O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 5

EM 10 DE DEZEMBRO DE 1918

Presidência do Exmo. Sr. António Lino Neto

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Abre-se a sessão com a presença de 68 Srs. Deputados.

Procede-se à leitura da acta, que é aprovada sem discussão.

Dá-se conta do Expediente.

E admitido à discussão um projecto de lei.

O Sr. Almeida Pires faz algumas considerações sôbre a última eleição da Presidência da Câmara.

O Sr. Botelho Nunes em nome da comissão revisora de finanças manda para a mesa um parecer.

O Sr. Pinheiro Torras faz largas considerações sôbre a actual situação do clero em Portugal.

O Sr. Caldeira do Amaral, em nome da comissão revisora à obra do Govêrno pela pasta da guerra manda para a mesa um parecer e dote projectos de lei.

O Sr. Maurício Costa manda para a Mexa um projecto de lei para o qual pede a urgência e dispensa do Regimento, que lhe são concedidos.

O Sr. Alberto Navarro usa em seguida da palavra e manda para a mesa uma proposta de aditamento.

Ordem do dia. - (Discussão da proposta sôbre a manutenção do estado de sitio.)

Usa da palavra o Sr. Almeida Pires que manda para a Mesa uma proposta de emenda. Lida na Mesa, é admitida.

A Câmara autoriza o Sr. Almeida Pires a retirar a emenda que enviara para a Mesa na ultima sessão.

O Sr. Ministro das Finanças (Tamagnini Barbosa) manda para a Mesa uma proposta de aditamento. Lida na Mesa, é admitida.

O Sr. Adelino Mendes usa largamente da palavra sôbre a proposta em discussão.

Segue-se no uso da palavra o Sr. António Cabral que manda para a Mesa uma proposta de emenda.

Responde-lhe o Sr. Ministro das Finanças (Tamagnini Borbota).

O Sr. Maurício Costa pede licença para retirar uma proposta que, na última sessão, apresentou à Câmara, e faz varias considerações sôbre o assunto em discussão.

Lida na Mesa, é admitida a proposta do Sr. Maurício Costa.

Usa em seguida da palavra o Sr. Joaquim Crisóstomo.

O Sr. Almeida Pires faz breves considera coes sôbre o assunto em debate, e, em seguida, o Sr. Presidente submete à votação da Câmara a moção do Sr. Maurício Costa, apresentada na sessão anterior.

O Sr. Adelino Mendes requere a votação nominal e invoca o § 2.º do artigo 116.º do Regimento. E aprovado êste requerimento.

Feita a votação, o Sr. Presidente declara que a moção foi aprovada por 43 Srs. Deputados e rejeitada por 27.

O Sr. Presidente anuncia que vai passar se à votação das propostas de emenda, apresentadas.

A Câmara aprova a emenda do Sr. Almeida Pires.

Lida na Mesa a emenda do Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Joaquim Crisóstomo requere votação nominal. É rejeitado êste requerimento; e, em seguida, aprovada a emenda do Sr. Ministro.

Lido na Mesa o artigo 2.°, foi em seguida aprovado, salva a emenda. Usam da palavra, para esclarecimentos, os Srs. António Cabral, Adelino Mendes e António Cidrais.

O Sr. Almeida Pires usa da palavra para esclarecimentos e requere que seja consultada a Câmara sôbre se a aprovação da moção prejudica a emenda do Sr. António Cabral. A Câmara resolveu afirmativamente.

Lida na Mesa a emenda do Sr. António Cabral o Sr. Adelino Mendes requere votação nominal e invoca o § 2.º do artigo 116.° do Regimento.

É rejeitado êste requerimento.

Lido na Mesa o n.º 14, é aprovado.

Feita a contra prova, a requerimento do Sr. Adelino Mendes, que invoca o § 2.º do artigo 2.° do Regimento, o Sr. Presidente declara que aprovaram 69 Srs. Deputados e rejeitaram 2.

Procede-se à votação dos números 15.º, 16.º, 17.º, 18.°, 20.º, 28.º e 31.º

O Sr. Adelino Mendes manda para a Mesa uma declaração de voto.

Página 2

2 Diário da Câmara dos Deputados

É aprovado o artigo 3.º

O Sr. Baptista de Araújo requere a dispensa da última redacção. É aprovado.

Segunda parte da ordem do dia. - (Continuação da discussão sôbre a prisão do Sr. Deputado António de Vasconcelos).

Usa da palavra o Sr. António Cabral que manda para a Mesa a sua moção de ordem. Lida na Mesa, é admitida.

O Sr. Almeida Pires segue-se no uso da palavra, mandando a sua moção para o Mesa.

O Sr. Presidente previne o orador de que está a findar a sessão, podendo porêm ficar com a palavra reservada.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Presentes à chamada 68 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Afonso José Maldonado.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Pinheiro Torres.
Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Machado.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Prato de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
Aníbal de Andrade Soares.
António Bernardino Ferreira.
António Duarte Silva.
António Farra Carneiro Pacheco.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Lino Neto.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António dos Santos Cidrais.
António dos Santos Jorge.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos Henriques Lebre.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Fernando de Simas Xavier do Basto.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteres.
Gabriel José dos Santos.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henriques Pinheiro.
João José de Miranda.
João Ruela Ramos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Nunes Mexia.
José de Almeida Correia.
José Augusto de Melo Vieira.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Carlos da Maia.
José Eugénio Teixeira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José Féria Dordio Teotónio.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José de Lagrange e Silva.
José das Neves Lial.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Vicente de Freitas.
Luís Ferreira de Figueiredo.
Luis Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco (Conde de Arrochela).
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.

Página 3

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 3

Manuel Rebêlo Moniz.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Meireles.

Não compareceram os Srs.:

Alberto da Silva Pais.
Alfredo Lelo.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Caetano de Abreu Freire Egas Monis.
António Caetano Celorico Gil.
António Faria Carneira Pacheco.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sonsa Sardinha.
António Miguel de Sonsa Fernandes.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Artur Mendes de Magalhães.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettenconrt.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eurico Máximo Camoeira Coelho e Sousa.
Francisco Aires de Abreu.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco Maria Cristiano Solano de Almada.
Francisco Miranda, da Costa Lobo.
Gaspar da Abreu e Lima.
Henrique Viatura Forbes Bessa.
João Baptista de Almeida Arez.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João Monteiro de Castro.
Joaquim Madureira.
Joaquim Saldanha.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebêlo.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José de Azevedo Castelo Branco.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José Luís dos Santos Moita.
José Nunes da Ponte.
José de Sacena.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Filipe de Castro (D) (Conde de Nova Goa).
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel José Pinto Osório.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.
Rui de Andrade.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Tomás de Aquúio de Almeida Garrett.
Vasco Fernando de Sonsa e Melo.

Principiou a chamada às 15 horas.

Responderam à chamada 68 Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Foi lida e aprovada a acta.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Telegramas

Viana Castelo. - Exmo. Sr. Presidente Câmara Deputados. - Levo ao conhecimento do V. Exa. que por motivo de doença não posso por emquanto ir a Lisboa. Peço, pois, me relevo faltas que der às sessões da Câmara da diga a presidência de V. Exa. - Francisco Aires de Abreu, Deputado por Coimbra.

Para a comissão de infracções e faltas.

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados - Lisboa. - Tendo saído ontem em meio da sessão por motivo de deença, não podendo ainda comparecer hoje e talvez amanhã, roga a V. Exa. me sejam relevadas estas faltas. - Mendes de Magalhães.

Para a comissão de infracções e faltas.

Página 4

4 Diário da Câmara dos Deputados

Comunicação

Para os fias convenientes tenho a honra de comunicar a V. Exa. que, por estar doente de cama, não posso comparecer às sessões da Câmara dos Deputados, de que V. Exa. é mui digno Presidente. - Tomás de Aquino de Almeida Garrett.

Para a Secretaria.

Admissão

Foi admitido e enviado às comissões de guerra, marinha, finanças e administração pública, um projecto de lei contendo disposições a respeito dos militares que tomaram parte na guerra.

O Sr. Almeida Pires: - Pedi a palavra para, em nome da maioria, dizer a V. Exa. *8 que nós não nos curvamos a quaisquer insinuações, venham elas donde vierem. Refiro-me ao facto de ter sido substituído na Presidência desta Câmara o nome do Sr. Eduardo de Almeida.

Essa substituição foi devida a S. Exa. ter declarado peremptoriamente que não desejava continuar a presidir aos trabalhos desta Câmara.

No dia imediato, quinta-feira, fui ao Colégio Militar, em meu nome e no da maioria, prestar as nossas calorosas homenagens ao brioso militar e manifestar-lhe o nosso desgosto pela sua resolução.

Esta é a verdade dos factos e desejo que ela fique bem consignada na acta da sessão de hoje.

O orador não reviu.

O Sr. Fernando Pizarro: - Invoco o § 20.° do Regimento.

O Sr. Almeida Pires: - Não é uma declaração de voto, mas uma manifestação dêste lado da Câmara.

O Sr. Botelho Neves: - Envio para a Mesa um parecer da comissão de finanças.

O Sr. Pinheiro Torres: - Desejo tratar de três assuntos que correm pelas pastas da Guerra, da Justiça e Colónias. Com desgosto não vejo presente nenhum dos titulares das referidas pactas, por isso peço ao ilustre Secretário de Estado das Finanças a fineza de transmitir aos seus colegas as considerações que vou fazer.

O primeiro assunto que vou tratar refere-se aos capelães militares, a quem eu já tive ocasião de prestar as minhas homenagens e que bem as merecem da Pátria.

Fui há dias procurado por um capelão que brevemente parte para França, o qual me significou o seguinte:

Leu.

Eu pregunto: Qual o motivo para esta desigualdade de tratamento?

Não estarão os capelães militares, como os outros militares, sujeitos aos mesmos perigos

Eu chamo a atenção de V. Exa. para uma entrevista concedida pelo general Tamagnini ao Século, em que êsse general presta a maior homenagem aos capelães militares.

Peço, pois, a V. Exa., Sr. Secretário de Estado das Finanças, que transmita ao seu colega da Guerra as considerações que acabo de fazer e que termine com a desigualdade que existe, remediando a actual situação.

O outro assunto corre pela pasta da Justiça e que deve interessar a Câmara.

Sr. Presidente: fez-se a revolução de 5 de Dezembro em grande parte para entravar o espírito jacobino e para derrubar a demagogia, mas esta não está só nas ruas, está tambêm nas leis.

No artigo 312.° do Código do Registo-Civil, que encerra cousas verdadeiramente vexatórias, declara-se obrigatória, e é possível que a Câmara ignore êste pequeno detalhe, que é realmente estranho: a prévia apresentação do boletim do registo civil para a celebração do matrimónio e do baptismo.

Ponhamos de parte a questão do matrimónio. Tratemos do baptismo, e eu pregunto a V. Exa., que não é um jurista mas que tem uma clara inteligência e um bom senso. E com que direito o Estado exige a apresentação prévia do boletim" quando não reconhece o baptismo religioso e punindo os párocos com penas tremendas?

Mas há mais: é que se leva o enxovalho à benemérita classe sacerdotal, que tam bem se portou e tanto se distinguiu pela sua abnegação durante a epidemia que assolou o país.

Página 5

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 5

Como é que se consigna no artigo 17.°?

Leu.

Isto é vexatório, propositadamente feito contra o clero.

Toda a obra de 5 de Dezembro não se consolidará emquanto toda esta legislação tremenda contra a família, contra a propriedade, não for substituída. (Apoiados).

A obra revolucionária das ruas é muito pouco, problemas de ordem são meros incidentes, o que precisamos é formar a ordem nas consciências e nos espíritos.

Não se diga que há motivos de ordem constitucional para o não fazer. Trata-se duma cousa meramente regulamentar que um decreto poderia satisfazer.

E eu pregunto se tem havido êsses escrúpulos quando todos os dias, com o Parlamento aberto, se está a legislar sôbre assuntos graves e de importância, como aumentos de despesas, mas, quando se trata de reivindicações católicas, há todos êsses escrúpulos, que, deixem-me V. Exas. dizer-lhes, são os católicos a maior fôrça moral que alimenta a actual situação.

Um outro assunto de que me vou ocupar é o das missões. Eu recebi há pouco uma carta angustiosa dum missionário, dizendo-me que dentro em pouco as nossas colónias não têm missões. A sua situação é aflitiva.

A maior parte do clero tem desaparecido e nós abandonamos criminosamente à influência das missões estrangeiras as nossas colónias.

Um dia, o grande homem que foi Gambetta, disse em pleno Parlamento francês esta cousa:

"O sentimento anti-clerical não é política para exportação. Não se lembrem V. Exas. dos interesses religiosos, mas lembrem-se dos altos interesses nacionais".

E mais um grito de patriotismo do que um grito de fé o que venho aqui lançar.

Em França, Sr. Presidente, duas congregações ficaram de pé: a dos lazaristas e a dos padres do Espírito Santo, para tratar de assuntos coloniais.

E, pois, indispensável que isso se faça, porque, no fundo, as revoltas feitas em África indicam a falta de influência dos missionários portugueses.

São os mais altos interesses nacionais, os mais caros, que obrigam o Govêrno a intervir nesta importante questão.

Tenho dito.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças): - Pedi a palavra simplesmente para comunicar a V. Exa. Sr. Presidente, e ao Sr. Pinheiro Torres, que transmitirei aos meus colegas da Guerra, Justiça e Colónias as considerações que acabam de ser feitas.

O Sr. José Cabral do Amaral: - Por parte da comissão revisora da obra do Govêrno, publicada pela Secretaria da Guerra, pedi a palavra, Sr. Presidente, para mandar pára a Mesa um parecer. E aproveito o ensejo de estar com a palavra para mandar para a Mesa dois projectos de lei.

O Sr. Maurício Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei destinado a evitar de modo claro que as autorizações concedidas pelas leis n.ºs 373 e 491 sejam exercidas pelo Govêrno fora dos interregnos parlamentares.

Não faz sentido, Sr. Presidente, como ainda há bem pouco e muito bem insinuou o Sr. Pinheiro Torres - embora sob outro ponto de vista - que estando reunido o Parlamento o Govêrno faça uso do autorização que só lhe foram dadas, evidentemente, emquanto o Poder Legislativo está de facto inibido de exercer a sua função de legislar.

Nestes termos, e para evitar que tal se continue a dar, ao abrigo duma interpretação que entendo errónea, mas a cuja admissão sou forçado pela grande razão dos factos, apresento o meu projecto do lei, para a qual requeiro desde já a urgência e a dispensa do Regimento, a fim de que êle entre imediatamente em discussão, sem prejuízos que julgo desnecessário da ordem do dia, tanto mais que se trata dum diploma com dois artigos apenas e tam simples, quanto os julgo em inteira harmonia com os votos e desejos desta Câmara.

Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre a urgência e dispensa do Regimento...

Página 6

6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Adelino Mendes: - É absolutamente indispensável que o projecto seja lido na Mesa para toda a Câmara tomar conhecimento dele.

Leu-se na Mesa o projecto.

É o seguinte:

Projecto de lei

As leis n.ºs 573 e 491, contendo autorizações parlamentares conferidas ao Poder Executivo, deveram a sua razão de ser às circunstâncias emergentes do estado de guerra e pois qae, sendo muitas vezes necessário ao Govêrno tomar medidas urgentes para assegurar e regular a nossa cooperação na guerra, os serviços das subsistências e abastecimentos, e os assuntos de ordem pública, para o fim da efectiva unidade nacional, não o poderia fazer, com grave prejuízo público, sem essas autorizações, quando não funcionasse o Poder Legislativo.

Todavia, embora haja de concluir se que as autorizações contidas nessas leis só poderiam e deveriam ser exercidas nos interregnos parlamentares, pois que só êstes se as justificavam, certo é que haja de facto dois poderes a legislar, simultaneamente com as consequências do desprestígio para ambos e da confusão que dêsse facto resulta para a vida nacional.

Para obviar a tal estado do cousas, evitando-o por forma clara e insofística, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º As autorizações parlamentares concedidas ao Poder Executivo pelas leis n.ºs 373, de 2 do Setembro de 1915 e 491, de 12 de Março de 1916, PÓ podem ser exercidas nos interregnos parlamentares.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. - Maurício Costa.

Foi admitida.

Foram aprovadas a urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Albano de Sousa.

O Sr. Albano Sousa: - Sendo a primeira vez que tenho a honra de falar...

O Sr. Alberto Navarro: - Mas então não se discute o projecto pelo Sr. Maurício Costa?!

O Sr. Presidente: - Os assuntos que constam da ordem do dia foram todos considerados urgentes e, portanto, o projecto de Sr. Maurício Costa discutir-se há na devida altura.

O Sr. Alberto Navarro: - Mas o projecto do Sr. Maurício Costa á para ser discutida antes da ordem.

O Sr. Presidente: - Mas como faltavam poucos minutos...

O Sr. Alberto Navarro: - As considerações que tenho a fazer tambêm não levam mais do que uns minutos!

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Albano de Sousa de que faltam cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Sr. António Cabral: - Não pode ser!

V. Exa. tem de conceder a palavra ao Sr. Alberto Navarro sôbre o projecto!

O Sr. Albano de Sousa: - Como faltara, apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a próxima sessão.

O Sr. Alberto Navarro: - Sr. Presidente: a primeira voz que tive a honra do falar nesta casa referi-me ao facto insólito do Govêrno publicar decretos de carácter dictatorial com o Parlamento aborto e referi-mo tambêm ao uso das autorizações conferidas ao Govêrno acêrca da guerra. O ilustre Secretário de Estado do Interior de então, que hoje é das Finanças declarou peremptoriamente que não fúria o Govêrno uso das autorizações parlamentares sobro assuntos financeiros, mas somente, sobro assuntos relativos à guerra ou à ordem pública. Todavia, se interregno parlamentar foram publicadas medidas do carácter financeiro contra o que expressamente foi declarado por aquele Secretário de Estado, declaração que, por sinal, a requerimento do Sr. António Cabral, foi consignada na acta.

Publicaram-se leis que excederam as autorizações legais. Chegou-se mesmo a dizer que a publicação do regulamento sôbre a contribuição de registo fora publicado por engano, não se sabendo rumo nem porquê êle aparecera no Diário do

Página 7

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 7

Govêrno, como foi referido nos jornais. No emtanto, êsse decreto está em vigor, e eu pregnnto a V. Exa. de que autorização é que o Govêrao lançou mão para exigir aos contribuintes um tributo tam forte, tam importante e tam violento?

Achava, a meu ver, o projecto do Sr. Maurício Custa quasi inútil, visto como expressamente a lei determina que o Govêrno não pode fazer uso das autorizações quando o Parlamento esteja aberto.

Mas não conheço efectivamente exemplo na história financeira e política do país, de um Govêrno, com o Congresso a funcionar, publicar decretes, reformar Secretarias e lançar aumentos do contribuição!

Eu não venho fazer oposição ao govêrno, venho apenas clamar pelas prorrogativas do Poder legislativo que é ofendido constantemente pelo Govêrno. É um desprestígio que recai sôbre o regime e sôbre todos nós. (Apoiados).

Entendo, Sr. Presidente, que todos os decretos publicados desde que o Parlamento está aberto devem ser suspensos, a fim do zelarmos o prestígio parlamentar e, assim e nesse sentido tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte proposta de aditamento:

Proposta de aditamento

Aditamento ao artigo do projecto de lei do Sr. Maurício Costa:

§ único. Todos os decretos referentes a assuntos financeiros publicados pelo Govêrno no uso das autoridades parlamentares, durante o último adiamento das Cortes, bem como os publicados no uso das mesmas autorizações depois de 4 de Novembro do 1918, são declarados suspensos até a revisão parlamentar. - Alberto Navarro.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem documentos para mandar para a Mesa podem faze-lo.

Documentos mandados para a Mesa

Requerimentos

Requeiro que seja consultada a Câmara sôbre só autoriza que eu acumule o exercício do meu cargo de governador civil do distrito de Lisboa com o das funções parlamentares. - António Miguel de Sousa Fernandes.

Concedida.

Requeiro que, pela Secretaria de Estado da Guerra, me sejam fornecidas os processes dos seguintes oficiais do regimento de infantaria n.º 6, transferidos dêste regimento em Novembro último: capitão Francisco José Pinto de Mendonça, alferes Carlos de Azevedo Coutinho Braga, alferes Daniel da Costa Lopes e alferes miliciano Egas Mendes de Carvalho.

No caso de não poderem ser fornecidos os processos peço que me seja concedida autorização para consultar os mesmos na respectiva Secretaria. - José Augusto de Melo Vieira.

Expeça-se.

Requeiro, com u máxima urgência, pela Secretaria de Estado da Guerra, cópia das instruções dadas à censura à imprensa. Insisto por motivos do ordem nacional no assunto. Peço-as desde o começo do estado de sítio até hoje. - Rocha Martins, Deputado por Oliveira de Azeméis.

Para a Secretaria.

ORDEM DO DIA

(Continuação da discussão da proposta sôbre a manutenção de estado do sítio)

O Sr. Almeida Pires: - Sr. Presidente: na última sessão enviei para a Mesa uma emenda ao artigo 2.° do projecto em discussão onde se declarara que o estado de sítio não ia alêm de trinta dias. A fim de concretizar melhor o meu pensamento e torná-lo mais claro, vou mandar para a Mesa, em lugar dessa emenda, uma substituição do mesmo artigo, concebida nos seguintes termos:

Proponho que o artigo 2.° (corpo do artigo) seja substituído pelo seguinte:

"É declarado o estado do sítio, em suspensão parcial de garantias constitucionais em todo o território da República, até 10 de Janeiro de 1919. - Almeida Pires.

Requeiro a V. Exa. que, depois de admitida a substituição, cônsulte a Câmara sô-

Página 8

8 Diário da Câmara dos Deputados

bre se consente que retire a minha primeira proposta.

Lida na Mesa a substituição, foi admitida.

Foi retirada a proposta de emenda do Sr. Almeida Pires.

A substituição ficou em discussão juntamente com o artigo.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário do Estado das Finanças): - Sr. Presidente: pedi a palavra para, primeiramente, preguntar a V. Exa. se está em discussão o artigo 2.° da proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor!

O Orador: - Obrigado a V. Exa. Desejo agora declarar a V. Exa. e à Câmara que, por motivo urgente do serviço, não se encontra presente o meu colega da Guerra; no emtanto, conto que S. Exa. virá à sessão, embora um pouco mais tarde. Eu, em nome do Govêrno, estou habilitado a responder às considerações que foram feitas por parte dos Srs. Deputados.

Como, por lapso, não foi incluído no § único do artigo em discussão o n.° 35.° do artigo 3.° da Constituição, mando para a Mesa a seguinte proposta:

Proponho que aos números do artigo 3.° da Constituição, no artigo 2.° da proposta de lei em discussão, se acrescento o n.° 35.° - João Tamagnini, Secretário de Estado das Finanças.

Lida na Mesa, foi admitida.

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: começo por mostrar a minha estranheza pelo facto do Govêrno ter vindo pedir a esta Câmara mais uma suspensão de garantias. E que supunha eu, Sr. Presidente, que essa medida excepcional e grave, com que o Govêrno pretende armar-se para governar, já não era absolutamente necessária. Além disso, ou tinha motivos particulares para supor que o Govêrno, em voz de vir pedir à Câmara uma autorização desta natureza, viria, pelo contrário, solicitar-nos, a nós, que restabelecessemos as garantias suspensas, visto ser a nós próprios que isso competia. O Govêrno, tomando a atitude que tomou, leva-a aos últimos extremos, porque, apesar de nos dizer que apenas suspende parcialmente as garantias individuais, a verdade é que, desde que votemos esta proposta de lei, as mais importantes e fundamentais garantias dos cidadãos ficam absolutamente revogadas. Quero referir-me particularmente a uma, Sr. Presidente, sem a qual não pode haver sociedades que vivam regularmente. Refiro-me à garantia expressa no n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição: a garantia dada a todo o cidadão livre da absoluta liberdade de pensamento.

O Sr. Cunha Lial: - Mas isto não é um país livre.

O Orador: - Sr. Presidente: a censura à imprensa é uma cousa abominável. Portugal pode gabar-se de bater o record dessa espantosa e indesculpável iniquidade. Portugal é o único país do mundo onde existe neste momento a censura política.

Vozes da minoria monárquica: - Apoiado.

O Orador: - Não há outro! O Sr. Clemenceau, quando tomou conta do Govêrno francês, iniciou os seus actos por cumprir honradamente a sua promessa de abolir, na França, a censura política.

O Sr. Cunha Lial: - É que o Sr. Clemenceau é um pigmeu!

O Orador: - A França estava em guerra; tinha grande parte do seu território invadido pelos alemães, lutava com os traidores e contra os traidores que se haviam imiscuído em toda a sua vida governativa e política. Pois, Sr. Presidente, logo que o Sr. Clemenceau subiu ao poder, a censura política deixou de existir, mantendo-se apenas a censura do facto, a censura para os assuntos diplomáticos e para as cousas da guerra.

Na Inglaterra, emquanto durou a guerra, a imprensa teve sempre inteira e absoluta liberdade para dizer aos homens do Govêrno, que não mostravam suficiente energia para conduzir o país à vitória, tudo aquilo que quis. E foi em face dessa atitude da imprensa, dos mais respeitáveis, venerados e antigos órgãos da im-

Página 9

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 9

prensa inglesa, que caíram alguns Ministérios e alguns Ministros, reputados incapazes para conduzir a vitória o grande povo inglês.

Nos Estados Unidos da América sucedeu outro tanto. A censura política nunca existiu. Wilson, uma das primeiras cousas que fez foi declarar que não necessitava dela para fazer a guerra.

Eu agora vou referir à, Copiara um facto passado no Brasil, que revela perfeitamente um estado de civilização. Havia no Rio de Janeiro um jornal chamado Correio da Noite. Era de feição panfletária e excedia-se, talvez, no uso da liberdade de imprensa. Xá presidência da República estava o Sr. Afonso Pena, que recomendava, para seu sucessor, determinado candidato. O Correio da Noite defendia a candidatura do marechal Hermes. O almirante Alexandrino de Alencar, Ministro da Marinha, defendia a candidatura apresentada por Afonso Pena.

Um dia constou na redacção do Correio da Noite que a maruja iria assaltar êsse jornal. E sabe a Câmara o que fez o ilustre jornalista Orlando Correia Lopes, que dirigia êsse jornal? Armou os seus redactores e todo o seu pessoal com carabinas, e chamou a polícia para o proteger. E a polícia chegou ao Correio da Noite Q pôs-se ao lado dos jornalistas que se tinham armado, para defender a sua propriedade contra os assaltantes. Êstes chegaram à esquina da rua onde estava instalada a redacção do dito jornal, mas não se atreveram a assaltar o jornal. A propriedade foi respeitada e os princípios mantiveram-se íntegros e intangíveis. Do que se passa em Portugal escuso de apresentar o contraste. A Câmara conhece-o tara bem como eu, e sabe como a liberdade de imprensa é tratada entre nós. Essa liberdade é uma cousa que chega a ser irrisória. (Apoiados).

Ninguém pode dizer nos jornais o que pensa da vida política portuguesa. Os Srs. Ministros são intangíveis. (Apoiados). Ninguém pode censurar os seus actos, e levam o exagero ao extremo de não permitirem que em jornais portugueses apareçam referências a pessoas e a factos do estrangeiro, que nos jornais estrangeiros vêm narrados com uma largueza que só tem os limites que os jornalistas lhes fixam. (Apoiados).

No actual momento é discutido largamente em Espanha o procedimento dos homens públicos que dirigem êsse país. Pois nos jornais portugueses não são permitidas referências a êsses debates e discussões e nas redacções dos mesmos jornais juntam-se montanhas de telegramas sôbre as questões da Catalunha, das Vascongadas e da Galisa, que não podem ser 1 publicados por a isso se opor a censura.

O Sr. Cunha Lial (interrompendo): - E porque têm medo do exemplo da Catalunha!

O Sr. António Cabral (interrompendo}: - Não é por isso. E porque na Espanha há uma monarquia e em Portugal temos a República.

Apartes.

O Orador: - Há monarquias onde a desordem é mais profunda que em muitas Repúblicas.

Já me referi ao que se passa em Espanha. Em Inglaterra, ao discutir-se a momentosa questão da Irlanda, os irlandeses faziam exercícios militares e a imprensa noticiava-os, porque a lei inglesa os não proibia, pois não se tratava dum crime.

Sr. Presidente: V. Exa., que é a garantia dos nossos direitos nesta Câmara e é, certamente, a sentinela vigilante das nossas regalias, decerto já empregou as devidas diligências para impedir que os extractos parlamentares sejam cortados nos jornais.

Mas, ainda assim, pregunte a V. Exa. se esta violência inaudita (Apoiados) continua a ser permitida, para que nós, Deputados, continuemos a reùnir em sessão secreta, porque sessões secretas são todas aquelas de que a imprensa não pode ocupar-se livremente. (Apoiados).

E onde fica assim o prestígio da presidência?

Vozes: - Muito bem, assim é que é!

O Orador: - Sr. Presidente: vive-se em Portugal num abominável regime de censura. (Apoiados).

Página 10

10 Diário da Cãmara dos Deputados

Eu digo a V. Exa. e todos nós o sabemos, que nenhum poder pessoal se manteve através da História, E que, contra êle, erguesse sempre outro mais forte e mais alto. É o que dimana da vontade da nação, contra a qual não a vontade, seja de quem for, que possa triunfar. O nosso tempo não corre propício a autocracias, qualquer que seja a sua natureza. Julgará o Govêrno que pode viver toda a vida em regime de censura?

Sr. Presidente: fez-se há um ano uma revolução para destruir em Portugal um regime de opressora tirania. Fez-se uma revolução para aniquilar o espírito demagógico, que se tinha apoderado do poder. Agora, pregunto ao Govêrno se regressamos ou vamos regressar ao regime do Sr. Afonso Costa.

Se assim for, eu reconheço com profunda mágua que em Portugal não é possível governar com a lei. Os homens, quando se investem na alta missão do governar, esquecem-na, substituindo-a sempre pelo seu arbítrio.

Passa por toda a Europa uma grande rajada de paz. Os canhões emudeceram e o sangue derramado já esqueceu; só em Portugal se vive mergulhado em ódios. Aqui, os homens reunem-se em alcateias para se destruírem uns aos outros. Porque sucede isto, Sr. Presidente? Porque? Para onde vamos? O que será de nós? Não sei responder a estas preguntas.

Para terminar, faço os mais ardentes votos para que o Govêrno reconsidero e consinta que a imprensa use algum dia da liberdade que lho pertence e que as leis lhe conferem.

Tenho dito.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir ao mesmo assunto que acaba do tratar o Sr. Deputado que mo precedeu no uso da palavra.

Dêste lado da Câmara, Sr. Presidente, não podemos votar o § único do artigo 2.° do projecto em discussão som a emenda que tenho a honra do mandar para a Mesa.

Nessa emenda diz-se o seguinte:

Emenda ao § único do artigo 2.° do projecto em discussão:

§ único. As garantias constitucionais suspensas são as dos n.ºs 14.°, 15.°, 16.º, 17.º, 18.° e 20.° (no pedido anterior à formação de culpas), 28.° e 31.° do artigo 3.° da Constituição Política da República. - António Cabral.

Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, na emenda que tive a honra de mandar para a Mesa, é suprimido o n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição, que é o que só refere à liberdade da imprensa.

Eu, Sr. Presidente, que sou velho jornalista, que há muitos anos com a minha pena modesta labuto em jornais diários, direi que nunca até hoje fui chamado aos tribunais por qualquer espécie do responsabilidade que me coubesse pelo abuso que fizesse da minha pena. Quem, portanto, Sr. Presidente, tem êste precedente e êste passado, possui tambêm toda a autoridade para se revoltar contra a censura que está sendo hoje exercida contra a imprensa portuguesa. (Apoiados).

Sou, em princípio, contra tudo o que seja acorrentar a liberdade de pensamento. (Apoiados).

Contra os abusos dessa liberdade há as penas e os castigos da lei. (Apoiados). Lá estão os tribunais para castigar todos os que ultrapassarem os limites que a liberdade de pensamento deve ter. (Apoiados).

Não admito, pois, em princípio a censura à imprensa. Isto não quer dizer. Sr., Presidente, que eu não a admita em casos excepcionais o tambêm para casos excepcionais.

Admito que houvesse a censura à imprensa para tudo que dissesse respeito às operações militares, quer no mar, com movimento de navios, quer em torra, com movimento do tropas, ou quaisquer outros factos de idêntica natureza; e compreendo-a tambêm sôbre quaisquer factos do ordem e natureza diplomática que fossem. contrários às necessidades e vantagens dos aliados. Admito, portanto, em casos excepcionais, a censura à imprensa; mas o que não posso admitir é que, terminada a guerra, quando já não só ouve o troar do canhão, ainda se continuem a assestar contra a imprensa e contra os jornais os canhões da censura, em Portugal. (Apoiados).

Ainda há pouco o ilustre Deputado que me precedeu no uso da palavra se referiu ao procedimento dêsse grande homem de

Página 11

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 11

Estado que hoje é o Presidente do Conselho da República Francesa, o Sr. Clemenceau. No tempo em que na França dominavam os traidores, o Sr. Clemenceau era director dam jornal contra o qual a censura exerceu uma violência inaudita. Chamava-se êsse jornal L'Homme Libre, que pela perseguição da censura teve até que mudar de nome e passar a denominar-se L'Homme Enchiné.

Clemenceau, fiel à sua palavra, seguindo o caminho recto que lhe indicava a sua consciência, logo que chegou à Presidência do Conselho do Govêrno do seu país acabou com a censura, deixando-a expressa para os casos a que há pouco me referi.

Êste é que é o procedimento dos grandes homens de Estado!

O que são os nossos estadistas comparados com a figura eminente do Sr. Clemenceau? Absolutamente nada.

Emquanto os grandes homens de Estado da França acabam com a censura à imprensa, os estadistas de Portugal mantém-na, quando ela não é precisa! Isto para quê? Simplesmente para favorecerem os seus interesses políticos!

Eu li nos jornais que a Revolução de 8 de Dezembro se fez para terminar com todas as violências; mas o que eu vejo é que, tendo terminado a censura em seguida a essa revolução, a breve trecho foi restabelecida e com a mesma violência.

Ora se não foi para terminar com êsses abusos que se fez a revolução, e para que serviu ela então?

Eu tenho aqui dois números do Liberal que há pouco me forneceu o ilustre Deputado e brilhante jornalista, Sr. Rocha Martins, um do tempo dos democráticos, quando estava no poder o Sr. Afonso Costa; um dêles publicou um artigo de grande violência, intitulado Carta a Alexandre Braga, sem que a censura lhe fizesse nenhum corte; o outro é de um ano depois, de Novembro de 1918, em que, como V. Exas. voem aparecem quatro colunas em branco.

Uma voz: - E a bandeira da paz.

O Orador: - E querem V. Exas. saber o que a censura cortou nestas quatro colunas?

Transcrições de outros jornais, referentes à prisão do Sr. Deputado António Teles de Vasconcelos.

Eu pregunto: para que serve a censura e que necessidade há dela hoje em Portugal?

Estamos ainda no estado de guerra, em que seja necessário ocultar movimentos de tropas ou de navios?

Não, pois se publicam os anúncios das companhias de navegação, visto que os navios já podem navegar livremente desde que do mar desapareceram os submarinos, e que o movimento de tropas se limita ao avanço dos exércitos aliados na Alemanha vencida.

E se isto é assim, novamente pregunto: para que serve a censura, a não ser para comodidade política dos Srs. Ministros?

Eu, que como jornalista nunca tive de responder perante os tribunais por abusos que cometesse, tenho autoridade para me insurgir contra tudo o que seja espesinhar os jornais, e sobretudo por quem para isso não tem competência, pois, ao que parece, não sabe ler nem escrever.

A forma como em Portugal tem sido exercida a censura à imprensa dá a impressão de que é feita por analfabetos.

Podia citar inúmeros exemplos que o demonstram.

Um dêles é o que vou expor à Câmara. Sempre que se escrevia El-Rei "D. Manuel" a censura cortava as primeiras palavras e deixava só ficar a Manuel", como se num pequeno espaço em branco não vissem totós que o que se suprimira fora a palavra "El-Rei."

Se êste corte da censura não era inépcia porque razão não deixou passar a palavra El-Rei?

Mas há mais; em apartes V. Exas. citaram factos que provam a inépcia espantosa dêste espantoso tribunal de censura.

Até nomes de Deputados desta casa do Parlamento!

Até trechos de discursos aqui proferidos e que se hão de ler no Diário das Sessões, se porventura ela tambêm não venha instalarão no Parlamento, o que aliás não me admira, pois estamos num país em que tudo se autoriza e tudo se faz.

Eu vejo que a censura à imprensa tem sido exercida dama forma tam inepta que, para honra do país e do Govêrno, êsse

Página 12

12 Diário da Câmara dos Deputados

mesmo Govêrno deve acabar com essa tribuneca.

Ainda há pouco um ilustre Deputado, citando o exemplo da Espanha, frisou como lá se respeitam as liberdades.

Eu, em resposta a êsse áparte, disse que era porque lá havia o regime monárquico e cá o republicano.

Vou explicar as minhas palavras.

Há oito anos que estamos em regime republicano: Progredimos por acaso em liberdades públicas?

O primeiro jornal que foi assaltado, como já aqui tive a honra de dizer, foi o Liberal que coerentemente seguia a sua linha de conduta.

O Sr. Cunha Lial (interrompendo): - Segundo se diz as autoridades do Pôrto que tem participado dos assaltos eram monárquicas.

Vozes da direita: - Não pode ser!

O Sr. Rocha Martins (aparte): - As autoridades de confiança do Govêrno da República não podem ser monárquicas.

Se o foram, para o Partido Monárquico deixaram de o ser.

Trocam-se apartes.

Agradeço todas as interrupções que me façam, mas não ouvi bem a última parte da interrupção feita pelo Sr. Cunha Lial em consequência doutras interrupções.

O Sr. Cunha Lial: - Disse que, quando do outro assalto, o Sr. António Cabral não se manifestou.

O Orador: - Peço perdão. Quando se tratou nesta Câmara do assalto à Montanha, fui uma das pessoas que se levantaram dêste lado da Câmara protestando contra êsse caso e pedindo providências ao Govêrno. Outros Srs. Deputados dêste lado falaram sôbre êsse assunto, manifestando a sua reprovação.

Sempre protestarei contra tudo quanto sejam violências ou ataques ao direito de propriedade.

O Sr. Cunha Lial: - Dá-me licença?

Disse há pouco que no Pôrto são autoridades monárquicas aquelas que consentem êsses assaltos

O Orador: - Peço perdão. Com êste Govêrno, que é republicano, mio existem autoridades monárquicas.

Interrupção.

Não tenho culpa de que se diga monárquico quem pelos seus actos não o é.

Não acredito que haja autoridades monárquicas. Emquauto não me apresentarem essas provas, não acredito que essas autoridades sejam monárquicas.

O Sr. Cunha Lial: - Cito a V. Exa. um caso concreto. Sou amigo do Sr. Solane de Almeida, e por isso posso dizer, na sua ausência, que V. Exas. apoiavam e Sr. Solano de Almeida, quando governador civil de Coimbra, ao darem-se em, Coimbra casos desta natureza, e S. Exa. era uma autoridade monárquica.

V. Exas. deram-lhe a sua solidariedade nessa ocasião.

Apartes.

O Orador: - Está S. Exa. equivocado, É mais um equívoco da parte do Sr. Cunha Lial. O Sr. Solano de Almeida é um ilustre oficial do exército que entrou na revolução contra a demagogia, como entraram muitos monárquicos que acompanharam os que se revoltaram contra quem estava no poder e exercia nele a violência.

O Sr. Solano de Almeida foi autoridade em Coimbra emquanto era necessário manter a ordem. Foi autoridade em Coimbra unicamente para manter a ordem! Quando viu que não era necessária a sua permanência em Coimbra, pediu a sua demissão.

Apartes.

Acêrca das arguições que depois se fizeram nada direi, porque S. Exa. não está presente.

O Sr. Cunha Lial (em aparte): - V. Exa., dá-me licença? Eu não quis ofender o Sr. Solano de Almeida; o que disse foi o seguinte: o Sr. Solano de Almeida foi uma autoridade monárquica dentro da República, e, tanto assim, que passou para o partido monárquico.

O Orador: - O Sr. Soláno de Almeida não foi uma autoridade monárquica dentro da República, foi um auxiliar da revolução de 5 de Dezembro, como o foram

Página 13

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 13

muitos monárquicos, mas regressou ao seu pôsto e à sua bandeira quando entendeu que não era preciso mais manter a ordem contra a demagogia.

Para terminar as minhas considerações, pois demais já fatiguei a Câmara, direi que não posso de forma alguma concordar com a censura à imprensa, e por isso, em meu nome e no dêste lado da Câmara, não podemos aceitar que continue de pé a suspensão das garantias da imprensa. Isto não pode ser, tanto mais que a própria censura se arroga o direito de ser intangível.

Eu sei, por experiência própria, que, em quanto permanecer em prisão abusiva o Sr. António Teles, tudo o que se escreve contra a censura é cortado.

Disseram-me que há ordens terminantes do Govêrno para a censura em tudo quanto se refere aos membros do Govêrno.

Ora isto não pode nem deve continuar. E, se não há ordens do Govêrno, como aliás me informaram, na prática é como se as houvesse, porque tudo o que disser respeito aos Ministros é cortado.

Uma voz: - Tudo o que lhes for desagradável.

O Orador: - A maneira como a censura se está exercendo à imprensa é de tal modo irritante que nem por um só momento mais se deve permitir em país de homens livres, que não quere ser comparado a Marrocos, que continue de pé essa entidade inepta que se chama a censura à imprensa.

Eu, velho jornalista, que, desde o banco das escolas, sempre tenho escrito e militado em jornais com a minha pena, que até agora não foi maculada por uma sombra sequer dum castigo nos tribunais, protesto indignadamente, assim como os meus amigos dêste lado da Câmara, contra essa violência inaudita, injustificável, que não pode continuar sem que se deshonre não só o poder, mas o país inteiro..

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Tamagnini Barbosa (Secretário de Estado das Finanças): - Sr. Presidente: não fazia tenção de usar da palavra sôbre êste assunto porque, tendo o Govêrno exposto à Câmara aquilo que entendeu como necessário para, juntamente, com os factos ocorridos, que são do domínio de todos, justificar a proposta em discussão sôbre a suspensão de determinadas garantias consignadas na Constituição, eu entendo, e comigo entenderam todos os membros do Govêrno, que a Câmara, assim esclarecida, tomaria rapidamente as deliberações que se impõem no momento, e que, para o caso de serem contrárias à proposta do Govêrno e determinarem graves consequências, tornariam a Câmara a única responsável pelos sucessos futuros.

Mas, Sr. Presidente, tendo-se erguido do lado direito da Câmara uma voz que eu respeito - como a de todos os parlamentares - a do Sr. António Cabral, para fazer uma afirmação em termos que fixei, e que tem de ser destruída ou confirmada pelo Govêrno, eis porque falo nesta ocasião.

Disse o Sr. António Cabral que sabia que uma das ordens dadas pelos Ministros à censura é de cortarem tudo quanto diga respeito às suas pessoas.

Foi erradamente informado S. Exa. Pela minha parte declaro que não dei ordens à censura, nem lhe comuniquei que cortasse, fôsse o que fôsse, a meu respeito. Certo estou de que os meus colegas do gabinete da mesma forma procedem.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - Êsse tribunal não é dependente de V. Exa.

O Orador: - Estava êle dependente de mim quando fui Secretário de Estado do Interior, o devo dizer que se, como a Câmara afirma, êsse tribunal está mal constituído, é inepto e não funciona com a regularidade que seria para desejar, isso se deve principalmente à imprensa. Altíssima consideração me merece a instituição da imprensa, mas a verdade é esta.

O Sr. António Cabral (interrompendo): - A censura é então uma represália?!

O Orador: - Eu vou esclarecer para que V. Exas. não interpretem mal o sentido das minhas palavras.

Quando fui Secretário do Estado do Interior vi-me na necessidade de estabele-

Página 14

14 Diário da Câmara dos Deputados

cer a forma melhor e mais justa da censura se exercer, porque repugnava ao meu espírito que as suas funções não correspondessem ao fim para que ela foi criada. E foi assim que eu, sentindo essa necessidade, quis redigir duma forma clara as instruções sôbre o modo de se executar a censura, instruções que elaborei de acôrdo com uma comissão de imprensa, à qual presto a minha homenagem de gratidão. Ao dirigir-me, porêm, aos meus colaboradores para que aceitassem a doutrina de que o tribunal da censura deveria ser constituído por representantes da imprensa, S. Exas. disseram-me que não, e eu, em face disto, tive de adoptar outro critério nessa constituição, com mágoa de não ver aceite o único que considerara capaz de evitar reclamações e ataques constantes. Dêem-me V. Exas., Srs. Deputados, o remédio, se porventura entendem que a censura não cumpre bem as suas funções.

O Sr. Adelino Mendes (interrompendo): - O que V. Exa. pediu à imprensa, de se fazer representar na censura, ia alêm das suas forças, porque ela não podia censurar-se a si própria.

O Orador: - A imprensa é uma instituição patriótica e desde que a censura é instituída para fins patrióticos e não para quaisquer outros, porque é que a comissão do censura não podia sair da imprensa? (Apoiados).

E inepto o tribunal? Não me admira que o seja, visto que não está constituído como eu o indiquei, porque de contrário, isto é, se fôsse constituído por representantes da imprensa, jamais se levantaria a mais pequena campanha, através de qualquer órgão, contra a censura ou contra o Govêrno por motivo dela.

O Govêrno não deu instruções especiais alêm daquelas que tem sido dadas em outros países.

O Sr. Adelino Mendes (em aparte): - Nós referimo-nos à censura política.

O Orador: - Embora caminhemos para t a paz, a paz ainda não está assinada, e nós não podemos prever o que será o dia de amanhã.

Emquanto eu estive na Secretaria de Estado do Interior, da qual dependia então a censura, esta exercia-se unicamente nos casos que estavam consignados nas instruções que eu enviei por cópia a toda a imprensa, e que foram elaboradas de acôrdo com a mesma imprensa.

O Govêrno declarou o estado de sítio em virtude de perturbações de ordem interna e pelas consequências que essas perturbações poderiam trazer numa hora tam grave como aquela que atravessamos. Como consequência, a censura passou a ficar dependente da Secretaria de Estado da Guerra e, desde que se desenharam movimentos de toda a espécie: de carácter civil, com a premeditação de crimes em que entravam como armas infames a bomba e o punhal; de carácter militar como os movimentos importantes de Coimbra e Évora; de carácter social gravíssimos como a última tentativa de greve geral.

Desde que tudo isto, se passou e que através de certa imprensa por meio de notícias e anúncios se comunicavam os membros dessas conspirações e desde que, por meio de artigos, alguns órgãos da imprensa faziam a conveniente propaganda à causa dos perturbadores, o único caminho do Govêrno era o restabelecimento da censura política.

Foi o que fez e, se fez mal, aos Srs. legisladores cumpre corrigir êsse mal...

O Sr. Maurício Costa: - Sr. Presidente: começo por pedir a V. Exa. para que consulte a Câmara sôbre se consente que seja retirada da Mesa a minha proposta de substituição do corpo do artigo 2.° da proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra.

Sr. Presidente: no § único do artigo 2.º da proposta em discussão, relativamente à suspensão das garantias constitucionais, estão essas garantias especificadas, com citação dês vários números do artigo 3.° da Constituição Política onde estão estabelecidas, e que são, como vou ler:

Leu.

Relativamente ao n.° 13.° que é aquele que se refere à liberdade de pensamento, eu já ontem tive ocasião de dizer à Câmara quanto ao meu espírito custava o sacrifício da sua suspensão, aliás neste momento de reconhecida necessidade, visto que a guerra, comquanto

Página 15

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 15

esteja assinado o armistício, ainda não está terminada de direito, o que só sucederá quando firmado o tratado de paz, tornando-se, portanto, precisa a censura à imprensa, em obediência aos nossos altos interesses internacionais, a menos que o Govêrno nos declarasse, o que não fez, ser a censura já, sob tal aspecto, prescindível.

A minoria monárquica, pela voz do ilustre Deputado Sr. António Cabral, declarou aprovar a proposta apresentada pelo Govêrno, apenas com a restrição, ou seja com a eliminação dêsse n.° 13.°, do § único do artigo 2.°, que estamos discutindo.

Pois ao Sr. António Cabral, pela minha parte devo responder, Sr. Presidente, que a liberdade de imprensa, tambêm ao lado da Câmara a que pertenço merece toda a consideração; e mais ainda, que de facto só com grande custo e em obediência aos sagrados interesses nacionais, sob o ponto de vista da guerra, dá a maioria parlamentar o seu voto não só a essa parto da proposta, como à suspensão das restantes garantias ali referidas. Como a própria imprensa deve sentir e compreender, outras garantias não menos respeitáveis são suspensas pelo § único do artigo 2.°, merecendo-nos, portanto, iguais reparos.

O Govêrno vê-se na necessidade de pedir que não seja garantido o sigílio da correspondência, que se conservem por mais tempo ainda presos indivíduos sem culpa formada, que se suspendam o direito de reunião, o habeas corpus, etc.

Todas estas garantias representam para mim, e certamente devem representar para a Câmara tam respeitáveis direitos como o da liberdade de pensamento.

Estou absolutamente convencido de que o ilustre Deputado monárquico não teve nenhum intuito reservado nas suas palavras. Como, porêm, poderia haver alguém que lhes atribuísse, embora injustamente, o significado do especulação política, cumpre-me evitar os frutos, ainda que raquíticos, dessa aleivosia, definindo pelo que me respeita e a êste lado da Câmara a nossa situação, perante a proposta, do Govêrno.

Cônscio do que o Govêrno da República neste momento precise que a proposta seja aprovada, pelo próprio respeito que a Constituição deve merecer-nos e ao Poder Executivo, pelo minha parte declaro, como já ontem declarei, votar essa proposta, desejando que o mais depressa possível se volte à normalidade constitucional.

Que o Govêrno, que os Srs. Secretários de Estado assumindo as responsabilidades gravíssimas do momento, procurem, como eu confio, que de facto procurarão,, restabelecer urgentemente a normalidade, garantir a confiança pública, evitar o menor atropelo da lei e que rapidamente se laça o apuramento das responsabilidades dos milhares, se milhares são, de presos detidos nas cadeias por supostos ou verdadeiros crimes políticos, entre os quais estarão certamente muitos inocente?, cuja libertação urgente é para nós um dever de honra.

São estas as declarações que se me impunha fazer em resposta ao ilustre Deputado Dr. António Cabral e como está presente o Sr. Secretário de Estado do Interior e pois que ainda o Sr. António Cabral se referiu a propósito da liberdade, de imprensa à expontaneidade do lado da Câmara u que pertence, em protestar sempre, de maneira inequívoca, contra todos os assaltos à propriedade e direitos alheios, sentindo que de facto ontem a má acústica da sala não me tivesse deixado ouvir os protestos da minoria monárquica que, estou crente, seriam igualmente sinceros, contra o assalto ao Grémio Lusitano, eu pedirei ao Sr. Secretário de Estado do Interior para não descurar o inquérito que se torna indispensável fazer sobro essas infamantes violências, cometida tam descaroávelmente em prejuízo da República.

Aqui findam as minhas considerações,, pelo que renovo a V. Exa., Sr. Presidente, o meu pedido de que consulte a Câmara sôbre se permite que eu retire a proposta de substituição, que ontem enviei para a Mesa, e em que não insisto, pelas razões que levaram o meu ilustre leader a apresentar aquela outra, já admitido pela Câmara.

Tenho dito.

Consultada a Câmara, autorizou que fôsse retirada a proposta.

O Sr. Adelino Mendes: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte

Página 16

16 Diário da Câmara dos Deputados

Proposta

Proponho que a suspensão das garantias não abranja o n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição da República Portuguesa. - Adelino Mendes.

Requeiro tambêm, Sr. Presidente, que â- votação se faça número por número, seguindo-se a ordem que o Sr. Secretário de Estado da Guerra, indica na sua proposta.

Foi admitida a proposta.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Uso da palavra simplesmente para pedir um esclarecimento.

Pretendo o Govêrno a suspensão das garantias e restringe essa suspensão a determinados números do artigo 3.° d a Constituição.

O ilustre Deputado, Sr. António Cabral. apresentou uma proposta no sentido de não ser incluído na suspensão das garantias o n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição.

Ora eu julgo necessário e indispensável que se esclareça êste ponto e que consiste no seguinte: se uma vez que fique excluído da suspensão das garantias o n.° 13.° do artigo 3.º da Constituição, ipso facto, desapareço a censura à imprensa.

Trocam-se apartes.

O Orador: - Esclarecer não prejudica.

É necessário que tal dúvida seja resolvida, porque amanha pode permanecer a censura, como actualmente se exerce, o que é incontestavelmente a maior das iniquidades e das violências.

Sou inimigo irredutível do tudo o que tenda a cercear a expansão da liberdade de pensamento.

Em todas as épocas o triunfo das causas justas e legítimas deve-se principalmente à imprensa.

É da imprensa que provem em grande parte o progresso das sociedades e a defesa dos salutares princípios e doutrinas, que concorrem para a felicidade e bem estar dos povos.

Nestas circunstâncias lamento que num país como o nosso ainda exista a censura, nas condições miseráveis e mesquinhas em que se está efectuando.

Disse o Sr. Secretário de Estado das Finanças que a imprensa era a culpada do regime a que se encontra submetida.

Não é bem asaim.

A imprensa não quere, não fez mais do que tolerar a censura, pois não a quere, não a aceita, ou admite.

Em caso algum podia portanto colaborar com ela.

Se o Govêrno entendia que a bem da ordem pública se tornava necessária a censura, o que tinha a fazer, ou justificar aquela, colocando à sua fronte indivíduos hábeis e sensatos.

O Govêrno pela forma cora o a organizou mais uma voz deixou bem patente a sua má fé e manifestou inépcia e incompetência.

Entendo, assim que a Câmara, no seu alto espírito liberal, não pode deixar do aceitar a emenda proposta pelo Sr. António Cabral.

Tolera-se, em assuntos do ordem militar, uma censura, feita com método e inteligência, mas a que existe em Portugal, sem probabilidades de ser melhorada, só visa amesquinhar e ultrajar a imprensa.

Sr. Presidente: em nome do interesse público e dos sagrados princípios da liberdade de pensamento confio que nenhum membro desta casa do parlamento se recusará a manifestar a sua indiferença, contra os revoltantes atentados à lei, e à regra, praticados pelos censores, e tambêm a esforoar-se para que boja restaurado o império do Direito e da Justiça, abulindo-se a censura.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Pires: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer ligeiras e breves considerações.

Pelo que tive ocasião de verificar na discussão havida, êste e aquele lado da Câmara estão completamente de acôrdo relativamente à suspensão de garantias, excepto no que diz respeito ao n.° 13.° do artigo 3.°

Ao acompanhar o Govêrno na votação da suspensão de garantias, fazêmo-lo, como já ontem o disse, com pesar.

Seria nosso desejo que se restabelecessem todas as garantias constitucionais o mais rapidamente possível.

Mas o Govêrno, pela palavra do Sr. Secretário de Estado da? Finanças, acaba

Página 17

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 17

de declarar terminantemente que dificilmente poderá prescindir da suspensão da garantia indicada.

Em todo o caso, interpretando o sentir da maioria da Câmara, um Sr. Deputado da maioria, de acôrdo comigo, enviou para a Mesa uma moção de ordem, que creio representar uma plataforma, onde todos nós possamos encontrar o na qual se convida o Govêrno a relativamente ao n.° 13.°, usar da censura unicamente nos termos do decreto n.° 4:436, que é lei que está em vigor.

Uma voz: - Mas que se não cumprirá jamais.

O Orador: - Para mim, as palavras do Govêrno são garantia de que o decreto se cumprirá.

Sussurro.

O Orador: - Desejo responder aos apartes que me são feitos, mas não posso responder a todos ao mesmo tempo.

O artigo 3.º diz:

Leu,

Vozes: - Já não há guerra!

O Orador: - Ainda estamos em estado do guerra.

Enviou-se para a Mesa uma moção convidando o Govêrno a, relativamente ao n.° 13.°, limitar a censura aos termos do decreto n.° 4:436.

Entendo que esta moção representa, como disse, uma plataforma onde todos nos possamos encontrar, não faltando nós ao Govêrno com o apoio que todos lhe devemos na ocasião gravíssima que todos atravessamos, pois que como disse o Sr. Secretário de Estado das Finanças, ainda não está completamente restabelecida a ordem pública, anunciando- se que se dê dum momento para outro um novo movimento revolucionário.

Um aparte.

O Orador: - Só não estivéssemos em tal contingência, nem o Govêrno pedia a continuação do estado de sítio, nem nós a votaríamos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção.

Moção

A Câmara dos Deputados, considerando que as disposições da lei n.° 4:436, de 17 do Junho de 191H, satisfazem inteiramente às necessidades do momento que atravessamos e que forçosamente lhes deram causa, confia que o Govêrno exercerá por agentes responsáveis a censura, nos termos e limites e aí cominados.- Maurício Costa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se.

O Sr. Adelino Mendes: - Requeiro votação nominal.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Mas V. Exa. encerrou já a discussão?

O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito.

Vai, pois, proceder-se à votação.

O Sr. Adelino Mendes: - Requeiro votação nominal, a contagem e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento. São três sacramentos.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a votação nominal fazem favor de se levantar.

Está aprovada.

Vai ler-se a moção e proceder-se à chamada para a votação nominal da moção.

Lê-se a moção e procede-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Aprovaram a moção 43 Srs. Deputados e rejeitaram-na 27. Está aprovada.

Disseram aprovo os seguintes Srs.:

Adriano Marcelino de Almeida Pires.
Afonso José Maldonado.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto Pinheiro Torres.
Alberto de Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Lino Neto.
António dos Santos Cidrais.

Página 18

18 Diário da Câmara dos Deputados

António dos Santos Jorge.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
Gabriel José dos Santos.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Araújo.
João Calado Rodrigues.
João Henriques Pinheiro.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Nunes Mexia.
José de Almeida Correia.
José Augusto de Melo Vieira.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Eugénio Teixeira.
José de Lagrange e Silva.
José das Neves Lial.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Vicente de Freitas.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Manuel Rebelo Moniz.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mendes.

Disseram rejeito os seguintes Srs.:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Pimenta.
Anibal de Andrade Soares.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
Camilo Castelo Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Diário da Câmara dói Deputados
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
João Ruela Ramos.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
José Féria Dordio Tootónio.
José de Figueiredo Trigueiros Frasão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Luís Ferreira de Figueiredo.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco (Conde de Arrochela).
Pedro Joaquim Fazenda.

Vozes: - Qual é o quorum?

O Sr. Presidente: - O quorum é de 67.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação das emendas.

O Sr. João Crisóstomo: - Sr. Presidente: desejava que V. Exa. me dissesse qual foi a classificação dada ao documento mandado para a Mesa pelo Sr. Almeida Pires.

O Sr. Presidente: - É uma moção de ordem.

Vai ler-se a primeira emenda.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam esta emenda fazem favor de se levantar.

Está aprovada.

O Sr. João Crisóstomo: - Requeiro votação nominal.

Vozes: - Já está votada!

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a segunda emenda, mandada para a Mesa pelo Sr. Secretário de Estado das Finanças.

Foi lida na Mesa e posta à votação.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Requeiro a votação nominal.

Consultada a Câmara, foi rejeitado.

Página 19

Sessão de 10 de Dezembro de 1919 19

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam esta emenda, queiram levantar-se.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado.

O Sr. Adelino Mendes: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.° do Regimento.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à contraprova. Os Srs. Deputados que rejeitam, queiram levantar-se.

Pausa.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Requeiro que na Mesa seja lido o n.° 35.° do artigo 3.° da Constituição, visto que a êle se refere a proposta, pois pode haver quem não tenha bem presente o seu teor.

Foi lido na Mesa.

O Sr. Presidente: - Vai efectivar-se a contraprova.

Feita a contraprova, confirmou-se a aprovação.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de emenda apresentada pelo Sr. António Cabral, para se votar.

Foi lida na Mesa.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Não podemos votar essa proposta de emenda assim em globo.

Deve ser posta à votação por números, pois os Srs. Deputados podem concordar com uns números e não com outros.

O Sr. Presidente: - Na devida altura e procederá convenientemente.

Agora vai ler-se o corpo do artigo 2.° da proposta do Sr. Secretário de Estado da Guerra, para se votar.

Foi lido e seguidamente aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parágrafo.

Foi lido na Mesa.

O Sr. António Cabral: - O que proponho na minha emenda é que se elimine da proposta do Sr. Secretário de Estado o n.° 13.° do artigo 3.° da Constituição. Êsse n.° 13.° diz:

Leu.

Portanto a minha emenda está exactamente no texto da proposta ministerial, suprimindo apenas êste n.° 13.°

E isto simplesmente um esclarecimento à Câmara.

O Sr. Adelino Mendes: - A minha proposta de emenda é idêntica à do Sr. António Cabral...

Trocam-se apartes.

O Sr. António Santos Cidrais: - Há nisto uma confusão. Eu creio que não podemos deixar de votar o n.° 13.°, visto que a Moção que a Câmara já aprovou implica a aplicação daquele n.° 13.°

Vozes: - Sim, senhor.

Vozes: - Não pode ser.

O Sr. Almeida Pires: - Há aqui duas propostas: uma do Sr. António Cabral, outra do Sr. Adelino Mendes.

Ambas tendem ao mesmo fim com a diferença de que a do Sr. António Cabral, talvez, não está tam lacónicamente redigida. S. Exa. pretende com a sua emenda que o n.° 13.° não seja votado. O Sr. Adelino Mendes quere o mesmo.

Retirada a emenda do Sr. António Cabral, ficava à votação a emenda do Sr. Adelino Mendes. Mas, Sr. Presidente, como acaba de ser dito por um nosso colega, desde que foi votada a moção do Sr. Maurício Costa, implicitamente está aprovado o n.° 13.°, visto que o decreto n.° 4:436 está em vigor.

Vozes: - Não apoiado.

O Orador: - Já não se pode discutir sôbre êsse n.° 13.°

Se há dúvida, V. Exa. consulta a Câmara e a Câmara decidirá se a aprovação da moção está ou não prejudicada pela votação da anterior moção já votada, ficando de parte o n.° 13.° do respectivo artigo.

O Sr. Presidente: - Vou pois consultar a Câmara sôbre se a proposta do Sr. António Cabral está prejudicada.

Vozes: - V. Exa. não tem de consultar a Câmara.

Procede-se à votação.

Página 20

20 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: - Considero prejudicada a moção do Sr. António Cabral.

Sussurro.

Vozes: - Não pode ser, não está prejudicada.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Requeiro a contra prova.

Vozes: - Já está votada. Não está.

O Sr. Almeida Pires (leader): - Desde que a Câmara reconheça que a moção já anteriormente votada prejudica a proposta do Sr. António Cabral, é já uma indicação para a votação sôbre essa proposta.

Apartes.

Sussurro.

O Sr. António Cabral: - Creio que esta questão se resolvia cumprindo o artigo 124.° do regimento que diz o seguinte:

Leu.

V. Exa., Sr. Presidente, mata a questão pondo as emendas à votação pela sua prioridade.

Apartes.

O Sr. Presidente: - A moção já foi votada.

O Orador: - Eu dou de barato que a moção já fôsse votada, mas isto seria uma contraprova.

Sussurro.

Apartes.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação a moção do Sr. António Cabral.

O Sr. Correia Monteiro: - Desejava que V. Exa. dissesse o que fez do meu requerimento.

O Sr. Presidente: - Foi rejeitado.

Vozes: - Não foi.

O Sr. Presidente: - Como lia dúvida, vou consultar a Câmara sôbre o requerimento do Sr. Correia Monteiro pedindo prioridade para a proposta do Sr. Adelino Mandes.

Foi aprovada a prioridade.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a emenda do Sr. Adelino Mendes.

O Sr. Adelino Mendes: - Requeiro votação nominal.

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta do Sr. Adelino Mendes.

O Sr. Adelino Metidas: - Requeiro votação nominal e V. Exa. tem de consultar a Câmara.

Foi rejeitada.

O Sr. Adelino Mendes: - Invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a suspensão do n.° 14.° do § único.

Foi aprovada.

O Sr. Adelino Mendes: - Invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: - Já estava feita a votação quando V. Exa. fez essa invocação.

O Sr. Cunha Lial: - Há pouco o Sr. Adelino Mendes requereu votação nominal e V. Exa. Sr. Presidente, esqueceu-se. Agora fez-se a invocação do § 2.° do artigo 116.° do Regimento e V. Exa. tam se esqueceu. Isto assim não pode bem ser.

Apartes.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Nós assim não sabemos o número do Deputados que estão na sala.

O Sr. Almeida Pires: - O Sr. Adelino Mendes não requereu votação nominal; requereu que se dissesse qual o número de Deputados que tinham aprovado.

Procedem-se à contagem e verificou-se que tinham aprovado 69 e rejeitado 2.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o n.° 15. Posto à votação foi autorizado.

O Sr. Adelino Mendes: - Invoco o § 2.° do artigo 16.°

Procedeu-se à contagem e verificou-se que, aprovaram 69 e rejeitaram 2.

Foi aprovado.

Leram-se os n.ºs 16.º da Constituição e 17.º, 18.°, 20.º, 28.°, 31.° e artigo 3.º sendo aprovados sem discussão.

Página 21

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 21

O Sr. Adelino Mendes: - Mando para a Mesa a minha declaração de voto, que desejo fique consignada na acta.

Leu-se.

Declaração

Declaro que rejeitei in límine o projecto que suspende as garantias, que acaba de ser votado.- Adelino Mendes.

O Sr. João de Araújo: - Requeiro a dispensa da ultima redacção. Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se á segunda parte da ordem do dia.

O Sr. António Cabral: - Sr. Presidente: (pedi a palavra sôbre a ordem, e, antes de começar, prometendo desde já ser breve, eu vou mandar para a Mesa a minha moção.

Leu.

Moção

A Câmara sem querer levantar dificuldades ao Govêrno em questões internacionais, a que só referiu o Sr. Secretário de Estado do Interior quando pediu autorização à essa Câmara para continuar preso o Sr. Deputado António Teles de Vasconcelos, mas cumprindo-lhe tambêm zelar as imunidades dos seus membros, convida o Govêrno a cumprir o artigo 17.° da Constituição não mantendo preso o mesmo Deputado, visto que não há provas de que o foi em flagrante delito do crime - se crime há-a que seja aplicável pena maior ou equivalente na escala penal; ou então a apresentar imediatamente as pessoas em que baseia o seu pedido para manter preso o referido Deputado. - António Cabral.

Sr. Presidente: já se referiu a êste assunto que eu considero melindroso o grave para o prestígio desta Câmara o ilustre leader da minoria monárquica o meu amigo Sr. Aires de Ornelas; e não o fez com a brandura a que se referiu ontem um ilustre Deputado daquele lado.

S. Exa. falou com a severidade, com a gravidade que é própria de S. Exa. e desta casa (Apoiados) sem exaltações. Não é só gritando que se fazem imprecações (Apoiados). As palavras podem ser correctas que a correcção não lhes tira o valor (Apoiados).

Sr. Presidente: na moção que acabei de mandar para a Mesa eu pus bem claro que a minoria monárquica não quere levantar dificuldades ao Govêrno na questão internacional.

O Sr. Secretário de Estado do Interior disse há dias que tivessem confiança no Govêrno e que não lhe levantassem dificuldades que por ventura poderiam surgir.

Não quero de modo algum levantar dificuldades ao Govêrno, mas o facto é que o nosso amigo Teles de Vasconcelos está preso há quinze dias, e neste regime de liberdade e de igualdade ou não vi ainda apresentar provas de qualquer delito, e nós nem sequer sabemos qual é o delito que contra o Sr. Teles de Vasconcelos se assaca.

Êsse Deputado foi preso e metido, como um vadio, como um gatuno, num vergonhoso e imundo calabouço da esquadra de polícia de Santa Marta, de onde foi necessário retirar-se uma mulher embriagada para lá entrar um Deputado!

Isto, Sr. Presidente, não é uma qualificação. Eu não lha quero dar porque seria tam áspera que a reputo improferida nesta casa do Parlamento. Nisto é que não pode haver questões internacionais, em se manter o respeito que deve merecer todo o homem de posição que na sociedade ocupa um Deputado. Nisto - repito - não pode haver questões internacionais de ordem alguma, e na falta dêsse respeito está incurso quem porventura consentiu e determinou que um Deputado da Nação fôsse metido num calabouço infecto, cheio talvez do vómito da mulher embriagada, sem lhe darem um leito ou uma enxerga onde repousar.

Contra êste facto protesto eu indignadamente porque foi necessário que se dessem passos - e dêste lado da Câmara está alguém que pode confirmar o que estou dizendo - foi necessário, dizia, que se dessem passos particularmente para que as autoridades retirassem dêsse calabouço de uma esquadra policial um Deputado para lhe darem um quarto mais próprio no quartel dos Paulistas.

Quando a monarquia era o regime que governava o país, eram por diferente forma tratados os republicanos que se ocupavam na sua propaganda, na propaganda deplorável que levou a transfor-

Página 22

22 Diário da Câmara dos Deputados

mar o nosso bom e sincero povo num povo de bandidos, de quem partem atentados contra o Chefe de Estado, como aquele contra o qual nós protestámos, porque dêste lado da Câmara está gente de ordem que protesta contra tudo quanto sejam atentados contra a liberdade e a vida dos cidadãos.

Quando a monarquia nos governava os republicanos, que então se levantaram contra o regime, que atentavam contra as leis vigentes, tinham um tratamento especial, tratamento que aliás deviam ter como presos políticos, visto que não podiam ser comparados aos vadios e gatunos que se metem em qualquer canto escuro de qualquer esquadra policial.

Lavrado assim o meu protesto contra o acto praticado contra o meu ilustre colega António Tolos de Vasconcelos, vou rapidamente prosseguir na minha ordem de considerações, entendendo que, estando de pé as imunidades parlamentares, não tendo sido apresentada até agora qualquer prova do delito, deve aquele Deputado ser imediatamente pôsto em liberdade e restituído aos trabalhos da Câmara (Apoiados).

Está nisto empenhada a dignidade de toda a Câmara, pois não se trata de um Deputado monárquico, mas de um Deputado da Nação.

De que é acusado êsse Deputado?

Nem o Sr. Ministro do Interior o sabe. Parece impossível, mas é verdade.

Tomei nota das palavras proferidas aqui por S. Exa., na sessão em que S. Exa. apresentou a sua proposta, e foram, textualmente, estas;

"O Govêrno está ã espera de que luz se faça para justificar a necessidade desta prisão".

Portanto é uma prisão arbitrária, som haver acusarão prévia.

O Sr. Secretário de Estado do Interior, que ordenou essa prisão, não sabe que crime praticou êsse cidadão, que é Deputado.

Disso S. Exa. que está à espera do que luz se faça, para justificar a necessidade desta prisão. E espantoso que se diga isto. E espantoso que se prenda um membro desta Câmara sem pronúncia e se conserve preso sem se fazer a acusação.

Há longo tempo que contra o Sr. António Teles de Vasconcelos se tem forjado uma perseguição injusta.

Há tempo teve S. Exa. de se exilar com alguns companheiros seus da redacção do Liberal, de que é director, em virtude de ser acusado como autor dum folheto chamado Rol da Desonra, que nunca li - devo dizer - mas que, segundo me consta, de forma, nenhuma pode ser tomado como qualquer ataque aos países aliados.

Foi o Sr. António Teles de Vasconcelos, por deliberação em conselho do Govêrno democrático de então, de 12 de Novembro de 1917, expulso dêste país. E eu, se não quis acompanhar ao estrangeiro o meu amigo, para fazer a vontade ao Govêrno, tive de me esconder, estando vinte e cinco dias nessa situação, para não ser expulso dêste país, como responsável tambêm pela publicação do Rol de Desonra, eu, que não subia da existência dêsse folheto. Pois fui expulso do país por deliberação do Conselho do Ministros do Govêrno democrático!

Praticou-se êsse acto violento por determinação do gabinete do 12 do Novembro de 1917. Mas agora, com Ministros dum Govêrno filho duma, revolução, que se justificou para terminar com ossos actos violentos, não é razoável que só pratiquem actos desta natureza. (Apoiados).

Não posso admitir que se prenda um Deputado sem acusação sequer, e ainda menos sem licença desta Câmara. (Apoiados).

O próprio Ministro à ordem de quem o Deputado está preso não sabo porque está preso.

Há indícios, correm boatos, que S. Exa. praticou talvez determinado acto; porem, dados positivos, concretos, não existem. O Govêrno não apresenta um só. (Apoiados).

Êsse Deputado não pode conservar-se, prêso sem se fazer a acusação, sem se apresentarem as provas do crime que lho imputam. (Apoiados). Não pode o Govêrno dar explicações da razão por que prendou o Sr. António Teles de Vasconcelos?

Para isso tem a Câmara um meio que o Regimento lho faculta, (que é requerer uma sessão secreta, a fim do Govêrno ser convidado a dizer quais as razões que

Página 23

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 23

o levaram a mandar prender o nosso colega nesta Câmara, Sr. António Teles de Vasconcelos, e a apresentar as provas em que se funda para manter a prisão dêsse Sr. Deputado. Se, porventura, admitindo por absurdo que êle tivesse cometido qualquer crime, e êsse crime se achasse provado ou houvesse indícios de que o cometera, estou certo de que ninguêm, nesta Câmara, deixaria do dar apoio ao Govêrno por êsse acto praticado, mas assim não.

Não estamos aqui para deixar de apoiar o Govêrno em questões de ordem pública ou em questões de carácter internacional. Nessas questões a minoria monárquica dá o seu apoio sincero, liai, efectivo e eficaz ao Govêrno, mas o que não podemos, subservientemente, é colocarmo-nos ao lado do Govêrno em todo e qualquer acto que o Govêrno pratique, mesmo que seja contrário às leis e à dignidade desta Câmara. (Apoiados). Amanhã, Sr. Presidente, pode ser preso V. Exa., que ocupa o primeiro lugar nesta Câmara, e posso eu ser proso, que ocupo o último lugar; e não é certamente com o aplauso dos que ocupam os outros lugares intermédios que se deve praticar uma violência desta natureza. (Apoiados).

O que sabe o Sr. Secretário de Estado do Interior a respeito do delito praticado pelo Sr. António Teles de Vasconcelos? Se sabe alguma cousa diga-o, porque é essa a sua obrigação (Apoiados); se nada sabe, ponha em liberdade o Sr. António Teles de Vasconcelos, porque tambêm é êsse o seu dever. (Apoiados).

Manter em prisão, contra todos os princípios e contra a letra expressa da lei fundamental do país, que é a Constituirão, um Deputado, sobretudo com a agravante de se desrespeitarem as imunidades parlamentares, é um acto que não posso deixar de reprovar com aquela veemência que é própria do meu temperamento.

E possível que êste país vá de abismo em abismo, até chegar, o que Deus não permita, ao completo aniquilamento.

Se tal sucedesse, ao menos que fôsse com brilho e com honra.

Sr. Presidente: tenho ouvido dizer, não sei com que fundamento, que o Sr. António Teles de Vasconcelos é acusado de ter praticado não sei que acto, que, porventura, pudesse prejudicar as nações aliadas. £ Mas como se explica que durante o estado de guerra, quando podia haver prejuízo para essas nações, o Sr. António Teles de Vasconcelos passeasse em liberdade pelas ruas de Lisboa, dirigisse um jornal, e só depois de feito o armistício, quando a sua acção já não podia ter valor, só então se mandasse prender êsse Sr. Deputado? O Sr. Presidente: ouvi falar por aí constantemente em que havia relações entre o Sr. Deputado António Teles de Vasconcelos e um seu irmão que foi digno membro da câmara dos pares no tempo da monarquia, e distintíssimo oficial da armada. Eu, já velho, não sou dos que acreditam camésages racontars e ditos que por ventura nas esquinas se espalham pela boca dos ociosos. Fôsse do que fôsse acusado, quem pode estranhar que um irmão tenha correspondência com outro irmão?

Mas nem disso pode ser arguido, porque, segundo me consta, há muito tempo que não há relações de correspondência e as últimas são tam distantes que não se podem prender com aquilo de que hoje é acusado.

Querer-se há porventura inutilizar um adversário político?

Não creio; essa justiça faço ao Govêrno.

Tam longa tem sido a série de perseguições que durante a República se tem feito a êste ilustre Deputado, que quási me chego a convencer de que se quere maniatar o braço que dirige a pena ou o cérebro que a orienta.

Mal vai o Govêrno que se lança neste caminho de perseguições, porque elas nunca fizeram bem a quem as usa.

O Govêrno se quiser ter prestígio deve governar com liberdade e respeito pelas imunidades parlamentares e sobretudo com a lei, mas o que aqui se tem visto é a postergação da lei.

Não pode um Deputado ser preso sem licença da Câmara.

Foi preso Teles de Vasconcelos, Deputado neste país!

Pode dizer-se que não havia imunidades parlamentares, mas há-as desde agora.

Tenho a certeza de que a Câmara toda se coloca a meu laio, pedindo a imediata

Página 24

24 Diário da Câmara dos Deputados

liberdade de António Teles de Vasconcelos.

Se o Govêrno assim não fizer, o Govêrno exerce violências que amanhã o prejudicam.

Se amanhã eu exercer qualquer violência contra o Govêrno, êle não se pode queixar, porque perdeu a autoridade moral para o fazer.

Estão no Govêrno homens que eu não conheço, mas a quem faço a justiça de acreditar que são homens de brio, Deputados que prezam a sua dignidade.

É para êsses homens que eu. apelo, não como membros do Govêrno, mas como Deputados. É para os Deputados da Nação que ocupam as cadeiras do Poder que eu me dirijo a dizer-lhes: - Os senhores ou põem em liberdade o Deputado da Nação, Sr. António Teles de Vasconcelos, ou são réus de um crime de ilegalidade de que ninguêm, absolutamente ninguêm, os pode absolver!

Vou terminar, Sr. Presidente. Não creia V. Exa. nem a Câmara que no calor com que eu fiz as minhas considerações, haja violência, expressão de má vontade ou desejo de criar dificuldades ao Govêrno.

Não; há apenas a expressão do meu temperamento, pois eu, em geral, não sei falar com aquela serenidade de espírito que a maioria dos meus colegas tem. Eu tenho do dar saída à exuberância do meu temperamento e não estranhem por conseguinte V. Exa. o ardor das minhas palavras. Digo as cousas com vigor, sem má vontade, pois não albergo ódios no meu peito.

Fiz o meu discurso com a serenidade que me caracteriza e nele faço a reclamação veemente ao Govêrno em nome da sua dignidade, do seu prestígio, para pôr imediatamente em liberdade o Sr. António Teles do Vasconcelos, dando-lhe como homenagem a cidade.

Êle não fugirá! (Apoiados).

Ao findar, digo o que há pouco observei: tenho a certeza de que nenhum membro desta Câmara deixará de acompanhar o meu podido, porque pode amanhã ver-se na situação injustificável do Sr. Teles de Vasconcelos.

Solte-se imediatamente o Deputado da Nação, Sr. António Teles de Vasconcelos, que está preso som acusarão, sem provas e sem elemento nenhum que nos levo a crer na sua culpa! (Apoiados).

Tenho dito.

Vozes: - Muito bom.

O orador não reviu.

Lida na Mesa a moção, foi admitida.

O Sr. Almeida Pires: - Sr. Presidenta: envio para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara considerando que o Govêrno na prisão do Deputado Teles do Vasconcelos cumpriu integralmente a lei. e confiando em que oportunamente trará à Câmara as provas que motivaram tal prisão, vota o pedido do licença e continua na ordem do dia. - Almeida Pires

Já o outro de defini a atitude da maioria perante o melindroso caso que todos chamamos "Teles do Vasconcelos".

Entendia, Sr. Presidente, não ser necessário voltar ao assunto, mas visto que o Sr. António Cabral novamente hoje o abordou, tambêm eu, não só por consideração para com S. Exa. mas para que se não diga que esto lado da Câmara procede levianamente, vou tambêm fazer mais algumas considerações.

Disso o Sr. António Cabral que não é homem para fazer discursos e eu, Sr. Presidente, tenho a fazer a seguinte declaração: sou um rude transmontano que tenho por hábito dizer com lialdade o franqueza o que sinto, penso e quero. E com esta rodeza e franqueza eu afirmo a V. Exa. e à Câmara que quando o outro dia o ilustre leader da minoria monárquica levantou o incidente, colocou inteligentemente a questão. Foi partindo do princípio que êsse caso ora por assim dizer considerado uma questão morta que as poucas considerações fiz então. Forçam-me novamente a usar da palavra e som querer alongar-mo em considerações, devo, contudo, dizer que estas bojo não poderão seu tam resumidas como foram na outra sessão.

O Sr. Aires de Ornelas lamentando, como todos nós lamentamos, a prazo do nosso camarada Sr. Teles de Vasconcelos, declarou que, em sou entender, e no seu espírito, seria mais agradável que o Govftrno trouxesse à Câmara as provas

Página 25

Sessão de 10 de Dezembro de 1918 25

que motivaram tal prisão e se procedesse como em França relativamente aos casos Malvy e Caillaux.

Hoje, pôsto que o Sr. António Cabral não tivesse feito uma referência especial a êsses traidores franceses, S. Exa. deixou tambêm antever que o Parlamento Português devia proceder de igual forma.

Tenho a declarar à Câmara que taoto o Sr. Aires de Ornelas como o Sr. António Cabral, e principalmente o Sr. António Cabral, que foi um magistrada distintíssimo e é hoje um advogado ilustre, confundiram dois actos de processo absolutamente diferentes: prisão e acusação.

Em Portugal e França um indivíduo é preso ou pode ser preso logo que sôbre êle recaiam as mais insignificantes suspeitas; é enviado a juízo e desde que ao crime não corresponda fiança tem de se conservar durante oito dias sob prisão, visto que êsse espaço de tempo é destinado à formação do corpo de delito. Portanto, desde que estávamos no interregno parlamentar e ao Govêrno foram apresentadas não sei quais provas ou indícios ligeiros que fossem, que motivassem a prisão do Sr. Teles de Vasconcelos, principalmente pelo crime, que se é verdade, o que se diz, é de traição, o Govêrno tinha de proceder imediatamente à prisão e fazer o que fez, pediu à Câmara licença para êsse Deputado poder continuar na prisão.

A Câmara tinha dois caminhos a seguir: ou confiar nas declarações do Sr. Secretário do Interior, principalmente depois que S. Exa. apelou para o patriotismo da Câmara (e agora quero recordar a frase do Sr. Aires de Ornelas que dentro desta Câmara não havia monárquicos nem republicanos, mas representantes da Nação) ou tinha, repito, sujeitar-se ao pedido do Sr. Secretario do Interior ou então nomear uma comissão ou convocar uma sessão secreta.

Admitam V. Exas. a hipótese de que o Sr. Secretário do Interior tinha declarado à Câmara: "meus senhores, não lhos posso trazer aqui publicamente as provas que motivaram a prisão do Sr. Teles de Vasconcelos mas estou pronto a mostrar no meu gabinete a uma comissão que se nomeie as provas que determinaram essa prisão". Devo declarar que só com muita repugnância faria parte duma comissão dessa natureza; e sabem V. Exas. porquê? É porque é, como juiz, estou habituado a pronunciar o meu vereditum só depois de ouvir a acusação e a defesa e eu tinha de lançar sôbre o meu colega a suspeição infamante de traidor à Pátria unicamente por ligeiros indícios que o Sr. Secretário de Estado do Interior mostrasse. Vejam V. Exa. as condições desastrosas em que ficaria êsse nosso colega.

O espírito simplista do nosso povo não saberia distinguir entre indícios ou suspeitas e provas concretas, e o que ficava sabendo apenas é que uma comissão delegada da Câmara tinha ido à Secretaria de Estado do Interior examinar documentos, tendo vindo depois à Câmara dizer: "podem votar a prisão dêsse Deputado porque há razões para tal".

O Sr. Presidente: - Faltam cinco minutos para dar a hora de se encerrar a sessão.

V. Exa. quere concluir as suas considerações, ou ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Como são ainda várias as considerações que tenho a fazer, V. Exa. reserva-me a palavra.

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada.

O Sr. Aníbal Soares: - Peço a palavra para um

Requerimento

Requeiro a prorrogação da sessão.

Vozes: - Não pode ser, porque o Sr. Presidente já declarou que o orador ficava com a palavra reservada.

O Sr. Presidente:-As comissões permanentes da Câmara, em virtude da proposta que foi aprovada, ficam as mesmas.

A próxima sessão é na quarta-feira com a mesma ordem do dia, e o dia de amanhã é para trabalhos em comissões.

Está encerrada a sessão.

Eram pouco mais de 19 horas.

Página 26

26 Diário da Câmara dos Deputados

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Pelo Deputado Sr. José Cabral Caldeira do Amaral foram apresentados dois projectos de lei, tendo um por fim criar no exército português uma associação intitulada Grémio dos Oficiais do Exército, e outro reorganizando os serviços da arma de engenharia.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Pareceres

Foi apresentado o parecer da comissão revisora da obra do Govêrno, relativa ao Ministério da Guerra.

Para a Secretaria.

Imprima-se e distribua-se.

Da comissão revisora dos diplomas publicados pelo Ministério das Finanças, desde 8 de Dezembro de 1917, até 15 do Julho de 1918.

A imprimir.

O REDACTOR - João Saraiva.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×