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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 10

EM 5 DE AGOSTO DE 1918

Presidência do Exmo. Sr. Eduardo Augusto de Almeida

Secretários os Exmos. Srs.

José Féria Dordio Teotónio
João Calado Rodrigues

Sumário. - Respondem à chamada 69 Srs. Deputados, É aberta a sessão e procede-se à leitura da acta, que é aprovada sem discussão. Faz-se a leitura do expediente, que tem o decido destino. O Govêrno está representado pelos Srs. Secretários de Estado do Interior (Tamagnini Barbosa), das Colónias (Vasconcelos e Sá) e da Agricultura (Fernandes de Oliveira).

Antes da ordem do dia - Os Srs. Pequito Rebelo e António Sardinha participam a constituição de comissões.

O Sr. Moreira de Almeida ocupa-se da falta de milho em várias regiões do país e lembra a necessidade de se proceder a um inquérito às despesas da administração passada, fazendo outras considerações a propósito de um discurso proferido pelo Sr. Celorico Gil numa sessão anterior. O Sr. Almeida Garrett diz que é preciso remodelar a legislação que regula as concessões de quedas de água. O Sr. Secretário de Estado do Comércio (Mendes do Amaral) concorda com essa remodelação, dizendo que está nomeada uma comissão encarregada de se pronunciar sôbre o assunto. O Sr. Dinis da Fonseca refere-se às dificuldades que o país atravessa e que tornam necessário, para a sua solução, o concurso de todos os portugueses. O Sr. Correia Monteiro refere-se a vários assuntos de interesse para a praia da Figueira da Foz e traia depois da filiação política do governador civil de Coimbra, que diz ser monárquico. O Sr. João de Castro participa a constituição da comissão de trabalho. O Sr. Secretário de Estado do Interior responde às palavras proferidas pelo Sr. Correia Monteiro, apreciando especialmente a situação política do governador civil de Coimbra. O Sr. Afonso Maldonado ocupa-se da lei da caça, sustentando a conveniência de lhe serem introduzidas alterações. O Sr. Egas Moniz, em negócio urgente, propõe que se nomeie a delegação portuguesa à Conferência Interparlamentar do Comércio. O Sr. Aires de Ornelas manifesta o seu assentimento a essa proposta. O Sr. João de Castro faz declarações sôbre a orientação do Partido Socialista. Responde o Sr. Secretário de Estado do Interior. O Sr. Cruz Amante refere-se às observações feitas pelo Sr. Correia Monteiro acêrca do governador civil de Coimbra. Levanta-se um incidente, sôbre o qual usam da palavra os Srs. Aires de Ornelas, Egas Moniz e António Cabral.

Ordem do dia. - Entra em discussão o projecto de lei do Sr. António Osório sôbre os mutilados da guerra. O Sr. Celorico Gil combate demoradamente o projecto, propondo que lhe seja aplicado o artigo 75.º do Regimento. O Sr. Secretário de Estado do Interior responde ao orador antecedente na parte em que êle se referiu ao modo de se aproveitarem os navios requisitados. O Sr. Celorico Gil usa ainda da palavra para explicações. Realiza-se a interpelação do Sr. Cunha Lial ao Sr. Secretário de Estado do Interior, generalizando-se o debate e prorrogando-se a sessão até a sua liquidação definitiva. Além do interpelante, usam da palavra os Srs. Secretario de Estado da Agricultura (Fernandes de Oliveira), Secretário de Estado do Interior, Nunes Mexia, Pequito Rebelo e Figueiroa Rêgo. O Sr. Presidente encerra a sessão e marca a seguinte para o dia imediato, às 14 horas, e sessão conjunta para as 16 horas.

Presentes à chamada 86 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Afonso José Maldonado.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Machado.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
António Caetano Celorico Gil.
António Duarte Silva.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Lino Neto.
António Maria de Sousa Sardinha.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António dos Santos Jorge.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
António Teles de Vasconcelos.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Augusto de Figueiroa.
Artur Mendes de Magalhães.
Camilo Castelo Branco.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos Henrique Lebre.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cort6s Pizarro de Sampaio o Melo.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco José Lemos do Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco Xavier Esteves.
Gaspar de Abreu e Lima.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João Henriques Pinheiro.
João José de Miranda.
João Monteiro de Castro.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Nunes Mexia.
José Adriano Pequito Rebelo.
José Augusto de Melo Vieira.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Féria Dordio Teotónio.
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José das Neves Lial.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Vicente de Freitas.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Miguel Crespo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Tomás de Aquino de Almeida Garrett.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.
Vítor Pacheco Mendes.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Aníbal de Andrade Soares.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Henrique Ventura Forbes Bessa.
João Baptista do Almeida Arez.
Joaquim Madureira.
Jorge Augusto Botelho Moniz.

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Não compareceram os Srs.:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Alberto Pinheiro Torres.
Alberto da Silva Pais.
António de Almeida Garrett.
António Bernardino Ferreira.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António dos Santos Cidrais.
António Tavares da Silva Júnior.
Domingos Garcia Pálido.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco Aires de Abreu.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco Maria Cristiano Solano de Almeida.
Francisco dos Santos Rompana.
Gabriel José dos Santos.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Lúcio Pousão Pereira.
João Ruela Ramos.
Joaquim Saldanha.
Jorge Couceiro da Costa.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José de Almeida Correia.
José Augusto Simas Machado.
José de Azevedo Castelo Branco.
José Carlos da Maia.
José Eugénio Teixeira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão.
José Nunes da Ponte.
José de Sucena.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Ferreira de Figueiredo.
Luís Filipe de Castro (D).
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel José Pinto Osório.
Manuel Rebelo Moniz.
Miguel de Abreu.
Rui de Andrade.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Ventura Malheiro Reimão.

Às 15 horas e 25 minutos foi aberta a sessão, estando presentes 79 Srs. Deputados.

Foi lida e aprovada a acta da sessão anterior.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Justificação de faltas

O Sr. Deputado Francisco dos Santos Rompana comunicou que, por motivo de doença, não pode comparecer à sessão de hoje.

Para a comissão de infracções e faltas.

Nos termos do artigo 166.° do Regimento venho comunicar que, por motivo de doença, não pude comparecer nas sessões desta Câmara nos dias 31 de Julho e 1, 2 e 3 de Agosto corrente. - Gaspar de Abreu.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Sr. Deputado Gabriel José dos Santos, justificando ter faltado às sessões por motivo de falecimento de pessoa de família.

Para a comissão de infracções e faltas.

O Sr. Presidente: - Vou inscrever os Srs. Deputados que pedirem a palavra para antes da ordem do dia.

Vários Srs. Deputados pedem a palavra.

O Sr. Pequito Rebelo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para comunicar a V. Exa. e à Câmara que se acha constituída a comissão de inquérito ao Corpo Expedicionário Português, tendo escolhido para presidente o Sr. João Vicente de Freitas e a mim, participante, para secretário.

O Sr. António Sardinha: - Sr. Presidente: pedi a palavra para comunicar a V. Exa. e à Câmara que se acha constituída a comissão de previdência social, tendo escolhido para presidente o Sr. Xavier Esteves e a mim, participante, para secretário.

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Secretário de Estado de Comércio para as considerações que desejo fazer à Câmara, mas como S. Exa. não se encontra presente, peço a qualquer dos Srs. Secretários de Estado a fineza de as transmitir a S. Exa.

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Sr. Presidente: vou tratar, em primeiro lugar, da questão das subsistências, pedindo que dentro do limite do possível o Govêrno tome rápidas medidas.

O assunto que vou tratar é grave e melindroso e refere-se à falta de milho que em alguns pontos do país se está notando, designadamente no concelho de Poiares, onde se estão dando agitações populares, agitações que têm sido reprimidas pelas autoridades. Tive informações de que a fome já alastra naquele concelho.

Tanto o presidente da Câmara Municipal de Poiares, como o administrador do concelho estão preocupados com um tal estado de cousas e creio que o Govêrno se tem visto em sérias dificuldades para fazer a divisão dêsse cereal pelos diferentes concelhos do país.

Espero, pois, que o Govêrno tomará na devida conta as considerações que estou fazendo, não pela pessoa que as pronuncia, mas pelos factos que estou narrando à Câmara.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra para solicitar de qualquer dos Srs. Secretários de Estado a fineza de transmitir ao Sr. Secretário de Estado de Comércio as minhas instâncias para que a conclusão da estrada que vai de Belver à Lousa se faça quanto antes.

Tenho informações de que S. Exa. está na intenção de dotar aquele lanço de estrada com a verba necessária para que a sua conclusão seja um facto.

Aproveito tambêm o ensejo para me referir às considerações feitas há dias nesta casa do Parlamento pelo Sr. Celorico Gil acêrca da sua. situação perante os Deputados monárquicos. Realmente, o Sr. Celorico Gil teve, nesta Câmara, e na situação difícil em que se encontrou nas passadas legislaturas, uma atitude de ré levo a que folgo de prestar homenagem Os factos aqui passados, nessa ocasião foram largamente apreciados pela imprensa e a impressão que tive foi a de que o Sr. Celorico Gil arrostava com uma maio ria brava, feroz e incoerente.

S. Exa., isoladamente, honrou nobre mente o seu pôsto e a sua situação, a que folgo, repito, de lhe prestar a homenagem da minha admiração, porque isso representa um acto de justiça.

Estou convencido, mesmo, que um dos maiores danos que se podia fazer à política democrática doutros tempos, era efectivar-se o apuramento rigoroso de todas as suas responsabilidades.

Sinto que êsse apuramento não se tenha eito. Entendo que o Govêrno teria feito bem, em vir ao Parlamento propor um inquérito parlamentar aos actos da administração transacta, designadamente, aqueles que respeitam às despesas da guerra. A Câmara sabe que se falou sempre muito, em autorizações ministeriais, simplesmente ministeriais, para despesas da guerra, que ascenderam a centenas de contos, talvez a milhares deles.

Essas autorizações eram autenticadas com um simples carimbo que, para êsse fim, existia no Ministério das Finanças. Assim se gastou a rodo e sem conta! Gastou-se em nome da guerra o que não se podia nem devia gastar. Nestas condições estou certo que a Câmara faria bem, até para a política do Govêrno, em tomar a iniciativa de se fazer um inquérito rigoroso, sem excessos, sem calúnias, mas tambêm sem lançar no esquecimento os actos ilegais praticados por essas pessoas que não podem ter a nossa comiseração.

Disse o ilustre Deputado, nobremente, visto que foi adversário audaz e aguerrido, dêsses homens que se sentaram nas cadeiras do poder, que hoje são vencidos e se impõem à generosidade do seu espírito.

Mas, Sr. Presidente, acima da generosidade do nosso espírito, está a justiça dos factos, mesmo para robustecer a situação actual. Era preciso fazer luz sôbre todos os actos da situação transacta e falta foi o não se ter logo, após o 5 de Dezembro, exercido um inquérito inexorável pelo qual se pudesse provar a descoberta de todos os actos irregulares que até então se tinham vindo praticando. Se isto se tivesse feito já hoje não se ouviria dizer que foram caluniosas as afirmações feitas em desabono da situação passada. Pelo menos isso não se fará com a nossa cumplicidade.

Quanto ao assunto de discussões no campo dos princípios, creio interpretar o sentir dêste lado da Câmara, dizendo que estamos dispostos a defrontar-nos quando êsse ataque se fizer.

Sr. Presidente: se não temos pôsto já aqui a questão política é porque entende-

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mós que há questões mais transcendentes a tratar e não queremos irritar os debates. Mas a seu tempo, Sr. Presidente, quando aqui vierem os documentos, já solicitados, relativos às sindicâncias feitas a monárquicos, havemos de pedir o conhecimento das sentenças e acórdãos dados pelos tribunais para se provar então até que ponto foram os erros dos monárquicos ou reabilitar os que foram vítimas da calúnia.

Todos nós sabemos que se fizeram as mais graves acusações contra os homens da monarquia. Alguns dêles, perseguidos, já desceram ao túmulo, e cito, de entre êles, os nomes de Ressano Garcia, um dos maiores espíritos e distinto ornamento desta Câmara, e de Dias Costa. Foram enxovalhados na sua. honra política e, todavia, morreram pobres, mas com um nome ilustre e honrado.

Nós havemos de reabilitá-los quando, aqui, em vez da costumada repetição de lugares comuns, se puder demonstrar iniludívelmente a inanidade das acusações lançadas. A seu tempo.

Os monárquicos, vindo às Câmaras, não poderão deixar passar em julgado o que se disse a respeito dos seus predecessores. Não! O que entendemos, conforme as instruções dadas pelo nosso ilustre leader, é não levantar, nesta ocasião, êsse debate, visto que a êle se opõem outras questões de ordem vital para o bem do país. Entendemos que hoje, acima de tudo, está a questão da ordem publica e a questão económica e, ligado com elas, já se vê, o problema da guerra.

Entendemos, portanto, que se deve fazer o apuramento de responsabilidades.

Desde que o ilustre Deputado Sr. Celorico Gil aludiu ao assunto, eu julguei do meu dever repor as cousas no seu devido pé.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Garrett: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para chamar a atenção do Sr. Secretário de Estado do Comércio para a necessidade urgente de remodelar as disposições que regulam a concessão de. quedas de água.

V. Exa. sabe que essas disposições não exigem uma segura condição de idoneidade às pessoas ou entidades que pedem

qualquer concessão, dando isto lugar a que a maior parte das pessoas que pedem concessões de quedas de água o façam simplesmente para se apossarem delas e se colocarem em circunstâncias excepcionalmente favoráveis.

Quando aparece alguém que quere levar por diante uma obra destas tem de desistir dos seus intuitos porque são grandes as exigências dos possuidores das concessões e deixa-se de levar por diante uma obra que é da maior importância e que constitui uma das maiores riquezas de Portugal.

Estou informado de que V. Exa. nomeou uma comissão para estudar êste assunto e eu peço-lhe que aproveite o interregno parlamentar para fazer com que êle seja rapidamente solucionado, a fim de que brevemente possamos ter uma lei que satisfaça ao fim em vista.

O orador não reviu.

O Sr. Mendes do Amaral (Secretário de Estado do Comércio): - Em nome do meu colega do Interior, transmito à Câmara que S. Exa. tomará na devida consideração o que aqui foi dito relativamente ao fornecimento de milho à povoação de Poiares.

O Sr. Moreira de Almeida instou pela conclusão da estrada que vai de Belver à Lousa.

Devo dizer ao ilustre Deputado que o Govêrno contraiu um empréstimo de 10:000.000$, que serão levantados em anuidades sucessivas de 1:000 contos, para reparação de estradas. Na primeira distribuição a fazer, eu comprometo-me a tratar da conclusão da referida estrada.

Com respeito ao assunto de que se ocupou o Sr. Almeida Garrett, tenho o prazer de declarar que noto, como S. Exa., as deficiências da lei actual que regula a concessão de quedas de água.

Essa lei, que data de 1911, está longe de satisfazer às necessidades actuais, tendo-se visto o Govêrno na necessidade de nomear uma comissão para a estudar cuidadosamente e apresentar as emendas necessárias.

Êsse estudo, porêm, não pode aqui ser levado a cabo com a brevidade que seria para desejar, embora vá muito adiantado.

No emtanto, afirmo a V. Exa. que me esforçarei por que a comissão nomeada

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ultime os seus trabalhos o mais depressa possível.

O Sr. Alberto Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: não tencionava usar da palavra no intróito desta sessão legislativa e, como não padeço de incontinência oratória, reservava-mo para o fazer no período outonal, quando as folhas caem o a estação refresca.

Ao ouvir a exposição que fez o meu colega Sr. António Osório, quando apresentou o seu projecto acêrca dos mutilados da guerra, formulei a tenção, em nome da minoria católica, de dar todo o meu apoio e aplauso àquela iniciativa, pois sôbre o assunto tinha tambêm um projecto. Sôbre êle falarei quando aqui se discutir.

Aproveitando a ocasião, quero fazer os cumprimentos de estilo a V. Exa. e à Câmara e definir a minha atitude nesta sala.

Todos os oradores que me têm precedido tem feito a V. Exa. as merecidas saudações, às quais com todo o entusiasmo me associo.

Ao falar pela primeira vez nesta Câmara, não posso deixar, como Deputado católico, de invocar com respeito o nome de Deus.

Agora devo saudar os meus eleitores de Arganil, cujos interesses especiais tenho o dever do defender, assim como os interesses gorais do meu país.

Dito isto, eu saúdo os dois lados da Câmara e faço as minhas saudações com tanto mais calor quanto é certo que dum e doutro lado conto amigos sinceros e liais.

Encontro-me aqui sem ser político, porque nunca o fui e não o quero ser.

Digo que a culpa é dêles, mas eu não os censuro, lamento-os. Há partidos demais. Tenho dito várias vezes que para se poder fazer uma verdadeira administração dum país seria necessário que nele houvesse fortemente enraizados dois partidos com ideas diferentes, com processos diferentes, um representando a corrente conservadora e outro representando a corrente avançada.

Ora, nos últimos cinquenta anos, não se têm formado êsses partidos. Tem-se feito agrupamentos em volta de homens e êsBes agrupamentos fazem-se e desfazem-se com êsses homens. Sob o manto diáfano da unanimidade de vistas, descobre-se a nudez forte das ambições e rivalidades pessoais. (Apoiados). Digo mais: os partidos políticos tendem a desaparecer, para dar lugar às organizações económicas, aos agrupamentos sob duas correntes: a católica e a socialista, trabalhando ambas no mesmo terreno, com processos diferentes: uma querendo mudar o céu para a terra e outra querendo levar a terra para o céu.

Em nome do programa católico, eu saúdo o representante do Partido Socialista, a outra corrente, e na pessoa de S. Exa. eu saúdo todas as classes trabalhadoras. Podem elas estar certas de que, nas suas justas reivindicações, a minoria católica estará sempre a seu lado.

Não vamos tratar de assuntos religiosos. Fizemos, ante o sufrágio, consignar o mínimo indispensável do nosso programa, que foi publicado em quási todos os jornais, deixando de o ser em alguns por falta de espaço, o que representa, não aquilo que nós desejamos, mas aquilo que reclamamos nesta hora e que ninguêm de boa fé pode recusar.

Disse há dias nesta Câmara o Sr. António Osório, ao apresentar o projecto de lei sobro mutilados, que todos aqui são portugueses amantes da sua pátria. Pois, para satisfazer aquelas reclamações, basta ser português e, nesta conformidade, estou certo que elas seriam aprovadas nesta Câmara por unanimidade.

Desejo de preferencia que esta Câmara dedique um especial interesse às questões económicas.

Já outro dia um nosso ilustre colega disse que .o problema das subsistências se sobrepõe a todos. E para êste problema que devemos olhar e depois para a organização das forças agrícolas, profissionais e comerciais. E para o desenvolvimento do fomento agrícola e industrial, para a preparação das questões económicas que devemos chamar a atenção da Câmara.

A maneira como o projecto do Sr. António Osório foi admitido por todos os lados, demonstra que será fácil, mesmo sob um regime que nem todos perfilham, reservando a sua independência de opinião pessoal, trabalhar em proveito do que considero uma grave crise.

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Que seria do médico que, chamado a examinar um doente, se entretivesse a discutir a eficácia ou superioridade de qualquer vítima terapêutica, em quanto o doente agonizasse?

Pois o país está doente, gravemente doente.

Sofre de anemia intelectual, económica e moral. Sofre de febre elevada de lucros por virtude da guerra, e sofre de um delírio de anarquia e revolta por parte daqueles que são explorados.

Deve-se, pois, evitar êste estado, seja como for, mesmo por um Ministério Nacional se possível, mas que se salve o doente é que é necessário.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Correia Monteiro: - Sr. Presidente: pela primeira vez que falo nesta Câmara, permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que o felicito e que felicite a Câmara por ter à sua frente um homem de tam alto prestígio.

É-me muito grato falar, pela primeira vez que o faço nesta casa, em nome da região que me elegeu.

Várias são as questões que desejo tratar.

A primeira refere-se ao assunto das subsistências.

Já não quero falar na falta de géneros com que se luta na Figueira da Foz, mas referir-me apenas aos celeiros municipais, porque, tendo a Câmara Municipal da Figueira da Foz desejos de cumprir o decreto n.° 4:638, que estabelece êsses celeiros, não o pode fazer pelas dificuldades que lhe urgem, devidas à forma como é composta a direcção dos ditos celeiros.

O artigo 5.° do respectivo decreto estabelece as pessoas que constituem essa direcção, dizendo o seguinte:

Leu.

O tesoureiro de finanças não pode de modo nenhum dar a sua actividade a êsse cargo, porque vai para a repartição às dez horas e sai às dezassete e assim não pode senão dedicar-se aos trabalhos do seu cargo oficial.

Refere-se tambêm o decreto aos presidentes das câmaras municipais que poderiam talvez dedicar mais tempo ao assunto, mas a maior parte das vezes o presidente da câmara é um médico, um advogado, um comerciante, e não pode, sem prejuízo dos seus interesses particulares, por maior boa vontade que tenha, dedicar os seus esforços e atenção aos assuntos que se prendem com a direcção dêsses celeiros.

O próprio decreto reconhece no seu artigo 26.° que essa direcção é insuficiente, porque diz o seguinte:

Leu.

E, pois, indispensável que o Sr. Secretário de Estado do Interior nomeie, com a maior urgência, êsse delegado do Govêrno naquela localidade, como em outras localidades, e que dê, sendo possível, mais largas e completas atribuições a êsse delegado, do que as que são estabelecidas por êsse decreto.

E necessário tambêm que êsses delegados sejam competentes para tratar dos respectivos assuntos.

Um outro assunto que desejo tratar, interessa tambêm à Figueira da Foz e refere-se aos géneros alimentícios.

Não é permitido que qualquer indivíduo transporte pelo caminho de ferro géneros de primeira necessidade sem uma guia de trânsito.

Seria impossível, neste momento em que tanta gente vai para a Figueira e outros pontos, requisitar guias de trânsito para 20 ou 30 quilogramas de batatas Ou outros géneros, e apropria instância competente ver-se-ia em dificuldades para passar tais guias.

Estas dificuldades não se dariam só em relação à Figueira, mas a todos os pontos do país, pois que, como V. Exa., Sr. Presidente, sabe, nesta época todas as praias são frequentadíssimas e de modo nenhum se pode impedir que os banhistas levem os géneros alimentícios de que necessitam.

Isso ainda tem outras vantagens, que são contribuir para que as câmaras municipais sejam um tanto dispensadas de garantir o fornecimento de géneros alimentícios a essas colónias balneares.

Sr. Presidente: eu desejava agora que Sr. Secretário do Estado do Trabalho pudesse ouvir as considerações que vou fazer.

A Figueira pode considerar-se não só como praia, mas como pôrto importantíssimo.

V. Exas. sabem que a guerra económica que se há-de seguir à guerra que actual.

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mente se debate nos campos de França, será muito mais importante do que esta.

E preciso que nos preparemos para ela, e a única maneira que temos, é dar à província todo o desenvolvimento, é ligarmos-lhe todo o interesse que ela merece.

O pôrto da Figueira, está abandonado. Não sei se V. Exas. viram alguma vez êsse desgraçado porto.

Creio que parece largo, vê-se quando a maré baixa que não passa de um estreito canal.

As areias vão se juntando de modo que a foz não passa dum canal estreitíssimo, impróprio para a navegação.

Fez-se já um projecto, mas êsse projecto dorme não sei em que Secretaria de Estado, não sei em que repartição; nunca apareceu à luz, nunca houve tenção de o pôr em execução.

Pedia a V. Exa. para transmitir as minhas considerações ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho a fim de S. Exa. pôr a concurso êsse projecto.

Se o Sr. Secretário de Estado do Trabalho, estivesse presente, pedir-lhe-ia p ara lançar as suas vistas para a ponte que passa sôbre o Mondego, que há três longos meses está intransitável, e que só peões se arriscam a lá passar.

Isto é não só um triste espectáculo para os banhistas, mas um prejuízo para a Figueira e para toda aquela região tam rica em produtos de primeira necessidade.

Pedia tambêm a V. Exa. para transmitir estas minhas considerações ao Sr. Secretário de Estado do Trabalho.

Outro assunto que tenho de abordar, contrariado, mas não posso deixar de o fazer, é o que se diz respeito ao governador civil de Coimbra.

Depois da Revolução de 5 de Dezembro, até hoje está à frente dêsse distrito um governador civil monárquico.

E uma questão de moralidade, e eu não entendo que num regime republicano esteja à frente dum distrito um governador civil monárquico.

Êste governador civil, na ocasião das eleições, foi deslial para com o Govêrno, (não apoiados da maioria) e desde então até hoje tem continuado a ser deslial (não apoiados da maioria).

Eu posso, dizer a V. Exa. tudo quanto se tem passado em Coimbra, e os Deputados da direita, serão os primeiros a darem-me razão, porque a minoria monárquica, sendo composta de homens honestos e honrados, não pode de forma alguma aprovar o procedimento do governador civil de Coimbra. (Apoiados da esquerda). (Protestos da direita).

O Orador: - Sr. Presidente: há quinze dias que pedi a palavra para tratar dêste assunto e eu teria deixado de o tratar aqui, pelo facto do Sr. Solano do Almeida não estar presente, se um telegrama que me foi enviado me não obrigasse a fazê-lo.

Eu podia ainda atacar o Sr. Solano de Almeida, pela administração que tem dado aos negócios do governo civil; mas não o quero fazer, porque S. Exa. está ausente e não poderia defender-se.

Sr. Presidente: eu julgo que o Sr. Secretário de Estado do Interior, pelos muitos negócios que tem a seu cargo, não pôde dedicar ainda a esto assunto toda a sua atenção; mas tenho a certeza de que desde êste momento em que lhe exponho lialmente a forma como os factos se têm passado, S. Exa., o Sr. Secretário de Estado do Interior, não consentirá mais que o Sr. Solano de Almeida continue à frente do governo civil de Coimbra. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. João de Castro: - Pedi a palavra para comunicar à Câmara que já está constituída a comissão do trabalho, que elegeu para presidente o Sr. José Nunes da Ponte e para secretário a minha pessoa.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado do Interior): - Responde às considerações formuladas pelo orador antecedente, expondo a situação em que nos encontramos, sob o ponto de vista da alimentação pública, e dando várias explicações quanto à nomeação e permanência do Sr. Solano de Almeida no cargo de governador civil de Coimbra.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. José Afonso Maldonado: - Usando da palavra pela primeira vez nesta Câmara, devo apresentar a V. Exa. as

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minhas saudações e estas não significam apenas o cumprimento duma antiga praxe mas tambêm a minha homenagem pelas altas qualidades de V. Exa.; saúdo tambêm os meus ilustres colegas desta Câmara.

Vou explicar o meu pedido de palavra. Trata-se da lei da caça.

A lei que regula o exercício da caça do vê ser derrogada, pois foi feita mais para servir os interesses dos clubes de caçadores do que os interesses do país.

No norte do país há pequenos tratos de terrenos que não vale a pena cultivar porque a caça se encarrega de destruir as sementeiras.

Não conheço as condições especiais do sul, mas quando mostrei e seu projecto de lei a um dos representantes do sul, êle mostrou desde logo desejo de o assinar, o que prova que êle tambêm serve os interesses daquela região.

A actual lei é atentatória do direito de propriedade, pois não se compreende que o proprietário não tenha o direito de defender as suas propriedades dos animais nocivos, usando armadilhas, empregando, para os matar, dos meios que tenha à mão, e o caçador que possui os meios necessários para comprar todos os apetrechos de caça, tenha êsse mesmo direito.

A lei é tambêm contraditória do Código Civil. Tenho ouvido dizer a muitos juristas que o nosso Código Civil classifica o coelho e a lebre, como animais daninhos. Portanto, em vista desta doutrina, é natural que o proprietário e o rendeiro tenham o direito de os matar. Pois a lei da caça proíbe-o. Ainda mais. A lei é anti-económica. A lei, restringindo a área de cultura, não permite que as terras dêem o máximo do seu rendimento.

Reservo-me para, quando da discussão do meu projecto de lei, defendê-lo. Entretanto direi que acho absurdo que se proteja de preferência o sport, em detrimento da propriedade que é origem de todas as fontes de riqueza do país. Para fazer salientar êsse absurdo, bastará considerar que a lei a executar, é a mesma em todo o país. Não é necessário ter conhecimentos especiais, para saber que o nosso país, embora pequeno, tem zonas de culturas bem distintas. Assim, quando o inverno principia no norte já no sul temos a primavera e mal se compreende que a caça, que quando principia a aparecer no norte já no sul se encontra em pleno estado adulto, esteja sujeita às mesmas demarcações de períodos do defesa e abertura.

Tenho dito.

O Sr. Egas Moniz: - Refere-se ao incidente levantado pelo Sr. Correia Monteiro, quanto ao Sr. governador civil de Coimbra, e manda para a Mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a comissão que tem de representar o país na Conferência Parlamentar Internacional de Comércio dos Aliados, para que foram convidados em 1916, seja constituída por quatro Deputados, quatro Senadores e dois agregados técnicos extra-parlamentares.

Mais proponho que essa comissão seja escolhida pelos Srs. Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, os Secretários de Estado do Comércio e dos Estrangeiros e de acôrdo com as diversas correntes de opinião das duas casas do Parlamento. - Egas Moniz.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Aires de Ornelas: - Pedi a palavra para, em primeiro lugar, agradecer ao ilustre leader da maioria, a maneira como redigiu a proposta que acaba de enviar para a Mesa, garantindo a representação, às diversas correntes de opinião, que existem nesta casa do Parlamento; (Apoiados) e, em segundo lugar, declarar que a minoria monárquica dá pleno assentimento à eleição da comissão, entregue, e muito bem, nas mãos da Presidência desta casa.

Tenho dito.

O Sr. João de Castro: - Pedi a palavra para definir a minha situação parlamentar, apresentando à Câmara uma declaração que deve interessá-la sobremaneira, visto nela se conter a maneira de ver duma- das mais poderosas correntes da opinião nacional.

Antes, porêm, permito-me saudar todos os partidos que têm representação nesta casa do Parlamento, afirmando-lhes com a intransigência dos meus princí-

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pios, a máxima Maldade na minha conduta parlamentar.

O Regimento concede-me pouco tempo para falar, por isso passo, desde já, a ler essa declaração, reservando para depois da sua leitura fazer-lhe os comentários que julgar oportunos.

É a seguinte:

A minoria socialista, considera como fundamentais e, interessante, na hora presente, aos trabalhadores e aos indígenas, os seguintes problemas: O problema da guerra; as reformas de carácter económico e social; a questão constitucional ou da reorganização jurídico-política da nacionalidade, compreende as colónias; e, finalmente, o problema religioso.

Relativamente à questão da guerra a minoria socialista, fiel à teoria da internacional, exprime a sua convicção, de que o interesse da causa humana dependerá muito da vitória das concepções sociais e políticas que constituem os fins pelos quais lutam as nações aliadas.

2.° Quanto a reformas de carácter económico e social a minoria socialista declara apoiar as reclamações fundamentalmente socialistas formuladas pela União Operária Nacional, logo após a revolução de 5 de Dezembro.

Mas, a par dessas legítimas aspirações das organizações sindicais advogará a reforma das associações de classe no sentido da máxima liberdade; pois a instituição dum código em que o dia normal, o contrato, as bolsas de trabalho e os tribunais de conciliação e de judicatura sejam devidamente regulados.

Como complemento dessas leis a das cooperativas e das associações mutualistas, compreendendo as de seguro social são pontos fundamentais que requerem remodelação imediata e prendem particularmente a atenção da minoria socialista.

O problema da assistência não pode restringir-se à insuficiência de ocorrer à miséria pelo asilamento ou pelo subsídio, e menos arvora-se em "caridade graciosa". Deve ser o uso social das reservas económicas pela solução dos seguros preventivos dos factores da economia e das pensões de vida, previdente dos menores e dos enfermos.

A minoria socialista tem igualmente como necessário e urgente que se organizem as Cooperativas de Trabalho, compreendendo as "Bancárias" e, com estas associalização ao trabalho.

No que respeita especialmente ao problema das subsistências exercitará a sua acção, propugnando pela efectivação das resoluções tomadas sôbre o assunto, pelo último Congresso Nacional Socialista de Coimbra.

3.° Tem a minoria socialista como princípio constitucional incontroverso duma democracia que o poder reside integralmente na colectividade donde deriva a soberania, base e fundamento de toda a autoridade legítima.

Por isso a forma política do regime social deve ser a duma república federal parlamentar.

Afirma, portanto, peremptoriamente que a acção imediata do Partido Socialista será de incidência irredutível sôbre os seguintes objectivos constitucionais : a federação dá metrópole e colónias, sob o sistema parlamentar, em regime republicano; a federação e autonomia dos municípios, na sua administração concelhia; e municipalização progressiva da produção.

Nestas condições a chamada questão colonial que os. conservadores apresentam sob o aspecto dum problema intrincado ficará resolvida pela integração das colónias na vida nacional.

4.° Pela liberdade de consciência e do livre pensamento não pode o Estado priviligiar qualquer profissão religiosa e, muito menos, opor uma a outras.

A separação da igreja do Estado é um princípio lógico, humanista e da paz para as consciências, porque é o reconhecimento da personalidade humana no seu justo anseio de emancipação psicológica.

Desta sorte não pode o Estado instituir uma igreja oficial nem oficiosa e cumpre-lhe apenas regular a separação completa das instituições temporais de actos que dêem à sociedade civil a subordinação do pensamento livre ao domínio de qualquer fórmula filosófica, caracterizada pelo espírito religioso que escraviza o indivíduo, antes da razão formada.

Tal é o programa da moção parlamentar que a minoria socialista a si se impõe.

Conta ela que todas as facções da Câmara contribuam para lhe facilitar o seu trabalho, convencidas como devem estar de que, no actual momento da história,

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em face da transformação que a guerra acelerou, dos princípios que tem até aqui regido a organização e a vida dos povos, é transigindo inteligentemente em todos os campos que o capitalismo pode minorar as colisões irredutíveis e dolorosas que o proletariado é o primeiro a não desejar.

O Sr. João Henriques Pinheiro: - Invoco o artigo 68.° do Regimento.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Está lendo um programa. Não é um discurso.

O Sr. Presidente: - Está V. Exa. com a palavra.

O Orador: - Vou continuar.

Continua lendo.

Sr. Presidente: por esta declaração, que acabei de ler, vê-se que um grande espírito conciliador anima o partido socialista, os trabalhadores portugueses e os indígenas.

São mínimas as reclamações nela contidas. Tive o prazer de as ler nesta assemblea depois de ter ouvido as declarações feitas aqui, nesta sala, pelo Sr. Secretário de Estado do Interior e tambêm pelo Sr. Secretário de Estado do Comércio, relativamente a medidas que julgam absolutamente necessárias para reprimir o proletariado e evitar os seus movimentos de justo protesto contra a sua precária e aflitiva condição. Essas palavras são justamente consideradas pelo prolectariado como uma declaração de guerra. Não obstante isso...

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado do Interior): - V. Exa. não estava com atenção.

O Orador: - Não está o Govêrno na intenção de abolir o direito à greve?

O Sr. Presidente: - Já passaram os dez minutos.

O Orador: - Peço que me reserve a palavra.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado do Interior): - Responde ao orador antecedente, salientando as disposições legais existentes sôbre o exercício do direito da greve.

O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem documentos para mandar para a Mesa podem fazê-lo.

O Sr. Cruz Amante: - Eu tinha pedido a palavra a V. Exa.

Vozes da esquerda: - Ordem do dia, ordem do dia.

O Sr. Cruz Amante: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte, a Câmara sôbre se permite quê use da palavra, pois prometo tomar pouco tempo à Câmara.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se permite que o Sr. Deputado Cruz Amante use da palavra.

Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Amante.

O Sr. Cruz Amante: - Protesta contra o ataque feito ao Sr. governador civil dê Coimbra pelo Sr. Correia Monteiro, classificando o procedimento deste Sr. Deputado como menos digno.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

Levantam-se protestos ruidosos nas bancadas da esquerda, reclamando alguns Srs. Deputados que o Sr. Cruz Amante retire as suas expressões.

Nas bancadas da direita outros Sra. Deputados respondem que o Sr. Correia Monteiro usou primeiramente de. expressões ofensivas, classificando de deslial a atitude do Sr. governador civil de Coimbra.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Cruz Amante a retirar a expressão ofensiva que usou no seu discurso.

Muitos apartes.

O Sr. Cruz Amante: - Não houve da minha parte intenção de ofensa pessoal.

Muitos apartes.

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O Sr. Presidente: - O que eu pregunto é se houve intuito de ofensa.

O Sr. Cruz Amante: - Se o Sr. Correia Monteiro na sua frase "menos liai" não tevê intenção de ofender o Sr. Solano de Almeida...

O Sr. Presidente: - Primeiro tratamos do caso de V. Exa.; depois trataremos do Sr. Correia Monteiro.

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Eu pregunto ao Sr. Debutado Cruz Amante se teve intenção do ofender, mas incondicionalmente!

O Sr. Cruz Amante: - Mas houve da parte do Sr. Correia Monteiro intuito de ofender o Sr. Solano de Almeida? Faça V. Exa. a pregunta àquele Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Eu faço-a, mas V. Exa. faça favor de me responder primeiro!

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre qual dos Srs. Deputados há-de responder primeiro. (Apoiados).

Os Srs. Deputados que entenderem que o Sr. Cruz Amante deve responder em primeiro lugar têm a bondade de se levantar.

Grande sussurro.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara por outra forma.

Uma voz: - Quem invocou o Regimento foi a maioria! Grande sussurro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aires de Ornelas.

O Sr. Aires de Ornelas: - Eu pedia a palavra, Sr. Presidente, para ver se solucionava um incidente que está ameaçando transformar-se numa tempestade.

Por que foi que dêste lado da Câmara se levantou êste ruído? A razão é simples: V. Exa. tem a sua autoridade e se a uma pregunta sua mandar responder um membro desta casa, êle responderá; porêm, V. Exa. submeteu o assunto à maioria e, perante a imposição do número, não cedemos! (Apoiados).

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? Eu já tinha convidado o Sr. Deputado Cruz Amante a responder-me.

O Orador: - O Sr. Cruz Amante deu as explicações que tinha a dar, dizendo que não houve, nem podia haver, intenção pessoal, e tornava-o patente desde que houvesse declaração análoga do outro lado da Câmara. Foi desta forma que aqui se colocou a questão e foi para-o frisar que pedi a palavra.

Não há - repito - dêste lado da Câmara o intuito de melindrar ninguêm, desde que daquele lado o não haja tambêm.

Julgou-se que o Sr. Deputado por Coimbra se tinha referido ao Sr. Solano de Almeida em termos que envolviam um ataque pessoal. Nestas circunstâncias, o Sr. Cruz Amante respondeu que achava menos digna essa atitude.

Desde o momento em que essa deslialdade não envolve qualquer questão pessoal para com o Sr. Solano de Almeida, mas apenas a apreciação duma atitude política, parece-me que não haverá motivo para que êste incidente se prolongue. Cumpre-me, no entanto, frisar que quando o Sr. Solano de Almeida veio, à frente do seu esquadrão, auxiliar o movimento de 5 de Dezembro, ninguêm lhe preguntou se era monárquico. Quando o Sr. Presidente da República esteve em Coimbra o Sr. Solano de Almeida foi, num jantar, tratado com as maiores atenções pelo Chefe de Estado.

Sr. Presidente: para não alongar demasiadamente esta questão e para explicar a minha intervenção no incidente, eu insisto neste ponto: desde o momento que da esquerda da Câmara não houve intenção alguma de melindrar pessoalmente o Sr. Solano de Almeida, dêste lado tambêm não podia haver o intuito de ofender o Sr. Correia Monteiro.

O Sr. Egas Moniz: - Entende que, depois das considerações feitas pelo Sr. Ai-

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res de Ornelas, se deve dar o incidente por solucionado.

O discurso será publicado, na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. António Cabral: - Aprecia ainda o incidente, frisando que o Sr. Solano de Almeida já tinha pedido há bastante tempo a sua demissão do cargo de governador civil de Coimbra.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Está em discussão o projecto de lei do Sr. António Osório sôbre mutilados de guerra.

O Sr. Celorico Gil: - Sr. Presidente: principio por agradecer as palavras que me dirigiu o brilhante parlamentar e distinto jornalista Sr. Moreira de Almeida.

Tenho, porêm, a dizer a S. Exa. o seguinte: não estranho, nem podia estranhar, que S. Exa. ataque dentro desta casa os democráticos ou o chefe dos democráticos. Não o estranho, nem o podia estranhar - repito-o - mas eu sigo por caminho diferente: não o faço. Encontro-me nesta situação por temperamento e, por temperamento, pode S. Exa. ter modo de ver contrário ao meu em questões políticas.

Sr. Presidente: visto que ainda estou no uso da palavra, permita-me V. Exa. que, com a sinceridade que me caracteriza, eu diga que êste nosso país é o país dos contrastes, das cousas mais impossíveis que se podem imaginar.

Antigamente quem defendia as autoridades eram os Ministros e as respectivas maiorias. Agora dá-se êste caso único de serem exactamente as minorias que defendem as autoridades administrativas e as maiorias que gritam pela boca do seu leader, como sucedeu há pouco, que é necessário pôr êsse homem fora do cargo de governador civil. E eu pregunto se um homem que se encontra como eu, na situação perigosa de ter contribuído como ninguêm para êste estado de cousas, se não deve sentir-se horrorizado perante casos como êste a que acabamos de assistir.

Por êste andar, por êste caminhar, por esta senda perigosíssima, nós estamos mais depressa do que V. Exas. julgam, à beira dum grande, dum fenomenal abismo.

Eu, dentro desta casa e lá fora, quando se trata de cousas do meu país, tenho de ser sincero, chegando muitas vezes, perante amigos meus, a passar por um homem cruel, por uma pessoa cruel.

Esto projecto que se discute representa certamente, da parte do seu apresentante, um excesso de bondade. Mas não devemos praticar actos de bondade desde que êles sejam contraproducentes, porque êles podem conduzir-nos à perda da nacionalidade.

A porta dum Ministro chega um indivíduo e diz que tem fome, que precisa ser colocado, e o Ministro logo lhe diz que vai arranjar um projecto de lei especial para salvar êsse indivíduo.

Se eu quisesse fazer largas considerações desta natureza, faria, e tinha de chegar à conclusão que, tanto nos tempos da monarquia como hoje, na República, uma das maiores desgraças que nos há-de levar ao abismo é exactamente o excesso de bondade para com os outros, mas tambêm com o dinheiro dos outros.

Mas, Sr. Presidente, esta bondade, êste excesso de bondade que se manifesta no temperamento do português - que é, sem dúvida nenhuma, para mim, o homem mais inteligente, o mais audaz, o habitante da terra que tem melhores qualidades - é para nós muito prejudicial e, assim, assistimos a êste espectáculo de ter visto, no tempo da monarquia, passar pelas cadeiras do Poder verdadeiras notabilidades, que não só em Portugal poderiam ser estadistas gigantes, mas em outros países, e que na sua administração foram prejudiciais ao nosso país.

Eu já disse aqui nesta sala, no tempo da democracia, quando durante cinco ou seis dias ataquei o empréstimo para Moçambique, que não se devia apresentar nesta Câmara um projecto da forma como aquele era apresentado.

O que desgraçou Portugal no tempo da monarquia foi a falta de energia dos homens públicos que, cheios de bondade e coração, não resistiam aos pedidos que

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lhes faziam e assim iam prejudicando o país.

Portanto, Sr. Presidente, eu posso dizer que êste projecto representa uma soma de bondade de vários ilustres representantes da minoria monárquica, mas é necessário distinguir do que êle foi e êle era, como apareceu nos jornais e como apareceu aqui nesta Câmara.

O primeiro era uma cousa fenomenal, uma cousa única que me assombrou quando o li.

Se um grupo de homens sérios, honestos e bem intencionados não encarar a questão económica como o problema vital para o país, caminharemos para uma bancarrota a passos gigantescos, como ontem disse a um Deputado da maioria.

Eu tenho o direito de pedir que êste projecto seja publicado, porque êle é duma gravidade extraordinária, e eu não posso examiná-lo dum momento para o outro.

Nestas condições, tenho de comparar o projecto antigo com o moderno.

Disse V. Exa. que representava as classes conservadoras.

Pois, muito bem, as classes conservadoras tem, sem dúvida, de pagar depois da guerra as despesas extraordinárias acarretadas por êste estado de cousas.

Mas, Sr. Presidente, eu não quero nunca deixar de responder a alguém que se me dirige nesta casa, e com medo que me esqueça a advertência que me fez o meu grande amigo Melo Vieira.

Vou entrar imediatamente no assunto para, que êle chamou a minha atenção.

Eu tenho cantado, quanto tenho podido, as virtudes e as qualidades dos nossos soldados.

Daqui, Sr. Presidente, me dispedi dêles com lágrimas na voz, ao partirem a arriscar a vida em terras de França.

Daqui ataquei dezenas de vezes o Sr. Norton de Matos, principalmente pelo facto de entrarmos na guerra pela forma por que entrámos.

Daqui, eu disse um dia, que confiava absolutamente nas tropas portuguesas de terra e mar, porque elas pertenciam a uma raça de heróis. E, para o demonstrar, eu recordo-me de que peguei nos lusitanos, aproximei-os do Aníbal e, com êle, fi-los atravessar os Alpes e os Pireneus.

Fiz depois com que levantassem voo e fossem cair sôbre Ganes, mostrando ao mundo inteira a valentia de que eram dotados.

Mas não fiquei por aqui. Aproximei-me depois duma época muito mais próxima; foi de quando, há um século, os soldados portugueses, os galuchos mal alimentados e mal armados, às ordens de Wellington, na Serra do Buçaco, souberam aguentar o embate das tropas francesas.

Daqui, Sr. Presidente, eu demonstrei, evidentemente, com dados históricos, que Portugal, que, os portugueses, em França, como na África, como em toda a parte, haviam de demonstrar, mais uma vez, a sua extraordinária bravura e as suas qualidades de soldados heróicos e trabalhadores.

Portanto, já V. Exa. vê que pelo lado do patriotismo ninguêm me pode dar lições. Sói bem o que devemos ao valor, valentia e brio dos nossos militares.

O Sr. Melo Vieira (interrompendo): - Não pretendo dar lições de patriotismo a V. Exa. que o tem no mais elevado grau. E é exactamente para êsse patriotismo que apelo, a fim de V. Exa. melhorar êste projecto, que é o pagamento duma dívida reconhecida por toda a Câmara. Peço. a V. Exa. que resuma o mais possível as suas considerações, apresentando concretamente as suas dúvidas, a fim de se poder melhorar o projecto. Mais nada.

Poucas palavras e muitos actos.

O Orador: - Aqui, na Câmara, não podemos ser militares. Aqui temos de ser apenas legisladores. Não podemos ser militares dentro desta casa. Só legisladores, e é o que estamos sendo agora. E, por isso, direi ao Sr. Melo Vieira o seguinte:

Tenho tanto empenho, como a maioria, eu ainda mais do que alguns dos que se encontram nesta casa, em que se atenda e melhore a situação dos nossos soldados; mas o que não posso é deixar passar um projecto de lei que representa para o Estado um gravíssimo prejuízo. A isto é que jamais cederei.

Tanto no primitivo projecto, como naquele que se discute, vejo que se pensa em dar passe aos militares que estão em campanha. Não digo que se faça, mas pensa-se em fazê-lo, ou admite-se a hipótese de se efectuar um contrato com as linhas do Estado. E eu pregunto: se não deve-

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mós ter todas as cautelas, se não devemos meditar profundamente, ao analisar um assunto desta gravidade que nos pode amanhã trazer complicações graves, se se realizar êsse contrato ou contratos?

Ao Sr. Melo Vieira, que há pouco me interrompeu, devo dizer o seguinte:

Entre muitos projectos de lei que na sessão passada apareceram nesta Câmara, veio um com o fim de promover determinados sargentos que se encontravam em dadas condições políticas. Em certa altura da discussão aproximou-se de mim um Deputado, coronel do exército, o disse-me: "Venho pedir-lhe a fineza de não combater êste projecto de lei. Garanto-lhe, sob minha palavra de honra, que são apenas uns trinta os sargentos contemplados com êste projecto de lei". Dada a sua palavra de honra, cedi e não me opus ao projecto de lei.

Sabe a Câmara qual foi o resultado?

Quando o Sr. Afonso Costa deixou o poder, tinham sido promovidos oitenta sargentos, e havia mais pedidos para outros que se achavam em idênticas condições.

Ora eu pregunto: não estarão outras classes nas mesmas condições dos mutilados?

Os homens que andam nos barcos de guerra, fiscalizando a entrada do nosso pôrto, não terão o mesmo direito?

Os que andam nos galeões não terão direito tambêm a ser compreendidos nas disposições dêste projecto?

Nós vamos aplicar as disposições dêste projecto a pessoas que merecem toda a consideração dos que amam a sua Pátria, mas precisamos de ver bem as condições em que o vamos fazer.

Um militar tem apenas um dever a cumprir: marchar. Os portugueses batem-se contra os alemães, como se bateriam contra quaisquer outros. Receberam ordens do Govêrno, marcharam e bateram-se. Êsse é o seu dever.

Esto projecto, portanto, pertence ao número daqueles que têm do ser estudados cautelosamente e que não pode vir à Câmara sem que se tenham seguido todas as fórmulas do Regimento.

Ninguém, podem estar certos, dentro desta Câmara, tem mais pena do que eu em não lhe dar o voto aprovativo, mas assim é que não pode ser. Temos, como disse, de o estudar com toda a cautela, porque se trata dum aumento importante de despesa, da aplicação de dinheiros públicos, que temas o dever de zelar.

Não dou o meu voto porque, acima de tudo, custe o que custar, ponho os sagrados interesses do meu país.

Continuo sendo aquela criatura que sabe pôr do lado os seus interesses pessoais para só reparar no bem geral da Pátria.

Sr. Presidente: ainda hoje ouvi aqui, da boca do Sr. Secretário de Estado do Interior, a declaração de que entende que é necessário alienar os poucos navios ex-alemães que nos ficaram. Quer dizer, em Portugal não há, infelizmente, seriedade, inteligência, nem patriotismo suficientes para administrar os navios ex-alemães. E, Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado, fazendo semelhante declaração, justifica inteiramente a operação ruinosa do Sr. Afonso Augusto da Costa quando cedeu os navios à casa Furness.

Ali, naquelas cadeiras, quando estejam mais altas, é possível que me sente e hei-de sentar-me nelas, quando esta desgraçada Pátria já estiver quási perdida, mas ainda, nesse momento derradeiro, em que eu tenha, com os desgraçados da minha fôrça, de tomar conta do poder, demonstrarei, a quem de cima puder mandar, que em Portugal há magnífica matéria prima para tudo, o que apenas falta ou tem faltado é quem saiba escolher cautelosamente.

Eu que tenho assistido, nestes últimos seis anos, aos mais extraordinários atentados, nunca supus que pudesse agora, nesta situação, para a qual contribuí, tambêm, com o meu esforço, ver o Estado entregar a particulares êsses poucos navios que nos restam.

Ah! Sr. Presidente! Pode fazer-se isso, mas cautela, não tenha eu amanhã de ser o juiz ou jurado no julgamento de crimes desta natureza, porque não haverá amigo que eu possa absolver.

Eu vou acabar. Não quero que digam que faço obstrucionismo. Deixem-me, porem, dizer que se o Govêrno não tem - e não tem porque nunca houve nada tam imprudente como êste Govêrno - aquelas qualidades e requisitos indispensáveis para esta hora, tenha a hombridade de ir a

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Belém ou aonde quere que esteja o Chefe do Estado dizer ao Sr. Presidente da República, com grandeza e elevação, que não pode arcar com as responsabilidades, que são tremendas.

Digam Srs. Ministros: não temos quem nos acompanhe, e veja V. Exa. se ainda é possível que alguém se possa rodear de gente para salvar esta Pátria.

Estar-se o Govêrno debatendo com dificuldades provenientes de falta de transportes e vir o Sr. Secretário de Estado do Interior dizer que se devem passar a uma empresa particular os poucos barcos ex-alemães de que o Estado dispõe, é um cúmulo de extraordinário.

Sr. Presidente: tive de fazer estas referências à questão dos navios ex-alemães, e peço desculpa à Câmara de me ter desviado do assunto em discussão, mas tinha de dizer estas palavras, e se o Parlamento não estivesse para se encerrar ainda teria muito para dizer.

O orador não reviu.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado do Interior): - Aponta as dificuldades com que o Estado luta para a administração dos navios.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Celorico Gil: - Sr. Presidente: quando eu disse que tinha derrubado o governo do Sr. Afonso Augusto da Costa, não quis dizer que o Sr. Secretário de Estado do Interior não tivesse tambêm contribuído para isso.

Visto estar com a palavra devo dizer que o Sr. Secretário de Estado do Interior, com aquela lialdade de irmão, que acho uma monstruosidade política a entrega dos navios a uma empresa particular.

Neste país tem-se feito muita monstruosidade, tem-se cometido muito crime, mas como êste não conheço outro.

Mas repito a V. Exa. não são figuras de retórica; são palavras sinceras, ditas com carinho de amigo dedicado : é preferível que S. Exa. desça dessas cadeiras do Poder a ter de assinar essa extraordinária, essa enorme, essa coroa das monstruosidades, a maior das que o Govêrno tem feito desde 5 do Dezembro para cá.

Eu não posso deixar de dizer isto aqui no Parlamento, porque não tenho nenhum órgão da imprensa onde o possa afirmar.

Ao Sr. Tamagnini Barbosa, a quem me ligam os mais estreitos laços de amizade, cabe-me o dever de fazer esta prevenção.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: antes de entrar no assunto da minha interpelação, seja-me lícito constatar que é neste desmanchar de feira, às 18 horas, quando toda a gente está cansada, que me cabe tratar dum dos problemas mais importantes da vida do país: o problema económico.

Lamentando um facto de que aliás não sou responsável, peço à Câmara me releve o ir-lho tomar mais tempo do que todos desejaríamos tomar, na impossibilidade em que estou de tratar com ligeireza um assunto de tamanha magnitude.

Sr. Presidente: já depois das reuniões preparatórias do Congresso da República infiltrou-se no Diário do Govêrno um decreto, extinguindo Q Ministério das Subsistências e Transportes. Êste decreto, para que não foi pedido o nosso concurso de legisladores, porque o Govêrno entendeu prescindir dele, foi preparado por uma laboriosa ofensiva, por parte de certa imprensa, que alfinetando aqui, insinuando acolá, conseguiu criar contra o esforço honrado e inteligente de Machado Santos uma atmosfera de hostilidade de mie resultou, como consequência, a sua exoneração de Secretário de Estado das Subsistências e Transportes.

É que, infelizmente, Portugal está ainda naquela. fase de inocência paradisíaca que lhe permite tomar, como ouro de lei a miragem da verdade, que pareça desprender-se da complexidade dos fenómenos sociais e económicos, que dependem de mil e um factores, não sendo por isso fácil a qualquer pescador de águas turvas apanhar na ponta do anzol êsse peixe raro do - a verdade João Verdades é o símbolo da filosofia nacional, por desgraça nossa, Sr. Presidente.

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O autor, suponho eu, da extinção do Ministério das Subsistências e Transportes foi um representante da alta lavoura alentejana; e os seus conselheiros foram os maiores açambarcadores do país, armados por obra e graça do espírito santo, em reguladores da produção e do consumo nacional, para maior gáudio dos Weinsteines & Ca., que andam lá por fora rondando a fronteira portuguesa.

O país aplaudiu com ambas as mãos, mas seja-me lícito preguntar se daqui a dois ou três meses, quando a fome nos bater à porta, o país baterá ainda as palmas de contente.

Sr. Presidente: Porque é que se criou o Ministério das Subsistências e Transportes?

Porque se extinguiu?

Porque é que se juntou com o serviço dos abastecimentos o dos transportes marítimos e terrestres?

Porque é que depois se separaram e pulverizaram por vários Ministérios êstes serviços?

Para nós todos, esta questão fundamental é um mistério: são as altas capacidades administrativas que, por felicidade de todos nós, governam os destinos do país nesta hora que o devem saber, se bem que seja crença minha que o Ministério se criou e extinguiu um pouco ao acaso, por mera questão de palpite.

Tem-se alegado, para justificação do decreto de extinção, o facto do imperfeito funcionamento dêste Ministério.

Admitamos que a alegação é verdadeira.

Neste caso, ocorrem-me naturalmente ao espírito as seguintes interrogações:

Seria êsse imperfeito funcionamento a consequência de ter êsse Ministério herdado uma situação crítica, para a qual não havia concorrido, situação que muito naturalmente se não pode remover com a rapidez das mágicas, porque se tenha perdido a tradição da lâmpada das famosas Mil e Uma Noites?

Teria êsse imperfeito funcionamento sido a consequência do estado do nosso país, incapaz de sacrifícios, incapaz de compreender o alcance de certas medidas reputadas violentas?

Teria êsse imperfeito funcionamento sido a consequência de se terem aglutinado no mesmo organismo serviços, no fundo incompatíveis, de modo a que os erros de organização se tivessem vindo a traduzir em imperfeições funcionais?

Teria êsse imperfeito funcionamento sido a resultante de num Ministério haver pessoal inexperiente, que se estava formando, e a pouco e pouco, adquirindo o treino que é indispensável em todas as profissões?

Teria, por último, a acção do Sr. Machado Santos sido estéril ou prejudicial?

Já pode V. Exa. calcular, Sr. Presidente, os mil e um aspectos sôbre que o problema se pode apresentar, donde resultará que às seis horas da tarde, com uma assemblea fatigada, não me será dado analisar todos êsses aspectos e mostrar o que foi o Ministério das Subsistências e o que pode resultar da sua extinção.

O Sr. Vítor Mendes Pacheco: - Peço a palavra para um requerimento. É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que a sessão seja prorrogada até final da interpelação do Sr. Cunha Lial. - Vítor Pacheco Mendes.

É aprovado.

O Sr. Nunes Mexia: - Também já pedi a palavra para um requerimento. E o seguinte:

Requerimento

Requeiro a generalização do debate. - Nunes Mexia. Foi aprovado.

O Orador: - Para se avaliar o que foi e o que deveria ser o Ministério das Subsistências e Transportes, tenho de fazer um poucochinho de história.

Portugal é o país da imprevidência. A guerra surpreendeu-nos completamente desarmados de recursos económicos, financeiros e militares. Logo depois de declarada a guerra, corremos a oferecer os nossos serviços aos aliados; porêm, não pensámos, desde logo, em organizar o que, para podermos efectivar o nosso oferecimento, nos faltava: um exército.

Não entrámos em acordos económicos e financeiros que seriamente acautelassem o nosso futuro. Vimos o câmbio tornar-

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-se-nos dia a dia mais desfavorável, vimos as nossas condições económicas agravarem-se continuamente e limitamo-nos a encolher os ombros.

Que nos importava tudo isso, se é velho sestro nosso só nos lembrarmos de Santa Bárbara na ocasião dos trovões?

Vivíamos assim à merco de Deus, esperando que do céu caísse o maná providencial que nos havia de matar a penúria.

Ignorando as nossas próprias necessidades, andávamos positivamente às cegas!

A comissão de ravitaillement mandava-nos, de quando em quando, preguntar o que precisávamos, tanto em matérias destinadas à alimentação, como à laboração das nossas indústrias. Quási sempre nós respondíamos: de minimis non curat prcetor. Apenas o Sr. Lambertini Pinto, funcionário superior do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em horas de desfastio, preguntava a si mesmo o que é que havia de pedir. E, assim, pedia a primeira cousa que lhe vinha à cabeça, sem curar das necessidades reais da nossa economia.

Resultado: meses volvidos sôbre as colheitas, vinham os receios da fome e lá começávamos nós a mendigar da Inglaterra um navio carregado de trigo ou farinha. Depois eram os industriais a fazerem uma gritaria ensurdecedora por causa da falta de matérias primas.

Um tal estado de cousas permitiu que começassem a aparecer por aí uns senhores bem relacionados, que, por suas influências, conseguiram lá fora determinadas concessões. Cresceu, pululou assim, como uma praga de gafanhotos, a variedade parasitária do intermediário - brasseur d'affaires - especulando com os seus conhecimentos. Foi o reinado dos espertalhões e dos parasitas.

Mas, Sr. Presidente, os quais são as circunstâncias aproximadas da nossa produção e consumo? As nossas estatísticas são vagas e imprecisas, não nos permitindo nesta hora uma apreciação fundamentada da nossa situação económica. Tremenda dificuldade que desde a primeira hora encontra quem - Ministro ou inspector - tenha, por desgraça sua, de se ver a braços com o problema do abastecimento do país!

Há anos, o Sr. Engenheiro Pereira dos Santos, então Ministro das Obras Públicas, propôs um inquérito à nossa economia. Como devesse custar cêrca de 600 contos, toda a gente ficou horrorizada. Ora, tais inquéritos são absolutamente necessários de tempos a tempos, como verificação dos dados estatísticos. E, como em Portugal não há nem inquéritos nem estatísticas sérias, daí o fazerem-se cousas vagas, imprecisas e inconscientes.

Precisamos, recolhida a nossa colheita anual, verificar qual o déficit aproximado de cada um dos géneros de primeira necessidade e qual o superavit, quando o haja. Só assim poderemos a tempo acautelar o futuro, obtendo o que nos falta e achando colocação para o que nos sobra. O equilíbrio da nossa balança comercial é preciso que se faça metodicamente, sem o que o câmbio terá oscilações bruscas que perturbam a economia nacional. A exportação dos nossos vinhos, da nossa cortiça, dos nossos minérios e das nossas madeiras, do nosso cacau e de todos os nossos outros produtos coloniais, é preciso que seja assegurada duma forma pausada e metódica.

O que é que se tinha feito anteriormente a Machado Santos neste capítulo do balanço económico da nossa produção e da regulação das entradas e saídas de mercadorias no nosso país? Nada. Machado Santos encontrou esta situação: precisava-se saber o que era necessário em matérias primas para a laboração das nossas indústrias. A falta de dados, consultavam-se as associações industriais do país. Os números apontados eram tam fantásticos, que, para evitar o espanto da comissão de ravitaillement, era preciso corrigi-los por estimativa. Pela primeira vez, no tempo de Machado Santos, aparece uma portaria obrigando as indústrias e as associações respectivas a manifestarem as quantidades reais de matérias primas para as suas necessidades anuais, a fim de se obter da comissão de ravitaillement uma concessão global.

Só o conhecimento da situação, combinado com a política das restrições, que Machado Santos, como havemos de ver, quis esboçar, por exemplo, na questão das carnes, pode permitir que se modifiquem dalgum modo as condições críticas da hora presente, que são o fruto de anos

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consecutivos de imprevidência. Tudo o mais são golpes de momento, que dão um fácil triunfo a quem os pratica, com a alternativa, meses volvidos, do candeeiro onde é de uso enforcar os ídolos de ontem.

E precisamos ao mesmo tempo estudar o que se faz lá fora, porque isso representa o fruto de anos de ensaios e lutas, mas livrando-nos de o aplicar cegamente, sem atender às diferenças de costumes, civilização e raça. Estudemos o mecanismo francos da distribuição do carvão, ensaiemos o regime das cartas, impunha-mos os dias sem carne e as restrições de consumo nos hotéis, mas façamos tudo isso inteligentemente e não à toa, por palpite, como se está procedendo agora nestas questões.

Sr. Presidente: a situação que Machado dos Santos encontrou, ao tomar conta do Ministério das Subsistência" e Transportes, era a seguinte: em Lisboa havia farinha para um dia de pão. A batata, o arroz e o açúcar escassamente apareciam no mercado. O azeite vendia-se por um preço superior ao da tabela. O carvão custava 100$ cada tonelada. A carne vendia-se por preços exorbitantes, mercê do desenfreado contrabando para Espanha. O peixe tinha atingido uma alta colossal, preferindo quási sempre as companhias de pesca, quando Me abundava, deitá-lo ao rio do que deixá-lo sofrer uma baixa de preço. As exportações estavam quási paralisadas, e o câmbio resentia-se disso.

Os primeiros dias que se passaram naquele Ministério deram-me a demonstração cabal de que Machado Santos é homem de uma fé e de uma têmpera excepcionais. Só uma alma temperada de aço - o aço de fé - poderia não desanimar perante as dificuldades, que se levantavam de todos os lados, quási sem auxiliares, com um Ministério por organizar, disperso por aqui e por acolá, e com uma cidade, como Lisboa, refervendo cóleras surdas, a alimentar com recursos que se haviam de ir buscar não se sabia aonde.

Esperava-se até as 2 e 3 horas da madrugada que chegassem a Lisboa os dez ou doze vagões de farinha que representam o consumo diário da capital.

Intimavam-se determinadas companhias ferroviárias a que abreviassem o transporte dessas farinhas, mas as companhias não obedeciam. A máquina burocrata estava emperrada. Foi preciso passar por cima de todas essas pequenas cousas que dificultavam a acção de Machado Santos.

A Câmara não pode calcular os sacrifícios e os esforços que foram necessários para descobrir e trazer até aqui a farinha que o Alentejo, para onde foram apressamente delegados do Govêrno, avaramente escondia na ânsia da especulação. O Estado teve até de armar em contrabandista, para tudo dizer.

Garanto que o reclamado patriotismo do lavrador alentejano não deu para mais do que isto: vender a farinha a quarenta e tal centavos. (Apoiados). (Não apoiados).

S. Exas. podem não apoiar, mas obrigam-me a dizer de novo que sei perfeitamente o que vale o reclamado patriotismo do lavrador alentejano.

Protestos.

O Sr. Santos Moita: - No Ministério das Subsistências havia um funcionário que já esteve preso em Santarém por ter roubado a agência do Banco de Portugal.

V. Exa. compreende que desta forma não podia êsse Ministério caminhar dentro do direito e da honestidade.

O Orador: - Lá chegaremos. Eu hei-de referir-me a todos êsses casos, se a Câmara quiser ter a pachorra de me ouvir até o fim.

Durante dois meses viveu-se da farinha importada do Alentejo; e eu só concebo que V. Exas. chamem patriota ao lavrador alentejano, porque as farinhas que êle açambarcara foram a nossa providência em horas de aflição, sob a cláusula prévia de o Govêrno ter escancarado à sua glutaneria insaciável os cofres do Estado.

Machado Santos trabalhou muito para obter trigo, até que conseguiu, por intermédio do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que a Inglaterra nos mandasse alguns milhares de toneladas, de que nos temos alimentado até agora. E ao mesmo tempo conseguiu obter 5:000 toneladas de centeio, que nos cedeu a Espanha, por intermédio do nosso Ministro naquele país.

V. Exas., que todos os dias comem o pão, bom ou mau, que o padeiro lhes

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leva a casa, ignoram o que êsse pão representa muitas vezes de sacrifícios o de trabalhos.

Áparte do Sr. Santos Moita, que se não ouviu.

O Orador: - V. Exa. não consegue fazer-me perder o fio das minhas considerações.

Mas, visto que V. Exa. insiste tanto no bordão da desonestidade do pessoal do Ministério das Subsistências, vou citar-lhe um facto concreto que se passou ha tempos.

Um dia. tendo-se reconhecido que da América e da Inglaterra não era fácil obter o trigo de que necessitávamos, apareceu a Machado Santos o Sr. Conde de Castelo Mendo oferecendo-lhe trigo do Uruguai.

O Ministro declarou que o aceitava em determinadas condições, contanto que a resposta definitiva lhe fôsse dada dentro dum certo prazo.

Êsse prazo, porêm, decorreu, passou-se mais de um mês, o o Sr. Ministro das Subsistências viu-se na necessidade de entabolar negociações para a aquisição de trigo da América do Norte.

Dias depois recebeu-se no Ministério, vindo de Madrid, um telegrama do Sr. Conde de Castelo Mendo, dizendo que pretendia fechar contrato com casas espanholas para compra de trigo, e preguntava se o Sr. Machado Santos estava ainda de acôrdo com o contrato primitivo.

O Sr. Ministro das Subsistências, que entendeu nada ter a responder, pegou no telegrama e meteu-o na gaveta. Passados dias um funcionário do Ministério das Subsistências apareceu com um telegrama idêntico ao que tinha recebido Machado Santos.

Machado Santos disse a êsse funcionário: "não responda; faça como ou; meta-o nessa gaveta".

Qual não foi, porêm, o espanto do Sr. Ministro das Subsistências quando lho apareceu mais tarde o Sr. Conde de Castelo Mendo, mostrando-lhe um telegrama dêsse funcionário, em que se dizia em resposta aos telegramas em questão que o nosso Govêrno aceitava as condições propostas por êle, para a compra do trigo, com manifesto prejuízo para Portugal.

O Sr. Condo de Castelo Mendo trazia já a minuta do contrato, da autoria do mesmo funcionário. Entro outras alterações ao que combinara Machado Santos vinha, por exemplo, esta: o trigo era pago não depois da sua entrada em Lisboa, mas quinze dias depois de chegar ao Pôrto do Cadiz. Arriscávamo-nos, pois, a ter uma segunda edição dum célebre arroz, que o Sr. Augusto de Vasconcelos pagou com 316.000$ e que nunca deu entrada no nosso país...

Machado Santos não quis um tal funcionário, aliás altamente cotado, nem mais uma hora no seu Ministério. Logo, porêm, que assumiu a interinidade da pasta, o Sr. Fernandes de Oliveira teve o culpado de chama-lo e conservou-o mesmo depois de lialmente ter sido avisado, pelo seu antecessor das qualidades do cavalheiro, que abusara da sua confiança, com um manifesto intuito de honestidade.

Uma voz: - Diga o nome dêsse funcionário.

O Orador: - Eu não sou denunciante, e, do resto, façam essa pregunta ao Sr. Ministro da Agricultura.

Para obviar às dificuldades da situação e para que no ano seguinte as cousas não corressem da mesma forma atrabiliária, criou Machado Santos os celeiros municipais, que seriam os organismos encarregados de fazer a estatística cerealífera do nosso país, realizando e fiscalizando, ao mesmo tempo, a, distribuição dos cereais.

Imediatamente depois da realização da colheita, o produtor tinha obrigação de proceder ao seu manifesto, ficando à sua disposição apenas que dessa colheita correspondesse às suas necessidades pessoais e da sua lavoura. Do excedente considerar-se-ia o produtor apenas como um fiel depositário.

Quer dizer: o Estado ia lutar directamente contra o açambarcador, eliminava o factor especulação e ficava sabendo qual o déficit cerealífero do nosso país. Era a proibição do comércio dos coriais, o que, do resto, não é novidade por êsse mundo fora.

Para saldar o déficit, recorreríamos ao trigo americano o do milho colonial. Só

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do Pôrto do Lobito pode sair o milho suficiente para o nosso consumo.

Mas nada disto se fez a tempo e horas. O Sr. Fernandes de Oliveira só começou a mandar montar os celeiros quando a colheita já ia em mais de meio, e quando, portanto, pode já estar em parte sonegada.

Por outro lado, creio bem - infelizmente para todos nós - que se tem descurado os nossos interesses no tocante à parte que nos poderia caber no rateio do excedente dos recursos americanos.

Tenho sôbre a minha mesa o Petit Parisien, de 25 de Julho passado, no qual leio que acabam de reùnir-se em Londres os Ministros dos abastecimentos dos países aliados, perante os quais o representante americano declarou que a América tem recursos para satisfazer o déficit, em trigo e carne de porco, de todos os aliados. O título da notícia em questão é interessante: Todos assentados à mesma mesa, que será bem provida.

Desejava eu ingenuamente saber se tambêm nós nos assentaríamos a essa mesa, ou se os nossos governantes, que vivem sempre na lua, não deram por conta de que a mesa estivesse posta.

De facto, não sei se fomos ou mio representados nessa conferência e se foram acautelados os nossos interesses.

A minha impressão é que os sucessores do Machado Santos continuam a política dos antecessores dêste: a política do palpite, a política da amanhã, se Deus quiser. Perdemos a oportunidade de tirar proveito da lei dos celeiros e provavelmente amanha voltaremos a mendigar da Inglaterra o que não soubemos exigir a tempo.

Uma voz: - Estamos a meio das colheitas.

O Orador: - E que seja. Já se não pode; inquirir das existências totais em certas terras do trigo, milho e centeio.

Interrupção que não ouviu.

Portanto a lei dos celeiros municipais pode nesta altura do ano não produzir já os seus naturais efeitos.

O Sr. Botelho Moniz: - Já funcionam uma meia dúzia de celeiros municipais.

O Orador: - Calculem que esperanças para todos constitui isto de saber que já funcionam meia dúzia de celeiros!

Uma voz: - Quando se publicou a lei dos celeiros municipais, houve entidades que declararam que não cumpririam essa lei.

O Orador: - Sei isso. É velho hábito nosso não cumprir a lei. Por exemplo, a Câmara Municipal de Moura, quando se requisitou o azeite necessário para Lisboa reuniu, declarando que não acatava a lei n.° 3:994. E o Sr. Fernandes do Oliveira, navegando nessas águas, acedeu aos bons desejos da ilustre Câmara.

Repito. Sr. Presidente: é minha convicção pessoal que no actual ano cerealífero teríamos a continuação do que se passou no ano anterior. Havemos de chegar a certa altura e não teremos cereais.

E que há um certo número de pessoas, Sr. Presidente, que não têm acautelado demasiadamente, os interesses do Estado.

Ultimamente, por exemplo, apareceu um decreto, marcando os tipos de f ar mação para o trigo e para o milho e criando dois tipos de pão. E, a propósito, devo dizer que não sei qual possa ter sido o critério, para estabelecer em 80 por cento a farinação do trigo. Evidentemente que não quero o exagero de 90 por cento, como na Alemanha; mas ignoro porque se não teria ido em todo o país até 85 por cento.

Igualmente não sei a razão por que em Lisboa e Pôrto não pode haver um único tipo de pão. Será porque o nosso paladar é mais apurado do que o dos parisienses, por exemplo?

De resto, a lei foi estabelecida em condições de permitir à moagem lucros fabulosos, se não houver uma fiscalização rigoríssima, que é, de todo em todo, humanamente impossível.

Se se gastarem em Lisboa 30 toneladas de farinha, para pão de luxo, e 100 toneladas de farinha de mistura para pão ordinário, a moagem receberá, como lucro, $02(2), aproximadamente, por cada quilograma de cereal, que farinar. Mas a farinha do primeira qualidade tem o preço de $61(8) e a mistura tem o preço de $12(775).

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A diferença de preço é tam grande que cada quilograma de farinha de 2.ª, que juntemos à farinha de 1.ª, representa um lucro de $49 para quem fizer esta pequena maningância, seja-me permitido o termo.

Para que o decreto se cumpra integralmente é necessário que por cada três pães de luxo que saiam de uma padaria, saiam dez de farinha de mistura.

Ora todos nós sabemos que em Lisboa se dá o inverso. Em geral vão para as padarias três sacas de farinha de 1.ª por cada de 2.ª Se não houver, pois, uma fiscalização rigorosa, até onde poderá ir o artifício e o lucro?

Se o consumo de pão de luxo fôsse igual ao do de mistura, se fossem duas quantidades equivalentes, e em Lisboa não se dá isso, o lucro lícito anual da moagem, seria dê 1:251 contos, e o ilícito seria de 5:338 contos.

Se se mantivesse o tipo de consumo actual, ou seja se a relação continuar a ser de três de 1.ª para uma de mistura, o lucro lícito seria de 1:269 contos e o ilícito de 10:130!

Como se garante, pois, uma rigorosa fiscalização para evitar desmandos desta natureza, que permitirão mais uma vez à moagem explorar infamemente as algibeiras do consumidor?

Porque não havemos de pegar nas 30 toneladas, do consumo diário, de farinha de 1.ª e misturar com 50 toneladas de farinha de 2.ª e outras 50 toneladas de farinha de milho para fazer um único tipo de pão?

Todos nós estamos comendo cotidianamente o pão de 1.ª, com vários aspectos, o que prova que não é de composição regular. É que o adicionamento da farinha de 2.ª é variável segundo é sabor de quem faz a mistura.

E de altíssima gravidade êste assunto pelo que de importante tem o problema das subsistências, e assim nós temos o dever de virmos aqui pedir que nos seja dito como é que o Govêrno pretende acautelar o rigoroso cumprimento da lei. Não me falem só em multas. Podem aplicar multas de até 200 ou 300 contos por mês, e a fraude poderá ainda assim representar para quem a pratique um lucro, ou melhor, um roubo de milhares de contos.

Mas, continuando neste exame, passemos a outro assunto, Sr. Presidente.

Um género que quási tem desaparecido ultimamente do mercado lisboeta tem sido o azeite. Quando Machado Santos tomou conta do Ministério das Subsistências e Transportes, o azeite vendia-se por preços muito superiores aos da tabela. O Estado, por exemplo, nos fornecimentos para os caminhos de ferro, era o primeiro a aceitar propostas por preços exagerados. Machado Santos encontrou um projecto de decreto, do tempo do Sr. Feliciano Costa, fixando preços, depois de ouvidas as autoridades competentes. Mas, como sôbre o azeite tinham já incidido transacções, Machado Santos entendeu, mediante conselho autorizado, dever aumentar em $05 o preço por litro, estabelecido nas tabelas dêsse decreto. Foi nestas condições que saiu o decreto n.° 3:994.

Mas o azeite começou a rarear em Lisboa. Desde que não fôsse permitido vender por todo o preço, os grandes potentados, as Mercantis, as Uniões Fabris, os Borges do Rêgo, os Levy & Ca. deixavam o azeite tranquilamente nas adegas do produtor, a quem o haviam comprado, e esperavam melhores dias.

A situação era grave e Machado Santos, homem incapaz de transigências e favoritismos, resolveu, segundo um velho hábito, atacá-la de frente, sem hesitações. Organizou, por isso, brigadas destinadas a irem aos concelhos produtores do azeite e fazerem o arrolamento dêste género, por conta do Ministério, nos termos do artigo 4.° da lei n.° 3:994.

Dos resultados da brigada que foi ao concelho de Torres Novas vou eu dar conta a V. Exas. O agrónomo, chefe dessa brigada, encontrou por toda a parte o melhor acolhimento, sobretudo quando tinha a tratar com o pequeno ou médio produtor. Todos queriam concorrer para melhorar a situação dos pobres de Lisboa, diziam. No prazo de três dias ficaram arroladas 180 pipas de azeite em duas freguesias de um concelho que tinha dezasseis. Quer dizer: mantendo-se a proporção, só o concelho de Torres Novas teria um excedente de azeite para mais de quarenta dias de consumo lisboeta.

Mas, a certa altura, na Quinta de Caniços, o agrónomo em questão esbarra

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com um potentado. A dona da quinta, a Sr.a D. Aurora de Macedo, tinha vendido o seu azeite, havia sete meses, ao Sr. António Belo, dono da Mercantil e actualmente um dos mandantes dos abastecimentos em Portugal. O feitor da propriedade recusa-se a prestar declarações em termos insultuosos; e, quando a guarda republicana impõe respeito à sua arrogância, declara não poder facultar o azeite porque a chave da adega estava em poder do Sr. António Belo.

O agrónomo, chefe da missão, vem a Lisboa dar conta do seu procedimento. Havia tomado conta da pasta o Sr. Fernandes de Oliveira, que mandou prosseguir a diligência, deixando de parte o azeite da Quinta de Caniços. O Sr. Belo faz um requerimento, pedindo que lhe entreguem o azeite, sob o pretexto que tal azeite estava vendido a fábricas de conserva. Prova-se a falsidade das alegações, e, não obstante isso, contra a informação do chefe da secção dos azeites e do director geral das subsistências, o Ministro manda entregar o azeite ao feliz Sr. António Belo, grande potentado nesta terra portuguesa, que dá leis sôbre fabrico de pão e consegue saltar sôbre outras leis do seu país, esfarrapando-as nas suas mãos omnipotentes.

Eis aonde nos conduzem, Sr. Presidente, os compadrios do poder, quando se encontram assim no caminho um Ministro e um membro do Conselho Económico. Não duvido da honestidade do Sr. Fernandes de Oliveira, mas o que é certo é que os lavradores de Torres Novas, sabendo da solução do caso da Quinta de Caniços, se recusaram a entregar o seu azeite, tanto mais que o novo Ministro lhes impunha a cedência do azeite arrolado em favor dos felizes comerciantes das firmas União Fabril, Borges do Rêgo e Levy & Ca., entre as quais vamos topar com um outro membro do Conselho Económico.

Encontrando resistência, e, como em Moura, tambêm não quisessem fazer a entrega do azeite arrolado, o Sr. Ministro teve a solução simples, elegante e natural da questão: mandou dar por nulas e sem efeito todas as requisições.

Podia adoptar outras medidas para fazer vir o azeite a Lisboa. Mas não. Não achou melhor cousa do que não se ralar.

Lisboa continuava e continua sem azeite? Que importa isso aos altos dirigentes desta feliz nação! O pior é se o povo, cansado, se zanga e irrita. Mas para isso ainda há tambêm remédio: diz-se-lhe que a culpa é de Machado Santos.

Eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, que me digam se eu tenho ou não o direito e o dever de interrogar os Srs. Secretários de Estado. & que nós precisamos de defender os interesses do país e não os interesses do Sr. António Belo ou do Sr. Alfredo da Silva. V. Exa. há-de desculpar que eu faça alusões pessoais, mas é preciso, num país de cobardes morais, ter a coragem de dizer as verdades. (Apoiados). E eu sustento que não se podem dar certos cargos a indivíduos que estão ligados a uma indústria, e que não tenham mostrado na sua vida uma isenção absoluta.

Vou citar um caso. Um dia o Sr. Alfredo, da Silva, como membro duma comissão destinada a fixar os preços às sementes oleaginosas, arrastou os seus colegas a elevarem êstes preços. O Ministro não homologou, porêm, uma tal decisão. O Sr. Alfredo da Silva é que não esteve para esperar pela aprovação do Ministro.

Foi para casa, esfregando as mãos de contente. E, antes mesmo do assunto ser levado até o Ministro, no dia seguinte tinha subido o preço do sabão. E é ao Sr. Alfredo da Silva que nós vamos entregar a defesa dos nossos interesses, da nossa economia? Sr. Presidente, não, mil vezes não!

Sr. Presidente: isto não pode ser! (Apoiados). Seja qual for o ramo da actividade nacional de que nos ocupamos, por toda a parte vamos topar com a influência nefasta de meia dúzia de polvos com os seus enormes tentáculos insaciáveis. Mal de todos nós se, em vez de os metermos na ordem, lhes entregamos cargos de confiança. O país é que sofrerá as consequências.

Se nos passarmos a ocupar da questão do açúcar, surge-nos a casa Hinton, que é outra chaga que temos no país e outro dos grandes potentados argentários da nossa terra.

Com o açúcar tem-se feito açambarcamento por toda a parte, e depois queixam-se da falta dele. Duma vez recordo-

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-me de que foram vinte vagões de açúcar para o Pôrto. Dois dias depois vinham telegramas aflitivos do governador civil queixando-se de que não havia açúcar no Pôrto. O açúcar tinha-se evaporado!

Hinton e outros mandavam vir açúcar para Lisboa. Distribuíam-no pelos seus associados. O açúcar desaparecia por maravilha e nunca mais chegava às mãos do retalhista, e sobretudo do público. Era a regra geral, a que Machado Santos quis por cobro, determinando em 6 de Abril que todo o açúcar chegado ao Tejo, ou que à data existisse na alfândega ou nos entrepostos do pôrto de Lisboa fôsse requisitado, e, depois de refinado, se se tratasse de ramas, distribuído pelos retalhistas, de acôrdo com regras que foram fixadas, e em que se atendia à localização da casa comercial e à sua freguesia. Se houvesse por vezes actos de favoritismo na distribuição isso nada prova contra o Ministro, que teve de improvisar pessoal; e que, apesar da sua comprovada boa vontade, não podia chegar a toda a parte.

Para V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara, poderem bem avaliar das dificuldades que se levantam a propósito da mínima cousa, vou narrar sucintamente o que se passou com a requisição dum açúcar, 200 toneladas, creio, que em 22 de Abril do corrente entrou no Tejo, no vapor Beira, manifestado e despachado na Madeira pela casa Hinton & Sons, e consignado á mesma firma, em Lisboa.

Em 23 a firma Domingos José Barreiros & Ca. (sócia ou ex-sócia da firma Hinton & Sons) enviou à secção de açúcar um requerimento seu, acompanhado de diversos doutras casas em Lisboa, em que demonstrava, falsamente, que tinha colocado o seu açúcar por aquelas firmas e em que requeria licença para o levantar da alfândega.

Nos requerimentos juntos ao da requerente figuravam diversas casas que eram e são ainda sócios da firma requerente e alguns da firma Hinton & Sons, nesta praça.

Tendo apurado tambêm que nem todas as vendas apresentadas pela firma requerente eram verdadeiras e que eram feitas por preços superiores ao da tabela, ou fôsse a $52 e $56, quando a tabela é de $39 para rama e $46 para pile, o chefe da secção fez chegar às mãos de S. Exa. o Ministro, então Machado Santos, um parecer, segundo o qual êste açúcar tinha de ser requisitado como todo e qualquer outro de diversos importadores já chegado e a chegar ao Tejo.

Concordou o Ministro em que fôsse requisitado e distribuído à indústria o referido açúcar, e refinado o que precisasse de o ser, nos termos do que havia já determinado dum modo geral por decreto de 6 de Abril.

Assim, não podia, portanto, Hinton vender o seu açúcar à firma requerente como ela indicou, por estar dentro do mesmo regime estabelecido no citado decreto a firma Hinton, como qualquer outro importador.

Em 30 do mesmo mês é a firma Hinton que vem reclamar, como se fôsse ela que tivesse requerido, que, da forma como era fabricado o seu açúcar, não podia ser considerado rama para fabricar e como não havia em Lisboa aparelhos para fazer tal análise, não podia o seu açúcar ser considerado como rama e requeria para o mesmo ser colocado tal como tinha chegado.

Em 7 de Maio novamente vem protestando que, se tal ordem se mantivesse, lhe fazia anular um contrato com o Govêrno em que estabelece um regime contratual, tornando êle responsável o Govêrno ou Estado pelo prejuízo que lhe trazia tal requisição.

Sôbre êste caso, apurou o Ministro que o contrato a que êle se referia se entendia apenas com o fabrico e privilégio (monopólio) da entrada do açúcar em Lisboa sem direitos alfandegários. Também apurou o Ministro que o açúcar de igual qualidade e proveniência nos anos anteriores não tinha outra classificação que não fôsse rama e nunca foi colocado nas condições em que agora a requerente pretendia colocá-lo; de resto, se não tinha o pagamento de direitos alfandegários, teria de ter o pagamento de direitos de fabrico que o contrato a que a firma se refere não abrange na sua interpretação. No mesmo requerimento a mesma firma pretendia que lhe fôsse concedida a licença para vender o açúcar tal como estava, em armazéns seus, ao público, debaixo da fiscalização do Ministério.

Em vista da contestação que a requerente fazia sôbre a qualidade do açúcar,

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o Ministro ordenou que o agrónomo químico, Sr. Monteiro, chefe da 2.ª secção de géneros alimentícios, fizesse rapidamente a análise do mesmo açúcar, que em 10 de Maio se encontrava concluída. Pelo relatório da análise apresentada pelo mesmo agrónomo, despachou o Ministro para imediatamente ser executado o seguinte:

"Autorizo a firma Hinton & Sons a entregar imediatamente à indústria de refinaria as 200 toneladas de açúcar que vieram no vapor Beira, devendo indicar ao Ministério quais as refinarias a que as confiou, para que estas fiquem fiéis depositárias dêste açúcar e só o distribuírem aos retalhistas que o Ministério indicar, ao preço da tabela. £ 22-5911$. - Machado Santos".

Em 23 foi feito à firma Hinton um ofício com o n.° 1:263, em que lhe comunicava a resolução e despacho acima.

Êste ofício foi assinado pelo director geral, Sr. José Francisco da Silva.

Hinton leva sete dias sem pôr em execução o teor do citado despacho, e quando o Ministro preguntou o resultado das suas ordens, Hinton respondeu à secção que não tinha recebido tal ofício e menos conhecia tal resolução. É bom lembrar que Hinton mentia, porque logo no mesmo dia 23 foi informado pelo chefe da secção do que se tinha passado com o Ministro, e tanto assim é que comunicou, em resposta ao Sr. Costa, chefe da secção dos açúcares, que estava pronto a entregar à fábrica Hornung todo o seu açúcar ao preço de $42 o quilograma.

Em 27 ou 28 do mês referido, Costa comunicou êste caso a S. Exa. o Ministro, fazendo mais a declaração de que Hinton entregaria tambêm o citado açúcar ao Govêrno por igual preço e que lhe tinha oferecido, a seu espontâneo arbítrio, $41 por cada quilograma, com o que o Ministro não concordou. Esta comunicação, feita pelo Sr. Costa, foi derivada duma conferência que êle teve com Hinton na sua farmácia, segundo b mesmo Sr. declarou.

O Ministro não só não concordou como estranhou o facto da firma Hinton não ter cumprido o seu despacho; e foi nesta ocasião que, tendo conhecimento de que a mesma firma não tinha recebido o ofício acima citado, portador do seu despacho, indignado ordenou que, por uma segunda via, acompanhada do respectivo protocolo, para que no mesmo fôsse marcado dia e hora da sua chegada ao respectivo destino, se dêsse novamente conhecimento do referido despacho.

Após tudo o que acabo de relatar dá-se o facto de Machado Santos ter deixado a pasta, facto êste lamentável e que tam funestas consequências trouxe ao momentoso problema da carestia da vida, quando tam vários e complexos assuntos que à mesma espinhosa pasta se prendem, começavam tomando um aspecto animador que jamais voltarão a ter.

Com êste facto a firma em questão, aproveitando o momento, "veio novamente requerer para refinar e vender de sua conta todo o. seu açúcar e uma parte do mesmo destinado à indústria. (Este pedido é posterior à data do citado despacho ministerial pelo qual êle já deveria de ter refinado todo o seu açúcar e entregado ao Govêrno, facto que não se consumou).

No mesmo requerimento comprometia--se a vender todo o seu açúcar que tivesse de ser refinado ao preço de $44 cada quilograma e o excedente destinado às indústrias o venderia por menos $05 (valor de refinação), ou seja a $39 cada quilograma.

Como não tivesse resposta a êste requerimento dirigiu-se ao Ministro, então o Sr. Fernandes de Oliveira, e dessa conferência conseguiu por meio de ordem verbal a licença para colocar o seu açúcar como muito bem entendesse (segundo o seu requerimento existente e apenso ao processo da mesma firma, com data de 7 ou 8 do mesmo mês - S. E. O.)

Após esta conferência deram entrada na secção do açúcar grande número de requisições, acompanhadas do dito requerimento, em que se apurou novamente, que estavam mais ou menos nas condições a que se refere o relato feito na primeira página dêste relatório, e que perfazia a totalidade em quilogramas, que então já era mais (300 toneladas), recebidas pela mesma firma.

Em 24 foi presente ao director geral ainda José Francisco da Silva, um parecer para acudir ao êrro cometido pelo Ministro dando a ordem acima, em que

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se aproveitava a oferta última da firma em questão ($39 e $44) e neste sentido foi assinado pelo aludido Ministro o citado parecer e decretado que o mesmo açúcar poderia ser vendido por preços superiores e dentro do regime estabelecido pelo então Ministério das Subsistências.

O restante açúcar no totalidade de 300 toneladas entrado até essa data, só foi requisitado pelo Ministro actual em 2 de Junho (ou seja depois da ida do Sr. Presidente da República aos entre-postos) tendo sido notificado à firma em 8 do referido mês.

Para esclarecimento cumpre-me informar que em 27 de Junho, ou fôsse em seguida à entrada das requisições, de que falei atrás, recebeu o chefe da secção de açúcar ordens terminantes do chefe do gabinete, Sr. Pinto de Almeida, para que fossem deferidas imediatamente todas as requisições da firma Hinton que se encontravam pendentes pelos motivos referidos, ordens estas que o chefe referido se absteve de cumprir, pois que esperava obter, nessa data, a assinatura do Ministro para o parecer de que me ocupei já. Neste prazo de tempo aparecia uma ordem para se proceder a uma sindicância à secção, ordem esta emanada do Sr. Pinto de Almeida, sindicância já anteriormente pedida pelo chefe de secção em virtude duma campanha jornalística sôbre o caso.

Tendo sido suspenso todo o movimento da secção e com êle os respectivos funcionários, foi neste intervalo de tempo encarregado de dirigir o mesmo serviço, pelo Sr. Pinto de Almeida, então director geral, o Sr. Fernandes de Vasconcelos que ignorando ou fazendo-se ignorado ... ordenou a distribuição do açúcar em questão por preços tam elevados como $46 e $48 cada quilograma (caso espantoso), não acatando assim o estatuído pela requerenta quando então Secretário de Estado Machado Santos, cujo preço era $42 e muito menos acatando a última oferta da mesma firma de $39 e $44, preços êstes aceitos anteriormente, o ordenados pelo Sr. Secretário de Estado Sr. Fernandes de Oliveira. (Despacho de 24 de Junho).

Sr. Presidente: veja V. Exa. como a acção dum Secretário de Estado honesto pode ser entravada pela chicanice dum Hinton, e como estas cousas se não podem fazer precipitadamente, sob pena de, mais tarde, o Estado ter de pagar larguíssimas indemnizações. O Hinton tem-nos custado muito caro, e como, atrás dele, há muita cousa oculta, Machado Santos, sempre enérgico, não quis comtudo dar aso, por procedimentos precipitados, que o Estado se viesse colocar em condições de lhe dar uma aparência de razão. As hesitações, os actos menos curiais vieram mais tarde que não no tempo de Machado Santos.

Pois foi êste açúcar e o do Sr. Bleck que o Sr. Presidente da República foi encontrar na alfândega, e que a imprensa do nosso país cantou em todos os tons.

O açúcar do Sr. Bleck, depois de várias chicanices, alegando de que estava vendido a casas iglesas, e tutti quanti, tinha sido requisitado já por Machado Santos em 5 de Junho. O Sr. Fernandes de Oliveira não cumpriu o despacho e em 18 suspendeu todas as requisições. Mas livrou-se de dizer isto ao Sr. Presidente do República, quando êle o interrogou sôbre o caso. Assim as culpas passariam a ser do seu antecessor...

Nestas cousas é preciso caminhar cautelosamente, com segurança, embora sem tibiezas. O público gosta, porêm, Sr. Presidente, de ver sempre as cousas correrem a foguetes...

Muitas vezes o Secretário de Estado vê-se embaraçado para evitar as indemnizações. É um exemplo bem frisante disto o que tem sucedido com a carga dos vapores ex-alemães.

Eu garanto a V. Exas. que depois da guerra, mesmo que os aliados vençam, nós havemos de pagar milhares de contos por indemnizações, porque a maior parta da carga dos vapores vinha consignada a casas inglesas. E tem se procedido neste assunto, desde o comêço, com uma inconsciência bem portuguesa.

Eu conto a V. Exas. uma pequena história que lhes dará a impressão do que é isto tudo.

Quando tomei conta da Direcção Geral dos Transportes Terrestres, apareceu-me o Sr. engenheiro Sarmento, dizendo-ma que tinha feito à Secretaria de Estado das Finanças uma requisição de ferro.

Êsse ferro apartou-se e qual não fora o seu espanto, quando soube que determinada casa de Lisboa - e há aqui um Sr.

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Deputado que é advogado dessa casa - o tinha nos seus armazéns.

Realmente o caso era de molde a admirar-me muito.

Soube depois que tinha aparecido um intermediário que conseguiu do Ministro das Finanças um despacho para poder retirar o mesmíssimo ferro, cedendo-o depois por venda à casa em questão.

O resultado foi eu ter mandado arrancar violentamente a essa casa - que culpa nenhuma tinha tido-o referido ferro.

Admirem V. Exas. e vejam como aquilo andava, e como tudo corria, e as consequências que tanta inconsciência nos há-de forçosamente acarretar no dia de amanhã.

Pelo regime das requisições em vigor, o ferro tinha de ser requisitado, devendo, depois da autorização, ser depositada uma primeira prestação correspondente ao valor da mercadoria, do Tejo antes da guerra; depois da entrega tem de se fazer um outro depósito da quantia correspondente, mais ou menos, a uma valorização do material e para ocorrera qualquer indemnização futura.

Imagine V. Exa., Sr. Presidente, todas estas confusões elevadas ao auge pela circunstância de, quando se efectuaram as descargas dos navios ex-alemães, não se ter feito o inventário da carga e ainda hoje se não saber ao certo o que êsses navios continham,

É por não conhecer estas cousas que o nosso povo erradamente atribui culpas a quem elas não podem caber. Veja V. Exa. Sr. Presidente, êsse nefando caso do papel para a imprensa?! O que não se disse por ai!

Sabe V. Exa. por que não tinha o papel saído no tempo de Machado Santos? Pela razão muito simples de que o Secretário de Estado de então ordenou que fôsse distribuído por determinadas fábricas para o prepararem, mas essas fábricas tinham de entrar com a primeira prestação e, como o não fizeram até & data do Ministro sair, não retiraram essa mercadoria. Quereriam V. Exas. e o público que o Estado cedesse o papel de mão beijada, por mera graça de Machado Santos!

Os interesses do Estado precisam ser zelados doutra forma, Sr. Presidente. E as campanhas da imprensa são muitas vezes, por falta de conhecimento dos factos, a cousa mais infame que poderíamos imaginar, pois vão ferir os que, dia a dia, trabalham honestamente, arcando com uma situação de que não são responsáveis e que assim são atirados para a praça pública, chamando-se-lhes incompetentes, imprevidentes e até desonestos!

Já que estou tratando de cousas extraordinárias, ocupar-me hei agora da célebre questão da batata.

Quando Machado Santos tomou conta da pasta das Subsistências encontrou batata apenas para dois dias. Á batata que, no entretanto vinha chegando a Lisboa, fôsse consignada a quem fôsse, era requisitada pelo serviço de abastecimentos e distribuída por tuna forma original.

Criou-se um sindicato de batoteiros, constituído, se bem me recordo, por quatro indivíduos; o serviço dos abastecimentos entregava toda a batata requisitada a êsse sindicato, que, sem trabalho nenhum, ganhava corça de 50$ por vagão!

Era uma questão de algumas centenas de mil réis por dia, mas sem trabalho. ;Modo de vida lucrativo, honesto e não sujeito a riscos!

O Ministro quis acabar com êsse sindicato - e acabou. Mas a batata começou a escassear. Dias depois recebeu o Ministro informação de que em Fornos de Algodres e noutras estações da Beira Alta estava batata a apodrecer - talvez 300 vagões - pelo que telegrafou à Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta para fazer seguir essa batata imediatamente para Lisboa. A Companhia da Beira Alta declarou não poder fazer o transporte por falta de vagões, visto que a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses lhe retinha diariamente centenas

A Companhia da Beira Alta entronca com a C. P., e o tráfego de lá para cá é menos do que de cá para lá. Como a multa por demora era de $50 por vagão e por dia, a C. P. retinha os vagões da Companhia da Beira Alta, pois assim podia tirar de cada vagão nm lucro de 20$ ou mais por dia. Não podia a Companhia da Beira Alta pagar-se na mesma moeda pelas diferenças de tráfego apontadas.

Não podendo fazer vir a batata a Lisboa, e porque as queixas do Minho e

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Douro eram tambêm constantes, publicou o Ministro de então uma portaria sôbre o assunto. Essa portaria elevava a multa de $50 a 10$ por dia, alêm de certos prazos reputados necessários para os transportes.

Conseguiu assim o Ministro trazer a batata a Lisboa, mas se V. Exa. soubesse os desgostos que isso lhe deu! Calcule V. Exa. que ao Sr. Presidente da República foi alguém afirmar que essa portaria tinha trazido à exploração dos caminhos de ferro um prejuízo de 10:000 toneladas em dois meses! Êsse alguém mentia e mentia conscientemente porque, estando à frente de uma companhia de caminhos de ferro, sabia perfeitamente não passar duma infâmia a sua afirmação!

Trouxe-se assim a batata para Lisboa. Depois, quando essa batata começou a esgotar-se, lançou-se mão de toda a batata disponível nos centros produtores. Mas outras questões surgem. Na ânsia da especulação, os consignatários, expedindo a batata para Lisboa, alteravam no caminho o destino das suas remessas. Era um direito consignado no Código Comercial.

Mas há uma lei superior a todas as leis: a lei fundamental da necessidade e da salvação pública. Foi preciso proibir essa mudança da destino e mandar fiscais das subsistências para os pontos principais das linhas.

Conseguiu-se assim abastecer de batata o mercado de Lisboa. Veio a batata nova, e Machado Santos, ao preço de $10 o quilograma, conseguiu ainda trazê-la aqui. Cai Machado Santos. Tomam conta do Ministério todos os grandes homens que o país tinha de reserva. E o que se vê? Há quási dois meses que não temos batata em Lisboa. Porquê?

E o arroz? Sabem V. Exa. qual o arroz de que estamos vivendo? Vivemos de 700 toneladas, mobilizadas na região de S. Tiago de Cacem, e de 2:000 toneladas compradas por Machado Santos em Moçambique, e que, a pouco e pouco, vêm chegando a Portugal. Conseguiu assim êste homem público garantir por algum tempo o abastecimento do país, e manter o preço do quilograma a $41.

E depois, Sr. Presidente, o que é que se tem passado? Já se fizeram novas compras para acautelar o futuro? Mantêm-se o mesmo preço? Ou por ventura as nossas altas capacidades governativas classificam isto tambêm no número das cousas mínimas?

A carne? Eis aí outro assunto mínimo, Sr. Presidente.

Porque é que nós temos a carne cara? Porque se faz contrabando para Espanha, e porque não adoptamos o sistema das restrições. O contrabando é difícil de evitar porque os guardas fiscais são os primeiros contrabandistas. (Risos). Isto não impede que se não faça a substituição de uma parte da guarda fiscal fronteiriça.

Machado Santos tinha preparada uma medida proibindo a venda de carne dois dias por semana, e entrara em acordos com os interessados para êstes aceitarem tabelas para a venda mais barata do que as actuais.

Porque se não continuou na mesma senda? Porquê, Sr. Presidente? Não teremos o direito de o preguntar ao Govêrno?

Quanto ao regime das importações e exportações, devo dizer à Câmara que, a êste respeito, se têm dito cousas fantásticas.

A Câmara não calcula o que era, antes de Machado Santos ter tomado conta da Secretaria de Estado das Subsistências, o regime das importações e exportações.

Era uma perfeita confusão.

Havia três ou quatro Secretarias de Estado que autorizavam as importações e exportações.

Fazia-se sentir a urgência dum ditador das importações e exportações que, estando à testa dêsse serviço, pudesse regular as entradas e saídas dos produtos no nosso país, por forma a conjugar as necessidades dos abastecimentos com a situação dos câmbios.

E ainda pelas mesmas razões é preciso que o serviço de transportes marítimos e terrestres, esteja nas suas mãos.

Por termos dado as cousas ao deus dará, é que nos encontramos nesta situação.

Somos o país da chicana.

Permita-me a Câmara que eu relembre aqui a questão do vinho.

Quando o nosso comércio mandava para França, vinho, sem prévios contratos que nos acautelassem do perigo de toda a

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importação francesa ser canalizada para a Itália e Espanha em detrimento nosso, Machado Santos entendeu garantir transportes à Federação dos Sindicatos Agrícolas, que tinha entrado em negociações directas com o Govêrno Francês, que tinha cascaria, e dava portanto as garantias que as outras não apresentavam.

A primeira vantagem dessa medida foi elevar considerávelmente o preço do vinho.

Em que estado se encontra hoje a questão?

Não sei.

Ora vejo nos jornais franceses que há uma comissão encarregada de receber, até 15 de Agosto, todos os pedidos de importação de vinho de Espanha, a fim de garantir os abastecimentos até final de Dezembro.

Estão acautelados os nossos interesses no tocante à exportação de vinhos?

Não chegará o dia 15 de Agosto e não nos dirão que já não necessitam dos nossos vinhos?

Machado Santos, tratando dêste e doutros assuntos, acautelou sempre o mais possível os interesses do Estado.

De facto, a Secretaria de Estado das Subsistências não produziu o que podia produzir, mas isso foi devido simplesmente a ter sido criada muito tarde, não correndo os serviços, por êsse motivo, com a normalidade que seria para desejar.

A Câmara não ignora que nós lutamos com um estado de indisciplina extraordinário.

O Sr. Botelho Moniz, que tem desempenhado por uma forma digna do maior elogio, um cargo da mais alta responsabilidade, há-de com certeza dar-me razão.

Estou convencido de que S. Exa. há-de ter empregado os maiores esforços, tendo afinal de contas apenas conseguido apanhar alguns géneros ao pequeno açambarçador de Lisboa.

E, se o lutar contra o açambarcador se torna já difícil na capital, pelo país fora é quási impossível.

Seria necessário aumentar muito o pessoal para se pensar executar um serviço de tal natureza.

Sr. Presidente: a questão do pessoal é muito complexa e precisa ser encarada com a maior atenção.

Deixemo-nos de vagas e anónimas acusações e exageros na quantidade do pessoal.

Não se pode fazer juízos por vagas campanhas de jornal.

Imaginem V. Exas. que eu queria amanhã montar o serviço do carvão, de forma idêntica àquela por que está montado em França.

Em França, o Estado compra todo o carvão da produção nacional e o que lhe é cedido pela Inglaterra.

Faz depois um rateio pelas diversas indústrias, atendendo à sua importância relativa no actual momento, e, em seguida depois de apurar o que cabe a cada cidadão, faz a distribuição por toda a parte.

Se quisóssemos proceder por esta forma, nem com o pessoal de dez Secretarias de Estado como o das Subsistências, o conseguiríamos fazer.

Mas já é tarde, Sr. Presidente, e convêm atacar a questão fundamental.

Estarão realmente os serviços de transportes terrestres e marítimos mal ligados com os das Subsistências?

Deverão ou não todos êles formar um só organismo?

Sôbre êsse assunto lavra por aí uma enorme confusão. Pois não vimos nós, Sr. Presidente, há pouco, o Sr. Secretário de Estado do Interior declarar-se partidário da entrega dos navios a uma empresa, a título de que só as empresas é que têm os técnicos e utensilagem necessária para êsse serviço.

Discordo fundamentalmente dessa opinião, e entendo, pelo contrário, que o Estado deve mobilizar os navios das empresas particulares, embora venha a ensaiar depois o fazer trabalhar êsses navios à comissão.

Vou citar e V. Exa. dois exemplos que, certamente, esclarecem a Câmara.

Um dia estavam na América dos navios, Dondo e Mermugão.

A carga geral dá mais lucros do que a carga de trigo; portanto é natural que as empresas prefiram a carga geral. Deu-se êste caso com o Dondo: a Empresa Nacional de Navegação dizia que carregassem carga geral e não trigo; o Ministro ordenava o contrário.

Esta luta durou mês e meio.

De Londres, o nosso adido militar, comunicava-nos que lá éramos acusados

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de utilizarmos os navios em transportes de máquinas de escrever, conservas, etc., em prejuízo doutros géneros que mais falta nos faziam.

O Ministro por isso impôs a sua vontade à Empresa e o Dondo trouxe trigo ou farinha, não me recordo, j Mas a Empresa exigiu pelo frete 1:700 contos!

Vamos agora a um outro exemplo elucidativo:

Chegou a Lisboa o vapor Loanda e o Ministro dos Transportes que sabia que êsse barco se demorava um mês neste pôrto sem nada fazer, lembrou-se, e muito bem, de o enviar a êste com carga de vinho e para trazer fosfatos.

Isto em nada prejudicava a Empresa, visto que não era preciso para tal alterar o plano das viagens para a África.

Depois veio outro Ministro - o das Colónias - com outro critério; levantaram-se dificuldades burocráticas, e o que é certo é que a Empresa não chegou a cumprir a ordem recebida.

Veja a Câmara as dificuldades que provêm de não estarem nas mesmas mãos os serviços dos abastecimentos e os dos transportes marítimos. Dêem-lhe as voltas que derem, hão-de cair nesta solução.

Desfez-se o que estava feito com o Parlamento prestes a abrir.

Agora tudo isto ficou para ser resolvido, para ser tratado com o Parlamento fechado! Acho isto inconvenientíssimo, porque a questão dos transportes é fundamental e não seria inútil sôbre êste assunto ouvir a opinião de todos.

Por outro lado separaram-se ainda dos serviços dos abastecimentos os transportes terrestres. Outro êrro fundamental!

Da forma como as cousas vão caminhando, dentro em pouco o material dos caminhos de ferro estará quási todo avariado. O material vai cansando de tal maneira que é de recear a paralização dos nossos caminhos de ferro se a guerra durar mais um ou dois anos. Não temos maneira de adquirir material nos Estados Unidos da América do Norte e na Inglaterra porque perdemos a única oportunidade que tínhamos de fazê-lo. De facto, na Europa, só a Espanha e Rússia têm a mesma bitola nos seus caminhos de ferro do que nós. A América e Inglaterra tinham executado uma grande encomenda de material circulante para a Rússia, que não chegou toda a seguir por causa dos acontecimentos revolucionários que ensanguentam aquele país. A Espanha, cautelosamente, adquiriu a maior parte do material que sobrara. Por conseguinte, havemos de nos ver em várias dificuldades para renovar o material, que se vai deteriorando constantemente, sem ter quem nos ceda outro. Duas ou três locomotivas e meia dúzia de vagões que se adquiram não é nada para as nossas necessidades e para contrabalançar o material a renovar.

Por outro lado a diminuição de capacidade de transporte por virtude do pejamento de centenas de vagões com lenha destinada às indústrias e aos próprios serviços dos caminhos de ferro, é um facto incontroverso, ainda agravado com a circunstância de terem decrescido, por falta de emprego de carvão, as velocidades de transporte.

Daí resulta estarem os cais abarrotados de mercadorias, dificultando as cargas e descargas, dando uma nova diminuição na capacidade de transporte.

Em Santa Apolónia os cais estão pejados de mercadorias. Centenas de vagões são demorados e ficam inúteis durante dias por não encontrarem cais disponíveis para a descarga e carga das mercadorias.

O Secretário de Estado das Subsistências e Transportes tem de olhar por que os abastecimentos do país se façam nas melhores condições, dadas as circunstâncias difíceis em que tudo se encontra. Tem de fazer incidir, principalmente, a sua atenção sôbre os meios de transportes, ordenando para isso os necessários descongestionamentos. Tem de regular a maneira por que se há-de fazer a circulação dos géneros, impondo às companhias de caminhos de ferro, que não pertencem ao Estado, a ordem de precedências e as regras por que devem fazer o transporte dos produtos para que se não dêem casos gravíssimos. Tem de ir até impor determinados transportes, para que não morram certas indústrias ou se não façam especulações inclassificáveis.

Um dia, por exemplo, o Sr. Figueiredo Rêgo procurou o Secretário de Estado das Subsistências e Transportes para lhe narrar um abuso que estavam cometendo vários negociantes que vendiam o enxofre

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a 20$ a saca, emquanto que a Associação de Agricultura se comprometia a vender o enxofre a 12$. Mas, como não tinha essa associação grande margem para lucros, não conseguiu transportes para êsse enxofre, porquanto as empresas ferroviárias davam preferência ao enxofre dos negociantes que podiam pagar acelerações em virtude dos lucros enormes que auferiam na venda do enxofre.

O Ministério das Subsistências ordenou às companhias dos caminhos de ferro que se fizesse o transporte do enxofre da Associação Central da Agricultura Portuguesa.

As companhias responderam que não , tinham vagões. Foi preciso impor, à má cara, a essas companhias de caminhos de ferro que cumprissem a ordem recebida.

Repito: o enxofre da Associação Central da Agricultura saía a 12$ a saca, emquanto que o vendido pelos negociantes, a quem as empresas ferroviárias davam preferência, custava 20$ a saca.

Uma voz: - Protesto contra essas palavras.

O Orador: - Portanto, quem superintender nos abastecimentos terá muitas vezes de intervir na gerência das empresas ferroviárias para regularizar a maneira por que se hajam de efectuar os transportes das mercadorias.

Mal vão as cousas de serviço de abastecimento!

Separar os transportes marítimos e terrestres do serviço de abastecimentos, foi um acto de insensatez, que é necessário remediar.

E, Sr. Presidente, seria bom que nos conservássemos aqui algum tempo mais, para darmos a nossa cooperação e o esforço de que somos capazes, aos Secretários de Estado que ocupam as cadeiras do poder.

Muito mais longas considerações o caso merece, a verdade é que já estou cansado e cansada a Câmara de me ouvir.

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - Vou, pois, terminar; mesmo há mais oradores inscritos para falar e não sou eu que os impedirei de fazerem ouvir as suas razões. Nestas circunstâncias, peço à Câmara desculpa de lhe ter tomado algum tempo, inutilmente...

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - Mas, acreditem os meus ilustres colegas que não fui levado a usar da palavra por qualquer motivo de retaliação para quem quer que seja. A minha pessoa é muito pequena para ser chamada a êste grande debate. Apenas me move o intuito de fazer justiça a um homem que tem sido abocanhado por muitos que não têm a sua inteligência nem o seu carácter, e mostrar que erros todos os cometem.

É necessário haver respeito pelas intenções, eu próprio o tenho, visto que, mesmo quando ataquei o Sr. Fernandes de Oliveira na questão do azeite, declarei que não acreditava que houvesse intuitos desonestos da sua parte. Faço justiça à honestidade dos outros. Precisamos, porêm, acabar com pequenos favoritismos que vão traduzir-se em desorganizações muito grandes.

E em consequência dêsses favoritismos que estamos, há dois meses, sem azeite em Lisboa.

Vou concluir, reduzindo ai minhas considerações às seguintes preguntas a que os Srs. Secretários de Estado responderão se quiserem:

1.ª Qual a idea que presidiu à reunião dos serviços de abastecimentos com o dos transportes marítimos e terrestres, e qual a idea que presidiu depois à sua separação?

2.ª Está o Govêrno disposto a decretar, no interregno parlamentar, alterações à organização dos transportes terrestres?

3.ª Está o Govêrno no propósito de passar os barcos pertencentes ao estado para qualquer empresa particular?

4.ª Pensa o Govêrno que a execução tardia do decreto dos celeiros municipais possa ter qualquer eficácia?

5.ª Porque se não criou um único tipo de pão e porque se fixou para o trigo o tipo de farinação de 80 por cento?

6.ª Que medidas fiscais decretou o Govêrno para a fiscalização do decreto sôbre o pão, medidas sem as quais o público pode ser roubado em muitos milhares de contos?

7.ª Pensa o Govêrno em decretar restrições de consumo?

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8.ª Na reunião, havida em Londres, dos Ministros dos Abastecimentos dos aliados para a distribuição do trigo e carne americanos, Portugal ter-se-ia feito representar, e qual a parte que nos coube no rateio?

9.ª Qual o nosso déficit cerealífero aproximado e quanto milho se poderá fazer vir das nossas colónias?

10.ª Pensa o Govêrno em generalizar nos grandes centos o sistema das cartas de consumo?

11.ª Porque não há actualmente batata em Lisboa?

12.ª Além do arroz que tem vindo por virtude dó contratos do tempo de Machado Santos, já se adquiriu mais algum?

13.ª Porque se não mobilizou o azeite, como ordenara Machado Santos" e porque se não adoptaram outras medidas para o trazer para Lisboa?

14.ª Porque se não restringiu o consumo da carne e porque se abandonou a idea de tabelas mais baratas?

15.ª Que medidas pensa o Govêrno tomar para evitar o contrabando para Espanha?

16.ª Estão acautelados os interesses da nossa exportação de vinhos para França e Inglaterra?

17.ª Pensa o Govêrno em continuar a entregar cambiais a bancos?

O Sr. Fernandes de Oliveira (Secretário de Estado da Agricultura): - Sr. Presidente: a V. Exa. e à Câmara dirijo os meus, cumprimentos, visto que é esta a primeira vez que tenho a honra de falar nesta sala.

Vou responder, na parte que me diz respeito, ao discurso do Sr. Cunha Lial. S. Exa. na interpelação que acaba de fazer ao Sr. Secretário de Estado do Interior, fez várias vezes alusão nas suas referências aos serviços de subsistências, a factos passados durante a minha curta gerência interina, da pasta das Subsistências, e, por isso, eu solicitei do meu colega ao Interior a fineza de me dar a sua vez no uso da palavra, para que eu possa falar antes de S. Exa., visto que à maior parte do discurso do Sr. Cunha Lial estarei eu mais habilitado a responder do que S. Exa. o Sr. Secretário de Estado do Interior, que há poucos dias tomou conta dos assuntos que estavam entregues à Secretaria das Subsistências.

A primeira referência, do Sr. Cunha Lial, a propósito dos serviços de subsistências, foi feita à minha pessoa, dizendo que para a Secretaria das Subsistência", depois da saída do Sr. Machado Santos, fora, embora interinamente, um representante da alta lavoura alentejana.

Ora, eu aproveito esta ocasião para dizer a V. Exa. e à Câmara qual a minha situação.

Não fui trazido pela política para êste lugar, nem por ter entrado - porque não entrei nunca - em quaisquer movimentos revolucionários e, portanto, a julgar-me, como a outros tem sucedido, um homem público e com competência, pelo menos política, para vir ocupar as cadeiras do Poder.

Vim ocupar êste lugar a pedido do Sr. Presidente da República e porque se me impôs um alto sentimento de patriotismo, sentimento que é, decerto, o mesmo que inspirou quási todas as pessoas que estão nesta casa. (Apoiados).

S. Exa. o Sr. Presidente, quando criou as pastas da Agricultura e das Subsistências, dirigiu-se à Associação de Agricultura e pediu-lhe os dois Ministros.

Fui eu a vítima escolhida e eis a razão por que estou neste lugar.

Sou representante da lavoura alentejana, disse-se.

Honro-me muito com isso. (Apoiados}.

Embora entre os lavradores alentejanos possa haver indivíduos que mereçam castigo e censura porque pratiquem actos condenáveis, é necessário dizer que a sua maioria é composta de gente honrada e respeitável.

Prezo-me de pertencer a essa maioria e, se e digo aqui, é porque estou falando para o país, porque se estivesse falando apenas para os meus amigos escusava de, o dizer. (Apoiados).

Devo tambêm dizer ao Sr. Cunha Lial que, no desempenho dêste cargo de Ministro, ponho acima de todos os interesses os interesses do país. (Apoiados).

Estou sacrificando os meus interesses pessoais, o meu sossego e bem estar e, se o faço, é porque um mais elevado interêsse se impõe.

Antes de passar a responder a todas as considerações do Sr. Cunha Lial, per-

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mita-me S. Exa. que eu faça já referencia a um ponto principal do seu discurso e de que esperam tirar partido e que pretende ser um ataque à minha pessoa,.

É o que diz respeito à questão do azeite. O documento que V. Exa. leu, tinha-o lido e esteve na minha mão, na manhã do próprio dia em que deixei de ser Secretário de Estado, interino, das Subsistências.

Se tivesse tido conhecimento dele, mais cedo teria demitido o funcionário que o elaborou, pela confissão que nele faz da traição armada ao Secretário de Estado e pelo não cumprimento da sua missão e dos seus deveres (Apoiados), e vou explicar a S. Exa. a razão por que assim procederia.

Quando em Março dêste ano o Sr. Machado Santos fez a tabela dos azeites, sendo um decreto com fôrça de lei, eu tinha de o assinar.

Fiz ver ao Sr. Machado Santos que não me agradava o decreto pelas razões que vou expor.

Primeiro era pelo preço. Não havia muito que a Direcção das Subsistências mandara comprar azeite por preço superior ao da tabela que queria publicar.

S. Exa. não concordou.

Fiz ver ao Sr. Machado Santos que o preço devia ser mais alto e que tinha sido o próprio Estado que o tinha reconhecido e que com certeza a nova tabela ia ser mal recebida, provocaria más vontades, e que em vez de promover a vinda de azeite para Lisboa o contrário se daria, a não ser que caminhasse para o regime das violências.

Não concordava tambêm, por forma alguma, que, no caso de requisição, o preço seria ainda inferior de $10 sôbre o da tabela.

A essa parte responde-me o Sr. Machado Santos que era uma disposição unicamente para meter medo, que ficava na lei, mas cujo cumprimento nunca ordenaria.

Acabei por transigir, porque não queria que por minha causa se abrisse uma crise ministerial.

O Sr. Cunha Lial: - Eu tive informações que V. Exa. queria que o azeite extra ficasse sem preço.

O Orador: - Efectivamente, como uma forma indirecta de compensar o lavrador do prejuízo que tinha no azeite para consumo.

O azeite extra pode-se considerar artigo de luxo e o seu preço um pouco mais elevado em nada vinha afectar à vida das classes pobres. Mas o Sr. Machado Santos foi intransigente e eu por fim tive de ceder, repito, para não abrir uma crise. Sendo eu o Secretário de Estado menos político, ser-me-ia bastante desagradável, que por minha via se produzisse uma crise.

Como se tratava duma questão de dinheiro, o representante da alta lavoura alentejana, cedeu.

O Sr. Machado Santos mandou, em Maio, vários funcionários ao Alentejo para comprarem azeite; uma das missões que foi a Moura requisitou logo o azeite ao primeiro lavrador que estava na lista do manifesto de produção arquivado na câmara municipal, e a requisição feita por forma violenta e em obediência ao decreto, por menos $10 que a tabela. O que se passou com essa requisição, o ilustre Deputado residente em Moura, Sr. Vítor Mendes, melhor do que eu poderá explicar à Câmara.

Recebi imediatamente telegramas protestando contra o facto e contra a forma como se tinha feito a requisição. Dava-se até o caso do lavrador vítima de tal violência, ser o chefe democrático local, o que poderia até parecer da parte do Govêrno uma questão de acinte político.

Isto foi logo uma das primeiras cousas de que eu tive conhecimento, ao assumir a interenidade da pasta das Subsistências. Sucedia, portanto, que eu que não tinha concordado com o decreto com a tabela dos azeites, que eu assinei à contre coeur, é que havia de executar tal medida. Repugnava-me fazê-lo e não o fiz.

Agora vamos ao caso do azeite de Torres Novas.

O Sr. António de Oliveira Belo, gerente da Mercantil, conheci-o pela primeira vez quando eu ia de viagem à Escola de Agricultura; viagem que foi mais demorada por causa da greve ferroviária. Como V. Exas. vêm, o meu conhecimento com o Sr. Belo é muito recente; S. Exa. procurou-me logo que tomei conta da pasta das Subsistências para me dizer

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que tendo azeite comprado em Torres Novas desde Novembro, êsse azeite acabava de lhe ser requisitado por uma forma violenta. Se até então ainda não o tinha retirado foi porque não tinha cascos, visto os ter emprestado, gratuitamente, em Dezembro, à Direcção das Subsistências.

Essa cedência tinha sido por quinze dias, que foram tam longos que só em Maio, ou sejam quatro meses depois, pode reaver os cascos e todos avariados!

Reclamava-me, portanto, S. Exa.; então eu cedo gratuitamente os meus cascos, demoram-mos quatro meses, recebo-os avariadíssimos; por êstes motivos, não posso retirar o azeite e por fim em paga, o meu azeite é requisitado!

Francamente, era justíssima a reclamação e tinha por isso que a atender.

Apenas ingressei na Secretaria de Estado das Subsistências, passei a não ter um momento de meu.

Quási que não tinha tempo para comer e dormir.

O meu tempo era todo absorvido para atender a reclamações.

Parecia que aquela Secretaria de Estado tinha só por função provocar constantes reclamações.

Para a condução de azeite que estava comprado na província foram requisitados 100 cascos a três casas comerciais de Lisboa: Companhia União Fabril, Levy & Ca. e Borges do Rêgo.

Essas empresas vieram tambêm protestar junto de mim contra o facto dessas requisições, porque não tinha sido fixado o preço do aluguer e porque, segundo o costume, os cascos ficariam na posse do Govêrno, e quando voltavam para os seus donos, depois de grandes demoras, vinham completamente avariados e alguns mesmo não voltavam, porque se extraviavam.

Perante estas reclamações envergonhava-me por estar à frente de serviços públicos, tam anárquicamente executados!

Chamei os representantes das referidas firmas e disse-lhes que tinham razão e que a culpa do acontecido era devido à má organização dos serviços da Secretaria de Estado.

No emtanto precisava conduzir o azeite para Lisboa e não tinha cascos.

Para não ter de efectivar a requisição, propus-lhes que se encarregassem de conduzir o azeite para Lisboa, por conta e risco do Govêrno.

Êles acederam, da melhor vontade, pois preferiam fazer êsse serviço gratuito, a que lhes fossem requisitados os cascos.

Ordenei ao chefe da repartição respectiva que mandasse às várias localidades onde havia azeite comprado, os empregados necessários para pagarem o azeite e comunicarem que qualquer das três casas iria buscar êsse azeite por conta e risco da Secretaria de Estado.

O empregado que foi a Tôrres Novas, deturpando a verdade dos factos, foi dizer aos produtores que o azeite já não era para a Secretaria de Estado das Subsistências, como o Sr. Machado Santos tinha determinado!

Que o novo Ministro resolvera entregar êsses azeites às casas Borges do Rêgo, Levy & Ca. e União Fabril.

Quer dizer, traindo a sua missão e o Ministro, foi mentir aos vendedores!

É o que êle próprio confessa, no relatório que o Sr. Cunha Lial leu à Câmara e com que julgava tirar o melhor efeito da sua interpelação.

Desde a primeira hora em que entrei para a Secretaria de Estado das Subsistências, encontrei uma resistência passiva, constante, a todos os meus actos, fazendo-se ali uma verdadeira conspiração.

Devo dizer a V. Exa. que na Secretaria de Estado das Subsistências havia funcionários muito dignos, muito honestos, mas havia tambêm alguns com cadastro, e todos mais ou menos com o espírito de revolta em que desde há muitos anos têm vivido o Sr. Machado Santos e a sua entourage.

Era preciso fazer crer cá fofa que os serviços da Secretaria de Estado não podiam caminhar, que não era possível resolver-se o problema das Subsistências.

Não era competente para estar à frente dessa Secretaria um comerciante, um lavrador, por mais honestos que fossem.

Para Ministro das Subsistências só podia servir um pensionista do Estado, um almirante!

Era esta a conspiração que se fazia em redor de mim, e de tal forma que eu nunca consegui obter uma informação das repartições!

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O Sr. Cunha Lial: - Falou V. Exa. no pensionista do Estado, mas foi o pensionista do Estado que fez com que V. Exa. pudesse ocupar êsse lugar.

O Orador: - Porquê?!

O Sr. Cunha Lial: - Porque, se não fôsse o pensionista do Estado, V. Exa. poderia talvez ser Ministro da Monarquia, mas...

O Orador: - Ao contrário do que V. Exa. parece imaginar, honro-me de estar aqui unicamente pelo serviço que estou prestando ao meu país.

Nisto apenas consiste o meu orgulho! Não conquistei êste lugar, pela intriga política ou revolucionária!

Ocupo-o com grande sacrifício de interesses e do meu sossego.

Sirvo o meu país, e, se me convencer do contrário retiro-me, quanto mais não seja com a satisfação do dever cumprido.

A conspiração que eu sentia, Sr. Presidente, efectivou-se em palavras no documento que aqui foi lido.

Tal documento é a comissão tácita dessa conspiração.

A hora já vai muito adiantada e eu não quero cansar a Câmara, tanto mais que há uma comissão de inquérito aos serviços da Secretaria de Estado das Subsistências, comissão composta de indivíduos absolutamente honestos e absolutamente insuspeitos, amigos pessoais do Sr. Machado Santos, que tenho como um homem honrado e bem intencionado, se bem que nem todos os indivíduos que o rodeiam me possam merecer o mesmo conceito.

Uma voz: - Exploram o prestígio do Sr. Machado Santos!

O Orador: - Não me ficaram na idea todas as preguntas do Sr. Deputado Cunha Lial.

Falemos, no emtanto, dos celeiros municipais.

Assim que tomei conta da pasta das Subsistências, o meu primeiro cuidado foi mandar para a imprensa uma nota dizendo que os celeiros municipais seriam unicamente modificados, atendendo a reclamações justíssimas.

Diz o Sr. Cunha Lial que as colheitas estão terminadas.

Não sucede assim, e o Govêrno ainda está muito a tempo de aproveitar os celeiros.

O Sr. Cunha Lial: - A do centeio já acabou.

O Orador: - V. Exa. mostrou agora mais uma vez desconhecer êstes assuntos.

O centeio é o primeiro cereal a colher e o último a debulhar.

Feita, a ceifa é pôsto em meda na eira e, depois de debulhado o último grão de trigo, principia-se então a debulha do centeio.

Só para Setembro é que esta debulha se fará.

Relativamente à questão do decreto sôbre trigos, preguntou S. Exa. porque se foi a uma extração de 80 por cento.

A França tambêm teve a ilusão das grandes extracções.

Depois reconheceu-se nêsse poder tirar mais em farinha do que 80 por cento. No novo decreto essa percentagem está fixada em 80 por cento porque os trigos esto ano têm um peso específico muito baixo.

Quanto ao único tipo de pão concordaria, mas o preço tinha de ser muito mais elevado.

O Sr. Cunha Lial: - V. Exa. pode-me dizer qual o preço?

O Sr. Fernandes de Oliveira: (Secretário de Estado da Agricultura): - $30.

O Sr. Cunha Lial: V. Exa. está enganado; garanto a V. Exa. que fizemos a conta e que o preço não pode ir alêm de $20.

O Sr. Fernandes de Oliveira: (Secretário de Estado da Agricultura): - Com o trigo a $23?

O Sr. Cunha Lial: - Mas é porque pé misturava milho cujo preço não ia alêm de $13.

Em todo o caso é um preço muito mais elevado e haveria nas classes baixas quem não o pudesse adquirir; com o preço actual há já muito a quem seja difícil adquiri-lo.

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Não quero dizer no entanto, que não se modifique, visto que o Sr. Secretário de Estado do Interior não deu a sua última palavra sôbre o assunto.

Muitas mais cousas teria a dizer sôbre os diferentes serviços do Ministério das Subsistências, que mereceriam grandes reparos, pois tenho aqui um grande dossier de documentos muito comprometedores da direcção dos mesmos e para muitos funcionários mas não irei mais longe. A comissão de inquérito dar-lhe há oportunamente a devida publicidade. Gosto mais, muito mais. de me defender do que acusar.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Tamagnini Barbosa: (Secretário de Estado do Interior): - Responde demoradamente às considerações feitas pelo Sr. Cunha Lial, apresentando a orientação a seguir para se modificar em sentido favorável a sua situação económica.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: estava longe de mim a idea de usar hoje da palavra. Vejo-me, porêm, forçado a fazê-lo, em virtude da acusação de açambarcadoria que o Sr. Cunha Lial lançou sôbre a classe a que me honro a pertencer.

Assim, tendo de usar da palavra pela primeira vez, permita-me V. Exa. que muito rapidamente lhe apresente as minhas saudações de superior respeito e que à benevolência de todos se recomende quem, nunca tendo sido orador, tem dedicado a sua vida à labuta dos campos, à boa política - permita-se-lhe o termo - da vida agrícola.

Terão, pois, V. Exa. e a Câmara, de me ouvir não como orador, mas como um lavrador que aqui tem de se defrontar com uma acusação das mais graves que no actual momento se pode dirigir a alguém : a acusação de açambarcador.

Agradeço ao Sr. Cunha Lial o ter-me prestado ocasião de varrer a minha testada acêrca de insinuações feitas nesta Câmara o ano passado, e de responder tambêm ao Sr. Machado Santos que me alcunha agora, na outra Câmara, de metediço.

Faz-se esta acusação à lavoura que tem trabalhado com todos os governos, inclusive com o da União Sagrada, sem especulações políticas, dando todo o seu esforço e toda a sua competência, para bem do país.

O Sr. Cunha Lial agravou a situação chamando-nos açambarcadores, perante a Câmara onde se acham representantes da lavoura que não querem dar lições de patriotismo mas tambêm as não querem receber.

Uma classe como a lavoura não merece que seja alcunhada de açambarcadora, porque, meus senhores, o açambarcador é alêm de um ganancioso um inimigo da ordem.

O Sr. Cunha Lial: - V. Exa. dá-me licença? Quando se mandava vir trigo do Alentejo, êsse trigo não aparecia. Farinha? Também não se encontrava.

O Orador: - A lavoura foi alcunhada de açambarcadora. E desde que a minha classe foi assim desconsiderada eu tenho o dever de a defender.

O Sr. Machado Santos alcunhou-nos de metediços. Querem V. Exas. saber como começaram as nossas relações com o Sr. Machado Santos?

Sem que nós tivéssemos procurado o Govêrno ou o Sr. Machado Santos, alguém em nome dele veio à Associação de Agricultura dizendo que a hora era grave, que nós não tínhamos pão para o dia imediato. E preguntaram-nos: Os senhores têm algum "alvitre a dar ao Govêrno para nos livrar desta situação tam séria?

Respondemos: Sim, senhor, temos. E então disseram-nos que os apresentássemos porque o Govêrno precisava urgentemente deles.

Então o Sr. Ministro das Subsistências mandou ouvir a Associação de Agricultura sobro um alvitre que êle Ministro nos apresentava e que dizia era um estímulo para trazer os trigos a Lisboa.

Êsse alvitre era o de pagar os trigos por preço superior.

A Associação de Agricultura respondeu ao Ministro das Subsistências que isso seria a última das imoralidades.

Depois surgiram as dificuldades na exe-

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cução do novo alvitre e então houve um vogal da Associação, o Sr. Luís Gama que disse:

- "Eu vou a Beja como delegado do Govêrno".

É triste, Sr. Presidente, que a lavoura portuguesa se tenha sujeitado aos maiores sacrifícios, para benefício do país, e que, no fim de tudo, haja quem não reconheça esta atitude e a venha atacar em pleno Parlamento!

Não tendo sido aceito o oferecimento da Associação de Agricultura, e tendo o Sr. Machado Santos declarado aos lavradores que não aceitava o seu alvitre, eu lembrei a conveniência que o Govêrno tinha em adoptar certas medidas relativas à compra do trigo. A questão dos intermediários é, por exemplo, da mais alta importância, porque êstes é que são os açambarcadores e não os lavradores como muita gente julga.

O Sr. Cunha Lial: - Sabe V. Exa. o se passou com o Sr. Aresta Branco, quando andou pelo Alentejo?

É oportuno frisar que, tendo S. Exa. ido a Beja para comprar trigo, se entendeu com negociantes e não directamente com os lavradores, como era natural.

O Orador: - Passou-se depois a discutir o preço dos trigos. Resta altura o Sr. Machado Santos, que ainda não formava um mau juízo a nosso respeito, praticou o gesto, para nós penhorante e a que rendemos os nossos agradecimentos, de ir até a Associação de Agricultura discutir o preço dos cercais. Depois duma larga discussão chegou-se a um entendimento e o Sr. Machado Santos mandou fixar o preço sôbre os quais tínhamos acordado, ficando essa fixação dependente de experiências, exactamente para se fixar o pêso específico do arroz.

Relativamente aos celeiros municipais, vou dizer à Câmara o que se passou a êste respeito.

Começámos a discussão com o desejo de acertar, como pode desejar quem à lavoura se dedica. O projecto de decreto foi apreciado artigo por artigo o não sei se discutimos bom se mal, mas eu apelo para um ilustre Senador que aqui se encontra presente para que diga se é ou não verdade que a reunião terminou por estas palavras: "Oh! Machado, num bocado da noite resolvemos uma cousa útil que, certamente, levaria muitas sessões no Parlamento".

Uma voz: - Apoiado!

O Orador: - Mas se a obra foi má, a culpa foi do obreiro e não nossa.

O que é certo é que o decreto foi publicado com grande parte dos defeitos, pois essa obra enfermava dum mal de origem.

Refiro-me ao que de desprimoroso para as câmaras municipais tem o referido diploma. Não era uma garantia municipal, mas uma organização estadoal, pois o funcionário encarregado do celeiro era um funcionário do Estado. E como isso fôsse ainda pouco, dava-se aos celeiros municipais a faculdade de comprar trigos em toda a área, quando se deviam limitar ao concelho.

Quando o Sr. Machado Santos saiu do Ministério, o actual Ministro fez publicar uma nota oficiosa em que se dizia que se ia modificar o decreto dos celeiros municipais. Êsse decreto foi publicado. E eu devo dizer a V. Exas. que o segundo é mais exequível do que o primeiro.

É preciso que a Câmara saiba que o homem que neste momento se senta na cadeira do Poder, sobraçando a pasta da Agricultura, é credor do país dos mais relevantes serviços.

Quando era difícil fazer vingar uma associação agrícola no país, S. Exa. fundou o Sindicato Agrícola de Serpa, que é modelar.

Quando era notória a escassez da pro1-dução agrícola em Portugal, o Sr. Fernandes de Oliveira dava o exemplo do parcelamento da serra de Serpa, constituída por milhares de hectares, permitindo que se fizesse rapidamente a cultura dêsse enorme trato de terreno, de maneira a produzir uma grande quantidade de azeite e de trigo.

S. Exa. é o homem que deixa as comodidades da sua casa para consentir em ser Ministro, lugar em que se é atingido por insinuações.

O Sr. Cunha Lial: - V. Exa. é incapaz de dizer que fiz insinuações. V. Exa. é que está insinuando...

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O Orador: - Desculpe V. Exa. Não quis visar V. Exa. Estou apenas respondendo à campanha que se fez em volta da extinção do Ministério das Subsistências, que deu, como resultado final, o estabelecer-se uma corrente de insinuações contra o Sr. Fernandes de Oliveira.

Creio ter demonstrado à Câmara o a V. Exa. que a classe honesta, a que me honro de pertencer, ainda até hoje não merecera dos poderes públicos a devida consideração.

O orador não reviu.

O Sr. Pequito Rebelo: - Começo por saudar em S. Exa., como é da praxe, visto que é a primeira vez que tomo a palavra, a personalidade eminente que nesta casa representa a dignidade do Parlamento.

Sem mais demora, visto o adiantado da hora, entrarei em brevíssimas considerações, a respeito do assunto que se discute.

Pedi a palavra, quando o Sr. Deputado Cunha Lial lançou às faces dos lavradores portugueses o labéu de açambarcadores e de anti-patriotas. Estão aqui representantes ilustres da lavoura e entre êles um, na alta situação de Ministro, a quem a economia nacional em especial muito deve; não deve permitir-se que alguém, para tirar um efeito político, insulte uma classe que é uma parte importante do todo económico nacional, ou que representa quási o país inteiro.

Uma classe assim insultada, à qual se chama açambarcadora e anti-patriótica, tem o direito de preguntar, a quem desta maneira a insulta, quais os benefícios de produção que a nacionalidade acaso deva ao insultador?

E a lavoura portuguesa, a lavoura do sul que produz a riqueza de Portugal, na sua grande parte, contribuindo para a sua autonomia, sendo por assim dizer o nosso último recurso no momento presente e por isso não devo ser acusada de açambarcadora, nem de anti-patriótica, e quando essa acusação parte de membros do Parlamento que devem aspirar à representação efectiva do país, isto tem um triste significado, se devemos atender a representação de interesses verdadeiros e não a representação de interesses políticos. Aqui representamos dominantemente a classe agrícola e à frente da classe agrícola caminha a lavoura do sul.

Se dispusesse de tempo, para me alargar em considerações, demonstraria a V. Exa. e à Câmara que não só na questão das subsistências, mas até na generalidade de todas as funções .económicas, a lavoura do sul tem patenteado o máximo patriotismo.

Se não fôsse a actividade da lavoura do sul, a questão económica teria atingido uma gravidade que não atingiu ainda.

No sul o problema das subsistências pode considerar-se resolvido pela expontaneidade e acção dos lavradores, exercida nos organismos municipais.

A idea dos celeiros municipais veio por assim dizer da espontânea demonstração de capacidades da lavoura, à qual se pretendeu dar uma forma sistemática, com a orientação excessiva de querer lançar mão de toda a produção agrícola.

Se os do sul assim procedem, não há direito de os classificar anti-patriotas o açambarcadores.

O meu colega Sr. Mexia acaba de ilibar a classe dos lavradores dessa agressão infamante. Portanto, só me resta ferir uma pequena nota.

O Sr. Cunha Lial, a propósito da maneira como considera açambarcadores os que compõem a lavoura do sul, formulou considerações para a aparência de demonstração que quis organizar. Todavia nessa pretensa demonstração há uma mera referência à questão do azeite.

A prova do açambarcamento estaria em que os delegados da Secretaria de Estado das Subsistências, tinham encontrado muito azeite pelas casas dos lavradores do sul.

Ora é preciso salientar, aqui, que a ocasião, em que êsses delegados foram ao sul procurar azeite, é exactamente aquela em que todos os armazéns têm ainda todo o azeite porque só mais tarde se faz a maior parte das vendas, por se esperar que êle descoalhe e clarifique.

Nada, pois, para admirar que houvesse muito azeite nos armazéns do Alentejo. Não pode de maneira nenhuma ser pôsto aqui êste caso sob o aspecto duma manifestação de açambarcamento.

Poderia alongar-me em considerações a respeito da maneira de ver do Sr. Cunha

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Lial a propósito do problema das subsistências, e ainda sôbre a maneira como elo foi tratado pelo Sr. Machado Santos e sôbre a forma como agora é tentada a sua solução, mas é muito tarde e eu não quero abusar da atenção da Câmara. Mesmo o Sr. Mexia já muito disse, e melhor do que eu diria.

Faço minhas as palavras de S. Exa., repelindo tambêm com energia as acusações lançadas contra a lavoura, que é o sustentáculo da nossa economia na crise que atravessamos. Faço minhas tambêm as palavras do Sr. Mexia, naquela parte em que, dirigindo-se ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura, teceu a S. Exa. os maiores encómios.

São justos êsses louvores. S. Exa. é um grande e inteligente lavrador, cheio de honestidade. (Apoiados). Muito há a esperar da sua acção nos bancos do Poder.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Figueiroa Rêgo: - Sendo a primeira vez que falo nesta Câmara, em obediência à praxe, para V. Exa., Sr. Presidente, vão as minhas primeiras palavras de sincera saudação.

Chega-me a palavra numas condições muito excepcionais: vai a hora muito adiantada e a Câmara está manifestamente fatigada. Serei, portanto, breve, embora fique prejudicado o que tinha a referir, baseado em factos de fácil documentação.

A hora que passa é para afirmações claras, e por isso não posso deixar de afirmar o meu passado republicano. Nunca passei pelos tablados dos comícios, nem divaguei pelas colunas dos jornais, mas no acanhado âmbito da minha acção pugnei sempre pela pureza dos meus ideais de humanidade e de justiça. Fui sempre moderado, tolerante, sem radicalismos exaltados, nem conservantismos retrógrados; liberal, sem ser livre pensador.

Tenho dêsse belo e luminoso tribuno, a Liberdade, Igualdade e Fraternidade, uma equilibrada concepção.

Por agora limito-me a afirmar que, quanto a mim, a liberdade só é legítima quando não contende com os direitos de outrem. E que, se há direitos, tambêm há deveres.

Eu concebo que à máxima liberdade tem de corresponder a mais perfeita educação.

A crise portuguesa, no seu aspecto moral, é essencialmente uma crise de carácter, isto é, uma questão educativa. A esta liga-se o problema da ordem. E esta só é efectiva quando se refaça a paz nos espíritos e se assegure o abastecimento do país.

A ordem só será estável quando se resolver a questão económica.

A estabilidade política, no grave momento histórico que decorre, depende da boa solução do problema social económico, e sobretudo do abastecimento público.

A crise das subsistências em Portugal vem de longe, um amontoado de erros a imputar tanto a governantes como a governados.

Ante a tremenda conflagração um país que se não abastece é um país condenado às mais duras provações, às mais perturbantes e graves vicissitudes.

A preocupação do tempo e o avanço da hora torturam-me, porque tenho de resumir as minhas considerações e de calar factos que muito edificariam a Câmara.

Eu não vou abordar senão alguns aspectos particulares desta já muito debatida questão, mas que são indispensáveis para desfazer certas afirmações tendenciosas e maldosamente aqui proferidas.

Quero, em primeiro lugar, contestar o que à Câmara se disse sôbre estatísticas e manifestos. Aquelas não existiam, não existem, nem tam cedo existirão.

Os manifestos não estão feitos, porque as debulhas ainda agora vão em meio.

Para se avaliar o que êles significam e como nada elucidam ainda, neste momento, bastará referir à Câmara o que se passou há dias num concelho de grande produção cerealífera. Haviam sido manifestados apenas 200:000 quilogramas de trigo, quando já no celeiro municipal tinham sido recolhidos 260:000 quilogramas e tinham sido exportados para Lisboa, para a Manutenção Militar, 400:000 quilogramas.

Quero dizer, já tinham tido destino 660:090 quilogramas de trigo, quando o manifesto só acusava debulhados 200:000 quilogramas.

Eu não ataco os celeiros municipais,

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instituição que desejo robustecida e amparada, mas tambêm não julgo dela maravilhas tam mirabolantemente reclamadas.

(Apartes).

Falou-se tambêm na escassez do azeite, que só atribuo à maneira atrabiliária come se fizeram as requisições, algumas de óleos de qualidade extra, de insignificante acidez, que deviam ser pagos pelos maiores preços da tabela, visto terem o seu consumo indicado para as fábricas de conserva. E, sobretudo, o que era inadmissível era efectuarem-se as requisições por menos $10 do que o preço da tabela do comércio livre.

A falta de critério nas requisições e sobretudo as expedições morosas, desorientadas, por falta de taras, é que, principalmente, motivaram a escassez.

Afirmou-se que se tem estado a comer exclusivamente o arroz de Moçambique.

É infundamentada esta afirmativa. Há ainda centenas, milhares de toneladas de arroz no país e da sua produção.

Há em muitas fábricas, como em armazéns do Estado, muito arroz, algum dele sem descasque e a apodrecer.

Apartes.

Numa só fábrica sei que existem cêrca de 800 toneladas.

Para avaliar da desorientação que lavrava no serviço das subsistências e neste género, basta citar que duma fábrica de descasque no norte vinha o arroz para Lisboa e de cá ia para o Pôrto.

Era isto uma barbaridade, pejando-se transportes e encarecendo-se o produto com maiores despesas. São factos de há poucos meses e não de há poucas semanas.

Apartes.

Sr. Presidente: estou convencido que a crise de subsistências deriva essencialmente da crise de transportes. (Apoiados).

Portanto, desde que consigamos aumentar e bem distribuir os transportes, tanto marítimos como terrestres, teremos assegurado as subsistências. (Apoiados).

Eu podia referir à Câmara inúmeros casos da má distribuição da tonelagem dos navios destinados ao tráfego das colónias. Estava estabelecido, como citou o ilustre Secretário de Estado do Interior, que os navios carregassem 50 por cento de milho, 40 por cento de açúcar e 10 por cento de carga geral. Pois esta distribuição era a cada instante modificada e os navios chegavam a Lisboa sem milho e sem açúcar.

Citarei entre muitos outros, os seguintes casos:

O vapor Lima foi mandado a S. Tomé buscar cacau. Estava feito o rateio, quando foi dada ordem para uma firma (de quem dizem ser sócio uma pessoa já hoje aqui muito discutida), só à sua parte carregou 50:000 sacos.

Esta concessão, um evidente favoritismo, levantou clamorosos protestos.

Esta preferência, como a dos vinhos, obedeceu à mirabolante fumèsterie, da baixa dos câmbios. Pretendeu-se exportar aqueles produtos, em avultadas massas, para que entrassem avalanches de ouro, mas escapou, a fácil defesa dos negociantes, que depositaram as suas cambiais em bancos estrangeiros.

O câmbio se melhorou, transitoriamente, foi devido à bela fugaz perspectiva dum bom ano cerealífero e ao pagamento de direitos em ouro.

Apartes.

Falou ainda agora o Sr. Secretário do Estado do Interior no vapor Loanda, que estava demorado e que quiseram mandar à Tunísia buscar fosfatos. Pois bem, êsse vapor foi substituído por outro da Empresa Nacional de Navegação, o Peninsular, que seguiu para Cette com vinho e daí para Sffax a carregar as fosforites.

Antes de partir foi comunicado ao Sr. Secretário de Estado das Subsistências de então que o Peninsular tinha recebido uma intimação das autoridades marítimas francesas de que não descarregaria em nenhum pôrto de França se não levasse um certo número de milhares de travessas de pinho para caminhos de ferro.

Teimou S. Exa. na ida do navio só com vinho. Daí resultou estar o navio retido muitas semanas em Cette, não poder descarregar, não poder seguir para a Tunísia e ter de voltar a Lisboa para alijar a carga do vinho, que tem sofrido enormes derrames, tendo abatido muitos cascos. As companhias de seguro não indemnizam os carregadores e aos centos ou milhares de contos de despesa do navio temos de somar os prejuízos de derrame e avaria, não falando no grave

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transtorno advindo para a agricultura, para a economia nacional, com a falta de fosfatos, sem os quais muitas terras alqueivadas não puderam ser semeadas e daí mais crescente a incultura e maior a escassez do pão.

Para carregamento dum navio que devia vir da América com algum trigo, foi ordenada preferência, contra tudo que anteriormente estava estabelecido, para 2:000 fardos de algodão consignados a uma firma, requerente da última hora, que prejudicou todos os outros carregadores.

Êste caso de provado favoritismo coincidiu com uma baixa de fretes em Nova York, cuja causa seria moral averiguar.

Emfim, não vinha da nossa África milho colonial porque se carregava cacau com a miragem fantasista de baixar os câmbios.

Não vinha trigo da América, porque tardiamente se abriam os créditos e se dava preferência ao carregamento de algodão.

E, contudo, com voz messiânica anunciava-se ao país, inconscientemente, que estava assegurado o abastecimento de pão até 1920!

O facto, porêm, é que quando o primeiro Secretário de Estado das Subsistências deixou a sua pasta, a poucos dias, deixava tambêm Lisboa sem pão.

Então, como hoje, se vivia ao jour le jour.

Aquela pasmosa afirmação a constatar com a realidade da escassez deixa transparecer intenções que não atinjo.

Se não fôsse o manifesto enfado da Câmara muitos erros teria de verberar, como sensacionais factos a apontar, arredando sempre o personalismo, tratando o assunto com a correcção que à Câmara devo.

Pela precipitação, adiantado da hora e fadiga de V. Exas., não tiveram nem proficiência nem brilho as minhas considerações.

Vozes: - Não apoiado.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição.

A próxima sessão é amanhã às 14 horas.

Às 16 horas reunião do Congresso.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Artigo 1.° Os funcionários civis que, depois de 5 de Outubro de 1910, foram demitidos dos lugares que exerciam, sem prévio processo e contra lei, são reintegrados nesses lugares ou noutros de igual categoria.

§ único. Quando a retribuição dêsses funcionários fôsse constituída somente, ou, na sua maior parte, por emolumentos, vencerão, emquanto estiverem adidos, uma remuneração igual àquela em que os ditos lugares estavam lotados.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, 5 de Agosto de 1918. - O Deputado, António Duarte Silva.

Publicado no "Diário do Govêrno", volta para ser submetido à admissão.

Pelos Srs. Afonso José Maldonado e Vítor Mendes foi apresentado um que tem por fim abolir a lei da caça.

Para a Secretaria.

Publique-se no "Diário do Govêrno".

Pelo Sr. Camilo Castelo Branco foi apresentado um que regula os processos sôbre contravenções das disposições da lei de minas.

Para a Secretaria.

Publique-se no "Diário do Govêrno".

Foi admitido e enviado à comissão de legislação civil e comercial o projecto de lei publicado no Diário do Govêrno de hoje, que tem por fim regular as nomeações e promoções dos conservadores do registo predial.

Constituição de comissões

Participo a V. Exa. estar constituída a comissão dó trabalho, sendo eleito para presidente o Sr. José Nunes da Ponte e para secretário o participante. - João Monteiro de Castro.

Para a Secretaria.

Comunico à Mesa que está constituída a comissão de inquérito à organização e funcionamento do Corpo Expedicionário Português, sendo eleito seu presidente o Sr. José Vicente de Freitas e secretário abaixo assinado. - José Adriano Pequito Rebelo.

Para a Secretaria.

Página 42

42 Diário da Câmara dos Deputados

Comunico a V. Exa. que está constituída a comissão de previdência social, tendo eleito presidente o Sr. Xavier Esteves e para secretário o abaixo assinado. - António Maria de Sousa Sardinha.

Para a Secretaria.

Requerimento

Requeiro, com urgência, pela respectiva Secretaria de Estado, cópia dos relatórios o ofícios dirigidos neste ano ao Govêrno, pelo seu comissário junto da Companhia Portuguesa de Telefones, sôbre os serviços da mesma Companhia. -Moreira de Almeida.

Expeça-se.

Requeiro com urgência que, pela Secretaria de Estado das Finanças, me sejam enviados os seguintes documentos relativos à gerência do Dr. Sousa Júnior na Direcção Geral da Estatística:

Número de empregados contratados para o censo da população e depois demitidos. Nomes dos que ficaram na repartição.

Despesa com o pessoal antes e depois das demissões.

Despesa em carros eléctricos paga pela verba dos fretes.

Nota dos motivos que fizeram demitir dois chefes de repartição no período de gerência do Dr. Sousa Júnior.

Relação dos nomes e vencimentos dos empregados do núcleo do Pôrto criado pelo médico Sousa Júnior.

Nota da despesa de passagem em caminho de ferro e ajudas de custo pagas ao mesmo director e os locais por onde viajou.-Francisco José da Rocha Martins, Deputado por Oliveira de Azeméis.

Para a Secretaria.

Requeiro que, pela Secretaria de Estado do Comércio, me seja enviada cópia do processo relativo à construção do caminho de ferro da Régua a Vila Franca das Naves. - Artur Mendes de Magalhães.

Requeiro que, pela Secretaria de Estado da Marinha, me sejam enviadas cópias das actas das sessões em que o Conselho da Escola Naval se ocupou da admissão aos últimos concursos abertos para professores da mesma Escola. - Tomás de Aquino de Almeida Garrett.

Requeiro que, pela Secretaria de Estado da Instrução Pública, me seja enviada cópia de todos os documentos relativos ao pensionista de arte em Paris, Simão César Cordeiro Gomes, inclusive a cópia do processo em que o referido pensionista recorreu para os tribunais e as sentenças dos mesmos tribunais. - Féria Teotónio.

Requeiro, com a máxima urgência, nota de todos os fornecimentos feitos pela casa The Cotton Poudre Company Ltdi., de Londres em material de guerra e sobretudo em granadas iluminantes Hole.

Cópia do contrato com o representante dessa casa e o nome do indivíduo que recebeu as respectivas e avultadas comissões. - Francisco José da Rocha Martins, Deputado por Oliveira do Azeméis.

Para a Secretaria.

Requeiro que a Mesa da Câmara dos Deputados solicite do Exmo. Secretário de Estado das Finanças as necessárias providências legais para que o Exmo. presidente da Junta de Crédito Público e Conselho Superior do Administração Financeira do Estado dêem imediatamente posse aos vogais que, por êste Conselho, foram eleitos em sessão de 2 do corrente, nos termos dos respectivos regulamentos, visto terem caducado as comissões parlamentares dos vogais anteriormente eleitos. - Correia Monteiro.

Para a Secretaria.

Rectificação

Na sessão n.° 9, da Câmara dos Deputados, realizada em 3 de Agosto, foi eleita a comissão de instrução pública, ficando assim constituída:

[Ver valores da tabela na imagem]

Votos

Fernando de Lima Xavier de Basto
Francisco Xavier Esteves
Alfredo Machado
Pedro Sanches Navarro
Alberto Pinheiro Torres
Eduardo Dario da Costa Cabral
Fidelino de Figueiredo
Alfredo Pimenta
Costa Lobo

O REDACTOR - Herculano Nunes.

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