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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 4

EM 9 DE DEZEMBRO SE 1918

Presidência do Exmo. Sr. António Lino Neto

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco aos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Respondem à chamada 70 Srs. Deputados. É lida e aprovada a acta da sessão anterior. O Sr. Presidente propõe um voto de congratulação por o Sr. Presidente da República ter saído ileso do atentado do dia 6. Associam-se eu palavras do Sr. Presidente os Sr". Secretário de Estado das Finanças (Tamagnini Barbosa), Almeida Pires, que manda para a Meza uma moção, Aires de Ornelas, Pinheiro Torres, João de Castro e Carlos da Maia. O Sr. José de Azevedo Castelo Branco faz declarações sôbre a atitude da minoria monárquica perante a moção do Sr. Almeida Pires, que é depois posta à votação e aprovada, bem como o voto de congratulação. O Sr. Presidente propõe um roto de sentimento pelo falecimento do antigo Deputado Sr. Tomás Cabreira. Associam-se à proposta os Srs. Secretário de Estado das Finanças, Almeida Pires, que tambêm presta homenagem à memória dos Srs. João Lúcio e Gastão Correia Mendes, Aires de Ornelas, Pinheiro Torres, que profere lambem palavras de saudade pela morte dos Srs. João Lúcio e Gastão Correia Mendes, João de Castro e Adelino Mendes. É aprovado o voto de sentimento. O Sr. Presidente recorda que estão de luto os Srs. José Augusto Moreira de Almeida e João Moreira de Almeida, pelo falecimento do Sr. Xavier de Almeida, irmão do primeiro dêsses Srs. Deputados e tio do segundo. Propõe que na acta se exare um voto de sentimento, o que é aprovado. Procede-se à leitura do expediente, que tem o devido destino.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente dá explicações sôbre o incidente suscitado na sessão anterior, pela saída da sala do Sr. Secretário de Estado da Guerra (Álvaro de Mendonça). O Sr. Adelino Mendes declara que é ao Sr. Secretário de Estado da Guerra que compete vir à Câmara, dar explicações. Em negócio urgente, o Sr. Maurício Costa ocupa-se do assalto à sede do Grémio Lusitano, que condena. O Sr. Melo Vieira requer a generalização do debate. É aprovado. Trocam-se explicações entre a Mesa e os Srs. Maurício Costa, José de Azevedo, Melo Vieira e Almeida Pires. Em nome da maioria, o Sr. Almeida Pires protesta contra o assalto ao Grémio Lusitano. Em dome do Govêrno, o Sr. Secretário de Estado das Finanças declara que é contrário a actos dessa natureza e afirma o seu protesto contra êsse facto. O Sr. Joaquim Crisóstomo declara que os atentados à propriedade não têm merecido da parte das autoridades a devida atenção. O Sr. João de Castro recorda o atentado contra a sede da Associarão Pró-Pátria, afirmando que êsses e outros assaltos têm ficado impunes. O Sr. Melo Vieira entende que o Govêrno deve ser o defensor da ordem, e espera, por isso, que êle castigue os culpados do assalto contra o Grémio Lusitano. O Sr. Adelino Mendes diz que os Govêrnos afirmam sempre que vão punir os atentados desta natureza, mas os factos demonstram, em sua opinião, que êles ficam sempre impunes. O Sr. Cunha Lial aponta vários factos para que o Govêrno mais facilmente possa descobrir os culpados do assalto ao Grémio Lusitano. O Sr. Maurício Costa congratula-se com as palavras de protesto a que as suas considerações deram lugar e manda para a Mesa uma moção que é admitida e aprovada. O Sr. João Pinheiro manda para a Mesa um projecto de Constituição e requere que êle seja impresso. O Sr. Manuel Bravo, em nome da comissão revisora da Constituição, explica uma divergência levantada no seio dessa comissão. O Sr. Alfredo Machado manda para a Mesa vm projecto de Constituirão. O Sr. Amando de Alpoim usa da palavra, falando sôbre o mesmo assunto o Sr. Secretário de Estado das Finanças. O Sr. Amando de Alpoim insiste nas suas primitivas considerações. O Sr. Secretário de Estado das Finanças volta a usar da palavra. Fala ainda sôbre o assunto o Sr. Melo Vieira. O Sr. Alberto Navarro invoca o Regimento, protestando contra o facto de não se ter ainda entrado na ordem do dia. O Sr. Maurício Costa e Amando de Alpoim invocam tambêm o Regimento. O Sr. Almeida Pires requer e que seja pôsto à votação o requerimento do Sr. João Pinheiro. É aprovado o requerimento do Sr. João Pinheiro.

Ordem do dia. - (Eleição de comissões): - O Sr. Almeida Pires propõe, e a Câmara aprova.

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que a Mesa fique autorizada a nomear as comissões. O Sr. Secretário de Estado da Guerra (Álvaro de Mendonça) dá explicações sôbre o incidente ocorrido na penúltima sessão e apresenta uma proposta de lei, para a qual requere a urgência e a dispensa do Regimento, que a Câmara aprova. O Sr. Cunha Lial usa da palavra e troca explicações com o Sr. Presidente. O Sr. Maurício Costa invoca o Regimento. O Sr. Cunha Lial volta a usar da palavra. O Sr. Carlos da Maia manifesta o parecer de que o Sr. Secretário de Estado da Guerra deve dizer que não quis ofender o Sr. Cunha Lial. Êste Sr. Deputado diz que o Sr. Presidente é tam ofendido como êle, se houve ofensa. O Sr. Presidente entende que o Sr. Secretário de Estado da Guerra não podia ter intenção de ofender a Câmara na generalidade, nem nenhum dos seus membros, particularmente. O Sr. Cunha Lial insiste em que o aspecto da questão é grave. Faz depois largas considerações sôbre a situação política, combatendo o Govêrno. Manda para a Mesa uma moção. O Sr. Adelino Mendes invoca os artigos 21.°, 21.º e seu parágrafo do Regimento. O Sr. Almeida Pires invoca o artigo 23.º do Regimento. O Sr. António Cabral recorda que estava inscrito para falar na sessão anterior. O Sr. Melo Vieira interroga a Mesa. O Sr. Correia Monteiro requer leitura das pessoas inscritas para usarem da palavra. O Sr. Maurício Costa fala para explicações. O Sr. António Cabral declara que desejava tratar do caso da prisão do Sr. António Teles. É posta à votação a proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra. O Sr. Adelino Mendes invoca o § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verificando-se que a proposta foi aprovada na sua generalidade por 60 Srs. Deputados e rejeitada por 11. Aprovado o artigo 1.º e iniciada a discussão sôbre o artigo 2.º, verifica-se, a requerimento do Sr. Adelino Mendes, não haver número. Depois de se proceder à chamada, à qual respondem 55 Srs. Deputados, o Sr. Presidente encerra a sessão e marca a próxima para o dia imediato.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Afonso José Maldonado.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alberto de Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Machado.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Bernardino Ferreira.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Lino Neto.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António dos Santos Cidrais.
António dos Santos Jorge.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Artur Mendes de Magalhães.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos Henrique Lebre.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eduardo Masearenhas Valdez Pinto da Cunha.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco de Sousa Gomos Veloso.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Maria Cristiano Solano de Almeida.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
Gabriel José dos Santos.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henriques Pinheiro.
João José de Miranda.
João Monteiro de Castro.
João Ruela Riamos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira J4aior.
Joaquim Faria Correra Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Madureira.
Joaquim Nunes Mexia.
José Adriano Pequito Rebêlo.

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José de Almeida Corroía.
José Augusto de Melo Vieira.
José do Azevedo Castelo Branco.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Caetano Lobo do Ávila da Silva Lima.
José Carlos da Maia.
João Eugénio Teixeira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José Féria Dordio Teotónio.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão, (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José do Lagrango e Silva.
José das Neves Lial.
José Novais de Carvalho Soares do Medeiros.
José Vicente de Freitas.
Luís Ferreira do Figueiredo.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco, (Conde de Arrochela).
Manuel Pires Vae Bravo Júnior.
Manuel Rebelo Moniz.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mandes.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto da Silva Pais.
Alexandre José Botelho de Vaaconcelos e Sá.
Alfredo Lelo.
Aníbal do Andrade Soares.
António de Almada Garrett.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Caetano do Abreu Freire Egas Moniz.
António Caetano Celorico Gil.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Egas de Alpoim de Cerqueira Bordes Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco Aires do Abreu.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Gaspar de Abreu e Lima.
Henrique Ventura Forbes Bessa.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José Luís dos Santos Moita.
José Nunes da Ponte.
José de Sucena.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Filipe do Castro (D.) (Conde de Nova Goa).
Luís Monteiro Nanes da Ponte.
Manuel José Pinto Osório.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.
Rui de Andrade.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Tomás de Aquino de Almeida Garrett.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se á chamada.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - (ás 15 horas e 20 minutos): - Estão presentes 70 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

O Sr. Adelino Mendes: - V. Exa. diz-me qual é o quorum?

O Sr. Presidente: - O quorum é de 68 deputados.

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O Sr. Adelino Mendes: - Muito obrigado a V. Exa.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a acta. Foi lida a acta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta. Se ninguêm pede a palavra, considera-se aprovada.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Logo após o encerramento da última sessão constou nesta sala que havia sido praticado um atentado contra a vida do Sr. Presidente da República. Imediatamente, uma deputação desta Câmara partia para o Paço de Belém a prestar as suas homenagens ao prestigioso Chefe de Estado, mostrando-lhe a sua satisfação por ter saído ileso dêsse atentado.

Creio, porêm, que está no ânimo da Câmara que se consigne na acta da sessão de hoje um voto de congratulação pelo malogro dêsse atentado e o mais vivo protesto de condemnação contra tam revoltante crime. Esto procedimento impõe-se tanto mais quanto é certo que êle foi o resultado, não de uma vontade isolada, mas de um plano combinado. Isto é o reflexo de uma anarquia moral que está atravessando uma grande parte da Europa e contra ela temos que reagir.

A Câmara consignando êste voto de congratulação, mostra que a primeira assemblea da país não quer aventuras, mas sim deseja o progresso da nação dentro da ordem (Apoiados), da disciplina e da legalidade (Apoiados).

Com esta orientação tem a Câmara procedido e continua a proceder, correspondendo assim ao notável esforço do Sr. Presidente da República e com S. Exa. colaborando na salvação da Pátria, numa acertada conjugação de poderes.

O orador não reviu.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças): - Sr. Presidente: em nome do Govêrno associo-me com muita satisfação e com muita alegria à proposta de V. Exa.

Não há ninguêm, Sr. Presidente, que dentro ou fora desta Câmara, desde que tenha consideração e respeito pelos princípios de humanidade, possa aprovar êsse gesto criminoso praticado contra seja quem for, mas principalmente quando praticado contra o primeiro magistrado de uma nação.

Acompanhando V. Exa. nessa saudação ao Sr. Presidente da República, eu perante a Câmara, testemunho a minha admiração pela obra grandiosa realizada por êsse homem a dentro da nossa nacionalidade.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Pires: - Sr. Presidente: é com o mais vivo entusiasmo que me associo, em meu nome e no da maioria, à saudação que V. Exa. acaba do propor ao Sr. Presente da República por ter saído ileso do miserável atentado cometido na ocasião em que S. Exa., realizando uma obra de justiça, tratava de galardoar os feitos praticados pela heróica tripulação do caoa-minas Augusto Castilho.

Sr. Presidente: todos nos congratulamos, profundamente, por S. Exa. ter saído ileso dêsse nefando crime.

O Sr. Presidente da República, que foi a alma da revolução de 5 de Dezembro, é ao mesmo tempo uma garantia do progresso para o nosso país.

Nós associamo-nos ao voto que V. Exa. acaba de propor e em virtude disso envio para a Mesa, em nome da maioria desta casa, a seguinte moção:

Moção

A Câmara dos Deputados, verberando indignadamente o inqualificável atentado contra a pessoa de S. Exa. o Sr. Presidente da República, ocorrido na manha do dia 6 último, e considerando especialmente os seus alevantados e brilhantes serviços a instantes o contínuos sacrifícios prestados à causa do povo, resolve:

1.° Saudar entusiástica e calorosamente S. Exa. o Sr. Presidente da República como o mais alte e legitimo representante dos alevantados princípios e aspirações que têm impulsionado a sua obra, a bem dos interesses da Pátria e da República; e

2.° Afirmar solenemente a S. Exa. a sua solidariedade e o seu propósito sincero e veemente de com S. Exa. colaborar, no uso e sem prejuízo das atribuições e prerogativas constitucionais que ao Poder

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Legislativo são próprios, para a completa realização dos princípios preconizados pelo movimento glorioso de 5 de Dezembro e das suas aspirações atinentes, e, designadamente, a consolidação da ordem pública e pacificação da família portuguesa. - O Deputado, Almeida Pires.

Foi admitida.

O orador não reviu.

O Sr. Aires de Ornelas: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar, em nome dêste lado da Câmara, ao protesto apresentado por V. Exa. por motivo do atentado dirigido contra o Sr. Presidente da República.

Não é dêste lado da Câmara que jamais se admitirá o crime como arma política.

A nossa indignação maior foi ainda ao pensar que S. Exa. vinha de praticar um acto eminentemente patriótico e nacional, prestando homenagem aos heróis do Augusto de Castilho.

Nestes termos, êste lado da Câmara associa-se às palavras de V. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pinheiro Torres:-Em meu nome e no da minoria católica, que tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento, associo-me às palavras de V. Exa., verberando o criminoso atentado contra o Sr. Presidente da República, para quem vão as nossas mais respeitosas saudações e em volta do qual se devem reùnir todos os portugueses.

Deus guarde a nação, que inteira se levantou contra êsse desgraçado criminoso, vítima, decerto, da propaganda deletéria que há anos tornou em Portugal inteiramente impossível a resolução dos mais difíceis problemas.

Em 1908, quando pela primeira vez tive a honra de falar nesta casa do Parlamento, eu disse que viera do Panteão de S. Vicente de prestar homenagem às vítimas dum atentado que manchou de sangue a nossa história.

A conclusão que eu então tirava dos acontecimentos era que nos devíamos reùnir em volta do poder supremo do Estado para opormos uma barreira forte ao espírito do crime.

Não se fez assim e o resultado viu-se.

Hoje, como ontem, o dever de todos nós, portugueses, é cerrar fileiras em volta do glorioso triunfador da revolução de 5 de Dezembro, que se propôs fazer uma política nacional.

E se assim é, para que negarmos valor à sua obra, para que lhe regatearmos os nossos aplausos?

Nós, católicos, temos o prazer de declarar que, sob o ponto de vista de reparação das violências que a demagogia nos tem feito, alguma cousa se tem conseguido para estabelecer um regime de relações entre o Estado e a igreja, em que. mantidos os legítimos direitos do Estado, se não negue à igreja aquela liberdade que é absolutamente necessária para que ela cumpra a sua missão, mais do que nunca necessária nesta hora gravíssima que todos nós atravessamos.

Disse o Sr. Presidente da República em Coimbra que era necessário respeitar as tradições.

Lembre-se a Câmara que entro as trações mais profundamente portuguesas existe a tradição religiosa. O povo uniu sempre o espírito religioso aos acontecimentos favoráveis da sua história.

O Chefe do Estado, falando ao povo no Rossio, não se esqueceu de ligar à sua obra a garantia suprema de Deus. O povo, que está com aqueles que querem fazer uma obra de justiça, não se quere tornar degrau para os mepeurs que só desejam a satisfação das suas ambições. E permitam-me que, ao terminar, eu apele para o Parlamento, para a boa vontade, para a inteligência de todos nós, para que não demos ao país o espectáculo que o levo a dizer que aqui existe a anarquia e não sabemos cumprir a nossa missão.

Desempenhemos com inteligência e disciplina a missão que o país nos confiou.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. João de Castro: - Pedi a palavra para me associar, em nome do Partido Socialista, ao protesto de V. Exa., Sr. Presidente, contra o atentado de que ia sendo vítima o Sr. Dr. Sidónio Pais.

E, protestando contra êsse atentado, permita-me V. Exa. e a Câmara que aproveite esta ocasião para tambêm erguer o

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meu mais enérgico e forte protesto contra todos os atentados que dentro da situação política ou que actualmente vivemos têm sido cometidos. Refiro-me, em especial, àqueles atentados como o do Centro Evolucionista de Lisboa, como o da Rua Serpa Pinto, como o de Alpiarça, como o de Montemor-o-Novo, e, emfim, a todos que, têm praticado não só contra a vida de cidadãos honestos, mas tambêm contra todos os princípios e liberdades dos cidadãos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos da Maia: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para mo associar às congratulações de V. Exa. pelo malogro do atentado praticado contra a pessoa do Chefe do Estado, muito embora eu já tivesse manifestado, no próprio dia 6, como amigo particular do Sr. Presidente da República, o meu regozijo por S. Exa. ter saído incólume dum atentado que, estou inteiramente convencido, todas as almas bem formadas dêste país reprovam.

Nada mais.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. José de Azevedo: - Sr. Presidente: o ilustre leader da minoria monárquica. Sr. Aires de Ornelas, já definiu qual era a nossa atitude com relação ao atontado de que ia sendo vítima o Sr. Presidente da República. Nada tenho a acrescentar às palavras do S. Exa. No emtanto, pedi a palavra para dar uma explicação à Câmara referente à moção apresentada pelo digno leader da maioria, e creio que esta explicação traduz o pensamento dêste lado da Câmara.

Essa moção, a que nós nos poderíamos associar se estivesse na tradição desta Câmara votar separado aquilo que numa menção pode traduzir o nosso pensamento e afastar o que esteja em contraposição cora o nosso programa, não pode, por ir contra os nossos princípios políticos, ser aprovado pela minoria monárquica.

Coma essa mação traduz um intuito ou um alcance político a que não nos podemos associar, êste lado da Câmara pede licença, sem ofensa a nenhum dos seus colegas, para no acto da votação da mesma moção se abster de a firmar com o seu voto.

Era isto o que eu tinha a dizer.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação da Câmara a moção apresentada pelo Sr. Almeida Pires.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está sobro a Mesa a comunicação de haver falecido o antigo membro desta Câmara, Sr. Tomás Cabreira, que foi Ministro das Finanças. economista muito distinto, e procurou sempre bem servir o país em todos os seus trabalhos.

Creio interpretar os sentimentos da Câmara propondo que na acta se consigne um voto de pesar pela sua morte e dele se dê conhecimento à família de extinto.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças): - Sr. Presidente: pedi a palavra, em nome dos meus colegas do Gabinete, para me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo falecimento do antigo membro do Congresso, Sr. Tomás Cabreira, meu antigo professor.

Registando perante o Parlamento os serviços prestados pelo ST. Tomás Cabreira, eu presto neste momento à sua memória as homenagens de gratidão que um discípulo costuma prestar a um mestre, que um português costuma prestar a outro português, que um republicano costuma prestar a outro republicano. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Pires: - Sr. Presidente: cumpre-me tambêm em nome da maioria, da Câmara associar-me à proposto, de V. Exa. para que se lance aã acta um voto de pesar pelo passamento do antigo parlamentar Sr. Tomás Cabueira.

Efectivamente, o Sr. Tomás Cabreira foi, como muito bem acentuou o Sr. Secretarie de Estado das Finanças, um republicano que deu ao seu país todo o prestígio da sua inteligência e todo o ardor do seu coração de patriota.

Já que estou no uso da palavra permita-me V. Exa. que me associe, por não

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o ter podido fazer na ocasião devida, aos votos de sentimento pelas mortes de Gastão Correia Mendes e João Lúcio.

Gastão Correia Mendes foi um professor distintíssimo, respeitado pelos seus colegas e adorado pelos seus discípulos. João Lúcio, que conheci mais intimamente, fazia parte desta legislatura e em Agosto, quando tive, pela última vez, ocasião de o encontrar, já a aza da fatalidade o perseguia. A sua alta envergadura ficou profundamente vincada, como literato e poeta distinto, cantando o seu Algarve, que tanto amava e estremecia.

E profundamente doloroso que tenhamos de prestar esta homenagem a quem, como João Lúcio, os anos se contavam por primaveras, quando tanto ainda havia a esperar da sua inteligência brilhante, do seu espírito juvenil e do seu acrisolado patriotismo. (Apoiados).

Em nome da maioria, curvo-me respeitoso perante os túmulos de João Lúcio e dos antigos parlamentares a quem acabo de prestar homenagem, onde sôbre êles a flor da nossa saudade.

O orador não reviu.

O Sr. Aires de Ornelas: - Associo-me, em nome da minoria; monárquica ao voto do sentimento proposto por V. Exa.

O Sr. Pinheiro Torres: - Associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

Apesar da grande distância que me separava de Tomás Cabreira, cumpre-mo o dever de recordar que êle deixou o nome de um homem honrado, trabalhador.

Dos seus estudos em favor das classes trabalhadoras destacarei o seu projecto sôbre casas baratas.

Associo-me tambêm ao voto de sentimento proposto pela morte do Sr. João Lúcio, que tanto acuou, a sua bela província do Algarve.

Num país em que a vida das províncias é tam pequena, é interessante relembrar o sentimento com que êle amou a sua pequena Pátria - o Algarve. Por tanto, a Câmara não pode esquecer o seu nome prestando-lhe a sua homenagem.

O orador não reviu.

O Sr. João de Castro: - Associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo falecimento do antigo Deputado Sr. Tomás Cabreira, que foi um economista muito distinto e um incansável trabalhador.

O Sr. Adelino Mendes: - Tendo sido um íntimo amigo do Sr. Tomás Cabreira, posso dizer à Câmara que poucos portugueses têm amado mais o seu país e mais honestamente procuraram servi-lo e honrá-lo. As mesmo tempo o Sr. Tomás Cabreira tinha pelos princípios republicanos uma verdadeira paixão, que pós ao serviço das missões públicas, que exerceu sempre com a maior devoção e brilho.

Por esta circunstância não podia eu deixar de associar-me, nestes termos, à homenagem que V. Exa. propôs a êsse português ilustre e a êsse republicano, que merece ser colocado entre aqueles mais amaram a República.

O Sr. Presidente: - Estão tambêm de luto dois nossos colegas nesta Câmara, os Srs. José Augusto Moreira de Almeida e João Moreira de Almeida, pelo falecimento do Sr. Xavier de Almeida, irmão do primeiro daqueles nossos colegas o tio do segundo. Xavier de Almeida foi um homem honesto e trabalhador. Creio, pois, que por tal motivo e pelo parentesco que o falecido tinha com aqueles Srs. Deputados, interpreto o sentir da Câmara propondo que só lance na acta um voto de sentimento e se dê conhecimento desta resolução à família do extinto.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.

Leu-se o seguinte.

Expediente

Pedidos de licença

Do, Sr. Fidelino de Figueiredo, pedindo autorização à Câmara para se ausentar para o estrangeiro.

Para a Secretaria.

Concedido.

Tendo de ausentar-me para o Brasil a tratar de serviços particulares, com demora de dois a três meses, venho solicitar a V. Exa. a necessária autorização, dispensando-me de comparecer às sessões da Câmara dos próximos meses de No-

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vembro o Dezembro e possivelmente tambêm de Janeiro. - João José Miranda.

Foi concedida.

Peço a V. Exa. a anexa de consultar a Câmara se dá a permissão de me ausentar por dez dias, por motivo de carácter pessoal. - José de Azevedo Castelo Branco.

Concedida.

Encontrando-me doente, não me é possível assistir às sessões da Câmara da vossa mui digna presidência, pedindo-vos o favor de fazer a devida comunicação para me serem relevadas asfaltas.- Carlos José de Oliveira.

Para a comissão de faltas.

Ofícios

Do Sr. comandante da 3.ª divisão militar, pedindo autorização para que o Deputado capitão do regimento de infantaria n.° 18, Francisco José Lemos de Mendonça, possa apresentar-se naquele comando a fim de ser ouvido em uma sindicância a que está a proceder-se.

O Sr. Almeida Pires: - A propósito da licença que é solicitada nessa comunicação que acaba de ser lida, tenho a declarar que êste lado da Câmara não a autoriza. A ida dêsse Deputado ao Pôrto causaria despesas, quando tudo se poderá fazer por meio duma carta precatória.

Não foi concedida a licença.

Do Senado, participando a constituição da Mesa.

Para a Secretaria.

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedida à comissão de inquérito à organização o funcionamento do Corpo Expedicionário Português a verba de 12.000$ (doze mil escudos) para as despesas a efectuar com a ida duma sub-comissão junto do exército em operações na frente ocidental.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, 4 de Dezembro de 1918. - José Vicente de Freitas.

Para a comissão de finanças.

Telegramas

Odemira. - Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados - Lisboa. - Fôrças vivas dêste concelho, tendo conhecimento imprensa projectos amnistia crimes questões sociais, apresentado Senador Machado Santos e Deputado João de Castro, respeitosamente protestam contra tal iniciativa no momento perigo propriedade e garantias classes de ordem impetram beneficio das mesmas rigoroso castigo factos acorridos ultimamente que garantam tranquilidade permanente.

A comissão defensora dos interesses do concelho, Joaquim Pais de Bentes - Falcão - Ferreira Falcão Ribeiro - António Sena do Vale Júnior - Maurício Sena - Augusto Barbosa - Raúl Nobre.

Para a Secretaria.

Do Sr. Eurico Carneira, agradecendo o& cumprimentos de S. Exa. o Sr. Presidente da Câmara.

Para a Secretaria.

Do Sr. Fidelino de Figueiredo, saudando o Parlamento pelo primeiro aniversário" da revolução de Dezembro.

Para a Secretaria.

Rio de Janeiro. - Tenho o prazer de comunicar a V. Exa. que, na Câmara dos Deputados, Fausto Serra organizou uma comissão especial incumbida de promover a aproximação Luso-Brasileira, faço votos para que essa comissão consiga mais brilhante sucesso e aproveito a oportunidade para enviar à Câmara dos Deputados Portuguesa as minhas saudações. - Vespucino de Abreu, Presidente da Câmara dos Deputados.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - A propósito do incidente ocorrido na penúltima sessão desta Câmara, procurei o Sr. Secretário de Estado da Guerra e por S. Exa. estou autorizado a declarar que, quando saiu então* desta casa, não quis magoar a Câmara, porque por ela tem a maior consideração, o que aqui hoje comparecerá, colaborando-nos nossos trabalhos.

Tenho muito prazer em fazer esta comunicação à Câmara, pois ela mostra a boa vontade do Poder Executivo em colaborar com as funções desta Câmara.

S. Exa. não reviu.

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O Sr. Adelino Mendes: - Não pode ser!

O Sr. Cunha Lial: - Supõe V. Exa. que o incidente fica assim liquidado?

O Sr. Presidente: - Eu estou regulando os trabalhos da Câmara. A primeira parte da ordem do dia é constituída por eleição do comissões.

O Sr. Adelino Mendes: - Parece-me, Sr. Presidente, que é ao Sr. Secretário de . Estado da Guerra que compete vir, pessoalmente, a esta Câmara dar as explicações que V. Exa. nos deu. V. Exa. não nos ofendeu; V. Exa. não colaborou com o Sr. Secretário de Estado da Guerra. Portanto, não tem V. Exa. a mais leve responsabilidade no que o Sr. Secretário de Estado fez. Êle é que tem a obrigação de vir dizer à Câmara que não nos quis magoar e não V. Exa.

Assim é que fica certo.

O Sr. Presidente: - Eu só dei explicações.

É incidente para tratar na devida altura.

Tem a palavra o Sr. Maurício Costa, que a pediu para um negócio urgente.

O Sr. Maurício Costa: - Sr. Presidente: antes de entrar no triste, lamentável e ao mesmo tempo revoltante assunto que me obriga a usar agora da palavra nesta Câmara- o assalto afrontoso frito à sede do Grémio Lusitana em Lisboa - permita-mo que, aproveitando o ensejo de agradecer-lhe o reconhecimento da urgência, feito esponte sua sem consulta da Câmara, atirine a V. Exa. o meu inteiro convencimento da alevantada correcção e imparcialidade que inspiram a sua direcção dos trabalhos parlamentares, felicitando por isso muito sinceramente V. Exa. pela ascensão ao alto cargo que ocupa e que eu estou certo de que V. Exa. saberá sempre prestigiar com a hombridade e brilho com que tem sabido prestigiar a sua toga de advogado ilustre e a sua cátedra de iminente professor. Por muito que sejam as divergências de ideas e princípios que nos separem - e profundas são elas a meu pezar - há entre nós dois laços que indissoluvelmente nos unem. O primeiro, é que tanto V. Exa. como eu, somos homens de leis, cultores conscientes do direito; e, embora não estejamos muito na moda, a verdade é que constituímos de facto uma recíproca garantia da consideração e respeito que todos para com todos devemos manter dentro desta casa.

Outro laço, porem, nos liga, somos ambos portugueses e isso é neste momento quanto basta para que possamos e devamos entendermo-nos e unimo-nos, com abdicação embora das nossas mais queridas reivindicações, em defesa da Pátria que ora reclama a coesão e o esforço de todos os seus filhos, em nome dos altos e sagrados interesses nacionais.

Ora, é justamente porque Portugal necessita neste momento do concurso de todos os seus filhos, que mais vem enegrecer a nossa alma, que mais revoltam a nossa consciência os assaltos e afrontas da natureza daquele a que me refiro e de que tam irremediável prejuízo pode vir não só à situação política interna, para que pretendemos atrair, como indispensável, a boa vontade e a colaboração de todos os nossos irmãos, portugueses que, bem merecem da República, mas tambêm ao conceito que fora das fronteiras pretendemos com justiça impormo-nos perante as nações nossas amigas, perante o mundo civilizado.

Ao Grémio Lusitano todos os que servimos a República temos obrigação de reconhecer os seus serviços inestimáveis à sua causa, que é a causa da liberdade. (Apoiados).

Do Grémio Lusitano saíram os mais intrépidos elementos para a proclamação da República, dele provêm ainda agora esteios valorosos da actual situação.

O Grémio Lusitano tem perante o estrangeiro a legítima consideração que ali se vota à liberdade e porque tanto nos outros países se têm prestigiado as associações congéneres.

Se se tratasse dum assalto às Juventudes Católicas, que é um centro político monárquico, e portanto de carácter partidário, ainda que menor desgraças dele proviessem ao país, as minhas palavras, esteja V. Exa., Sr. Presidente, certo, seriam para verberar com igual indignação êsse facto inqualificável e os seus inqualificados autores. Da escola que impulsiona as conhecidas aspirações do Grémio Lusitano, francamente pratico e entendo que

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devemos ter poios outros o mesmo respeito que para nus mesmo reivindicamos. (Apoiados).

Portanto, foi com profunda mágoa que há pouco tive conhecimento dêsse assalto brutal e indigno ao Grémio Lusitano, em que se praticaram, segundo consta, as maiores vergonhas e infâmias, chegando a destrúir-se e queimar-se bandeiras, a rasgar-se e despedaçar-se retratos de homens ilustres, não escapando às iras reaccionárias dos assaltantes até os retratos dos Reis de nações amigas, irmanando-se na insânia devastadora tudo quanto ali representava uma memória sagrada, desde a de Cândido Reis até a de Eduardo VII, tudo foi imolado à raiva canibalesca dos que planearam e executaram tam tremendo acto de banditismo.

Digo tudo isto, cônscio de que nem o Govêrno nem pessoa alguma nesta casa se disporá de qualquer modo a prestar o assentimento sequer do seu silêncio a actos da natureza dos que foram praticados. (Apoiados).

Não havendo ninguêm que em tese possa, defender quaisquer afrontas aos direitos alheios, seja em que circunstâncias for, menos, estou certo, haverá quem não enjeite em absoluto toda a solidariedade com aquelas afrontas que não vem ofender somente sagrados direitos individuais, que mancham e afectam colectivamente o país, emquanto se sabe, dentro e fora das fronteiras, quanto a instituição que dessa afronta foi vítima, tem trabalhado em defesa da. Justiça, da Liberdade e do Direito, na guerra em que todos nós nos empenhámos para bem da humanidade.

Assim é que, lonje de ladearmos a questão, é nosso dever de honra reconhecermos, para lhes darmos satisfação completa, os duros espinhos que podem advir para o país e para o Govêrno da covarde agressão a que me estou referindo e que foi mais uma estúpida machadada na pacificação da família portuguesa, que é o nosso problema vital. (Apoiados).

Estou convencido que por parte do Govêrno será feita ao inquérito rigoroso em que se apurem todas as responsabilidades venham elas donde vierem para o castigo severo e exemplar de quem se mostre culpado, como autor, cúmplice ou consentidor de tal vergonha, e, porque estou certo disso, e tanto devo confiar no Govêrno, limito agora por aqui o meu protesto, agradecendo a V. Exa. e à Câmara a atenção com que se dignaram ouvir-me.

O Sr. Melo Vieira: - Mando para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a generalização do debate. - Melo Vieira.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admitem têm a bondade de se levantar.

Foi admitido.

O Sr. Alberto Navarro: - Não há requerimentos antes da ordem!

O Sr. Presidente: - Este assunto será discutido na ordem do dia.

O Sr. Melo Vieira: - A indicação da Câmara parece-me que é de aprovação para o meu requerimento, e, portanto, o debate deve ser imediatamente generalizado. (Apoiados).

O Sr. José de Azevedo: - V. Exa. dá-me licença?

O requerimento foi aprovado ou admitido?

O Regimento desta Câmara não permite requerimentos antes da ordem do dia.

O Sr. Almeida Pires: - O nosso Regimento não diz que antes da ordem não possa haver requerimentos; o que diz é que êles não preferem, nessa altura, a ordem de inscrição dos oradores.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se aprova a generalização do debate. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para o negócio urgente tratado pelo Sr. Maurício Costa.

O Sr. Almeida Pires: - Pedi a palavra, em nome dêste lado da Câmara, para protestar contra o atentado desta madrugada. (Apoiados).

Faço êste protesto, não com qualquer intuito político, mas como reprovação contra o facto.

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Nem me importa saber se essa associação tinha ou não existência legal, porque não preciso de o averiguar para condenar o atentado que se cometeu contra a propriedade.

O orador não reviu.

O Sr. Secretário de Estado das Finanças (Tamagnini Barbosa): - Sr. Presidente: pedi a palavra visto ser eu o único membro do Govêrno presente nesta casa, para declarar a V. Exa. e declarar à Câmara, mais uma vez. que sou absolutamente contrário a actos da natureza do que acaba de ser relatado, os quais merecem um correctivo imediato.

Uma voz: - V. Exa. fala em seu nome pessoal ou em nome do Govêrno?

O Orador: - Quando pedi a palavra, a V. Exa. Sr. Presidente, e a mais ninguêm, disse que o fazia em nome do Govêrno, e foi assim que pronunciei as minhas primeiras frases.

Esclarecido o áparte, eu continuo nas minhas considerações:

Tive conhecimento do assalto desta madrugada, ao Grémio Lusitano, ao entrar na Câmara; ouvi que a polícia acudira no local, por isso é lógico supor que neste momento já se terão feito deligências no sentido do averiguar quais foram os assaltantes e tudo quanto interessa conhecer a respeito do atentado cometido.

Os assuntos de ordem pública interessam a todos os membros do Govêrno, mas o esclarecimento e detalhe, perante a Câmara, de todos os actos perturbadores da ordem que se pratiquem no país, incumbem especialmente a um colega meu que por motivos especiais, não está presente.

Por esta razão e por que não podia ficar calado, quer como membro do Govêrno, que como parlamentar, perante as declarações feitas pelo Sr. Deputado Maurício Costa, afirmo como membro do Govêrno que êste reprova e condena todos os atentados dessa natureza, o que, aliás, tem feito sempre em circunstâncias análogas; e, como parlamentar, afirmo a V. Exa. que acompanho o Sr. Deputado Maurício Costa, nos seus protestos contra os que usam de processos desta natureza, quer sejam realizados contra associações, cuja organizarão para muitos é desconhecida, quer sejam realizados contra associações organizadas com estatutos do conhecimento público.

Sou contrário formalmente a todos êsses actos que classifico de indignos e que merecem a repulsa mais enérgica da parte do Govêrno.

São estas as afirmações que posso fazer neste momento.

Não foi ainda o assunto ventilado no seio do gabinete, mas, quando o seja, estou certo do que as minhas palavras encontrarão eco em todos os meus colegas, caso êstes se não antecipem em pronunciar palavras idênticas de indignação.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: a minha situação nesta casa do Parlamento, alheio a todos os partidos, quer da direita quer da esquerda, leva-se a dizer o que penso sôbre os últimos acontecimentos. Sr. Presidente, na verdade todos os atentados são reprováveis, ou sejam os que se dirigem a perturbar a ordem pública, ou os que visam pôr em risco a vida e a propriedade dos cidadãos.

Em geral consideram-se como mais importantes os atentados às pessoas; todavia, na fase dolorosa que atravessamos, reveladora dum profundo espírito de destruição, os atentados à propriedade não têm menos gravidade do que aqueles, reclamando por isso uma rigorosa punição.

Tanto o atentado ao Grémio Lusitano, como ao Grupo Pro-Pátria e outros, que agora reputo inoportuno referir, por que alguns ilustres Deputados já o fizeram, e tambêm porque não quero causar a atenção à Câmara, tem dois aspectos: o criminal, para ser derimido nos tribunais, e o preventivo, exclusivamente da competência das autoridades administrativas.

É de estranhar que, quando se trate de atentados à propriedade, o Govêrno esteja sempre desprevenido, o quando correm boatos sôbre movimentos revolucionários se sinta disposto a mandar prender toda a gente, lançando a rede de malhas estreitas, de forma a atulhar as cadeias e os fortes, de vítimas da sua tirania.

O Govêrno, ao darem-se atentados às casas dos cidadãos, não sabe cousa, alguma, mas sempre que se fala de complots ou de greves, considera-se habilitado a

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privar da liberdade todos aqueles que se permitem discordar da sua orientação política e administrativa. Esta dualidade não se compreende nem se explica.

Estranho procedimento, que não quero levar à conta de uma manifesta má fé, por parte do Ministério, mas tenho o direito de julgar esto menos previdente, para não ter de lhe chamar menos competente.

O Govêrno necessita ter uma polícia bem organizada, afim de não ficarem impunes crimes desta natureza, e para que não se diga no país, e sobretudo no estrangeiro, que em Portugal se vive em plena anarquia.

Sr. Presidente: atravessamos uma época de conflitos, questões irritantes e de lutas políticas que, pelo seu carácter maléfico, concorrem para o desprestígio do país perante o mundo civilizado, dificultando a solução do nosso problema económico, financeiro, colonial e educativo.

Há pouco dizia o ilustre Deputado Sr. Pinheiro Torres, que o atentado ao Sr. Presidente da República era o resultado da propaganda demagógica. Não vejo, Sr. Presidente, motivo para semelhante afirmação, porquanto a verdade é que, entre nós, as liberdades de pensamento, de associação e de reunião encontram-se abolidas.

A censura não deixa passar cousa alguma (Apoiados).

Ainda há poucos dias um jornal no seu artigo de fundo dizia que o Sr. Norton de Matos era um bom organizador.

Sabe V. Exa. e a Câmara o que fez a censura? Cortou a palavra "organizador".

Noutra local dizia que o Sr. Afonso Costa era um diplomata. Pois, a censura cortou as palavras Afonso Costa.

Porventura, poder-se há dizer que há propaganda num país em que a liberdade de pensamento está coacta? Não, essa propaganda não existe, pelo menos com publicidade, nem é possível fazê-la porque o Govêrno não a consente.

Proíbe-se que circulem os jornais da oposição ao Govêrno, e só se permite que sejam publicados os que lhe são afectos.

Acham-se suspensas todas as liberdades, incluindo a de expressão de pensamento. Não há, assim, liberdade de imprensa nem direito de realizar comícios.

Quando em recinto fechado se efectuam quaisquer conferências, para tratar de assuntos de interesse público, as casas e edifícios onde elas se celebram são invadidos pela polícia, que de espingarda e sabre em punho agride à doida quem ai: se encontra.

Haja em vista o que aconteceu na redacção do órgão evolucionista A República.

Nestas condições para que havemos de dizer que há propaganda?

O que há é uma tirania insolente e revoltante, que infelizmente nos prejudica e nos há-de conduzir à perda da nossa nacionalidade.

Sr. Presidente: sou liberal avançado, mas isso nuo impede que me coloque ao lado dos que defendem à outrance a ordem, o sossego e a tranquilidade pública.

Devemos acompanhar a trajectória da humanidade, porque os organismos sociais tendem a avançar gradual e metodicamente, e nunca a retroceder.

É necessário que evolucionemos lentamente, de harmonia com as leis do progresso, e não à custa de violências, caracterizadas por actos revolucionários e criminosos.

Quero a paz, mas uma paz justa, sólida e firme, feita a contento de todos.

Neste sentido entendo que é ao Govêrno que compete estabelecer uma plataforma para a aproximação dos partidos históricos da República no interesse do país.

Porque a verdade é esta: todos dizem que querem paz, e, quando se trata de entrar em combinações, ninguêm deseja ser o primeiro a transigir.

E deixe-me V. Exa., Sr. Presidente, ainda acrescentar o seguinte: no dia em que se entrar a sério no caminho da conciliação da família portuguesa, terminarão os atentados como o da Montanha, do Pôrto, o do Grémio Lusitano e do Sr. Sidónio Pais.

O Sr. Pinheiro Torres encarou êste último atentado sob o ponto de vista sociológico, todavia é preciso tambêm estudado sob o aspecto biológico. Quero dizer: o criminoso tanto podia ter sido vítima das condições sociais do meio em que vivia, como um produto mórbido de influências ancestrais, caracterizadas por anomalias físicas ou manifestações psico-pa-

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tológicas. Isto é ignoro se nos encontramos em presença dum louco, dum exaltado ou dum paranóico, ou em face dum homem perfeitamente organizado, capaz de assumir a responsabilidade do seu acto.

Quem é o criminoso?

Uma voz: - V. Exa. quero explicar o atentado?

O Orador: - Eu quero dizer apenas a V. Exa. e à Câmara que não tenho, como ninguêm tem, elementos para apreciar as condições em que foi cometido o atentado.

Quem é o criminoso? Quais os seus antecedentes e as causas que o levaram a praticar o crime?

Porventura, em Franca, quando mataram Jaurés recaiu alguma responsabilidade sôbre qualquer partido político dessa nação? Da mesma forma, que significado revolucionário teve em Espanha o assassinato de Canalejas?

Crimes graves sempre os houve em todos os tempos, embora determinados por factos unias vezes desconhecidos, outras de fácil investigação.

Vou terminar, lavrando o meu protesto: 1.°, contra o atentado ao Grémio Lusitano; 2.°, contra a maneira como o Govêrno se tem conduzido, não sabendo, nem diligenciando estudar as questões de natureza política e social, a fim de evitar o triste e vergonhoso espectáculo de indisciplina e de amargura a que indignadamente o país está assistindo.

O Sr. João de Castro: - Sr. Presidente: ainda há pouco se fez aqui a consagração da situação política criada pelo movimento de Dezembro; porêm, o que os factos a todo o momento provam é que tem sido dentro de tal situação que se tem cometido os mais pavorosos atentados, como há muito se não praticavam no país.

O atentado de agora contra o Grémio Lusitano foi precedido do atentado contra o Pró-Pátria, como êste fora já precedido doutros contra vários centros políticos republicanos, jornais e até contra associações, sindicatos operários e centros socialistas. Quer isto dizer que o Govêrno não tem sabido defender a ordem, como devia, e, segundo as informações que tenho, segundo as informações da minoria socialista, há muitíssimas probabilidades de se chegar à conclusão de que o último atentado, contra o Grémio Lusitano, foi obra exclusivamente da polícia.

Nestas circunstâncias chamo, em nome da minoria socialista, a especial atenção do Govêrno para tal facto, e não nos venha dizer, como disse o Sr. Secretário de Estado das Finanças, que o Govêrno está na disposição de tomar todas as providências necessárias para que sejam castigados os culpados do atentado, porque idêntica declaração temos ouvido muitas i vezes a S. Exa., e o que é certo é que todos os atentados têm ficado absolutamente impunes.

A minoria socialista apresenta, pois, o seu protesto contra os atentados cometidos, e mais uma vez se prova que tem razão quando afirma que é à situação política criada pelo movimento de 5 de Dezembro que se deve a situação de terror e de absoluto desprêso por todos os princípios e direitos em que estamos vivendo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Melo Vieira: - Congratulo-me. Sr. Presidente, por ter provocado a generalização do presente debate, pois assim tivemos ocasião de ouvir afirmações concretas e positivas, que, feitas pelo leader da maioria, em nome da maioria, pelo Sr. Secretário de Estado das Finanças, em nome do Govêrno, pelo Sr. João Crisóstomo, creio que em seu nome individual, e pelo Sr. João de Castro, em nome da minoria socialista, vieram definir princípios, marcar atitudes.

Sr. Presidente: confio absolutamente na acção do Govêrno, que tem de ser, e é estritamente necessário que seja, o defensor da ordem, e não pode haver ordem onde se dêem atentados como o que se praticou contra o Grémio Lusitano. (Apoiados).

É absolutamente necessário que as promessas do Sr. Secretário de Estado das Finanças sejam cumpridas, e eu, que sei bem como S. Exa., pelo seu carácter, pela sua nobreza de sentimentos e pelo seu temperamento, é incapaz de prometer o que não possa ou não queira cumprir, tenho a certeza de que o Govêrno vai apurar bem e imediatamente a quem ca-

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bem as responsabilidades do atentado contra o Grémio Lusitano, atentado que representa um verdadeiro crime.

Nós avançamos, Sr. Presidente, para a reacção a passos agigantados, diz-se, e é neste momento que, como que a confirmar o dito, se vai atentar contra uma instituição liberal e progressiva, à qual a Pátria e a República devem extraordinários serviços. (Apoiados).

O Sr. Pinheiro Torres (aparte): - Não apoiado!

O Orador: - Tem V. Exa. a sua opinião e eu tenho a minha.

Sr. Presidente: diz-se à boca pequena, sem a coragem de se afirmar em voz alta, porque decerto é calúnia, que membros do exército português, do glorioso exército da nossa Pátria, tomaram parte neste assalto, dizendo-se até que alguns oficiais ou alunos da Escola de Guerra, pelo menos, estão implicados nele.

Eu não acredito, porque repugna ao meu espírito, que o exército português desça a acções dessa natureza.

O Sr. Alfredo Pimenta (interrompendo): - Não se admitem sequer, nem por hipótese, presunções dessa ordem!

Não devemos mesmo citá-las!

O Orador: - Eu estou habituado a dizer sempre aquilo que penso e a tomar a responsabilidade dos meus actos, aqui e em toda a parte, e porque tenho tido sempre esta coragem e esta lialdade, donde não podem resultar senão vantagens, é que sou hoje o que sou. sem vergonha do meu passado e com confiança do meu futuro.

Entendo que se deve dizer em voz alta o que se pensa e acho pouco sério, para não dizer outra cousa, dizer vagamente, surdamente, no escuro, o que se não pode ou tem coragem de dizer em público.

V. Exa., Sr. Alfredo Pimenta, não é capaz, por muitos anos que viva, de presar mais o exército do que eu. O que pre-teado é que o Sr. Secretário de Estado das Finanças, tomando as minhas palavras com o valor que elas têm, faça com que se prove à saciedade que era absolutamente falso o que SP dizia. E eu julgo isso muito útil porque devem V. Exa. Sr. Presidente, e a Câmara saber que hoje, como ontem, se está fazendo uma campanha de dissolução das instituições militares, amesquinhando-as, pretendendo colocá-las em situação desagradável perante a opinião pública.

Isto mesmo disse-o aqui o Sr. Secretário de Estado da Guerra que, ao indicar o programa da revolução abortada apresentou esto ponto como um dos assentes para levar a cabo.

Sr. Presidente: diz-se lá fora, numa propaganda surda mas perigosa, do exército, muita calúnia, muita infâmia, e necessário é que essa campanha seja combatida. Eu por mim sempre que que chegue ao conhecimento qualquer dessas fusos de dissolvência social hei-de pedir ao Sr. Secretário do Estado da Guerra para vir aqui dizer - porque lho hei-de preguntar - que o exército português, desde os seus soldados até aos seus oficiais superiores, continna nobre, honesta e honradamente a ser digno da confiança nacional e mal iria à nação, mal iria à República o a todos nós, se o exército, que é o mantenedor da ordem, pudesse ser suspeito desta ou daquela torpe insinuação. (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: sempre que se cometem crimes como aquele que a Câmara está verberando, o Govêrno, com uma sinceridade que eu não me atrevo, nem por sombras a pôr em dúvida, vem ao Parlamento dizer que êsse atentado será o último, que mais nenhum se repetirá e que êsse último será rigorosamente punido; fazendo-se todas os inquéritos possíveis para se descobrirem os criminosos.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças) (interrompendo): - Peço desculpa a V. Exa. para lhe solicitar uma rectificação.

Eu não fiz essa afirmativa nem de reste a podia fazer. Como quere V. Exa. que eu declare ao país, em nome seja de quem for, que o atentado de ante-ontem será e último?

Peço, pois, a V. Exa. que, em homenagem à verdade, assim rectifique as suas palavras.

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O Orador: - Aceito a rectificação que o Sr. Secretário de Estado das Finanças acaba de fazer às minhas palavras. Elas, para mim, porêm, continuam valendo o mesmo.

O Govêrno, sempre que se dá um crime da natureza do que ontem se cometeu, vem ao Parlamento declarar que fará tudo quanto estiver nas suas mãos, para que tal crime se não repita, para que os criminosos sejam rigorosamente castigadas. E o que vemos? Os factos repetem-se com uma regularidade que chega a pasmar e dos delinquentes nem um só é castigado! (Apoiados).

No Pôrto tem-se praticado os piores atentados contra pessoas e bens e em Lisboa o menino está sucedendo, não constando que o Govêrno tenha tomado uma medida que torne absolutamente impossíveis factos desta natureza.

Foi agora destruído o Grémio Lusitano. O Sr. Secretário de Estado das Finanças, em nome do Govêrno e com a sua habitual sinceridade, vem dizer ao Parlamento que os autores do tal atontado serão castigados. Pois bem: a Câmara deseja ardentemente que, por esta vez ao menos, o Govêrno saiba descobrir aqueles que destruíram o Grémio Lusitano o lhes saiba impor o castigo que merecem.

De promessas estamos nós fartos. O que se torna necessário é que o Govêrno proceda contra quem delinqúe, porque, se o não faz, ninguêm sabe onde poderá chegar a anarquia, que cada vez mais se generaliza. Ninguém sabe se a sua pessoa, os os seus bens, se acham seguros, desde que o seu procedimento não agrade aos que estão perturbando a sociedade.

Dito isto, faço os mais ardentes votos para que, desta vez, a promessa do Sr. Secretário de Estado das Finanças se compra rigorosamente e os díscolos que assaltaram o Grémio Lusitano tenham o castigo que lhes pertencer.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: peço licença a V. Exa. e à Câmara para ler em documento que é histórico.

Leu.

Êste documento tem a assinatura do actual Presidente da República, Sr. Dr. Sidónio Pais, que do alto da Rotunda quiz anunciar a Portugal inteiro que se ia inaugurar um período de Justiça, de Liberdade, de respeito pelos direitos e pela propriedade de todos os portugueses.

Por consequência, coloco-me dentro do que devia ser o campo das ideas da presente situação política para pedir que, duma vez para sempre, sejam metidos na ordem os bandidos, que, arvorando-se em estrénuos defensores do existente, se têm servido do assalto e da violência como armas de propaganda, como meios do demonstrarem práticameute que a aurora da Liberdade raiou afinal nesta nossa terra portuguesa.

Nós somos, creio, a única nação em que as Companhias seguradoras, mesmo as estrangeiras, já não seguram contra assaltos e a razão de tal facto é que estes atontados são o pão nosso de cada dia, são um rosário do contas que tristíssimos cavalheiros andam desfiando por conta da situação.

Quando aqui nos ocupámos do assalto ao jornal A Montanha, pela primeira vez tivemos então ensejo de ouvir a palavra, sempre repassada de sinceridade, do Sr. Secretário de Estado das Finanças, então Secretário de Estado do Interior, prometendo que a verdade se apuraria pois que nos inquéritos, a que se ia proceder, se procuraria descobrir quais os delinquentes.

Infelizmente os factos posteriores vieram demonstrar-nos que eram vãs as nossas esperanças. Os inquéritos não conseguiram apurar nem um único presumido delinquente numa terra aonde, por suspeitas, estão nas cadeias 10.000 presos políticos! E, assim, seguros da impunidade, os bandoleiros Têm continuado a assaltar, a atentar contra todos os direitos. O Govêrno diz repudiar qualquer espécie de solidariedade com as quadrilhas de assaltantes, que parece estarem organizadas no nosso país. Palavras, palavras sempre palavras, como dizia o Hamlet. O facto é que as casas não se incendeiam e não ÍH; assaltam por si próprias. É pois legítima a conclusão de que, infelizmente, os assaltantes devem dispor de extraordinários recursos, de extraordinárias protecções, para que nunca se apure a verdade acêrca de tais factos, ou para que, ao menos, a nossa polícia nunca tivesse podido levantar uma ponti-

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nha do, véu misterioso que protege êstes bandidos.

Lembra-me que quem levantou o caso de A Montanha no Parlamento foi o Sr. Dr. Joaquim Madureira. Confiou S, Exa. na palavra do actual Sr. Secretário das Finanças, mas o que é facto é que, passados dias, o seu jornal A Voz Pública. que é um daqueles que defendem a situação, foi assaltado, isto é, a desordem chagou a atingir um dos mais enérgicos sustentáculos disso que para aí está, quando um dia o seu director resolveu protestar contra as façanhas duns filhotes que Teles Jordão deixou lá para as bandas do Pôrto. E o próprio comissário da polícia do Pôrto incitou os desordeiros, lendo publicamente os protestos do Sr. Deputado Madureira e de dois outros nossos colegas na Câmara, protestos constantes do telegramas enviados ao Sr. Presidente da República, e de cujo conteúdo o Sr. Alegre só se poderia ter inteirado por um abuso de confiança.

Que providências se tomaram? Nenhumas!

O sr. comissário de polícia foi porventura castigado por ter exorbitado das suas funções, armando em provocador da desordem? Não.

Como é que V. Exas. não vêem que o exemplo constante da tolerância para com desordeiros, que se armaram num dado momento em autoridades, pode levar ao crime?

São crimes sôbre crimes os que se sucedem em Portugal, a ponto que a gente já duvida de que se acabo de desfiar do vez o rosário dêsses crimes.

A longa série dêles é preciso agora acrescentar o assalto ao Grémio Lusitano. Acto expontâneo, saído duma grande indignação da alma popular? Não. Estou convencido do que houve incitamentos, manobras por detrás da cortina. De facto toda a gente sabe que em Portugal não há o ódio contra a Maçonaria.

Quem preparou o assalto? As autoridades, de braço dado com velhos inimigos da Maçonaria? Ao Govêrno compete averiguá-lo. E se bem que nenhumas sejam as minhas esperanças de que haja um honesto intuito de apurar a verdade, toda a verdade, vou citar alguns factos, comprovados por testemunhas, que são pessoas de bem, pedindo ao Sr. Ministro das Finanças que os indique à consideração de quem for encarregado de proceder às devidas averiguações.

O Sr. Silva Passos autorizou-me a dizer que está pronto a declarar, diante de quem quer que seja, que uma alta autoridade policial, há tempos já, lhe havia jurado que havia de mandar assaltar o Grande Oriente Lusitano.

Outro facto, já que com factos se faz a história, vou submeter ao alto critério da Câmara. Veio procurar-me ao Parlamento o Sr. Fidelino Costa para me declarar que, com um redactor do jornal A Situação, pretendeu aproximar-se do local aonde está instalado o Grande Oriente Lusitano. Autoriza-me aquele senhor a declarar que lhos foi impossível satisfazer a natural curiosidade de ver como se faz em Portugal um trabalhinho daquela natureza.

De facto, foram iludidos nas suas esperanças, porque estavam as embocaduras das ruas tomadas pela polícia, com o fim, parece, de deixar a operação correr os seus trâmites naturais.

Terceiro facto: parece que o trabalho de destruição durou mais de três horas. A polícia não teve conhecimento de tal? Ninguém o pode afirmar em consciência, porque isso só provaria que o serviço policial, numa cidade como Lisboa, corre verdadeiramente ao Deus-dará, podendo travar-se uma batalha sem que os ouvidos dos senhores guardas sejam feridos pelo ruído.

Garanto tambêm, e se for chamado á polícia citarei testemunhas, que esteve um piquete de polícia à porta do grupo Pró-Pátria, emquanto lá dentro os destruidores se entregavam à sua tarefa de tudo reduzir a cavacos.

São factos muito concretos e eu desejaria ir depor perante qualquer comissão de inquérito, que honestamente quisesse averiguar se as autoridades servem em Portugal para promover ou proteger assaltos.

Devo fazer a declaração de que não pertenço à maçonaria, o que tira ao meu protesto toda a significação de faccíosismo. Mas estou no Parlamento para defender as liberdades portuguesas ameaçadas, e, no cumprimento da minha missão, irei sempre até onde for preciso.

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Desmandos de republicanos chegaram muitas vozes em Portugal até os assaltos. A reacção depois de 5 de Dezembro foi tremenda e foi tam longo, tam longe, que será bom meditar neste velho provérbio da sabedoria das nações : quem semeia ventos, colhe tempestades...

A Constituição, no n.º 39.° do artigo 3.°, dá o direito de, pela torça, defender a propriedade e todas as regalias constitucionais.

Eu declaro a V. Exa., Sr. Presidente, o seguinte: se amanhã as garantias se estiverem suspensas e alguém tentar calcar aos pós os meus direitos, eu defender-me hei a tiro, porque não quero que, por culpa minha, Portugal se torne uma terra de escravos.

O Sr. Carlos da Maia (aparte): - Apoiado, Sr. Cunha Lial. Diz muito bem: é a tiro que se devem defender os nossos direitos.

O Orador: - Sr. Presidente : se a nossa acção aqui dentro não for orientada por uma inteligente idea republicana, o futuro será horrível.

Vive-se numa atmosfera de terror. O Govêrno, aterrorizado pela sua obra, pela obra da sua inconsciência, procura abafar o pensamento português por forma que nada dele transpire. A imprensa está amordaçada.

Ninguem pode manifestar aquilo que tem dentro da alma.

A nossa voz no Parlamento, que devia ser sagrada para o Poder Executivo, porque êle não é mais do que mandatário do Poder Legislativo, como administrador que é duma casa cujo dono nós representamos (Apoiados], até a nossa voz é amordaçada lá fora. censurando-se desalmadamente os relatos parlamentares e chegando-se ao ponto de os próprios nomes dos Deputados serem considerados subversivos e como tal eliminados.

O Sr. Adelino Mendes: - E as moções do ordem?

O Orador: - Calcule-se para, que num país assim manietado, num país onde ninguêm pode livremente respirar, onde trememos de falar a um vizinho, na dúvida de ser um espião, num país em que a vida duma criatura só está segura quando a sua voz levanta hossanas humildes ao existente, num país assim há dezenas de milhares de criaturas nas cadeias!

Se elas lá estão por terem conspirado, que graves devem realmente ter sido os actos do Poder Executivo para assim criarem um tal estado de revolta à alma republicana. E é porque todo o português não abastardado, porque todo o português digno de tal nome condena as violências do Poder Executivo e se indigna contra todas as tropelias, contra todos os assaltos à propriedade e ao direito de cada um, que em Portugal a desordem é invencível. É que a desordem vem afinal de contas a significar o desejo de meter na ordem um poder arbitrário e violento.

Agindo assim, não há Govêrno nenhum que consiga aguentar-se. E para mim pouco me importa saber o modo como cairá êste Govêrno.

O meu raciocínio e a minha inteligência dizem-me que não pode aguentar-se um Govêrno que tem de socorrer-se destas violências, que consente o assalto e prende arbitrariamente, e que à Europa culta, ao mundo inteiro, está dando o exemplo do despotismo numa época em que a liberdade faz explosão até nos próprios crâneos dos autocratas.

Um Govêrno assim tem de cair perante o grito de consciência nacional. (Apoiados).

E eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, que, como intérprete do sentir desta Câmara, inste - para dignidade e salvaguarda da sua acção nesta: casa - inste com o Govêrno para que inaugure uma época de liberdade e para que, quando haja casos como o do Grémio Lusitano, mostre nos seus inquéritos que quere averiguar a verdade. E mais peço a V. Exa. que, quando, passados tempos, a Câmara reconheça que nada se apurou de verdade sôbre êste atentado, novamente inste com o Govêrno para que não descure êste assunto, porque isto não pode continuar assim. (Apoiados)

A República não pode continuar à mercê daqueles que vieram provocar no nosso país uma reacção de tal forma tremenda, um recuo de tal forma grande para o passado, que, forçosamente, a consciência republicana há-de ser levada a uma revolta que pode ensanguentar o país, quan-

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do a verdade é que todos nós queremos ordem, queremos trabalhar e queremos acima de tudo a dignidade e independência da nossa Pátria. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Maurício Costa: - Sr. Presidente : vou ser breve. Ao usar de novo da palavra começo por me congratular com a Câmara pelas declarações feitas pelos oradores que me precederam e que foram todos os que têm tomado parte no debate.

Ao levantar êste incidente no Parlamento eu sabia antecipadamente que aos brados da consciência nacional justamente revoltada, viriam juntar-se os protestos desta Câmara, patenteando sem sombra de dúvida a sua repulsa perante o inqualificável assalto feito ao Grémio Lusitano.

Não posso de facto acompanhar o Sr. Cunha Lial no seu ataque violento ao Govêrno e menos nas suas insinuações de que por parte dêste haja cumplicidade da tolerância perante uma tal afronta à liberdade.

As declarações do Sr. Secretário de Estado das Finanças mostram pelo contrário que o Govêrno, longo do pactuar com os criminosos, está pelo contrário disposto a, intransigentemente, manter, como lhe cumpre por honra própria e da República, a confiança que todos nós dêste lado da Câmara nele depesitíimos. (Apoiados).

A ninguêm mais do que a mim dói profundamente o indecoroso acto cometido, ninguêm mais do que eu deseja que sôbre êle se faça completa luz, aproveitando todos os elementos do prova para o esclarecimento da verdade, entre os quais têm especial gravidade as informações do Sr. Cunha Lial, independentemente do seu ataque ao Govêrno que pela minha parte considero injusto.

Tenho pena que não esteja presente o Sr. Secretário de Estado do Interior para que mais claramente definisse a orientação do Govêrno, visto que é S. Exa. a quem mais directamente tem de intervir no assunto; estou porêm convencido de que em, S. Exa., como em todo o Govêrno, terá o Grémio Lusitano e o país um sincero auxiliar no inquérito latissimo e sem peias que se me antolha indispensável, e por cuja urgência faço votos, interpretando, como se me afigura, devidamente, o sentir desta Câmara. (Apoiados).

Assim termino, enviando para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara dos Deputados, tomando conhecimento do assalto afrontoso cometido contra a, sede do Grémio Lusitano em Lisboa, o tendo em atenção as declarações prestadas pelo Sr. Secretário de Estado das Finanças, afirma a sua repulsa pelo acto cometido e aguarda o apuramento rigoroso das responsabilidades de qualquer natureza o a punição intransigente de todos os culpados e passa à ordem do dia. - Maurício Costa.

Foi admitida e aprovada.

O Sr. João Pinheiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de Constituição.

Mando igualmente para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se aprova ou não que se imprimam e distribuam pelos Deputados o relatório e o projecto da Constituição Política, juntos. - João Henriques Pinheiro.

Tenho dito.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente : como faço parte dos membros da comissão revisora da Constituição, tenho a declarar a V. Exa. e à Câmara que o facto de até hoje essa comissão, na sua maioria, não ter apresentado um projecto, não provém senão de circunstâncias de ordem pessoal da parto de alguns dos seus membros.

Acontece, porem, que tendo uma parte dos membros dessa comissão elaborado um projecto que não está de acôrdo com a orientação da maioria, entendeu o Sr. João Pinheiro apresentar agora em nome dessa minoria êsse projecto.

O Sr. João Pinheiro representa, no s to momento, uma corrente, e eu julgo poder declarar à Câmara que a minha voz representa, neste momentos a corrente oposta. Nestas condições, declaro que a corrente contrária à representada pelo Sr. João Pinheiro mandou hoje imprimir o projecto da revisão da Constituição para que numa

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das próximas sessões êle possa ser sujeito à discussão e consequente deliberação da Câmara.

Não posso por emquanto fazer outra declaração, senão a de que, sendo livre a qualquer membro da comissão apresentar o seu parecer pessoal sôbre o assunto, o Sr. Pinheiro, representando a minoria, não pode pretender que êsse seu trabalho seja o parecer da comissão.

O orador não reviu.

O Sr. Alfredo Machado: - Apenas para afirmação de princípios e nada mais, vou ler o parágrafo único do artigo 37.° do Regimento. Diz assim:

"Antes da ordem do dia, o pedido de palavra para requerimento não prefere por forma a alterar a inscrição feita, quando esta não seja especial".

Quere dizer: eu devia ter a palavra antes de todos os Srs. Deputados que falaram sôbre o incidente.

Mas... nisto fica o meu protesto.

O Sr. Adelino Mendes: - E V. Exa. já estava inscrito da última sessão. Pertencia-lhe falar primeiro.

O Orador: - Pedi a palavra para apresentar, tambêm, um projecto de revisão da Constituição, em duplicado, como determina o Regimento da Câmara. Não vou preceder a sua apresentação com quaisquer considerações, visto que não acho oportuna esta ocasião, para fazê-las. Formularei essas considerações em tempo devido, que é quando se discutir o assunto. Agora desejo simplesmente prevenir os membros desta Câmara e bem assim os da outra Casa do Parlamento que tomarem conhecimento do que eu hoje aqui digo, de que o projecto que apresento e que envio para a Mesa não é precisamente aquele que distribuí por S. Exas. Faz diferença em leves pontos.

As alterações que fiz vieram da discussão feita na imprensa. Por isso me felicito de ter publicado êste assunto antes de trazê-lo ao Parlamento, visto que aproveitei dessa discussão. Em especial o jornal A Luta fez considerações mui sensatas o tanto assim que me levaram a introduzir modificações no primitivo projecto.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que faça com que corram breves os preliminares que têm sempre lugar para a discussão de qualquer projecto. Poço tambêm que me seja facultado o rever as provas da impressão, no Diário do Govêrno, do meu projecto, pois as emendas no original poderão ser mal compreendidas pelos tipógrafos e, portanto, sendo-me permitido o que desejo, pode abreviar-se o tempo.

V. Exa. de resto compreende a necessidade que há em que o assunto seja trazido imediatamente à discussão o por isso espero ser atendido. E urgente aprovar a revisão da Constituição para acabar a trapalhada política em que estamos vivendo.

É preciso votar a revisão da Constituição, seja do que natureza for, embora entenda que melhor será que ela seja parlamentarista.

Vou terminar, pedindo a V. Exa. que me releve a falta que cometi da última vez que falei e que novamente acabo de cometer, não começando por saudar V. Exa. como devia. Mas saúdo-o agora e com prazer porque conheço as qualidades que exornam o carácter de V. Exa.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: não sei realmente os termos em que devia ter pedido a palavra, pois que tenho por fim pedir e dar à Mesa um esclarecimento.

O projecto do Sr. João Pinheiro foi recebido na Mesa?

Está recebido como emanado da comissão constituinte?

O Sr. Presidente: - O projecto está assinado pelos seguintes Srs. Deputados: João Pinheiro, Amâncio Alpoim e Celorico Gil.

Pausa.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: temos, pois, um projecto assinado por três membros da respectiva comissão, e um dêles vem dizer à Câmara que apresenta êsse projecto sem assinatura da maioria dos membros da comissão, porque nenhum projecto da comissão constituinte pode ter a maioria de assinaturas.

Aparece depois outro Sr. Deputado da mesma comissão, dizendo que está em elaboração um projecto assinado pela maioria dos seus membros.

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Estas duas declarações contrariam-se uma à outra, e o juiz dessa contrariedade há de ser a Câmara.

Do lado daqui, dêstes que o Sr. Bravo entende serem a minoria, afirma-se desde já que três Srs. Deputados da comissão não compareceram aos trabalhos.

Não intervieram nesses trabalhos; um dêles porque foi nomeado Ministro e teve de abandonar os trabalhos parlamentares, e foi o Sr. Azevedo.

Outro foi o Sr. Francisco Joaquim Fernando, que não compareceu aos trabalhos da comissão.

O terceiro é o Sr. Serafim Morais Júnior.

Temos, portanto, três Srs. Deputados, que assinaram um projecto, e outros três que não compareceram aos trabalhos, o que soma se a aritmética não está errada, seis Srs. Deputados.

A comissão constituinte é constituída por onze Srs. Deputados, e não sei por que aritmética só possa entender que o projecto apresentado passou como da comissão, e possa ser assim publicidade.

Apartes.

O Sr. Melo Vieira (interrompendo): - O Sr. Deputado Francisco Joaquim Fernandes não tomou parte nos trabalhos da comissão, e, portanto, a comissão só teria dez membros, e não onze.

Apartes.

O Orador: - Esse Sr. Deputado não pode assinar qualquer projecto, porque não compareceu aos trabalhos. O artigo 87.º do Regimento, referindo-se à maioria do vogais da comissão, alude, claro está, aos que compareçam, deliberem e votem.

Eu tenho de apresentar estas observações, porque o Sr. Deputado Manuel Bravo, falando da maioria que assina o segundo projecto, não nos disse qual ela é.

Nenhum dos projectos tem maioria, visto nenhum a poder ter.

Ainda que os Srs. Deputados católicos assinem o projecto, que eu chamarei n.º 2, reuniam-se cinco voto?.

Ora cinco não é maioria de onze.

Temos assim dois projectos da são.

O Regimento é omisso neste caso. O artigo 87.º diz:

"Cada uma das comissões examina e discute n proposta ou projecto de lei, conforme lhes for indicado pelo seu presidente, e findo o exame e discussão, nomeia um relator especial de entre os seus membros, que apresentará o parecer fundamentado à Assemblea".

Trata-se, pois, dum caso omisso, que a Câmara tem de resolver, visto que há dois grupos: o grupo do Sr. Pinheiro e o grupo do Sr. Bravo, o cada um apresenta o seu projecto.

O Sr. Manuel Bravo: - A comissão que mandou imprimir êste projecto não foi por conta da Câmara, mas sim por sua conta própria, para depois o apresentar à Câmara.

O Orador: - V. Exa. não tinha dita isso: mas, sendo assim, eu entendo que se devem apresentar dois projectos oficiais, e não particulares, um do grupo Pinheiro o outro de grupo Bravo; e só assim a Câmara poderá decidir qual dêles deve entrar em discussão.

A comissão tem obrigação de apresentar um projecto, apresenta dois. Cumpre e recumpre

A Câmara manda imprimir os dois e discute-os amplamente.

Assim é que deve ser.

E assim que eu entendo se deve proceder.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças): - Pedi a palavra, não como Ministro, mas como Deputado. para dizer que não posso aceitar a doutrina exposta pelo Sr. Amando de Alpoim.

Eu, como Deputado, arrogo para mim o direito de mandar para a Mesa os projectos que entender e que desejar apresentar.

V. Exa. como Presidente, cumprindo o Regimento, fará seguir os projectos para as comissões respectivas, as quais darão o seu parecer.

Não sei se a comissão pode ou não reùnir, se tem ou não número; se não tem faça-se nova eleição.

Os projectos têm de só discutir com o parecer da comissão.

O orador não reviu.

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O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não se trata dum projecto apresentado por três Deputados que tenha de ser examinado pela comissão; trata-se dum projecto que tem de ir a uma comissão, na qual não existe maioria para qualquer projecto, segundo se afirma.

O Sr. Manuel Bravo: - V. Exa. está a preparar um equívoco. Nesta altura não se pode garantir que a maioria da comissão não assine o projecto.

O Orador: - A comissão nunca reuniu. No projecto não pode figurar a assinatura de um membro da comissão que nunca compareceu às sessões.

A Câmara precisa saber quais sejam as assinaturas que representam a maioria na comissão. A Câmara é que ha-de fatalmente decidir.

E minha convicção que nenhum dos projectos tem a maioria das assinaturas da comissão.

Seg0undo o § único do artigo 176.° do Regimento, em casos omissos só a Câmara pode dar solução.

A Câmara deve desde já mandar imprimir os dois projectos o depois decidir qual dos dois deve ser admitido à discussão.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças): - Os projectos vindos da comissão só são reconhecidos como tal quando vêm acompanhados dos respectivos pareceres, e êsses pareceres devem conter não apenas as assinaturas da maioria dos membros da comissão, mas a totalidade dêles, muito embora com a declaração de vencidos, se não concordam com as doutrinas do parecer, porque é o parecer o documento indicativo de que o projecto passou pela comissão.

O Sr. Melo Vieira: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra para solicitar de V. Exa. umas explicações acêrca do que se discute, porquanto eu não sou muito forte em regulamentos, especialmente no Regimento desta casa do Parlamento.

Eu não vejo, ao que diz respeito à organização das comissões, nenhuma disposição regimental que obrigue as comissões a reùnir, nem tam pouco que seja o Presidente quem distribua os trabalhos.

Além disso não é nada humano que, no interregno parlamentar, os membros das comissões sejam deslocados para Lisboa, a fim de estudarem o projecto da Constituição, estudo êsse que êles podem muito bem fazer em casa.

O Sr. Amando de Alpoim (interrompendo): - A comissão nunca reuniu em maioria, mas apenas com o Vice-Presidente e, sendo assim, nunca teve maioria. Como é, pois, que V. Exa. pode, à face do Regimento, demonstrar o contrário?

O Orador: - Eu agradeço a V. Exa. a sua explicação, e vejo que V. Exa. confessa um êrro da comissão, porque é extraordinário que V. Exas., logo de nascença, nomeassem presidente da comissão um indivíduo que ao tempo ainda não era Deputado.

Pois se o Sr. Francisco Fernandes - e eu estou a tratar a questão sob o ponto do vista doutrinário - foi eleito presidente tia comissão, como lhe vem V. Exa. sonegar êsse direito?

De contrário tenho de admitir que S. Exa. não em membro da comissão.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A palavra foi dada apenas para a apresentação do projecto. Vou, puis, consultar a Câmara sôbre se deseja, ou não, a generalização do debate.

O Sr. Alberto Navarro: - Peço a palavra para invocar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Alberto Navarro para invocar o Regimento.

O Sr. Alberto Navarro: - O artigo 21.º do Regimento diz:

"Que as ressoes duram quatro horas, sendo uma para tratar de assuntos antes da ordem e três para ordem do dia".

Ora pregunto eu, Sr. Presidente: Aquando é que se passa à ordem do dia? Temos estado aqui a ouvir justificar requerimentos e outros assuntos assim...

O Sr. Amarais de Alpoim: - Mas não se trata dum assunto insignificante, duma questão de lana caprina.

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O Orador: - O que digo é que se trata de cousas que se passaram no seio das comissões, e com as quais a Câmara nada tem.

Havia uma hora para só tratar do quaisquer assuntos antes da ordem do dia. Essa hora passou há muito, e, portanto, o que temos a fazer é regressar à normalidade dos trabalhos.

O Sr. Maurício Costa: - Peço a palavra para invocar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Maurício Costa.

O Sr. Maurício Costa: - O Sr. Alberto Navarro não tem razão quando diz que havia apenas uma hora antes da ordem do dia. Foi pedida a palavra para um assunto urgente, tendo o debato sido generalizado por votação da Câmara, e, assim, ficou a ordem do dia prejudicada até liquidação dêste assunto. Depois é que a Câmara votou uma moção em que só declarava passar-se à ordem do dia. e então é que se devia ter passado à ordem.

Vozes: - Ordem do dia! Passe-se à ordem do dia!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Invoco o Regimento. Está na Mesa um requerimento do Sr. João Henriques Pinheiro. E certo que os requerimentos se não discutem; porêm, votam-se, e, portanto, antes de passarmos à ordem do dia temos de votar o requerimento do Sr. João Henriques Pinheiro, visto que foi admitido na Mesa. Não podemos colocar a questão o outro pé.

Uma voz: - Os requerimentos votam-se, mas quando há tempo antes da ordem do dia.

Sussurro.

O Sr. Almeida Pires: - V. Exa. dá-me licença?

Há sôbre a Mesa um requerimento para a liquidação dêste incidente. Parece-me que interpreto o sentir da Câmara pedindo a V. Exa. que o submeta à votação, pois estamos dispostos a mandar imprimir os dois pareceres, visto que se trata duma questão importante, e, assim, passar-se há imediatamente à ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Vai ser pôsto à votação o requerimento do Sr. João Pinheiro. Os Srs. Deputados que o aprovam tem a bondade de se levantar.

Está aprovado.

Vai-se passar à ordem do dia: eleição de comissões.

ORDEM DO DIA

O Sr. Almeida Pires: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Almeida Pires.

O Sr. Almeida Pires: - Requeiro que entre imediatamente em discussão a seguinte proposta, que mando para a Mesa:

Proposta

Proponho que nos termos do artigo 84.º do Regimento a Mesa fique autorizada a nomear todas as comissões permanentes, constantes do mesmo Regimento e bem assim as comissões extraordinárias eleitas no último período das sessões. - Manuel Bravo - Marcolino Pires - Dario Cabral.

Sr. Presidente: não queremos abdicar dos nossos direitos, mas, como V. Exa. sabe, a sessão passada durou muito pouco tempo e as comissões pouco puderam produzir, e o meu requerimento visa a evitar a impressão de que se passa o tempo a eleger comissões. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a proposta do Sr. Almeida Pires têm a bondade de se levantar.

Está aprovado, devendo considerar-se reconduzidas a comissão de verificação do poderes, assim como o vogal para a comissão administrativa e as comissões parlamentares.

O Sr. Álvaro Mendonça (Secretário de Estado da Guerra): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Guerra.

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O Sr. Álvaro Mendonça (Secretário de Estudo da Guerra): - Tendo tido conhecimento pelo Sr. Secretário de Estado das Finanças de uma declaração de V. Exa. sôbre um incidente aqui levantado, nenhuma dúvida tenho em declarar que não houve no meu gesto qualquer intuito de menos atenção para com a Câmara.

Com referência à prorrogação do estado de sítio, envio para a Mesa esta proposta, para a qual peço urgência e dispensa do Regimento.

Proposta de lei

Artigo 1.° E confirmada até esta data a declaração de estado de sítio, estabelecida pelo decreto n.° 4:891, de 12 de Outubro de 1918.

Art. 2.° É declarado o estado de sítio com suspensão parcial de garantias constitucionais em todo o território do continente da República.

§ único. As garantias constitucionais suspensas são as dos n.ºs 13.°, 14.°, 15.°, 10.°, 17.°, 18.°, 20.° no período anterior à formação da culpa, 28.° e 31.° do artigo 3.° da Constituição Política da República Portuguesa.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário. -O Secretário de Estado da Guerra, Álvaro César de Mendonça.

Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento para a proposta apresentada pelo Sr. Secretário de Estado da Guerra.

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Tem a palavra o Sr. Cunha Lial.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: é V. Exa., nos termos do Regimento, a salvaguarda da dignidade de nós todos. (Apoiados).

O Sr. Secretário de Estado da Guerra, na declaração que acaba do fazer, disse muito terminantemente que não tinha querido ofender a Câmara. Acentuou-o duma forma clara e precisa - a Câmara.

Por consequência, implicitamente se conclui que o Sr. Secretário de Estado da Guerra tinha tido intenção de me ofender; V. Exa., como Presidente da Câmara, não pode deixar passar isso em julgado.

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que esclareça o incidente e que, antes de reatar as minhas considerações pregunte ao Sr. Secretário de Estado da Guerra se teve intenção de me ofender.

Vozes: - Isso é uma questão pessoal.

O Orador: - Se dentro desta Câmara, um Sr. Deputado levantar uma questão pessoal, é V. Exa., Sr. Presidente, que tem o dever de chamar à ordem êsse Sr. Deputado. Não fui eu que a levantei, mas sim o Sr. Secretário de Estado da Guerra.

O Sr. Presidente: - V. Exa. permite-me uma interrupção? O Sr. Secretário de Estado da Guerra nunca se declarou ofendido directamente.

O Sr. Adelino Mendes: - Nem se declara.

O Orador: - Não é o Sr. Secretário de Estado da Guerra, mas sim eu quem se pode considerar ofendido. Não me pertence, porêm, averiguar se, porventura, nos actos do Sr. Secretário de Estado houve alguma intenção injuriosa para mini. Desde que V. Exa. Sr. Presidente, tomo para si a ofensa, considero a minha dignidade salvaguardada. Caso contrário, não.

O Sr. Presidente: - Penso que o Sr. Secretário de Estado da Guerra não ofendeu V. Exa. pessoalmente.

O Sr. Maurício Costa: - Não me parece que procedam as razões apresentadas pelo Sr. Cunha Lial.

Mas eu, Sr. Presidente, pedi a palavra para invocar o Regimento...

O Sr. Adelino Mendes: - Se S. Exa. pedia a palavra para invocar o Regimento, só pode citar o número do artigo que invoca, não lhe é permitido falar.

O Sr. Maurício Costa: - Não me parece que o Sr. Secretário de Estado da Guerra tivesse o intuito de ofender o Sr. Cunha Lial. Se o Sr. Secretário de Estado da Guerra tivesse proferido quaisquer palavras injuriosas contra o Sr. Cunha Lial ou contra qualquer outro Sr. Deputado, não era necessário que S. Exa. advertisse a Presidência para que interviesse na

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questão. Se há ofensa pessoal, isso não é objecto da nossa consideração.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre se entende ou não que houve ofensa para o Sr. Cunha Lial.

Vozes: - Isto não pode ser. V. Exa. não tem de coasultar a Câmara.

O Orador: - Peço a V. Exa. que esclareça a questão.

Eu não estou a pedir ninguêm o auxílio em questões de honra. Lá fora podem V. Exas. acreditar que nem os consulto nem os aceito por intermediários.

Dentro do Parlamento, porêm, o caso é diferente e eu sou forçado a chamar a atenção da Câmara não para as palavras do Sr. Secretário de Estado da Guerra, porque S. Exa. foi mudo, mas sim para o acto praticado, voltando-mo as costas quando falava.

O Sr. Carlos da Maia (interrompendo): - O Sr. Secretário de Estado da Guerra declarou que não tivera o intuito de melindrar a Câmara, mas não disse que não tivera o intuito de não melindrar o Deputado. Eu não posso continuar no meu lugar emquanto êsse Deputado não for desagravado.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara...

Vozes: - Não pode ser!

O Orador: - V. Exa. com a sua intransigência obriga-me a ser mais violento do que eu desejava ser.

V. Exa. é tam interessado como eu em que não haja ninguêm agravado dentro desta casa.

Resta-me, portanto, exigir-lhe que a mim, como membro do Parlamento, me sejam dadas satisfações e terminantes.

O Sr. Presidente: - V. Exa. disse bem; eu estou tão interessado na honra parlamentar de V. Exa. como V. Exa. próprio, mas eu entendi, pelo que ouvi ao Sr. Secretário de Estado da Guerra, quando particularmente o procurei e pelas explicações que hoje ouvi. que S. Exa. não tinha tido o intuito de melindrar a Câmara e consequentemento qualquer dos sons membros. (Apoiados).

Nestas condições e pela manifestação da Câmara eu julgo que V. Exa. e a Câmara estão desagravados.

O Sr. Cunha Lial: - Não há maneira de chegarmos a um acordo.

Está presente a criatura que melhor do que V. Exa. o de que eu pode dizer quais foram as suas intenções. Uma simples palavra solucionava a questão e evitava-se que lá fora se tirassem ilações que nem eu nem V. Exa. podemos permitir.

O aspecto desta questão é grave, e é grave sobretudo porque o Sr. Secretário de Estado da Guerra não pertence ao Parlamento, sendo, quási, um estranho a esta casa que, porventura, teria tido a audácia de vir aqui provocar-me.

Não lhe custava nada dizer claramente: a atitude que tomei não significa ofensa para ninguêm, tendo sido provocada pela doença, ou emfim, por uma aberração de espírito.

A Câmara, torno a dizê-lo, como corporação tem do sentir-se ofendida quando um dos seus membros é ofendido.

O Sr. Presidente: - Pedia a V. Exa. para dirigir as suas considerações para a Mesa, visto que se faz referencia a pontos de honra e dignidade, e por vozes não se ouve bem.

O Orador: - Visto que o assunto não fica liquidado a meu contento eu retomo as minhas considerações nos mesmos termos em que elas estavam na sessão anterior, antepondo-lhes apenas o correctivo que o caso torna necessário.

Êste incidente é qualquer coisa do parecido com outro caso acontecido outrora no Parlamento Português. Um dia falava nesta Câmara um tenente ou capitão. O então Ministro da Guerra, general Pimentel Pinto, estranhou que um oficial de graduação inferior à sua se lhe tivesse dirigido em determinados termos, e nessa altura um outro oficial, Dias Costa, que fazia parte desta Câmara e que era um militar disciplinado o disciplinador, voltou-se para o Sr. Pimentel Pinto o disse-lhe: Sr. Ministro da Guerra, isto aqui não é caserna.

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Talvez nós obtivéssemos uma explicação clara e franca do incidente passado nesta casa se, como dizem os nossos vizinhos, se aplicasse o conto.

A única explicação, que eu encontro para o acto praticado pelo Sr. Secretário de Estado da Guerra, seria pois o S. Exa. julgar-se desprestigiado pelo lacto de eu, um capitão, me dirigir a êle um tenente-coronel, fazendo-lhe ver que um Govéno tem de prestigiar-se pelos seus actos, e que os actos dêle não eram de molde a dar-lhe êsse prestígio.

Esqueceu-se, porêm, o Sr. Secretário de Estado da Guerra, que os meus modestos guiões são nada perante a missão, que eu aqui estou desempenhando: sou um dos membros do Poder Legislativo, e nessa, qualidade, S. Exa. tem o dever de me respeitar e subordinar-se tambêm.

Esqueceu-se que eu defendia o prestígio do Parlamento, êsse prestígio tam diminuído e abalado lá fora por culpa das nossas transigências vergonhosas.

Era, para manter alto as nossas prerrogativas, que eu tanto insisti por que as explicações de S. Exa. fossem claras e francas. Não no foram, e pessoalmente eu declaro o seguinte: Não me sinto realmente agravado, porque os actos tiram com quem os pratica. Cada um fica no meu lugar e eu por mim sinto que fico melhor; do que o Sr. Secretário de Estado da Guerra.

Mal, porêm, vai para as instituições parlamentares se continuarmos a trilhar as complicadas veredas por onde temos andado perdidos.

Por culpa de republicanos? Por culpa de monárquicos?

Por culpa de todos, pelos nossos actos políticos dentro e fora do Parlamento.

Nos jornais monárquicos, e alguns dêles são dirigidos por pessoas que um assento nesta Câmara, vemos, por exemplo, que todos condenam o abuso do Poder Executivo em legislar com o Parlamento aberto. Simplesmente, quando se chega à altura de tirar disso conclusões lógicas, êles entendem sempre que nunca devem ir até ao fim, forrando o Poder Executivo a reduzir-se ao papel que a Constituirão lhe marca e impõe baldadamente.

Na ocasião em que se passou o incidente com o Sr. Secretário de Estado da Guerra, em defesa destas ideas, tinha eu levantado a minha voz com muito orgulho, porque Govêrnos que não têm respeito pela independência e separação dos poderes, não têm o direito de se sentarem, naquelas cadeiras! Nada me impede, pois, do continuar no mesmo tem.

De há muito que nós vimos gritando nas nossas reuniões particulares ou em público que o Govêrno tem abusado sistematicamente de poderes que não tem, para se intrometer nas atribuições privativas da Câmara dos Deputados e do Senado.

Começou a manifestar-se esta tendência no facto de, depois do eleitos em 29 de Abril, nos terem deixado longos meses à espera de ser convocados. E, quando o fornos, assistimos rotidianamente ao espectáculo tristíssimo de se antedatarem sistematicamente todos os decretos que se publicaram, fugindo assim às malhas do Parlamento.

Com o Parlamento a funcionar, o Poder Executivo começou a passar por cima do Legislativo com a mesma audácia com que depois continuou a fazer o mesmo apesar de todos os remoques.

Protestos surdos contra a antedata obrigaram os Secretários de Estado a prometer que renunciariam de vez a êste processo ilegal de legislar.

Mais tarde prometeram solenemente que no período de adiamento do Poder Legislativo não promulgariam decreto: sobre questões financeiras. Mas o que vimos? Faltaram a todas as promessas e é por isso que mio temos confiança nos homens que ocupam o Poder.

Publicaram, pois, decretos sôbre contribuições, sôbre lucros de guerra, apesar de o Sr. Secretário do Estado do Interior - que respondia pelo Gabinete à falta de criatura que o fizesse, nos termos do artigo 53.° da Constituição - ter declarado, com aquela sinceridade que lhe é habitual, que não publicariam decretos dessa natureza.

Com o decreto sôbre contribuições ensaiaram a comédia de andarem à procura do responsável pela sua publicação, por ninguêm se convencer de que o decreto tivesse tido a malfadada idea de ir pelo seu pé para o Diário do Govêrno.

Agora, o mesmo Gabinete está faltando mais do que nunca às suas promessas: reformou Secretarias, fez mais uma vez

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ditadura financeira, cousa que nunca se fez em país nenhum, publicou decretos dando pensões, decretou feriados nacionais com o Parlamento aberto, sem pudor e sem respeito por nós todos.

Certamente que V. Exas. todos, quer nos gabinetes dos Secretários de Estado, quer nos recontros da sala dos Passos Perdidos, têm muitas vezes dito o mesmo que eu agora estou dizendo alto e bom som.

E a única diferença que há entre o meu procedimento e o dos meus colegas é que eu tenho a coragem de vir aqui dizer, cara a cara, que isto não é legitimo, que o Executivo não tem o direito de abusar de autorizações que em certo momento e para uma certa hipótese lhe foram conferidas para se armar em Legislativo.

Sr. Presidente: isto não é maneira de viver! (Apoiados) Nós vivemos num gachis constitucional! (Apoiados). Um dia, na Rotunda, proclamou-se o direito revolucionário o dele usaram o abusaram tanto quanto quiseram. Ninguém lhes pediu contas de todas as cousas fantásticas que fizeram nesse período. Uma enorme fôrça tinha dado foros de direito a toda essa confusa legislação - a fôrça dos canhões.

Mas um dia, espontaneamente, o Sr. Presidente da República foi ali, àquele lugar onde se senta o Sr. Presidente da Câmara, a anunciar que tínhamos entrado num período constitucional. Garantiu a S. Exa. então que estava de pé a Constituição de 1911 com as alterações que lhe tinham sido introduzidas pelos decretos ditatoriais.

Julgava eu que a partir dessa data havia neste país uma lei para nos governar e um poder para a alterar quando fôsse necessário. Mas enganei-me. Os homens do Gabinete julgaram-se omniscientes e dispensaram o concurso dos legisladores.

E que toda a gente está a ver que os decretos saem das suas mãos mais perfeitos do que se tivessem de ser maduramente ponderados no seio das comissões parlamentares e submetidos depois à apreciação de toda a Câmara.

O Poder Legislativo abastarda-se! ( Apoiados). Ninguêm tem o direito de ceder a outrem direitos que lhe foram conferidos por terceiros! (Apoiados). Estamos atraiçoando o nosso mandato, porque o povo mandou-nos aqui com o mandato imperativo de fazer cumprir as leis e fazer as leis! (Apoiados).

Eu compreendia a ditadura do génio: compreendo que uma criatura que tenha dentro do cérebro uma luz maior que os outros, um plano, uma idea genial, a quisesse impor pela viva fôrça a um país. Mas o que não compreendo é que criaturas que não têm planos, que não têm ideas, cujo cérebro anda elaborando projectículos por mercê do acaso e recebendo o impulso que lhe querem dar, façam uma ditadura com o Parlamento aborto. Se compreendo a ditadura do génio, repilo com energia a ditadura dos asnos.

Sr. Presidente: logo nos primeiros dias do funcionamento do Congresso, preguntei nesta casa porque se não cumpria o artigo 53.° da Constituição. Era o primeiro golpe dado no nosso código político. Protestei. Não me responderam, não me quiseram explicar a que propósito o Ministério não tinha um Presidente responsável pela sua política geral. Queriam o Govêrno do anonimato e lá têm no Poder um Govêrno de criaturas cujas responsabilidades fluídas nos escapam por entre os dedos das mãos.

O primeiro atentado que consentimos foi, pois, êsse. Daí em diante tudo consentimos. Porquê? Se não sentimos a capacidade de legislar, vamo-nos embora, não dêmos ao país êste espectáculo que não é nada decoroso.

Vem agora aqui pedir-se a continuação do estado de sítio, sem préviamente se ter apresentado o bill de indemnidade pelo facto de se ter mantido inconstitucionalmente até agora o estado de sítio decretado durante o encerramento da Câmara.

Nos termos da Constituição, trinta dias depois de decretado o estado de sítio, tinha o Govêrno de dar conta ao Parlamento dos motivos que o houvessem levado à prática dum tal acto.

Não o fez, porem, que o Parlamento é rodilha em que os Govêrnos esfregam as botas; e o Sr. Secretário de Estado da Guerra apenas nos veio declarar, com uma audácia ingénua, que o Poder Executivo entendia dever continuar com o estado de sítio, consentindo às Câmaras que reunissem e mantendo-nos as prerrogativas parlamentares.

E extraordinário que tudo isto se consinta.

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É extraordinário que, só depois da minha objurcatória violenta, o Sr. Secretário de Estado da Guerra apresente, como o fez hoje, a proposta que devia ter apresentado na última sessão.

Porque o não fez nesse dia?

Desconhecimento da Constituição?

O Govêrno não pode levar a ignorância a um tal ponto, porque há para tudo limites - até para a ignorância.

Despreso pelo Poder Legislativo?

O Govêrno não deve tê-lo. E, tendo-o, a si próprio se está matando.

Desisto de forçar as portas dum mistério que o futuro se encarregará de desvendar.

O ponto concreto é que o Govêrno pede a continuação do estado de sítio, e que, como razão do seu pedido, nos fala na desordem que lavra por êsse país fora de norte a sul de Portugal.

Que garantia, porêm, pode ter a Câmara de que essa desordem não continui com êste Govêrno, se eu estou aqui provando dia a dia que. pelo seu facciosismo retrógrado e incompetência manifesta, é um fautor da desordem?

Sr. Presidente: não posso dar o meu voto a uma autorização desta natureza, pela razão simples de que não tenho confiança nos Secretários de Estado para que usem, com dignidade e correcção, da arma que querem que a gente lhes forneça.

Não podendo dar o meu voto para a continuação do estado de sítio, desejo tambêm frisar que por igual não posso com o meu voto consentir a continuação da censura prévia a imprensa.

Todos os países em guerra acabaram com ela. Só em Portugal, sob uma forma atrabiliária, é que ela perdura e está criando foros de instituição perpétua.

Até os relatos parlamentares são censurados!

Isto não pode ser! (Apoiados).

O Poder que ordena tal bate em si próprio.

Já se anuncia até - julgo que seja blague, mas, emfim, no nosso país tudo é possível - que vai haver censura ao próprio Diário das Sessões.

De resto, a nossa censura, tendo como agentes veterinários e picadores, quási nunca consegue atingir completamente ao fim que tem em vista.

Vejamos. Correu aí de boca em boca que o Sr. Afonso Costa tinha sido recebido oficialmente no Poiais Bourbon.

A Capital referiu-se ao assunto numa pequena local, que mereceu as honras do lápis da censura. Simplesmente os censores deixaram de pé o título da notícia: Afonso Costa no Paióis Bourbon. De forma que a censura deu mais volume ao acontecimento do que por certo resultaria da leitura das verdades ou mentiras que na notícia se contivessem.

Esta censura exerce-se à vontade, recebendo os censores instruções para que ninguêm possa bulir na epiderme sensível dos Srs. Secretários de Estado, mesmo que para isso seja preciso tapar a boca ao Poder Legislativo.

Mas o Poder Executivo é mandatário do Legislativo e, portanto, isto não fazia sentido num país de homens livres.

Por dignidade nossa isto não pode continuar, mais uma vez o digo altivamente.

Fechem o Parlamento, violentamente ou não, mas não se de êste espectáculo tremendo dum Poder que abdica noutro.

Não pode ser!

Resta-me ainda referir-me a um dos três assuntos da minha moção.

Trata-se do caso da prisão do Deputado Teles de Vasconcelos.

Sr. Presidente: nós não devemos consentir que o Sr. Teles de Vasconcelos esteja preso, nem mais uma hora, emquanto não nos vierem aqui dizer, claramente, quais foram as provas ou suspeitas determinantes de tal prisão.

Vozes da minoria monárquica: - Muito bem. Apoiado.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Concordam.

Trocam-se diversos apartes.

O Orador: - Creio que do lado da minoria monárquica há uma ligeira confusão. Eu julgo que o Sr. Amâncio de Alpoim quis fazer sentir que era a única parte das minhas considerações em que, eu e S. Exas., os Deputados da minoria monárquica, estávamos de acordo.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Nem mais... Não é porque eu não concorde.

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O Orador: - Sr. Presidente: em Portugal usa-se e abusa-se do argumento das conveniências políticas, dos motivos internacionais. Quando o Govêrno não quere dar qualquer explicaições, lá vem o refrain habitual: altas conveniências internacionais impedem-nos de explicar este facto.

Em França, pude acusar-se em plena Câmara Malvy, Caillaux, Humbert, Turmel de crimes de alta traição.

Dizia-se que Malvy tinha fornecido ao inimigo os planos de ataque ao Chemin des Dames e provocado desordens na retaguarda dos exércitos inimigos. Acusava-se Caillaux e Humbert do inteligências com o inimigo. Acusava-se Turmel de comércio com o inimigo. E fez-se isto no momento em que a Franca atravessava um período de desânimo e incertezas do futuro. Não se invocaram conveniências políticas para ocultar verdades.

Certamente que em Portugal nada se assemelha a isto, nem na gravidade dos crimes, nem na do momento que atravessamos.

Um Ministro da República Francesa fornecer documentos ao inimigo - que cousa tremenda!

Estranho a circunstância do leader monárquico ter levantado a questão Teles de Vasconcelos tam frouxamente!

E preciso que êste caso se esclareça para não dar lugar aos boatos que correm para aí.

Eu já até ouvi dizer que o Sr. Teles tinha recebido dinheiro dos alemães. Chegou essa acusação ao Govêrno? Não sei. Quero crer, para honra de todos nós, que Teles do Vasconcelos não teria ido alêm dum germanofilismo mais ou menos imbecil. É preciso, pois, que tudo se esclareça para que o Sr. Teles de Vasconcelos não continue mais tempo sob uma tam vergonhosa suspeição, ou para que receba o castigo que merece porventura.

Sôbre o caso tenho ouvido as mais variadas versões. Uma delas, por exemplo, funda a prisão dêste Deputado nos artigos do jornal o Liberal.

Eu não sei se isto é verdade, mas, se assim fôsse, muita gente mais tinha que ir para a cadeia.

Eu tenho aqui alguns jornais monárquicos aonde se escreveram cousas bem mais graves do que tudo o publicado no Liberal.

O Dia de 3 de Novembro de J 910 diz o seguinte, por exemplo:

Leu um trecho em que se diz que não desejamos a vítima dos aliados.

Como êste artigo há muitos outros, e, por consequência, mais companheiros deveria ter comsigo na cadeia.

Acho, pois, que a Câmara mal fez não pedindo ao Govêrno que diga os motivos porque o Sr. Teles de Vasconcelos está preso.

Parece-me justificada suficientemente u moção que mandei para a Mesa.

O actual Govêrno tem exorbitado, pondo a descoberto o Poder Legislativo.

Sem autorização tem armado em Poder Legislativo.

Não tem respeitado as imunidades parlamentares.

Não podemos, pois, consentir o poder nas mãos de homens que mio sabem usar dele.

Ao terminar desejaria apenas que a Câmara se, por ligação partidária ou conveniências políticas, não resolver votar n minha moça o, que faça exame de consciência.

E cada um dos seus membros, metendo a mão na sua consciência, dirá decerto para comsigo que tenho razão nas minhas afirmações.

Tenho dito.

O Sr. Adelino Mendes: - Invoco o Regimento, nos seus artigos 21.º e 24.° e seu parágrafo, que mostram que os trabalhos da Câmara não podem continuar por ter dado a hora.

O Sr. Almeida Pires: - O que regula é o artigo 23.°

Assim, a sessão acaba, às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Sôbre a generalidade tem a palavra o Sr. António Cabral.

O Sr. António Cabral: - Já há duas sessões que eu pedira a palavra sôbre o assunto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Cunha Lial pediu a palavra sôbre a ordem, e portanto falou, em primeiro lugar.

O Sr. António Cabral: - Eu julgava que estava inscrito em primeiro lugar.

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O Sr. Presidente: - Segundo a nota que aqui tenho V. Exa. estava inscrito depois de outros Srs. Deputados.

Agora tem V. Exa. a palavra.

Tem a palavra o Sr. António Cabral.

Vozes: - Mas porquê?

O Sr. Presidente: - O Sr. António Cabral pediu a palavra sôbre a proposta do Sr. Ministro da Guerra?

O Sr. António Cabral: - Pedi a palavra a propósito da proposta do Sr. Secretário de Estado do Interior relativa à prisão do Sr. Teles de Vasconcelos e das considerações do Sr. Secretário de Estado da Guerra acêrca da suspensão de garantias, e como o Sr. Cunha Lial se referiu a êsses dois assuntos, eu considero-mo no direito do tambêm os tratar.

Uma voz: - Mas qual é a ordem do dia?

O Sr. Presidente: - A ordem do dia foi dividida em três partes, eleição de comissões, suspensão de garantias e prisão do Sr. Teles de Vasconcelos.

Uma voz: - Mas isso não foi anunciado.

O Sr. Melo Vieira: - O Sr. Vicente José de Freitas, na última sessão, no meio da confusão então estabelecida, levantou um incidente, que eu reputo da maior importância, referente ao C. E. P. e, nessa altura, eu pedi a palavra porque desejava tratar desenvolvidamente êsse assunto. Então o Sr. Cunha Lial pediu a palavra sôbre a ordem, V. Exa. Sr. Presidente concedeu-lha, outros Srs. Deputados se inscreveram e eu. fiquei sem falar. Ora eu desejo que V. Exa. me diga quando me concede a palavra para me ocupar desse assento.

O Sr. Presidente: - Eu darei a palavra a V. Exa. na altura competente.

O Sr. Correia Monteiro: - Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que mande ler a inscrição.

Leu-se na Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra e Sr. António Cabral, que a pediu a seguir ao Sr. Cunha Lial, acêrca da suspensão da garantias proposta pelo Sr. Secretário de Estado da Guerra.

O Sr. António Cabral: - Eu pedi a palavra, como já declarei, quando o Sr. Secretário de Estado do Interior apresentou uma proposta acêrca do Sr. Teles de Vasconcelos, a seguir á exposição feita pelo Sr. Secretário de Estado da Guerra relativa à suspensão de garantias. não usando logo dela porque o Sr. Cunha Lial se inscreveu sôbre a ordem. Êsse Sr. Deputado, como a Câmara ouviu, ocupou-se dos dois assuntos, e o mesmo direito, portanto, me assiste a mim, porque não pode haver dois critérios, um para u maioria e outro para a minoria, mas como eu não quero fomentar a desordem nesta Câmara, pregunto a V. Exa. se posso tambêm referir-me aos dois assuntos ou só a um dêles.

O Sr. Presidente: - V. Exa. agora só pode ocupar-se da proposta do. Sr. Secretário de Estado da Guerra.

O Orador: - Eu acato as determinações de V. Exa., mas há-de permitir-me que eu estranhe que não me seja concedido o mesmo que foi ao Sr. Cunha Lial.

Sôbre a proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra já fez declarações em nome dêste lado da Câmara o seu ilustre leader, o Sr. Aires de Ornelas, e eu nada tenho a acrescentar ao que S. Exa. disse, mas desejando tratar da situação anormal era que se encontra um membro desta Câmara, peço a V. Exa. que me diga quando o posso fazer.

O Sr. Presidente: - Imediatamente a esta discussão, que poderá ser hoje mesma, se V. Exa. requerer a prorogação da sessão.

O Orador: - Eu não requeiro cousa alguma, porque eu não peço a palavra para um requerimento, e que eu desejo é que V. Exa. me reserve a palavra para me ocupar da prisão do Sr. Teles da Vasconcelos.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. inscrito.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vai votar-se a generalidade a proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra.

Foi aprovada.

O Sr. Adelino Mendes: - Invoco o § 2.º do artigo 116.°

Faz-se a contraprova.

O Sr. Presidente: - Levantaram-se 11 Srs. Deputados e ficaram assentados 60.

Vai discutir-se a especialidade. Está em discussão o artigo 1.°

O Sr. Almeida Pires: - Pedi a palavra para definir a atitude da maioria neste assunto. S. Exa. o Sr. Secretário de Estado da Guerra veio relatar à Câmara as razões por que o Poder Executivo alongou o estado de sítio alêm de trinta dias e por que carecia da sua prolongação.

A Câmara sabe que duas tentativas revolucionárias se produziram durante o interregno parlamentar e, assim, estão sobejamente justificados os motivos que levaram o Govêrno a decretar o estado de sítio.

Com referência ao pedido agora feito à Câmara, pode V. Exa. crer que a maioria veria com bastante satisfação o restabelecimento das garantias, pois que deseja votar com a maior rapidez, embora com ampla discussão, o estatuto fundamental do país, principal missão que aqui nos trouxe, o entendemos que tal é impossível emquanto o estado de sítio só mantiver, pois que é indispensável que, especialmente pelo que diz respeito à imprensa, êsse importante problema seja versado com a maior amplitude.

Devo tambêm frisar que o facto de o Sr. Secretário de Estado da Guerra vir trazer uma nova proposta, não envolve desprestigio para o Parlamento, visto que S. Exa. pode apresentar propostas no sentido que muito bem entender.

Veria tambêm com prazer a maioria que os extratos das sessões parlamentares não fossem mutilados. Não se compreende bem, realmente, que do Minho ao Algarve o povo não possa saber o que os representantes da nação dizem no Parlamento.

Estamos certos de que nem tanto tempo como o indicado precisará o Poder Executivo para normalizar as garantias e, assim, votamos a proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra, unicamente para que o Govêrno não diga que lhe faltou o necessário apoio parlamentar.

Nada mais tenho a dizer, pois a situação da maioria fica definida com estas minhas palavras.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Ninguém pede a palavra sôbre o artigo? Está aprovado. Vai ler- se o artigo 2.° Leu-se.

O Sr. Almeida Pires: Não tem prazo marcado?

O Sr. Presidente: - Não indica prazo nenhum.

O Sr. Almeida Pires: - Peço a palavra para mandar para a Mesa uma emenda.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 3.° e â emenda proposta pelo Sr. Almeida Pires.

Leu-se.

O Sr. João Pinheiro: - V. Exa. dá-me licença? Desejava interrogar a Mesa sôbre quais são as garantias que ficam suspensas.

O Sr. Presidente: - A Câmara já tomou conhecimento da proposta; no emtanto vai ler-se um parágrafo que esclarece o Sr. Deputado.

Leu-se.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - O n.° 16.': tambêm está incluído?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.

Os Srs. Deputados que admitem a emenda do Sr. Almeida Pires fazem favor de se levantar.

Foi admitida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°, o seu parágrafo e a emenda do Sr. Almeida Pires.

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Tem a palavra o Sr. Feliciano da Costa.

O Sr. Feliciano da Costa: - Sr. Presidente : vejo com grande mágua e triste sentimento que, tendo entrado na revolução de Dezembro para levar o pais a bom caminho, essa revolução se fez para se cavar novamente e dia a dia a desordem "3 a perturbação, parecendo não haver já forma de contrariar não só a desordem na rua, como o próprio caos no Parlamento.

Aqui, um pede a palavra, outro já a tinha, outro pede-a agora, todos querendo falar ao mesmo tempo e ninguêm se entendendo.

Um sentimento de reacção vai correndo pelas fileiras populares, cometem-se atentados dia a dia. Pareceria que, exercendo o Govêrno a sua repressão e vindo pedir a Câmara a votação do estado de sítio, iodas as desordens, todas as perturbações desapareceriam e tudo seguiria a bom fim. Mas nós vemos que o Govêrno decreta e manda com fôrça de lei, com Parlamento ou sem Parlamento, consultando esta casa ou não a consultando, e a desordem mantêm-se e a desordem vai seguindo a sua marcha.

Parece que de tudo isto resultaria uma falta de confiança do Parlamento ou desta casa no Govêrno. E é assim até que surgem as moções de confiança ou desconfiança.

Mas para que servem elas?

Não sei para que elas se apresentam, visto que o Govêrno ainda não teve a confiança dêste Parlamento.

Assim, veio êle pedir no seu artigo 1.° do projecto que lhe fôsse sancionado aquilo que esta Câmara lhe devia negar e vem pedir que êste estado de cousas continui sem limites, porque parece que é preciso manter-se a desordem.

Nós estamos com a voracidade da discussão da Constituição. Um grande mal que impera no nosso meio é o de que a Constituição não esteja votada, e é neste momento que nós vamos dar mais trinta dias ao Govêrno para manter o estado de sítio. Como é que se vai fazer a discussão da Constituição?

É com a censura, que não deixa discutir livremente? E com a censura, que vai até à correspondência diplomática, é com que êsse espírito de revinditas reaccionárias que se agarrou ao Poder e que se mantêm no Govêrno que nós podemos trabalhar?

Se é desta maneira que a Câmara interpreta o sentir da vontade nacional, eu nada mais tenho a dizer nesta casa do Parlamento.

O Sr. Almeida Pires (para um requerimento): - Requeiro a prorrogação da sessão até se votar a proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra.

O Sr. Adelino Mendes: - Requeiro a contagem, invocando o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Aprovaram o requerimento do Sr. Almeida Pires 62 Srs. Deputados e rejeitaram-no 9.

Está aprovado.

O Sr. Maurício Costa: - Sr. Presidente : pedi a palavra para fazer algumas referências ao artigo 2.° e § único da proposta de lei do Sr. Secretário de Estado da Guerra.

Relativamente ao artigo 2.° vou mandar para a ilesa uma proposta de substituição do corpo do artigo 2.°.

A maioria parlamentar, pela voz do seu leader, manifestou já ao Govêrno o desejo de colaborar com êle para que rapidamente se regresse à normalidade constitucional; certo, porêm, é que o principal fundamento que a maioria tem para conceder a continuação do estado de sítio é a de que estando grande número de pessoas presas sem culpa formada e tendo o Govêrno, no caso de levantamento da suspensão de garantias, obrigação de as soltar sem possibilidade do apuramento das respectivas responsabilidades nos actos de perturbação ocorridos, o Parlamento, dando ao Poder Executivo os meios de que êle carece para a manutenção da ordem e descriminação das responsabilidades dos que a infringiram, afirme simultaneamente o seu desejo de que êsses presos sejam interrogados o mais rapidamente possível e o mais rapidamente possível se proceda a sua indiciação ou libertação, visto que não pode admitir-se que tendo o movimento de 5 de Dezembro aberto

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as portas das cadeias àqueles que ali se encontravam sem culpa formada, o sem julgamento durante longos meses, nós consitamos que continuo a proceder-se agora do igual forma.

O movimento revolucionário de 5 de Dezembro fez-se para devolver o direito as suas bases fundamentais, destruindo as várias espécies de demagogia e sectarismo, que tem constituído um verdadeiro cancro nacional.

Estou, portanto, convencido de que o que está no espírito do Sr. Secretário do Estado da Guerra, como o que está no nosso espírito, é o desejo de que rapidamente regressemos à normalidade constitucional, dando ao país a impressão verdadeira de que de facto não queremos servir os interesses inconfessáveis dessa demagogia, que nem por ser doutra cor, nos deve merecer mais consideração.

Assim a minha proposta é para que o Govêrno, multiplicando as comissões de inquérito às responsabilidades dos presos políticos, nomeando juízos suficientes para essas comissões possa de facto, inteligentemente e com a indispensável imparcialidade, apurar as responsabilidades de todos os presos até 31 de Dezembro de maneira que no dia do feriado consagrado à fraternidade universal, o Govêrno da República não conserve preso quem de direito não tenha motivos legais para o estar.

Estou certo de que o Sr. Secretário de Estado da Guerra há de fazer o possível para que rapidamente termine a instrução do todos os processos pendentes. Nisso está empenhada a dignidade do Govêrno e a nossa. (Apoiados).

Relativamente ao § único da artigo 2.°, da proposta em discussão, pelo que respeita à censura, ou seja a suspensão do n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição que diz que a expressão do pensamento, seja qual fôr a sua forma, é completamente livre, sem censura, ou autorização prévia, envio para a Mesa uma moção que me parece dever satisfazer ao Govêrno e ao mesmo tempo evitar justos queixumes do futuro.

Nela vai expresso o voto, perante o Sr. Secretário de Estado da Guerra, que a censura aos jornais se exerça meramente em cumprimento dos compromissos tomados para com a imprensa, das disposições legais que foram estabelecidas com sua audiência prévia e apenas nos casos emergentes da guerra.

Não se admite que a censura vá maisa além dos compromissos excepcionais que a provocaram por motivos de ordem externa.

Não se admite que se amordaça de propósito toda a liberdade de pensamento. Não se admite, sobretudo, que se faça a censura aos extractos parlamentar, impedindo que o Poder Legislativo exerça as suas funções constitucionais invioláveis como independente que é de qualquer outro poder do Estado. (Apoiados).

Estou certo do que o Sr. Secretário do Estado da Guerra será o primeiro, em defesa dos princípios, a compreendê-lo e que, dada a suspensão parcial de garantias, como é de esperar, a cordura aos jornais se faça por agentes responsáveis e nos precisos termos do decreto que a regula.

Eis porque espero que ao lado do § único do artigo 2.° da proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra, a minha moção de interpretação seja aprovada.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de substituição mandada para a Mesa pelo Sr. Maurício Costa.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admitem à discussão a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Maurício Costa, tenham a bondade de se levantar.

O Sr. Adelino Mendes: - Invoco para essa proposta o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procedeu-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Não havendo na sala número suficiente de Srs. Deputados para se tomarem deliberações, vou mandar proceder à chamada.

Procedeu-se à chamada, estando presentes os Srs. Deputados:

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.

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Sessão de 9 de Dezembro de 1918 33

Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Pinheiro Torrem.
Alberto de Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alfredo Machado.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
Álvaro Miranda Pinto do Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Lino Neto.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António dos Santos Cidrais.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Domingos Ferreira Martinho do Magalhães.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cortes Pizarro de Sampaio e Melo.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
Gabriel José dos Santos.
João Baptista de Almeida Arez.
João Baptista de Araújo.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
José Alfredo Mondes de Magalhães.
José Augusto de Melo Vieira.
João Cabral Caldeira do Amaral.
José Eugénio Teixeira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão (Visconde do Sardoal).
José de Lagrange e Silva.
José Vicente do Freitas.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco (Conde de Arrochela)
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Manuel Rebelo Moniz.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Be telho Neves.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mendes.

O Sr. Presidente: - Encontram-se presentes apenas 55 Srs. Deputados. Portanto, não há número para a Câmara funcionar. A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, e a ordem do dia é a mesma que estava marcada para hoje, menos eleição de comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

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