O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

EM 5 DE DEZEMBRO DE 1917

Presidência do Exmo. Sr. Vitor Hugo de Azevedo Coutinho

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Alfredo Soares

Sumário. - Respondem à chamada 54 Srs. Deputados, E aberta a sessão e é lida a acta, que se aprova, sem discussão, quando se verifica a presença de 72 Srs. Deputados. - Dá-se conta do expediente. - E admitida uma proposição de lei, já publicada no "Diário do Govêrno".

Antes da ordem do dia. - O Sr. Hermano de Medeiros manda para a Mesa a reclamação dum funcionário demitido por efeito da lei n.º 642.- O Sr António Mantas apresenta um projecto de lei para o efeito da construção dum edifício para liceu na cidade da Guarda. Requere urgência, que é reconhecida.- O Sr. Jorge Nunes faz considerações gerais sôbre a situação política, financeira, económica e moral do pais, e particularmente acêrca do excesso de automóveis no Ministério da Guerra em tempo de falta e carestia da gasolina, do serviço de inspecções que está fazendo um oficial médico no distrito de Braga e de abusos que se praticaram numa terra do norte em matéria de arrolamento de farinhas. Responde o Sr. Ministro do Interior (Almeida Ribeiro), que apresenta uma proposta de lei de crédito especial, para que pede urgência, que é concedida.- O Sr. Eduardo de Sousa propõe um voto de sentimento pela morte de monsenhor Almeida Brandão, antigo Deputado.- O Sr. João Gonçalves trata da questão da falta de enxofre e da batata, pedindo providências. Responde o Sr. Ministro do Interior, ficando de comunicar as considerações feitas ao seu colega do Trabalho.- E aprovado o voto de sentimento proposto pelo Sr. Eduardo de Sousa, associando-se o Govêrno e representantes de todos os lados da Câmara. - É lido o parecer da 3.ª comissão de verificação de poderes sôbre a eleição dum Deputado pelo circulo n.º 27 (Lisboa). Manda-se publicar no "Diário do Govêrno".- É lida uma nota de interpelação do Sr. Deputado António Mantas.- Trocam-se explicações entre os Srs. Tamagnini Barbosa e Ministro do Interior relativamente a acontecimentos militares em África e a motins e assaltos na cidade do Pôrto.

Ordem do dia. - Continua a discussão sôbre a matéria do decreto n.º 3:091 - Usam da palavra os Srs. Ramada Curto e Ministro de Instrução (Barbosa de Magalhães). A questão fica pendente.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte, à hora regimental.

Documentos enviados para a Mesa. - Projectos de lei.- Pareceres.- Nota de interpelação. - Requerimentos.

Presentes à chamada 54 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Abílio Correia do Silva Marçal.
Abraão Maurício de Carvalho.
Adelino de Oliveira Pinto Furtado.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Maria Ladeira.
Alfredo Soares.
Álvaro Poppe.
Amílcar da Silva Eamada Curto.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Augusto Fernandes Rêgo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Caetano Macieira Júnior.
António Correia Portocarrero Teixeira de Vasconcelos.

Página 2

2 Diário da Câmara dos Deputados

António da Costa Godinho do Amaral.
António José de Almeida.
António Maria Malva do Vale.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Nogueira Mimoso Guerra.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
António Vicente Marçal Martins Portugal.
Armando da Clama Ochoa.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Augusto da Costa.
Artur Duarte de Almeida Leitão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto José Vieira.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Casimiro Rodrigues de Sá.
Constâncio do Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos da Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alberto Lima Basto.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Ernesto Júlio Navarro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Coelho do Amaral Reis (Pedralva).
Francisco José Pereira.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Francisco de Sousa Dias.
Francisco Xavier Pires Trancoso.
Gastão Correia Mendes.
Gastão Rafael Rodrigues.
Gaudêncino Pires de Campos.
Germano Lopes Martins.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Daniel Leote do Rogo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Barreira.
João de Barros.
João Cabral de Castro.
João Canavarro Crispiniano da Fonseca.
João Estêvão Aguas.
Jo5o Gonçalves.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Lopes Soares.
João Pereira Bastos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa,
João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José António Simões Raposo Júnior.
José Barbosa.
José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio do Patrocínio Martins.
Levi Marques da Costa.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís Carlos Guedes Derouet.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel da Costa Dias.
Manuel Firmino da Costa.
Manuel Martins Cardoso.
Mariano Martins.
Pedro Alfredo de Morais Rosa.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sérgio da Cunha Tarouca.
Urbano Rodrigues.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Adriano Gomes Ferreira Pimenta.
Afonso Augusto da Costa.
Albino Pimenta de Aguiar.
Alexandre Braga.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Monjardino.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo Vaz.
António de Almeida Garrett.
António Aresta Branco.
António Augusto de Castro Meireles.
António Barroso Pereira Vitorino.
António Caetano Celorico Gil.
António Cândido Pires de Vasconcelos.
António Dias.
António Firmo de Azevedo Antas.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Cunha Marques da Cesta.
António Maria Pereira Júnior.
António Miguel de Sousa Fernandes.
Armando Marques Guedes.

Página 3

Sessão da 5 de Dezembro de 1917 3

Augusto Luís Vieira Soares.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo de Almeida Lucas.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Eduardo Augusto de Almeida.
Ernesto Jardim de Vilhena.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Correia de Herédia (Ribeira Brava).
Francisco da Cruz,
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco do Livramento Gonçalves Brandão,
Guilherme Nunes Godinho.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Jaime Zuzarte Cortesão.
João Baptista da Silva.
João Carlos de Melo Barreto.
João Catanho de Meneses.
João Crisóstomo Antunes.
João de Deus Ramos.
João Elísio Ferreira Sucena.
João Pedro de Sousa.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto Pereira.
José Augusto Simas Machado.
José de Sarros Mendes de Abreu.
José Bessa de Carvalho.
José Botelho de Carvalho Araújo.
José Maria Gomes.
José Mendes Cabeçadas Júnior.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Luís de Brito Guimarães.
Manuel Augusto Granjo.
Manuel Gregório Pestana Júnior.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães,

Às 14 horas e 40 minutos terminou a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 54 Srs. Deputados. Vai ler-se a acta. Foi lida.

O Sr. Presidente (às 14 horas e 40 minutos): - Estão presentes 72 Srs. Deputados. Está em discussão a acta.

Foi aprovada a acta e deu-se conta dó seguinte

Expediente

Pedido de licença

Do Deputado Sr. António Dias, solicitando oito dias de licença.

Concedido.

Para a comissão de infracções e faltas.

Representação

Da comissão de pais e encarregados da educação dos alunos dos liceus do Pôrto, pedindo a anulação do decreto n.° 3:091, de 17 de Abril, continuando em vigor a legislação anterior até nova reforma, com a modificação de serem válidas as aprovações nas disciplinas que constituem a classe e repetirem os exames em outra época, quando o aluno não tenha obtido aprovação: duas épocas de exame, liberdade de matrícula e transferência para os alunos dos liceus femininos, e amnistia geral.

A representação é assinada tambêm pela comissão de Coimbra.

Para a Secretaria.

Para a comissão de instrução primária e secundária.

Ofícios

Do Ministério da Guerra, comunicando que o Tribunal Militar de Viseu requisitou a comparência dos cidadãos abaixo indicados, no dia 10 do corrente, a fim de deporem no mesmo tribunal:

Dr. António José de Almeida, Deputado;

Dr. João José Luís Damas, Deputado;

João Tamagnini de Sousa Barbosa, Deputado.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Senado, comunicando ter ficado constituída a Mesa, tendo sido eleitos os seguintes Senadores:

Presidente, António Xavier Correia Barreto;

Vice-presidentes, Joaquim José de Sousa Fernandes e Celestino Germano Pais de Almeida;

1.° Secretário, Bernardo Pais de Almeida;

2.° Secretário, José Pais de Vasconcelos Abranches;

Vice-Secretários, Luís Inocêncio Ramos Pereira e José Lino Lourenço Serro.

Página 4

4 Diário da Câmara dos Deputados

Telegrama

Presidente Câmara Deputados, Lisboa. - Dando Diário de Notícias informação junta geral resolveu lançar adicional 25 por cento sôbre contribuições gerais Estado, representando aumento 50 contos censura governador cortou essa informação, alegando seria alarmante. Peço providências. - Secretário redacção, Francisco Conceição Rodrigues.

Para a Secretaria.

Admissões

É admitido um projecto de lei já publicado no "Diário do Govêrno". Remetido à comissão respectiva.

O Sr. Hermano de Medeiros: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma reclamação dum funcionário público, que foi demitido em virtude da lei n.° 642, e peço a V. Exa. a fineza de a mandar, com urgência, às comissões respectivas, a fim dela lhe dar andamento, pois eu, em tempo oportuno, tratarei do assunto.

O Partido Unionista já declarou que julga inconstitucional essa lei; portanto, eu, como disse, em ocasião própria tratarei dêste assunto mais largamente.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Costa Júnior: - Eu desejava que V. Exa. me reservasse a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. António Mantas: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa um projecto de lei autorizando o Govêrno a contrair um empréstimo na Caixa Geral de Depósitos para a edificação do Liceu da Guarda, pois o actual está inabitável, não oferecendo absolutamente as condições escolares e higiénicas, que são indispensáveis e que são urgentes.

Para êste projecto peço urgência.

O orador não reviu.

Consultada a Câmara, foi concedida a urgência.

O projecto de lei vai adiante por extracto.

O Sr. Jorge Nunes: - Eu desejaria bastante ver mais alguns dos Sr s. Ministros naqueles lugares, visto que me não dirijo directamente ao Sr. Ministro do Interior, único que vejo presente, mas viso nas minhas considerações os Srs. Ministro da Guerra e Presidente do Ministério.

Portanto, peço a S. Exa. a fineza de transmitir as minhas considerações aos referidos seus colegas.

Não é surpresa para ninguêm que eu diga que nós somos vítimas de várias crises: a crise financeira, a crise política, a crise económica e a crise moral.

O Sr. Ministro das Finanças até hoje não tem mostrado até onde chega o seu talento financeiro, pois que a sua obra tem sido apenas de pequenos detalhes de economia no Orçamento, não apresentando uma medida financeira de que resulte uma economia 'verdadeira e fundamental.

Até hoje não sabemos o que S. Exa. pensa acêrca da nossa situação financeira em todas as suas fases.

Quanto à situação política é o que nós sabemos. O país entregue a um partido político, que abusa por todas as formas do poder que lhe está entregue.

E então, Sr. Presidente, essa política coloca-nos na situação de termos de aceitar já, como axioma, a fórmula posta por um membro do Partido Evolncionista: ou dissolução ou a revolução.

Sr. Presidente: a nossa crise económica é o que estamos vendo!

Por mais que se esforcem os nossos homens públicos por resolver êsse problema, hoje não é possível, talvez, resolvê-lo, porque os Govêrnos que temos tido ultimamente dirigindo o país, não souberam prevenir-se, não souberam criar-nos uma situação, dentro da qual possamos viver em condições melhores do que a que temos presentemente.

Então, sob o ponto de vista moral, é um pavor a situação em que nos encontramos; situação que nos vexa, a nós republicanos, ao vermos envolvidos nas mais tremendas acusações os homens da República, quando, se houvesse energia, meia dúzia de bandidos metidos na Penitenciária, seria o suficiente para prestigiar o regime! (Apoiados).

Sr. Presidente: desejaria bastante ver presente o Sr. Ministro da Guerra, porque desejava chamar a atenção de S. Exa. para um pequenino detalhe da administração do seu Ministério, que está enchendo toda a gente de indignação, por isso

Página 5

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 5

que constitui um verdadeiro escárneo o facto de estarmos constantemente a ouvir dizer que paralisarão algumas indústrias, porque não há gasolina, ao mesmo tempo que isso sucede, nós a todo o momento encontramos pelas ruas de Lisboa e arredores, automóveis cheios de oficiais do exército, que na maior parte das vezes não vão certamente em serviço oficial, mas em serviço particular.

Sr. Presidente: isto são cousas que todos nós vemos e sentimos; mas o que é preciso é ter a coragem de fazê-las ver ao Govêrno, porque é necessário respeitarmos o decoro das instituições.

Hoje o automóvel entrou já no domínio dos meios de transporte vulgares, mas o que se não compreende é que haja serviços públicos, principalmente do Ministério da Guerra, onde quási todas as individualidades se julgam com direito a um ou mais dêsses veículos para o seu serviço particular.

Pois é o Govêrno que nos vem dizer que temos de economizar gasolina, consentindo que êste produto duplicasse de preço, sem que o Govêrno providenciasse!

É necessário que o Govêrno dê o exemplo, fazendo economias nos seus automóveis, os quais, pode dizer-se, gastam gasolina, borrachas e demais acessórios às toneladas por dia.

Diz-se - porque eu não tenho automóveis- que o particular que tem um dêstes veículos, gasta 4 contos por ano. E sendo assim, eu pregunto: qual a despesa do Estado com esta situação, em que se chegam a encher depósitos de automóveis particulares com gasolina adquirida pelo próprio Estado?

Não basta ser-se honesto: é preciso mostrá-lo tambêm, e nos vários detalhes da administração pública portuguesa, só vemos hoje motivos para censuras, porque é tudo quanto há de mais repreensível a forma como os serviços públicos têm sido administrados e executados.

Desejaria mais fazer outra pregunta ao Sr. Ministro da Guerra, e para isso me reporto a um jornal que não é órgão do meu partido, mas de um partido que é colorador do Govêrno, pelo menos no Parlamento - o Partido Evolucionista.

Quero referir-me a um oficial médico que está fazendo as inspecções no distrito de Braga.

Êste homem tem um processo pendente dos tribunais, porque invadiu uma assemblea eleitoral. Pois êste homem, vinte e quatro horas depois, foi exercer as funções de presidente da Junta de Revisão.

Veja V. Exa. quanta desorientação é precisa para se realizar um facto dêstes!

Eu espero, não só que êsse oficial seja substituído, mas, mais ainda, e eu espero que as revisões de junta militar, feitas por êle, sejam renovadas e os mancebos que foram rejeitados sejam submetidos a nova junta, de que êle não faça parte.

Tenho pena que não esteja presente o Sr. Ministro do Trabalho, para pedir a S. Exa. providências sôbre o que fazem os seus agentes encarregados da inspecção de farinhas.

A êste propósito eu cito um caso interessante.

Numa terra do norte apareceu um afeai de farinha; êsse fiscal dirigiu-se ao administrador do concelho, e êsse funcionário indicou-lhe a casa de um evolucionista do concelho, o qual recebeu o fiscal muito bem, verificando encontrar-se tudo em ordem!

Mas, pedindo êsse fiscal informações a êste cavalheiro, dirigiu-se depois a casa de um democrático, e por engano, tudo foi encontrado em desordem, fazendo-se um arrolamento.

Êste é um dos casos edificantes que eu deixo ao estudo das partes interessadas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Almeida Ribeiro): - Ouvi com a maior atenção o ilustre Deputado, e devo dizer, quanto ao último assunto de que tratou, que seria bom S. Exa. indicasse a terra onde se passou o caso a que se referiu.

O Sr. Jorge Nunes: - Depois chegará ao conhecimento de V. Exa., sem necessidade de o dizer aqui.

O Orador: - Dos outros assuntos darei conta aos meus colegas a que se referem.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei para a abertura de um crédito especial para a qual peço urgência.

Foi concedida.

O orador não reviu.

O projecto vai adiante por extracto.

Página 6

6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Abílio Marçal: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer da terceira comissão de verificação de poderes, referente à eleição de um Deputado pelo círculo n.° 27 (Lisboa).

O Sr. Eduardo de Sousa: - Poucos dias antes de se abrir o Parlamento faleceu, na sua casa de Santa Cruz do Douro, o antigo Deputado pelo círculo de Baião, monsenhor Artur Eduardo de Almeida Brandão, antigo capelão militar.

Como tenho a honra de representar agora no Parlamento o círculo em que está incluído o concelho de Baião, comunico à Câmara o infausto sucesso, e proponho ao mesmo tempo um voto de sentimento.

Monsenhor Almeida Brandão, pelas nobres qualidades do sou carácter e pela ilustração do seu espírito, honrou a classe a que pertenceu, e deixou no Parlamento, se não um rasto fulgente da sua passagem, durante as sucessivas legislaturas em que foi Deputado, seguramente uma benemérita e honrosa memória pelo interesse que dispensou às causas públicas, e pelo empenho que empregou em servir o melhor possível os progressos e interesses do círculo que o elegeu.

Era de uma família tradicionalista, como são quási todas as velhas famílias dessa remota, montanhosa e bela região por fica de Queiroz escolhida para principal teatro do seu romance A ilustre casa dos Ramires; mas, se era de tradicionalista origem, era de espírito progressivo e aberto, como todos os outros seus irmãos que, no Pôrto, quer no comércio, quer na indústria, quer mesmo nos meios scientíficos, conseguiram justo destaque e honrosa nomeada, sobretudo aquele de seus irmãos, professor eminente da Faculdade de Medicina do Pôrto e seu actual director, o Sr. Dr. Augusto de Almeida Brandão, que tive a honra de contar entre o número dos meus mestres, e tenho ainda a fortuna de contar entre o número dos meus amigos, que foi um dos primeiros candidatos a Deputado proposto pelo Partido Republicano do Pôrto, nos seus primeiros tempos de organização e propaganda.

O Sr. João Gonçalves:-Pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para um assunto que diz respeito à pasta de S. Exa.

Refiro-me à questão do enxofre.

Como está presente o Sr. Ministro do Interior e êste caso é urgente, espero que S. Exa. não se escusará a tomar na devida atenção as minhas considerações, e que as transmitirá ao seu colega do Trabalho.

Eu sei que há grandes dificuldades hoje na aquisição dêsse produto tam necessário à agricultura, sendo por intermédio da comissão do ravitaillement de Londres que a aquisição e distribuição se faz.

Sei tambêm que o Govêrno Francês providenciou muito a tempo sôbre as dificuldades da aquisição dêsse produto, e sei que êle forneceu à agricultura e à indústria êsse produto a um preço módico, 500 francos a tonelada, cêrca de setenta mil e tantas toneladas destinadas à sua agricultura, e tem trabalhado para abastecer a sua indústria com enxofre vindo da América.

Eu sei que tem havido grandes dificuldades na aquisição dêsse produto, porquanto me consta que ao mesmo tempo tem de haver um meio indispensável para se poder obtor essa matéria.

Eu não sei, Sr. Presidente, até que ponto irão as démarches da pasta do Trabalho para alcançar êsse resultado, e nos poder garantir o enxofre indispensável à indústria e à agricultura.

Geralmente, por uma destas cousas difíceis de explicar para nós, aliados, parece surgirem todas as dificuldades, pois sei que, para países não aliados, a Espanha, por exemplo, tem alcançado os permis que quere, e sei de casas comerciais portuguesas que, na dificuldade de abastecer o mercado português, endossam os seus negócios que têm realizados em Itália para Espanha.

Seria doloroso, Sr. Presidente, que podendo o Govêrno Português alcançar para a agricultura êsse artigo por um preço aceitável, estivéssemos à espera do que pode vir da comissão de ravitaillement de Londres, que não sei quando virá, e não não nos muníssemos a tempo com os permis indispensáveis para a agricultura, dando essa faculdade à Federação dos Sindicatos Agrícolas de Portugal, que não tem fins especuladores, procurando, sim-

Página 7

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 7

plesmente, entregar à agricultura o produto pelo preço por que pode adquiri-lo.

Não houve todas as cautelas e as dêmarches necessárias para que se abastecesse, o mais depressa possível, o mercado com êsse produto.

O meu desejo é que para a Federação dos Sindicatos Agrícolas nos vamos preparando imediatamente com os permis indispensáveis para poder abastecer o nosso mercado. Refiro-me a tudo quanto é preciso para acudirmos, a tempo, ao desenvolvimento da indústria e da agricultura.

O Govêrno Francês, encarando a sério esta questão tam momentosa, regularizou as cousas de modo que pode fazer o seu fornecimento mensal de que preciso para a sua agricultura e para as suas fábricas. Não sei se igual critério terá sido seguido pelo titular da pasta do Trabalho. A acreditar pelo que aconteceu com os Ministérios passados, está-se à espera que outros façam e. nada se realiza, por sua acção, como é necessário que se realize, para que não suceda o que sucedeu no ano passado, que tarde e a más horas conseguimos um preço já caro para êsse produto, a fim de acudirmos às necessidades da agricultura.

Eu lembro o facto com antecedência, para que esta questão tam importante se resolva o mais urgentemente possível, porque é necessário que em princípios de Fevereiro tenhamos aqui o enxofre para tranquilizarmos o agricultor.

De passagem, lembrarei a necessidade de importarmos batata para semente. Não sei o que se tem conseguido nesse sentido, mas do que o Sr. Ministro do Trabalho pode estar certo é de que nada se conseguirá se não dermos alguma cousa; e eu não compreendo a razão por que se não dá, dificultando assim o fornecimento de artigos que se estão estragando em Portugal. Refiro-me à questão das lãs. Por uma questão de casmurrice, há três anos que a produção das nossas lãs fica nas mãos dos açambarcadores, e vai saindo da país sem proveito algum para o Tesouro, porque as fronteiras estão abertas. Esta política da abastecimento, de defesa do nosso país e de garantia da nossa alimentação, é tudo quanto há de mais insensato. Precisamos tudo do estrangeiro. Temos a nossa fronteira completamente fachada à entrada do trigo, mas, para os escândalos, está sempre aberta. Escusam de pensar que, pelas vias legais e pagando o pesado imposto, algum pó de farinha possa entrar em Portugal.

Sr. Presidente: protesto contra tal orientação sôbre a forma de abastecermos o nosso mercado. Se assim continuarmos, a fome será iminente e a sorte grande dos açambarcadores continuará todos os anos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Almeida Ribeiro): - Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações feitas pelo ilustre Deputado, Sr. João Gonçalves, e devo dizer a S. Exa. que, com relação ao enxofre, o assunto não corre pela minha pasta, mas posso desde já declarar à Câmara que o Govêrno se tem ocupado em garantir a aquisição, que for necessária, dêsse produto, tanto pela pasta dos Estrangeiros como pela do Trabalho. Qualquer dos Srs. Ministros respectivos poderá dar a S. Exa. mais detalhados esclarecimentos.

Com respeito á batata, transmitirei ao meu colega do Trabalho as considerações que S. Exa. produziu.

Relativamente à representação dos interessados no comércio da lã churra, dizendo que essa lã poderia ser exportada se fôsse lavada, devo informar o ilustre Deputado de que se estabeleceu uma sobretaxa mais favorável sôtíre essa lã do que sôbre a lã suja. Disse S. Exa. que a lã churra suja não tem saída. Eu devo declarar que pedidos do exportação tem sido feitos à Direcção Geral das Alfândegas. Se êsses pedidos não tem sido atendidos, não sei a razão.

Também sei, porque já o ouvi a pessoas da especialidade, que não obstante a sobretaxa os comerciantes continuam a comprar a lã aos produtores.

O Sr. João Gonçalves: - Não se importam com a sobretaxa, porque a, lã sai por contrabando!

O Sr. José Barbosa: - Sabe-se que entraram em França, aproximadamente umas 2:000 toneladas de lã, evidente-

Página 8

8 Diário da Câmara dos Deputados

mente de origem portuguesa, mas sob o ponto de vista aduaneiro nada consta do respectivo rendimento!

O Orador: - Isso demonstra que a fronteira portuguesa, em vez de estar fechada, como ainda agora afirmou o Sr. João Gonçalves, para se lamentar das dificuldades postas à entrada do trigo, ela está infelizmente mais aberta do que conviria. A fiscalização parece, pois, ser insuficiente, porquanto permite a passagem de certos produtos sem conhecimento da alfândega. São cousas crónicas, que todos os Govêrnos se esforçam por impedir, mas que não há remédio fácil para o seu conseguimento. Tratando-se duma fronteira extensíssima não são 4:500 guardas fiscais que conseguem fechá-la absolutamente. S. Exas. sabem muito bem que ainda mesmo que houvesse o triplo da fôrça fiscal, ou que os guardas se pudessem avistar uns aos outros, o contrabando se faria.

O Sr. João Gonçalves: - Quási que não vale a pena ter guarda fiscal!

O Orador: - Bem. Eu termino como principiei: que comunicarei ao Sr. Ministre do Trabalho os assuntos a que S. Exa. se referiu.

O orador não reviu, nem foram revistos os apartes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Eduardo de Sousa, ao usar há pouco da palavra, propôs que se lançasse na acta um voto de sentimento pela morte do capelão-militar Almeida Brandão, antigo deputado.

O Sr. Ministro do Interior e, interino, das finanças (Almeida Ribeiro): - Sr. Presidente: desejo declarar a V. Exa. que, em nome do Govêrno, me associo a êsse voto de sentimento.

O Sr. Joaquim de Oliveira: - Em nome da esquerda da Câmara, associo-me inteiramente ao voto de sentimento proposto pelo falecimento do Deputado Almeida Brandão.

O Sr. Hermano de Medeiros: - Em nome do bloco parlamentar da direita, cumpre-me associar ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Eduardo de Sousa.

O Sr. Costa Júnior: - Pedi a palavra para me associar tambêm ao voto de sentimento.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovada a proposta para se lançar na acta desta sessão o voto de sentimento pela morte de Artur Eduardo de Almeida Brandão.

O Sr. José Barbosa: - Pedia a V. Exa. a fineza de comunicar ao Sr. Ministro da Guerra e Presidente, interino, do Ministério, que eu desejava falar na presença de S. Exa., antes da ordem do dia da próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Satisfarei o desejo manifestado por S. Exa.

O Sr. José Barbosa: - Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer da 3.ª comissão de verificação de poderes.

Leu-se na Mesa.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se na Mesa uma nota de interpelação enviada pelo Sr. Deputado António Mantas.

É a seguinte.

Nota de interpelação

Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que desejo, no mais curto espaço de tempo, interpelar o Govêrno, e em especial o Sr. Ministro da Instrução Pública, sôbre os decretos n.ºs 3:352, de 8 de Setembro de 1917, publicado no Diário do Govêrno n.° 154, da 1.ª série, e 3:469, de 19 de Outubro do referido ano, publicado no Diário do Govêrno n.° 180, da mesma série, diplomas êstes que reformaram o Colégio das Missões Ultramarinas, estabelecido em Sernache do Bomjardim e o converteram num estabelecimento autónomo denominado Instituto de Missões Coloniais.- O Deputado, António Mantas.

E lido na Mesa, e mandado publicar no "Diário do Govêrno", o parecer da 3.ª comissão de verificação de poderes proclamando Deputado pelo circulo n.º 27 (Lisboa) o cidadão Henrique Jardim de Vilhena.

Página 9

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 9

O Sr. Tamagnini Barbosa: - Sr. Presidente: começo por chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior, visto não estar presente nenhum outro membro do Ministério, para o que vou sucintamente expor.

Mais uma vez, Sr. Presidente, levanto a minha voz nesta Casa para protestar, por forma enérgica, contra a política de segredo, do mistério, que o Govêrno faz a propósito do problema da nossa intervenção na guerra.

Tinha já conhecimento há dias da notícia publicada nos jornais, da manhã de hoje e da noite de ontem, acêrca de uma incursão de, forças alemãs no nosso território em África.

Esta notícia, que confirma o boato que há dias vem correndo na capital, e creio que pelo país, pode dar origem a novos boatos, que provocam o alarme e a intranquilidade das famílias dos que estão combatendo em África pela Pátria. É necessário que o Govêrno, que só consente a publicação destas notícias nos jornais quando são de origem estrangeira, venha ao Parlamento dar conta denudo o que se está passando, quer em África, quer em França. (Apoiados).

É com energia que acentuo isto, porque não posso tolerar, como português, que essas notícias sejam trazidas ao nosso conhecimento através de informações de origem estrangeira. Foi nos jornais da noite de ontem que veio esta notícia, de origem londrina, notícia que vi afixada nos placarás dos jornais quando saí do Parlamento.

Pregunto, pois desejo saber o que se passa em África. (Apoiados).

E preciso que o Govêrno esclareça o país sôbre o que vai por lá, sôbre o que se dá com as nossas forças (Apoiados), dizendo se se trata duma simples incursão das forças alemãs que ali combatem.

Peço igualmente ao Sr. Ministro do Interior que me diga o que se passa no Pôrto, pois constou-me que factos análogos aos que se deram há tempo em Lisboa ocorreram na capital do Norte. E absolutamente necessário que se esclareça o Parlamento do que se passa no país por intermédio do Sr. Ministro do Interior e do que se passa em África, para o que deve o Sr. Ministro das Colónias vir à Câmara.

Peço, portanto, ao Sr. Ministro do Interior que comunique ao Sr. Ministro das Colónias a minha pregunta.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Almeida Ribeiro): - Pelas informações que em Conselho de Ministros têm sido produzidas sôbre o assunto, posso informar a Câmara que a notícia do que ocorreu em África não é inteiramente exacta. Não se trata própriamente duma incursão de alemães ou cousa parecida com isso. Parece que núcleos de forças alemãs, em número muito reduzido de europeus e mais própriamente composto de indígenas, batidos no seu território do sudoeste africano, aproveitando uma das muitas e inevitáveis fendas ou lacunas de falta de guarnição na nossa fronteira, que é muito extensa e não pode ser toda ocupada por forças, passaram essa fronteira, internando-se no nosso território.

Essas forças, na sua maioria constituídas por indígenas, estão sendo procuradas e provávelmente a esta hora está sendo empenhada alguma acção repressiva.

É o que posso dizer, habilitado pelas informações que há pouco foram comunicadas aos Srs. Ministros das Colónias e da Guerra.

Comunicarei ao Sr. Ministro das Colónias as preguntas do Sr. Tamagnini Barbosa, e S. Exa., no cumprimento do seu dever, poderá informar do que se tem passado mais completa e minuciosamente a Câmara, tanto quanto o permitem as comunicações existentes.

Com relação aos acontecimentos do Pôrto, eu soube que ante-ontem, um grupo de populares bastante numeroso assaltou pelas 21 horas a padaria que a câmara municipal tinha organizado, precisamente para combater o preço excessivo que o pão fabricado e vendido livremente tinha atingido.

Os assaltantes da padaria municipal procuraram tambôm assaltar algumas casas particulares e, designadamente, a casa do presidente da comissão municipal de subsistências.

Chamo a atenção da Câmara para êste facto, que é na verdade singular.

O que a êsses populares primeiramente lembrou, foi o assaltar o estabelecimento que tinha sido montado para lhes facilitar

Página 10

10 Diário da Câmara dos Deputados

pão mais barato, e a casa particular do presidente da Comissão de Subsistências a pessoa que mais se tinha empenhado para que baixasse o preço do pão!

A Câmara que procure explicação para êste facto, eu não a encontro.

O que me parece fora de dúvida é que o movimento não tem justificação económica bastante; não tem mesmo justificação moral.

E um movimento provocado por agitadores, por políticos de má morte e por especuladores.

O que é verdade é que êste movimento, embora a fôrça pública interviesse desde] logo, para pôr termo aos assaltos, de que resultaram apenas alguns prejuízos materiais, êste movimento continuou no dia imediato, quere dizer, ontem.

Foram assaltados alguns outros estabelecimentos, tendo-se esboçado, creio eu, uma tentativa de assalto à estação do caminho de ferro de S. Bento; e, porque os acontecimentos assumiram graves proporções, o governador civil, pelas 16 horas e meia ou 17 horas, entendeu necessário chamar em sou auxilio a autoridade militar, pedindo-lhe para que ela, com os elementos de que dispunha, o auxiliasse na manutenção da ordem pública.

A autoridade militar acedeu, como lhe cumpria, e, passado pouoo tempo, os assaltos tinham cessado, continuando, no emtanto em alguns elementos da população uma certa agitação.

Muitos estabelecimentos fecharam as suas portas, com receio de violências, e muitos populares continuaram exaltados, promovendo ajuntamentos e dizendo que era preciso pôr termo ao encarecimento das subsistências e aniquilar os açambarcadores.

A noite decorreu tranquila, mas já hoje tive informação de que, próximo à Praça do Marquês de Pombal, tinha sido assaltada uma padaria.

Parece que neste assalto sucedeu o que vou expor.

Dentro do estabelecimento referido estavam alguns empregados que, naturalmente, procuraram defender-se. Nessa defesa, um dêsses empregados matou um dos populares assaltantes.

Não tenho informações mais minuciosas sôbre êste incidente. Posso, porêm, afirmar à Câmara que até o momento presente não tenho notícia de ter havido qualquer outro desastre pessoal. Se chegar ao meu conhecimento a notícia de ter havido mais algum desastre de gravidade, rapidamente o comunicarei à Câmara.

Esta agitação produzida no Pôrto e da qual resultaram os danos e a acumulação de prejuízos que de ordinário êstes casos acarretam, ressentiu-se nas imediações do Pôrto.

Segundo informações que tenho, em Ermezinde, Rio Tinto e Gondomar, houve tambêm tumultos e tentativas de assaltos. Todavia, com relação a Gondomar, tenho conhecimento que ali, a fôrça da guarda nacional republicana, conseguiu evitar que os perturbadores invadissem a vila e praticassem quaisquer actos de carácter grave.

Aproveito a ocasião para comunicar à Câmara que ao mesmo tempo que nas imediações do Pôrto se davam êstes casos, em Odemira acontecia uma cousa parecida. Também ali vários populares, principalmente das classes operárias, depois de fazerem rebentar alguns petardos para amedrontar a população pacífica, sobretudo o comércio, procuraram o presidente da câmara municipal do concelho, impondo-lhe a venda de farinhas e de cereais por preços inferiores aos fixados na tabela feita pela comissão local dos abastecimentos.

Não tenho conhecimento de desastres pessoais; mas houve esta agitação.

A região de Odemira é uma daquelas em que a propaganda sindicalista mais tem alastrado, acentuadamente; mas não só ali isso tem sucedido.

Em Lisboa como em outras regiões do Alentejo tal propaganda se faz com intensidade.

Até que ponto tal propaganda contribuiu para a atitude havida pela populaça perante o presidente da câmara municipal, quando êste estava, exactamente, empenhando-se em regularizar o abastecimento da vila, não posso dizê-lo. Só por investigações posteriores poderei concluir dos factos. Vou ordenar essas investigações para inquirir dos factores de tais movimentos. As responsabilidades apuradas serão tornadas efectivas.

O Sr. João Gonçalves (interrompendo): - Em Castelo Branco tambêm houve alguma cousa anormal?

Página 11

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 11

O Orador: - Não tenho notícia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Tamagnini Barbosa: - Sr. Presidente: tomo a palavra para agradecer ao Sr. Ministro do Interior as informações que acaba de fornecer à Câmara, e para frisar que se não fora a circunstância de eu ter levantado hoje, aqui, a minha voz para dizer o que há pouco pronunciei, a Câmara não teria conhecimento oficial do que se passava. Apenas conheceria os factos através as notícias dos jornais.

Isto é o desprestígio do Poder Legislativo!

E tudo que queiram!

São V. Exas., como maioria, que toleram tal situação; não somos nós.

Mais nada.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.

Peço aos Sr. Deputados que mandem para a Mesa os documentos que tenham para enviar.

ORDEM DO DIA

Discussão sôbre o decreto n.° 3:091

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o decreto n.° 3:091.

O Sr. Ramada Curto: - Sr. Presidente: tenho de explicar a razão pela qual saí desta casa do Parlamento, durante o debate que mais ou menos tinha iniciado. Um toque de telefone para um incidente, até desastroso, de pessoa querida, forçou-me a abandonar os trabalhos parlamentares, rapidamente.

Lamento o facto por todas as razões. Em primeiro lugar porque podia ser interpretado, da parte de quem não me conhece, como prova de desinteresse, visto ter lançado o assunto na Câmara e depois, a certa altura, tê-la abandonado. Lamento-o tambêm porque me privei do enlevo de escutar as respostas às minhas considerações.

Neste debate, como em todos os outros em que tenho a honra de intervir, eu pretendo que reconheçam em mim um homem daqueles de que fala o Evangelho,

um homem de boa fé e de boa vontade, que está sempre disposto a emendar os erros, as opiniões mal fundamentadas, os pontos de vista defeituosos, sempre que me provem os meus antagonistas.

No caso presente, devo declarar que o Sr. Correia Mendes é, sem dúvida nenhuma, um especialista na matéria, sôbre ser uma pessoa excepcionalmente inteligente; o que é certo, porêm, é que S. Exa. não logrou convencer-me.

Dada esta explicação, eu vou entrar no assunto, procurando ter sempre a máxima serenidade. Vou, não fazer um discurso, mas, honestamente, claramente, dizer o que penso em resposta às observações do Sr. Gastão Correia Mendes.

Afirmou S. Exa. que eu não tinha dito senão palavras, palavras, palavras, o que me parece absolutamente injusto, por não representar a expressão da verdade. Podem as minhas palavras ser humildes e apagadas, mas. o que é certo é que não deixam nunca de significar ideas.

Analisei o regulamento em questão e declarei que o julgava inadaptável ao nosso meio. Apodei-o de policial, de jesuítico e de anti-pedagógico.

Vou provar o que disse.

Procurarei responder ao Sr. Correia Mendes com o regulamento na mão. Não tenho, é claro, a pretensão de o analisar, artigo por artigo.

Eu não sei se V. Exa., Sr. Ministro de Instrução, reparou bem, que êste formidável regulamento tem 474 artigos; e que o Código do Processo Comercial tem modestíssimamente 384.

Antes de entrar própriamente na análise, seja-me permitido que eu diga alguma cousa sob o ponto de vista da matéria que vou tratar.

O Sr. Gastão Correia Mendes veio aqui apresentar um trabalho sôbre ensino secundário; S. Exa. baseou o seu trabalho no estudo de oitocentos diplomas, isto é, de muitos decretos, muitas portarias, muitas circulares, etc.

S. Exa. quis fazer uma reforma do ensino secundário, mas dando-lhe o modestíssimo nome de regulamento.

Os homens em Portugal muito teriam de fazer sôbre o ensino, que é a base de que depende o futuro da raça.

Pudéssemos nós em Portugal fazer o mesmo que se está fazendo em Espanha,

Página 12

12 Diário da Câmara dos Deputados

onde tam distintos pedagogos se têm dedicado à causa da instrução.

O orador cita alguns pedagogistas do pais vizinho.

Aí, êsses pedagogos têm-se dedicado à sua vasta obra no sentido do ressurgimento da raça.

Mas fizeram-o por estudo profundo.

Já em 1913, em França, o Sr. Boyer declarava no seu relatório, perante o Parlamento, que um tal sistema estava de há muito condenado por todos os pedagogos em França por defeituoso.

Que interessante seria que o Sr. Correia Mendes explicasse a razão por que a Espanha, que tem uma escola de professores, é o único país onde não há o ensino de classes, onde há vários diplomas que têm modificado em vários detalhes a instrução secundária.

Que interessante seria que o Sr. Correia Mendes, ou outros ilustres professores que têm assento nesta Câmara explicassem qual a interpretação que tinham dado à reforma de Jaime Moniz, o qual encarregou vários técnicos de formularem programas sôbre diferentes pontos de instrução, tendo encarregado o Sr. Teófilo Braga dum determinado programa, o Sr. Augusto José da Cunha da parte de matemática, etc.

Êsse programa de ensino foi submetido a um eminente professor de raça teutónica, e por êsse homem foi dito que o que estava consignado nesse programa seria tudo menos um ensino de classes, e que reconhecia, mesmo dada a deficiência da raça, a impossibilidade absoluta de admitir êsse sistema, e que mesmo com o extraordinário professorado de que dispõe a Alemanha era materialmente impossível que em sete anos de liceu se pudesse satisfazer semelhante sistema de ensino.

Que interessante seria que êsse programa aparecesse agora, em vez de se fazer um programa de semelhante ordem, disfarçadamente introduzido nas folhas dum regulamento!

Seria talvez o momento de se procurar reconhecer que em Portugal não era necessário recorrer a cópias servis do estrangeiro para fazer alguma cousa que fôsse um produto da nossa terra, que alimentasse e alicerçasse a vida portuguesa.

Nada se tem feito nesse sentido, e o ensino assim tem continuado, saindo todos os anos da Universidade uma quantidade inútil de bacharéis, que esperam mais tarde entrar na política para conseguirem lugares onde só anichem.

Tem-se criado uma legião de diplomados sem distinção, sem personalidades morais, porque as escolas não fixam inteligências nem formam caracteres, mas criam um rebutalho, daquele que na monarquia ocupou as cadeiras desta Câmara.

Eu, Sr. Presidente, porque não quero ir mais longe do que aquilo que me cabe como minúsculo pedagogo, limitar-me hei a sustentar o que disse na última sessão. Êste diploma não se impõe às consciências nem se impõe ao coração de ninguêm, e só pode ter a aquiescência daqueles que tam mal julgam do nosso ensino.

É costume dizer-se que se deve começar pelo princípio, e, assim, tambêm eu vou iniciar êste estudo fazendo um ligeiro esboço de simples análise.

Na primeira disposição logo ressalta aos olhos de quem quiser ver uma crueldade absolutamente inadmissível dum estado que só tinha o direito de fazer caça ao bacharelato quando lhes abrisse as portas de escolas profissionais.

Quero-me referir ao artigo 16.°

No artigo 6.° da lei. no que diz respeito à admissão, diz-se o seguinte:

Leu.

Eu pregunto, depois das considerações que acabo de fazer, depois da forma como o Govêrno coloca o assunto escolar, eu pregunto se há o direito de seguir esta norma.

E o artigo 18.°?!

Eu seguirei a norma de - permita-se-me o termo - evitar que se misturem alhos com bugalhos. Assim, onde eu encontrar um êrro, notá-lo hei, como quando encontrar um absurdo ou uma ilegalidade jurídica os apontarei.

Desta sorte eu afirmo que o artigo 18.° é ilegal.

E aqui aparecem vários modelos, n.ºs 1-A, 1-B, 1-C, etc. São oitenta modelos diferentes, oitenta papéis diversos; é, em suma, todo o sistema da nossa burocracia. Faz-me lembrar aquela decantada revista em que havia cinquenta empregados para o correio: um cortava a estampilha, outro collocava-a sôbre a corres-

Página 13

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 13

pendência, outro colava-a, etc., etc.... (Risos).

E o sistema da documentação oficial, de efeitos caserneiros e de repartição.

Mas, Sr. Presidente, neste artigo 18.°, diz-se ainda:

Leu.

Ora isto é contra o que estatui, - e eu chamo para êste ponto a atenção do Sr. Correia Mendes - o artigo 42.° da lei orçamental de 1914.

Não bastava que isto fôsse contrário à lei, se não ainda basear-se nos domínios da filosofia, não sei só a de Boirac, por onde eu estudei em 1900, que tinha vários capítulos sôbre isto e aquilo, muitas cousas; toda a história geral da filosofia, do maneira a saber de que lado estava o pírrónico, etc.

Sr. Presidente: êste regulamento excede os âmbitos da lei, o que é suficiente para o julgarmos ilegal.

Mas há mais ainda.

Os preços das matrículas que estão no artigo 20.° alteram o que estava estabelecido na lei orçamental de 1914, aumentando colossal e cruelmente as despesas dos estudantes. Assim, as matrículas passam de 17$ e tanto a 30$ e tal, e o estudante que ficar impossibilitado de fazer exame na primeira época, reconhecido habilitado para os exames da segunda época, paga nova propina. E para verificar se de facto o estudante está ou não doente, embora pobre, sem ter muitas vezes de comer, é obrigado a chamar o médico escolar, que por cada visita cobra 2$50!

Isto são pequenos detalhes que não vão bolir com os interesses pedagógicos. Mas o momento actual é muito difícil, o quem tem filhos a educar faz despesas que muito lhe custam, e quem sabe se muitas vezes se não privam das mais rudimentares necessidades para poder manter seus filhos na escola. Pois o Estado não lhes dispensa carinho, nem pelo aumento de professores, nem pelo melhoramento de material de ensino.

Esta lei tem um defeito fundamental.

Todas as leis devem ser imperativas, e esta lei tem todo o carácter de permissão.

Nesta lei não há nada que imponha ao reitor, não lhe dizendo: "Tem de fazer isto. Poderão fazer isto... poderão fazer aquilo, etc.". E o seu sistema. Nada de positivo.

Há um outro ponto a que eu me desejo referir. Diz respeito à intervenção do médico, que não deve ser apenas a representação dum elemento inútil e dum paspalhão.

Êle deve, por assim dizer, acompanhar o aluno, fazer quasi que observações individuais, ser minucioso até o escrúpulo, a fim de verificar o número de horas que deve ter determinado antes.

Há uma outra disposição permissiva no artigo 52.º

Leu.

O que nele se preceitua será muito lógico, mas não o entendo, não o compreendo.

O destino absoluto, o carácter, a organização do ensino em Portugal estão nas mãos do reitor, e êstes escudam-se com os conselhos escolares para darem a sanção aos seus actos, sem resolverem cousa alguma.

O papa superior ao concílio! (Risos).

Há pouco disse-me um ilustre parlamentar, aqui sentado neste lugar, que assim devia ser e que deixasse eu de dizer o contrário: o reitor é que devia mandar nos alunos.

Eu não penso assim, porque sou parlamentar, porque sou democrático, porque sou republicano. E se assim não fôsse, eu entendo que, não seguindo êste critério, era integralista! (Risos).

E peço a atenção da Câmara...

O Sr. Júlio Martins: - V. Exa. disse que o reitor mandava nos alunos, cá fora...

O Orador: - Perdão, no liceu.

Agora, Sr. Presidente: repare V. Exa. e repare a Câmara nesta linda cousa que a neutralidade republicana de todos os que estão nesta casa se regosije e levante hossanas, pois que, corajosamente, já houve quem, em matéria pedagógica, resolvesse interpretar o espírito da República.

Vejamos isto.

Vejamos se isto não é a mais odiosa reviviscência do foro académico, contra o qual combateu o ilustre chefe do Partido Evolucionista, o Sr. António José de Almeida em horas que são inesquecidas para todos aqueles que em Portugal cursa-

Página 14

14 Diário da Câmara dos Deputados

ram alguma vez cursos secundários ou superiores.

Veja a Câmara a disposição que, em 1917, se consigna num regulamento sôbre matéria de instrução dentro da legislação republicana.

Êste especialmente vem aqui para coonestar esta disposição.

Não é isso que está na primeira parte do artigo.

Se a mocidade irrequieta encontrar uns camaradas seus e lhe der uns socos, e se isso for ofender os princípios pedagógicos do reitor, o rapaz é expulso.

Podem-me dizer que essa disposição não seria aplicada, que isto deve ser compreendido inteligentemente.

O Sr. João Camoesas: - V. Exa. dá-me licença?

Em 1905 expulsaram um camarada meu, por ter dado uma bofetada noutro, e mais vinte e sete camaradas meus, entre os quais me encontrava, por se terem solidarizado com êle.

O Orador: - É necessário que esta disposição não esteja aqui, porque é uma vergonha.

Andou uma geração inteira a protestar contra isto, por absurdo, por anti-jurídico, por anti-liberal, por anti-democrático, por inqualificável, e agora consigna-se no regulamento esta disposição!

A que se quere reduzir a mocidade dêste país?

Já não é uma indignação de pedagogo, que não sou; é uma indignação de homem. (Apoiados).

No § 4.° dispõe-se o seguinte:

Leu.

Isto não se compreende! É bico ou cabeça?

O § 4.°, do artigo 85.°, diz o seguinte:

Leu.

Se o reitor entende que o rapaz é embirra) julga o processo e põe-no na rua; mas se o rapaz não é embirrativo fica, e só em última análise é que vai para o Conselho Escolar, a fim de o julgar.

Eu tenho um certo pudor de estar a analizar uma disposição, que é possível a minha falta de inteligência não atinja, e por isso fico irritadíssimo de não compreender.

Sôbre a cédula pessoal, o regulamento não é menos extraordinário.

O cadastro do aluno é pior do que o cadastro da tropa.

É assim que se pretende enganar a gente dos liceus.

Será isto pedagogia?

Será na caserneira alemã.

Pregunto se há alguma disposição de carácter pedagógico que me obrigue a aceitar tudo quanto vem do estrangeiro.

E formidável. Chego a julgar que é impossível que se tenha apresentado esta doutrina.

As companhias que frequentam fora dos liceus...

Isto encontra-se no regulamento dos liceus!

Se isto estivesse incluído nos liceus, quando estudei, não estaria hoje formado em direito, mas seria um qualquer merceeiro.

Isto repugna à minha índole, ao meu feitio, que reage contra cousas desta natureza. (Apoiados).

É vexatório, não só para os alunos, mas para os pais ou encarregados da sua instrução, pela intromissão na sua autoridade paterna. (Apoiados).

É vexatório para a dignidade das famílias dos alunos. (Apoiados).

E então sobe de ponto a indignação, quando se pensa que a função de reitor pode ser exercida por indivíduos menos idóneos para estarem à frente dêsses estabelecimentos de ensino.

Quando li êste artigo, tive um comentário que não tem nada de pedagógico, que é impróprio desta assemblea, que não é parlamentar, mas que é fulminantemente expressivo: "Ora bolas!" (Riso).

Desculpe a Câmara que empregue êste plebeísmo. Foi o comentário imediato, espontâneo, que me provocou o § 7.° do artigo 126.°

"Ora bolas!" (Riso}.

Parece feito pelo Conselheiro Acácio:

"A pregunta do professor, corresponde a resposta do aluno...".

O orador continua lendo o regulamento.

"A pregunta do professor corresponde resposta do aluno". Necessariamente, a não ser que o aluno fique calado, porque então o professor marca-lhe má nota...

Risos.

Página 15

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 15

Salto por muitas disposições do regulamento, porque estou muito cansado. Se analisasse tudo que nele se encontra, a sua análise daria para falar durante três dias bem puxados. J'en passe et des meilleurs...

No meu tempo já havia muita pedagogia. Porém, saí do liceu sem saber nada, o que me não prejudica para a vida prática, porque eu organizei-a de tal forma que estudei matemática pela álgebra do Cunha e tive de estudar física.

Eu vi mais tarde que efectivamente à pregunta do professor correspondia a resposta do aluno. Vi isso, Sr. Presidente; o permita-me V. Exa. que eu recorde tambêm, o que é a instrução superior na Universidade do Coimbra, a que eu vou já tecer o justo elogio que merece. Criaram-se três universidades no país. Pois bem. Censurava-se a de Coimbra, mas logo todas desataram a imitá-la!

Os Institutos Superior Técnico e Superior de Comércio, que não pertencem à Universidade, que não têm tantos pedagogos, lá vão singrando nobilíssimamente. O Instituto Superior Técnico, graças ao esforço do homem ilustre entre os professores de Portugal, que é o Sr. Alfredo Bensaúde, graças ao corpo docente que possui, entre o qual se salienta o antigo Deputado desta Câmara, Sr. Aureliano de Mira Fernandes, matemático insigne, graças à carolice, à dedicação e ao amor dos professores dêsse estabelecimento, que não sei se sabem que à pregunta do professor correspende a resposta do aluno, o ensino que aí se faz é simplesmente admirável. (Apoiados).

Mas desde que há mais universidades, desde que há um Senado Universitário e desde que os professores ensinam todas as cousas sabíveis, quer do seu ramo, quer fora dele, havendo tal professor que começa a ensinar aritmética às oito horas da manhã e vai leccionar astronomia na Faculdade de Sciências às cinco horas da tarde, como é feito o ensino? Que lição pode dar aos alunos, um homem que trabalha vinte e cinco horas por dia?

Eu não vi que os professores tomassem a dianteira ao movimento para virem dizer, honestamente, ao Estado português que não podiam trabalhar as horas que se exige no regulamento, porque é uma desonestidade pensar que possa haver pedagogos dotados com tanta capacidade de trabalho. Bem sei que a vida é cara, que a vida é dura. Sei que o Orçamento português, em matéria de instrução, é um orçamento de miséria, é um orçamento de D. Joaquina, dona de qualquer casa de hóspedes da Rua dos Fanqueiros, onde se encontram as mais miudinhas cousas!

Risos.

Não houve ainda o critério inteligente de dotar largamente a instrução, de gastar dinheiro, muito dinheiro com êste serviço, porque só as despesas com a instrução, quando todos os fumos passarem, são grandes, gloriosas e promissoras! (Apoiados. Muito bem).

Continuemos, porém.

Vejamos o artigo 268.°:

Leu.

O reitor! Sempre o reitor! Q homem é nomeado, e o reitor dá-lhe posse! E aqui está - notem V. Exas. - a palavra reitor entre vírgulas, não fôsse alguém julgar que a posse era dada pelo chefe do pessoal menor!

Mas eis que surge a arca santa de todo êste sublime regulamento: o capítulo 22.° Pasmai, senhores! Trata-se nem mais, nem menos do que Do Reitor! E agora é que são elas!

Risos.

O Reitor! Cá está aquela indomável lagartixa da D. Joaquina ou da D. Antónia!

Novos risos.

Perdoem os meus ilustres colegas o meu feitio, mas a verdade é que não consegui ainda espartilhar as minhas expressões para um dia redigir esta cousa estupenda: à pregunta do professor corresponde a resposta do aluno!

O Sr. Eduardo de Sousa: - Dá-me licença? Pode dar-se a hipótese de a pregunta do aluno hão corresponder à resposta do professor!

O Orador: - Pois é claro!

O Sr. Correia Mendes: - Sabe V. Exa. quem é o autor dessa frase?

O Orador: - Os meus respeitos para tam esclarecida pessoal

Página 16

16 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Correia Mendes: - O Sr. Jaime Moniz!

O Orador: - Tenho muito prazer em saudar o autor desta idea. Parecido com isto, só conheço uma frase pronunciada num jantar em que a dona da casa, dirigindo-se a um conviva, lhe preguntava: serve-se de mais? e êle respondia: estou completamente servido.

A nomeação do reitor é feita pelo Govêrno dentro dos quadros efectivos do li, céu; devia dizer-se, em concílio secreto em que só tomariam parte os professores efectivos do quadro do liceu.

Aqui esqueceram-se de mencionar quanto tempo é que dura o lugar de reitor. O reitor, uma vez eleito, é como o Papa, que só termina o seu mandato quando morre. Não se diz quando acaba nem quais são as suas funções. Creio que isto foi um lapso.

Vamos agora às atribuições.

O reitor tem fiscalização sôbre tudo, creio que não escapa até a roupa branca dos rapazes; intervêm em tudo, desde as lições até os serviços mais miudinhos do pessoal menor dos liceus.

Creio ter demonstrado ao Sr. Correia Mendes que, com razão ou sem ela, eu conhecia o regulamento quando o classifiquei de jesuítico, de exageradamente miudinho, tolhedor de toda a iniciativa escolar, exactamente na idade infantil em que não se deve prejudicar a plantação nascente, mas cultivá-la com esmero, com carinho, com cuidado maternal e doce, com que um cultivador de rosas ampara o botãozinho que desabrocha. Não faço êste trecho apenas porque tenha a pretensão de o fazer no fim duma massada e estirada hora em que tenho estado importunando a atenção da Câmara. Não faço êste período para provocar da parte dos que me escutam o elogio de que sei dizer palavras bonitas.

É que entendo que pela mocidade, desde que entra nos graus elementares de instrução, ale que chegue aos cursos superiores, deve haver um cuidado maternal, quási apostólico, de amparar e de proteger os que serão mais tarde as gerações do futuro; mas, amparar, proteger, cultivar com esmero, com enternecido carinho maternal, não é por forma alguma ilaquear, constranger, prender, esmagar sob um regulamento de caserna, tirando às crianças, aos rapazes o vigor da sua liberdade. É a obra mais triste e mais descaroável que conheço.

Uma cousa eu não posso perdoar, e não vai nisto a menor censura; não deve passar duma advertência amistosa, dum homem não só que é amigo, mas correligionário político. Não posso perdoar ao Sr. Ministro de Instrução o S. Exa. ter deixado fazer esta greve.

O Sr. Ministro, quando esta greve se esboçou poderia... vá lá! já que a autoridade se mantêm com tam pouco contra crianças! Vá lá para conservar intacto o prestígio da autoridade! S. Exa. poderia não ter cedido diante dos alunos dos liceus. Não! Não cedia!

Os rapazes reclamavam, e V. Exa. durante um dia, dois dias, três dias, mandava marcar faltas. Não se perdia a ordem pública em Portugal! Ficava assegurado o prestígio do governo civil!

Mas, V. Exa., depois consultava, os competentes, os pedagogos oficiais, os conselhos escolares, o Conselho Superior de Instrução Pública. Depois de os ouvir, V. Exa. fazia êste acto de carinho, de bondade e de justiça: V. Exa., então, mandava suspender o regulamento, e mostrava a sua inteligência que é grande, a sua boa vontade, como Ministro, que é inexcedível, vindo aqui, ao Parlamento, dizer: é necessário que o Parlamento desde já tire das suas horas de trabalho, algumas e das melhores, para se discutir com entusiasmo de cruzada santa uma reforma de ensino secundário em Portugal. (Apoiados).

V. Exa. não o quis fazer. Não o fez V. Exa. Já tive ocasião de dizer que parecia que, mercê desta atmosfera de violências e de guerra que ruge sôbre os campos da Europa, aquela apregoada brandura dos nossos costumes se transformou na dureza dos nossos costumes, e que o regime militar serve para salvar de apuros, por vezes, os governadores civis, entregando à autoridade militar a polícia do país, até nas questões de instrução.

Eu disse-o outro dia. Parecia que havia um critério excessivamente disciplinador. que não podia tolerar uma beliscadura.

Eu sei, Sr. Ministro de Instrução, o que V. Exa. me vai responder. E que,

Página 17

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 17

procedendo assim, V. Exa. obedeceu a um voto da Câmara, visto que ela mandara baixar o assunto à comissão de instrução, sem prejuízo do cumprimento integral do diploma.

Sr. Ministro! Onde haveria, em toda esta Câmara dos Deputados, o mais feroz oposicionista que ousasse levantar a sua voz contra V. Exa.. quando, aberto o Parlamento, V. Exa. viesse dizer-nos: Houve um movimento de rapazes a propósito do regulamento do ensino liceal. Obedecendo ao critério disciplinador, ordenei que se marcasse falta a todos que não frequentassem as aulas. Consultei os técnicos e as estações competentes e tomei a liberdade de suspender as deliberações da Câmara, consignadas no regulamento, porque houve um movimento de opinião contra êle.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães) (interrompendo): -
Em que fundamentar a minha resolução?

O Orador: - No parecer dos competentes conselhos escolares.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Dos conselhos escolares apenas um propôs a suspensão do regulamento. Muitos e muitos são a favor do regulamento.

O Orador: - Há o parecer da comissão de Instrução Pública. Não quero que seja trazida aqui a fita animatográfica do que nela se passou. Para a informação basta-me a leitura do respectivo relatório. Basta tambêm ler os pareceres dos conselhos escolares do país para se saber se houve ou não razão para se agitar uma opinião que não era de rapazes, mas sim de professores.

Não fica mal contemporizar por vezes.

O que aí se está fazendo hoje é que é inconcebível. São os pais mais timoratos e medrosos a aconselharem os alunos: "Vão para a aula, porque vocês passam e os outros ficam reprovados".

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães) (interrompendo): - Não aconselhei nunca isso; era incapaz de aconselhar tal cousa. O que eu não podia era dizer que estavam num movimento justo aqueles que tinham entrado nele, não tendo contra mim uma razão de queixa; o que eu não podia era continuar a aceitar discussão com quem se apresentava numa atitude contrária à ordem e à disciplina. (Muitos apoiados).

O Orador: - V. Exa., com a sua interrupção, o que pretende? Concitar os apoiados da maioria?

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Não, não quero os apoiados da maioria, nem os da galeria.

O Orador: - Eu e o Sr. Ministro exaltamo-nos um pouco, mas, deixe-me S. Exa. dizer-lhe, estou convencido que V. Exa. vai arranjar solução.

Eu estou convencido de que V. Exa. há-de achar solução, porque V. Exa. é um espírito muito inteligente e uma pessoa de muita bondade. (Apoiados).

V. Exa., com estas qualidades, pode, neste momento, achar uma solução, e eu vou ajudar V. Exa. nessa solução, sem obrigar os escolares do meu país a entrarem pela porta da baixeza, mas confiando no Parlamento da República. (Apoiados).

O Parlamento da República vai tratar desta questão, e eu espero que os escolares do meu país voltem às aulas.

Nós vamos cumprir o nosso dever; nós estamos numa Câmara republicana e não na Câmara franquista de 1907.

Que os pais e escolares do meu país esperem confiadamente na solução do Parlamento, que não se fará esperar para honra da República, para dignificação da Pátria e prestígio da raça portuguesa. (Apoiados).

O orador foi cumprimentado.

Não reviu.

O Sr. Ministro de Instrução Pública (Barbosa de Magalhães): - Sr. Presidente: começo por dirigir as minhas saudações ao ilustre orador que acaba de falar. S. Exa. terminou o seu discurso fazendo uma invocação e dirigindo-me palavras de amabilidade, que muito agradeço. S. Exa. dirigiu-se à mocidade das escolas e aos pais, dizendo-lhes que esperem, que confiem no Parlamento da República. Tem

Página 18

18 Diário da Câmara dos Deputados

S. Exa. o meu mais caloroso aplauso por essas palavras.

Sr. Presidente: o ilustre Deputado Ramada Curto foi de grande amabilidade para mim, mas S. Exa. referiu-se ao meu procedimento, entendendo que eu devia fazer qualquer cousa, que lhe parecia ser o bastante para evitar o movimento, quando foi realmente aquilo que se fez, e que representa todo o esforço para que a questão fôsse desde logo resolvida.

Sr. Presidente: o movimento começou por uma parede num determinado dia, sem serem apresentadas quaisquer reclamações ao Govêrno.

Passaram-se dois dias com paredes nas aulas, depois do que alguns alunos foram ao Ministério de Instrução para entregarem umas reclamações.

Foi-lhes dito que voltassem, às aulas, porque estavam num movimento sem razão, pois que anteriormente não haviam apresentado quaisquer reclamações e que uma tal atitude só os prejudicava e lhes tirava o tempo do ensino. Que apresentassem as suas reclamações, que o Govêrno as estudaria.

Disse-se e fez-se isto, até contra a opinião de pessoas que entendiam que nem essas reclamações deviam ser formuladas, por serem feitas por menores, como se os alunos não tivessem direito de reclamar.

Declarei que aceitava as suas reclamações, e creio que fiz bem, declarando que elas seriam estudadas e atendidas, sendo justas.

Os alunos disseram que na segunda-feira seguinte iriam às aulas e que as suas reclamações ficavam para serem estudadas.

Na segunda-feira foram às aulas e compareceu no Ministério uma comissão preguntando se não fora recebida uma outra comissão que se dizia não ter sido recebida.

Foi-lhes respondido que nenhuma comissão deixara de ser recebida.

Passaram-se três dias e novamente se manifestou a greve.

Porque foi isso?

Que razões tinha havido para os alunos, que tinham apresentado as suas reclamações, que estavam sendo estudadas, se lançarem novamente na greve?

Não se apresentaram novas reclamações.

A comissão que foi preguntar ao Ministério de Instrução se tinha sido recusado receber-se uma comissão, foi-lhe respondido pelo chefe do meu Gabinete, que nenhuma comissão deixara de ser recebida, e que as reclamações que tinham sido apresentadas tinham ido ao Conselho Superior de Instrução Pública e às instâncias competentes para serem ouvidas.

Entretanto a greve continuava, e apresentou-se uma comissão de pais de alunos no Ministério.

Mostrou-se-lhe a situação, dizendo que as suas reclamações estavam sendo estudadas para serem resolvidas como o devem ser o que êste movimento não era necessário para a defesa da sua causa, mas sim absolutamente inconveniente por obstar à frequência das aulas, prejudicando o ensino e criando dificuldades para o fim do ano lectivo.

Foi isto o que ou disso aos pais e encarregados dos alunos, que me prometeram empregar os seus esforços no sentido desejado.

Realizaram-se várias reuniões, e ainda uma outra comissão do pais de alunos procurou e prometeu esforçar-se por que a parede terminasse; por outro lado, porêm, declarava-se a greve na província.

Por intermédio dos reitores dos liceus, procurei fazer ver que o Ministério se estava dedicando ao estudo das reclamações apresentadas, as quais tambêm estavam sendo apreciadas pelas repartições competentes, e que o movimento não devia continuar, porque, como disse, só servia para prejudicar os alunos, podendo êstes ter a firme certeza de que a questão seria resolvida como fôsse de justiça.

Ser-me-ia possível assegurar que todas as reclamações seriam atendidas?

Evidentemente que não, pois tinha de aguardar as respostas das estações competentes, e nem eu poderia, resolver, só por mim, uma tam importante questão, com o único intuito de fazer terminar uma greve, quando é certo que os assuntos de ensino não podem ser resolvidos unicamente porque os alunos reclamam ou querem.

Por todas as formas procurei chamar os alunos à razão, a fim de que a parede terminasse.

Tudo, porêm, foi baldado, e tendo-se até reunido um congresso em Lisboa e

Página 19

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 19

quando tal congresso acabou, os alunos procuraram-me para apresentar novas reclamações, que prejudicavam todas as que anteriormente me tinham apresentado.

Ora, Sr. Presidente, quem pretende que as questões sejam resolvidas som demora não vem apresentar umas reclamações sôbre outras, fazendo assim demorar a consulta e o estudo das estações competentes.

Perante os alunos que então me procuraram, eu defendi a doutrina de que deveriam voltar às aulas, mas todos, e não apenas uns ou outros, não rompendo a greve, mas sim resolvendo todos termina Ia, com a plena consciência dos seus interesses e até dos seus direitos.

Essa comissão de alunos saiu do meu gabinete prometendo que no dia seguinte em todos os liceus do país as aulas funcionariam e que para tal fim telegrafaria aos seus colegas da província; todavia, no dia seguinte a greve continuava nos liceus de Lisboa e da província e, quando os comissionados voltaram a falar-me e lhes mostrei a contradição existente entre as suas promessas e os factos ocorridos, não hesitaram em manifestar-me o seu desgosto pelo procedimento dos seus colegas.

Não lhes atribuí culpa nenhuma. Disse-lhes até que tam convencido estava da sua boa fé, pela maneira correcta e liai que tinham demonstrado, que lhes mandei tirar as faltas, não só daquele dia, mas as do dia imediato.

O que é certo, porêm, é que a parede continuou e dos vários pontos do país, de parte dos pais dos alunos e dos encarregados da sua educação, eu recebi telegramas redigidos por esta forma:

Leu.

Aqui tem V. Exa. as imposições que começaram a ser enviadas ao Ministério de Instrução.

Eu, que tinha recebido as reclamações dos estudantes, eu, que tinha mandado ouvir sôbre elas as estações competentes, vi o meu trabalho todo perdido, porque já não era preciso ouvir essas estações.

De maneira que me era indicado um único caminho: suspender o regulamento, porque de contrário os meninos não iam mais às aulas.

Se da minha parte tinha havido alguma intransigência, foi, não em relação aos estudantes, e isso não admirava porque eu tambêm fui estudante, tambêm tive greves, tambêm soube como me comportei na difícil ocasião da academia de 1899, quando houve a festa do centenário da sebenta, em que se fazia a crítica mais extraordinária ao ensino universitário dêsse tempo, aos velhos preceitos e a tudo aquilo que representava menos liberdade para com os alunos.

Eu não fui intransigente para com os estudantes, e se o fôsse seria para com os pais e encarregados da instrução dos alunos, os quais afirmavam ao Sr. Ministro de Instrução que os seus filhos ou educandos não iriam às aulas emquanto o regulamento não fôsse suspenso.

Pois ouça, Sr. Ramada Curto: para ceder às imposições dos alunos, pode vir para aqui qualquer pessoa, e é escusado o Sr. Ministro de Instrução, porque fácil será então ser pedagogo. Mas emquanto eu aqui estiver, não porque esteja neste lugar para prestigiar os meus pequenos caprichos, mas para zelar a dignidade do Poder, não transigirei a pedidos feitos duma maneira impositiva, porque é preciso dar o exemplo de ordem e disciplina dentro duma sociedade que nesta hora bem carece destas qualidades.

Estou aqui, não para ser apenas um mero joguete de quem quer que seja - de rapazes ou de homens velhos - mas para cumprir o meu dever, sem pinguem ter o direito de me pôr facas aos peitos, obrigando-me a tomar esta ou aquela resolução.

Se assim fôsse preferia ir-me embora.

A questão estava nestes termos e ou aguardava as respostas do Conselho Superior de Instrução Pública, dos conselhos escolares e da comissão que elaborara o regulamento.

E, Sr. Presidente, tendo eu entregue as reclamações a essas repartições para as estudar, e como havia de resolver a questão, prescindindo dos seus pareceres, dos seus esclarecimentos, dos ensinamentos da sua experiência? Nada mais podia fazer alêm do que fiz: pedir às entidades consultadas que dessem os seus pareceres com urgência, a fim de sem grande demora me ser possível resolver a questão e fazer quanto em mim coubesse para se sanar o conflito, senão proferida a minha deliberação no dia seguinte àquele em que no meu Ministério entrou o último parecer.

Página 20

20 Diário da Câmara dos Deputados

Desejava o Fr. Ramada Curto que eu resolvesse a questão mais rapidamente, mas...

O Sr. Ramada Curto (em aparte): - Antes de se esboçar o conflito é que se deveria ter providenciado. Consultaria rapidamente o Conselho Superior de Instrução e os conselhos escolares e suspendia o regulamento.

O Sr. Vasconcelos e Sá (em àparte): - O Sr. Ramada Curto entende que o regulamento deve ser suspenso? Não ouvi bem o discurso de S. Exa., mas pareceu-me haver divergência entre o seu princípio e o final.

O Sr. Ramada Curto: - Entendo que deve ser suspenso.

O Orador: - O que o Sr. Ramada Curto não disse foi exactamente a altura em que eu devia tomar essa resolução. O que S. Exa. afirmou é muito fácil de dizer, mas muito difícil de realizar, pois eu tinha de ouvir...

O Sr. Ramada Curto: - Um Ministro tem sempre a possibilidade de dizer que ouviu, muito embora seja surdo...

O Orador: - V. Exa. não pode aconselhar trucs.

Não eram indignos no tempo da monarquia, mas são o no tempo da República. Fingir que se ouve para se não ouvir, não é próprio de um Ministro da República.

O Sr. Ramada Curto: - Não vem mal nenhum por isso.

O Orador: - V. Exa. entende que êsses processos é que são bons para se usar na administração dos negócios do Estado?

Eu não o entendo assim.

O Sr. Ramada Curto: - Eu não hesitava cinco minutos em o fazer.

O Orador: - Mas, vejamos os pareceres do conselho escolar de instrução pública. V. Exa. vai ouvir o parecer do Conselho de Instrução Pública.

Leu.

O que eu tenho dito aos alunos, das suas reclamações, e o que resalta da simples leitura desta declaração.

O Sr. Ramada Curto: - V. Exa. devia ter suspendido o regulamento.

O Sr. Malva do Vale: - Nunca o devia ter pôsto em execução.

O Sr. Ramada Curto: - Fazer política com isto, é um mau serviço.

O Orador: - Depois dêsse parecer eu vou ler à Câmara o que foram os pareceres dos conselhos escolares aos liceus.

De todos êles, um apenas me propôs a suspensão do regulamento. Foi o conselho escolar do Liceu de Passos Manuel, de Lisboa.

Foram de parecer contrário todos os outros, a maioria dos quais se limitou a apreciar concretamente as disposições, dizendo: esta merece ser atendida; aquela não merece; esta não merece, aquela não.

Alguns houve, em que se punha a questão por uma forma que eu não quero deixar de ler à Câmara, porque vem não só desmentir aquilo que se tem dito, mas vem mostrar o que era o parecer, quando não de todo o professorado do país, de grande parte, pelo menos. Assim no parecer do conselho escolar do Liceu de Maria Pia dizia-se, e chamo a atenção do Sr. Ramada Curto, que mostrava grande empenho em conhecê-lo.

Leu.

O conselho escolar do Liceu .de Camões limitou-se a apreciar singelamente as reclamações apresentadas, sem fazer apreciações sôbre o caso.

O Sr. Ramada Curto: - Há um liceu que está fora do combate, o Liceu de Maria Pia.

O Orador: - O conselho do Liceu de Maria Pia julgou que algumas reclamações eram atendíveis, quando neste liceu não está nenhum autor ao regulamento.

Do Liceu de Gil Vicente é que é reitor o ilustre Deputado Sr. Correia Mendes, cujo interessante discurso nós ontem ouvimos com toda a atenção, e não lhe dou os parabéns por isso, pois agora ser pedagogo é bom para cair no ridículo e não para ser respeitado.

Página 21

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 21

O Sr. Gastão Correia Mendes: - O ridículo tambêm se sacode, Sr. Ministro.

O Sr. Ramada Curto: - V. Exas. são ambos pedagogos, mas há pessoas que não são bem pedagogos.

O Orador: - O conselho escolar do Liceu de Rodrigues de Freitas, do Pôrto, dizia:

Leu.

O Liceu de Sá de Miranda, de Braga, dizia:

Leu.

Apartes.

Estão lá republicanos bem conhecidos na Câmara.

Não pensem V. Exas. que eu estou a fazer a defesa do regulamento. Já disse que não a fazia, nem tenho de fazê-la, porque não é obra minha. Não estou, tara pouco, a mostrar a forma como a questão foi posta, de maneira a desvirtuar a opinião pública; estou, apenas, a dizer qual o modo de pensar dos professores sôbre êste assunto importante: a questão da greve académica.

O Sr. Ramada Curto: - Pode V. Exa. informar-me o que pensa um homem culto e um pedogogo distinto, o Sr. Dr. Mendes dos Remédios, vogal do Conselho Superior de Instrução?

O Orador: - Afirmou no Conselho que o regulamento era odioso e justificou essa opinião dizendo que êle exigia mais horas de trabalho.

Pensei que S. Exa. se referia aos professores. Se se referia aos alunos, o que ainda hoje não sei, o Sr. Correia Mendes já aqui mostrou a inexactidão dessa afirmação. Se se referia aos professores...

O Sr. Ramada Curto: - O Sr. Dr. Mendes dos Remédios mudou de opinião?

O Orador: - Não mudou. Eu é que mostrei a S. Exa. que se se referia aos professores terem mais horas de trabalho, se enganava, porque isso não era do regulamento. Mais horas aos professores deu-lhas o Parlamento numa lei posterior. Perante esta minha elucidação S. Exa. nada mais teve que dizer,

Já V. Exas. vêem o que representava aquela afirmação. Tenho por S. Exa. a maior consideração, mas não podia deixar de mostrar-lhe que não tinha razão.

O Sr. Ramada Curto: - Mas não era só por isso que o Sr. Dr. Mendes dos Remédios dizia que o regulamento era odioso.

O Orador: - O conselho escolar do Liceu de João de Deus, de Faro, diz:

Leu.

São os termos da moção apresentada pelo Sr. Baltasar Teixeira.

O do Liceu de Sá da Bandeira, de Santarém, e não me será levado a mal que eu lembre que à frente dêste liceu está um nome que deve ser insuspeito para a direita da Câmara, porque é um membro graduado do partido que a forma e um professor distinto, o Sr. Cinestal Machado, julga atendíveis as reclamações menos em dois ou três pontos.

Quer dizer: êstes professores entendem e dizem que lhes custava pronunciar-se sôbre essas reclamações e dar sôbre elas o seu parecer, porque estavam sob a coacção do movimento dos alunos e podia parecer que era em face dessa situação atrabiliária que respondiam.

O do Liceu de Aveiro diz:

Leu.

O de Beja:

Leu.

O Sr. Ramada Curto: - Êsse é o de Aveiro?

O Orador: - É o de Beja. O de Castelo Branco diz:

Leu.

Aqui tem V. Exa. o que disseram os conselhos escolares dos liceus. Apenas se limitaram a fazer a apreciação concreta das reclamações apresentadas, e aqueles que fora dessa apreciação entenderam dever fazer quaisquer considerações, estas foram abertamente não só contra o movimento, que não era justificado, mas, ainda, mostraram o desejo de que não fôsse resolvido o conflito emquanto se mantivesse essa atitude, e patenteavam o seu desgosto por terem de dar o seu parecer emquanto os alunos continuavam nessa situação.

Aqui tem, pois, V. Exa. o resultado da audiência das estações competentes, e eu

Página 22

22 Diário da Câmara dos Deputados

agora pregunto a V. Exa., e à Câmara, que elementos havia para que eu, contra uma deliberação que tinha sido aqui tomada, suspendesse êsse regulamento.

A Câmara, da outra vez, quando o regulamento ainda quási não tinha sido aplicado, não quis que êle ficasse suspenso. Como é que quereria, depois, quando o regulamento já tinha sido não só aplicado no fim do ano lectivo último, mas no ano lectivo novo; quando, portanto, muitas das suas disposições tinham produzido efeito?

Como é que eu podia ir suspender êsse regulamento sem, ao mesmo tempo, prejudicar a administração do ensino e ir contra uma deliberação da Câmara?

Disse o Sr. Ramada Curto que eu viria aqui com um bill de indemnidade e que não haveria ninguêm que me negasse o seu voto.

O Sr. Ramada Curto: - Apoiado!

O Orador: - Isso é a opinião de V. Exa.

O Sr. Ramada Curto: - Quem negasse o bitl a V. Exa. se tivesse tomado a atitude que eu julgo a melhor, e que há pouco tomei a liberdade de dizer qual era e quisesse fazer política sôbre essa questão, ficava pessimamente colocado.

O Orador: - Isso é a opinião de V. Exa., mas não é a de todos. V. Exa. fala como se mais ninguêm pudesse ter em assunto de administração de ensino opinião diferente da sua.

Áparte do Sr. Ramada Curto.

Pelo amor de Deus! O que eu estou a dizer, e que V. Exa. tem tido ocasião de apreciar, é que nem todos, nesta Câmara, são da sua opinião em assuntos desta ordem.

O Sr. Ramada Curto: - Isso são contos largos.

O Orador: - Já V. Exa. vê, portanto, que se eu me permitisse resolver essa questão por êsse critério simplista, e pensar que havia de vir aqui com uma resolução que me pudesse colocar no melhor dos mundos possíveis, ficaria toda a gente a bater palmas, mas eu teria inflingido uma deliberação da Câmara e prejudicado a administração do ensino. Era bom para mim - diz V. Exa. - mas eu não aceitava êsse bem, porque estava aqui para resolver a questão como me parecesse melhor em harmonia com os interesses superiores do ensino e não para fazer a vontade a êste ou àquele e, muito menos, para obedecer a imposições de quem quer que fôsse.

Não tinha elementos para suspender êsse regulamento; apenas tinha que apreciar as reclamações que em relação a êle tinham sido apresentadas.

E eu pregunto a V. Exa. e à Câmara: por que é que foram apresentadas pelos alunos essas reclamações, por que é que sôbre elas foram ouvidas as entidades competentes, para que é que todos êstes conselhos escolares perderam o seu tempo a dar o seu parecer, se ao fim de tudo isto a solução era rasgar o regulamento ? j Então não teria sido preciso ouvir ninguêm! Era dizer-se positivamente:-"Os senhores perderam o seu tempo. As reclamações apresentadas é para serem pos-las de lado, para nem sequer serem consideradas, porque nós vimos aqui rasgar o diploma a que elas se referem!"

Se era isso que a academia queria, era por aí que deveriam ter começado!

Mas a suspensão ou a revogação do diploma só poderá ser ordenada por esta Câmara; e parecia-me que efectivamente os alunos dos liceus bem podiam esperar pelo Parlamento, bem podiam confiar que a sua causa havia de ser aqui estudada com entusiasmo e cuidado. Deviam confiar na acção do Parlamento, e ir às aulas.

Se assim tivessem procedido, tinham dado uma prova cabal de que confiavam nos poderes da República. Ao contrário, deixando de ir às aulas, e impedindo até pela fôrça os alunos que a elas queriam ir tomaram uma atitude que não é digna de consideração por parte de quem quere a ordem o a disciplina social, como não é digna da consideração dêste Parlamento porque não podia aceitar o precedente de estar a tomar resoluções por virtude de imposições dos alunos ou dos pais dêstes, que declaram que aqueles não irão às aulas emquanto o Poder Legislativo não resolver neste ou naquele sentido.

A questão, hoje, já não é comigo, é com o Parlamento da República.

Página 23

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 23

Esta claro; o Parlamento quere ouvir a minha opinião e eu sou obrigado a dar-lha. E dou lha - devo dizer a V. Exa. e à Câmara - sem parti-pris, embora êste meu feitio de falar com um pouco mais de viveza possa mostrar o contrário.

Em primeiro lugar, êste regulamento não é obra minha, e por isso não tenho obrigação de o defender. Se entendo, aliás, que êle representa um trabalho digno de apreço, tambêm não concordo com muitas das suas disposições. Não concordo mesmo com a economia geral do regulamento.

O Sr. Moura Pinto: - Ora, apoiado!

O Orador: - Mas isso não me leva a eu aceitar todas as críticas ou a atraiçoar o que eu sinto.

O Sr. Ramada Curto: - V. Exa. perdoe-me que lhe fale com esta franqueza: ; se eu não concordasse com a economia geral do diploma e ocupasse êsse lugar, nem mais um momento aí estaria! Nunca cumpriria uma cousa com a qual não concordasse! Suspendê-la-ia.

O Orador: - Se eu fôsse a suspender todos os diplomas com que não concordo, não ficaria muito de toda a legislação sôbre instrução!

O Sr. Ramada Curto: - Olhe: o melhor é comprar uma chancela e pôr o visto em tudo!

O Orador: - Se S. Exa. tivesse lido os diplomas que eu tenho publicado pela minha pasta, verificaria que tenho pôsto de parte muita disposição inútil.

Agora, o que S. Exa. não pode ter é a pretensão de, quando vier para esta cadeira...

O Sr. Ramada Curto: - Descanse que não vou! [Mas se aí estivesse suspenderia êste famoso regulamento!

O Orador:-Isso era uma cousa que seria o melhor dos ideais; mas o que eu digo, é que a sua afirmação chega a um ponto que S. Exa. com certeza não queria atingir, o desrespeito pela lei, quando a primeira cousa que tem a fazer quem está neste lugar é cumprir a lei.

O Sr. Ramada Curto: - É claro que um Ministro não pode deixar de fazer cumprir a lei, mas aqui não se tratava duma lei, e sim dum regulamento que V. Exa. já tinha alterado por portarias e circulares.

O Orador: - Não alterei; deixei de cumprir, o que é diferente.

O Sr. Ramada Curto: - Então por que não deixou de cumprir todo êsse regulamento?!

O Orador: - Porque não era ilegal. Eu podia, com efeito, suspender a parte que é de natureza regulamentar, mas, em primeiro lugar, tinha uma deliberação desta Câmara, e em segundo lugar, V. Exa. compreende o mal que adviria de estar constantemente a suspender regulamentos.

O Ministro não pode estar só a resolver greves; tem mais que fazer. Se hoje os alunos não aceitam o regulamento, amanhã, quando se fizer a reforma dele, podem tambêm não a aceitar.

Não basta formular reclamações para imediatamente serem satisfeitas.

Vou contar um facto que tenho narrado várias vezes:

Quando foi da ditadura Pimenta de Castro, os alunos da Faculdade de Direito de Coimbra protestaram contra os exercícios de frequência, a que eram obrigados, e ali tinham feito e levaram o seu protesto tam longe que, invadindo a secretaria, arrombaram as portas da casa onde se encontravam os exercícios e, trazendo-os para a rua, fizeram-lhes um auto de fé.

Em face dêste acto e doutros que produziram alteração de ordem pública, o Govêrno de então entendeu que devia atender as reclamações dos rapazes - isto é, o protesto que haviam feito - publicando um decreto, em que se dispensavam os exercícios de frequência para os alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Estava eu então dirigindo a Faculdade de Direito de Lisboa e os alunos foram ter comigo e disseram-me que assim como

Página 24

24 Diário da Câmara dos Deputados

haviam sido dispensados os exercícios de frequência para os alunos da Faculdade de Direito de Coimbra tambêm deviam ser dispensados para a Faculdade de Lisboa e que, para conseguirem isso, iam fazer tumultos, pois soria o meio de alcançarem o que desejavam. Respondi-lhes que não entrassem nesse caminho, porque não era meio de resolver qualquer assunto.

O Sr. Ramada Curto: - O Poder não cede diante de tumultos e violências, O Poder alterou o regulamento da Faculdade de Direito porque entendeu que o devia alterar. Se o Sr. Ministro não concorda com o regulamento, tem na sua mão os meios de o revogar.

O Orador: - Todas as obrigações foram cumpridas rigorosamente, através as funções do meu cargo. (Apoiados).

Não estou todos os dias a alterar regulamentos.

Não julgue V. Exa. que alterar regulamentos sôbre instrução é cousa que se possa fazer...

O Sr. Ramada Curto (interrompendo): - Mas suspendem-se!

O Orador: - Se V. Exa. conhecesse o regulamento do ensino industrial e comercial elementar, de Setembro de 1916, do qual eu discordo ainda mais do que dêste que ocupa agora a nossa atenção...

O Sr. Ramada Curto: - E não o suspende?

O Orador: - Não, senhor!

V. Exa. há-de vir um dia para estas cadeiras, e verá que não é fácil suspender regulamentos.

Eu só não aplico os regulamentos naquilo em que sejam contrários às leis. Em tudo mais tenho de aplicá-los. Não posso nem devo desrespeitar deliberações legislativas.

Não se há-de todos os dias estar a fazer alterações.

O Sr. Ramada Curto: - Mas escolha V. Exa. um dia para isso. Por exemplo, &s quintas-feiras.

O Orador: - O que eu escolho é um dia na semana para me divertir, mas não no Parlamento.

O que eu procuro é resolver a questão como deve ser resolvida.

Não posso estar diariamente a revogar diplomas.

O Sr. Vasconcelos e Sá: - Mas que desgraça! Então é tam viciada a legislação que já são necessários todos os dias para a revogar?

O Sr. Malva do Vale: - V. Exa. está a comprometer-se. Não diga essas cousas, porque fazem pensar mal das leis da República.

O Orador: - Desde que esta Câmara tenha manifestado o seu desejo de reformar o ensino secundário, e que sem dúvida empregará nesse trabalho o seu tempo, o mais depressa possível, entendo que revogar diplomas só poderia prejudicar e não beneficiar.

O Parlamento tem agora uma missão grande a cumprir.

É fazer as bases duma organização do ensino secundário.

Já na sessão passada disse que desejava que isso se fizesse o mais breve possível.

Já o disse em resposta ao Sr. Costa Júnior.

Estude, pois, a Câmara êste assunto com aquela serenidade e cuidado de que êle é digno.

Depois faça o regulamento tambêm com o mesmo cuidado, com o mesmo desejo de acertar, obedecendo aos modernos princípios da pedagogia, sem se preocupar com os prejuízos, nem com as críticas que possam aparecer, como querendo dominar os que tem de estudar êstes assuntos, mas procurando fazer uma obra da qual resulte o maior proveito para o ensino.

São êsses os meus votos, e parece-me que êles estão consignados na moção do Sr., Baltasar Teixeira.

É com satisfação que declaro à Câmara que tem sido sempre êste o meu ponto de vista ao pedir uma reforma do ensino secundário, sem todavia estar a querer de alguma maneira complicar ainda mais a administração do ensino por meio de novos diplomas, que teriam tambêm ca-

Página 25

Sessão de 5 de Dezembro de 1917 25

rácter de provisórios, como êstes tem, e que só serviriam para perturbar a liberdade de acção do Parlamento, quando tivesse de legislar sôbre o assunto.

V. Exa. vê, Sr. Presidente, em face da minha exposição, que os factos que tinham sido atirados para a publicidade, nem sempre correspondiam à verdade.

V. Exa. vê como da minha parte não houve senão o desejo de cumprir uma disposição desta Câmara e ao mesmo tempo atender às necessidades do ensino, não tomando nenhuma deliberação, que embora pudesse ter aplausos de alguém, pudesse tambêm ir comprometer a causa que eu nesta Câmara sou obrigado a defender e que da minha parte não houve o menor desejo nem a menor vontade de estar a fazer imposições a ninguêm nem estar a levar alguém para nm caminho diferente daquele que em sua consciência entendesse dever seguir, tendo ao contrário sempre em mim os superiores interesses do ensino e tendo ainda em atenção a hora difícil que a nossa Pátria atravessa.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem pelos seus autores foram revistos os apartes,

O Sr. Ramada Curto (para explicações): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para dizer a V. Exa. e à Câmara que das considerações do Sr. Ministro de Instrução, entendi que S. Exa. reconhece, de acôrdo com a Constituição, que ao Poder Executivo pertence a faculdade de regulamentar; que reconhece, como Ministro de Instrução, que está investido dessa faculdade; que, apesar da sua discordância e duma greve nos liceus do país, nem mesmo assim se resolveu a usar da faculdade que a Constituição lhe atribui.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro de Instrução (Barbosa de Magalhães): - Pedi a palavra para dizer a S. Exa. que pus a questão bem simplesmente.

Quando esteja em frente dum diploma regulamentar com que não concorde, entendo não dever decretar sôbre êle, porque entendo que isso é um trabalho que não corresponde nunca ao fim mais alto que se tem em vista, e só serve para aumentar as páginas, já tam volumosas, do Diário do Govêrno.

Não tenho a pretensão de que se diga que sou um Ministro que trabalha muito e que manda muita cousa para o Diário.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental. A ordem do dia é a seguinte;

Primeira parte. - Eleição de comissões: administrativa, instrução primária e secundária, finanças, guerra e agricultura.

Segunda parte. - Continuação do debate sôbre o decreto n.° 3:091.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Documentos enviados para a Mesa

Projecto de lei

Do Deputado Sr. António Mantas, autorizando o Govêrno a contrair um empréstimo de 60 contos com a Caixa Geral de Depósitos, destinado à expropriação de terrenos e construção dum edifício para o Liceu Central da Guarda.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de instrução primária e secundária.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro do Interior e interino das Finanças, abrindo no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Interior, um crédito especial de 45 contos para a guarda nacional republicana, que será inscrita no capítulo 4.°, artigo 24.°, do orçamento do Ministério do Interior.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de finanças.

Parecer

Da 3.ª comissão de verificação de poderes, proclamando definitivamente Deputado pelo círculo n.° 27 (Lisboa) o cidadão Henrique Jardim de Vilhena.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Página 26

26 Diário da Câmara dos Deputados

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério do Interior, e com a maior urgência, me sejam fornecidos os seguintes documentos:

a) Cópia da correspondência trocada entre os Ministérios do Interior e dos Negócios Estrangeiros, sôbre as ocorrências na fronteira de Vilar Formoso que originaram a morte bárbara e traiçoeira do cidadão português Joaquim Satúrio Marques, natural da Castanheira, freguesia do Jarmelo, concelho e distrito da Guarda, morto pelos carabineiros espanhóis, em território português, em 17 de Junho de 1917;

b) Cópia da correspondência trocada entre o director do Posto Sanitário de Vilar Formoso e a Direcção Geral de Saúde e especialmente o ofício n.° 10, de 16 de Junho de 1917;

c) Cópia do telegrama de 18 de Junho de 1917 do mesmo director do Posto Sanitário para o director geral de saúde, no Ministério do Interior;

d) Cópia do relatório do director do Posto Sanitário de Vilar Formoso sôbre os mesmos acontecimentos.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em 5 de Dezembro de 1917. - O Deputado, António Mantas.

Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me sejam enviados com a maior urgência, os seguintes documentos:

a) Cópia da correspondência postal e telegráfica trocada entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o nosso representante em Madrid a propósito dos incidentes ocorridos nas fronteiras entre os carabineiros do reino vizinho e cidadãos portugueses;

b) Cópia da correspondência, incluindo a confidencial, trocada entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o do Interior;

c) Cópia das reclamações de Madrid a propósito de incidentes havidos nas fronteiras espanholas com soldados portugueses, dos quais resultaram mortes de cidadãos espanhóis com violação de território espanhol;

d) Cópia do relatório do nosso cônsul em Ciudad Rodrigo a propósito do incidente ocorrido na fronteira de Vilar Formoso em 17 de Junho de 1917;

e) Cópias das informações e pareceres do nosso Ministro em Madrid, sôbre o mesmo assunto:

f) Cópia dos ofícios do Ministério dos Negócios Estrangeiros para o do Interior n.ºs 20 e 22, de 14 de Julho de 1917, e finalmente todas as informações e cópias de documentos oficiais referentes às ocorrências na fronteira espanhola - assassinato do cidadão português Joaquim Satúrio Marques, natural da Castanheira, freguesia do Jarmelo, concelho e distrito da Guarda, barbaramente assassinado pelos carabineiros espanhóis em 17 de Junho de 1917, próximo de Vilar Formoso, morte do Cândida Laurinda ou Cândida Rosa da Conceição, morta na noite de 19 para 20 de Agosto de 1917, pelas 23 horas, num barco, no rio Minho e em águas portuguesas; morte de dois portugueses e ferimento doutro numa colisão entre portugueses e espanhóis em Verin. - O Deputado, António Mantas.

Requeiro que seja novamente enviada à comissão de marinha a petição documentada de Joaquim dos Ramos Belo Monteiro, apresentada na sessão legislativa de 1914. - O Deputado, Pires de Campos.

Para a Secretaria.

De Francisco de Paula Peniz Parreira, terceiro oficial do Conselho Superior de Administração Financeira do Estado, recorrendo para a Câmara dos Deputados da resolução do Conselho de Ministros, que indeferiu o requerimento em que o interessado pedia a sua reintegração no referido lugar, de que tinha sido demitido por causa dos acontecimentos ocorridos em 26 de Maio.

Para a Secretaria.

Para a comissão de petições.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×