerda em sua casa, em Moura, e o Sr. Ministro do Interior escrevera um cartão a propósito dês-se inquérito, cartão que êle, orador, tem em seu poder, para fazer uso dele quando quiser, quando entender e quando achar oportuno.

Êsse Paulo de Lacerda, socialista filiado, sindicalista encapotado, a iludir uma e outra das classes trabalhadoras organizadas, reaccionário convicto, êsse Paulo de Lacerda, juiz substituto a condenar, a absolver como lhe apraz, porque o juiz efectivo não para em Moura, e êsse juiz, êsse tartufo republicano de fresca data. que tem imposto essa sindicância à Câmara de Moura, de que fazem parte correligionários do Sr. Ministro do Interior.

Como explica então o Sr. Ministro do Interior essa igualdade de procedimento, se êsse procedimento é violentamente arbitrário, perseguidor, cheio de ódio e de rancor, dêsse rancor próprio de quem o teve e o usou sempre a perseguir, a esmagar, a difamar, com a impunidade dos irresponsáveis protegidos pelo poder, os republicanos que se sacrificaram e que fizeram a República, para ver gozada e emporcalhada por quem devia apenas merecer o nosso mais intenso, e mais vigoroso desprezo?

O Orador: - S. Exa. faz-me a justiça de compreender que eu estou a falar com a maior lialdade. Apelo tambêm para a lialdade de S. Exa.

Eu pregunto a V. Exas. se julgam possível que eu tenha conhecimento de todas essas particularidades da política regional?

Afianço a V. Exa. que não tenho conhecimento!

V. Exas., com a Câmara aberta, é que podiam chamar a minha atenção para eu providenciar!

O Sr. Aresta Branco: - A nossa situação tem sido desgraçada!

O Orador: - Eu estou alheio a todas as tricas políticas da província! Não posso adivinhar!

Página 15

Sessão de 28 de Junho de 1913 15

O Sr. Aresta Branco: - Há dez dias que pedi uma cópia da sindicância, e nada!

O Orador: - Também o Sr. Deputado Jorge Nunes declara que pediu uma cópia pelo Ministério do Interior, e na repartição afirmam que tal pedido não chegou lá.

Terminando: - o Govêrno, na dissolução dos corpos administrativos, não obedece a influências locais de qualquer ordem, porque é sobretudo um escrupuloso observador da lei.

Quanto à sindicância da Camará de Pedrogão, a Procuradoria Geral da República entendeu que essa sindicância não tinha sido feita em termos, e, por isso, foi instaurada uma nova sindicância.

S. Exa. não reviu.

O Sr. António Granjo: - Requeiro a generalização do debate.

O Sr. Nunes Godinho: - Peço a palavra para um negócio urgente. Isto é mais importante do que tratar de política!

Sr. Presidente: peço a palavra para um negócio urgente!

O Sr. António Granjo: - Então o meu requerimento não se vota?

O Sr. Fernando Macedo: - Sr. Presidente, peço a V. Exa. o obséquio de me dizer se já tinha anunciado que se ia passar á ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Não senhor. Vou consultar a Câmara sôbre se permite que se generalize o debate com respeito ao assunto versado pelo Sr. Jacinto Nunes.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado António Granjo.

O Sr. Domingos Leite Pereira: - Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contra-prova, dando a votação o mesmo resultado.

O Sr. Lopes da Silva: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que o assunto em discussão não prejudique a ordem do dia e que, sendo necessário, a sessão hoje seja prorrogada até se terminar a ordem do dia. = Lopes da Silva.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado Lopes da Silva.

O Sr. António Granjo: - Sr. Presidente: as palavras do Sr. Jacinto Nunes, velho lutador pelos princípios liberais, vem mostrar a razão dêste debate.

Não se trata da dissolução duma ou doutra comissão administrativa, mas da situação deprimente em que se encontram antigos republicanos, em muitos concelhos do país perante antigos monárquicos, que aderiram à República, Simplesmente para ocuparem os postos de destaque e vexarem os republicanos de sempre, que estão de lado.

Em Chaves, a Comissão Municipal Republicana, composta de antigos republicanos, foi dissolvida, sendo substituída por monárquicos, alguns com um triste passado. E são êstes monárquicos que preponderam nesse e noutros concelhos do seu distrito, vexando os republicanos, ameaçando os, pondo até em perigo a sua vida a ponto dos republicanos, envergonhados, desejarem recolher aos seus negócios, dizendo que abandonam a política, visto o rumo que as cousas estão tomando.

No meu distrito muitos monárquicos aderiram à República, no mesmo intuito do padre Domingos, de Cabeceiras de Basto: - para a atraiçoarem melhor. E o partido que assim procede é exactamente aquele que acusava os correligionários por fazerem política de atração, a que chamavam de traição. Pois são êstes que vexam antigos republicanos com largos anos de serviço à causa da República, e que nunca furam outra cousa senão republicanos. Republicanos que se bateram pela República por ocasião das incursões, e que antes de 5 de Outubro não eram outra cousa, estão desanimados e dizem que a única resolução que tem é abandonaram a política, indo, simplesmente, tratar dos seus negócios, e dando por mal empregado o tempo que perderam na defesa da República.

É por isto, Sr. Presidente, que tenho a honra de mandar para a mesa uma moção de desconfiança ao Sr. Ministro do Interior, porque as suas declarações não podem, de forma alguma, satisfazer quem quer que seja.

Página 16

16 Diário da Câmara dos Deputados

Mando para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara, não satisfeita cora a declaração do Sr. Ministro do Interior, passa à ordem do dia. = António Granja.

Foi admitida.

O Sr. Jacinto Nunes : - Sr. Presidente: se levantei a questão da dissolução das corporações administrativas, não o fiz para acusar o Govêrno, mas sim o Sr. governador civil de Leiria, porque tinha dissolvido, sem prévia sindicância, a Comissão Municipal Administrativa de Alvaiázere para introduzir nela elementos monárquicos.

O actual Sr. governador civil de Leiria declarou que havia de dissolver, custasse o que custasse, tanto a Comissão Administrativa Municipal de Felgueiras, como as de Pedrógão Grande e Alvaiázere.

Requereu-se a sindicância e procedeu se a ela. A Comissão Municipal de Pedrógào respondeu triunfantemente aos quesitos da sindicância. A resposta da comissão foi fulminante e o parecer da Procuradoria Geral da República não podia ser mais lisonjeiro para essa comissão.

Qual era o dever do Sr. Ministro do Interior perante o parecer da Procuradoria Geral da República? Manter o statu que; mas como o Sr. governador civil exigia a dissolução da Comissão Administrativa Municipal de Pedrógão, fez-se uma nova sindicância!

Há um facto que compromete gravemente a situação.

A câmara demitiu, e muito bem, o médico que, por um acto de misericórdia, foi atendido pela junta dos partidos médicos municipais, de cujo acórdão já foi interposto recurso.

Se não fôsse a demissão dada a êsse funcionário do município, naturalmente não se fazia a segunda sindicância; mas no facto da demissão não pôde encontrar motivo, absolutamente nenhum, para ordenar uma nova sindicância.

Mas isto não acaba.

Um tal Sr. Ferreira Martins, se não estou em equívoco, foi nomeado membro substituto da Comissão Municipal Administrativa de Lisboa, presidida por um ilustre oficial do exército, que de modo algum podia fazer parte dessa Comissão, por ser inelegível, visto estar em efectivo serviço. Aquele cavalheiro foi nomeado há três dias membro efectivo da Comissão Municipal de Ourem. É certo que êle pediu já a sua renúncia de substituto da Comissão Administrativa de Lisboa.

Mas pregunto: Se êle estava recenseado em Lisboa, como podia tambêm estar recenseado em Ourem?

Tudo isto parece mais que brincadeira, parece bandalheira!

O Código é expresso. Nenhuma comissão municipal administrativa ou paroquial pode ser dissolvida sem prévia sindicância.

A Comissão Municipal Administrativa de Felgueiras era presidida por um dos homens mais dignos, mais honrados, mais independentes, que não tem cor política: o Sr. João Brandão! Pois nem ao menos tiveram para com êste homem a delicadeza do o prevenirem!

Faço, no emtanto, a devida justiça ao Sr. Ministro do Interior quando declara que está alheio às politiquices provincianas.

Se não tivermos as liberdades locais não teremos autonomia alguma.

O que é preciso é acabar, por uma vez, com o arbítrio e fazer o Govêrno entrar dentro da lei. Primeiro, porque se trata dos interesses mais vitais do país, porque se trata de interesses locais; segundo, porque o Govêrno não deve ter ingerência nos negócios locais.

Em todo o caso, eu espero, e espera a Câmara, - visto que a questão assumiu estas proporções, e a imprensa dirá, amanhã, a importância que ela assumiu; - eu espero, e espera a Câmara, repito, que o Sr. Ministro do Interior me dará uma resposta satisfatória, ou ouça os seus colegas do Ministério, para não haver qualquer divergência. Porque S. Exa. disse, aqui há pouco, que, em caso algum, daria despacho sem ouvir a Procuradoria Geral da República. Ouça-a tambêm com relação à Comissão Municipal de Setúbal.

O que e preciso é que S. Exa. nos diga isso.

A Comissão Municipal Administrativa de Odemira já foram feitas duas sindicâncias; agora vai ser feita terceira; e, se essa ainda não correr desfavorável, serão feitas tantas quantas as precisas, para se fazer a vontade do governador civil.

Página 17

Sessão de 28 de Junho de 1913 17

Mando para a mesa a minha

Moção

A Câmara, ouvidas as explicações do Govêrno, espera que êle se conforme sempre com a lei no uso que faça da faculdade de dissolução dos corpos administrativos. = Jacinto Nunes.

Foi admitida.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Correia Herédia: - Em harmonia com os preceitos regimentais, vou mandar para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara está satisfeita com as explicações do Govêrno e confiada em que a lei de descentralização administrativa, que vai entrar em vigor, dará ao mesmo tempo a necessária autonomia e responsabilidade aos organismos administrativos locais. = Ribeira Brava.

Foi admitida.

Sr. Presidente: quando o Govêrno está empenhado no ressurgimento do país, quando o Sr. Presidente do Ministério procura levantar as finanças públicas, e num trabalho insano consegue quási equilibrar o Orçamento, vem levantar se uma questão política!

E admira-me que o faça um velho republicano, de imensa autoridade entre todos, o Sr. Jacinto Nunes.

O Sr. Jacinto Nunes (interrompendo) :- Quem anda aqui sempre a tratar dos interesses da Madeira não tem direito a querer impedir que os outros tratem dos interesses dos municípios do país.

O Orador: - V. Exa. interpretou mal as minhas palavras.

Sempre prestei justiça à sinceridade do Sr. Jacinto Nunes; mas desta vez devo dizer que não tem razão alguma.

O Sr. Ministro do Interior deu explicações claras e terminantes de que a norma que adopta em relação aos corpos administrativos é que consultará a Procuradoria Geral da República sempre que tenha que dissolver qualquer corporação administrativa, e depois de feita a respectiva sindicância.

Não posso pois deixar de me admirar que pessoas de autoridade, como o Sr. Aresta Branco, venham ao Parlamento acusar o Govêrno sem motivo.

O Sr. Aresta Branco (interrompendo):- E não disse tudo.

O Sr. Ministro do Interior sabe-o perfeitamente, - até por pessoas mais competentes do que eu.

Estão-se fazendo perseguições políticas.

O Orador:-Não sei se se estrio fazendo essas perseguições; mas se se fazem, o Sr. Aresta Branco levante a sua voz e diga tudo.

Sem querer dar conselhos, melhor andaria o Sr. Aresta Branco se, quando tivesse conhecimento dessas irregularidades, viesse ao seio do Parlamento dar conta delas ao Govêrno, para que êle providenciasse como entendesse.

O Sr. Aresta Branco: - Não me chame V. Exa. para êsse campo; tenho dado há muito tempo conhecimento.

Se me chamam, direi tudo.

O Orador: - Eu não chamo, nem deixo de chamar V. Exa. para qualquer campo. Eu entendo, como toda a Câmara que se há alguém que delinquíu, a obrigação de V. Exa. é vir aqui denunciá-lo.

O Sr. Aresta Branco: - O Sr. Ministro do Interior sabe o há muito tempo e sabe-o por pessoa competente, com mais autoridade do que eu, como já disse.

O Orador: - Autoridades tem na de sobejo V. Exa.

O que lamento é que V. Exa. venha aqui dizer que o não chamem para determinado campo, porque o campo onde V. Exa. deve estar quando tem conhecimento de factos delituosos praticados por qualquer autoridade, é vir aqui denunciá-los.

Eu chamo a V. Exa. para êsse campo e provoco-o a que diga tudo quanto sabe sôbre o assunto, porque eu estou certíssimo de que o Govêrno não se arreceia e daquilo que sabe providênceia, mas daquilo que não sabe, não pode providenciar.

Sr. Presidente: eu não quero fazer obstrucionismo, e termino dizendo a V. Exa., Sr. Aresta Branco, que folgo muitíssimo que V. Exa. formule as suas acusações

Página 18

18 Diário da Câmara dos Deputados

claras, para que o Govêrno resolva como de justiça.

S. Exa. não reviu.

O Sr. João Gonçalves:-Protesto contra a forma como estão correndo as sindicâncias em Alenquer. Os sindicados, que faziam parte da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade da Merceana, não foram ouvidos, e na sindicância à Câmara Municipal estão sendo chamados a depor aqueles que a mesma corporação teve de demitir em seguida à revolução de 5 de Outubro de 1910.

Quem dirige a política de Alenquer são actualmente aqueles que mais perseguiram os republicanos, tendo o partido democrático recrutado para as suas fileiras aqueles que a monarquia já rejeitara como obra avariada.

Ante tal conduta, os velhos republicanos choram de raiva a situação vexatória em que os lançou; e os homens de bom nome, que à monarquia pertenciam, e aqueles que viviam no tempo desta, alheados da política, continuam num desolador e terrível retraimento.

Urge que nos importemos pela moralidade, pela Pátria; é essa política que ali defende e todos devemos perfilhar, seja contra quem for.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues) (interrompendo): - Essas comissões foram dissolvidas sem ser ouvida a Procuradoria da República, porque nessa data ainda não estava em vigor uma portaria que regulava êste recurso.

O Orador: - Então V. Exa. considera regular que uma comissão seja sindicada e não seja ouvida?

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues): - Mas ela foi ouvida.

O Orador: - Segundo um telegrama que recebi há dias, não foi ouvida, e as pessoas que firmam êsse telegrama são tam sérias que não é lícito duvidar do que afirmam.

Convido, por isso, V. Exa. a que averigúe do caso e proceda conforme mandam as disposições em vigor.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues):-Afirmo a V. Exa. que se não foram ouvidas o vão ser. O Govêrno só cumpre a lei.

O Sr. João Brandão: - É com grande contrariedade que entra na questão, pois nunca se preocupou com a política sectarista e oficiosa, que toda a sua vida pública tem procurado afastar de si, e porque questões desta natureza trazem quási sempre uma feição pessoal que muito lhe repugna provocar ou admitir.

Todavia, depois do que se passou a respeito da dissolução da comissão administrativa municipal do seu concelho, julgava-se na obrigação de dar sucintas explicações à Câmara.

Agradece ao distinto parlamentar e austero republicano. Jacinto Nunes, a sua atitude, que constituía, para todos os que o ouviam, mais uma prova a juntar ás muitas com que tem sabido conquistar a simpatia e o respeito da Câmara, para êle, individualmente, representavam uma atenção que, embora imerecida, muito o penhorava.

Entende que a dissolução, embora, como diz o Sr. Ministro do Interior, feita de acôrdo com o parecer da Procuradoria da República, não foi legal, visto a falta de prévia sindicância.

É certo terem pedido a demissão alguns vereadores, não sabe quantos, nem isso o interessa primacialmente.

O que sobretudo é triste e lamentável é o motivo que levou alguns dos mais antigos e dedicados republicanos do seu concelho a abandonarem as cadeiras municipais que souberam ocupar com honra.

Para isso concorrem, sem dúvida, principalmente, a escolha que se fez, para administrador, dum cidadão que nunca fora republicano e antes se manifestara contra a República, já depois dela implantada, chegando mesmo a dizer-se e escrever-se publicamente, sem desmentido, que tivera entendimento com os conspiradores de 30 de Setembro de 1911, sendo, alêm disso, secretário aposentado da Câmara. Pois êsse indivíduo foi nomeado para substituir um antigo republicano, nomeado administrador pelo Govêrno Provisório, pertencente ao partido democrático, mas, pelos vistos, menos conveniente à política caciqueira de votos.

Página 19

Sessão de 28 de Junho de 1913 19

Esta foi a causa fundamental, embora imediata, daqueles honrados republicanos que, com tal nomeação, se sentiram profundamente vexados na sua dignidade republicana, como qualquer dos que o ouviam, no lugar daqueles, se sentiria tambêm.

Pelo que lhe dizia respeito, não se sentia melindrado nem surpreendido com a dissolução, pois já como republicano, já como presidente da comissão dissolvida, não tinha praticado actos de que devesse arrepender se, desafiando quem quer que seja, desde o Sr. Ministro até o mais ínfimo galopim soi-disant democrático da sua terra, apontar-lhe qualquer facto deprimente da sua fé republicana ou do seu procedimento como presidente do município.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Matos Cid: - Não quero, Sr. Presidente, de forma alguma, tornar irritante, ferindo a nota política, o debate que se travou hoje nesta Câmara.

Parece-me, porêm, que posso socegar os vários cavalheiros que hoje se tem mostrado indignados contra a dissolução das comissões administrativas.

Segundo as disposições do Código Administrativo, já aprovadas no Congresso, os corpos administrativos só podem ser dissolvidos pelo Tribunal Administrativo nos casos que determina o mesmo Código.

Como esta parte do projecto já não pode ser objecto de discussão na sessão conjunta das duas Câmaras, porque não há qualquer divergência entre o texto votado na Câmara dos Deputados e no Senado, e como as comissões administrativas correspondem ás câmaras municipais, peço ao Sr. Ministro do Interior que, quando tiver de dissolver estas ou outras corporações administrativas, se cinja às disposições do Código Administrativo, já aprovado no Congresso, em vez de consultar a Procuradoria Geral da República.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Tiago Sales: - Há dias que vem pedindo a presença do Sr. Ministro da Justiça para tratar duma reclamação recebida da Câmara da Lourinhã e assinada pelo seu presidente, no telegrama seguinte:

"Câmara minha presidência roga V. Exa. inste junto Ministro Justiça providências sentido acabar secretário câmara funções registo civil desempenha há mais seis meses oposição espírito lei, apesar de ter havido quem tenha requerido nomeação em harmonia com a lei. Tal acumulação prejudica serviços camarários. Câmara paga secretário por fazer seu serviço e não outro alheio".

Trata se dum favoritismo feito à custa da câmara municipal reclamante e da lei, que, dizendo ser o secretário da câmara o substituto do oficial do registo civil, na sua ausência, facilmente se compreende que se refere a ausência de pouca demora.

O mais curioso é que êste favoritismo é feito a um antigo aventureiro político que, umas vezes ao serviço de progressistas, outras de regeneradores, para a política, ainda pouco tempo antes da Revolução fazia parte duma comissão eleiçoeira que não se cansou de corromper com dinheiro do Estado

Pouco depois de proclamada a República, o católico fez se ateu, fez-se radical, e aí está a receber o benefício desejado.

Lamentável é que, a dois anos e meio da Revolução, se esteja ferindo a moral administrativa para lisongear ex-políticos monárquicos, que mais uma vez demonstram ser, em geral, incapazes de se regenerar. Tudo o que havia na monarquia de menos escrupuloso e mais roído de pequenas ambições, filiou-se já esperando receber a paga de seus serviços, chamados políticos, como desavergonhadas messalinas.

Não se enganou que êstes lastimáveis factos se dariam sem demora, o que não pode deixar de provocar reacção de todos os desinteressados republicanos.

Outro facto conhece, passado tambêm nos domínios do registo civil e do seu círculo, que provocou ainda escândalo maior, pela extraordinária e incompreensível protecção dispensada a um oficial do registo, acusado, numa sindicância, de ter falsificado as assinaturas, feito registos sem selos e trocado idades de menores, fazendo-os maiores, é claro, para ficar com os selos de licença. Pois êste funcionário não só não foi relaxado ao Poder Judicial, co-

Página 20

20 Diário da Câmara dos Deputados

mo nem sequer foi demitido, limitando se o castigo a transferi-lo para um concelho talvez, de maior rendimento, perto de Lisboa, Seixal. Como explicar tambêm êste facto? Só encontra explicação no facto de se ter filiado.

E isto que lastima, pelo desprestígio que êstes favoritismos trazem à República, sendo necessário que se castigue quem prevarique.

Confia que o Sr. Ministro da Justiça tenha pulso para pôr termo, de vez, dentro do seu Ministério, a esta excessiva tendência política que, longe de servir a República a desprestigia. No uso dum direito e dum dever, torna público êstes factos, não só para que se corrigisse como para que se não repitam.

Faz toda a justiça ao carácter do Sr. Ministro da Justiça. Crê bem, pois, que de modo algum consentirá que o seu Ministério se transforme numa baixa agência de caciquismo eleitoral e em instrumento passivo de instantes e pequeninos ódios pessoais, como o caso de Torres Vedras, já tratado.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro da Justiça (Álvaro de Castro): - Não tive o prazer de ouvir o princípio das considerações feitas pelo Sr. Deputado Tiago Sales; mas prometo providenciar no sentido das reclamações formuladas.

Desconhecia os factos a que S. Exa. se referiu.

Chamarei a mim a sindicância e procederei como exige a moralidade da República.

Com respeito ao secretário da câmara não sei que alguém tenha reclamado a nomeação em harmonia com a lei.

O Sr. Tiago Sales: - Sim, senhor, até já foi nomeado um bacharel cuja nomeação se anulou depois.

Há alêm disso, outro requerente, segundo me informam.

O Orador: - Averiguarei igualmente, e creiam todos que não tenho em mim senão o cumprir o meu dever sem interesses políticos.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues):- Restringi a minha resposta de há pouco aos casos concretos para que tinham chamado a minha atenção.

Devo observar que as normas seguidas nas dissoluções dos corpos administrativos tem sido as que já indiquei.

Procede se primeiro às sindicâncias e depois é ouvida a Procuradoria Geral da República. Conforme o seu parecer, assim se procede no Ministério do Interior.

À Comissão Administrativa de Pedrógão foi dissolvida em virtude da sindicância, e a de Felgueiras foi por ter pedido a demissão, não conhecendo eu os factos locais que se deram e aos quais se referiu o Sr. João Brandão.

Outras dissoluções de corpos administrativos houve em que se não seguiram êstes trâmites, devido ao facto dessas dissoluções se terem efectuado antes da resolução tomada, na Câmara, de ouvir a Procuradoria Geral da República, depois de se fazer a respectiva sindicância.

Afirmo à Câmara que nunca fiz política com a dissolução dos corpos administrativos, procurando sempre proceder em harmonia com as disposições da lei. Os pareceres da Procuradoria Geral da República tem sido o meu guia. Por êles tenho norteado os meus actos, seguro de que me escudo em boa doutrina e na autoridade duma corporação judicial, pela qual tenho a maior consideração.

O Govêrno tem zelado sem desfalecimentos todas as regalias e liberdades locais.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Casimiro Rodrigues de Sá: - Diz que o Sr. Ministro do Interior, expondo, como pôde, as razões que teve para dissolver vários corpos administrativos, explicou que a. Câmara de Felgueiras fora substituída por haver pedido a sua demissão, em vista da sua incompatibilidade com o administrador do concelho.

Efectivamente, as câmaras, cuja vida deve ter assegurada uma desafogada independência e desembaraçado o seu funcionamento, são prejudicadas pela qualidade das pessoas que, em alguns concelhos, exercem o cargo de administradores.

Isto sucede nomeadamente em dois concelhos do seu distrito: Ponte da Barca e Arcos de Valdevez.

Em ambos aqueles concelhos são admi-

Página 21

Sessão de 28 de Junho de 1913 21

nistradores os médicos municipais locais, o que é uma manifesta ilegalidade, que importa a pena imediata da perda dos lugares de facultativos das respectivas câmaras. O Sr. Ministro do Interior reconheceu ali esta ilegalidade e prometeu providenciar, mas não o fez até hoje.

O administrador do primeiro daqueles concelhos, apenas assumiu o lugar promoveu a dissolução da câmara respectiva; o do segundo, sendo médico dum partido rural, vive na sede do concelho, abandonando assim o local da sua residência obrigatória.

Uma câmara foi sacrificada aos arbítrios dum empregado seu, que o Govêrno tornou seu superintentente, porque o fez administrador do concelho; a outra, pelo mesmo motivo, não pode cumprir a sua obrigação de compelir um outro empregado seu de igual categoria a cumprir tambêm o seu dever.

Alem duma manifesta ilegalidade, é tambêm, portanto, uma grave inconveniência e um perigo muito grande para o regular funcionamento da vida dos municípios.

Emfim, conclui, constitui um êrro e um insustentável inconveniente a nomeação, não só de médicos municipais, mas ainda de funcionários que percebem vencimentos pelos cofres das câmaras, tratando-se dos concelhos em que são empregados administrativos, quer das câmaras, quer das administrações de concelho.

Neste sentido manda para a mesa a seguinte

Moção

A Câmara, para garantia dos corpos administrativos, quer nas suas legítimas atribuições e direitos, quer no seu regular e desembaraçado funcionamento, lembra o estrito cumprimento das leis que proíbem que as nomeações de administradores de concelho recaiam em facultativos municipais e a necessidade de serem substituídos os facultativos que estejam a exercer êsses cargos, manifestando a inconveniência de que sejam ou estejam os administradores de concelho entregues a empregados que percebem pelos cofres dos mesmos municípios em cujas terras saio administradores e passa à ordem do dia. = Casimira Rodrigues de Sá.

Foi admitida.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Ministro do Interior (Rodrigo Rodrigues) : - Sempre que tenho conhecimento da irregularidade a que se referiu o Sr. Casimiro de Sá, obsto a ela, como sucedeu no concelho de Paços de Ferreira, em que, sendo administrador do concelho o velho republicano Sr. Dr. Leão Meireles, médico municipal e figura de destaque, lhe escrevi dizendo que tinha de optar por um dos lugares.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sr. Presidente: não pude assistir, como seria meu desejo, ao início desta discussão. Sei, porêm, que se encontram sôbre a mesa diversas moç3es: uma, de desconfiança ao Sr. Ministro do Interior, apresentada pelo Sr. Deputado António Granjo, e outras, apresentadas pelos Srs. Deputados Jacinto Nunes e Rodrigues de Sá, chamando o Govêrno ao estrito cumprimento dos seus deveres, donde se pressupõe que dêsse cumprimento êle se tem desviado. Escusado seria fazer a declaração de que o Govêrno não aceita nenhuma destas moções. Aceita, todavia, a moção que o Sr. Deputado Correia Herédia mandou para a mesa.

Compreende-se que, estando a Câmara prorrogada apenas até depois de amanhã, 30 de Junho, e devendo ultimar-se a votação do Orçamento Geral do Estado, de presumir é que estejamos no final da nossa sessão legislativa. Foi, portanto, com grande surpresa que eu vi transformar-se uma pregunta inicialmente feita pelo Sr. Deputado Jacinto Nunes, sôbre dissolução de corpos administrativos, numa questão política.

Não me contrariou, porêm, êsse facto, porque o Govêrno, em todas as circunstâncias, precisa de saber a atitude do Parlamento para com êle, e tanto mais agora, que se vai entrar no período inter-parlamentar, que pode ter uma duração de cinco meses, se não houver razão e motivo público para uma convocação extraordinária.

O Govêrno, para governar, tem a Constituição e as leis, e do exacto cumprimento destas não se afastará, mas precisa, tambêm, saber qual a orientação política do

Página 22

22 Diário da Câmara dos Deputados

Parlamento para o cumprimento do seu de ver de interpretar e executar as leis e a Constituição.

O Governo não pode sair daqui diminuído na confiança que o Parlamento nele tem; se tem essa confiança, precisa de o declarar por forma bem expressa, sem reticências, e, se a não tem, precisa igualmente de o dizer, a bem do país e do Parlamento. Situações indecisas não as aceitamos.

Sendo o papel do Parlamento o fiscal da execução das leis e da Constituição, e o do Presidente da República o de se orientar nas suas resoluções pelas indicações do Parlamento. O Govêrno precisa, no mo mento presente, não ter nenhumas dúvidas sôbre a orientação do Parlamento.

A questão que se levantou, em si, não vale nada, e isso porque o Govêrno adoptou desde o começo providências, que ninguêm lhe impôs, que a própria Câmara lhe não solicitou e que as leis não estatuíram, que se consideraram boas para defesa da autonomia dos corpos administrativos e dos bons princípios de moral política, como seja o de ouvir todas as corporações sindicadas antes de se publicar o decreto da sua dissolução.

Se quisermos comparar o procedimento dêste Govêrno com os anteriores, que tinham a confiança de toda a Câmara, pois eram saídos da concentração, e sem ofensa, injúria ou ataque a ninguêm, êste Govêrno tinha o direito de dizer que, em matéria de respeito pelo que pode chamar-se liberdades locais, tinha ido alem do que julgara ir o Govêrno anterior, que era presidido por um homem que não estava dominado por nenhuma paixão política.

Posta a questão nestes termos, não pode haver receios de que o Govêrno saiba defender cora firmeza todas as franquias locais. E, devo dizê-lo. quanto mais se extremar a acção do Govêrno perante os corpos administrativos, tanto melhor para o Govêrno.

Estou certo de que a transição, que se vai operar, do regime centralizador para o de quási absoluta autonomia, há-de trazer algumas dificuldades, mas confio no bom senso e no patriotismo de todos os republicanos de 'que hão de nas localidades fazer com que se arrede por completo a política, seguindo-se assim o exemplo da Inglaterra onde a administração local é absolutamente estranha á política. Se seguir esta orientação, se se levar para as províncias o espírito de se fazer dentro das localidades simplesmente administração e se se deixar a discussão dos grandes problemas que dividem os partidos simplesmente para o Parlamento, estou convencido de que se terá prestado um grande serviço ao país e á República.

Apelo para todos, para que colaborem comigo nesse sentido.

Se tem havido severidade para com aqueles que não cumprem o seu dever, é porque a lei a isso obriga; mas, posso afirmá-lo, isso tem-se feito sem olhar à política que tem.

Eu não tenho tido conhecimento algum das dissoluções que se tem feito de corporações administrativas, nem precisava de o ter, porque sei bem como tem sido aplicada a lei. Todavia, por acaso, chegou ao meu conhecimento a insistência com que alguns correligionários meus de Setúbal pediam a dissolução da Câmara e soube que foram baldados todos os esforços que empregaram, o que não me admirou, porque sei que as normas seguidas pelo Sr. Ministro do Interior eram inflexíveis, fôsse para quem fôsse.

Nas localidades há, por vezes, homens apaixonados que tomam uma atitude mais agressiva, mas o Govêrno tem dado pró vás da mais absoluta serenidade e do maior respeito pelas leis perante o desencadear dessas paixões.

O Govêrno tem sido, desde 10 de Janeiro atacado, com frenesi, sobretudo na mprensa da oposição; mas nem por isso eu tenho querido acirrar as paixões políticas, aceitando debates, de que, de resto me seria fácil sair vencedor.

Dadas estas explicações, vote a Câmara como quiser.

Não pensava, é certo, que depois de seis meses de um trabalho insano, depois de um esforço enorme de administração, me tivesse de encontrar num terreno de magna, aproveitando se para isso, um simples grão de areia, mas assim o quiseram, assim é. Ver-se há contra quem vai a areia, se contra o Govêrno; se contra os que dela se quiserem aproveitar.

O que eu simplesmente desejo saber é

Página 23

Sessão de 28 de Junho de 1913 23

qual a situação era que fiquei perante o Parlamento.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: votei a generalização do debate requerida pelo Sr. António Granjo por me parecer que daí poderiam resultar explicações que não serião sem vantagem para os Srs. Deputados, para a República e para o país.

Disse o Sr. Presidente do Ministério, que indo entrar-se no interregno parlamentar desejava saber se tinha, não a confiança do país, porque êsse ainda não deu nenhuma manifestação que lha retirava, mas do Parlamento, que até agora tem colaborado com o Govêrno com a maior lialdade e a maior dedicação pelos interesses do país.

Entende S. Exa. que é necessário que o. Govêrno fique certo de que o Parlamento, ao adiar os seus trabalhos, não lhe retirava a sua confiança.

Realmente seria detestável que não lhe reiterássemos a confiança que temos de que procederá em conformidade com as leis em relação aos corpos administrativos.

Ainda, há pouco, eu disse, interrompendo o Sr. Jacinto Nunes, que os Governos tem obrigação de proceder sempre em harmonia com a lei, e que se os Governos não procedem assim, as atropelam, não há outro meio de os chamar á obediência senão a violência. Esta é e foi sempre a minha opinião.

Os Governos, devo repetir à Câmara, tem obrigação de amoldar sempre o seu procedimento á lei e, quando assim não fazem, o povo tem a defesa legítima das suas garantias na revolução. E porque assim sempre entendi, que fui revolucionário e no dia em que tivesse de entrar era revolta contra a tirania dos actos de um governo, falo hia, e talvez não o dissesse.

Sr. Presidente: foi levantada a questão pelo Sr. Jacinto Nunes a propósito duma corporação administrativa de Felgueiras, e incidentalmente a propósito da de Pedrógão. Sôbre êsse caso particular deu explicações, o Sr. Ministro do Interior e foi sob a impressão dessas explicações que o Sr. Correia Herédia formulou a sua moção. Estava muito bem para o momento em que S. Exa. o fez; mas a questão não é neste momento a que era então.

Está nitidamente posta pelo Sr. Presidente do Ministério. Não se trata de explicar o caso singular de Felgueiras ou de Pedrógão Trata-se duma questão mais geral. E exactamente por isso é que o Sr. Presidente do Ministério interveio no debate, porque sem isso S. Exa. o teria deixado à conta do Sr. Ministro do Interior. Por conseguinte a moção do Sr. Correia Herédia, que podia servir-se o debate tem ficado por essa altura, exige alguma cousa mais neste momento, que é o voto da Câmara, e o Sr. Presidente do Ministério o disse e a cousa é precisamente como S. Exa. disse; ou o parlamento demonstra a sua confiança no Govêrno e o Govêrno fica, ou o parlamento significa de qualquer modo que essa confiança não a merece o Govêrno e êste vai-se embora.

Pela minha parte, se ao iniciar-se o interregno parlamentar eu sentisse, ou tivesse motivo hoje, ao cabo de seis meses, de Govêrno da presidência do Sr. Afonso Costa, para lhe não reiterar a minha confiança como no princípio lha afirmei, eu não teria hesitação nenhuma. A minha moção seria de clara desconfiança, porque não podia deixar estar um governo em que não confiasse plenamente, sem a fiscalização durante meio ano, seria absurdo e disparatado. Por isso eu formulei a seguinte

Moção

A Câmara, ouvidas as explicações do Sr. Presidente do Ministério, reitera a sua confiança no Govêrno e passa á ordem do dia. = Brito Camacho.

Foi admitida.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Aceito a moção que o Sr. Brito Camacho mandou para a mesa. Essa moção, se é efectivamente uma prova de confiança, é tambêm um título de responsabilidade, - e eu gosto de a assumir completa.

Disso S. Exa. que os Governos tem de governar dentro das leis e da Constituição, e que, se assim não fizerem, ao povo cabe o direito de resistência por meios violentos. É êsse um direito garantido pela Constituição.

Ao separar-nos nesta sessão, vamos to-

Página 24

24 Diário da Câmara dos Deputados

dos daqui com a certeza de que o Govêrno se manterá sempre dentro das leis, e que dentro das leis se manterão tambêm todos, porque é igualmente um dever do Govêrno fazê-las respeitar e acatar.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Casimiro de Sá: - O Sr. Presidente do Ministério afirmou o maior rés peito pela Constituição e pelas leis, e referindo-se a sua moção a dois factos concretos, sôbre os quais o Sr Ministro do Interior respondeu que, se averiguasse que se passaram como êle, orador, disse, teria de proceder; admira-se que S. Exa. declarasse que não aceitava a sua moção, que não tinha carácter político, e apenas afirmava o respeito pelo cumprimento da lei.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa):-Devo observar ao Sr. Deputado Casimiro de Sá que o Govêrno não aceita a sua moção porque a considera desnecessária.

Todos os factos que chegaram ao conhecimento do Sr. Ministro do Interior tiveram imediata sanção e agora tomei nota dos factos que S. Exa. citou.

Não é preciso mais nada.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Júlio Martins:-Sr. Presidente: não fazia tenção de entrar neste debate, mas desde que o Sr. Presidente do Ministério veio pôr a questão política coma moção de confiança, inscrevi-me logo para fazer algumas considerações ao Govêrno.

O ilustre chefe do partido evolucionista falará em nome da oposição parlamentar, que apoiará as declarações de S. Exa., com todo o entusiasmo e com toda a solidariedade.

Ao Sr Afonso Costa direi que no Govêrno da sua presidência se deram casos muito graves, como o de 27 de Abril, que ainda até hoje não teve uma explicação satisfatória.

Eu mandei há muito uma nota de interpelação ao Govêrno, sôbre o transporte e julgamento de presos políticos nos Açores, procedimento que absolutamente reprovo porque e colocar êsses homens num estado de defesa incompleta, longe do meio em que se deram os acontecimentos.

O Sr. Afonso Costa não tem querido, até hoje, aceitar o debate sôbre o assunto e melhor seria que o tivesse feito.

O Govêrno tem perseguido acintosamente a imprensa e sôbre o facto ainda não deu à Câmara categóricas explicações.

O Govêrno tem dissolvido associações, e a Câmara não sabe em que se teni fundado para proceder de tal forma.

Tomei conta das declarações do Sr. Afonso Costa sôbre o movimento eleitoral a que se vai proceder, esperando que o Govêrno não sairá fora da lei, e saberá respeitar as correntes de opinião pública que vão manifestar-se.

Nelas se deve inspirar o Govêrno, que tantos atropelos realizou já, escudando-se sempre o Sr. Presidente do Ministério em que não é oportuno tratar dêstes assuntos.

O Parlamento vai fechar, e como eu entendo que o Govêrno do Sr. Afonso Costa não traduz neste momento as aspirações da República, eu exporei publicamente o que penso da situação, combatendo lá fora êste Ministério, que há meses vem realizando uma ditadura parlamentar, só consentida e tolerada pelo patriotismo da oposição evolucionista.

Lialmente declaro ao Sr. Afonso Costa que não concordo com os seus processos políticos, e que combaterei intransigentemente a acção nefasta do seu Govêrno.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. António José de Almeida: - É convidado pelas palavras do Sr. Presidente do Ministério a dizer da sua justiça. Vai fazê-lo em termos claros e breves.

Pela primeira vez, sem dúvida, o Sr. Afonso Costa falou de maneira a não irritar ninguém. Foi calmo e sereno. Assim devia proceder sempre se queria ser um Presidente de Ministério à altura da democracia dum país culto. E caso para lhe aplicar o conceito do poeta, que disse que era necessário saber morrer a quem viver não soubera. É certo que o Govêrno não está ainda morto. Prestes a ser defunto, conserva ainda uns restos de vida, que lhe vem da sua maioria própriamente democrática, que acaba de se afirmar unida, e

Página 25

Sessão de 28 de Junho de 1913 25

da maioria unionista, que vem de se manifestar complacente.

O Sr. Brito Camacho, mesmo, acaba, com a sua moção, de colocar entre os beiços políticos do Sr. Afonso Costa a pipeta de vidro do seu generoso balão de oxigénio.

Vai encerrar-se o Parlamento. Com C4e fechado, a atitude do partido evolucionista não se altera. Será a mesma de sempre: guerra ao Govêrno, seja exclusão do devido respeito á República. O Ministério tem, nestes seis meses decorridos, praticado erros palmares. Tudo convulsionou e confundiu. Irritou todas as classes, fez perder uma grande parte da simpatia que havia pela República, semeou ódios, despertou rancores, perturbou emfim a consciência pública. Criou a guerra religiosa alarmando as consciências e criou a guerra política, desorganizando os espíritos. Não se pode fazer pior em menos tempo. Até certo ponto esta obra foi precisa, para se romperem lendas nefastas que tinham sido entretecidas para criar situações privilegiadas a mediocridades truculentas.

No dia 15 de Janeiro o Sr. Afonso Costa, naquela Câmara, perante umas galerias ensaiadas e festivas, constituídas por aquele povo soberano, que ainda naquele tempo via no Sr. Afonso Costa o primeiro estadista da Europa, S. Exa. desafiara a oposição para que ali o combatesse cara a cara.

Por mais duma vez, depois, a oposição desafiou a debates concretos o Sr. Afonso Costa que, escapulindo-se aos combates cara a cara, se foi fugindo pela porta acomodatícia das conveniências do Estado.

Assim aconteceu naquele caso que continua enigmático e obscuro do movimento de 27 de Abril, que o Sr. Afonso Costa cobriu de tamanhas injúrias no Parlamento, tendo-se esquecido até hoje de provar que êle fora um movimento monárquico!

Todavia, em volta dêsse movimento e da remoção dos presos nele implicados para um presídio dos Açores, onde serão julgados sem elementos de defesa nem assistência jurídica, começa a criar-se uma atmosfera de suspeições que fará grande dano à República e contribuirá para o desprestígio dos poderes do Estado em Portugal.

Passam-se, efectivamente, a tal respeito, casos estranhos e singulares. Um dêles é êle, orador, ver implicado no movimento um homem, velhíssimo republicano, que já se oferecera para ser pelo 31 de Janeiro o defensor do capitão Leitão e que um ano antes, em 1890, ia ao tribunal de Coimbra defender numa querela, por delito de imprensa, Pedro Cardoso, um sincero e prestante democrata, - êsse saudoso Pedro Cardoso, já morto, e que nesse dia de 26 de Junho de 1910 se sentava no mesmo banco dos réus, onde se achavam sentados o orador e o actual Presidente do Ministério !... Pois Lomelino de Freitas está preso em Angra, em grande miséria física, cberto de úlceras que não pode tratar, num quarto mau e sombrio que lhe devora a existência, depois de o terem levado de surpresa para bordo do Cabo Verde, sem lhe darem tempo sequer a que êle se munisse dum pacho de água bórica para pôr sôbre as suas úlceras! E cousa parecida se dá com outros presos, que tinham direito â lisura da República, que deve ser severa na aplicação da lei, mas sempre honesta e imparcial e humana na distribuição das penas.

O Govêrno nunca explicou tais factos, apesar dos esforços da oposição, e assim êle, o pimpão que tanto nos desafiava, mostrou que não aceita lutas em que a vitória não seja certa.

O partido evolucionista, porêm, continuará na sua acção, nos devidos termos em que o tem feito até hoje.

Se o Govêrno se mantiver na legalidade, êle, orador, tambêm não sairá do campo legal. Mas, se êle saltar fora da Constituição, o partido evolucionista entrará imediatamente no caminho da revolta.

A tirania responderá com a insurreição.

A hora que decorre tem o seu quê de solene. O país vai dar o balanço à obra do Govêrno e oposição nestes seis meses de vida parlamentar.

Pelo que respeita ao partido evolucionista, se êle houvesse de voltar ao começo, procederia exactamente como procedeu. Fomos serenos, mantivemo-nos numa espectativa repleta de benevolência durante muito tempo. Foi uma tática? Sem dúvida, porque assim era preciso para mostrar a inanidade de vistas dêste Govêrno, que subiu ao poder intitulando-se petulantemente o único salvador da República. Mas foi tambêm o nobre proceder dum partido de patriotas e cidadãos. A cada momento êle, orador, foi solicitado de

Página 26

26 Diário da Câmara dos Deputados

todos CH lados do país para fazer uma oposição veemente e estrondosa contra o Govêrno. Gazetas monárquicas, insidiosas e pérfidas, tentaram aguilhoá-lo, incitando o a um combate que, por lhes ser útil a êles, era nocivo à Republica. A tudo resistiu indiferente e superior, porque êle, orador, querendo salvar a República dos erros, das inconveniências e até dos crimes poli ticos do Sr. Afonso Costa e da sua gente, mais necessidade sentiu ainda de se livrar dos crimes morais, das traições e dos assaltos dos seus naturais e implacáveis inimigos, que são os delegados da. monarquia e da reacção.

Em nada o partido evolucionista alterou a linha de conduta que se traçou, e se, na última semana, a sua oposição foi viva, resoluta, tempestuosa, chegando até as carteiras despedaçadas, é porque, conjuntamente, uma questão de tática mandava fazer o libelo de quem já estava por si desautorizado, uma questão de moral exigia que se pusesse um cobro aos desplantes governativos, e uma questão de nobre altivez impunha que, por uma vez e para sempre, fôsse castigada a inconveniência duma maioria, que, incitada pelo seu chefe, imaginava que não tinha limites a generosa complacência que lhes havíamos dispensado.

Mas em toda esta luta, que foi no seu final renhida e, poderá dizer-se, tremenda, jamais a oposição evolucionista deixou de dar a êste Govêrno, como o faria a qualquer outro que fôsse republicano, o devido auxílio para manter a ordem e a solidariedade republicana, sem a qual verdadeiros republicanos não podem viver numa verdadeira República.

E fizemo-lo sem nunca o Govêrno nos mandar uma palavra de aviso, de prevenção ou de esclarecimento sôbre as questões internacionais ou sôbre os assuntos de ordem pública. Tudo fizemos por amor da nação e das instituições que a governam e são a condição essencial da sua existência. A oposição evolucionista tem os seus diplomas de patriotismo em dia e bem correntes.

Agora continuamos pelo mesmo caminho, não abdicando dum único número da nossa plataforma. Continuaremos a pugnar por uma amnistia ampla, que irá tambêm abranger revoltosos não monárquicos; continuaremos a lutar pela paz religiosa, trabalhando para que todas as crenças sejam respeitadas emquanto se conservarem nos domínios da consciência; continuaremos a empregar todos os meios legítimos para integrar a nação na República. Numa palavra, o partido evolucionista continuará a promover a pacificação dos espíritos e a união dos portugueses.

Quere o Govêrno saber o que pensamos sôbre a questão de confiança que êle pôs? Tem pouco que saber. Não temos nele a menor confiança.

Ao fecharmos o Parlamento não ficamos confiados nele; ficamos mas é preocupados com a sorte da República entregue a tais mãos, não porque ela corra o risco de morrer, nem em tais mãos, mas porque vai ser alanceada por grandes sofrimentos e passar duros trabalhos.

O discurso será publicado na, íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sr. Presidente : registo com prazer a declaração do Sr. António José de Almeida de que a oposição do seu partido será dentro das leis. Outra cousa não era a esperar de S. Exa. procedendo assim prestará um bom serviço. A essa atitude corresponderá o Govêrno, pode S. Exa. estar certo. E se durante o intervalo parlamentar se derem quaisquer acontecimentos que careçam da atenção dos homens que tem as maiores responsabilidades na República, o Sr. António José de Almeida será dêles informado.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Machado Santos: - São realmente para impressionar os protestos do Sr. Presidente do Ministério de obediência ás leis! S. Exa. que com o Parlamento aberto tantas vezes tem violado as leis, encerrando associações, coarctando a liberdade de pensamento, vir falar em legalidade, só pode despertar riso!

Eu não voto nenhuma das moções.

Durante a vida dêste Govêrno tem-se dado acontecimentos gravíssimos. Houve uma sedição armada nas ruas, e isso o que prova é que o povo não está evidentemente com o Govêrno.

Disse S. Exa. que o pais não lhe retirou a confiança. Mas como queria S.

Página 27

Sessão de 28 de Junho de 1913 27

Exa. que lho demonstrasse? Só com uma revolução nas ruas, e isso é que eu queria evitar ao meu país.

O povo está a muitas léguas de distância do Govêrno, e porque eu sei o que êle pensa acêrca do Govêrno do Sr. Afonso Costa, é que lhe digo que abandone as cadeiras do poder.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição. Vai proceder-se á votação das moções.

O Sr. António Granjo: - Requeiro que sôbre a minha moção recaia votação nominal.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado António Granjo.

O Sr. Henrique Cardoso: - Requeira que seja dada a prioridade na votação à moção do Sr. Brito Camacho.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado Henrique Cardoso.

O Sr. Correia Herédia: - Requeiro autorização para retirar a minha moção.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado Correia Herédia.

O Sr. Miguel de Abreu: - Requeiro votação nominal sôbre a moção do Sr. Brito Camacho.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado Miguel de Abreu.

Procedendo-se à votação nominal sôbre a moção do Sr. Deputado Brito Camacho, foi esta aprovada por 65 votos contra 24.

O Sr. Presidente: - Vou interromper a sessão para continuar às 21 horas e meia.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Mando para a mesa um ofício solicitando a informação urgente do número actual de Deputados, bem como dos círculos a que pertenciam os Deputados que faleceram ou perderam os seus mandatos de representantes da Nação.

Às 19 horas e 5 minutos foi interrompida a sessão.

ÀS 22 horas e 5 minutos reabriu a sessão.

O Sr. Presidente: -- Peço a atenção da j Câmara. Por telegrama, recebido hoje, em Lisboa, sabe-se que faleceu o ex presi-. dente da República Brasileira, Dr. Campos Sales.

Julgo interpretar os sentimentos da Câmara, manifestando o pezar que ela teve por tam infausta notícia e proponho que se lance na acta um voto de profundo sentimento pelo falecimento daquele que tanto honrou a República Brasileira e que foi um dos mais ilustres democratas do seu país.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Em nome do Govêrno, associo me ao voto, que V. Exa. acaba de propor. O Dr. Campos Sales, independentemente da influência que teve no Brasil, era uma inteligência culta.

Tive ocasião de conversar com êle, quando ainda existia a monarquia. Pela conversação vi qual era a sua simpatia pela República.

Por isso vejo, que perdemos um dos maiores amigos, que ainda tinha nas veias sangue português.

S. Exa. não reviu.

O Sr. José Barbosa: - Associo-me, com o maior sentimento, a esta manifestação, em nome da União Republicana.

Tive ocasião de conviver com S. Exa., quando Campos Sales era ministro do Govêrno Provisório Êsse homem, a quem se deve a maior glória da República Brasileira; que tratou dos seus maiores interesses, salvando-a da grande crise financeira do Brasil; essa figura era, para nós, muito simpática.

Foi devido a de que as finanças do Brasil se regeneraram.

Na República do Brasil havia nos velhos republicanos, naqueles que foram companheiros de Campos Sales, os maiores admiradores da energia portuguesa, e ainda hoje é entre os discípulos de Campos Sales, como Não Pessanha, que se encontram os grandes amigos de Portugal. E ao grupo dirigido por Campos Sales que se deve o movimento favorável ao reconhecimento da República Portuguesa, mal se fez a proclamação. Em nome da União Republicana, associo-me á manifes-

Página 28

28 Diário da Câmara dos Deputados

tação de pezar que V. Exa. acaba de propor.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Barbosa de Magalhães: - Em nome dos Deputados democratas associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.

Todos nós, republicanos portugueses, sentimos e deploramos bastante a morte de Campos Sales, porque a República Portuguesa deve à República Brasileira as maiores deferências. alem de que nós, sendo um povo de irmãos, temos pelo Brasil as maiores simpatias e estima, (Apoiados) seguimos a sua vida política e social com muito interesse, vendo orgulhosos o seu progresso e sentindo, tambêm, as suas dores. Por isso nos associamos à que êle sente agora, ao ver perder um dos seus mais ilustres homens públicos. (Apoiados).

Campos Sales foi um político e um publicista distinto. O seu livro Política Republicana é um livro que merece ser lido por todos os bons democratas. Nele se aprende alguma cousa; nele manifesta as suas ideas, que deram lugar a que ocupasse na sua pátria a mais alta situação, a de Presidente da República.

Campos Sales tinha probabilidades de tornar a ocupar aquele lugar, o que mostra que no exercício das suas funções honrou o país. (Apoiados). E gozava duma consideração que Deão se confinava só nos estreitos limites do Brasil, passava aos outros países da América e vinha até a Europa. Em Portugal tinha admiradores em todos que seguiram o seu governo e leram os seus livros. Por isso a sua morte é comovidamente pranteada.

Vozes: - Muito bem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Júlio Martins:-Associamo-nos, Sr. Presidente, ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pela morte de Campos Sales, porque o nome dêste homem representa uma acção preponderante e grande na pátria, o Brasil, à qual nos ligam laços de inteira e completa amizade. Em nome do partido republicano evolucionista, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. (Apoiados).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Nunes Godinho: - Em nome do grupo independente, associo-me ao voto de
sentimento pela morte do grande brasileiro Campos Sales.

O Sr. José Barbosa: - Proponho que, em nome desta Câmara, se envie ao Senado brasileiro um telegrama de pezar pela perda de Campos Sales.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara, julgo aprovadas a minha proposta e a do Sr. José Barbosa, a qual já era tambêm minha intenção apresentar.

O Sr. Pereira Vitorino apresentou à mesa razoes ponderosas para não fazer parte da comissão de inquérito á questão do ópio, razoes que a Câmara aceitou. Nomeio para o substituir o Sr. Deputado Caetano Gonçalves.

O Sr. Caetano Gonçalves:-Pelos mês mós motivos do Sr. Pereira Vitorino, pedia para ser dispensado da mesma comissão. De resto, não confio muito no êxito das comissões de inquérito.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Requeiro que entrem imediatamente em discussão as emendas vindas do Senado ao projecto de lei sôbre prescrições de direitos de propriedade do Estado e ao Código Administrativo.

Consultada a Câmara, assim se resolveu.

Foram lidas na mesa as emendas introduzidas pelo Senado ao projecto sôbre prescrições de direitos de propriedades de Fazenda Nacional. São as seguintes:

Projecto de lei

Artigo 1.° As prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que alem dos prazos actualmente em vigor tenha decorrido mais de metade dos mesmos prazos.

§ único. A disposição dêste artigo não abrange os bens que â data da promulgação desta lei estejam prescritos noa termos legais nem as prescrições de dívida ao Estado por contribuições.

Art. 2.° Continua era vigor o decreto de 1 de Setembro de 1899 e fica revogada a legislação em contrário.

Página 29

Sessão de 28 de Junho de 1913 29

O Sr. Matos Cid: - Em nome da comissão de legislação civil e comercial, declaro
que a maioria dos membros dessa comissão concorda com as emendas do Senado.

O Sr. João Barreira: - Em nome da comissão da instrução superior e especial, mando para a mesa o parecer da mesma comissão sôbre as emendas vindas do Senado relativas à criação do Ministério da Instrução Pública.

O Sr. Caetano Gonçalves: - Concordo com as emendas vindas do Senado ao projecto de lei sôbre prescrições de direitos de propriedade.

O Sr. Emídio Meneses: - Como membro da comissão de legislação civil e comercial, declaro que assinei vencido o parecer dessa comissão, por ser contrário a qualquer isenção dessa ordem, a favor do Estado.

Como, porem, agora, nos termos da Constituição, eu tenho de pronunciar me ou pela proposta da Câmara dos Deputados ou pela redacção feita pelo Senado, voto a emenda do Senado.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Moura Pinto: - A razão que me leva a discordar da opinião do Sr. Deputado Emídio Mendes é porque eu entendo que o Estado está em inferioridade relativamente a qualquer cidadão.

Os cidadãos defendem-se, por si, directamente, no que toca aos seus interesses, ao passo que o Estado é uma entidade abstracta, que tem de servir-se de determinados elementos, sendo portanto, necessário dar-lhe, em certas ocasiões, maiores garantias para sua defesa, para não ser fácilmente prejudicado.

Por êsse motivo aceito as emendas vindas do Senado, como regime transitório.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Simões Raposo: - Mando para a mesa a seguinte

Questão previa

Tendo o Senado aberto um inquérito motivado na aprovação do projecto que se discute, proponho para que a Câmara suspenda a sua deliberação sôbre o mesmo. = O Deputado, Simões Raposo.

Foi lida na mesa a questão prévia do Sr. Deputado Simões Raposo.

O Sr. Presidente: - Observa que, segundo a Constituição, a Câmara só tem que votar ou rejeitar o que o Senado votou.

O Sr. Simões Raposo: - Desde que o Senado resolveu abrir um inquérito sôbre as prescrições de direitos de propriedade do Estado, entende que a Câmara dos Deputados não podia aprovar ou rejeitar êsse projecto sem que o Senado se pronunciasse sôbre o assunto.

Em sua opinião, o parecer que se discute fui arrancado á comissão.

Apresentou a sua questão prévia por entender que o Parlamento precisa de pôr, acima de tudo, as questões morais.

Na discussão que o projecto teve no Senado, um Sr. Senador disse que havia um indivíduo que se queria servir dêsse projecto para negócios menos lícitos, palavras que foram confirmadas por um jornal da capital. Foi por isso que pediu que se suspendesse a sua discussão até apuramento final do inquérito.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir os notas taquigráficas.

O Sr. Germano Martins: - É com verdadeira mágua que vejo .trazer-se para aqui a suspeita de que o projecto fôsse arrancado à comissão.

Eu protesto contra essa afirmação.

O Sr. António José de Almeida: - O Sr. Simões Raposo não disse tal cousa.

O Orador: - S. Exa. disse que cumpria o seu dever, declarando que o projecto tinha sido arrancado à comissão.

Levanta-se sussurro.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Germano Martins o favor de se dirigir à mesa.

O Orador: - Arrancado?!

Arrancado a quem?

Arrancado à Câmara?

Protesto!

Página 30

30 Diário da Câmara dos Deputados

Arrancado à comissão?

Protesto!

Eu gosto muito de ser franco e lial; e, desde que se diz que o projecto foi arrancado à comissão, tenho o dever de protestar, em nome da dignidade da Câmara, e da comissão!

O Sr. Álvaro Poppe: - Arrancar é sinónimo de roubar, e há criaturas que conhecem bem êsse artifício....

O Orador: - Gosto muito de ser franco, de ser lial, de ser claro. Desde que se declarou que êste projecto foi arrancado, quer seja à comissão, quer seja á Câmara, tenho o dever, repito, de protestar em nome da minha dignidade e da dignidade desta Câmara. (Muitos apoiados).

O Sr. Deputado Simões Raposo fez-me irritar, e fez-me irritar porque veio com o artifício ou com o subterfúgio de dizer á Câmara que não queria acusar ninguêm, nem queria lançar insinuações, mas que havia suspeitas!

Contra isto é que eu protesto! (Apoiados).

Se S. Exa. viesse aqui acusar claramente, lógicamente, com verdade, qualquer membro dêste Parlamento, estava no seu pleno direito; mas vir lançar insinuações ou suspeitas é que ninguêm pode tolerar!

Eu quero explicar â Câmara, em duas palavras, o que se passou na comissão acêrca dêste projecto.

Sr. Presidente: eu fui o membro da comissão de legislação civil e comercial, encarregado de relatar êste projecto de lei, em Maio de 1912.

Estavam presentes nessa sessão os Srs. Deputados Mesquita de Carvalho, pertencente ao partido evolucionista; José do Vale Matos Cid, deputado unionista; Barbosa de Magalhães, democrático e o Sr. Deputado Joaquim José de Oliveira.

Discutimos somente a questão de princípios; discutiu-se simplesmente se o Estado devia ou não ter melhor situação que os particulares.

Já na Assembléa Constituinte se tinha levantado esta questão, e nunca ninguêm apresentou a menor suspeita ou pôs a menor dúvida sôbre os intuitos dêste projecto.

E passado um ano, e vem agora levantar-se esta atmosfera de suspeiçoes, como se êste projecto pudesse porventura prejudicar os roceiros de S. Tomé.

Portanto, os roceiros de S. Tomé, que já tenham os seus direitos adquiridos, não sofrem absolutamente nada. Os que podem sofrer são aqueles que de futuro pretendam roubar o Estado. Os que tiverem trinta anos de posse, de boa fé, já não perdem os seus direitos. Repito, pois, só os que pretendam adquirir de futuro bens do Estado, à custa dos interesses do Estado, é que podem ficar prejudicados com êste projecto.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Se houver chanteurs e ladroes é a favor da não aprovação dêste projecto.

O Orador: - Disse se que os Deputados deviam ter sido abordados. Nenhuma pessoa nos abordou para que êste projecto fôsse aprovado ou rejeitado. Não me irritaria tanto se não fôsse uma questão de dignidade pessoal. Se alguém pretende aproveitar-se da denúncia, êsse alguém não pode aproveitar-se dêste projecto, que tende a defender os interesses do Estado.

Tenho a consciência que cumpro o dever de zelar os interesses do Estado, e maguou-me ver que não há o cuidado suficiente pela dignidade alheia, e que se vem para aqui com insinuações.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ramos da Costa: - Sr. Presidente : eu vou referir qual a minha intervenção neste assunto.

O Sr. Ministro da Guerra julgou indispensável construir uma fábrica para munições de artilharia e outros artigos. Escolheu-se o local em Braço de Prata e adquiriu-se o terreno adjacente ao mar, e encarregou-me de presidir à sua construção.

Fizeram-se os diferentes edifícios, adquiriram-se as máquinas e começou a laborar a fábrica, de que fui director até Agosto do ano passado. Estive ali durante alguns anos, emquanto se construiu a fábrica, e tive conhecimento de que grande número de terrenos nas proximidades da fábrica tinham sido usurpados por alguns proprietários daquela região. Nessa con-

Página 31

Sessão de 28 de Junho de 1913 31

formidade indaguei se realmente era verdadeira a informação que me tinham dado, fui à Direcção Geral dos Próprios Nacionais e obtive esclarecimentos sôbre o assunto que me levaram a convencer de que grande número de hectares da margem direita do Tejo tinham sido roubados ao Estado.

Em vista disso, elaborei um projecto, com o único intuito de salvar o Estado da continuação dos roubos de que tinha sido vítima, e, ao mesmo tempo, de reaver os terrenos valiosos da margem do Tejo que tinham sido roubados há anos, mas como a prescrição tem lugar aos trinta anos, tive o cuidado, na redacção do projecto, de ressalvar os direitos adquiridos, porque não devia ter efeito retroactivo a lei que eu propunha. Isto era a cousa mais simples, razoável e conducente á boa administração, fazer entrar na posse do Estado aquilo que lhe pertence.

Nessa ocasião não sabia que havia terrenos em S. Tomé, nem em qualquer outra província, mais tarde é que tive conhecimento disso pela imprensa; por conseguinte, o meu projecto em nada tinha relação com S. Tomé ou com outra terra do país; só se referia a terrenos da margem direita do Tejo. Mais tarde soube ainda que para alem da barra havia muitos terrenos roubados ao Estado, o que por conseguinte mais confirmou o meu projecto e mais convencido fiquei de que fiz uma obra boa para o país. Não há aqui mais nada, ninguêm me inspirou isto. Agora, se há pessoas que vêem em tudo malevolências, intuitos menos lícitos, disso não tenho culpa ; o que é a verdade é o que acabo de dizer, que posso provar com muitos documentos e testemunhas.

Há mais uma circunstância, que é digna de atenção. Há proximamente um ano fiz uma conferência na sede da Associação Comercial Beato-Olivais, a pedido da direcção dessa mesma associação, a respeito da construção da 3.ª secção do pôrto de Lisboa, de que fazia parte uma avenida marginal de Santa A polónia até os Olivais, e apresentei uma planta que me fora fornecida pela direcção do pôrto de Lisboa. Nessa ocasião disse que havia muitos terrenos que haviam sido usurpados ao Estado por vários indivíduos, pois alguns dos indivíduos que estavam usufruindo êsses terrenos pediram-me que arranjasse as cousas de modo que pudessem entrar na posse dêsses terrenos que andavam usufruindo, comprando-os ao Estado. E a prova mais evidente de que estavam fora da posse do dono. Foi por essa razão que eu vim aqui e instei com a comissão competente, composta de cavalheiros dignos de toda a consideração e respeito, sôbre os quais não posse existir a mínima dúvida de honradez, para que o projecto tivesse parecer. Êsse projecto foi apresentado à comissão, como disse o Sr. Germano Martins, foi discutido, foi presente o parecer, a Câmara discutiu o e transitou para o Senado, na melhor harmonia, sem haver divergência.

Foi por estas razões que eu formulei o projecto em discussão.

O Sr. Senador João de Frei"as fez umas certas considerações, levantando várias suspeitas e pediu um inquérito.

Eu, por minha parte, desejava que êsse inquérito fôsse publicado na íntegra no Diário do Govêrno, para acabar com essas suspeições.

Era isto o que eu tinha de disser à Câmara.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sr. Presidente: não me parece que a questão deva tomar um carácter irritante.

Eu francamente não esperava que o projecto tivesse uma discussão tam acalorada.

No meu entender, o projecto deve ser aprovado, porque, segundo as informações que me deu o Director Geral da Fazenda Pública, as prescrições estavam todos os dias a fazer perder ao Estado grande número de propriedades.

Na outra Câmara levantou se uma espécie de tempestade. Atribuí a exaltação de momento a um caso patológico, e não lhe liguei importância. E não só não liguei importância ao caso, que parece tomar proporções trágicas - que davam para um jornal cómico - como tambêm não a liguei aos inquéritos que foram ordenados, porque, para mim, caíram em descrédito pelo abuso, não uso, que dêles se fez.

Todavia, se à primeira palavra dita por um exaltado que se deleita com leituras latrinárias, com cheiro de petróleo ou excremento humano, lhe fôssemos ligar importância, irmanar-nos hiamos com êle e

Página 32

32 Diário da Câmara dos Deputados

seríamos indignos de colaborar numa República como a que implantámos (Apoiados).

Eu, Sr. Presidente, ponho sempre perante as pessoas que gostam das questões prévias a questão jurídica O jurisconsulto, neste caso das prescrições, nunca apresentaria uma questão prévia.

Efectivamente a nossa Constituição, mal ou bem, não permite adiamentos. Estamos em frente duma questão concreta.

E aqueles que tem mais fundamentalmente repugnância por uma das duas soluções, estão em frente dum dilema do qual tem de escolher um dos pontos. Não vale por isso a pena terçar armas.

O que posso garantir a V. Exa. é que serão marcados com o ferrete de ladrões e chanteurs os que pretenderem lesar os interesses do Estado.

O Sr. Celorico Gil: - Começa por dizer que vai falar em seu nome pessoal, como de resto o costuma fazer quási sempre, e desta vez mais ainda, por se tratar dum assunto de extraordinária gravidade, to mando, portanto, para si a responsabilidade completa das suas afirmações.

A qualidade que mais admira no homem é a honestidade, a dignidade ou a honradez. Preza e defende, acima de tudo, a sua dignidade pessoal, embora, infelizmente, reconheça que não é com processos honestos que alguém medra na corrupta sociedade em que vivemos.

Ora quem assim defende e preza a sua dignidade própria não pode decentemente deixar, por um momento, de respeitar a dignidade dos outros, e portanto, quando acusa alguém, é que está convencido de que o pode fazer sem que dêsse facto resulte o mais leve peso para a sua consciência.

Reconhece tambêm, por outro lado, que as suspeições lançadas, nesta hora, sôbre os homens públicos do seu país, podem acarretar sequências da maior gravidade, visto que a República não tem ainda aquela solidez que seria para desejar.

Mas mais grave á ainda, no seu entender, o não pôr a claro casos escuros sôbre os quais a opinião pública vem lançando as maiores suspeitas.

Os Srs. Afonso Costa e Germano Martins tentaram amordaçar, com ameaças, os membros do Parlamento que combatem ou pretendem combater o projecto que se discute.

O orador, pelo que pessoalmente lhe respeita, tem a declarar que jamais temeu ameaças e muito menos quando estas tenham por fim inutilizar a sua acção na defesa da moralidade.

Feitas estas declarações, o orador vai fazer a acusação do Sr. Presidente do Ministério.

Diz que, em Novembro de 1910, dois indivíduos procuraram o Sr. Afonso Costa, então Ministro da Justiça, com o fim de denunciarem uns prédios de S. Tomé.

O Sr. Afonso Costa ouvio-os, marcando-lhes uma entrevista para o dia seguinte, às sete horas da manhã, e, como não pudesse comparecer a essa hora, mandou, pelo seu secretário, preveni-los de que o esperassem ás duas horas, realizando-se então a entrevista, a qual demorou cêrca duma hora e um quarto.

O Sr. Afonso Costa tratou os denunciantes com toda a atenção, prometendo-lhes que es acompanharia á presença do seu colega das Finanças.

Os homens entregaram-lhe um requerimento em que faziam a dita denúncia. Dias depois escreveram ao Sr. Afonso Costa, preguntando-lhe qual o resultado da denúncia, recebendo, por intermédio do secretário, a resposta, por escrito, de que o requerimento havia sido indeferido com os fundamentos de não haver motivo para a denúncia e de ser apenas compatente para a receber o Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Fui, com efeito, procurado por uns personagens que me fizeram uma denúncia, mas limitei-me a dizer-lhes que fossem para o Ministério das Finanças.

O Orador: - Mas é ou não verdade que V. Exa. lhes marcou uma conferência para as sete horas e que depois os recebeu às duas horas?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa):-Isso é um pormenor de tam pouca importância, que não me recordo dele.

Página 33

Sessão de 28 de Junho de 1913 33

Já tenho, até, marcado conferências para as seis horas da manhã!

O Orador: - Esses homens, vendo que o Sr. Afonso Costa não tomou conta da questão, dirigiram-se, acompanhados dum tal Martins, natural de Abrantes, ao Ministério das Finanças e pediram uma entrevista ao Sr. José Relvas.

Êsse Ministro recebeu-os; mas, quando êles expuseram ao que iam, o Sr. José Relvas respondeu-lhes que chegavam tarde, porque já estivera ali a fazer a denúncia o Sr. Deputado José de Abreu.

O Sr. José de Abreu: - Ou V. Exa. afirma isso, convicto da sua veracidade e, nesse caso, falta à verdade, ou, então, relata apenas o que ouviu, sem o acreditar, e, nesse caso, faz se, conscientemente, eco duma calúnia que eu desprezo em absoluto.

O Orador: - Já disse que não lançava suspeições sôbre ninguêm, mas entende que cumpre o seu dever dizendo o que sabe.

Suponha-se que os factos se passaram assim: a coincidência é curiosa.

Êsses homens são recebidos pelo Sr. Afonso Costa no seu gabinete, que tem com êles uma conferência duma hora, manda-os para o Ministério das Finanças, e, quando ali chegaram, o Sr. José Relvas respondeu-lhes que já tinha estado ali a fazer a denúncia o Sr. Deputado José de Abreu.

O Sr. José de Abreu: - Isso é falso.

V. Exa. não pode repetir isso. Não lho consinto.

Sabendo V. Exa. que se tratava, e trata, duma falsidade e duma infâmia, devia ter--me prevenido, porque, a êsse tempo, ainda tínhamos relações pessoais que imponham êsse dever.

O Orador:-Declara que tem tanto respeito pela honra do Sr. José de Abreu e do Sr. Presidente do Ministério, como pela sua, mas não está a inventar factos, está a dizer como as cousas se passaram.

Depois de tudo isto, aparece êste projecto, alargando o prazo das prescrições, visto que os actuais prazos não permitiam chamar para a Fazenda Nacional os importantes prédios das casas Chamico e Valflor.

Passando adiante, e entrando na parte jurídica do projecto: O Sr. Presidente do Ministério, numa prelecção das que estava habituado a fazer aos calouros de Coimbra, disse que era necessário êste projecto. Então admite-se que na República se faça uma lei desta natureza, com efeito retroactivo!

Não pode ser, e é de notar que não é só neste caso que se dão cousas extraordinárias; há tambêm a^ questão do ópio e a questão de Ambaca. É preciso muito cuidado com isto, porque já o disse e repete, as questões de moralidade podem meter no fundo a República.

O Sr. Simões Raposo, cautelosamente, quis evitar isto, por isso pediu que se pusesse de parte o projecto, até que a comissão de inquérito, composta de Senadores, dissesse a última palavra. Porque não atenderam êsse pedido?

A propósito, fala na questão de Ambaca, em que o Sr. Freitas Ribeiro, então Ministro das Colónias, nomeou árbitros os Srs. Norton de Matos e Eusébio da Fonseca, para tratarem daquela questão, a qual fez que êsse Ministro saísse do Gabinete presidido pelo Sr. Augusto de Vasconcelos, com a aprovação de dois membros do partido democrático, os Srs. Estêvão de Vasconcelos e António Macieira.

Organiza Ministério o Sr. Afonso Costa e um dos seus primeiros actos é chamar para a pasta da marinha o Sr. Freitas Ribeiro, mandando pouco depois em comissão para Londres o Sr. Eusébio da Fonseca, à razão de 900$ por mês, e o Sr. Norton de Matos para Angola, na qualidade de governador.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa) : - Sendo Ministro da Justiça, fui procurado por dois personagens, um dos quais já tinha estado na Penitenciária, que me apresentaram a denúncia de terrenos usurpados ao Estado.

Como por um lado não confiava na moralidade dessas personagens, e como por

Página 34

34 Diário da Câmara dos Deputados

outra, não tinha nada com isso, mandei-os para o Sr. José Relvas, que era quem tinha a seu cargo defender os interesses do Estado.

Isto foi o que se passou comigo.

Agora o Sr. Celorico Gil vem referir factos que eu desconheço, mas espero que S. Exa. não se esquecerá de ir depor perante a comissão de inquérito dizendo tudo quanto sabe.

Ali é que tem de se apurar tudo.

É preciso que S. Exa. não se esqueça de ir lá depor.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Simões Raposo: - Quando usou da palavra, disse que não se fazia eco das insinuações que lá fora pudessem ter se produzido, e acrescentou que, se o Sr. Ramos da Costa apresentou um projecto que podia ser considerado de menos justo, fê-lo de boa fé.

O Sr. Ramos da Costa: - Ninguém abusou da minha boa fé; o projecto foi de minha espontânea iniciativa.

O Orador: - Presta ao Sr. Ramos da Costa a consideração que sempre lhe mereceu, e era absolutamente incapaz, pelo conceito que dele forma, de lançar sôbre S. Exa. quaisquer suspeições.

O que disse foi que, desde que se levantavam suspeições, não se devia aprovar nem rejeitar êste projecto; que se devia sustar qualquer resolução sôbre êle até o momento em que, pelo inquérito a que se ia proceder, essas suspeições se desfizessem, para então se dar sanção ao projecto e fazer punir o que essas suspeições levantaram.

Disse o Presidente do Ministério que o indivíduo que até o termo da prescrição estava na posse dum terreno que era do Estado era um gatuno, mas que, passada a prescrição, êsse indivíduo estava na posse legítima daquilo que ilegitimamente tinha adquirido. S. Exa. sabe como se criou a propriedade em S. Tomé, sabe que a transmissão da propriedade nem sempre se fez dentro das prescrições da lei, mas não ignora tambêm que êsses terrenos, que nada valiam, representam hoje uma grande riqueza do país, que bastante influi na sua vida. Posto o problema desta forma, é preciso ver bem a maneira de o resolver.

Pretende-se o aumento do prazo para poderem adquirir os documentos que até agora não puderam obter.

Será justo? A sua questão prévia está na mesa, a Câmara resolverá como entender.

Referiu-se o Sr. Celorico Gil a uma busca, em que disse, êle, orador, tinha tomado parte. Como deseja tudo, quanto lhe diz respeito, muito claro, vai expor o que se passou.

Foi procurado pelo Sr. Bernardino Machado, quando S. Exa. estava gerindo, interinamente, a pasta do interior, que lhe disse: "Tem de se proceder a uma busca e eu desejava que alguém de minha confiança acompanhasse os agentes que a vão fazer, para que se não cometa qualquer cousa que seja menos conveniente. Você acompanha-os?" Fui, mas essa busca não se fez, porque a pessoa que havia de guiar os agentes da judiciária veio declarar-nos, onde a esperávamos, que ela não se podia realizar. Foi o que passou, mais nada.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que era preciso não atirar pedras, porque não se sabia onde elas iam parar. Por sua parte não atira pedras a ninguêm, o que quere, como velho republicano, é pôr acima de tudo o prestígio da República. É preciso que tudo se esclareça, não para salvar o prestígio dos homens, que vale, relativamente pouco, mas o da República, que vale tudo.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. António José de Almeida: - Afirmo ser grave o caso de que se trata.

Um Deputado da Nação, o Sr. Celorico Gil, acaba de acusar o Sr. Afonso Costa, Presidente do Ministério, e o Sr. Deputado José de Abreu, de haverem tido qualquer espécie de entendimentos com homens que tratam de negócios com o Estado.

Tenho que definir, perante êste estranho incidente, a minha atitude, como homem público e como leader dum partido que inscreve entre os primeiros números de seu programa a moralidade dos negócios públicos.

Preguntado um dia sôbre que papel eu assumiria perante o litígio dos terrenos de S. Tomé, declarei, sobriamente, que seria o papel de defensor da justiça.

Página 35

Sessão de 38 de Junho de 1913 35

Nem estava, acrescentei, para defender os interesses dos roceiros, de quem não aceitara procuração para tal, nem para ilegitimamente defender interesses do Estado que não tivessem por si a garantia dum direito afirmado.

Nessa atitude me conservo, disposto a dar imparcialmente razão a quem a tiver.

Perante o inesperado incidente desta noite, devo declarar que tanto eu como o meu partido ignorávamos completamente os propósitos do Sr. Celorico Gil e as revelações que êle fez.

O Sr. Celorico Gil falou em seu nome apenas e sob a sua própria iniciativa. A êle vai a responsabilidade inteira das suas palavras.

Mas eu, como Deputado da Nação, é que não me dou por satisfeito.

O país precisa de conhecer tudo, todos os bastidores, se os há, dêste estranho conflito moral.

O Sr. Celorico Gil é, pois, obrigado pela sua honra pessoal e política, a ir junto da comissão de inquérito do Senado depor tudo o que saiba, sem reticências, sôbre os acontecimentos a que se referiu.

Da mesma forma, o Sr. Presidente do Ministério é obrigado a ir defender-se da tremenda acusação que lhe é feita, juntamente com o Sr. Deputado José de Abreu, perante a mesma comissão.

Por honra do alto cargo que ocupa, por dignidade e pundonor do Govêrno de que é depositário, o Sr. Afonso Costa não pode ficar silencioso.

Igualmente o Sr. José de Abreu tem de varrer as acusações que lhe são feitas, para manter íntegro o prestígio do seu lugar de Deputado.

Repito o que mais duma vez tenho dito nesta casa: é indispensável ter todo o cuidado em lançar suspeições que possam afectar a honra dos homens públicos; nuas, uma vez elas feitas, torna-se preciso caminhar ao seu encontro para que essas suspeições sejam demonstradas ou arredadas.

O caso é grave e porventura doloroso, mas urge ir até o fim, doa a quem doer.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Silva Gouveia: - Falarei com africanista. Não tenho nenhuma propriedade em África que não tivesse adquirido por bom dinheiro. Posso sacudir á vontade a casaca.

Desejo apenas esclarecer os Sr s. Deputados que nunca foram a África e não sabem como as cousas lá se passam.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que o que adquire terrenos por posse é um larápio; mas, sendo assim, o Estado é um larápio, porque me atravessou uma propriedade com uma estrada, sem meu conhecimento, e quando eu reclamei, alegou a posse. Seguindo a teoria do Sr. Presidente do Ministério, vou requerer a indemnização respectiva.

Todos sabem que em S. Tomé uma grande parte dos terrenos foram comprados aos indígenas. Comprou-se um bocado aqui, outro ali, outro acolá, por quantias pequenas, e depois, com a reunião de todos êsses bocados, é que se constituíram as propriedades. Essas compras faziam-se por meio dum papel assinado de cruz, nem outra forma havia de transaccionar com os pretos; mas o que é certo é que êsses terrenos, que estavam incultos, estão hoje plantados de cacau e tem dado grandes interesses ao Estado.

Êsses homens que compraram os terrenos aos indígenas hão-de agora perdê-los, porque não podem apresentar títulos devidamente legalizados? É uma cousa muito grave. É preciso atender a que em África as cousas não se passam como em Lisboa.

Eu vou contar o que se passou comigo. Um indivíduo da Guiné hipotecou-me uma propriedade, tendo feito o respectivo registo; pois depois verificou-se que o terreno não era dele, e eu perdi o meu dinheiro. Ora se isto sucedeu com cousas passadas com as autoridades, o que fará em outros casos.

E, depois, é preciso ainda saber-se outra cousa: é que as fortunas de S. Tomé não foram feitas pelos que compraram os terrenos; êsses, em geral, perderam porque arruinaram a saúde lutando contra o clima, não chegando a gozar o produto do seu trabalho.

Quero mostrar à Câmara que os terrenos adquiridos em S. Tomé foram-no com honestidade e pelos antecessores dos actuais donos, e estão registados na conservatória.

Se o Sr. Henrique de Mendonça não fez a fortuna de que goza porque os seus iniciadores foram seu avó e seu sogro, que morreram sem nada terem gozado, tem,

Página 36

36 Diário da Câmara dos Deputados

no emtanto, sabido mante-la e aumentá-la, e o Estado tirado bom proveito do seu esforço e S. Tomé criado nome à sua custa.

E, citando o nome do Sr. Henrique de Mendonça, falo em geral nos agricultores daquela colónia, cujas fortunas tem sido feitas em Lisboa, mas principiadas pelos seus antecessores em S. Tomé, à custa de muitos trabalhos e sacrifícios, e que aqueles tem sabido aumentar, repartindo com o Estado uma boa parte das suas receitas.

E tenho dito.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais ninguêm inscrito, vai proceder-se à votação.

O Sr. Simões Raposo: - É a minha questão prévia foi aprovada ou rejeitada?

O Sr. Presidente: - A questão prévia não foi admitida por ser inconstitucional.

Foram lidas na mesa e aprovadas as emendas introduzidas pelo Senado ao projecto de lei sôbre prescrições do direito de propriedade.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer da comissão de instrução superior sôbre as emendas vindas do Senado ao projecto de lei criando o Ministério da Instrução Pública.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

Parecer

Senhores Deputados.-A vossa comissão de instrução, estudando as emendas que ao projecto da criação do Ministério da Instrução Pública foram feitas pelo Senado, vem dizer-vos que concorda com elas, não só por não alterarem substancialmente o projecto da Câmara dos Deputados, mas pela necessidade urgente de se criar o novo Ministério.

Lisboa, 28 de Junho de 1313. = Alfredo Rodrigues Gaspar = José do Vale de Matos Cid = João Barreira = Tomás da Fonseca = Aureliano Fernandes.

Foi aprovado sem discussão.

O Sr. Presidente: - Vão ler-se as emendas introduzidas pelo Senado ao projecto do Código Administrativo.

Foram lidas na mesa as emendas do Senado, que constam do seguinte artigo:

"Artigo 1.° Em quanto não for definitivamente reorganizada toda a administração local pela promulgação do novo Código Administrativo, ficam reguladas pelas disposições seguintes a organização, funcionamento, atribuições e competência dos corpos administrativos".

O Sr. Jacinto Nunes: - Sr. Presidente: eu pronuncio-me abertamente contra a resolução tomada no Senado se não for aprovado todo o título 11.°

Qual foi a divisão que esta Câmara estabeleceu? Foi a divisão municipal? è Foi a divisão distrital?

Chegarei até o ponto de fazer obstrucionismo se o título 11.° não for aprovado.

Como é que pode viver um secretário duma câmara com 180 escudos? Sabe-se que os secretários das câmaras é que fazem tudo, porque, em geral, os vereadores são, não digo analfabetos, mas pouco conhecedores dos assuntos municipais.

Eis a razão porque a Câmara votou por unanimidade a abolição, tanto do fundo especial de viação, como a verba fixa.

Estamos sem juntas gerais de distrito. Quem criou as juntas gerais de distrito e lhe deu largas atribuições foi o Código de 1878. Que urgência há em pôr já em vigor a matéria que se aplica ás juntas gerais de distrito, isto é, aquela que define a sua constituição? Há, porventura, orçamentos feitos? Eu dispensava, desde que não é aprovada pela Câmara a divisão provincial, as juntas gerais de distrito. Eu faço questão, em nome dos sagrados interesses do funcionalismo local, faço questão da aprovação do título 11.°

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Parece-me que a homenagem que o Senado prestou à Câmara dos Deputados, e, em especial ao Sr. Jacinto Nunes, aprovando o artigo 1.° do título 11.° do Código Administrativo, não permite que se vá exigir ao Senado que aprove todo o título 11.° Prometo à Câmara que, na próxima sessão legislativa, se tratará dêsse assunto.

S. Exa. não reviu.

Foram aprovadas as emendas do Senado.

Foi lido na mesa e entrou em discussão o parecer da comissão do Orçamento sôbre

Página 37

Sessão de 28 de Junho de 1913 37

as emendas vindas do Senado ao orçamento do Ministério das Finanças. E o seguinte:

Parecer

A vossa comissão do Orçamento, tendo analisado as alterações que o Senado introduziu nos orçamentos do Ministério das Finanças de 1913-1914 é de parecer:

1.° Que a emenda referente ao capítulo 3.°, sob a rubrica "Quadro do pessoal da Secretaria do Congresso da República", não deve merecer a vossa aprovação, mas simplesmente cumprir a lei dos adidos votada pelo Congresso;

2.° Que não deve merecer a vossa aprovação a alteração introduzida no Senado, artigo referente à "Fiscalização das Sociedades Anónimas", mantendo se aquilo que foi aprovado na Câmara dos Deputados;

3.° Que todas as outras emendas devem merecer a vossa aprovação.

Sala das sessões, em 28 de Junho de 1913. = Vitorino Guimarães = Severiano da Silva = Paiva Gomes = Carvalho Araújo = Aquiles Gonçalves.

Foi aprovado sem discussão.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (António Macieira): - Requeiro a urgência e dispensa do Regimento para entrar imediatamente em discussão a seguinte

Proposta de lei

Artigo 1.° É o Govêrno autorizado, no corrente exercício, a abrir um crédito extraordinário que o habilite a despender até a quantia de 5.000 escudos com os trabalhos preparatórios da exposição Universal que se há-de realizar em S. Francisco da Califórnia em 1910.

§ único. Serão pagas por esta verba as despesas de estudo, vulgarização, publicidade, correspondência e propaganda junto dos produtores.

Art. 2.° Será em Lisboa a sede do comissariado da Exposição Universal de S. Francisco da Califórnia, que terá a seu cargo tudo que lhe interesse directamente, e ficará sob a direcção dum chefe, funcionário, em comissão, na Secretaria do Ministério do Fomento, coadjuvado por funcionários, tambêm em comissão, do referido Ministério e do das Colónias, escolhidos segundo as necessidades do serviço e em harmonia com as suas habilitações especiais.

Art. 3.° Alem do pessoal a que se refere o artigo antecedente, o Govêrno poderá ainda contratar os auxiliares precisos para colherem todos os elementos necessários para a representação do país naquele certame.

§ único. Os contratos a que alude êste artigo são de carácter absolutamente transitório, não dando lugar a qualquer colocação oficial nos serviços de instalação na América.

Art. 4.° As despesas com esta Exposição, quer sejam ordenados, salários, gratificações, ajudas de custo, viagens, quer resultem de indemnizações, aquisições e instalações ou publicações, traduções, correspondências, transportes, fretes e seguros, serão todas escrituradas em capítulo especial, sob a rubrica "Serviços da Exposição Americana" e submetidas à apreciação do Congresso.

§ único. O processo destas despesas correrá pela 9.ª Repartição da Contabilidade Pública, com a qual se corresponderá directamente o chefe do comissariado.

Art. 5.° As repartições públicas auxiliarão o comissariado na coordenação dos produtos e organização das colecções que devem ser enviadas à exposição.

Art. 6.° A cargo do comissariado ficam alem dos trabalhos de propaganda e outros, tendentes à execução da presente lei, todos os necessários para a organização do orçamento das despesas com a representação de Portugal em S. Francisco da Califórnia, que tem de ser submetido á sanção parlamentar para figurar nos orçamentos do Estado para 1913-1914, 1914-1915 e 1915-1916, compreendendo assim todas as despesas com transporte de produtos para a América, sua instalação na Exposição, transporte e retribuição dos respectivos expositores.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrário.

Foram concedidas a urgência e a dispensa do Regimento.

Foi aprovada a proposta de lei na generalidade.

Foi aprovado sem discussão o artigo 1.°

Foi aprovado o artigo 2.° com duas emendas do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Foram aprovados sem discussão os artigos 3.°, 4.°, 5.°, 6.° e 7.°

Página 38

38 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (António Macieira): - Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi dispensada a última redacção.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto de lei sôbre a Convenção de Timor para ser votado.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° E aprovada para ratificação a Convenção assinada na Maia em 3 de Abril de 1913, para se submeter a um árbitro único a divergência relativa à demarcação do artigo 3-10.° da Convenção de Timor, de l de Outubro de 1904.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Foi aprovado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se para ser votado o projecto de lei sôbre a Convenção assinada em Paris em 4 de Maio de 1910.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

Projecto de lei

Artigo 1.° É aprovada para ratificação, com o protocolo de encerramento que dela faz parte integrante, a Convenção assinada em Paris em 4 de Maio de 1910 destinada à repressão do tráfico de brancas.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.

Foi aprovado, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (António Macieira): - Requeiro a dispensa da última redacção dêstes dois projectos de lei.

Foi dispensada a ultima redacção.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (António Macieira): - Envio para a mesa a seguinte proposta, de lei, para a qual requeiro a urgência e dispensa do Regimento.

Proposta de lei

Senhores.- O prazo de validade da Convenção de Arbitragem de 18 de Agosto de 1900, entre Portugal e a Suíça, cujas ratificações foram trocadas em Berna a 23

de Outubro de 1908, termina em 23 de Outubro do corrente ano.

Em Fevereiro último manifestou o Conselho Federal Suíço o desejo de entrar em negociações com o Govêrno Português para a prorrogação da Convenção. Aceitou o Govêrno da República a sugestão do Conselho Federal, feita por intermédio da Legação de Berna, e nessa ordem de ideas deu plenos poderes ao Sr. Guerra Junqueiro para seguir e fechar a negociação do respectivo diploma o qual foi assinado era 19 dêste mês e se encontra junto ao presente projecto.

Convencido de que o mesmo diploma merecerá a aprovação do Parlamento Português, propõe o Govêrno da República que sancioneis o seguinte projecto de lei:

Artigo único: É aprovada a ratificação assinada em Berna a 19 de Junho de 1913, entre Portugal e a Suíça, prorrogando por dez anos a Convenção de Arbitragem celebrada entre os dois países em 18 de Agosto de 1905.

Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 19 de Junho de 1913. = O Ministro dos Negócios Estrangeiros, António Caetano Macieira Júnior.

(Tradução)

Convenção entre Portugal e a Suíça prorrogando a Convenção de Arbitragem de 18 de Agosto de 1905

O Govêrno da República Portuguesa e Conselho Federal da Confederação Suíça, desejando manter em vigor as disposições da Convenção de Arbitragem concluída entre os dois Estados em 18 de Agosto de 1905, que deve expirar em 23 de Outubro de 1913, autorizaram os abaixo assinados a firmar as seguintes disposições:

Artigo único. A Convenção de Arbitragem concluída em 18 de Agosto de 1905, entre Portugal e a Suíça, que deve expirar em 23 de Outubro de 1913, é prorrogada por espaço de dez anos, ficando portanto em vigor até 23 de Outubro de 1923.

A troca das ratificações da presente Convenção efectuar-se há o mais breve possível em Berna.

Feita em Berna, em duplicado, a 19 de Junho de 1913.

O Ministro de Portugal (L. S.) A. Guerra Jungueiro,

Página 39

Sessão de 28 de Junho de 1913 39

O Presidente da Confederação Suíça (L. S.) Muller.

Foram concedidas a urgência e a dispensa do Regimento,

Foi aprovada a proposta de lei, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (António Macieira): - Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi dispensada a última redacção.

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que o Sr. Deputado Caetano Gonçalves pediu para não fazer parte da comissão de inquérito â questão do ópio, nomeando a mesa, para substituir S. Exa., o Sr. Júlio Martins.

Comunico igualmente à Câmara que vão ser lidas as emendas do Senado ao projecto que reorganizou os serviços agrícolas.

Foram lidas na mesa.

O Sr. Nunes Godinho: - Protesto energicamente por ainda não ter sido pôsto em discussão o projecto de lei sôbre as aguardentes, projecto que entendo ser da maior importância e que muitas câmaras municipais e sindicatos tem reclamado que seja discutido e votado.

Declaro que, se êsse projecto não for discutido, terei que abandonar os trabalhos da Câmara e irei, perante os meus eleitores, expor a razão do meu procedimento.

O Sr. Presidente (Germano Martins): - Não pus ainda em discussão o projecto de lei sôbre as aguardentes por calcular que êle teria grande discussão; mas marcá-lo hei, em primeiro lugar, para a ordem do dia da próxima sessão.

O Sr. Cerqueira da Rocha: - Requeiro que o projecto entre já em discussão.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Deputado Cerqueira da Rocha,

O Sr. Aresta Branco: - Mando para a mesa os seguintes projectos de lei para os quais requeiro a urgência e dispensa do Regimento.

Projectos de lei

Artigo 1.° Fica o Govêrno autorizado a construir, na cêrca da Casa Pia de Lisboa, um pavilhão destinado ao jôgo de Golf, que ficará, para todos os efeitos, pertencendo ao Estado.

Art. 2.° A despesa da construção dêste edifício sairá das sobras da verba inscrita no capítulo 2.°, artigo 21.°, da distribuição da despesa do Ministério do Fomento, no ano económico de 1912-1913 para construção, reparação e conservação de edifícios públicos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário. = O Deputado, Aresta Branco.

Artigo 1.° As nomeações provisórias ou interinas de professores de qualquer estabelecimento de ensino público poderão recair em indivíduos que tenham exercido as mesmas funções com nomeações de carácter não definitivo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. = O Deputado, Aresta Branco.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Concordo com ambos os projectos.

Foram concedidas a urgência e dispensa do Regimento.

Foram aprovados os projectos de lei, sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. Aresta Branco: - Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi dispensada a última redacção.

O Sr. Presidente : - Está em discussão o parecer n.° 306.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

Parecer n.° 306

Senhores Deputados. - A vossa comissão de agricultura, tendo estudado, com todo o cuidado, o projecto de lei n.° 173-D, apresentado pelo Sr. Deputado Tiago Sales, e em que se procura satisfazer os justos interesses e velhas reclamações da viticultura, elevando o preço de 2,62 réis por grau e litro de aguardente para 3,62 réis, foi de parecer que não devia aceitá-lo, pois o julga muito exagerado.

Pelo relatório, muito bem elaborado, que acompanha o projecto, vê se claramente que são justíssimas as reclamações da viticultura, visto terem caducado a maior parte dos benefícios que lhe tinham sido concedidos, em várias disposições legais,

Página 40

40 Diário da Câmara dos Deputados

como compensação do exclusivo da barra do Douro concedido aos vinhos da região duriense, do aumento considerável de salários, do preço dos adubos, insecticidas e fungicidas empregados na cultura das vinhas.

É conveniente lembrar que o preço de 2,62 réis para o grau e litro de aguardente foi estabelecido em 1901, não o julgando então a viticultura suficiente, pois reclamava que fôsse de 2,92 réis.

Actualmente, em virtude do preço da produção dos vinhos ter aumentado muito, indispensável e justo se torna procurar um preço superior àquele

A vossa comissão de agricultura deseja absolutamente harmonizar os legítimos interesses da viticultura com os legítimos interesses do comércio e, nestes termos, como o preço das aguardentes tem oscilado entre 130$000 réis e 140$000 réis a pipa de aguardente de 534,24, entendeu o relator dêste projecto que era perfeitamente razoável deduzir dêsses preços - o do grau e litro de aguardente - e assim propôs o de 3,25 réis, com o qual nenhum dos ilustres membros da comissão concordou, julgando mais justo o de 3,12 réis.

Como se achasse só, no seu modo de ver, resolveu assinar o parecer dos seus colegas, reservando-se absolutamente o direito de, perante a Câmara, defender e sustentar o preço de 3,25 réis.

Nestes termos, a comissão de agricultura é de parecer que o projecto deve ser aprovado com a seguinte emenda ao artigo 1.°

Em lugar de 3,62 réis deve ler-se 3,12 réis. = Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá = Paiva Gomes (vencido em parte) = Jorge Nunes = Albino Pimenta de Aquiar = António Alberto Charula Pessanha = Guilherme Nunes Godinho, relator.

Senhores Deputados. - A vossa comissão de comércio, indústria e minas é de parecer que não merece a vossa aprovação o projecto de lei 173-D, tendente a aumentar o preço do álcool vínico, devendo manter-se as disposições da lei de 14 de Junho de 1901 que fixa o seu preço em 2,62 réis por grau centesimal e por litro. E assim o entende porque qualquer alteração naquele preço acarretaria prejuízos e agravamentos sérios para a preparação dos vinhos generosos do Douro.

Diário da Câmara dos Deputados

Lisboa e sala da comissão do comércio, indústria e minas, em 17 de Junho de 1913. = António Aresta Branco (vencido) = Adriano Gomes Pimenta = Henrique José dos Santos Cardoso = João Luís Ricardo (vencido)= Fernando da Cunha Macedo Ernesto Carneiro Franco (vencido) = Alexandre Augusto de Sarros.

Projecto de lei

Artigo 1.° É alterado para 3,62 réis por grau centesimal, e por litro, o limite de 2,62 réis estabelecido no § 1.° do artigo 73.° da lei de 14 de Junho de 1901, e ainda referido no artigo 37.° da lei de 18 de Setembro de 1908 e no artigo 52.° do regulamento de 27 de Novembro do mesmo ano.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

O Sr. Nunes Godinho: - Como relator do projecto, diz que êle é da maior importância, por isso que êsse assunto tem trazido sempre a viticultura do sul em revolta e em luta para conquistar as regalias que nele se consignam.

No projecto que se discute, procurou-se, o mais possível, não provocar atritos entre comerciantes e vinhateiros, e estabeleceu-se uma plataforma que dêsse satisfação às reclamações duns e doutros.

Por isso, é de parecer que êle deve ser aprovado.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Alexandre de Barros: - Como relator do projecto da comissão de comércio e indústria, manda para a mesa a seguinte

Questão prévia

A Câmara, reconhecendo que o projecto em discussão interessa ao mais importante ramo do comércio de exportação, envia o projecto novamente às comissões, e convida o Govêrno a mandar proceder a um largo inquérito pelo Ministério do Fomento, cujos resultados devem ser presentes ás mesmas comissões para definitivo estudo. = Alexandre de Barros.

Foi admitida.

A questão prévia, que apresenta, merece ser convenientemente discutida, e êle, ora

Página 41

Sessão de 28 de Junho de 1913 41

dor, vai mostrar a razão que lhe assiste, justificando-a.

Não é para fazer obstrucionismo que assim procede, mas ponderar a todos os seus colegas que é absolutamente indispensável que as comissões da Câmara, de acôrdo com o Govêrno, estudem o assunto debaixo do ponto de vista dos interesses da vinicultura e do comércio.

O projecto que se discute foi apresentado por um homem de bem, um trabalhador...

O Sr. Júlio Martins: - Requeiro a contagem.

O Orador: - Pregunta se o pedido da contagem impede que êle, orador, continue no uso da palavra.

O discurso será publicado na íntegra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente: - Como a hora vai bastante adiantada, todos estào visivelmente fatigados e não há número, fica o Sr. Alexandre de Barros com a palavra reservada.

A sessão imediata será amanhã, à hora regimental. Não haverá a parte antes da ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Era 1 hora e 25 minutos.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Requerimento

Requeiro pelo Ministério das Finanças um exemplar do Código de Contribuição Predial. = Álvaro Nunes Ribeiro.

Mandou-se expedir.

Declarações de voto

Declaro que votei a proposta do Sr. Brito Camacho; uma crise ministerial se ria, creio, neste momento, de difícil solução.

Tenho aprovado a acção financeira e de fomento do Govêrno, as quais louvo; discordo, porêm, dalguns dos seus actos políticos, que tem levantado em vários pontos do país justos protestos, como alguns que tem sido conhecidos nesta Câmara. Espero que o Govêrno se preocupe principalmente com a administração, não tolerando política desprestigiante do regime. = Tiago Sales.

Para a acta.

Motivos imperiosos fizeram que eu não estivesse na Câmara quando da discussão que motivou a moção do Sr. Brito Camacho.

Tendo de sair enviei a declaração de que se estivesse presente teria aprovado a referida moção. = Albino Pimenta de Aguiar.

Para a acta.

Proposta de lei

Pelos Ministérios das Finanças e das Colónias:

As províncias ultramarinas constituem entidades financeiras, autónomas, sob a superintendência e fiscalização do Govêrno da metrópole, nos termos das alíneas anexas da presente lei e que dela fazem parte integrante.

Para o "Diário do Govêrno".

Propostas

Proponho que na lei de 20 de Julho de 1912, que regula a reforma dos oficiais do exército colonial, sejam feitas as seguintes modificações:

Artigo 10.° Substituir as palavras1 "nove, dezoito, vinte e um e vinte e quatro", por "onze, vinte e um, vinte e quatro e vinte e sete".

No artigo 15.°, § 1.°, substituir as palavras: "este acréscimo não será incluído nos limites fixados no referido artigo 9.°", por: "a importância do saldo mensal, com êstes acréscimos, nunca poderá exceder os limites lixados pelo § único do artigo 9.°".= Helder Ribeiro.

Para as comissões do Orçamento e das finanças, com urgência.

Proponho a supressão do artigo 2.°, que refere as condições a que deve satisfazer o chefe de clínica, dum projecto de lei sôbre a criação de clínicos de stamotologia nos hospitais escolares das três faculdades de medicina. = Bissaia Barreto.

Para a comissão de instrução pública, junto ao projecto de clínica escolar, do Sr. Deputado Bissaia Barreto.

Página 42

42 Diário da Câmara dos Deputados

Parecer da comissão de administração publica

A vossa comissão de administração pública, tendo examinado o projecto de lei n.° 13-E da iniciativa do Sr. Deputado Machado Santos, é de parecer que êsse projecto deve merecer a vossa aprovação.

Não pensava a comissão em ter de elaborar hoje êste parecer porque contava, quando em Dezembro de 1912 êste projecto foi apreciado, estar nesta altura já devidamente promulgado o Código Administrativo. Neste diploma encontram-se disposições que permitiam aos povoa de S. Brás de Alportel o poderem realizar as aspirações consignadas no mencionado projecto. Como, porêm, o Senado da República não aprovou o artigo 1.° do projecto do Código Administrativo, daí a razão dêste parecer que submetemos à apreciação da Câmara, por julgarmos inteiramente justas as considerações feitas no relatório que precede o mesmo projecto.

Lisboa, e sala das sessões da comissão de administração pública, em 28 de Junho de 1913. = Jacinto Nunes = Francisco José Pereira = J. Pires de Campos = Dias da Silva = José Vale de Matos Cid.

N.º 12-E

Senhores Deputados. - S. Brás de Alportel, freguesia do concelho de Faro, tem actualmente, segundo o censo de 1911, 12:270. habitantes.

Dista a sede da freguesia 17 quilómetros da cidade de Faro, tendo logarejos bastante populosos que ficam a 40 quilómetros da referida cidade.

Os habitantes dêstes sítios, servidos ainda pelos primitivos meios de transporte e por vias de comunicação ordinárias, gastam dois e três dias para tratar de qualquer simples formalidade burocrática, prejudicando-se, assim, e prejudicando o Estado, o qual não pode zelar cuidadosamente certos ramos importantes de serviço, a tanta distância da sede da administração.

Em certos períodos do ano, na época invernosa, sucede muitas vezes que a abundância das chuvas, fazendo trasbordar as ribeiras, chega a impedir por completo a passagem durante oito dias e mais.

Sendo esta freguesia a mais populosa de todas as freguesias rurais do país, tem, segundo o penúltimo censo, uma população superior à de seis concelhos do Algarve, província que apenas conta quinze municípios.

E de notar que, havendo aproximadamente duzentos e noventa e um concelhos em todo o território do continente e ilhas, cêrca de cento e vinte tem uma população inferior à da freguesia de S. Brás de Alportel.

Entre os concelhos do país alguns há que não tem um têrço da população que a freguesia de S. Brás de Alportel conta, e muitos são os que apenas contam metade.

Quanto à parte económica e financeira, é certo ter esta freguesia rendimentos suficientes para poder, com os actuais encargos, fazer face ás despesas dum concelho bem organizado, o que se prova com os documentos que junto envio para a mesa.

Alêm disto, a sua emancipação administrativa, criando novas energias e iniciativas e suprimindo embaraços, activará a vida local e fomentará a riqueza pública, com o desenvolvimento da indústria e do comércio, criando-se por esta forma novas receitas.

E já que falo de comercio, lembra-se que foram os habitantes da freguesia de S. Brás de Alportel que iniciaram o comércio das cortiças e provocaram o desenvolvimento da indústria correspondente.

Esta matéria prima, hoje a segunda fonte da riqueza da República, ainda é presentemente colhida e negociada pelos habitantes desta freguesia, em cêrca de 50 por cento da sua produção total no país.

Atendendo, pois, ás comodidades daqueles povos que pedem ao Parlamento, por meu intermédio, que a sua freguesia seja elevada a concelho, e às poderosas razoes de ordem moral, material e legal, tenho a honra de apresentar à apreciação da Câmara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E separada do concelho de Faro a freguesia de S. Brás de Alportel, que ficará constituindo um novo concelho, sob a denominação de: concelho de Alportel.

Art. 2.° A sede dêste novo concelho será na Aldeia de S. Brás elevada à categoria de vila.

Art. 3.° Ficará a cargo do novo concelho o pagamento de juros e amortização

Página 43

Sessão de 28 de Junho de 1913 43

da actual dívida activa do concelho de Faro, na parte correspondente à freguesia de S. Brás de Alportel, deduzidas as receitas por inteiro, provenientes do matadouro na cidade de Faro e dos dois mercados, do peixe e da hortaliça, tambêm situados na mesma cidade, receitas estas especialmente consignadas ao pagamento do empréstimo à Companhia Geral do Crédito Predial Português.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em 12 de Dezembro de 1912. = O Deputado, Machado Santos.

Representação

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados da República Portuguesa.- Os católicos da cidade de Lisboa, por nós representados, vem junto do Poder Legislativo reclamar imediatas providências no sentido de se removerem as coacções que pesam sôbre o exercício do seu culto.

Acabam de ser abandonadas pelos fieis as igrejas de S. Vicente e da Graça.

A autoridade eclesiástica, a quem incumbe velar pelo prestígio da religião católica e pela inteira liberdade de consciência dos seus crentes, declarou-as interditas ao culto.

Os paroquianos daquelas freguesias apresentaram ontem ao Sr. Administrador do 1.° bairro a exposição dos factos e das medidas adoptadas pelo poder religioso e respeitosamente acatadas pelos fiéis, fazendo ao mesmo tempo sentir a urgência de que cessem os vexames que determinaram o abandono das igrejas.

São estas reclamações que hoje vimos trazer ao seio da representação nacional, perfilhando e tornando nossa a doutrina expendida pelos católicos de S. Vicente e Graça perante o Sr. administrador do 1.° bairro.

Apelamos para os sentimentos de justiça dos representantes do país, esperando que o Parlamento da República autorizará o Govêrno a adoptar as providencias que julgue necessárias para assegurar a liberdade religiosa dos católicos portugueses, incompatível de todo em todo com o estabelecimento das associações cultuais.

Saúde e Fraternidade.

Lisboa, em 27 de Junho de 1913.= (Seguem as assinaturas).

Exmo. Sr. administrador do 1.° bairro de Lisboa.

No legítimo uso do direito de representação que nos é conferido pela Constituição da República, vimos perante V. Exa. reivindicar mais uma vez, em nome da população católica das freguesias de S. Vicente e Santo André desta capital, o livre exercício do nosso culto, dificultado e já agora de todo impedido pelas pretensões da associação cultual que se instalou em as nossas igrejas.

Os católicos de todo o país, em diversos documentos firmados pelos seus representantes, já fizeram sentir aos Poderes do Estado a manifesta incompatibilidade que existe entre os organismos denominados associações cultuais e a liberdade das crenças católicas, que aliás se declara assegurada na Constituição.

Na espécie e após a instalação da associação cultual, não escasseiam, infelizmente, os factos demonstrativos de tal incompatibilidade.

Contra a própria letra da lei (decreto de 20 de Abril de 1911, artigo 16.°), é constituída esta agremiação por cidadãos que, longe de serem, como preceitua o citado artigo, membros ou fiéis, da religião católica, antes são reconhecidamente estranhos a ela; e católicos que fossem, teriam perdido esta qualidade ao agruparem-se em forma de associação cultual.

Na verdade, se a lei civil não preceitua, mas tam somente faculta, a formação de tais associações (decreto citado, artigo 17.°), prevendo mesmo o caso de não virem a organizar-se (artigos 19.°, 89.° e outros), nenhuma necessidade há para os católicos em fundá-las, o que, por outro lado, lhes é terminantemente proibido pelas leis constitutivas da sociedade religiosa a que pertencem.

Os propósitos hostis da associação cultual a que nos referimos manifestaram-se desde logo.

Os párocos das freguesias de S. Vicente e Santo André foram esbulhados do direito de entrar a qualquer hora nas suas respectivas igrejas.

Os paroquianos de S. Vicente já tiveram a mágoa de expor a V. Exa. que a liberdade no cumprimento dos deveres da nossa religião lhes foi assim limitada desde o primeiro dia, encontrando-se fechada a igreja às horas em que habitualmente ali

Página 44

44 Diário da Câmara dos Deputados

se exercia o culto, facto de que resulta grave prejuízo para os católicos pertencentes à classe trabalhadora, que só no começo e no fim do dia dispõe de tempo para consagrar às suas práticas religiosas.

Posteriormente, sendo aberto o templo apenas para os actos religiosos da manhã, era-lhes recusado para o ensino da doutrina à hora desde muito fixada para êste serviço.

De há longo tempo se praticavam em as nossas igrejas os actos religiosos, sem que jamais houvesse a lamentar a mais leve alteração da ordem, antes com geral aprazimento dos católicos, a cujas necessidades espirituais aqueles actos de culto plenamente satisfaziam.

A intervenção perturbadora da associação cultual, e as violentas restrições de que cercou o exercício do nosso culto, só podem ter sido determinadas pelo propósito de vexar nos e agravar as nossas crenças.

Nem outro procedimento seria lícito esperar duma agremiação que nela não comunga, antes as vê com olhos inimigos.

Mais grave se tornou ultimamente a situação, com o facto de ter sido arrancado o horário semanal do serviço religioso em S. Vicente, assinado pelo pároco e por êle afixado à porta da igreja, facto que ainda há dois dias se repetiu, havendo-se quebrado desta vez o vidro do quadro que encerrava o referido horário.

Contra tais violências praticadas directa ou indirectamente pela associação cultual, violências que reputamos atentatórias da independência espiritual dos nossos párocos, a quem exclusivamente compete regular o exercício do culto, protestamos com toda a energia das nossas crenças afrontadas e da nossa liberdade ofendida.

Por último, talvez no intuito de exasperar a cordata resistência oposta da nossa parte a tais prepotências e arbítrios, a associação cultual, arrogando-se o direito exclusivo de organizar o ensino religioso, intimou o reverendo pároco de S. Vicente a suspender os seus trabalhos de catequese das crianças.

De todos os abusos de poder praticados por aquela entidade é êste certamente o mais grave, procure ela muito embora autorizá-lo erradamente na citação do artigo 37.° do decreto de Separação. O artigo invocado, negando ás associações culturas o direito de intervir em quaisquer serviços de instrução, permite-lhes apenas organizar o ensino da respectiva religião, achando-se ai empregada a palavra "exclusivo", para significar que é êsse o único ensino facultado à corporação cultual, e não para preceituar que só essa corporação tenha o direito de organizar o ensino religioso.

De facto, a associação cultual, invocando o irrisório pretexto de que está estudando a organização do ensino religioso, intenta apenas privar os nossos filhos de se instruírem nos princípios da religião em que nós, seus pais, queremos educá-los. Bem pode a associação cultual eternizar os seus estudos, suprimindo assim pura e simplesmente o ensino religioso. Hoje proíbe-o sob a forma de catequese, amanhã proibi-lo há sob a forma de sermão, de conferência, de cântico religioso.

E em breve a associação cultual proibirá todos os actos do culto, porque todos êles representam outras tantas formas de ensino da religião.

A que está reduzida assim-não já na previsão das arbitrariedades futuras, mas na sequência dos factos ocorridos que nos fôrça ao abandono das nossas igrejas - a liberdade de profissão das crenças católicas?

Como se efectiva o gozo dos direitos que a Constituição consigna aos cidadãos portugueses?

Exmo. Sr.- A instalação duma associação cultual em as nossas igrejas constitui uma experiência decisiva.

A associação cultual só pode representar na paróquia católica um elemento de grave perturbação na vida religiosa dos fiéis.

Pela sua própria organização pode essa entidade ser praticamente constituída por indivíduos de qualquer religião, sem religião alguma ou adversários de toda a forma religiosa, visto como a lei não estabelece critério algum pelo qual se reconheça a sua qualidade de católicos. Pelas atribuições que a lei lhe confere, uma vez postas em exercício, compromete-se e de todo se subverte a estrutura íntima da igreja católica.

A cultual é assim um organismo originariamente ilógico e contraditório, que a consciência católica invencívelmente repele

Página 45

Sessão de 28 de Junho de 1913 45

e que nem pela violência pode impor-se-lhe.

Não pode a tal entidade confiar-se â regulamentação do culto porque não pode um agrupamento anti-católico ter competência para dirigir e coordenar as manifestações da vida católica.

E é tam clara a evidência desta incompatibilidade fundamental que o Parlamento francês revogou, com a lei de 2 de Janeiro de 1907, a legislação que aprovara em Dezembro de 1905 preceituando a organização das associações cultuais. A lei francesa, hoje vigente, entrega aos católicos, representados pelo ministro do culto designado pela autoridade episcopal, a fruição dos edifícios do culto e do seu mobiliário, conferindo-lhe ao mesmo tempo o direito da regulamentação dos actos religiosos.

Os católicos das freguesias de S Vicente e Santo André, fazendo seu o grito da opinião pública francesa - as igrejas aos católicos - confiam em que V. Exa., espectador dos factos lamentáveis que acabamos de relatar, transmitirá ao Govêrno as nossas justas reclamações obtendo para nós a efectivação do direito que a Constituição nos outorga, de livremente praticarmos a nossa religião, a salvo de todos os constrangimentos e violências.

Saúde e Fraternidade.

Lisboa, em 26 de Junho de 1913.= (Seguem-se 505 assinaturas).

O REDACTOR = Melo Barreto

Página 46

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×