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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 4

EM 29 DE JULHO DE 1918

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Abre a sessão com a presença de 92 Srs. Deputados, estando o Govêrno representado pelos Srs. Secretários de Estado do Interior (Tamagnini Barbosa), dos Negócios Estrangeiros (Espirito Santo Lima), do Comércio e, interino, das Finanças (Mendes do Amaral) e das Colónias (Vasconcelos e Sá).

Lida e aprovada a acta, o Sr. Presidente comunica à Câmara a morte do antigo Deputado Sr. António Rodrigues Nogueira, propondo um voto de sentimento por êsse triste acontecimento. Associam-se a essa proposta os Srs. Secretário de Estado do Interior em nome do Govêrno, Egas Moniz, António Cabral e Pinheiro Torres. É aprovada a proposta do Sr. Presidente. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Cunha Lial requere a urgência para se ocupar da questão da falta de azeite. É rejeitada a urgência.

Entre os Srs. Presidente e Cunha Lial trocam-se explicações sôbre a ordem dos trabalhos.

Continuarão da discussão da proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima sôbre a nomeação duma comissão especial encarregada de promover uma mais estreita e útil aproximação entre Portugal e o Brasil: usam da palavra os Srs. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Aires de Ornelas, Amando de Alpoim, que apresenta uma proposta de aditamento, Lobo de Ávila Lima, Fidelino de Figueiredo, Campos Monteiro e António Sardinha. O Sr. Amando de Alpoim requer e, e a Câmara aprova, que a matéria seja considerada suficientemente discutida, sem prejuízo dos oradores inscritos. A seguir usa da palavra o Sr. Cunha Lial. E aprovada a proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima, com o aditamento proposto pelo Sr. Amando de Alpoim.

O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre um oficio, recebido na Mesa, pedindo autorização para o Sr. Melo Vieira ir depor como testemunha num determinado processo. Usam da palavra, sôbre o modo de votar os Srs. Manuel Bravo, Secretário de Estado do Interior, Joaquim Crisóstomo e Melo Vieira. É concedida a autorização.

Enviam documentos para a Mesa os Srs. Aires de Ornelas, António Cabral, Gaspar de Abreut Almeida Garrett, Cunhal Júnior, Camilo Castelo Branco, Aníbal Soares, Rocha Martins, Bivar Weinholts e António Teles de Vasconcelos.

Ordem do dia. - Eleição de comissões.

O Sr. Presidente anuncia que vai proceder-se à eleição de quatro comissões e interrompe a sessão por 10 minutos, para os Srs. Deputados confeccionarem as suas listas. Reaberta a sessão e corrido o escrutínio, verifica-se que foram eleitas as comissões de saúde e assistência pública, de pescarias, de administração e segurança pública e de correios e telégrafos, tendo servido de escrutinadores os Srs. Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo e Gaspar de Abreu e Lima.

O Sr. Presidente comunica à Câmara que o Sr. Senador Arnaud Furtado foi eleito para a comissão administrativa do Congresso encerra a sessão e marca a imediata para o dia seguinte, à hora regimental.

Abertura da sessão às 10 horas e 15 minutos.

Presentes à chamada, 92 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.

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Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Machado.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
Aníbal de Andrade Soares.
António Bernardino Ferreira.
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
António Caetano Celorico Gil.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Lino Neto.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António dos Santos Jorge.
António Teles de Vasconcelos.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Mendes do Magalhães.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos Henrique Lebre.
Carlos José de Oliveira.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Fidelino de Sonsa Figueiredo.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Maria Cristiano Solano de Almeida.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco dos Santos Rompana.
Gaspar de Abreu e Lima.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João Henriques Pinheiro.
João José de Miranda.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Madureira.
Joaquim Nunes Mexia.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
José Adriano Pequito Rebelo.
José de Almeida Correia.
José Augusto de Melo Vieira.
José Augusto Moreira de Almeida.
José de Azevedo Castelo Branco.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Caetano Lobo do Ávila da Silva Lima.
José Eugénio Teixeira.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Nunes da Ponte.
José Vicente de Freitas.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco (Conde de Arrochela).
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Manuel Rebelo Moniz.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Miguel Crespo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Tomás de Aquino de Almeida Garrett.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mendes.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Afonso José Maldonado.
Alberto Malta de Mira Mendes.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Eduardo Fernandes de Oliveira.

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Henrique Ventura Forbes Bessa.
José Feliciano da Costa Júnior.
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José das Neves Lial.
Luís Filipe de Castro (D.).
Pedro Sanches Navarro.

Não compareceram os Srs.:

Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto da Silva Pais.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António dos Santos Cidrais.
António Tavares da Silva Júnior.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Domingos Garcia Pulido.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eugénio de Barro s Soares Branco.
Francisco Aires de Abreu.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Francisco Xavier Esteves.
Gabriel José dos Santos.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Lúcio Pousão Pereira.
João Monteiro de Castro.
João Ruela Ramos.
Joaquim Saldanha.
Jorge Couceiro da Costa.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto Simas Machado.
José Carlos da Maia.
José Féria Dordio Teotónio.
José de Sucena.
Luís Ferreira de Figueiredo.
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel José Pinto Osório.
Miguel de Abreu.
Rui de Andrade.
Silvério Abranches Barbosa.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados, número legal para se iniciarem os trabalhos da Câmara.

Está aberta a sessão.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se á leitura da acta.

Foi lida e aprovada a acta da sessão anterior.

O Sr. Presidente: - Tenho o pesar do comunicar á Câmara o falecimento do antigo Deputado Sr. António Rodrigues Nogueira e proponho, que lia acta da sessão de hoje seja exarado um voto de sentimento por êsse triste acontecimento.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado do Interior): - Em nome do Govêrno associo-me ao voto de sentimento proposto pela morte do antigo Deputado Sr. Rodrigues Nogueira. Tendo sido antigo discípulo de S. Exa. e seu camarada na arma de engenharia, é com verdadeiro pesar que registo o abatimento às fileiras do nosso exército e ao quadro dessa arma, do Sr. António Rodrigues Nogueira. Em nome, pois, do Govêrno, porquanto todos os meus colegas me incumbiram dessa missão, associo-me à manifestação de sentimento desta Câmara, fazendo ressaltar os serviços distintos prestados ao país, especialmente no professorado da especialidade, e nas missões técnicas, trabalhos que o Sr. Rodrigues Nogueira, durante a sua vida, executou com o fim de exaltar a engenharia portuguesa e o professorado superior. (Apoiados).

Creio, portanto, cumprir um dever de português, um dever de camarada, o último, o derradeiro que se pode prestar a quem, como professor e camarada, tanto se impôs à minha consideração. (Apoiados).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Egas Moniz: - Em nome da maioria associo-me ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pelo falecimento do antigo Deputado Sr. António Rodrigues Nogueira. O Sr. Rodrigues Nogueira foi um grande parlamentar, de raro e extraordinário vigor, estudando as questões profundamente, entrando em todos os debates políticos com denodo e sabendo sempre manter a sua situação de pessoa que

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sabe pôr os seus recursos de combatente acima dos conflitos pessoais. (Apoiados).

O Sr. António Rodrigues Nogueira foi meu companheiro, durante muitos anos. neste Parlamento. Mintamos durante alguns anos, embora poucos, no mesmo partido. Tenho pela sua memória o mais profundo respeito, aquele que se dedica sempre aos que nos acompanham nas horas alegres e de amargura. E com imensa saudade que vejo partir tam cedo aquele que foi um dos maiores lutadores desta Câmara, um dos maiores trabalhadores portugueses. António Rodrigues Nogueira deu à economia nacional uma excelente orientação, no estudo do aproveitamento da hulha branca.

Se alguma obra tivermos de citar no passado de glória de António Rodrigues Nogueira é essa, de que foi êle quem mais trabalhou para se aproveitarem em Portugal as quedas de água.

Apraz-me consignar esta recordação - obra de justiça - porque carecemos de todas as iniciativas úteis, e essa iniciativa é daquelas que mais hão-de concorrer para o ressurgimento do nosso Portugal. (Apoiados).

Pronunciando estas palavras, quero associar-me, sentidamente, com toda a maioria, ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

S. Exa. não reviu.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para associar-me, em nome dêste lado da Câmara, ao voto de sentimento proposto pelo passamento do antigo Deputado Rodrigues Nogueira.

O Sr. Rodrigues Nogueira foi um membro distinto desta casa do Parlamento. Assinalou aqui, em discursos e trabalhos de valor, a sua alta individualidade. Para mim, Sr. Presidente, que o conhecia desde os tempos saudosos de Coimbra, há ainda a circunstância de ter êle militado no velho e honrado Partido Progressista, a que eu, tambêm, tive a honra de pertencer. De entre os que militavam nesse partido, distinguia-se a figura impulsiva, nobre, violenta por vezes, talvez, de Rodrigues Nogueira, mas sempre orientado pelo amor do seu país e pelo amor do seu partido, que fizeram dele um político de alto valor. Foi, Sr. Presidente, um engenheiro distinto, deixando trabalhos valiosíssimos, na sua especialidade- o ainda agora, quando a morte o empolgou, em Coimbra, êle andava empenhado numa empresa que será de grande futuro para o nosso país. A isso se referiu, li á pouco, o ilustre leader da maioria, no discurso que V. Exa. acaba do ouvir.

Sr. Presidente: Rodrigues Nogueira foi tambêm um professor distinto da Escola do Exército. Ali, na sua cadeira, distinguiu-se, não só pelo brilho e clareza da exposição, mas tambêm pela imparcialidade e pela correcção com que sempre desempenhou as suas funções. Não podia, pois, deixar de associar-me ao voto de sentimento por V. Exa. proposto, tanto mais que, como há pouco disse, o falecido pertenceu ao partido a que eu tive tambêm a honra de pertencer, partido tam experimentado pela morte, porque alêm do passamento do seu ilustre chefe, o eminente estadista José Luciano de Castro, já vimos desaparecerem tambêm o seu sub-chefe, o grande advogado Veiga Beirão, e tantos outros que ocuparam as cadeiras ministeriais. Lembro-me, agora, dalguns: Ressano Garcia, Eduardo Vilaça, Manuel Espregueira, Eduardo José Coelho e Dias Costa e ainda outros, Deputados e pares do reino, como: Poças Falcão, Fernandes Vaz, meu patrício e velho amigo, honra, tambêm, do professorado, etc. O meu antigo partido, pois, tem sido o mais experimentado pela morte, o que não quere dizer que o não fôsse tambêm o Partido Regenerador, porque alguns dos vultos importantes que o compunham tambêm pertencem hoje ao número dos mortos, como o meu distinto e antigo colega na direcção da Penitenciária, irmão do nosso colega José de Azevedo Castelo Branco, o meu velho e querido amigo António de Azevedo Castelo Branco, que, quer literariamente, quer politicamente, foi neste país uma altíssima figura de relevo. Ainda há pouco êsse antigo partido perdeu tambêm uma das suas figuras de destaque: Carlos Barbosa du Bocage que deixou valiosos trabalhos publicados.

Outros faleceram ainda, que não indico, porque não pretendo tomar mais tempo à Câmara.

Quero acentuar simplesmente que os Deputados dêste lado da Câmara se associam, com toda a saudade, ao voto do

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sentimento por V. Exa. proposto, pela morte de Rodrigues Nogueira, no que eu os acompanho com profundíssimo pesar, pelas circunstâncias que acabei de expor.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Pinheiro Torras: - Sr. Presidente: simplesmente, duas palavras para me associar ao voto de sentimento por V. Exa. proposto, pela morte do Rodrigues Nogueira. Tive a honra de ser colega dele, neste Parlamento.

Poucas pessoas tenho conhecido que aliassem uma tam clara inteligência, como era a de Rodrigues Nogueira, a uma tamanha intensidade de trabalho e de dedicação pelas cousas públicas. Êsse homem, que passou a vida inteira a trabalhar, acabou servindo ainda o seu país. Curvo-me perante a sua memória que é, realmente, um grande exemplo.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta.

Foi aprovada, por unanimidade, a proposta do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre se permite que o Sr. Cunha Lial use da palavra para, em negócio urgente, se ocupar do assunto que consta da seguinte nota:

Negócio urgente

Desejo ocupar me da falta de azeite que há em Lisboa, há mais de dois meses, a fim de indicar à Câmara e ao Govêrno a forma de, rapidamente, solucionar o problema. Peço urgência para o assunto. - Francisco Pinto da Cunha Lial.

Foi rejeitada a urgência.

O Sr. Presidente: - O Sr. Melo Vieira tambêm deseja tratar dum negócio urgente, perante o Sr. Secretário de Estado da Guerra. Como S. Exa. não está presente, fica a consulta sobro êsse assunto para a primeira oportunidade. Vai dar-se conta do expediente: Foi lido na Mesa o seguinte expediente:

Ofícios

Da Secretaria de Estado da Justiça e dos Cultos, comunicando que a cópia solicitada pelo Sr. Alberto Navarro levaria muito tempo a fazer, sendo preferível que o mesmo senhor lesse o original que fica à sua disposição naquela Secretaria, em qualquer dia útil, até as 17 horas.

Para a Secretaria.

Do 1.° Grupo de Companhias de Saúde, Serviço de Justiça, pedindo que a Câmara autorize que o Sr. José Augusto de Melo Vieira possa desempenhar-se das funções de testemunha em um auto de corpo do delito a que se está procedendo.

Para a Secretaria.

Telegrama

Torres Vedras 27. - Presidente Câmara Deputados. - Direcção Sindicato Torres Vedras ponderando tabela preços trigo e milho e satisfazendo reclamações justíssimas sócios vem perante V. Exa. expor desigualdade, despesas amanhos e rendimentos produção entre as diversas regiões perante igualdade preço estabelecido todo país assim êsse preço estabelecido esta região torna-se precária e ruinosa em virtude escassa produção factos contraproducentes para propaganda desenvolvimento agricultura trigo em vista preço, mas remunerados outras culturas como fava, ervilhas, aveia, etc. Lembramos preço $28. - Presidente Sindicato Agrícola.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Peço a todos os Srs. Deputados que façam uso da palavra apenas durante dez minutos, a fim de que a hora destinada para antes da ordem do dia possa ser aproveitada pelo maior número.

Comunico à Câmara que se vai continuar na discussão da proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima que, na sessão anterior, ficou interrompida em virtude do alvitre apresentado pelo Sr. Secretário de Estado das Colónias, e aceito pela Câmara, para que a esta sessão assistisse o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Cunha Lial (para invocar o Regimento): - Não compreendo a razão por que a urgência desta proposta passa para o dia seguinte.

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Como V. Exa. sabe, eu apresentei uma nota de negócio urgente indicando conhecer a maneira de resolvermos a questão do azeite.

Não compreendo em que artigo do Regimento V. Exa. se firmou para transferir a urgência da proposta da última sessão para a do hoje.

O Sr. Presidente: - Já expliquei à Câmara - mas não tenho dúvida em o repetir - que o motivo da suspensão da discussão da proposta foi o alvitre apresentado pelo Sr. Secretário de Estado das Colónias para que a esta sessão assistisse o Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Joaquim do Espirito Santo Lima (Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros): - Sr. Presidente: tomando, pela primeira vez, a palavra, neste lugar, cumpre-me o dever de cumprimentar V. Exa. e apresentar-lhe as homenagens devidas às qualidades que o elevaram a êsse alto cargo.

Iguais cumprimentos endereço à Câmara, por isso que, não pertencendo a nenhuma das duas casas do Parlamento, só pela condescendência de V. Exa. e pela circunstância ocasional de ser membro do Govêrno, me é dada a honra de fazer aqui uso da palavra.

O assunto para que pedi a palavra já a Câmara o conhece pelas declarações do Sr. Presidente. Devo apenas declarar que pouco posso acrescentar ao que. na sessão anterior, foi dito pelo ilustre proponente e pelo Sr. Egas Moniz.

Ficou pendente da deliberação da Câmara a proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima para a nomeação duma comissão ;de estreitamento das relações entre Portugal e Brasil.

O Govêrno dá o seu pleno assentamento a essa proposta; perfilha-a mesmo; adopta-a como sua fôsse.

Relativamente ao estreitamento de relações entre Portugal e Brasil, devo dizer que, sendo esta frase perfeitamente diplomática, não corresponde, neste caso, precisamente, à realidade das cousas, pois as nossas relações com o Brasil são, do tal maneira íntimas, que dificilmente se poderão estreitar. O Brasil - é já banalidade fazê-lo, mas é sempre verdade - é a continuação de nós mesmos: é o país a que sempre recorremos, até para as cousas íntimas.

Na ausência justificada de Ministros portugueses em países estrangeiros, tem-nos o Brasil prestado, espontaneamente, serviços diplomáticos de maior alcance, representando Portugal por uma forma brilhante.

Ainda há pouco tempo se deu êsse facto, quando caiu doente um dos nossos mais distintos diplomatas, o Visconde de Alte, Ministro nos Estados Unidos.

Imediatamente o representante do Brasil em Washington se encarregou dos negócios de Portugal, antes mesmo do seu país a isso o ter autorizado, havendo-se por forma digna dos maiores elogios.

Nestas condições, a Câmara compreende muito bem que o Govêrno não tem outro propósito que não seja o de tornar as relações com o Brasil, se é possível, cada vez mais íntimas, apoiando, por conseguinte, a proposta apresentada pelo Sr. Lobo de Ávila Lima.

Agradeço à Câmara o ter-mo consentido que usasse da palavra e calo-me para ouvir gostosamente um dos membros da minoria, de quem sou velho amigo, que, com toda a proficiência, vai tratar dêste assunto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Aires de Ornelas: - Sr. Presidente: esforçar-me hei por terminar as minhas considerações dentro dos dez minutos destinados por V. Exa. a cada Deputado que, sôbre êste assunto, deseje fazer uso da palavra. Sr. Presidente: eu pedi a palavra na última sessão quando dêste lado da Câmara se entendeu que a discussão estava generalizada e que, portanto, seguiria sem interrupção, até o fim da sessão. (Apoiados).

Os factos, porêm, não se passaram dessa forma. Não quero apreciar a razão porque, mas não desejo tambêm principiar as considerações que tenho a fazer, sem lembrar que, na opinião da minoria, o artigo 37.° do Regimento não podia ser infringido.

V. Exa. entendeu, porem, que se devia passar à eleição de comissões, o a minoria, sem desejar nunca levantar dificuldades, abdicou nessa ocasião da sua maneira

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de pensar para se sujeitar unicamente às indicações de V. Exa.

Sr. Presidente: associar-me em nome da minoria monárquica à proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima é tarefa fácil e grata. O Brasil é, sem dúvida, a obra prima da colonização portuguesa e, se essa colonização foi, em grande parte, obra da monarquia, a monarquia pode gloriar-se de ter deixado BO mundo uma nação de tam largo, tam brilhante e tam incomparável futuro. (Apoiados).

Desde o rei D. João III, que melhor teria merecido o epíteto de "colonizador", pelas providências adoptadas para facilitar o aproveitamento daquele riquíssimo território, quer no que respeita à população, quer ao desenvolvimento agrícola, nas medidas tomadas no tempo do Marquês de Pombal e na partida, de D. João VI para o Rio de Janeiro, nós vemos constantemente a obra da monarquia reflectir-se em todos os acto".

Na história que nós todos aprendemos nas escolas dizia-se ser um mau acto a fuga de D. João VI para o Brasil; foi preciso que um grande historiador, uma glória brasileira, Oliveira Lima, mostrasse êsse alto serviço político. De que servia D. João VI não ter ido para o Brasil, o que servia D. João VI ter ficado cá. Dava-se o mesmo caso que em Baiona com a monarquia espanhola!

A compreensão dêsse facto houve-a logo.

Um distinto escritor, Hipólito Costa, no Correio Brasiliense, escreveu então que era preferível D. João VI ir inclusivamente para as Berlengas, do que deixar-se estar aqui à espera de Junot.

O acto praticado por D. João VI é um verdadeiro e bom acto político. (Apoiados).

É ainda outro escritor e historiador brasileiro, Sílvio Eomero, quem melhor defendeu a política do expansão da dinastia de Avis: singular testemunho da compreensão da tradição nacional pela mentalidade brasileira, sintonia inequívoco da unidade da raça.

Por isso podia justamente Leroy Beau-Eeu notar que o Brasil se separou da mãe pátria como um fruto sazonado vem deixar nem um rancor nem um queixume molesto.

Dando ao mundo a nação brasileira, com tudo quanto ela abrange de riqueza

e valia e com quanto comporta o seu maravilhoso porvir, Portugal prestou à humanidade um serviço bem superior a quantos ela possa dever ao colosso germânico.

É facto digno de nota, entre aqueles que tem reinvidicado os grandes ideais dos Aliados contra o germanismo, que quem mais se avantaja depois da primacial e excelsa figura do Cardeal Mercier é Rui Barbosa. (Apoiados). Porque ninguêm melhor que êsse Orador, honra e lustre da nossa raça, soube definir o papel glorioso das pequenas nacionalidades como a nossa portuguesa, cuja obra prima é, repetimos, a civilização brasileira.

Eu não creio, Sr. Presidente, que, a não ser a Inglaterra, que deu ao mundo os Estados Unidos e está criando os Domínios, nação alguma se possa gloriar de um tam grande serviço prestado à humanidade.

Eram estás as considerações que naturalmente surgiram na mente de quem por profissão se tem ocupado especialmente de questões coloniais.

Merecia ainda lembrar o plano grandioso de El-Rei D. João IV; fazer do Oceano Atlântico um lago português. A história feita do se e do mas dir-nos-ia, se a ocasião fôsse azada, como êsse plano se tornou impossível. Ma- perante a ameaça económica que representa hoje a constituição do bloco alemão sob a forma da Mittel-Europa só um obstáculo surge hoje para muitos espíritos: a constituição do Atlântico, lago aliado.

Que lugar não temos aí, com os Açores e a Madeira, Cabo Verde e Angola, com Lisboa e Lagos, que situação nos não garante a geografia, dada exactamente a aproximação, o entendimento com o Brasil?

Temos em Angola possibilidades imensas quanto à produção do café e da borracha. Temos o cacau de S. Tomé. Não será vantajoso um entendimento económico com o Brasil, produtor primacial dêstes mesmos géneros, por forma a garantir o desenvolvimento nacional dessas importantíssimas fontes de riqueza?

E aqui devo dizer que discordo da opinião do meu ilustre amigo o Sr. Secretário de Estado dos Estrangeiros, quando disse há pouco que o estreitamento de relações com o Brasil não podia ir mais longe.

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Eu digo que pode e é necessário que vá:

Não ha dúvida que a luta económica depois da guerra há-de ser formidável e necessitamos atender à defesa dos nossos produtos coloniais. Êsse problema há-de constituir pesada tarefa para os nossos homens de Estado, a rim de podermos bem desempenhar no mundo o papel que nos cabe. E aqui está a justificação, e por certo não a menor, para a constituição da comissão proposta pelo meu ilustre amigo e correligionário Sr. Lobo de Ávila Lima.

Sr. Presidente: aproveito o ensejo de estar no uso da palavra para enviar à Mesa o seguinte requerimento a que V. Exa. dará o despacho regimental:

Requerimento

Nos termos do Regimento que no n.° 4.°, do seu artigo 4.°, preceitua que a Câmara funcionará em sessão secreta :

N.° 4.° Por simples requisição de 20 Deputados, que apenas informarão o Presidente do assunto a tratar na sessão secreta: os abaixo assinados, Deputados da Nação, requisitam uma sessão secreta:

1.° Para que o Govêrno se manifeste sôbre a conveniência ou inconveniência da publicação dum Livro Branco, com os documentos referentes à nossa entrada na Guerra.

2.° Para que o Govêrno defina a nossa situação actual na guerra.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 29 de Julho de 1918. - Aires de Ornelas - António Cabral - D. Luís de Castro - José de Azevedo Castelo Branco -José Augusto Moreira de Almeida - Alfredo Pimenta - Gaspar de Abreu e Lima -Camilo Castelo Branco - Aníbal Soares - António Sardinha - Conde de Arrochela -Alfredo António Cunhal Júnior - F. Rocha Martins - Eduardo Pinto da Cunha -António Hintze Ribeiro - Artur Carvalho da Silva - António Teles de Vasconcelos - Alberto Navarro - Abílio de Campos Monteiro - Fernando Pizarro de Sampaio e Melo - João José de Miranda - Álvaro de Miranda Pinto de Vasconcelos - Frederico de Bivar Weinholtz - José Lobo de Ávila Lima - António Duarte Silva - António Horta Osório - Cruz Amante.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente:, gostosamente registo as liais declarações do Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, relativas à proposta do meu talentoso amigo, o Sr. Ávila Lima, mas não posso deixar, como não pode êste lado da Câmara consentir, que passem sem reparos as considerações do ilustre leader da minoria monárquica, relativa à vantajosa influência para a nossa política nacional e para a política brasileira do gesto que a História considera a fuga de D. João VI para o Brasil...

Vozes da minoria monárquica: - Não apoiado, não apoiado. Retire essas expressões!

Sussurro.

O Orador: - Não retiro as minhas palavras, porque a História, que é imparcial, as não retira tambêm, e lamento que, quando êste lado da Câmara, pela voz brilhante do ilustre leader. Sr. Egas Moniz, falou na acção colonizadora de Portugal, sem distinção entre república e monarquia, se tivesse alguém referido à acção colonizadora monárquica, como se não houvéssemos sido nós, os portugueses, em todos os tempos, pelo nosso sangue, pelo nosso esforço, não pela consciência e esforço dos reis, mas pela inteligente audácia da nossa raça, quem realizou essa obra colonizadora que não 6 pertença das dinastias.

Não creia esta Câmara, na sua totalidade constituída por altas envergaduras mentais, que se possa afirmar que o gesto de um rei que foge para o Brasil foi uma acção que dignificou a Pátria, salvando-a dum grande cataclismo.

O Sr. Cunha Lial (interrompendo): - A fuga é um hábito dos nossos reis!

O Orador: - A maioria tratou de retirar da discussão, na sessão passada, a proposta do meu talentoso amigo, o Sr. Lobo de Ávila Lima, porque, de repente, um desagradável incidente surgiu nesta casa, perturbando-nos a todos nós, e as nossas palavras, quando se trate do Brasil, devem ser proferidas e escutadas na tranquilidade amena em que se trocam os beijos.

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Hoje, serenado o incidente, eu venho louvar o ilustre apresentante da proposta, afirmando-lhe a minha sentida admiração pelos primores da forma, proporção e equilíbrio da sua linguagem e perfeito desfiar dos raciocínios com que S. Exa. justificou a sua proposta.

Apenas receio que as minhas pobres palavras apareçam baças depois das brilhantes considerações de S. Exa. e de todos aqueles que no uso da palavra me precederam.

Ainda há bem poucos dias que li com sôfrega curiosidade as páginas que Gugliolmo Ferrero dedicou à defesa do Génio Latino, paladino invencível do Amor, da Beleza e da Harmonia, neste mundo moderno, escravo do Triunfo, da Celeridade e da Força. E quando o pensador italiano se detêm estasiado perante a maravilhosa paisagem do Rio de Janeiro - concha enorme de montanhas que declinam sôbre o mar, alcatifadas de bosques, acarinhando a cidade como pérola magnifica matizada pelo fulgor dos raios do sol poente - os meus olhos viram e reconheceram esta paisagem. Uma como que intuição surgiu em mim de um panorama vívido de uma paisagem já vista, indelevelmente fixada no meu coração. Nunca os meus olhos atravessaram o Atlântico, mas andou por lá a minha raça.

E foi essa intuição que mo fez visionar com extraordinária acuidade o explêndido anfiteatro de montanhas, arena verdejante regada com o seu suor, fecundada com seu sangue, onde o povo português, de há quatro séculos travou peleja e venceu o glorioso e bom combate da civilização e do progresso. (Apoiados). E assim, porque com os olhos da alma todos os portugueses o vemos, nós queremos a êsse Brasil distante apenas no espaço e sabemos que todos em Portugal possuímos à face da terra duas pátrias: terra filha e terra mãe - o Brasil e Portugal.

Não basta, porêm, que êste nosso amor pelo Brasil fique limitado a simples gestos individuais e afinidades pessoais, que facilmente, pela sua debilidade, se diluem, perdidos na vastidão do Atlântico.

O intercâmbio de ideas e realizações, de riquezas e trabalho, que existe entre Portugal e Brasil, carece de ser desenvolvido, fomentado com inteligência, tenacidade e devotado patriotismo.

Passam horas dolorosas sôbre a dolorosa história da Humanidade, e a crê moderna e mundial apresenta-se tam grande que as civilizações, para acudirem em recíproco socorro, se vêem forçadas a transpor a antiga barreira dos mares. Por isso a América acorreu em socorro dos anglo-saxões e dos gauleses; por isso o Brasil, representante da raça lusitana, não esqueceu os seus irmãos latinos. Corramos ao encontro do Brasil, do seu esforço, da sua lialdade, que sã nos oferecem, e, se os nossos irmãos de alêm Atlântico necessitarem dum intérprete na Europa, seremos nós os escolhidos por que, como êles, falamos a língua suavíssima e cantante em que falou Camões.

Devo fazer justiça e devo falar verdade pelo respeito que devo a êste lugar e, por consequência, reconheço e recordarei que a D. Carlos mereceu especial cuidado a política internacional da sua Pátria, tendo projectado uma viagem ao Brasil, em Março de 1908, se não estou em êrro; todavia, com a mesma lialdade que me levou a reconhecer o interesse de D. Carlos pela política, internacional, devo dizer que logo, desde princípio, aparecia prejudicado êsse passeio ao Brasil. A diplomacia inábil do nosso representante ali...

O Sr. José de Azevedo Castelo Branco: - V. Exa. está apreciando, injustamente, um dos homens que mais serviços prestaram à colónia portuguesa no Brasil.

O Orador: - V. Exa. há-de consentir-me que lhe diga, seja qual for a categoria política ou intelectual dessa pessoa, que ela, pondo de parte a situação ocupada como nosso representante no Brasil, tinha alimentado, por assim dizer, a política de ódios e rancores que então minava e avassalava Portugal.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Uma reduzida porção da colónia portuguesa havia tomado partido, por instigação dêsse diplomata, no duelo que então se travava em Portugal entre a opressão e a liberdade. Havia tomado partido nela, como o seu rei, ao lado da ditadura franquista. E assim...

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O Sr. Presidente: - V. Exa. está falando, brilhantemente, mas devo lembrar que já passaram os 10 minutos...

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - E assim, ia eu dizendo, D. Carlos desembarcaria no Brasil não como o representante duma Pátria levando um amplexo aos seus filhos, mas como o chefe dum partido político que visitava os seus correligionários distantes. A ditadura parlamentar do democratismo quando se julgava em finíssimo apogeu acolheu e perfilhou, porque as necessidades da guerra assim o exigiam, êste plano de D. Carlos tragicamente cortado pelas balas de Costa e Buíça.

O Sr. Rocha Martins: - Assassinado!

O Orador: - Continuarei, sem comentários que para o caso não importam... Por isso partiram representantes do Democratismo que iam levar ao Brasil noticias de Portugal tiranizado pela ditadura Costista.

Os radiogramas da revolução triunfante surpreenderam no mar os parciais mensageiros e quando êles desembarcaram no Brasil encontraram-se como simples particulares, despojados da autoridade legal que lhes permitiria, como nossos representantes, fazer a propaganda da Boa Nova Demagógica.

Façamo-la agora nós em nome de Portugal; vamos nós ao Brasil; corramos ao encontro dessa nacionalidade, enviemos uma missão dentro da qual se encontrem representados portugueses sem distinções de partidos. (Apoiados).

Temos tantos como oradores, teremos alguns homens de sciência; economista?, militares, meia dúzia, e tanto basta. Que apenas o critério das competências presida a selecção.

Temos dois braços para combater, temos dois braços para abraçar; que um se esteada para a nossa liai e poderosa aliada, a liai e poderosa Albion, e outro se estenda para o Brasil.

Relembramos orgulhosamente em tam gloriosa, companhia, perante a conferência das Nações, a frase do Oliveira Martins: "nós soubemos, primeiro que ninguêm o soubesse, lançar os alicerces das novas cidades, fundar os elementos das novas Europas".

São estas as considerações rapidamente expostas pela urgência da hora regimental, que me levam a abraçar no mesmo amplexo espiritual a grande democracia brasileira e nossa amiga a Inglaterra, mandar para a Mesa o seguinte aditamento à proposta do Sr. Ávila Lima:

Proposta de aditamento

A comissão proposta pelo Sr. José Lobo de Ávila Lima será especialmente, e com urgência, incumbida de estudar as condições em que devo ser enviada ao Brasil uma missão portuguesa. - Amâncio de Alpoim.

Para a Secretaria.

O Sr. Lobo de Ávila Lima: - Sr. Presidente: pedi a V. Exa. que se dignasse conceder-me, novamente a palavra por ser, como vulgarmente costuma dizer-se, o pai da criança.

Antes de mais nada consinta-me V. Exa. que eu agradeça a todos os oradores que se manifestaram sobro a minha proposta, desde o meu ilustre amigo e prestigioso leader da maioria até ao Sr. Amâncio do Alpoim, a cujo discurso, por S. Exa. há pouco pronunciado nesta Câmara, terei que fazer alguns reparos, S. Exa. que me fez recordar a figura nobre e saudosa do meu ilustre amigo e brilhante ornamento de foi desta Câmara, conselheiro José de Alpoim.

A discussão desta proposta correu tramites que não previa; todavia, creio poder dizer que tout est bien qui finit bien. Houve duas pequenas divergências: uma de carácter pedagógico- e esta suscitada entre mim e o ilustre leader da maioria, Sr. Egas Moniz - e outra de carácter filosófico entre a vasta cultura histórica do ilustre Deputado da maioria Sr. Costa Cabral e o brilhantíssimo parlamentar Sr. Pinheiro Torres. Na segunda não intervenho, porque tenho um verdadeiro pavor pelas questões filosóficas.

Quanto à pequena discordância pedagógica suscitada entre mim e o Sr. Egas Moniz reconheço-lhe razões, porque ambos experimentámos os mesmos trances, académicos e S. Exa. deve ter uma má

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impressão do que em linguagem académica sã chama "um ponto à sorte".

Compreendo que as suas más recordações académicas o tenham disposto mal acêrca do assunto que se debate.

O Sr. Egas Moniz: - S. Exa. está iludido: eu não cultivo a oratória que S. Exa. expôs no seu preparado discurso. Eu disse a S. Exa. que era uma surpresa, que era mais natural que se tivesse dirigido ao leader da maioria a participar-lhe que desejava ocupar-se do assunto. Não foi por ser necessária uma preparação; foi tam somente para me associar à homenagem que a Câmara está prestando ao Brasil que falei. O que tinha sido melhor é que para êsse fim se tivesse marcado uma sessão especial.

O Orador: - Estamos elucidados.

Foi pena que essa sessão especial não se tivesse realizado na última sessão. Não tenho que criticar a orientação que S Exa. deseja dar aos trabalhos da Câmara. Sou o primeiro a lamentar o ocorrido, tanto mais que não fui dos últimos a ceder doma vantagem, duma boa preparação acêrca do objecto requerido.

O Sr. Egas Moniz (interrompendo): - Já tivemos o prazer espiritual de ouvir S. Exa...

O Orador: - Eu só tive o prazer de ouvir S. Exa. como membro da maioria.

Sou o primeiro a lamentar quanto há ocorrido, não tendo sido dos últimos a concordar na vantagem duma boa preparaçãozinha, segundo o objecto requerido. Desde logo, também, por minha modesta vez, me recolhi aos transes de oratório, relendo o que de mais propício: as páginas, encantadoras à fôrça de simples, iluminadas de crença, de Gaspar de Lemos, o cronista, e mais próximo confidente, que tudo viu e ouviu.

Sem querer, depara-se u gente naquele dia 8 de Março de 1500, alêm na extensão da praia do Restelo, coalhada de cleresia, da nobreza e da arraia miúda, em torno à ermida da Virgem, cujo patrocínio se invoca. Lá dentro, o quadro íntimo é tam diverso daquele que nos foi dado presencear: em vez do ilustre leader da maioria, Sr. Egas Moniz, era o bispo de Ceuta com a sua majestade hierática e a profunda emoção da sua prédica, repleta de Fé nos Céus e de Fé na Pátria, exaltando as virtudes do capitão-mor Pedro Alvares e a grandeza heróica da aventura a cometer; e em vez da grita da nossa tam simpática, quanto impulsiva maioria, bradando, a propósito do Brasil, Regimento, artigos e parágrafos, era a meditação recolhida e serena da massa dos embarcadiços, almas tam rubras de entusiasmo e crença, como sinais de Cristo que lhe golpeavam os arnezes e escapulários e lá ao fundo, sôbre o mar, velho amigo de Portugal, brilhavam nas velais pandas da frota aparelhada.

Foi assim a Fé do cronista, há quinhentos anos. E hoje?... Estamos aqui numa assemblea do reconhecimento e homenagem. E porque ao Brasil ela é votada e ainda porque Deus me defenda de menosprezar, pelo confronto, os nossos grandes homens, recemnascidos de há oito anos a esta parte, ao Brasil, e só a êle, mais uma vez me é grato reportar-me, falando hoje, quanto em mim cabe, daqueles que são tanto para êles, como para nós, o mais forte título de desvanecimento: os seus triunfadores no campo mental e cívico:

No activo da mentalidade brasileira - só os próceres vou citar - se registam scientistas quais Barbosa Rodrigues, Baptista Lacerda, o barão de Campanerna, Chapet Prêvost, Pais Leme, Osvaldo Cruz, Pizarro, o barão de Pedro Afonso, Joaquim Murtinho, Vital, Brasil e Pereira Barreto, de cuja boca autorizada saiu um dia o mais eloquente elogio que já mais há merecido a grei portuguesa; na especialidade augusta do Direito o mais soberbo e laborioso corpo de jurisconsultos, a cujo respeito poço licença para fazer apenas duas referencias concretas que me são particularmente gratas: a Faculdade do Direito de S. Paulo, em cujo grémio tive a orgulhosa dita de participar da mais solene e memorável consagração à Universidade Portuguesa e à pessoa do seu insigne confrade universitário e digníssimo embaixador do Brasil, Sr. Dr. Gastão da Cunha; do talento inventivo da gente brasileira são representantes notáveis: Santos Dumont, Landel de Moura, o almirante Huet Bacelar, Melo Marques, Ribeiro da Costa, Radler de Aquino, Pereira

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de Lira, Torquato Lamarão, Eduardo Cláudio, Abel Pinto, Gomes Pereira e o joven Oswaldo Faria; na poesia, sob o triunvirato excelso de Alberto de Oliveira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho, cultores aprimorados se contam, como Raimundo Correia, Mário de Artagão, Luís Gruimarães, filho, Afonso Celso, Rodrigo Octávio, Alencar, Mucio Teixeira, Hermes Fontes, Aderbal do Carvalho, Augusto de Lima, Pereira da Silva, Machado de Assis, Fontoura Xavier, Medeiros e Albuquerque e D. Júlia Lopes de Almeida; e no romance e no teatro: Raul Pompea, Graça Aranha, Gonzaga Duque, Virgílio Várzea, Artur Azevedo, João do Rio, e êsse precioso estilista que é Coelho Neto; na diplomacia e na história: Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, João Ribeiro, Rocha Pombo, e o barão de Rio Branco, o Brasileiro insigne entre os insignes, glória do Brasil moderno, devotado amigo dos portugueses, admirador fervoroso do maior diplomata português do século findo - el-rei D. Carlos, Rio Branco, um nome que é uma época, cuja nobre figura e honrosíssima amizade lhe é grato recordar e cujos altos predicados mentais vê galhardamente prosseguidos na chancelaria de Itamaraty, através das gestões de Lauro Muller e Nilo Peçanha; na crítica e elaboração filosóficas: Tobias Barreto, Sílvio Romero, Clovis Bevilacqua (distintíssimo jurisconsulto), Artur Orlando, Celso Magalhães, Euclides da Cunha, José Veríssimo, Magalhães de Azevedo, Melo Morais, e Araripe Júnior; e na eloquência tribunícia: Quintino Bocayuva, Barbosa Lima, Lopes Trovão, Assis Brasl, Carlos de Leat, Ireneu Machado, César Bierrembarck e Rui Barbosa, que, com o nosso António Cândido, são os dois mais excelsos representantes da palavra proferida em língua portuguesa.

E que neste sucinto balanço da actividade mental brasileira se não olvido que no seu Livro de ouro das Belas Artes se escrevem os nomes dos músicos Carlos Gomes, imortal autor do Guarany, Alberto Nepomuceno, Henrique Oswaldo, Menelau Campos, Carlos de Mesquita, Francisco Braga, e do popular Filinto Milanez; do consagrado escultor Bernardelli e do seu notável camarada Correia Lima; dos pintores, Pedro Américo, Navarro da Costa, António Ferreiras, Rodolfo Amoedo, Décio Vilares, Zeferino da Costa, Veingártner e João Baptista; de arquitectos como Sousa Aguiar, Heitor de Melo, Ludovico Berna, Bittencourt da Silva, Ramos de Azevedo, a cuja infatigável e ilustre iniciativa está ligada a melhor parcela da construtiva arte paulistana, e Paulo Freitas cujo nome se gravou ad perpetuum na fábrica da grandiosa catedral fluminense da Candelária.

O Sr. Egas Moniz: (interrompendo) - É ler nomes.

O Orador: - V. Exa. não os leu porque os não conhecia!

Vou terminar lamentando o que de triste aqui se passou num conflito de vaidades doentias e apartes impertinentes. (Sussurro).

O Sr. Egas Moniz: (interrompendo) - A maioria não abdica da situação em que se encontra e não pode consentir agravos.

(Sussurro).

O Orador: - Mal fadada está esta questão, derivada duma circunstância de todos nós muito conhecida, mas a que ou mais não me reportarei.

A sombra do Brasil devem todos os portugueses unir-se, e, se assim é, ninguêm tem o direito de julgar o contrário. Nós, dêste lado da Câmara, que temos a honra de ser comandados por um soldado de África, quando falamos em Pátria não pode essa palavra ter um segundo sentido.

Quando tive a honra de submeter à sanção da Câmara a proposta de aproximação com o Brasil, muitas foram as interpretações que ela recebeu; porêm, nenhuma foi a verdadeira. Houve palavras, é certo, de afecto, e eu não quero reportar-me à contradita. Quero apenas acabar por onde comecei.

O assunto é demasiadamente elevado e grande para que todos nos unamos ao redor dele. Estou pronto a expor perante a respectiva comissão a minha maneira de ver sôbre o caso, que não é a de entender que só comece pelo fim com a remessa duma missão; deve, sim, tratar-se o assunto com toda a elevação e ponderadamente, sem platonismos, como merecem os assuntos que mais caros são aos interesses nacionais. Então, se a maioria

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quiser ouvir-me, com correcção, como hoje, mas com um pouco mais de atenção e um pouco menos de política, terá ensejo de julgar da sinceridade do meu patriotismo ao submeter á Câmara a minha proposta.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Sr. Presidente: falando pela primeira vez nesta Câmara, as minhas primeiras palavras são do cumprimento para V. Exa., figura austera e digna que se impõe ao nosso respeito, e, como não sou ainda um velho, muito me poderá servir o exemplo de V. Exa. como modelo de correcção' e moral política.

Quando transpus as portas desta sala tomei perante a minha consciência - e são êsses os compromissos que mais respeito - o compromisso de exercer o meu mandato com tanta independência e probidade como as que ponho no desempenho das minhas funções burocráticas e no exercício da minha profissão de escritor.

Espero que V. Exa., coerente com a honestidade dos seus princípios e no respeito da devida imparcialidade política, me mantenha o direito que tenho de expor, livremente, a minha opinião nesta casa que não está dando, hoje, grande exemplo de tolerância. Eu queria que hoje nesta Câmara, ao falar-se do Brasil, nossa segunda pátria, fossem abatidas as bandeiras partidárias (Apoiados}, abrindo-se um campo neutral em que todos nos encontrássemos bem, como pessoas dedicadas ao seu país e que acertar querem.

No último dia de sessão saí daqui surpreendido, como surpreendidos se manifestaram os Srs. leader da maioria e Secretário de Estado das Colónias, pela forma inesperada como o Sr. Lobo de Ávila e Lima, apresentou a sua proposta, sem nada ter comunicado nem à maioria nem ao Govêrno, como teria sido conveniente fazer, para que todos nós, não pela exigência dum dever que a S. Exa. não cumpria, mas pelo reconhecimento dum dever que a todos cumpria, acudíssemos a aplaudir uma tal proposta.

Em nome da independência que acabo de invocar, venho expor o meu parecer sôbre a proposta de que se fala e sôbre a disposição de espírito que ela envolve.

Direi que estou convencido de que não é inteiramente destituída de intuitos políticos a proposta que S. Exa. nos trouxe.

S. Exa. despresou o preparo dum conjunto de circunstâncias e nem esperou pela organização interna da Câmara, vindo logo nos seus primeiros dias de sessão, com a apresentação da proposta, com o pedido de dispensa do Regimento para quê?

Para que a oportunidade do efeito político a que visava essa proposta não fôsse prejudicada...

Vezes da direita: - Não apoiado.

Vozes da esquerda: - Apoiado.

O Orador: - O nosso ilustre colega, Sr. Pinheiro Torres, aceitando em princípio, teve a infelicidade - só infelicidade, porque S. Exa. é duma extrema correcção - de dar uma cor política e religiosa à proposta e imediatamente a atmosfera se turvou. O autor da proposta não contribuiu para liquidar êsse desagradável incidente, nem sequer o lamentou; antes requereu que o debate se generalizasse e a discussão prosseguisse, mesmo através das paixões subitamente acesas.

Aceitando, em princípio, a proposta, eu vou apresentar algumas objecções.

Já várias propostas neste sentido se têm apresentado, e com inteira imparcialidade, como a que apresentou na Sociedade de Geografia o seu presidente, Consiglieri Pedroso. Dessa proposta resultou ir uma missão ao Brasil, houve muitos discursos, mas até hoje não frutificou.

Para a nomeação duma comissão é preciso que haja ponderação, como se fez agora na comissão de instrução pública. Agora, propostas para comissões, propostas em que só há palavras, disso está o mundo cheio. Propostas assim não trazem nada de útil. Eu não vejo nada nessa proposta que justifique a urgência dela.

Se encararmos a proposta sob o ponto de vista económico, então as diversas colectividades que venham ao Parlamento representar.

Agora apresentar uma proposta como esta, e requerer a urgência, parece-me inoportuno. Concordo que devemos a essa nação todo o nosso amor. (Apoiados). Todos nós devemos um grande afecto a essa nação; mas isto não é uma sociedade histórica para vir aqui com factos históri-

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cos, como o da fuga de D. João VI para o Brasil.

Sr. Presidente: em nome da dignidade dos costumes, da verdade, das sciências o das letras, eu protesto contra esta nova forma de reclamo dos produtos intelectuais dum povo, e estou em muito boa companhia.

Ainda há pouco no Instituto Italiano, em França, uma vez prestigiosa se ergueu para, em nome da independência dos espíritos, em nome da dignidade da inteligência, defender os princípio? que estou defendendo.

Também o grande pensador, que me orgulho de ter como um dos meus mestres espirituais, protestou contra o princípio que alguém advoga de se pôr uma energia intelectual, ao serviço da propaganda das próprias ideas. As ideas não se divulgam por êsse sistema; divulgam--se porque são belas, verdadeiras e justas.

Os grandes filósofos, os grandes pensadores, os grandes artistas nunca tiveram uma ,nuvem do mosquitos zumbidores que andasse a divulgar a pureza e a magnificência das suas obras.

Os trabalhos de Bergson nunca foram reclamados por qualquer comissão de propaganda.

A difusão duma idea deve ser a consequência da sua beleza, da sua justiça e da sua grandeza.

A multidão é que deve erguer-se até ela.

Protesto, pois, contra esta nova forma de reclamo que consiste em andar a mendigar louvores. Quando uma idea ou uma obra não se divulgam é porque não têm valor para tal. A História mostra-nos factos que vêm em abono desta teoria. Antes de 1870, os mais belos espíritos da França quiseram, tambêm, fazer um comité de propaganda da cultura germânica, mas não conseguiram os seus intuitos.

Por isso não creio nas vantagens que para nós poderão advir da eleição duma comissão para os fins indicados na proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima. Voto-a, mas estou convencido de que será absolutamente inútil.

Para o Brasil vão as minhas mais calorosas homenagens, como demonstração da alta capacidade colonizadora do meu país, exemplo sempre presente, quando quisermos encarar a vitalidade das nossas energias. Lastimo que êsse nome. para nós sagrado, não fôsse aqui invocado numa plena imparcialidade política.

Protesto ainda, contra uma afirmação política feita pelo ilustre leader da minoria, quando disse que o desenvolvimento das nossas relações com o Brasil era obra da monarquia.

Protesto contra isso. Êsse desenvolvimento é obra da Pátria portuguesa.

A idea de que isso é devido à monarquia é uma manifestação de retorismo, que só nasceu em Portugal quando se quis defender a forma antagónica da República.

Antes disso não havia, nesse sentido, República ou monarquia; só havia a Pátria Portuguesa.

Termino, dizendo que foi ainda o Brasil, nosso irmão mais novo, que nos deu a lição e o exemplo de uma nova fé política que é a esperança cios nossos destinos.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Campos Monteiro: - Sr. Presidente: manda, a praxe que, sendo a primeira vez que levanto a voz nesta sala, eu cumprimente V. Exa. Espirito um pouco insubmisso e avesso a preconceitos, porventura me recusaria a seguir essa praxe, se ela não coincidisse, como coincide, com os impulsos do meu coração.

Residindo, como V. Exa., no Pôrto, e como V. Exa. fazendo clínica naquela cidade, desde há muito acostumei-me a ver em V. Exa. a alma caldeada no cadinho onde se fabricavam os antigos caracteres e cujos moldes parecem perdidos hoje nesta dessorada sociedade portuguesa.

Eis a razão porque, gostosamente e sem constrangimento algum, daqui endereço a V. Exa. as minhas efusivas saudações. Com o maior prazer tambêm saúdo a minoria monárquica, esta brilhante plêiade de combatentes por uma causa a que tenho consagrado" toda a minha existência, a maior parte dos quais me dão a honra de serem meus amigos pessoais e todos meus amigos políticos. E, ao fazê-lo, eu não posso esquecer a alta e nobilíssima figura do Sr. Aires de Ornelas, que li nossa frente empunha a bandeira proscrita em 5 de Outubro de 1910, bandeira que

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é todo o nosso amor e toda a nossa saudade, a cuja sombra todos nós, os dêste lado da Câmara, temos pelejado o bom combate em prol das tradições e da prosperidade da Pátria, e em cujas dobras qualquer de nós desejaria, como única e suprema recompensa, descer envolto à sepultura.

Para o centro, onde se sentem Deputados independentes e católicos, envio os meus efusivos cumprimentos, sobretudo para êstes últimos, que eu vejo aqui chegados pelo meu querido e velho amigo, Sr. Pinheiro Torres, alta envergadura de parlamentar e orador.

Permita-me V. Exa. Sr. Presidente, que tambêm ao outro lado da Câmara me dirija, enviando-lhe as minhas saudações, especialmente ao seu ilustre leader, homem de alto talento, carácter e dignidade cívica, que um feliz acaso, ou uma feliz inspiração quis que se chamasse Egas Moniz. E ainda para a bancada dos Secretários de Estado, onde se sentam alguns amigos meus, eu endereço as minhas homenagens. Vejo ali homens que alimentam convicções políticas absolutamente diversas das minhas; mas como creio na sua sinceridade, ao encontro delas mando o meu coração que, não obstante palpitar por um ideal político perfeitamente antagónico, estou convencido do que pulsa isócronamente com os dêles no amor acriolado a êste querido torrão em que todos nascemos.

Posto isto, permita V. Exa. que eu entre imediatamente no assunto desta sessão, fazendo desde já a declaração formal de que serei o mais breve possível, não 30 para agradecer a deferência com que a Câmara me está ouvindo, mas ainda porque sôbre o meu espírito impende consideração, consideração que jamais esquecerei todas as vezes que V. Exa. me der a honra de me conceder a palavra de que cada minuto que decorre nesta Casa do Parlamento custa ao Estado uns bons pares de escudos.

Uma voz: - Não parece!

O Orador: - Não parece, mas é assim! E é bom que nenhum de nós o esqueça.

Sr. Presidente: depois da minha Pátria, a nenhuma nação eu voto tam acrisolada simpatia como ao Brasil.

Tem sido apreciada esta questão por variadíssimos aspectos; um alta ainda: quero referir-me á psicologia do seu povo, sentimentalidade colectiva da raça que habita êsse belo país do qual os portugueses tiveram a honra de ser os descobridores.

Eu acostumei-me a amar o Brasil desde criança através das narrativas feitas por pessoas de família que de lá regressavam e que, constantemente, em conversas ao canto do fogão, nessas longas e gélidas noites transmontanas, entoavam um hino de louvor á formosíssima nação que os recebera e agasalhara, e que procurava minorar-lhes as agruras da nostalgia com as belezas da sua paisagem e a afectuosidade dos seus naturais. Depois habituei-me a estimá-lo e admirá-lo através do seu formidável desenvolvimento artístico e literário, a que já se referiu o meu colega, sr. Ávila Lima. Mais tarde todo o meu coração voou para o Brasil, quando o vi vibrar de conlunção e mágua ao ter a notícia de que em Portugal, após um abalo scísmico, duas formosas vilas ribatejanas se tinham transformado num montão de ruínas.

Arneio-o ainda mais quando vi o povo e o Govêrno brasileiros prepararem-se para receber, com uma galhardia nunca vista, o primeiro monarca português que, depois do desditoso e caluniado D. João VI. se dispunha a atravessar o Atlântico para levar às plagas americanas a segurança da profunda estima que Portugal votou sempre à nação irmã. Mais redobrou o meu afecto quando vi todo o Brasil erguer-se como um só homem, num largo e impetuoso movimento de ódio, dor, indignação e repulsa, ao chegar ao litoral americano a notícia de que em pleno Terreiro do Paço se tinha cometido o mais infame e vilipendioso dos crimes que em Portugal se hão perpetrado, e vitimou um saudoso e grande rei, o um príncipe adolescente e meigo que era uma radiosíssima esperança.

Disse há pouco o meu ilustre colega Sr. Amâncio Alpoim que o representante, nesse tempo, de Portugal no Brasil, tinha conseguido prejudicar e arrefecer as relações entre Portugal e Brasil.

Peço licença para dizer a Sua Excelência que se enganou. Quem prejudicou a nossa acção diplomática no Brasil e ca-

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vou entre as duas nações um tam profundo abismo, que levou anos a aterrar e a • nivelar, não foi o diplomata atingido pelo Sr. Alpoim, foi quem, desvairado pelo ódio político, armou os braços de Buíça e Costa.

Não é meu intuito acirrar o debate, tanto mais que se trata da consagração ao Brasil, mas, como tenho ouvido pronunciar várias vezes a palavra "surpresa" a propósito da apresentação da proposta do Sr. Ávila Lima, eu quero lembrar à Câmara um belíssimo discurso que aqui, nesta mesma sala, foi pronunciado há anos, pedindo licença para narrar as condições em que êle foi proferido.

Estava reunida a Câmara dos Deputados quando naquela galeria apareceu um homem que, pelo seu aspecto físico e pela sua linha inconfundível, foi logo reconhecido. Era Joaquim Nabuco. Nesta bancada um homem se levantou e, "de surpresa" e numa felicíssima improvisação, proferiu um discurso cheio de beleza e de poesia, convidando o ilustre parlamentar brasileiro a tomar assento entre os Deputados portugueses.

Para êste homem, para êste orador de raça, não havia "surpresas". Chamava-se António Cândido, e êste nome diz tudo.

Vai adiantada a hora, Sr. Presidente; volto, portanto, a tomar o meu assunto. Ia eu provando que sempre a República Brasileira, através os seus trinta anos de existência, deu às outras nações sãos exemplos da mais absoluta correcção e da mais nobre tolerância. Quando, uma vez tombado o império, se reconheceu a necessidade de fazer embarcar o imperador para a Europa, foi com extrema correcção que o Govêrno provisório o mandou notificar ao monarca decaído; e, convidando-o a tomar lugar a bordo de um transporte, mandou comboiar êste navio por navios de guerra brasileiros, não porque receasse uma restauração monárquica, mas para garantir a vida e prestar as devidas honras ao monarca deposto. Meses depois toda a nação deitava luto ao saber do passamento da imperatriz; procedeu da mesma forma quando a fatigada cabeça de D. Pedro II tombou para sempre no sono da morte. E, passados tempos, foi todo o povo brasileiro, foram os próprios republicanos, quem lançou a idea, a breve trecho secundada pelo Estado, do que para o Brasil fossem transportados e recebidos numa magnificente apoteose os restos mortais dêsse monarca insigne e desgraçado, emfim chamado a descansar no país em que nascera, em que tantos anos reinara, o tam entranhadamente amara sempre. Nobilíssimo exemplo, bem digno de ser evocado na época de retaliações políticas que vamos atravessando!

Sr. Presidente: eis as razões por que eu amo o Brasil; eis as razões por que me levantei a saudá-lo; não podia deixar de o fazer, visto representar nesta Câmara a segunda cidade do reino, que ao Brasil tem ligados tantos e tam vastos interesses, e tam profunda estima dedica à República Brasileira. Adiro, portanto, incondicionalmente, à proposta do Sr. Ávila Lima, fazendo votos para que se estreitem mais e mais as relações de amizade do moço e florescente Brasil com êste velho e glorioso Portugal, que lhe foi pátria-mãe.

Tenho dito.

O Sr. António Sardinha: - Ao falar pela primeira vez no Parlamento, não quero faltar ao costume desta casa, saudando o Sr. Dr. Nunes da Ponte, adversário liai e intransigente, cuja vida pública é um alto exemplo de civismo. No lugar do Sr. Presidente está o Sr. Dr. Lino Neto, a quem bem cedo aprendi a admirar. Mestre preferido da minha mocidade, foi S. Exa. quem me ensinou o amor do município português, do que tem sido um verdadeiro e incansável paladino. Para S. Exa. vão todas as minhas melhores palavras.

Não contava erguer hoje a minha voz. Se o faço é para me associar como português, e como novo entre os novos da minha- terra, à homenagem prestada ao Brasil, que é um segundo Portugal, o Portugal de alêm mar, a nossa segunda Pátria. O patriotismo não consiste apenas na opinião pessoal que cada um possa ter sôbre a história do seu país. "Quando se não pensa como os nossos antepassados pensavam, saibamos ao menos venerar o espírito que iluminou a sua obra". Mandando-se enterrar catolicamente, assim definia o patriotismo, no seu testamento, o grande mestre que foi Fustel de Coulan-

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gês. Tenhamos bem presentes na nossa memória essa síntese admirável, que nos dá a idea segara do que é realmente a Pátria. Não me sobeja o tempo, nem quero desobedecer ao pedido do Sr. Presidente, fixando pura cada orador os limites do praso regulamentar.

Mas consinta-me V. Exa. que, nos poucos minutos de que disponho para falar, afirme e sustente bem alto que a retirada 'de el-rei D. João vi para o Brasil foi um facto da história de Portugal, de que em absoluto dependeu a integridade da nossa autonomia.

Já de há muito que o Brasil se mostrava o abrigo longínquo dos nossos destinos.

Assim, quando Castela estendeu s, sua pata de ferro sôbre Portugal, D. Pedro da Cunha apontou ao prior do Crato o Brasil como o reduto invencível da sua resistência. Num momento difícil o Padre António Vieira o indicaria a D. João IV. Mais tarde, no século XVIII, D. Luís da Cunha, um dos nossos mais ilustres diplomatas, aconselhava a transferir-se para o Brasil a cabeça, a sede da monarquia portuguesa. E no meu propósito basta-me acrescentar que durante a luta chamada do Pacto de família, que uniu os Bourbons contra a Inglaterra, o Marquês de Pombal chegou a tar preparada a frota que ao Brasil devia levar el-rei D. José. Em cartas suas, hoje publicadas, o Marquês orgulha-se dêsse acto como um dos maiores da sua carreira de estadista.

Correspondia, pois, a retirada para o Brasil - o não fuga - ao património político da nossa nacionalidade. E não imagine a Câmara que essa retirada foi um expediente tomado à última hora na turba-multa do pânico. Já em Setembro de 1807 a semelhante respeito se havia realizado com a Inglaterra um acôrdo a que Luz Soriano se refore.

E Pitt, o grande Pitt, a aluía da resistência da Inglaterra contra Napoleão, ao saber que D. João VI estava a salvo, pronunciou no Parlamento inglês um memorável discurso, em que salientara o largo alcance para a Europa da resolução do nosso caluniado monarca.

D. João VI, rodeado pelo partido francês, desconhecia inteiramente o avanço das tropas do Junot.

Um aparte.

O Orador: - Essa pregunta atesta uma profundeza de espírito crítico verdadeiramente brilhante; eu vou já responder...

Sussurro.

O Orador: - V. Exas. não tomem como ofensa as minhas palavras. Estão-me crivando de ironias que, aliás, não me tocam e tenho de mo defender.

Sussurro.

O Orador: - Não posso ouvir duas pessoas ao mesmo tempo.

O Sr. Egas Moniz: - V. Exa. pode declarar que não permite apartes.

O Orador: - Pois não os permito.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Mas V. Exa. tambêm tem feito apartes.

O Orador: - Muito bem! Aceito os apartes de V. Exa.

Dizia eu, Sr. Presidente, que D. João VI ignorava a entrada das tropas de Junot, o que bem se pode verificar por um trabalho que o autorizado escritor militar, Sr. coronel Cristóvão Aires, acaba de dar à estampa. Aludo ao Diário de Junot, cujo original se conserva na Biblioteca da Ajuda. Por aí se vê o conluio que: envolvia o rei, entregue pelo seu Ministério, na pessoa de António de Azevedo e Araújo, aos desígnios traiçoeiros do invasor. D. João VI, prisioneiro, seria a scena de Baiona, com a família rial espanhola abdicando em Napoleão. Na sua retirada para o Brasil, D. João VI salvou, com a independência da dinastia, a independência da Pátria. Não abandonou, nem mesmo assim, o território nacional, pois de forma alguma quis aceitar o oferecimento que lhe fez da sua nau o almirante inglês, conservando-se sempre debaixo do nosso pavilhão, a bordo de um barco nosso. E, uma vez no Rio, o seu manifesto de Maio de 1808 lança as bases da futura coligação europeia que derrubaria o colosso napeleónico.

Não vou alongar-me mais sôbre êste ponto que está suficientemente esclarecido. Mas é meu dever levantar aqui a luva atirada contra El-Eei, o Senhor D. Carlos, ao fazer-se crer que, na sua aproximação, com o Brasil, êle foi apenas a política do seu interesse dinástico-

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D. Carlos, procurando apertar cada vez mais as relações de Portugal com o Brasil, mostrou a Portugal inteiro que êsse era o verdadeiro caminho para uma verdadeira supremacia mundial. Precisamente, porque procurava honrar e servir a sua dinastia, é que El-Rei D. Carlos honrou e serviu o seu país. Tal é a unidade da monarquia! Leva naturalmente o interesse pessoal do dinasta a esposar, quando não seja senão pelo seu egoísmo, o interesse superior da nacionalidade a que preside.

Não é isto, como comentou o ilustre Deputado da maioria, o Sr. Fidelino do Figueiredo, não é isto, Sr. Presidente, de maneira alguma imprimir à história um sentido tendencioso, antes responder aos que na sua propaganda sectária, na sua sanha jacobina, apodavam a monarquia como a causa única da decadência de Portugal. Há, efectivamente, as qualidades estruturais da raça.

Mas sem o Estado para lhe atribuir finalidade e consciência, o que é em si, na sua actividade tam somente instrutiva, o veto natural - Nação?

Ao ouvir o Sr. Fidelino de Figueiredo, no seu amor pela idea pura. pelo conceito abstrato, tive a impressão de que era Kant quem falava. Ao contrário do que S. Exa. afirmou existe bem um proteccionismo de inteligência, que é uma razão de ser inviolável para os povos e para as nacionalidades.

Demonstravam-no em relação à França os inquéritos célebres de Agathon e de Pierrô Lasserre sôbre a influência do germanismo na Sorbonne. Ninguém, neste lado da Câmara, pensou, por isso, em fazer da história uma bandeira de partido, ninguêm pretendeu sujeitar as ideas o os conceitos a um critério estreito de facção. Mas não abdicamos do direito de verificar na História e nos seus ditames o reconhecimento de todas aquelas condições de vida, e de prosperidade, sem a guarda das quais um país não pode mais subsistir.

Convença-se à Câmara que a nossa política não é uma política de banco. Nós não somos aqui um partido que se quere impor à Nação. Somos, simplesmente a afirmação de que para lá das soluções transitórias, dos remendos passageiros, um princípio se mantêm firme e intacto, o princípio que criou a Pátria e não desespera de a salvar. Êsse princípio acha-se de pé e com êle é que Portugal se encontrará, quando, desiludido de ficções funestas e de miragens tentadoras, regressar emfim ao rumo tradicional da sua vocação histórica.

Sr. Presidente, tenho dito.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Envio para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a matéria seja considerada discutida sem prejuízo dos oradores inscritos. - Amando de Alpoim.

Foi aprovado.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: devo começar por fazer duas declarações: a primeira é que permito apartes; a segunda é que os Srs. Deputados monárquicos arrastaram a discussão para tam longe, tam longe do grande Brasil, que ninguêm deverá estranhar que tambêm eu me afaste um pouco daquelas paragens.

Passaram-se hoje nesta casa cousas que raiam pelos limites do picaresco, quando mesmo tenham sido ditas com entono solene ou trágico. Assim, o Sr. Campos Monteiro declarou-nos, perante aquela figura da República, que alêm está, que representa aqui a segunda cidade do Reino. Pois estávamos nós convencidos de que Machado Santos havia, no dia 5 de Outubro de 1910, para sempre varrido a a monarquia de Portugal a tiros de canhão.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Regula-se pela hora antiga.

O Orador: - Afirmou o Sr. Lobo de Ávila Lima que não pusera intenção política na sua proposta. Seja assim. O pior e que, a pouco e pouco, os seus correligionários transformaram a apoteose ao Brasil numa glorificação solene da extinta monarquia. E a cousa foi num tal crescendo que o discurso inteirinho do Sr. Sardinha outra significação não teve do que exaltar a fuga vergonhosíssima do Sr. rei D. João YI para terras de Santa Cruz.

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Se, em lugar do Brasil, de fugas, pois, se trata aqui, os meus colegas da oposição monárquica hão-de me dar licença que rememore uma outra fuga, igualmente célebre, dum outro Bragança: aquela apressada fuga de D. Manuel, do palácio para a Ericeira, e da Ericeira para o exílio...

O Sr. António Cabral: - O Sr. D. Manuel não fugiu da Ericeira; num país em que se matam reis tinha obrigação de fazer o que fez.

O Orador: - Dizia, um grande português, grande monárquico e grande soldado, Mousinho de Albuquerque, que foi aio de D. Luís Filipe, numa carta a seu pupilo, pouco mais ou menos o seguinte: "Reis são soldados que sentaram praça à nascença e que só a morte pode desligar dos seus votos. Rei que disso se esquece, e deserta do seu posto, é mais criminoso que a sentinela que foge".

Já vê, V. Exa., Sr. António Cabral, que nós tambêm sabemos ler pela sua carfilha.

O Sr. Rocha Martins: - E o que se chama a um soldado republicano que foge?

O Orador: - Um soldado republicano foge quando recebe ordens para isso. Caso contrário fuzila-se. Mas um rei, que não recebo ordens de ninguêm, não pode abandonar o seu pôsto em quanto haja um vassalo que queira combater por êle e por êle morrer.

Vejam V. Exas. como o Brasil está longe, que até parece ter-se alargado mais e mais o oceano que dele nos separa! E antes do o transpor, a êsse Atlântico, permita-se-me ainda, Sr. Presidente, que eu me ponha aqui a futurar, já que de futurista me alcunha a imprensa monárquica, o que vai ser o artigo de fundo do Dia de amanhã:

Mais uma vez se encontraram, frente a frente, uma minoria monárquica, forte, unida, em cujo seio as ideas pululam como cogumelos, e uma maioria republicana, caótica, pobrinha de ideas, aonde demagogos disfarçados, jacobinos sangrentos, uns tais Lials, uns tais Moitas, andam espalhando o veneno das suas secretas intenções...

Não darei antecipada resposta ao ilustre jornalista Sr. Moreira de Almeida, porque essa resposta está na consciência de todos os que aqui estão, e a quem foi dado o regalo espiritual de ouvir os Srs. oradores monárquicos! Frisarei apenas um ponto. Dêste lado da Câmara estão plebeus, cujas genealogias entroncam quási todas em homens que cultivaram esta terra maninha de Portugal. Não podemos por isso dar lições de delicadeza à fina nata da aristocracia que se senta naquele lado da Câmara, e que produziu aquela elite que todos nós admiramos. Hão-de, pois, S. Exas. achar natural que lhe tenhamos pago na mesma moeda de delicadeza que empregaram para connosco. Deus nos livro de nesta matéria querer ensinar o Padre Nosso, por exemplo, a um Sr. Sardinha, que entronque não sei eu que remoto passado a sua espinha heráldica.

O Sr. António Sardinha: - Os meus antepassados foram lavradores: ganharam a sua independência por meio dum trabalho árduo e honrado.

O Orador: - Felicito-o por isso, como igualmente o felicitaria se me dissesse o contrário. Estas questões levaram-nos muito longe. Vamos, pois, fazer a viagem para o Brasil, por isso que só ao Brasil, neste lado da Câmara, se pensa glorificar e homenagear. (Apoiados). Como soldado, eu pretendo aqui relembrar o discurso pronunciado por Rui Barbosa no Senado, acêrca da revogação da neutralidade brasileira.

Êsse discurso é uma das cousas mais belas, saídas dos lábios dum homem que é uma das mais altas eloquências do mundo de hoje. Recordou Rui Barbosa, com o seu verbo imorredouro, o seu papel na Conferência da Maia, defendendo contra a Alemanha o direito que às nações fracas assiste de serem consideradas em condições de igualdade jurídica perante as nações fortes. Mas isso mesmo-acrescentou ele - acarreta aos pequenos povos o dever sagrado de manterem sempre, através de tudo, uma linha de conduta que os torne dignos, como a Bélgica.

São palavras de Rui Barbosa as seguintes:

"Divina cousa, senhores, é a paz; mas

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a paz nobre, a paz com dignidade, a paz respeitada. A paz dos vis, a paz dos pusilânimes, a paz dos protegidos, a paz dos feitorados pelos poderosos estrangeiros, não vale a pena de que se goze, senão para as almas degradadas e avultada, que perderam, com o sentimento da própria existência, o sentimento da honra pessoal".

Sr. Presidente: mais cousas poderia j transportar dessa formidável oração de Rui Barbosa. Mas o que já disse é suficiente para encher de remorsos a consciência de muitos dos que vieram aqui glorificar o Brasil, depois de terem andado a propagandear contra a nossa intervenção na guerra. E note-se que o Brasil ainda hoje não recebeu da Alemanha nina ferida, profunda e sangrenta, como aquela que já em 1914 Naulila representa para nós. Que o diga um dos Srs. Secretários de Estado, que ali está sentado, e cujo exemplo a muitos serviu de lição nesse desgraçado revez das nossas forças.

Honra, pois, a Rui Barbosa, arauto das nações fracas na Maia, e porta-voz da dignidade dos povos, grandes ou pequenos, que t6m sido vitimas da Alemanha. E honra ao Brasil, que tem tais filhos.

Resta-me ainda levantar uma frase, em nónio da maioria. Alguém da minoria monárquica disse que os seus correligionários, quando se falava em Pátria, não tinham intenções reservadas. Quero crer que assim pensem, mas o facto é que desta vez a paixão política traiu-lhes as intenções. E tanto que, a propósito do Brasil e Pátria, até se falou no assassinato do rei D. Carlos, para o qual os monárquicos preparam a atmosfera, com insinuações ou acusações claras.

Dêste lado da Câmara, Sr. Presidente, é que, quando se fala em Pátria, não há segando sentido. Pátria é qualquer cousa de sagrado, missão acima das nossas paixões mesquinhas.

E se entre os monárquicos há soldados que se bateram pela sua pátria, entre os republicanos não faltam exemplos dêsses.

Saudemos, pois. todos, em nome da Pátria, o Brasil, olhando-o desvanecidos, como outrora os velhos patriarcas bíblicos, sentados à porta da tenda, olhavam a prole imensa dos seus descendentes.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a discussão sôbre a proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima.

Vai proceder-se à votação desta proposta e do aditamento do Sr. Amâncio de Alpoim.

Foi aprovada a proposta do Sr. Lobo de Ávila Lima.

E a seguinte:

Proposta

Proponho que, nos termos e faculdade constantes do § 3.° do n.° 22.° do artigo 88.° do Regimento, seja nomeada uma comissão especial a fim de promover uma mais estreita e útil aproximação entre Portugal e Brasil.

Foi aprovada a proposta de aditamento do Sr. Amâncio de Alpoim.

O Sr. Presidente: - Antes de se entrar na ordem do dia, vou consultar a Câmara sôbre o ofício, lido na Mesa, em que se pede autorização para que o Sr. Melo Vieira possa ir depor como testemunha em um auto de corpo de delito a que se está procedendo.

O Sr. Manuel Bravo (sobre o modo de votar): - Peço a V. Exa. que me diga se êsse documento marca o dia em que o Sr. Melo Vieira deve ir depor.

O Sr. Presidente: - Não marca o dia.

O Sr. Manuel Bravo: - É necessário ficar assente que êsses pedidos dos tribunais indiquem sempre o dia.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Far-se há essa recomendação.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado do Interior): - Pedi a palavra para declarar, como Deputado, que não voto êsse pedido que acaba de ser lido na Mesa, visto ser minha opinião que não pode um membro do Poder Legislativo estar à mercê do Poder Judicial para quando êste entenda desviá-lo do exercício das suas funções.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: discordo, em absoluto, do modo

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de ver tanto do Sr. Manuel Bravo como do Sr. Secretário de Estado do Interior.

Muitas vezes os serviços especiais de justiça não se compadecem com a indicação prévia do dia em que se podem realizar as inquirições. Por isso, a Câmara deve conceder a autorização nos termos em que ela é solicitada.

O orador na o reviu.

O Sr. Melo Vieira: - Concordo inteiramente com a doutrina exposta pelo Sr. Secretário de Estado do Interior, a qual é a única regular.

Desejo, todavia, pedir à Câmara que conceda a licença para eu ir depor, nos termos em que ela é pedida, porque não quero que, sob qualquer pretexto, se possa dizer que algum acto do Poder Judicial é preterido pela situação especial em que me encontro, tanto mais que exactamente como Deputado tenho o maior interesse em que o assunto de que se trata seja averiguado com a maior rapidez.

Portanto, peço à Câmara que conceda o que se pede.

S. Exa. não reviu.

Foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Os Srs. Deputados que tenham papéis a enviar para a Mesa podem fazê-lo.

Documentos mandados para a Mesa

Requerimentos

Requeiro que pela Secretaria de Estado da Justiça me seja enviada cópia do relatório da sindicância, feita pouco depois da proclamação da República, à cadeia geral Penitenciária do distrito da Relação de Lisboa, hoje Cadeia Nacional. Peço toda a urgência. - António Cabral.

Requeiro que pela Secretaria de Estado da Justiça me seja enviada cópia do requerimento feito por António Ferreira Cabral Pais do Amaral em 1910, pedindo a sua aposentação do cargo que exerceu de sub-director da cadeia geral, Penintenciária do distrito de Lisboa, e do despacho ou despachos lançados no respectivo processo. - Gaspar de Abreu.

Requeiro que, pela Secretaria de Estado do Interior, seja pôsto à minha disposição, para consulta, todo o processo de investigação acêrca do assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe, seu filho, organizado pelo Juízo de Instrução Criminal nos anos de 1908, 1909 e 1910 e que deve existir nos arquivos daquele Juízo. - Tomás de Aquino de Almeida Garrett.

Requeiro que pela Secretaria de Estado competente me seja fornecida nota: a) de todas as estradas do distrito de Évora, e bem assim da dotação concedida ou que venha a conceder-se no corrente ano para a sua conservação e reparação; b) de todas as estradas do mesmo distrito não concluídas e se a alguma dessas foi destinada verba para sua continuação ou conclusão; c) do estado em que se encontra a estrada nacional n.° 68 e bem assim do contrato para a construção da ponte sôbre o Rio Sorraia, junto da vila de Coruche e tudo o mais que diga respeito à referida ponte.-Alfredo Augusto Cunhal Júnior.

Requeiro que me seja (fada cópia dos ofícios trocados entre a repartição de minas e o administrador do concelho de Arouca, acêrca de apreensão de minério feita naquele concelho no mês de Maio último. - Camilo Castelo Branco.

Requeiro que pelas diversas Secretarias de Estado me sejam fornecidos os seguintes documentos: cópias dos relatórios ou conclusões de todos os inquéritos e sindicâncias ordenadas, desde õ de Outubro de 1910, sôbre todos os actos governativos e serviços das Secretarias de Estado durante o regime monárquico, especificando-se todas e quaisquer culpas aí apontadas contra Ministros ou altos funcionários do dito regime no exercício das suas funções. Relação de todos os processos judiciais mandados intentar desde 5 de Outubro de 1910 até esta data, em virtude daqueles inquéritos ou sindicâncias, contra quaisquer Ministros ou altos funcionários do regime monárquico, por crimes comuns praticados no exercício das suas funções ou em razão delas, com menção das sentenças proferidas nesses processos. - Aníbal Soares.

Requeiro, pela Secretaria de Estado do Interior: licença para ver todos os do-

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cumentos e papéis políticos apreendidos em casa do Sr. Afonso Costa, do Sr. Leote do Rogo e do Sr. Norton de Matos. Para analisar todo o dossier político que existia na repartição de espionagem, instalada no Quartel do Carmo. Pela Secretaria de Estado das Finanças: todos os livros o papéis referentes ao roubo das inscrições das Irmãsinhas dos Pobres, negociadas no Pôrto em nome de D. Maria Barbosa de Magalhães. Pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros: os documentos iniciais da participação de Portugal na guerra na parte relativa a negociações com a Gran-Bretanha. - Francisco José da Rocha Martins.

Requeiro que pelo Ministério e repartição competente mo seja fornecida com a possível brevidade uma nota da data de estudos o aprovação do traçado das duas estradas que ligam o Algarve com o Alentejo, uma passando por Aljezur e seguindo pelo litoral até Lisboa; outra atravessando o interior do país por S. Brás de Alportel até a capital, na extensão total expressa em quilómetros. Data do início dos trabalhos em cada uma delas, construção quilométrica anual, dotação para 1918-1919, extensão quilométrica que falta construir, as verbas necessárias a cada uma delas para a sua conclusão e se há concluídas motivos de preferencia de construção de uma sôbre outra. Qual , a dotação de estradas por distritos neste ano, e sua extensão total em quilómetros.- Francisco de Almeida de Binar Weinholtz.

Nota de Interpelação

Desejo interpelar o Sr. Secretário de Estado da Justiça sôbre a cedência do passal e casa da residência da freguesia de Ramela, concelho da Guarda, à junta da mesma freguesia, e bem assina sôbre a orientação do Govêrno acêrca da entrega dos bens religiosos dessa natureza aos párocos seus antigos possuidores. - António Teles de Vasconcelos.

ORDEM DO DIA

Eleição de comissões

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição das comissões de saúde e assistência pública, pescarias, administração e segurança pública e de correios e telégrafos.

Interrompe a sessão por 10 minutos para os Srs. Deputados formularem as suas listas.

Foi interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 46 minutos.

Às 17 horas e 55 minutos reabriu a sessão.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo e Gaspar de Abreu e Lima.

Corrido o escrutínio, verificou-se terem sido eleitas as seguintes comissões:

Comissão de administração e segurança pública:

[Ver valores da tabela na imagem]

Teixeira de Azevedo
Santos Moita
Martins Costa
Joaquim Isidro dos Reis
Eurico Carneiro
Joaquim Madureira
Serafim Morais Júnior
Luís Ferreira
Gaspar de Abreu

Comissão de saúde e assistência pública:

[Ver valores da tabela na imagem]

Afonso Maldonado
António Almeida Garrett
Egas Moniz
Figueiroa Rêgo
Francisco Rompana
Santos Moita
Mário Mesquita
Campos Monteiro
Luís Ferreira

Comissão de pescarias:

[Ver valores da tabela na imagem]

Silva Pais
Teixeira de Azevedo
António Bernardino Ferreira
Carlos Barbosa
Egas Alpoim
Martins Costa
Ruela Ramos
Couto Rosado
Soares de Medeiros
Tomás de Almeida Garrett

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[Ver valores da tabela na imagem]

Votos

Gomes Veloso
Amâncio de Alpoim
Miguel do Abreu
Cunha Mendes
Moreira de Almeida
João José Miranda
Pousão Pereira

Comissão de correios e telégrafos:

[Ver valores da tabela na imagem]

Votos

António de Almeida Garrett
Celorico Gil
Sousa Sobrinho
Santos Jorge
Tavares da Silva Júnior
Mendes de Magalhães
Henrique Lebre
Ponces de Carvalho
Eduardo de Almeida
Silva Sarmento
Coelho e Sousa
Xavier Basto
Gomes Veloso
Pinto Osório
Lemos de Mendonça
José de Azevedo
Luís de Castro (D.)
António Teles de Vasconcelos

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que o Sr. Arnaud Furtado foi eleito para a comissão administrativa do Congresso.

A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Eleição de comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O REDACTOR - Melo Barreto.

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