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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 2

EM 3 DE DEZEMBRO DE 1917

Presidência do Exmo. Sr. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Alfredo Soares

Sumário - Abre a sessão com a presença de 52 Senhores Deputados. - Lê-se a acta, que se aprova quando se verifica encontrarem-se na sala 69 Srs. Deputados. - Dá-se conta do expediente e são admitidas proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno".

Antes da ordem do dia. - O Sr. Costa Júnior pede, e a Câmara autoriza, que na Mesa se proceda novamente à leitura da representação dos pais dos alunos dos liceus, já lida na véspera. Sôbre o assunto usam da palavra os Srs. Costa Júnior, Ministro de Instrução (Barbosa de Magalhães) e Ramada Curto, que termina pela apresentação de um projecto de lei de suspensão do decreto n.° 3:091, para que requere urgência e dispensa do Regimento. É rejeitado o requerimento. - O Sr. Alberto Xavier, invocando o artigo 37.° do Regimento, requere, e é aprovado, que sôbre o incidente se abra uma inscrição especial. Usa da palavra o Sr. Alberto Xavier - O Sr. Costa Júnior pede informações, que lhe são dadas pela Mesa, sôbre o processo eleitoral do Circulo de S. Tomé - O Sr. João Camoesas requere que entre em discussão imediata o parecer n.º 774, declarando a Presidência que não pode seguir êste requerimento nos termos do citado artigo 37.° do Regimento, pois que, aberta a inscrição especial, o assunto, considerado de ordem, tem de seguir até final. O Sr. Ramada Curto apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida. - E lido o parecer referente à eleição para Deputado no Circulo de Ponta Delgada, tomando assento o Sr. Jaime de Sousa.- Continuando o incidente, o Sr. João Camoesas justifica uma moção de ordem, que é admitida. O Sr. Baltasar Teixeira apresenta uma moção de ordem que é admitida. Segue-se o Sr. Deputado Correia Mendes, que proouz extensas considerações. O Sr. Vasco de Vasconcelos expõe o parecei dos evolucionistas. A discussão fica pendente.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Jorge Nunes trata do novo regulamento sôbre a publicação dos registou parlamentares, dando-lhe informações o Sr. Baltasar Teixeira.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.

As 14 horas e 35 minutos principiou a fazer-se a chamada.

Presentes à chamada, 69 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Abraão Maurício de Carvalho.
Alberto Xavier.
Albino Vieira da Rocha.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Soares.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino Carvalho Mourão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Caetano Macieira Júnior.
António Cândido Pires de Vasconcelos.
António Augusto Portocarrero Teixeira de Vasconcelos.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Nogueira Mimoso Guerra.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Marçal Martins Portugal.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Augusto da Costa.
Artur Duarte de Almeida Leitão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos da Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Eduardo Alberto Lima Basto.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis (Pedralva).
Francisco José Pereira.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Gastão Correia Mendes.
Gaudêncio Pires de Campos.
Guilherme Nunes Godinho.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Hermano José de Medeiros.
João Barreira.
João de Barros.
João de Deus Ramos.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim José de Oliveira.
José António da Costa Júnior.
José António Simões Raposo Júnior.
José Barbosa.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís Carlos Guedes Derouet.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Firmino da Costa.
Manuel Martins Cardoso.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sérgio da Cunha Tarouca.
Urbano Rodrigues.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adelino de Oliveira Pinto Furtado.
António Augusto Fernandes Rêgo.
António Caetano Celorico Gil.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António José de Almeida.
António Pires de Carvalho.
Armando da Gama Ochoa.
Constâncio de Oliveira.
Domingos Leite Pereira.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco de Sousa Dias.
Francisco Xavier Pires Trancoso.
Gastão Rafael Rodrigues.
Germano Lopes Martins.
João Gonçalves.
João Lopes Soares.
João Pereira Bastos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Mariano Martins.

Não compareceram à sessão os Srs..

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Braga.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Poppe.
Amadeu Monjardino.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo Vaz.
António de Almeida Garrett.
António Aresta Branco.
António Augusto de Castro Meireles.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Firmo de Azevedo Antas.
António Maria da Cunha Marques da Costa.
António Maria Malva do Vale.
António Maria Pereira Júnior.
António Miguel de Sousa Fernandes.
Armando Marques Guedes.
Augusto Luís Vieira Soares.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo de Almeida Lucas.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Eduardo Augusto do Almeida.
Ernesto Jardim de Vilhena.
Francisco Correia de Herédia (Ribeira Brava).
Francisco Cruz.

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Sessão de 3 de Dezembro de 1917 3

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Zuzarte Cortesão.
João Baptista da Silva.
João Cabral de Castro.
João Canavarro Crispiniano da Fonseca.
João Carlos de Melo Barreto.
João Catanho de Meneses.
João Crisóstomo Antunes.
João Elísio Ferreira Sucena.
João Pedro de Sousa.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto Pereira.
José Augusto Simas Machado.
José de Barros Mendes do Abreu.
José Bessa de Carvalho.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Maria Gomes.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
Júlio do Patrocínio Martins.
Levy Marques da Costa.
Luís de Brito Guimarães.
Manuel Augusto Granjo.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Vitorino Henrique s Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Às 16 horas terminou a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 52 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados. Está em discussão a acta.

Aprovada a acta sem discussão.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Tribunal do Comércio de Lisboa, 1.ª vara, solicitando autorização para o Deputado Sr. Urbano Rodrigues depor como testemunha no mesmo Tribunal no dia 21 de Dezembro, às 12 horas.

Não foi comedido.

Comunique-se.

Do Senado, comunicando que na sessão de 23 de Agosto do corrente ano foi aprovada uma proposta concedendo uma subvenção de 12 por cento ao pessoal menor do Congresso.

Para a comissão administrativa.

Licenças

O Deputado Sr. António Cândido Pires de Vasconcelos pediu quarenta dias de licença.

Concedido. Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

O Deputado Sr. João Catanho de Meneses pediu cinco dias de licença.

Concedido. Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Admissões

Foram admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno":

Abrindo um crédito a favor do Ministério de Instrução Pública, na importância de 6.509$99, para pagamento dos serviços extraordinários de regência e de exames no ano económico de 1916-1917.

Para a comissão de finanças.

Instituindo escolas profissionais de artes gráficas.

Para a comissão de comércio e indústria.

Autorizando a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a criar o Instituto de Radioscopia e contratar o pessoal necessário para o seu bom funcionamento.

Para a comissão de instrução superior, especial e técnica.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Costa Júnior: - Vou fazer algumas preguntas ao Sr. Ministro de Instrução, fundamentando-me no que S. Exa. diz nos considerandos ao decreto n.° 3:592. Com respeito ao decreto n.° 3:091, de 17 de Abril do 1917, diz S. Exa. que logo, a breves dias da publicação daquele diploma, surgiram reclamações sôbre a execução do mesmo, por parte de várias colectividades e estações oficiais.

Historiando os factos passados no Parlamento, S. Exa. conclui por expor o que no Parlamento se decidiu.

Faz-se notar que o regulamento foi publicado sem prejuízo da execução do decreto, até deliberação do Parlamento. S. Exa. diz mesmo que, havendo disposições no decreto contrárias às leis, tem sido o próprio que, em harmonia com o artigo 474.°, não tem pôsto em execução algumas das disposições que o regulamento contêm.

Sr. Presidente: sem mais delongas, passo a preguntar ao Sr. Ministro de Instrução o seguinte:

1.° Está S. Exa. na disposição de instar para que seja discutido nesta Câmara êsse regulamento?

2.° Está na disposição de propor à Câmara que êle seja suspenso até que as respectivas resoluções se tornem definitivas?

3.° Está S. Exa. na disposição de conseguir alguma forma conciliadora, que faça terminar o conflito que está prejudicando a futura camada dirigente do país?

4.° Está S. Exa. na disposição de acabar com alguns artigos do aludido regulamento, que brigam, como S. Exa. mesmo diz, com as leis em vigor?

Eram estas as preguntas que tinha a fazer. Aguardo agora a resposta do Sr. Ministro. Depois dela pedirei, se necessário for, para replicar a S. Exa. como julgar conveniente.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Sr. Presidente: ouvi ler na Mesa a representação que a esta Câmara foi dirigida pela União dos Pais ou encarregados da educação dos alunos dos liceus. Igualmente ouvi as considerações que sôbre ela fez o Sr. Costa Júnior, que me dirigiu quatro preguntas, às quais vou responder com toda a concisão.

Começo por declarar que estou na disposição de pedir a esta Câmara, e aproveito já a oportunidade para fazer tal pedido, que o mias depressa possível entre em discussão o parecer que sôbre o decreto n.° 3:091 foi dado pela comissão de instrução primária e secundária em Julho dêste ano.

Foi exactamente em virtude duma moção aqui votada que essa comissão, reunindo imediatamente, depois dalgumas sessões votou êsse parecer, que foi impresso, publicado e distribuído. Já no final da sessão legislativa passada eu me havia esforçado por que êle fôsse aqui discutido. Não o consegui, e V. Exa. e a Câmara sabem como as circunstâncias que acompanharam o final dessa sessão impediram que o parecer fôsse discutido, mas era e é minha intenção, e agora a realizo, pedir a esta Câmara que êsse parecer, juntamente com as reclamações que posteriormente forem apresentadas, seja discutido e apreciado.

Aqui tem V. Exa. uma resposta precisa e clara à sua primeira pregunta.

Segunda pregunta: se tenciono propor a suspensão do regulamento.

Quando a questão aqui foi discutida pela primeira vez, fez sôbre ela várias considerações o Sr. João Camoesas, acabando por enviar para a Mesa uma moção de ordem para que o regulamento tosse suspenso. Eu fui ouvido sôbre essa moção, e lembro-me até de que o Sr. Brito Camacho se me dirigiu para saber qual ora a opinião do Ministro de Instrução sôbre êsse assunto. Eu respondi que êsse decreto estava há poucos dias em vigor, que não começara ainda a ser executado, o que, portanto, não haveria inconveniente de maior na sua suspensão. Que, de facto, podiam resultar dúvidas o dificuldades, mas que exactamente para as resolver é que estava neste lugar uma pessoa que exercia as funções de Ministro de Instrução; e que, em todo o caso, eu não mo manifestava, por essa suspensão, porque esta Câmara manifestara já o seu desejo de que a respectiva comissão dêsse o seu parecer com urgência, que confiava em que tal facto se dêsse, esperando que o regulamento em questão ficasse ultimado dentro

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de poucos dias, sem necessidade de suspender êsse diploma.

Depois disto, foi apresentada uma nova moção pelo Sr. José Maria Gomes, consignando que o assunto dêsse decreto viria novamente à comissão, som prejuízo da sua execução. Eu já antes tinha declarado que aplicaria todas as disposições dêsse decreto, que não fossem contrárias à lei, no que estava de harmonia com êle próprio, porque o seu último artigo ressalva as disposições que possam ser contrárias à lei. Quis até depois enviar para a Mesa um aditamento a essa moção, mas não foi admitido, porque a discussão já estava encerrada. Ficou, porêm, expressa a minha declaração nos registos parlamentares.

A comissão de instrução pública disse que continuaria em execução, em parte. Isto foi no princípio do ano lectivo; depois vem a greve, e foram apresentadas as reclamações conhecidas.

Não me parece que nesta altura haja conveniência em o suspender (Apoiados).

Isto teria todos os inconvenientes, A sua suspensão só poderia levantar suspeitas de que o Parlamento não estava disposto a resolver êsse assunto.

O Sr. Brito Camacho: - Nós precisamos de larga discussão.

O Orador: - Há nisso a maior urgência.

O Sr. Ramada Curto: - Já estão fechados os liceus por êsse país fora. Eu tenho pessoal e especialmente averiguado êsse caso. V. Exa. só tem conseguido levar aos liceus as primeiras classes.

O Orador: - Eu não estava a discutir o regulamento, nem a defendê-lo. V. Exa. é que está mostrando a sua paixão neste assunto.

O Sr. Ramada Curto: - Sem dúvida, em paixão!

Sem dúvida alguma!

O Sr. Alberto Xavier: - Estão em jôgo os princípios republicanos sôbre instrução.

Eu pertenço à geração de 1907, que foi intransigente nesses princípios.

Êste regulamento parece um regulamento germânico!

O Orador: - Pena é que V. Exa. há mais tempo não tivesse visto que êste regulamento era germânico. (Apoiados).

De resto, eu estava serenamente a responder às preguntas feitas pelo Sr. Costa Júnior, e dizia que não estava disposto a propor a suspensão do regulamento.

Se V. Exa. me preguntar se concordo com êle, eu direi que não; mas desde agora só tenho de fazê-lo cumprir nos seus termos legais.

Repito, se a Câmara está resolvida a considerar o assunto, que é importante, com brevidade, não há necessidade de suspender o regulamento.

De resto, o meu desejo é que qualquer resolução seja tomada por esta Câmara, e assim não tenho senão a pedir que a Câmara aprecie e resolva a questão, tendo em vista todos os elementos que a possam elucidar.

Em relação à pregunta feita pelo Sr. Costa Júnior, com respeito à aplicação de disposições do regulamento que fossem contrárias à lei anterior, eu já tive ocasião de dizer que não se cumpririam essas disposições. Assim o fiz o assim o farei, sempre que se me depare uma dessas disposições que seja contrária à lei anterior.

O decreto em questão foi publicado com o carácter de uma regulamentação, não podendo eu senão, como tenho feito, cumprir o que foi determinado por esta Câmara.

Isso tenho feito, como disse, e farei, porque não me esqueço, estando nestas cadeiras ministeriais, que estive nas cadeiras de Deputado, e que fui partidário dos seus direitos e deveres.

Neste lugar tenho procedido em harmonia com os verdadeiros princípios republicanos e com a minha consciência.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem foram revistos os apartes.

O Sr. Presidente: - Não posso conceder desde já a palavra ao Sr. Costa Júnior, porque tenho de respeitar a ordem da inscrição, e assim dou a palavra ao Sr. Ramada Curto.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente: era minha tenção, logo que se me proporcionasse o ensejo, levantar a minha voz nesta Câmara sôbre a questão do ensino nos liceus.

Não demorarei, pois, um dia em satisfazer essa minha intenção, e entro no debate, e para isso a primeira razão é a das recordações do tempo em que fui estudante e do desenvolvimento que ao ensino quis dar a academia de 1907, que reivindicava para êsse ensino a liberdade e os deveres e direitos dos estudantes, por efeito duma norma diferente da que hoje se quere impor.

A essa academia de 1907 presto aqui a minha homenagem, bem como aos meus camaradas da escola de Coimbra, pelas reclamações que então foram formuladas e que se registaram, em diferentes artigos do jornal A Luta, reclamações que eram para todos êsses homens um padrão de glória e que, uma vez postas em prática, concorreriam para o rejuvenescimento da nossa raça.

Foi essa a razão, a causa da greve de 1907, e sinto muito ver que em 1917, dez anos depois, e a sete da proclamação da República, surja, não uma greve na Universidade, mas um movimento de todas aquelas pessoas que tem o direito de se pronunciar contra velhos processos que absolutamente não são patrióticos nem republicanos, estando condenados pelos espíritos daqueles que sabem o que deve ser o ensino em Portugal.

Êste regulamento mais parece dum seminário subordinado a normas jesuíticas, ou daquele da Universidade em que nos obrigavam, de joelhos, a fazer um juramento à Imaculada, do que um regulamento de ensino moderno da República. Um regulamento como aqueles a que venho de referir-me...

O Sr. Brito Camacho (em aparte): - Lá havemos de chegar!

O Orador: - Eu devo dizer que não intervim no debato porque a minha competência não é dum pedagogo; não tinha êsse cartaz, nem fui concorrente ao professorado. Sou apenas um advogado, e a minha pedagogia limita-se à interpretação dos códigos. Mas V. Exa., Sr. Presidente, pela situação especial de Ministro do Instrução Pública e professor duma Faculdade, tem o direito e a competência para resolver o assunto. Eu apenas tenho o direito de, como Deputado e português, procurar ver de boa fé o que há neste assunto.

O que se passa não é uma greve de estudantes, é uma estranha revolta, e, para mim, lamento que V. Exa., um homem novo, um homem moderno, não se tivesse lembrado de resolver esta greve, que dura há um mós, pois com uma penada, com um simples decreto, teria revogado o regulamento, evitando assim que se diga, ou se possa dizer, que V. Exa. quis fazer bravura com os estudantes.

Quere dizer: aquela frase, já consagrada na imprensa e na oratória, a brandura dos nossos costumes, V. Exa. transformou-a na dureza dos nossos costumes.

Cheguei a recear que V. Exa. mobilizasse os rapazes para a Instrução Militar Preparatória. (Apoiados).

No momento sagrado em que ... - o resto já V. Exas. sabem - os impérios centrais hão-de convencer-se que em Portugal se está travando uma séria peleja, que o nosso país se está debatendo com uma crise ameaçadora, e tudo isto... porque os estudantes do liceu não querem sujeitar-se às exigências dêste extraordinário decreto!...

Ora, francamente, eu não vejo que na nossa terra aqueles pedagogos cotados que temos, tenham vindo dizer alguma cousa em prol do decreto do Sr. Ministro de Instrução; mas. pelo contrário, eu tenho visto que o combate que êsses indivíduos têm feito ao regulamento é rude e intenso.

Sr. Presidente: eu não procuro dar à minha intervenção neste assunto o carácter eloquente duma interpelação parlamentar, fazendo a crítica detalhada e minuciosa do regulamento. Não o faço por emquanto; mas desde já previno V. Exa. de que, se se generalizar o debate, eu apresentarei aqui bastantes considerações no sentido do projecto que apresento, para que seja suspenso o decreto n.° 3:091.

Sr. Presidente: não extranhe V. Exa., nem o Sr. Ministro de Instrução, nem a Câmara, que eu torne um interesse grande e caloroso por esta questão, se bem

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que não pertença às altas pedagogias do nosso país; mas eu tenho continuamente diante dos meus olhos a impressão desagradável da fachada dum liceu da capital, do liceu de Pedro Nunes.

Não há nada mais retrógrado, mais desinteressante, mais germânico do que o liceu de Pedro Nunes, que parece ter sido copiado de qualquer projecto alemão, que porventura houvesse no Ministério de Instrução.

E lá dentro existe um espírito caserneiro, um espírito do seminário de Santarém.

É necessário que a República, para sua honra e prestígio, não consinta esta decadência, em tudo semelhante à célebre sala dos actos da Universidade de Coimbra, em cujas paredes se vêem centenas de quadros, representando os professores dêsse estabelecimento de ensino: as caras mais medonhas que eu tenho visto, os olhos mais horríficos que eu tenho contemplado, havendo no fundo dêstes olhares revérberos de violência e de crueldade, adivinhando-se no fundo daquelas pupilas o brilho scintilante que elas deviam apresentar no momento em que êsses professores insultavam os candidatos antes de os examinar.

A instrução, Sr. Presidente, deve ser, bem ao contrário disto; deve ser uma cousa democrática e nobre, porque não faz sentido que nós sejamos a República, que nos glorifiquemos de tantas reivindicações liberais e que façamos, dentro da instrução pública, (uma obra diferente dos altos princípios que devem inspirar esta mesma República. Valha-nos que defronte do Liceu de Pedro Nunes está o futuro da instrução, naquela escola toda cheia de carinho, inteligência u amor: o Jardim-Escola João de Deus.

Dum lado a Inquisição, do outro lado a liberdade!

A patrocinar a obra do futuro está a casa escolar de João de Deus, dêsse genial e eminente poeta, que aconselha, como bom meio pedagógico, como excelente norma que se impõe, o carinho e o amor.

Sr. Presidente: eu vou terminar estas breves palavras, eequerendo para o meu projecto de lei a urgência e dispensa do Regimento.

Tenho dito. (Muitos apoiados).

O orador não reviu.

Projecto de lei

É suspenso o decreto n.° 3:091, de 17 de Abril de 1917, a contar da data desta lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. - O Deputado, A. Ramada Curto.

A Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

O Sr. Alberto Xavier: - Invoco o artigo 37.° do Regimento, que preceitua a abertura duma inscrição especial sôbre assuntos, como êste, de grande importância e de interesse geral.

Procede-se à votação do requerimento do Sr. Ramada Curto.

O Sr. Presidente: - Rejeitaram o requerimento do Sr. Ramada Curto 41 Srs. Deputados, e aprovaram-no 34.

O Sr. Brito Camacho: - Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Rejeitaram o requerimento 43 Srs. Deputados, e aprovaram-no 32.

Está, portanto, rejeitado.

O Sr. Alberto Xavier: - Invoquei o artigo 37.° do Regimento. Pedi que sôbre a questão fôsse aberta inscrição especial. Parece-me, pois, que V. Exa. em primeiro lugar, tem de pôr à votação o meu requerimento.

O Sr. Ramada Curto: - Requeiro votação nominal sôbre o requerimento do Sr. Alberto Xavier.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Alberto Xavier.

O Sr. Alberto Xavier: - É com profunda comoção que uso da palavra para tratar da questão que se iniciou, porque, Sr. Presidente, eu sinto que a República está atravessando actualmente uma grave crise política e, ao mesmo tempo, debatendo-se numa grave crise moral. A crise política não tem sido convenientemente resolvida, tomando-se em conta os altos interesses da República, e a crise moral não tem sido atacada de frente, com firmeza e decisão, como seria de esperar.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

Sr. Eresidente: justamente porque tenho a convicção plena de que os factos me tem dado razão, é que entendo que ninguêm, que seja republicano, que tenha a consciência nítida da situação presente, pode ficar silencioso neste momento, subjugado por qualquer espírito de disciplina partidária.

Não é minha intenção apreciar desde já o regulamento famoso, que deu lugar à greve dos liceus; simplesmente farei desde já algumas referências ao decreto de 22 de Novembro, que o Sr. Ministro de Instrução publicou como uma espécie de solução para o assunto que se debate.

O decreto de 22 de Novembro contêm afirmações que eu reputo extremamente graves, e o relatório que o precede indica que o Sr. Ministro de Instrução não exprime positivamente as aspirações democráticas, que devem sempre servir de norma a um Ministro duma República.

Diz o decreto de 22 de Novembro, no seu relatório, o seguinte:

Leu.

O Sr. Ministro de Instrução, num documento oficial inserto no Diário do Govêrno logo após a publicação do famoso regulamento de 17 de Abril, disse que imediatamente se manifestaram as necessárias oposições por parte das diversas entidades, mas, mais adiante, declara que, depois de se ter declarado a greve dos estudantes nos liceus, não podia imediatamente resolver o problema, e que. nestas condições, solicitara com urgência os pareceres das entidades que sôbre as reclamações apresentadas tinham sido consultadas.

Mas então, como é que só em Novembro dêste ano o Sr. Ministro de Instrução precisa conhecer os pareceres de tais entidades, quando é certo que logo no começo do relatório declara que quando o regulamento foi publicado já aquelas entidades tinham emitido os seus pareceres?!

Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, o Sr. Ministro de Instrução Pública não precisava, em Novembro, de esperar pelo parecer que já existia, como S. Exa. mesmo constatou.

Mas há mais alguma cousa, Sr. Presidente, que eu reputo tambêm muito grave. Eu vejo aqui neste diploma, Sr. Presidente, que dentro duma República há um Ministro de Instrução Pública que quere abafar todas as reclamações, invocando o chamado prestígio da autoridade como se fôsse lícito, dentro do regime republicano, escudar-se o espírito liberal nas chamadas razões de Estado, nas chamadas razões de autoridade, para deixar de reconhecer as mais legítimas reclamações de todas as entidades que têm o direito de o fazer.

Mas há mais ainda: é que as reclamações, diz o Sr. Ministro de Instrução Pública, eram formuladas afrontosamente.

É singular! Mas então o Sr. Ministro de Instrução Pública, um Ministro duma democracia, tem o direito de dizer que as reclamações que lhe têm feito são afrontosas? Afrontosas, porquê?

Faltaram, por acaso, ao respeito devido aos poderes constituídos? Não.

Então com que direito o Sr. Ministro de Instrução diz no seu relatório, publicado no Diário do Govêrno, que pretenderam os pais dos alunos fazer uma espécie de imposição afrontosa que êle não podia aceitar?!

Sr. Presidente: V. Exa. está a ver que há uma desarmonia manifesta.

Fez-se a revolução de õ de Outubro e verteu-se tanto sangue para se implantar em Portugal um regime libertador, mas não está parecendo.

Sr. Presidente: quando se fez a greve, em 1907, que ninguêm pode esquecer, a ela o Partido Republicano deu toda a sua soldariedade, todo o seu apoio. (Apoiados).

O Ministro do Reino de então declarou, neste Parlamento, pouco mais ou menos o que diz agora o Sr. Ministro de Instrução no seu relatório. Também declarou que só atenderia às reclamações depois de terem, os alunos voltado às aulas. E recordo-me que, nessa ocasião, as galerias públicas se encontravam repletas de estudantes que tinham vindo de Coimbra, e a que se tinham associado todos os estudantes de Lisboa, e que abafaram as palavras dó Ministro com uma estrondosa pateada.

Foi então que uma voz se ergueu aqui dentro, a do Sr. António José de Almeida, e que, fora do Parlamento, uma pena, a do Sr. Brito Camacho, que se colocaram ao nosso lado.

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Sessão de 3 de Dezembro de 1917 9

Era todo o Partido Eepnblícano a dar-nos a sua solidariedade.

Lamento que o Sr. Ministro de Instrução Pública tivesse publicado 6sse decreto precedido dum relatório onde se fazem afirmações que são a completa negação de todos os princípios democráticos.

Disse S. Exa. que não podia resolver sôbre as reclamações apresentadas pelos pais dos estudantes dos liceus! Mas em que país estamos nós?! Por que razão se pretende deixar de reconhecer o direito mais sagrado e mais legítimo que tem todo o cidadão português, como é o direito de petição? Há o direito de se considerar afrontosas as reclamações feitas pelos pais dos estudantes dos liceus? Pois não foram essas reclamações formuladas com toda a cordura e com toda a serenidade?

Lamento ainda que êsse mesmo relatório e êsse mesmo decreto viessem assinados por um homem que, em 1907, tinha dado uma pública afirmação de nobreza e de isenção, colocando-se ao lado das reclamações altivas que a mocidade académica nessa época realizou. Tenho pena que o Sr. Ministro de Instrução Pública, alêm das afirmações absolutamente estranhas e singulares que S. Exa. faz no relatório que precede êsse decreto, tivesse trazido, à solidariedade dêsse decreto e dêsse relatório, a assinatura dum homem cuja figura devia estar fora dêste lugar. Quero referir-me ao Sr. Presidente da República; quero referir-me ao Sr. Bernardino Machado, que em 1907 se colocou ao lado da mocidade académica quando das suas reclamações, e declarou, num gesto altivo e nobre, que o consagrou para sempre, que, se por acaso o Ministro do Reino dessa ocasião, e que era tambêm Ministro de Instrução, obrigasse os estudantes a uma humilhação, êle, professor da Universidade, se julgaria demitido. Assim o disse e assim o fez.

Em todo o procedimento do Sr. Ministro de Instrução há uma revivescência do procedimento que o Govêrno de 1907 teve para com as reclamações feitas nessa época.

Sr. Presidente: não darei o meu voto a qualquer cousa que seja a manutenção dêsse decreto e dêsse relatório, que considero contrário aos mais basilares princípios da democracia e da pedagogia moderna.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer da comissão do verificação do poderes sôbre a eleição de Ponta Delgada.

O Sr. João Camoesas: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sobre* se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 774.

O Sr. Costa Júnior: - Sr. Presidente: pedi a palavra para preguntar a V. Exa. se está na Mesa o parecer relativo à eleição do S. Tomé.

O Sr. Presidente: - Ainda não chegou à Mesa.

O Sr. Costa Júnior: - Peço a V. Exa. a fineza do mandar saber à Secretaria se já existo parecer sôbre essa eleição.

O Sr. Presidente: - Em vista do que dispõe o artigo 37.° do Regimento, tenho dúvidas em submeter à votação da Câmara o requerimento apresentado pelo Sr. João Camoesas. O que está em discussão é o assunto sôbre o qual requereu a generalização do debate, o Sr. Alberto Xavier, que nos termos regimentais tem de seguir até o fim.

Tem a palavra sôbre a ordem o Sr. Ramada Curto.

O Sr. Ramada Curto (sobre a ordem): - Sr. Presidente: obedecendo às prescrições regimentais, e porque me parece que esta minha moção conciliará os votos da Câmara o de forma alguma poderá atingir a possível posição em que o Govêrno se tenha colocado nesta questão, mando para a mesa a seguinte:

Moção de ordem

A Câmara dos Deputados, considerando que da preparação das gerações académicas, num regime pedagógico de máxima liberdade e correlativa responsabilidade

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é que depende o futuro da Pátria e da República; tendo presente o afervorar-lho os votos, as nobres e altas palavras do nobre pedagogo, o actual e ilustre Chefe do Estaco, proferidas na extinta Camara dos Pares em. 1905, exprimo o voto de discussão imediata do parecer 774 e de que se considere desde já suspenso o decreto 3:091 até ulterior resolução definitiva. - O Deputado, Ramada Curto.

Sr. Presidente: a Câmara tem o direito de, imediatamente, ser esclarecida sôbre a matéria em discussão, para exprimir, correlativamente, o voto a que o diploma dá margem.

Assim, parece-me que, não tendo a Câmara de aprovar o projecto de lei que apresentei, não terá dificuldade alguma em votar uma moção desta natureza, que nos põe a todos nós de acôrdo, sem ser necessário fazer um torneio de afirmações mais ou menos vistosas, podendo dar a impressão de que queremos transformar um debate em que todos devemos estar de boa fé.

Julgo que a aprovação desta minha moção liquidará o assunto.

Estou de acôrdo com as palavras proferidas pelo Sr. Ministro de Instrução, quando disse que era necessário trazer, quanto antes, à Câmara o regulamento, a fim de ser apreciado e discutido.

Isto não implica que eu não mantenha, inteiramente, as palavras que proferi no discurso que há pouco fiz à Câmara.

Lamento que seja necessário reùnir o Parlamento para resolver um assunto, cuja resolução devia ser de iniciativa governamental.

Os factos passados não devem merecer da nossa parte um interêsse excessivo. A discussão das particularidades do projecto, e eu pedi a palavra apenas para apresentar a minha moção, pertence mais directamente aos técnicos que tem assento nesta casa do Parlamento.

A minha afirmação é de que o decreto é uma monstruosidade jurídica, porque, sendo um decreto que excede o âmbito marcado pela lei, no sou último artigo acaba por fazer a afirmação estranha de que se revoga a si próprio.

De resto, Sr. Presidente, no decreto há disposições absolutamente vexatórias, como, por exemplo, a de se dar aos estudantes dos liceus o direito de darem um certo e determinado número de faltas, e o caso é tam extraordinário que o exercício dessa faculdade concedida pelo decreto, quando seja realizado, implica para os estudantes uma nota de mau comportamento!

Resultado? O resultado imediato, que só não compreende quem nunca foi estudante, é êste: uma vez, por qualquer acidente do saúde momentâneo, por uma indisposição aguda e ligeira, mas que pode durar horas, o estudante encontra-se impossibilitado de estudar; como, porêm, não tenha o seu director de estudos em casa e como o seu pai não possa prestar a justificação do seu estado, ou ainda, como o estudante não logre convencer os que tem a responsabilidade da sua educação do seu real estado de saúde, êsse estudante arrisca-se a ir para as aulas dar uma lição que prejudique a sua frequência.

Como é que o rapaz sai desta situação?

O regulamento incita-o a falsificar a assinatura do pai. É o que o estudante fará.

Toda a miudinha rede em que a vida do estudante está metida, até mesmo, pode dizer-se, no momento em que realiza funções que não têm nada de carácter pedagógico ou escolar, é tudo quanto pode haver de mais contrário aos princípios que, quanto a mim, estão na medula republicana.

Se eu tivesse confiado em certos processos, não era republicano, era integralista, e, em vez de estar filiado num partido e de ter combatido pela República; eu estava neste momento defendendo em qualquer jornal integralista, não imortais princípios, hoje já quási esquecidos, mas doutrinas sem defesa.

Mas esta apreciação, feita à vol d'oiseau, poder-se há considerar decaída neste debate parlamentar. Dentro em pouco a lei em questão vai ser trazida à discussão, e nessa ocasião se fará a análise, disposição por disposição, de todo o diploma.

A minha moção de ordem - continuo a afirmar - tende a acabar desde já com uma situação em que, por uma hipertrofia de puro personalismo, os reitores dos liceus quiseram substituir-se aos conselhos escolares, arvorando-se em ditadores per omnia século, dentro dos respectivos insti-

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tutos. Esta hipertrofia personalista, êste figurino incompatível com a sã democracia, não mo parece aceitável.

Lamento, Sr. Presidente, que a magnitude do assunto não interesse a toda a Câmara, ou que de todos os lados se lhe não dedicasse a atenção, mas antes uma ligeira, risonha e desdenhosa atenção.

A responsabilidade a quem toque! (Apoiados). Na votação desta moção ou apenas pretendo inocular perante o país - permita-mo V. Exa. e a Câmara a audácia - a responsabilidade do voto do todos nós, sem ofensa nem melindre para aqueles que possam ter opinião em contrário. Esta questão, a meu ver, deve pairar bem alto das paixões mesquinhas dos homens. É bom que fique bem acentuado que, neste assunto, não há distinções partidárias: há republicanos ou não republicanos!

O Sr. Alberto Xavier: - E Deputados da Nação!

O Orador: - Sim, senhor! E Deputados da Nação!

E natural que invoque as palavras do ilustre Chefe do Estado, pronunciadas em 1907. Então S. Exa. classificou a reforma de espírito jesuítico. Agora combate-se pelos mesmos princípios defendidos então pelo Sr. Bernardino Machado, o nenhum republicano poderá afirmar que o prestigioso Chefe do Estado não tinha razão, e que quem a tinha era o autor ou defensor do regulamento. (Boiados).

Espero que a minha moção seja aprovada. Só assim nos poderemos impor ao respeito que se deve aos homens públicos.

Desejo mais uma vez acentuar que, com as minhas palavras, não quero dar a mais ligeira beliscadura no prestígio ministerial, nem tam pouco no prestígio do Sr. Ministro do Instrução Pública, embora possa discordar da sua opinião.

Disso S. Exa. que não revogava o regulamento - foram as palavras de S. Exa.

Disse mais S. Exa. que desejava que o parecer sôbre o regulamento entrasse imediatamente em discussão. A Câmara, de acôrdo com S. Exa., fez o que o Sr. Ministro desejava: consentiu em abrir imediatamente a discussão sôbre o assunto.

A questão é tam complexa que pode demorar muito, e já ouvi dizer que um Sr. Senador tencionava falar durante quatro ou cinco dias. Não admira. Quando se começar a puxar pela pedagogia própria e alheia, não me causará admiração que o debate se prolongue indefinidamente.

Ora a situação é grave, porquanto os liceus já estão fechados, pode assim dizer-se há um mês. A não ser que o Sr. Ministro queira fazer a degolação dos inocentes das escolas.

Convencido de que a minha moção é conciliatória, mando-a para a Mesa, sujeitando-a à deliberação da Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção, para ser admitida.

Parece-me, porêm, que a última parte já está prejudicada pela votação da Câmara.

O Sr. Costa Júnior: - Não está.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer da comissão de verificação de poderes sôbre a eleição do círculo n.° 41 (Ponta Delgada).

O Sr. Presidente: - Constâncio-me que só encontra na sala dos Passos Perdidos o Sr. Deputado recentemente eleito por Ponta Delgada, Jaime de Sousa, convido os Srs. Deputados Abílio Marçal, Bernado Curto, Vasco de Vasconcelos e Hermano de Medeiros a introduzirem S. Exa. na sala, a fim de tomar assento.

S. Exa. é introduzido na sala.

O Sr. Presidente: - Cumpre-me comunicar ao Sr. Deputado Costa Júnior que o processo referente à eleição de S. Tomé está afecto à segunda comissão de verificação de poderes.

O Sr. Costa Júnior, agradece a informação do Sr. Presidente.

O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: começo por enviar para a Mesa a seguinte

Moção de ordem

A Câmara considerando que é absolutamente indispensável pôr fim à situação anormal em que vem vivendo o ensino secundário, resolve discutir imediatamen-

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te o parecer n.° 774. - O Deputado, João Camoesas.

Na sessão de 10 de Maio dêste ano tive a honra de enviar para a Mesa desta Câmara uma moção que continha apenas os dois considerandos que exprimiam todo o alcance da questão debatida.

As afirmações expressas são absolutamente verdadeiras, porque mostram à evidência os embaraços resultantes da aplicação do decreto n.° 3:091.

É fora de dúvida que nos encontramos hoje numa situação deveras excepcional, podendo dizer-se que não funciona o ensino secundário em Portugal. E um grau do ensino que está absolutamente anormalizado, porque, com intuitos que eu não quero agora analisar, se teima em aplicar o decreto n.° 3:091.

Afirmei eu que êste decreto continha matéria a que era impossível dar execução, e ainda há pouco o próprio Sr. Ministro de Instrução, veio corroborar esta minha afirmação.

Permitam-me V. Exa. e a Câmara êste desabafo, porque êle é o início da minha prometida campanha nesta casa do Parlamento. Desde a hora em que pude numa rápida leitura apreciar o decreto n.° 3:091, imediatamente fiz tenção de erguer a minha voz pobre, mas sincera, para manifestar a repulsa que essa leitura inspirava ao meu espírito.

Eu já tive ocasião de dizer então, e torno a repeti-lo hoje: estou absolutamente convencido de que a comissão que elaborou êsse projecto pôs na sua confecção todo o seu cuidado e toda a sua boa fé.

Estou igualmente convencido de que o Sr. Ministro de Instrução teve os maiores desejos do deixar vinculado o seu nome na reforma da pedagogia nacional; mas tanto S. Exa. como a comissão foram absolutamente infelizes, porque não souberam traduzir capazmente os seus propósitos.

Sr. Presidente: eu já me referi aqui largamente a êste diploma, e quando se fizer a discussão do parecer n.° 774. conio eu proponho, voltarei a referir-me a êle, tambêm com a máxima largueza.

Em minha consciência, acho-o absolutamente prejudicial, considerando impossível a sua execução, tantos são os embaraços que já tem determinado.

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Mas, Sr. Presidente, nós estamos, sobretudo, em face duma situação grave, qual é a da suspensão da vida num dos graus do ensino.

E, pois, necessário que jaós, Parlamento da República, ponhamos toda a nossa boa vontade na solução imediata de tam momentoso assunto. E o que pretendo com a minha moção.

A comissão técnica desta Câmara, tendo estudado êsse decreto, emitiu sôbre êle o parecer que tem o n.° 774.

Vamos, portanto, estudar já êsse parecer com toda a consciência, a fim de, rapidamente, nos podermos manifestar sôbre êle e dotar o ensino secundário com uma reforma regimental de que êle absolutamente carece.

Devo ainda acrescentar às minhas palavras algumas considerações que reputo absolutamente indispensáveis. Entendo que numa questão que, como esta, vai apaixonando a opinião pública, é conveniente definir atitudes; assim, pois, não quero deixar de nitidamente definir a minha.

Entendo que o movimento operado pelos meus camaradas dos liceus do país não foi, infelizmente, bem orientado do começo. Os meus camaradas não estavam bem inspirados naquela hora em que formularam algumas das reclamações que apresentaram.

Entendo que os pais dos alunos, no ponto em que reclamam o regresso ao ensino por disciplinas, estão ainda muito mais mal inspirados do que os membros da comissão do decreto n.° 3:091. Regressar a êsse sistema de ensino seria uma monstruosidade, e tam grande, que tenho de admitir que os indivíduos que assinaram a respectiva representação o fizeram na mais absoluta ignorância do bem ou do mal que adviria da reivindicação de tal sistema.

Fazem bem os meus camaradas do ensino secundário em reclamar contra o decreto n.° 3:091. Fazem bem os pais dos alunos em se solidarizarem com os protestos dos filhos. Faz bem a imprensa em colocar-se ao lado duns e doutros. Mas fazem muito mal todos os que não ligam ao assunto aquela consideração, aquele cuidadoso estudo que êle merece. Preciso dizer isto aquir porque falo para o meu país com inteira consciência.

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Confesso, Sr. Presidente, que a forma como a discussão dêste assunto tem corrido na imprensa, nas reuniões académicas e agora no Parlamento, tem deixado no meu espírito a mais triste impressão.

Assim é, Sr. Presidente, pois que a minha impressão é a de que os assuntos de instrução no nosso país são tratados apenas dentro da aspiração de interesses por uns, o por outros são olhados pela satisfação de pequenas vaidades.

Finalmente, Sr. Presidente, são tratados sob a orientação de muitos que entendem necessário que o ensino secundário seja uma fábrica de diplomados para o ensino superior.

Tenho pena. Sr. Presidente, que a minha palavra seja demasiadamente apagada, que não logre a atenção dos meus colegas desta Câmara. Sinto nisso a prova de que não serei capaz de levantar no espírito público aquele intenso clamor que deve levantar o assunto que se debate.

Mas defino assim nitidamente a minha atitude perante o conflito académico, entendendo, como eu entendo, que é absolutamente necessário que façamos obra conveniente e rápida, e dou por terminadas as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lida na Mesa a moção do Sr. João Camoesas foi admitida, entrando em discussão.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Sr. Presidente, em obediência às disposições regimentais, vou mandar para a Mesa a minha moção de ordem.

É a seguinte:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo a urgente necessidade de reformar o nosso ensino secundário, a fim de poderem ser estudadas todas as reclamações apresentadas contra o decreto 3:091, atendendo-se aos pareceres que sôbre elas foram produzidos, - e para, que definitivamente e de harmonia com os modernos princípios pedagógicos e as circunstâncias do nosso país, seja fixada a legislação portuguesa sôbre o assunto - resolve que a sua Comissão de Instrução Primária e Secundária reveja o parecer n.°, 774, dado sôbre o aludido decreto, e apresente com a maior urgência e em face de todos aqueles elementos a esta Câmara as bases duma lei orgânica do nosso ensino secundário. - Baltasar Teixeira.

Em poucas palavras, Sr. Presidente, eu vou justificar a minha moção.

Começo por declarar a V. Exa. que sou, de há muito, contrário ao actual regime de instrução secundária. Entendo que é uma organização pessimamente adaptada ao nosso país e de que só têm resultado prejuízos de que todos se queixam, não tendo havido até agora a coragem de os emendar. É uma organização boa para outros povos, que não o povo português. Os nossos rapazes são duma esperteza muito superior aos dos países para que êsse regime foi criado. Acontece, pois, que, aprendendo as matérias muito depressa, julgam logo conhecê-las muito profundamente, e não lhes ligam mais atenção. O resultado é, pois, improfícuo, e duma tal organização se ressentem os rapazes quando são homens feitos.

Há ainda um outro inconveniente que a minha prática de professor me tem mostrado. Já que se foi acumular um estudo mais intenso exactamente nas idades em que êle devia ser mais suave. A adaptação foi, pois, inconveniente para a nossa raça, e, alêm disso, mal feita, porque nem sequer atendeu a esta consideração a que acabo de me referir.

O regulamento que tem dado lugar a esta discussão não mereceu, desde a primeira hora, as minhas simpatias, mas o que é certo é que êle está em vigor e, à sombra dele, se têm criado direitos. Se aqui votássemos hoje uma lei que dissesse muito simplesmente "está revogado o regulamento n.° 3:091", íamos aumentar o caos já existente no ensino secundário. A maneira de resolver o assunto parece-me que está consubstanciada na minha moção. A comissão de instrução primária e secundária, na sessão legislativa passada, deu um parecer sôbre êsse regulamento, mas pelas assinaturas se vê claramente que êle não traduz a opinião unânime dessa comissão. Apenas dois vogais dela assinaram, sem declarações, e um dêles fui eu. Não quis aumentar o número daqueles que assinaram com declarações, mas disse desde logo que na

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discussão apresentaria algumas emendas. Sendo assim, se êsse parecer não teve a votação unânime da comissão, se, pelo contrário, se manifestaram correntes muito diversas e se, depois, tem havido reclamações, e muitas legitimas, de alunos, de pais de alunos, de corporações diversas, parecia-me, nestes termos, do toda a conveniência que a comissão do instrução pública primária e secundária deve dar o seu parecer em harmonia com êsses elementos de ponderação que se têm manifestado.

Sr. Presidente: parece-me que mais nada preciso dizer para justificar a minha moção de ordem. O que me parece tambêm é que a comissão de instrução primária Q secundária deve ser eleita o mais depressa possível; há nisso toda a conveniência, como há em que se solicite do Sr. Ministro de Instrução todos os elementos que houver no seu Ministério sôbre a questão.

Eu sou um intransigente da greve de 1907.

Nessa ocasião a academia protestou por princípios justos e hoje as reclamações de 1917 são análogas às de 1907.

Parece-me que nós devemos apresentar uma solução tam rápida quanto possível. (Apoiados).

Parece que os alunos, vendo que o Parlamento se estava ocupando da questão, não teriam dúvida em frequentar as aulas, tanto mais que o Ministro já lhe relevou as faltas e o Parlamento certamente lhe concederá o mesmo.

Parece-me que os alunos, confiantes na nossa acção, voltarão às aulas e tudo acabará em bem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Leu-se e foi admitida a moção.

O Sr. António Mantas: - Sr. Presidente: esteio na Mesa reclamações de pais e tutores de alunos e, portanto, parece que a primeira cousa a fazer é satisfazer o disposto no artigo 88.° do Regimento.

Mando para a Mesa o meu requerimento.

Leu-se na Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que sejam imediatamente eleitas as comissões de instrução a que

se refere o artigo 88.°, n.° 4.°, do Regimento, com prejuízo das que estão dadas para ordem do dia. - A. Mantas.

O orador não reviu.

O Sr. António da Fonseca: - V. Exa. toma isso como requerimento por ter em cima a palavra requeiro?

Parece-me que deve ser tomada como proposta e sôbre ela recair discussão.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - O requerimento refere-se aos trabalhos da Câmara, o portanto não é uma proposta, mas um requerimento.

O Sr. António da Fonseca: - O Regimento determina que no caso presente a discussão siga até o fim, que é a votação das moções, e o requerimento apresentado não tem relação com o debate.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente:-Parece-me que o que vou expor à Câmara cortará todas as dificuldades. Se a Câmara entender que o assunto vá à respectiva comissão, a Mesa marcará para amanhã a eleição das comissões a que se refere o requerimento.

Vozes: - Está bem.

O Sr. Correia Mendes: - Sr. Presidente: tem-se falado muito acêrca dos defeitos do regulamento em questão, que creio que 6 o regulamento de 17 de Abril de 1917.

A forma como foi aberta uma discussão especial para o assunto motivou-me dúvidas sôbre se era sôbre a questão na sua generalidade, se sôbre a reclamação apresentada por uma nova associação chamada União dos Pais dos Alunos, composta, ao que me dizem, de cinquenta pais de família.

Mas o facto é que a nota versada em toda a discussão foi o regulamento referido.

Eu tenho muitas dúvidas que todos os Srs. Deputados saibam o que é êsse regulamento, em virtude da campanha lamentável, com mentiras, com falsidades, com enganos e com erros, que se fez contra o famoso e denegrido diploma; e se

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fossem procurar no dito regulamento a parte nova que êle contêm, encontrariam talvez uma decepção e uma surpresa.

Qual foi porêm a origem, a razão, a necessidade dêsse regulamento?

A comissão encarregada de o organizar, foi primitivamente nomeada para o estudo de um projecto de reforma da nova organização de instrução secundária.

Essa comissão entregou um trabalho que foi enviado a todos os conselhos escolares dos liceus, como base de consulta.

As respostas deram a impressão de que o projecto de reforma, por circunstâncias várias, e entre elas muito essencialmente a dificuldade da dotação orçamental conveniente, não agradava.

Não agradava à classe dos professores secundários. Perante isso os poderes públicos sôbre estiveram no projecto de reforma, mas encontraram dificuldades na grande variedade dos diplomas que regulamentam êsse ensino.

O Ministro da ocasião pediu à comissão que transformasse a incumbência do projecto de reforma no trabalho duma compilação de todos os diplomas que pudesse encontrar, com algumas pequenas modificações que a experiência tivesse aconselhado.

Já assim havia sido feito com a legislação da instrução primária.

V. Exas. ficam admirados se eu lhes disser que o número de diplomas foi de 800, entre leis, regulamentos, portarias, instruções, circulares, decretos e avisos. Além disso houve diplomas que não foram encontrados e, se a memória me não falha, posso contar entre êles dois: no liceu de Viana do Castelo, que não tinha diploma da sua criação. No liceu de Aveiro, tambêm se a memória não me falha, o único diploma que se encontrou foi um ofício para o governador civil.

Com respeito ao artigo 474.° do Regulamento, artigo citado pelo Sr. Ramada Curto, a comissão teve nele escrúpulo de consciência, porque podia haver uma lei, diploma, ou decreto que não tivesse sido encontrado, na relação dum trabalho inicial que foi feito pelo professor Sr. Maximiano de Aragão, que foi escolhido para êste serviço, dado as raras aptidões que possui de coleccionador e de arqueólogo.

Apesar disso a comissão encontrou outros diplomas.

Se encontrou outros - e não deixou de procurar cuidadosamente e de inquirir dos enfronhados na legislação respectiva - ficou-lhe o escrúpulo de admitir que outras leis ainda houvesse, que a sua pesquisa e os seus esforços não tivessem descoberto. Daí o criticado artigo 474.°, que o Sr. Ramada classificou de "querer o Regulamento revogar-se a si próprio", absurdo que o Sr. Ramada pitorescamente proferiu.

V. Exas. vêem que o regulamento não era uma obra de inovação, mas uma obra de metodização, a fim de preparar-se tudo para uma grande reforma de instrução, que é urgentíssima.

Só desconheço a necessidade dêste diploma quem não se preocupa com o grande problema nacional da instrução.

Êste regulamento visa, por assim dizer, a pôr as cousas em ordem, arrumar a casa, visto as dificuldades enormes da nossa organização de ensino e atendendo ao facto de se impor uma maneira rápida e prática de lhe pôr cobro.

As acusações feitas contra o regulamento não são exactas, porquanto são mais um protesto contra a forma como tem sido ministrada a instrução há vinte ou trinta anos.

Risos nas galerias.

O Sr. Celorico Gil: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que ordene silêncio às galerias!

O Sr. Presidente: - Previno as galerias de que, à mínima manifestação, as mando evacuar. (Apoiados).

O Orador (continuando): - Sr. Presidente : estava eu dizendo que é acusado o regulamento pelo mal-estar em que, há vinte ou trinta anos...

Continua o tumulto nas galerias.

O Sr. Presidente manda evacuar as galerias.

O Orador (continuando): - Sr. Presidente; posso garantir a V. Exa. e à Câmara que os indivíduos que das galerias acabam de se manifestar não são alunos meus, e com isso muito me honro.

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O que eu estava dizendo não merecia, nem nenhum áparte, nem nenhuma crítica (Apoiados).

Vejam V. Éx.as as diferentes reformas de ensino e hão-de concordar que não há nenhuma boa. V. Exas. encontram uma tentativa que prometia largos horizontes modernos, mas que na prática não correspondem ao que se imaginava em teoria.

A reforma de 1880, que se atribui ao poeta e professor Simões Dias, caminhava um pouco para o chamado regime de classe, mas não tinha a gradação que um regime de classe exige, tendo cadeiras precipitadas na sua colocação.

Vieram depois as reformas de 1883. 1886 e 1889, e todas elas foram mal organizadas, sem se basearem numa verdadeira legislação scientífica.

Chegou a organização que, genericamente, se conhece por lei de 1895. Evidentemente que era uma organização à estrangeira, à alemã, como se tem dito. Mas, quem é que, com verdade e sem facciosismos, pode negar que a cultura alemã é das mais profundas do século XIX?!

Temos, é claro, os maiores agravos pessoais e patrióticos da Alemanha. Devemos, portanto, guerreá-la pelos meios mais poderosos, mas não podemos nem devemos negar os merecimentos que têm no passado da sua história.

Não podemos, de modo algum, esquecer ou perdoar os agravos que a Alemanha tem feito à Civilização, mas a palavra "alemã" tem uma significação, no vocabulário público, tremenda.

A confusão existente no espírito público é semelhante à que se deu nas nossas lutas liberais, com respeito à palavra "malhado", e nas lutas religiosas, com relação à palavra "judeu".

E necessário não se considerar o regulamento como, simplesmente, alemão, como, na sua palavra quente, mas sem provas, o considerou o Sr. Ramada Curto.

O Sr. Ramada Curto fez dois discursos; porêm, num só produziu afirmações gratuitas e as que fez no segundo, embora mais concretas, fácil é rebatê-las.

Confundir, é o que se tem feito à pobre mocidade das escolas.

Têm-se feito cousas pavorosas, perfilhadas por espíritos inteligentes, mas ignorantes, e no Conselho Superior de Instrução Pública, segundo foi afirmado num jornal, e não contestado, produziram-se calúnias, como o de que as pobres crianças - palavras textuais do jornal a que me refiro - tinham tido o aumento de seis horas de trabalho por semana e que isso bastaria para o regulamento se tornar odioso!

Odioso é um Conselho Superior que desconhece os assuntos de que tem de se ocupar!

Como podemos ter confiança na organização da instrução portuguesa com um Conselho Superior de Instrução que não se coloca, como sempre se devia colocar, em situação de ser respeitado para poder dirigir os mais importantes assuntos da instrução?

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães) (aparte): - Disse que as reclamações eram dignas da consideração superior. Foi êste o parecer do Conselho, como já expus no relatório do decreto.

O Orador: - E necessário que os alunos passem a ser olhados com mais carinho do que aquele com que - sem melindre para ninguêm - na própria Câmara foram tratados.

Com mais cuidado e mais ternura, defendendo-os - almas em flor que êles são - da especulação e dos manejos inconfessáveis com que os rodearam. Não é assim, com greves e paredes, que aprendem a ser cidadãos e, contudo, a culpa não é dos próprios rapazes, mas de terceiros.

O assunto mais importante não é a suspensão do regulamento. Não é o parecer n.° 774, com o devido respeito para o seu relator, mas é a situação moral que se criou à mocidade das escolas.

Fez-se à roda dêles e das famílias uma espécie de terror. Com o regulamento arranjavam-se fórmulas, fórmulas com a habilidade de cortar palavras em frases, com a intenção de tudo o que havia de pior; de tal maneira se espalhou nas famílias o terror, se não fôsse exagerada a comparação, o terror semelhante ao que Herodes provocou com a sua lei célebre na Judea.

A interpretação dum regulamento, a interpretação duma lei, como de qual-

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quer outro diploma ou disposição técnica, só pode ser compreendida pelos técnicos ou pelos estudiosos.

Não houve a compreensão desta fórmula, e assim, por exemplo, há casos muito simples, e eu vou citar dois ou três exemplos, para mostrar como os espíritos simples se desnorteiam facilmente.

Havia quatro períodos escolares no ano lectivo; verificou-se que êsses quatro períodos, às vezes por doença dos alunos, outras pelas ausências dos professores, encurtavam os períodos diminuindo a frequência dos alunos; tentou-se experimentar três períodos.

Ora êstes casos de considerar uma lei só pelo que está escrito, sem saber os resultados, produtos e consequências que dela vêm da prática, é absolutamente nacional mas é absolutamente condenável. Pensou-se em reduzir os períodos a três. Daí o maior número de lições que o aluno poderia ter, maior prolongamento e duração do esforço para ser melhor apreciado o seu aproveitamento.

Pois êste caso foi considerado desta maneira assombrosa: três períodos, menos períodos, mais lições, muito mais a estudar!

Foi aqui tratada pelo Sr. Ramada Curto a questão da nota do mau comportamento.

Não percebeu o que os professores têm feito, os professores modernos, na não aplicação rigorosa das disposições senão nos casos extremos, como na medicina, em que se aplica, os remédios brandos e os remédios heróicos.

Por êste regulamento modestíssimo as penalidades, as formas de punir, não são, pelo contrário, maiores do que anteriormente, em que a obrigação de marcar a nota de mau comportamento por cada falta que o aluno dava, não justificada, é pelo regulamento posta pelo conselho de classe em caso excepcional, como vamos ver.

O regulamento declara que os conselhos de classe é que se pronunciam a êsse respeito: se o mau comportamento derivado da falta se deve manter ou não.

Evidentemente que a amizade dos professores - que é um facto - a brandura e indulgência dêles fariam com que êsse mau comportamento, só quando confirmado por outros factos, fôsse mantido.

Por isso o regulamento, previdentemente, diz quando a nota de bom comportamento se deve conservar. No sentido da boa educação e da boa doutrina pedagógica não é logo à primeira falta que o aluno deve ser punido.

A nota de mau comportamento, a ficar, seria acompanhada da sua justificação de qual foi o motivo por que o mau comportamento foi pôsto. Isto é evidentemente uma melhoria do regime que estava.

Há pequenas cousas no regulamento que se podem evitar, e que o Sr. Ministro de Instrução, muito sensatamente, modificou. Por exemplo: a respeito dêste assunto da falta, tratado pelo Sr. Ramada Curto, explica-se no regulamento, para evitar todas as dificuldades, que o aluno, no dia seguinte à falta ou faltas seguidas, trouxesse a justificação.

Diz-se que um pai pode esquecer-se eu que não estaria o pai; mas estaria uma pessoa de família que o fizesse pelo pai.

O Sr. Ministro de Instrução entendeu que o prazo era realmente muito curto e estendeu-o a oito dias. Está satisfeita, por conseguinte, não uma reclamação dos estudantes, mas uma cousa próxima dessas reclamações.

Vêem V. Exas. que não quero alongar-me em minúcias sôbre o regulamento, quê não é ocasião de discutir; quero chegar à conclusão de que o que é afirmado é afirmado sem provas: words, words, palavras sonoras e afirmações que não resistem a uma pequena discussão.

Na outra discussão que se levantou, quando da primeira vez no Parlamento foi proposta a suspensão do regulamento, houve quem afirmasse que êle era um montão de ilegalidades. Pedi eu que se citassem essas ilegalidades; citaram-se quatro ou cinco. Facilmente foram desfeitas.

Ainda hoje as ilegalidades não aparecem, e o Sr. Ministro de Instrução - com o devido respeito, contra minha opinião - apenas ponderou uma só: a faculdade concedida aos professores oficiais de ensinarem particularmente. Fundou-se S. Exa. no decreto de 1886, uma reforma insignificante de instrução secundária feita por um decreto com fôrça de lei, assinado por José Luciano de Castro, decreto ditatorial revogado pela lei mais culpada de tudo isto, pela sua origem, pela sua for-

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ma e pela sua duração demasiada: a de 28 de Maio de 1896, salvo êrro.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Nesse ponto é que discordamos. Entendo que essa lei não revogou nada.

O Orador: - É uma lei saída dum Parlamento que ficou com um nome ignominioso na história: o Solar dos Barrigas, Essa lei, se tivesse havido até agora um verdadeiro culto pela educação e pela organização duma lei, se os próprios professores-e é um que está a falar - não se convencessem de que as leis são muito difíceis e que o que mais positivo havia a produzir era professores e métodos. Nisto estão de acôrdo todos os escritores sôbre o assunto.

O resto, leis, regulamentos, programas, sob o ponto de vista de tomar cuidado e estabelecer precauções, existem mas não têm nenhum produto e fecundidade; não são férteis.

A escolha de métodos a empregar tem sido uma cousa formosa: chegou a procurar-se o que a possibilidade da criança em cada idade, em cada tempo, em cada clima pode dar, a ponto de se fazer o que se considera a última palavra em pedagogia; as deficiências de Binet, que fez estatísticas indicando, para os nossos programas e de todo o mundo, o que a média dos alunos pode saber, é uma cousa mínima em relação ao que se lhe exige.

Em congressos seguintes corrigiram-se essas observações, com acôrdo do autor.

Se V. Exas. fossem preguntar aos melhores professores - não vou muito longe para não parecer que generalizo demasiado - se fossem preguntar aos melhores professores dos liceus, não encontrariam resposta fácil acêrca da organização do ensino, mas encontram resposta cônscia, firme, redentora, de como se deve ensinar, formar e atirar para a obra redentora da nacionalidade a formação de gerações melhores, sempre para melhorar e organizar um futuro mais digno. Essa resposta será: sei como hei-de ensinar. E provam-no manifestamente com trabalhos e dedicações que se podem verificar em qualquer liceu dos modernos.

Afirmou-se aqui a êste respeito, com um facciocismo o uma proscrição pouco louváveis - disse-o o Sr. Ramada Curto, indo escolher para exemplo um liceu, o Pedro Nunes - que ali se fazia uma disciplina de caserna.

E aquele em que se tem trabalhado mais no sentido de melhorar o ensino (Apoiados) e os censores não encontraram a prova dessa disciplina do caserna. O que há é muito cuidado nas faltas, em que os pequenos não andem pela rua a atirar pedras. Se V. Exas. forem ver a educação mais moderna -a americana - -V. Exas. encontram prescrições na forma de conselhos acêrca do que significa a falta no ensino secundário. E a cousa que é preciso mais evitar.

Infelizmente, até agora, há falta de dedicação de bastantes professores modernos, digo-o com sinceridade; não vejo que se faça qualquer cousa agradável que atraia os alunos.

Fala-se com uma ignorância - perdõem-me o adjectivo-crassa, do ensino alemão.

Vão V. Exas. ver nos críticos franceses, portanto insuspeitos, o que êles encontram de alegria nas aulas alemãs: o professor procura tornar os alunos bem dispostos, satisfeitos com o seu meio, aproveitando o ensino, despendendo o menor esforço possível. E - diz-se - em Portugal, não é preciso isto, porque os rapazes são muito vivos! Ouvi eu dizer isto.

Então, por ser o rapaz vivo, não precisa ter alegria nem divisão de trabalho, segundo as idades dos alunos e as dificuldades de cada matéria?

Pode ser tratado sob um regime de disciplina brutal, estudando geografia quando não tem ainda os elementos de matemática para a estudar completamente, estudando disciplinas juntas, quando deviam ser divididas.

Faz-se êste esforço todo para conseguir uma humanidade melhor, e diz-se: - o português não precisa adoptar o processo alemão, porque é muito vivo!

Mas não há processo alemão, meus senhores, na organização do ensino: há processo europeu!

Se V. Exas. ouvissem dizer, em Marrocos, que era preciso estabelecer-se o regime por disciplinas ou por grupos de três disciplinas - o que ninguêm sabe o que é - talvez aceitassem.

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Na Europa, não; nem na própria Espanha, nação mais atrasada do que as outras em assuntos de instrução.

Em França, não é preciso ser técnico para o saber, há regulamentos que mereciam ser classificados de odiosos, e a França - creio que não estou enganado - é uma República.

Um escritor nosso citou já num seu livro o castigo severo aplicado a um alemão, só porque inocentemente êle foi ler La Petite Gironde!

V. Exas. encontram no inquérito de 1900, que é uma cousa esmagadora contra a educação francesa, referências muito justas a êsse respeito.

Num livro de Grustave le Bon encontram-se transcrições da Enquête, contendo afirmações de muitos professores de liceus é inspectores de academias, de que nos liceus franceses os alunos passeavam debaixo de forma, no jardim ou corça do liceu, e que a democracia francesa votara no seu Parlamento uma lei de perdas e danos aos chefes dos estabelecimentos, pelos acidentes sofridos pelos alunos.

Ora os alunos marchavam, debaixo de forma exactamente para não brincarem estúrdiamente, partindo vidros, esmurrando o nariz, ou esfolando as pernas.

Mas os papás não apoiaram ali em França nunca nenhuma greve de alunos de liceus.

Os papás faziam outra cousa. Não estabeleciam o divórcio entre a família e a escola. Chamavam ao tribunal. E os tribunais nunca deixaram de condenar a multas pesadas os pobres chefes dos liceus e colégios.

Porque é que o regulamento parece alemão? Qual dêles? É o português? E o francês? É preciso esperar que o regulamento dê os devidos resultados para poder ser criticado. Nunca por uma simples leitura, a maior parte das vezes incompleta.

A obrigação dos poderes públicos é impor a responsabilidade a quem a toma inteiramente.

Tenho a maior consideração pelo meu ilustre colega, Sr. Dr. Sá e Oliveira, Reitor do Liceu de Pedro Nunes.

Censurou-se aqui o regime interno daquele liceu e o sistema das formaturas que ali se dá à entrada e saída das aulas. É uma forma disciplinar (Apoiados); mas, por leve diferença de opinião, eu, por exemplo, não uso êsse processo no meu liceu.

Como V. Exas. vêem, não estou a fazer uma defesa que não seja sincera. (Apoiados).

Se se reconhecer que os processos são condenáveis e dão mau resultado, que se emendem, porque os poderes públicos têm obrigação de fiscalizar tudo que estiver sob as ordens dos chefes e dirigentes.

Um dos motivos por que a situação se tem complicado é a especulação, que tem estragado completamente êste assnnto. Os culpados são, pois, os especuladores, que têm deturpado todas as cousas à roda da "parede". (Apoiados).

Ouvi comparar a greve de 1907 à dos liceus dêste ano. É uma blasfémia.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Apoiado!

O Orador: - A greve de 1907 era feita por quem via nela um meio de sair da opressão que dominava no ensino, opressão que atingiu todos os campos da administração. Essa opressão era tradicionalmente inspirada pela Universidade de Coimbra. Portanto, a greve de 1907 tendia a libertar o ensino dessa opressão. Uma das queixas era a falta de clareza do ensino, dos processos de educação dos caracteres.

Interrupção do Sr. Ministro de Instrução Pública.

O Orador: - Foi por isso que o Partido Republicano deu todo o apoio à greve de 1907. Então as reclamações nem sempre eram atendidas, mesmo quando apresentadas ordeiramente.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Apoiado!

O Orador: - Os tempos agora são diferentes. (Apoiados).

Disse-se num jornal, disse-se aqui que a República estava com os rapazes que faziam "parede". Assim seja, porque será garantia duma República melhor com uma geração mais republicana e patriótica.

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Mas contudo, no convite que se fazia nos jornais para ir pedir auxílio, a intervenção do Sr. Presidente da República, dizia-se que essa diligência era sem nenhum compromisso de afirmações políticas. Dizia-se isto.

Estas cousas não são escritas pelos rapazes. Por mal dos nossos pecados tenho de confessar, a instrução de letras não dá qualidades de redacção corrente a todos os rapazes. É um dos erros, já aqui o disse, a corrigir na prática, no funcionamento dos liceus.

Aquelas cousas que apareciam nos jornais, pomposamente, eram ensinadas e escritas por terceiras pessoas; são êsses os autores de tudo isso.

Mas há aqui qualquer cousa de semelhante, que não foi revelado, entre a greve de 1907 e 1917, com uma diferença que é em detrimento desta, dos seus produtores, das suas causas. Havia causas para a greve de 1907, causas grandiosas, causas que foram como uma necessidade de ar, de libertação de velhas fórmulas e velhos processos. Quais são as velhas fórmulas e velhos processos que a greve quis suprimir, se as cousa" mais indispensáveis têm estado, em plena República, até agora em vigor e o regulamento poucas inovações trouxe?

Uma cousa que os rapazes pediram ao Sr. Ministro de Instrução Pública era a conservação do português e filosofia nas sciências, curso complementar, as sciências físico-naturais nas letras, curso complementar.

A primeira reclamação era para se conservar a introdução de novas disciplinas, português, filosofia, sciências naturais; pedia-se a redução dos programas, é claro que não era preciso concedê-la por escrito; a redução de programas vinha da própria redução nas aulas das outras disciplinas, porque foi falsa a afirmação de que aumentou qualquer espécie de hora; há apenas uma hora, uma classe, que aumentou semanalmente.

O professor, digno dêste nome, nem sempre pode ensinar o programa inteiro. Esto ano, com esta perturbação enorme que atingirá não só o primeiro período, mas todo o ano lectivo, os programas hão-de ser fatalmente sacrificados. Eu que julgo ser cumpridor, raras vezes tenho conseguido cumprir um programa inteiro, porque estou convencido que o programa é uma base, um limite superior a atingir.

Houve uma referência que não posso deixar de levantar, porque me toca pessoalmente, feita pelo Sr. Ramada Curto: os poderes enormes atribuídos aos reitores dos liceus pelo regulamento.

Desafio S. Exa. que sinto não ver presente, mas que qualquer pessoa lhe pode transmitir estas considerações, desafio S. Exa. a que indique qual o aumento de poderes doa reitores.

O alimento de poderes não é verdadeiro. E o aumento de atribuições, o que e diverso.

O Sr. Presidente: - Falta um quarto do hora para encerrar a sessão. Quero V. Exa. ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Vou terminar já. Se V. Exa. me permitisse eu concluiria hoje estas minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Continue V. Exa.

O Orador: - Só encontro, como poderes novos atribuídos ao reitor, o faculta-se que êle possa escolher os assuntos que devem ser distribuídos por diversos conselhos escolares do Liceu, o que, aliás, já praticamente se fazia, e que possa mandar o médico escolar a casa de todos os funcionários dos liceus, no caso de participação de doença. Pode mandar! Evidentemente, representa isto um aumento de poderes, mas são poderes que só serão postos em prática com muitas restrições. Serão somente usados em casos de muita gravidade.

Não encontro, portanto, êsse poderio; mas, Sr. Presidente, se a análise do regulamento, que seja feita aqui, der elementos que denunciem êsse poderio, pregunta-se:

O que é que pensam os escritores pedagógicos modernos do papel do chefe director dum estabelecimento de ensino secundário?

Consideram-no a expressão, a salvação, por assim dizer, do próprio estabelecimento.

Na Inglaterra há cursos ou escolas, cujos directores muito bem pagos - nos arredores de Londres há um que recebe

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20 contos por ano - não abandonam as suas funções nem um momento. Por isso mesmo não se conservam no desempenho delas por muito tempo. Apenas uns seis ou oito anos, o tempo do seu maior vigor. A acompanhá-lo durante êsse tempo há um indivíduo que se vai preparando para o substituir.

Isto faz-se na Inglaterra que, sob o ponto de vista da instrução, tem outras nações que lhe disputam a primazia, mas que, sob o ponto de vista da educação, levanta bem alta a cerviz.

Como a Inglaterra dá importância aos chefes do ensino secundário, não admira que noutros países lhes dêem o maior número de atribuições... para seu mal. Tenho dito, julgando deixar rebatidos os casos mais importantes que foram apontados acêrca do assunto em discussão.

O Sr. Vasco de Vasconcelos: - Pedi a palavra para fazer terminantes e breves declarações em nome do Partido Evolucionista.

O Partido Evolucionista concorda absolutamente com as considerações que b Sr. Ministro de Instrução fez nesta Câmara. Concorda igualmente com a doutrina expendida na moção do Sr. Baltasar Teixeira.

Realmente, o Ministro que referendou ôsse regulamento, se teve em vista fazer obra honesta, não teve certamente a pretensão de fazer obra impecável.

Exactamente por esta razão não se preocupará com o facto de ser discutida e apreciada a sua obra, que poderá até ser melhorada onde o deva ser.

Em todo o caso, Sr. Presidente, o Partido Evolucionista não vê razão para que se faça a suspensão imediata dêsse regulamento, sem mais cousa alguma que justifique êsse facto. Êsse regulamento tem, aproximadamente, quinhentos artigos. Pode classificar-se como sendo o Código da Instrução Secundária. A sua vasta matéria encerra princípios gerais sôbre os quais não há divergências de espécie alguma; estão sendo aplicados, e a sua execução já criou direitos e deveres.

Nestas condições, o Partido Evolucionista de forma alguma pode concordar com uma suspensão repentina, que nada justifica; e nada justifica porque, se alguns defeitos se podem encontrar nessa obra, é facto tambêm que as críticas que se têm feito sôbre ela não se têm pronunciado unanimemente. Da mesma forma os conselhos escolares em muito poucas cousas deram razão e votaram de maneira que essas reivindicações tivessem maioria. Mas eu não quero discutir êsse regulamento, nem agora é ocasião oportuna para o fazer; o que quero é apenas dizer que o Partido Evolucionista concorda com o exame imediato da comissão de instrução pública, mas não com a suspensão absoluta e completa como se tem sustentado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Jorge Nunes: - Sei pelos jornais que a comissão administrativa resolveu acabar com o Sumário, fazendo a publicação do Diário das Sessões no dia imediato, Desta forma, como V. Exa. vê, é completamente impossível aos Srs. Deputados reverem os seus discursos.

Evidentemente procurou-se fazer nesta casa o que se faz em outros Parlamentos do mundo, mas sem se ter em linha de conta o quadro do pessoal da taquigrafia. Na França, segundo me informam, há. pelo menos, trinta taquígrafos; nesta Câmara, suponho, haverá meia dúzia.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Há treze.

O Orador: - Contando com os praticantes, ao passo que em França os trinta taquígrafos que ali se encontram são já mestres nessa arte.

Talvez fôsse então preferível, uma vez que, evidentemente, se procura economizar papel e tinta, acabar com o Diário e publicar o Sumário, porque êste ainda nos dava uma impressão, uma idea, uma síntese do discurso, ao passo que o Diário, tal como é feito, publicando simplesmente na íntegra os discursos dos Srs. Ministros e um ou outro trecho mais curioso, mais digno de nota, dos discursos dos Srs. Deputados, sai uma tal misturada, uma tal confusão de ideas e de números para os Srs. Deputados que querem rever os seus discursos que, por via de regra, as notas taquigráficas são um enigma, são uma charada.

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Assim, pergunto eu, que valor pode ter um Diário que não reproduz um discurso e cuja autoria não pode ser atribuída a quem pronunciou êsse discurso? Não tem valor absolutamente algum.

Espero que V. Exa. me dará quaisquer explicações.

O orador não reviu.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Pedi a palavra para dizer ao Sr. Deputado Jorge Nunes que no regulamento está a faculdade, concedida a todos os Srs. Deputados, de reverem os seus discursos.

Para isso estão os gabinetes das comissões à disposição de S. Exas.

Ao findar a sessão as notas já traduzidas pelos srs. taquígrafos são entregues à redacção, podendo os Srs. Deputados, depois de terem jantado, rever os seus discursos.

O Sr. Jorge Júnior (em aparte): - Quere dizer, temos a faculdade de poder vir aqui, à meia noite, onde temos uma sala à nossa disposição.

É uma forma de fazer economia de papel.

Por esta forma nós perdemos o nosso trabalho e o nosso latim!

O Orador: - V. Exas. tem a faculdade, que já tinham, de rever os seus discursos e de os publicar em separata no Diário.

Os taquígrafos que faziam o Sumário eram escolhidos dos mais competentes nas duas Câmaras, e êsses estão hoje fazendo tambêm o Diário, o que dá garantias da sua melhor execução.

O orador não reviu, nem pelo seu autor foi revisto o aparte.

O Sr. Jorge Nunes: - Em todo o caso é preferível o Sumário, pois sempre dá uma idea do que nós dizemos; por esta forma é que não!

Amanhã voltarei ao assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã.

1.ª parte:

Continuação do debate sôbre o decreto n.° 3:091.

2.ª parte :

Eleição das comissões:

Administrativa;

Instrução primária e secundária;

Finanças;

Guerra;

Agricultura.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

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