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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 21

EM 7 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários is Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Feita a chamada, abre a sessão com a presença de 48 Srs. Deputados. E lida e aprovada a acta da sessão anterior.

Dá-se conta do expediente. O Sr. Adelino Mendes justifica e manda para a Mesa um projecto de lei da iniciativa do Sr. Rocha Martins. O Sr. Ponces de Carvalho justifica e manda para a, Mesa um projecto de lei e apresenta diversas considerações.

O Sr. Melo Vieira manda para a Mesa um projecto de lei. O Sr. Fidelino de Figueiredo manda para a Mesa projectos de lei cuja justificação faz, e apresenta uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Instrução. O Sr. Eduardo Dario Cabral fala sôbre o problema da instrução pública, sôbre que apresenta um projecto de lei, mandando igualmente para a Mesa outros projectos. O Sr. Mira Mendes ocupa-se dos celeiros municipais, especialmente do estabelecido em Évora, faz algumas declarações políticas e envia para a mesa um projecto de lei.

O Sr. Ministro da Marinha (Tito de Morais), promete elucidar o seu colega dos Abastecimentos acerca do assunto.

O Sr. Almeida Pires refere-se à atitude tomada pelo Parlamento espanhol, perante a nação portuguesa; manda para a Mesa uma moção e refere-se à atitude de certa imprensa do país vizinho, ocupando-se ainda doutros assuntos de actualidade.

Usa da palavra, respondendo ao orador antecedendo, o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior f José Relvas). O Sr. Joaquim Crisôstomo dirige uma pregunta ao Govêrno acerca dum funcionário da polícia inter-aliada. Responde o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas) e associa-se à moção apresentada. E a moção aprovada. O Sr. Adelino requere a urgência e a dispensa do Regimento para a proposta de lei aprovada no Senado sôbre a perda do mandato de Deputados e Senadores. É rejeitada a urgência e dispensa do Regimento. É reconhecida a urgencia para o projecto de lei do Sr. Ponces de Carvalho. Prossegue a discussão e a votação do parecer n.º 21, que cria uma medalha para os militares que estiveram no Corpo Expedicionário Português e nas campanhas de África. Usam da palavra os Srs. Afonso Maldonado, Almeida Pires, que manda para a Mesa uma emenda, Melo Vieira, que apresenta, um aditamento, Joaquim Crisóstomo, que requere que o parecer volte à comissão, o que é rejeitado. Fala de novo o Sr. Joaquim Crisóstomo. Seguem-se no uso da palavra os Srs. Mendes de Magalhães, Amando de Alpoim e Melo Vieira que apresenta uma emenda. É aprovado o artigo 4.º

É a sessão encerrada.

Vão em apêndice os discursos do Sr. Cunha Lial, nas sessões de 8 e 9 de Janeiro.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão.

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Afonso José Maldonado.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alberto de Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alfredo Pinto Lelo.
Alfredo Machado.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Bernardino Ferreira.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António Martins de Andrade Velez.
António dos Santos Jorge.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Mendes de Magalhães.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.

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Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Calado Rodrigues.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Nunes Mexia.
José Augusto do Melo Vieira.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Féria Dordio Teotónio.
José Nunes da Ponte.
José Vicente de Freitas.
Luís Nóbrega de Lima.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Rui de Andrade.
Ventura Malheiro Reimão.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
António Lino Neto.
António Miguel de Sousa Fernandes.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos Henrique Lebre.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
João Baptista de Araújo.
João Henriques Pinheiro.
João Monteiro de Castro.
Joaquim Madureira.
José Feliciano da Costa Júnior.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Manuel José Pinto Osório.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alberto da Silva Pais.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Pimenta.
Aníbal de Andrade Soares.
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
António Caetano Celorico Gil.
António Duarte Silva.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António dos Santos Cidrais.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Artur Proença Duarte.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fernando Cortês Pizarro de Sampaio e Melo.
Francisco de Almeida Bivar Weinholtz.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Maria Cristiano Solano de Almeida.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Gabriel José dos Santos.
Henrique Ventura Forbes do Bessa.
João Henrique do Oliveira Moreira de Almeida.
João José de Miranda.
João Ruela Ramos.

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João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebêlo.
José Alfredo Mondes de Magalhães.
José de Almeida Correia.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Carlos da Maia.
José Eugénio Teixeira.
José de Figueiredo Trigueiros Frazão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José das Neves Lial.
José de Sucena.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Filipe de Castro (D.) (Conde de Nova Goa).
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco. (Conde de Arrochela).
Manuel Rebêlo Moniz.
Martinho Nobre de Melo.
Miguel de Abreu.
Miguel Crêspo.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.
Vítor Pacheco Mendes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 41 Srs. Deputados, número suficiente para a sessão se abrir.

Foram aprovadas as actas.

Expediente

Justificação de faltas

Do Sr. Deputado J. de Melo Vieira, justificando a sua falta à sessão de ontem.

Para a comissão de faltas.

Do Sr. Deputado Armando Gastão de Miranda, e Sousa, justificando não ter comparecido por motivo do falta de saúde.

Para a comissão de faltas.

Do Sr. Deputado Vasco Fernando de Sousa e Melo, justificando as suas faltas com atestado de doença.

Para a mesma comissão.

Oficio da Presidência do Senado, enviando uma proposta de lei que regula a perda do mandato dos membros do Congresso.

Para a comissão de infracções e faltas.

Paço a V. Exa. que consulte a Câmara se autoriza que me ausente de Lisboa pelo espaço de 4 dias para tratar de assunto urgente a partir do dia 10. - O Deputado, Pedro Botelho Neves.

Para a comissão de faltas.

Foi concedida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Fidelino de Figueiredo para mandar para a Mesa documentos.

O Sr. Adelino Mendes: - Não pode mandar para a Mesa documentos, antes da ordem do dia, porquanto, segundo me disse o Sr. segundo secretário, sou eu o primeiro inscrito. Lavro o meu protesto por êsse atropelo dos meus direitos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o. Sr. Adelino Mendes.

O Sr. Adelino Mendes: - Felicito V. Exa. por haver respeitado o meu direito, como é próprio da sua alta individualidade e do seu honrado carácter.

Pedi a palavra para justificar em rápidas considerações uma iniciativa do nosso colega o Sr. Rocha Martins, presentemente impedido de comparecer às sessões por doença. Devo dizer a V. Exa. que o Sr. Rocha Martins tinha elaborado êste projecto de lei sem intenção nenhuma do política, porque se refere a assuntos económicos.

Tem por fim o projecto de lei conceder a assistência ao salariado do comércio, indústria e agricultura do continente da República. Vem precedido de um longo relatório e foi elaborado de acôrdo com alguns dos mais inteligentes e cultos representantes da classe operária, que não podem de maneira nenhuma ser sus-

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peitos de seguir uma política retrógrada e reaccionária.

O Sr. Rocha Martins, que não pode pelo motivo que já apontei vir a esta Câmara, solicitou-me que juntasse eu o meu nome ao nome de S. Exa. e fizesse o que S. Exa. não pode fazer.

Devo declarar que me associo à iniciativa dêste Sr. Deputado com o maior prazer, e, como não quero tomar à Câmara mais tempo, vou terminar.

Devo declarar também que se tornei mais vivo o meu protesto contra o facto de não me quererem deixar falar, quando devia usar da palavra, isso não representa para V. Exa., Sr. Presidente, nem para a Mesa, nem para a Câmara, nem para ninguém, a menor desconsideração, nem ofensa, mas simplesmente representa a luta legítima por um direito de que eu não me queria deixar esbulhar.

O orador não reviu.

O Sr. Ponces de Carvalho: - Pedi a palavra pura mandar para a Mesa um projecto de lei relativo à promoção dos oficiais do quadro do saúde do Ultramar.

Êste projecto de lei tem por fim garantir aos médicos e farmacêuticos do Ultramar as regalias de que gozam já os oficiais do, quadro de saúde naval e do exército. É justo que êsses oficiais, pela qualidade de serviço que prestam no Ultramar, permanecendo longo tempo em regiões, onde grassa toda a espécie de epidemias e estando constantemente expostos a contraí-las em serviço da nação sejam equiparados aos seus colegas da metrópole.

Nestas condições devemos fazer justiça às reclamações dessa classe.

Mando para a Mesa êste projecto de lei e peço a urgência. Já que estou no uso da palavra, aproveito o ensejo para expor à Câmara o assunto para que há muito tempo havia pedido a palavra.

O Sr. Ponces de Carvalho: - Saúdo V. Exa., Sr. Presidente, a Câmara e o Govêrno, congratulando-me pelas vitórias já alcançadas contra os revoltosos do norte e por ver que resultam infrutíferos os seus esfôrços no sentido de imporem pelo terror e pela violência um regime por êles próprios dos acreditado e comprometido.

Saúdo também as forcas do exército e da armada, pelo brio, coragem e patriotismo que terão demonstrado na defesa da Pátria e da República.

Dêste conflito resultou a crise política que determinou a constituição do actual Ministério.

Dele fazem parte individualidades do destaque no nosso meio político, representantes de todos os partidos da República, entre as quais figura o nosso leader da maioria, Sr. Egas Moniz, hábil diplomata o brilhante parlamentar, que tam relevantes serviços tem prestado ao seu país o que, quer como académico, quer como professor e ainda como parlamentar, se tem distinguido sempre, não só pelo brilho da sua eloquência, como pelo profundo conhecimento de todos os assuntos de que se tem ocupado e pela clareza e imparcialidade com que encara todas as questões que tem tratado nesta casa do Parlamento.

Bem acertada foi, pois, a sua escolha para representante do Portugal na Conferência da Paz, onde tem sabido defender os altos interêsses do seu país com a maior dedicação e entusiasmo.

Um Govêrno assim constituído é sem dúvida uma garantia segura de que o prestígio do Poder será mantido o do que os graves problemas que demandam o seu estudo serão resolvidos com o maior escrúpulo e correcção.

Entre êsses importantes problemas sobreleva o da crise económica que atravessamos e o do restabelecimento da harmonia social no nosso país.

Para êles devem convergir toda a nossa atenção e os nossos maiores esfôrços.

A luta sangrenta em que as nações beligerantes se debateram durante quatro longos anos teve, segundo Gustavo le Bon, o raro privilégio de estabelecer a igualdade social que nem a Revolução Francesa, nem os regimes que se lhe seguiram, lograram realizar durante mais de um século.

A vida em comum nos campos da batalha igualou por completo homens do todas as classes e de todas as raças dominadas pela única aspiração da vitória do direito e da justiça e pelo desejo do cumprimento do sagrado dever da defesa da Pátria.

A verdadeira igualdade e fraternidade só então se fez sentir, em face do perigo,

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entre católicos, protestantes, monárquicos, republicanos, socialistas e sindicalistas.

E agora que terminou a guerra e que o poderio germânico foi completamente aniquilado, lícito é supor que essa coesão se mantenha entre os partidos políticos, a fim de que todos possam contribuir para o progresso do seu país.

Creio bem que tolos se compenetrarão dessa necessidade, nem doutra forma se poderá conseguir o desenvolvimento da nossa actividade produtora e a solução dos encargos financeiros a que a nossa participação na guerra nos conduzia.

Nós vemos como as nações aliadas se estão preparando para a luta económica que vai seguir-se à realização da paz e como a Alemanha, país pobre o sem recursos antes de 1870, se transformou numa das nações mais ricas do Universo, não só pelo desenvolvimento do seu comércio e indústria, mas também pela organização do seu ensino agrícola.

Um chanceler alemão disse um dia no seu Parlamento: "Sem a nossa indústria, há muito estaríamos vencidos".

E, de facto, se a indústria alemã não tivesse atingido o grau de perfeição a que chegou, se não fôsse a sua poderosa artilharia, nunca a Alemanha teria tido a audácia de invadir a Bélgica o a França, defrontando-se com os exércitos de quási todas as potências da Europa e ainda com os dos Estados Unidos.

Mas a Alemanha não descurou também a sua agricultura e, assim; ela conseguiu resistir a um apertado bloqueio, durante quatro anos, tendo ainda reservas suficientes que lhe permitiam continuar a sua campanha de inverno, se proventura não tivessem terminado as hostilidades.

Melhorando os seus processos de cultura, valorizando os seu terrenos incultos e pouco férteis e restringindo a emigração que então se fazia em grande escala para a América do Norte, a Alemanha conseguiu obter uma colheita de 28 1/2 quintais de sementes de cereal por hectare, quando a França nunca passou de 11 quintais.

A organização do seu ensino agrícola é simplesmente modelar e compreende três graus:

O ensino superior é feito com oito Universidades com laboratórios e institutos anexos onde se estudam todas as sciências acessórias que constituem o curso de agronomia, hoje um dos mais vastos e complexos.

O ensino secundário é cursado em vinte e duas escolas dotadas de todo o material técnico indispensável e o ensino primário em cinquenta e cinco escolas, onde os alunos estudam os primeiros rudimentos de agronomia, completando a sua educação nas chamadas Escolas de Adultos, que são em número de duas mil, espalhadas pelo vasto território do ex-império germânico.

Além dêstes estabelecimentos de ensino, há ainda na Alemanha estações agronómicas, que são verdadeiros campos de investigação scientifica onde se faz a selecção de espécies novas de cereais e onde se estudam as condições climatéricas e telúricas mais propícias à germinação dessas sementes. E só depois de feito o estudo completo dessas espécies de cereais é que as sementes são fornecidas aos agricultores.

Dêste modo compreende-se que se obtenham grandes colheitas e que a agricultura faça verdadeiros progressos.

Das escolas e estações agronómicas, a que me referi, destacam constantemente numerosos professores que vão pelos campos, em missão de estudo, difundir o ensino das principais práticas agrícolas.

A Holanda, Bélgica, Dinamarca e a Inglaterra acompanham mais ou menos a Alemanha nesses progressos.

Na América e na Itália também se faz a vulgarização do ensino agrícola por meio do palestras e demonstrações práticas nos campos.

A França, porém, está bastante atrasada a êste respeito.

O ensino agrícola compreende também três graus:

O ensino superior é feito no Instituto Agronómico.

O ensino secundário nas escolas de Grignon, Montpelier e Rennes e o ensino primário em quarenta e quatro escolas, das quais a de Nancy serve de modelo.

O ensino agrícola em França não tem merecido do Govêrno a atenção que seria para desejar o a isso se deve a relativa inferioridade produtiva do solo francês, não obstante a riqueza dos seus adubos.

A França possui os fosfatos da Algéria e Tunísia, os nitratos da Noruega e as ricas minas de potássio da Alsácia, que

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eram património da Alemanha e hoje são do seu único domínio.

Mas não é só ao atraso da sua agricultura que a França deve a sua escassa produção agrícola.

Ela luta também com uma grande falta í de mão de obra, proveniente do decrescimento da sua população.

E tam sensível é essa falta, que em 1915, quando começou a guerra, á França tinha justamente a mesma população que em 1871, depois de ter perdido 1.500:000 que constituía a população de Alsácia e Lorena.

E depois, com a guerra, mais se acentuou êsse decrescimento, a ponto que a natalidade em Paris, que em 1914 foi de 48:000, baixou a 26:000 em 1916. Hoje a França tem um déficit de 3.000:000 de homens.

Vejamos agora a organização do ensino agrícola em Portugal e o estado da sua população.

Sr. Presidente: a lei fundamental do ensino agrícola no nosso país deve-se a Fontes Pereira de Melo, quando Ministro em 1852, mas em 1791 já havia em Coimbra a cadeira, de agricultara geral e botânica, regida pelo célebre professor Brotero, antes mesmo que em França o a Bélgica se pensasse no ensino agrícola.

Compreendia tambêm três graus o ensino agrícola nesse tempo.

O ensino superior feito no Instituto Agrícola de Lisboa, onde se habilitaram engenheiros agrónomos.

O ensino secundário nas escolas de Lisboa, Évora e Viseu, para regentes agrícolas, e o ensino primário que os agricultores e proprietários particulares se encarregaram de dar aos camponeses, mediante uma gratificação de 400$ que o Estado lhe concedia.

Não tardou, porém, muito que o ensino ficasse limitado ao Instituto Agrícola.

Algumas das escolas não chegaram mesmo a funcionar e os proprietários faltaram ao contrato que haviam feito com o Estado, apesar do seu serviço ser remunerado.

Em 1864, quando Ministro João Crisóstomo de Abreu e Sousa, foi o ensino agrícola melhorado. O curso do" Instituto compreendia treze cadeiras e nele se habilitaram engenheiros agrícolas, sívilcultores, Agrónomos e veterinários.

Criaram-se as Quintas Agrícolas em vários distritos que eram subsidiadas pelo Estado e organizaram-se missões de estudo para propaganda nos campos dos progressos da agricultura.

Pela lei de 2 de Dezembro do 1869 foram extintas as Quintas Agrícolas, as missões de estudo e até umas cadeiras de agricultura elementar, que haviam sido criadas aos liceus, tiveram uma existência efémera em virtude do propósito de realizar uma economia de 40.000$ com a agricultura.

Em 1871 criaram-se os lugares de agrónomos distritais em substituição das Quintas e Escolas Agrícolas, mas os recursos que êsses funcionários tinham eram tam restritos que nunca puderam desempenhar-se cabalmente da sua missão.

A reforma de Emídio Navarro, de 1886, veio colocar o ensino agrícola a par dos progressos realizados nas nações mais civilizadas da Europa. O curso do Instituto ficou sendo de vinte e uma cadeiras. Iniciou-se o ensino da microbiologia, química agrícola, patologia e toxicologia.

Criou-se o Hospital de Medicina Veterinária, a Escola Prática de Coimbra e Santarém e muitas outras escolas.

Dotou-se o ensino agrícola com as verbas necessárias para o seu rápido desenvolvimento.

Mas em 1891 o Sr. João Franco Castelo Branco reduziu a dezassete as cadeiras do Instituto, suprimindo a de mierobiologia, a de química, a de patologia e até separou da Escola Veterinária o hospital que lhe era anexo.

Obedeceu esta sua reforma ao único propósito de realizar economias. Como, porêm, o ensino ficasse muito prejudicado por essa reforma, surgiram várias reclamações dos professores do Instituto e o Sr. Augusto José da Cunha restabeleceu o ensino como estava no tempo de Emídio Navarro, adquirindo ainda a Quinta de Montalegre para os alunos praticarem durante o seu estágio na escola.

Agora o Sr. Fernandes de Oliveira, ex-Ministro da Agricultura, criou as Escolas Móveis Agrícolas pela sua reforma de Maio de 1918, fazendo ver a necessidade de estabelecer muitas dessas escolas para melhor e mais ràpidamente difundir o ensino. Mas como, segundo diz S. Exa., o pessoal é pouco e as nossas condições eco-

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nómicas não permitem grandes despesas, limita, por emquanto, a sua acção à instalação de sete escolas, que são as do Pôrto, Vidago, Tomar, Caldas da Rainha, Beja e Faro.

Em cada uma dessas escolas há dois agrónomos encarregados de promover a difusão de ensino agrícola pelos centros rurais, percorrendo a sua área em missões que durarão cento e oitenta dias por ano.

Ora vejamos como é possível realizar só com seis agrónomos ou mesmo com doze a vulgarização das modernas práticas agrícolas. Compondo-se os dezassete distritos administrativos do país de duzentos e sessenta e quatro concelhos, terá cada agrónomo de percorrer quarenta e quatro concelhos ou vinte e dois, se porventura êsse serviço se desdobra pelos dois agrónomos de cada escola.

Na melhor das hipóteses, cada agrónomo terá de percorrer cada concelho numa semana para poder completar o seu serviço de propaganda no prazo indicado na lei - o que é inteiramente impossível - além disso a zona do Pôrto compreende as províncias de Minho e Douro, que são compostas de sessenta e três concelhos ou sejam 13:500 quilómetros. Levaria anos a percorrer essa zona nessas missões de estudos. Sendo essas lições práticas feitas nas freguesias e havendo no país 3:785 freguesias, Aquando teriam os doze agrónomos completado êsse longo percurso na sua missão de ensino?

Não vejo, pois, vantagem alguma nessa dinamização de ensino agrícola em doses infinitamente pequenas. Melhor seria, instituir, pelo menos, uma escola prática de agricultura em cada distrito, onde se pudesse recrutar pessoal técnico habilitado, que espalhado pelas diferentes localidades da sua área, pusesse em prática os conhecimentos adquiridos na escola e fizesse ver as vantagens dos modernos processos agrícolas.

Dêste modo poderiam obter-se, sem dúvida, colheitas mais abundantes.

Portugal tem apenas 17 a 18 por cento de terrenos incultos, cias susceptíveis de produção, segundo diz o distinto agrónomo, Sr. Júlio Eduardo dos Santos: mas como são aproveitados os terrenos restantes só é sabido que a rotina predomina como sistema geralmente seguido nas principais regiões agrícolas do país?

O nosso agricultor, em geral, não se preocupa com a análise dos seus terrenos. Ou emprega os adubos indistintamente ou deixa à terra o cuidado de fornecer à planta os elementos necessários para o seu desenvimento.

Um país essencialmente agrícola como o nosso, necessita, indiscutivelmente, de agrónomos e regentes agrícolas que se encarreguem da direcção das suas lavouras. Não podemos preocupar-nos com economias quando se trata dum assunto do maior interêsse, como é êste da agricultura, de que depende essencialmente o nosso progresso económico.

Vozes: - Muito bem.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Participo que há já número suficiente para deliberações.

O Sr. Melo Vieira: - Manda para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Vicente de Freitas: - Manda para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Sr. Presidente: como Deputado desejo dar a nota da alta consideração que tenho pelo professorado primário português e do reconhecimento que possuo da justiça que lhe assiste para uma melhoria de situação, mormente quando melhoria já se fez a favor do professorado secundário o superior. Tenho pôr isso a honra de mandar para a Mesa um projecto de lei modificando a tabela de vencimentos dêsse professorado primário.

Mando mais para a Mesa um requerimento, alguns projectos de lei e uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Instrução, que, por simples portaria, servindo rivalidades pessoais, se permitiu contrariar o disposto no artigo duma lei e noutro dum regulamento.

Os projectos de lei que envio para a Mesa, como todos os que já tenho enviado e outros que tenciono enviar, atestam a minha vontade de sinceramente cooperar nos trabalhos da Câmara.

Tendem êles a servir necessidades imediatas do serviço público, com espirito de realidade e não em fantasias inverosímeis. Assim, um tem por fim abrir o crédito necessário para a compra da livraria que

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pertenceu ao antigo professor do extinto curso Curso Superior de Letras e reformador dos estudos secundários, Jaime Monis. Não votaria uma pensão a favor da viúva, que se encontra em circunstâncias difíceis, porque sou contrario a concessão de pensões.

Entendo, porêm, que o Estado pode beneficiar esta senhora e mostrar o seu reconhecimento à memória do professor ilustre, comprando a sua livraria, que é certamente a mais vasta colecção pedagógica, existente no país.

Outro projecto visa a autorizar as Câmaras a legislarem sôbre propriedade particular na medida necessária para regularem a apascentação e entrada de gados nos prédios alheios.

Há frequentes conflitos entre as leis gerais e as posturas municipais, que terminam sempre por negarem os tribunais andamento aos processos originados em disposições de posturas e desta forma não há modo do evitar o punir os estragos dos gados.

Outro projecto refere-se ao Brasil.

Sr. Presidente, outro dia disseram-se aqui palavras de justiça e apreço, que eu apoio, ao Brasil, mas eu entendo que essa simpatia deve produzir mais alguma coisa do que essas palavras, e que se deve traduzir por factos e por isso vou ter o gosto de mandar para a Mesa um projecto que estreitará mais ainda as nossas relações com êsse país.

Existe uma legislação que determina que sejam mandados para a Biblioteca dois exemplares de todas as publicações: com êste projecto torna-se extensivo isso e biblioteca do Rio de Janeiro, determinando-se também que de lá façam o mesmo. Uma bibliografia portuguesa para ser completa não deve ser só de portugueses, também do Brasil, pois que fala a nossa língua.

Finalmente mais ainda dois projectos que considero objecto de justiça.

Pela legislação de 1879 foi criada uma Academia das Sciências, que tem prestado relevantíssimos serviços; é a antiga Academia Ríal das Sciências de que me honro de fazer parte.

Uma outra academia omónima desta fez apreciações que desagradaram a Espanha, com respeito à Conferência da Paz, e a Espanha ferida no seu brio protestou com palavras, contra a antiga Academia, protesto que me maguou como membro dessa alta corporação.

Tenho a honra de mandar para a Mesa o projecto.

O outro é que manda comprar a biblioteca de Jaime Moniz. Jaime Moniz prostrou relevantíssimos serviços à instrução. A sua reforma de 1850 era uma máquina de relojoaria em que não faltava uma peça. Até o saudosíssimo Presidente Dr. Sidónio Pais quis manter as bases dessa reforma.

Para que havemos de ir dar uma pensão à viúva que vive em más condições? Acho que poria muito melhor comprar a livraria de que ela é detentora, e que são 10:000 volumes, principalmente constituída por livros de história sôbre os magnos problemas de educação e ensino. Essa livraria podia ser distribuída pela Biblioteca Pública e pelas Faculdades de Letras de Lisboa e Coimbra.

Portanto, repito, conceder-lho a pensão é um precedente que eu nunca subscreverei.

Agora, Sr. Presidente vou fazer uma rectificação a uma frase que contêm o requerimento que o Sr. Adelino Mendes mandou para a Mesa, na sessão imediata àquela em que se apresentou o Govêrno do Sr. Tamagnini Barbosa.

Devo dizer que há alguns dias já que pedi a palavra mas só agora posso usar dela.

Vou ler à Câmara um recorte dum jornal em que vem um extracto dêsse requerimento.

Leu:

Interrupção do Sr. Adelino Mendes.

O Orador: - Sr. Presidente: devo declarar que só recebo de V. Exa. indicações que me chamem à ordem.

O relatório do inquérito de que se está tratando foi feito pelo Sr. Damião Peres, professor do Liceu de Gil Vicente.

Êsse inquérito foi publicado no Diário do Govêrno n.° 685, da 2.ª série de 1918.

A pessoa que, fez êsse inquérito fê-lo a convite do Sr. Ministro da Instrução, depois dele ter convidado já para fazer êsse inquérito, já para tomar a direcção, várias pessoas, entre elas vários professores da Faculdade de Letras de Lisboa e Coimbra.

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Devo dizer que não pedi êsse lugar, pelo contrário, recusei-o terminantemente, e já por três vezes pedi a demissão.

Tanto da primeira como da segunda foi-me negada a demissão pelo Sr. Presidente da República e até alguns membros do Govêrno foram ao meu gabinete instar comigo para ficar.

A terceira vez foi ontem. Abandonei o lugar porque o Sr. Ministro da Instrução, servindo rivalidades pessoais, pôs o seu despacho ao serviço dessas rivalidades.

Mando para a Mesa uma nota de interpelação e desde já devo dizer que tenho muito, tenho muitíssimo de tratar de casos muito edificantes, porque aquele estabelecimento, no estado em que o encontrei, e no estado que está actualmente, constitui uma das mais características vergonhas nacionais no regime republicano e no regime monárquico.

Se o Sr. Adelino Mendes tinha intenção de magoar-me, fazendo certas insinuações, devo dizer-lhe que não o conseguiu.

Tenho dito.

O Sr. Costa Cabral: - Sr. Presidente: ao falar, pela primeira vez, não quero deixar de cumprir o dever de associar o meu voto aos que de toda a Câmara V. Exa. tem recebido, de congratulação por ver uma figura de tal estrutura moral, numa idade em que a maioria descansa, presidir e guiar os trabalhos da Câmara, figura que a todos se impõe e a mim sugere uma rendida homenagem de admiração.

Sr. Presidente: não sei como a Câmara vai receber, uns projectos minúsculos que vou ter a honra de apresentar à sua apreciação. Dizem respeito a uma cousa bem comesinha na nossa terra: a instrução. Mas, comesinha como é, fraca e débil a minha voz ao pronunciá-la, todos nós, portugueses de hoje a devemos pronunciar e ouvir com a unção e recolhimento com que o árabe celebra a sua oração da tarde.

Não sei se tanto professor ilustre que pertence a esta casa, se tanto parlamentar amigo do seu país lhes darão o seu voto.

O que eu sei, o que eu quero dizer daqui, gritar, aos portugueses mais surdos, aos mais atacados de cegueira, aos mais enfurecidos nas lutas da política, é que ou encaramos de frente o problema da instrução ou viveremos da mercê que o mundo nos quiser dispensar, se assim pudermos continuar a viver. Sim, porque os valores reais duma grande ou duma pequena nação não estão no número, nem na grandeza dos seus canhões, na imensidade dos seus territórios, nem até no formigueiro inexaurível das suas populações, mas na simples valorização dos cérebros que colectivamente nela operam para se impor à consideração geral.

"O poder da Inglaterra - bradava há pouco no Parlamento inglês Mr. Fisher, sem Ministro de Instrução - não está só no braço de ferro das legiões inglesas que se batem fora da Pátria, nem no braço de bronze que realizou a maravilha do bloqueio da marinha britânica, mas no cérebro da mocidade inglesa, que é preciso amoldar, remexer, valorizar, robustecer, para vencer e predominar".

Não há nenhum povo culto que, primeiro que todos os problemas nacionais, absolutamente todos, não ponha, dominando-os, o da instrução.

Não fora a Escola, e a Alemanha, grande e poderosa, não teria resistido um mês ao rebentar de ódios que criou; não fora a Escola, e a Bélgica, pequena o laboriosa, não anteciparia o golpe que salvou a Europa.

Entre nós, não sei como hei de dizê-lo, a vergonha, a vergonha máxima, a vergonha das vergonhas do escalracho do analfabetismo, não só se não extingue como alastra, alastra e cada vez alastra mais.

Vergonha das maiores! Vergonha máxima! E, Sr. Presidente, eu, que abençoei a implantação da República como um regime que apagaria essa nódoa, essa vergonha no mapa da Europa, êsse travão do nosso desenvolvimento, das energias admiráveis da nossa raça, não sei por que infernal propósito do destino tenho visto a instrução de mal a pior, de mal a pior cada momento que decorre.

Sim, com a criação do Ministério da Instrução, a estada neste Ministério de tantas pessoas ilustres, sábias entre as mais sábias, do meu país, inteligentes entre as mais inteligentes, por vezes, mercê de tantos encómios, parece que até atingindo as raias do génio, verdadeiros gé-

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nios da instrução servindo os interêsses do país, a instrução rasteja cada vez mais, o tanto génio parece que é só empregado no afincado propósito de mais a embaralhar, amortecer, destruir êsse caos, essa vergonha que aí se patenteia claramente aos olhos de todos.

Cada vez são menos frequentadas as escolas do pais, e na própria capital, onde o ano passado a frequência à escola primária era diminutíssima, êste ano, pelo que sou informado, diminuiu ainda.

O Sr. Dr. Alfredo do Magalhães, ex-Minintro da Instrução, com um intuito que ainda hoje ninguêm conheço, centralizou todos os serviços administrativos primários a cargo das câmaras municipais, dizendo, prometendo nos seus inflamados discursos que fazia essa centralização para lhe dar um impulso unânime, completo, augusto, com uma tal soma de palavras a justificar a sua obra, que todos pensávamos que desta vez, sim, desta vez tínhamos o Eldorado na instrução primária.

Pois, Sr. Presidente, o professorado está descontente, as câmaras sofreram um vexame injustificado e a instrução primária faz num marasmo, numa sonolência, numa catalepsia de que, só a não acordamos, ela morrerá.

Para corrigir em parto essa centralização, a que se opõem todos os princípios de justiça, de utilidade, de liberdade, de autonomia municipal, que foram sempre o lema de todos os programas da República e de todos os partidas republicanos, apresento um projecto que diz respeito aos municípios de Lisboa, Pôrto e Coimbra, sôbre os quais não podem recair os pretendidos motivos que foram aduzidos para a centralização nos outros municípios: a falta de pagamento aos professores, que, no entanto, continua a não se fazer e para o que chamo a atenção do actual Ministro da Instrução, que decerto não deixará de considerar esta lembrança, visto que S. Exa., o que me apraz registar, tem sôbre o assunto as melhores intenções.

Relativamente a outros pontos, pelos projectos se vêem os seus intuitos, e se, propositadamente, não são antecedidos de longos e justificativos relatórios, de fácil execução aliás, pois de abundância de palavras estamos e devemos estar fartos, creio bem que pelo lado prático convêm que, sejam postos imediatamente em vigor. E talvez nova a sua doutrina, e o português instintivamente tem horror às cousas novas, às cousas práticas, que mais fàcilmente solucionam o assunto; mas encarai-as como entenderdes, que o meu dever, o dever de quem vê o plano inclinado por que descemos, a que unicamente pode dar-se alívio pelo caminho novo da instrução, julgo estar cumprido.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Alberto Mira Mendes: - Sr. Presidente: Pela primeira vez que falo nesta Câmara dirijo a V. Exa., velho republicano de sempre, as minhas mais sinceras e respeitosas saudações.

Lamento que não esteja presente o Sr. Ministro dos Abastecimentos, mas peço ao Sr. Ministro da Marinha a fineza de transmitir ao seu colega as considerações que vou fazer.

O decreto n.° 4:125, do 20 do Abril de 1918, criou os celeiros municipais. Este decreto é da autoria do Sr. Machado dos Santos, e eu entendo que sobretudo depois das modificações que lhe foram introduzidas pelo Sr. Fernandes de Oliveira, ilustre Ministro da Agricultura, êle resolve senão de todo pelo menos em grande parte o problema dos abastecimentos.

Uma das disposições taxativas dêsse decreto é que os produtores de cereais têm de entregar os seus produtos aos celeiros municipais, estabelecendo para aqueles que não cumprirem estas disposições graves penalidades.

O decreto estabelecia também que o Govêrno, de acordo com os governadores civis dos respectivos distritos, abriria os créditos necessários para se criarem êsses celeiros.

Vou referir-me ao distrito de Évora, visto que a êle pertence o círculo por onde fui eleito, e é sem dúvida o mais importante debaixo do ponto de vista cerealífero.

O governador civil de Évora, depois de ouvidos os presidentes dos celeiros municipais, fez saber ao respectivo Ministro que para o distrito de Évora eram necessários 2.300 contos.

A primeira vista é natural que à Câmara cause uma certa impressão falar

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num crédito tam elevado parei os celeiros municipais, mas o que é facto, é que isso nenhum prejuízo representa para o Estado, visto que, como a Câmara sabe, o dinheiro cedido aos celeiros municipais, à medida que forem vendidos os cereais, vão sendo depositados imediatamente nas tesourarias da fazenda pública. Depois de várias démarches feitas por mim, e pelo governador civil de Évora, junto do Sr. Ministro dos Abastecimentos, então o Sr. Cruz Azevedo conseguimos que S. Exa. concedesse para o distrito de Évora um crédito de 500.000$. Desnecessário será dizer que êsse crédito foi ràpidamente absorvido e que a maioria dos produtores não receberam a importância dos seus cereais. Mais tarde, estando novamente com o Sr. Ministro, S. Exa. teve a gentileza de conceder os 1.800.000$ que faltavam. Passou-se mais um mês, e, como a ordem para e inteiro pagamento dêsse crédito não tinha sido dada, dirigi-me ao Sr. Ministro e S. Exa. disse que tinha de me entender com a contabilidade do Ministério do Interior. Fui à contabilidade do Ministério do Interior, e aí disseram-me que os créditos superiores á quantia de 100.000$ eram com o Ministério das Finanças. Fui ao Ministério das Finanças e nesse Ministério, depois de ouvir o chefe da respectiva repartição, foi-me respondido que o Ministério não abonava mais dinheiro ao Ministério dos Abastecimentos, porque êste lhe devia 3:000.000$.

Eu quero crer que S. Exa. tivesse muita razão, mas o facto é que sendo os produtores obrigados a entregar todos os produtos das suas colheitas, ao celeiro não recebem a importância que lhe é devida, e que não é justo.

Fui depois ao Sr. Ministro dos Abastecimentos e S. Exa. prometeu imediatamente que daria essa ordem.

S. Exa. saiu neste momento do gabinete e não pôde assim cumprir a sua promessa.

Peço, pois, ao Sr. Ministro da Marinha para pedir ao Sr. Ministro dos Abastecimentos que quanto antes dê ordem para que êsse crédito seja pago aos celeiros municipais do distrito de Évora. Refiro-me em especial ao distrito de Évora, porque é sem dúvida êsse distrito o mais necessitado. Basta dizer que a maioria dos produtores é constituída por seareiros que vivem exclusivamente das searas. Quando chega a época das colheitas vendem os seus géneros e com o dinheiro que recebem é que satisfazem os seus compromissos e vão fazendo face às suas despesas.

Sr. Presidente, sei dalguns produtores a quem esta falta de pagamento tem causado gravíssimos prejuízos, tendo até mesmo a alguns já sido protestadas letras.

O Sr. Ministro da Marinha (Tito de Morais): - Transmitirei ao meu colega as considerações do Sr. Deputado, êle certamente dará as providências necessárias.

O Orador: - Quero ainda referir-me a outro ponto e para isso tenho de fazer uma declaração e é a de que sou republicano, ruas republicano absolutamente sidonista e que muito me surpreende o aspecto que a política portuguesa vai tomando.

Entendo que neste momento é necessária a união da família portuguesa.

Para que essa união se faça é necessário que haja o respeito mútuo pelas ideas e credos de todos.

Eu, como respeito os dos outros, exijo que respeitem o meu, que é o culto e a veneração pela memória do grande e saudoso Presidente Dr. Sidónio Pais. (Apoiados).

Sr. Presidente: falo neste assunto porque os retratos do grande morto que estavam expostos em vários estabelecimentos desapareceram como que por encanto e se em algum aparece em exposição é êsse estabelecimento assaltado e o retrato espesinhado e queimado, parecendo ser um crime possuir o retrato do que foi o maior homem da política portuguesa, pois que outro maior não conheço na nossa história.

As cozinhas 5 de Dezembro, essa grande obra que só por si bastaria para o imortalizar, são assaltadas e até hoje, que me conste, o Govêrno não tomou providências algumas para castigar os criminosos.

Assim não se poderá conseguir essa decantada união.

No distrito de Évora quási que a única

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facção política que governa é a democrática.

Era governador civil o major José Marcelino Carrilho, republicano de sempre e um dos revolucionários de 31 de Janeiro; pois os chamados republicanos históricos de tudo lançaram mão, sem a mais leve consideração por aquele funcionário, sob pretexto da defesa da República, quando nós, sidonistas, somos tanto ou mais capazes de a defender do que êles.

Vou citar, para exemplo do que se passa, um facto que se deu em Viana do Alentejo. Era administrador do concelho o Sr. Júlio Ferrão, republicano do sem pré, aliadófilo convicto, que, quando rebentou a guerra da França com a Alemanha, partiu a pé para França a encorporar-se na legião estrangeira; mas, Sr. Presidente, apesar de todas estas qualidades, tem um grande defeito, é sidonista, e tanto assim é, que há dias foi expulso dêsse concelho, tendo de se defender a tiro. Actualmente está à fronte da administração o chefe democrático local.

Muito mais tinha a dizer, mas sou o primeiro a reconhecer que o momento não é oportuno, o se fui tam longe nas minhas considerações é porque à minha consciência do homem livre repugnam tais factos.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei esclarecendo a lei de 23 de Julho de 1912.

Tenho dito.

O Sr. Almeida Pires: - Sr. Presidente: no outro dia pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra ou o Sr. Presidente do Ministério, mas S. Exas. não apareceram.

Como o assunto não se compadece com demoras e está presente o Sr. Ministro da Marinha, peço a S. Exa. que comunique aos seus colegas as considerações que vou fazer.

Ante-ontem a Câmara dos Deputados espanhola, apreciando os acontecimentos que se estão desenrolando no nosso país e os manejos traiçoeiros e vis a que os revoltosos monárquicos se entregam na nação vizinha, pretendendo montar ali o seu campo de operações, à semelhança do que lhes sucedeu por ocasião das incursões couceiristas, fez uma saudação à República Portuguesa, com a declaração expressa de que as instituições republicanas são as únicas vigentes em Portugal e só a estas o Govêrno da Espanha devia reconhecer.

Mais uma vez a nação irmã, pela voz dos seus representantes, nos deu uma demonstração do seu afecto e amizade, à qual se associou o Sr. Conde de Romanones, como chefe do Govêrno espanhol. - Nesta ordem de considerações, houve um Deputado que apresentou uma moção, que foi aprovada por unanimidade.

O Parlamento Português ou, melhor, a Câmara dos Deputados, visto que apenas nela estamos faiando, não pode ficar indiferente perante essa prova de solidariedade e simpatia, pôsto represente uma obra de justiça. Assim, vou enviar para a Mesa uma moção que me parece interpreta o sentir de toda a Câmara, redigida nos seguintes termos:

Moção

A Câmara dos Deputados saúda a sua similar espanhola pela atitude digna que assumiu em face dos manejos dos monárquicos portugueses. - Almeida Pires.

Como estou no uso da palavra, desejo chamar a atenção do Govêrno para os manejos dos revoltosos monárquicos em Espanha e para a campanha vil que vários jornais espanhóis, a soldo dos mesmos revoltosos, estão fazendo.

A par de vária imprensa que diz unicamente a verdade sôbre os acontecimentos que se estão desenrolando no nosso país, outra há que apenas publica notícias fantásticas, absolutamente falsas, que muito podem prejudicar as operações a que se está procedendo no norte, tanto mais que de Aveiro para cima só são conhecidas as notícias que os monárquicos preferem espalhar e tornar conhecidas.

Chamo, pois. a atenção do Govêrno para êste importante assunto, a fim do que o Sr. Presidente do Ministério ou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros façam ver ao nosso representante em Madrid que é indispensável que se vá além de notas oficiosas e lacónicas. (Apoiados).

Se fôr necessário, desde que se estão gastando tantos milhares descontos com

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a defesa da República, é justo que a Espanha se envie uma missão, composta de jornalistas ou homens de letras, republicanos, que restabeleça a verdade, só com a verdade, porque nós, republicanos, não pretendemos que lá fora se levantem aleives proferidos por nós, deixando isso aos revoltosos monárquicos, que só da mentira e da traição têm vivido.

Há ainda um outro assunto a que me desejo referir.

Pela linha divisionária do norte, na Galiza, estão entrando e saindo livremente revolucionários monárquicos, ninguém sabendo quem passa os seus passaportes, nem como podem transpor a fronteira sem que da parte das autoridades espanholas lhes seja levantado qualquer entrave.

Pelos jornais de hoje vejo que o Sr. Presidente do Govêrno Espanhol disse no Parlamento que tinha dado ordens terminantes para que as autoridades galegas não permitissem tais abusos, tendo dito também o Sr. Conde de Romanones que as únicas instituições vigentes em Portugal são as republicanas, sendo o Govêrno republicano o único que S. Exa. reconhece.

Sendo assim, Sr. Presidente, ou há cumplicidade por parte das autoridades espanholas, não cumprindo as ordens do Sr. Conde de Romanones, ou um poder oculto que anula a acção e livre vontade dessas autoridades.

Para êstes factos peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério, a fim de que S. Exa. por sua vez, para êles chame a atenção do Govêrno Espanhol.

Também - e permita-me V. Exa. que eu fale sôbre diversos assuntos para não ter de voltar a pedir a palavra - desejo aludir às referências ultimamente feitas em diversos jornais sôbre a atitude dos alunos da Escola de Guerra.

Diz-se que unicamente quarenta e tantos alunos daquela escola se apresentaram a defender a República e que todos os outros ou foram licenciados, ou foram colocados em comissões tais que representam verdadeiras benesses.

Não compreendo, nem admito, que o exército pertença a qualquer partido, ou facção política.

Deve, porém, ser republicano, e só republicano.

Deve respeitar e defender, sem hesitações, a bandeira verde-rubra, e o seu ideal deve ser a Pátria e a República.

Nada mais.

Se é verdade o que os jornais referem-se na Escola de Guerra se deram casos que poderei classificar de neutralidade, para não lhes chamar cousa pior, é indispensável que tais manifestações sejam esmagadas à nascença.

Não se admite que êstes indivíduos iniciem a sua vida militar com manifestações de desagrado à República.

Ou é verdadeiro o que se diz, e então o Govêrno deve tornar enérgicas providências, ou não passa duma fantasia e o Govêrno fará o necessário desmentido para que o país saiba o que se passou.

É indispensável que o país seja informado sôbre a veracidade do que os jornais afirmam.

Sr. Presidente: desejava ainda referir-me às comunicações com o norte do país; preferiria porém abordar êsse assunto em presença dos Srs. Ministro da Guerra e Ministro do Comércio, por cujas pastas êsses serviços correm, mas S. Exas. não estão presentes, e o Sr. Ministro da Marinha, que assiste à sessão, fará o obséquio de comunicar aos seus colegas as minhas considerações.

Ao norte do Douro há ainda um distrito e parte doutro, em poder das forças monárquicas, refiro-me ao distrito de Bragança e parte do distrito de Vila Rial; as comunicações com êstes distritos, tanto postais como telegráficas, fazem-se pela via Pôrto; por consequência aqueles distritos estão actualmente isolados de Lisboa e desconhecem o que aqui se passa.

Não é conveniente que as autoridades estejam por muito tempo recebendo só as notícias falsas que os monárquicos ali espalham, porque assim essas autoridades têm de despender maior esfôrço e energia para conter quaisquer monárquicos que lá existam e outras pode haver que, sentindo-se desamparadas e sem auxílio, abandonem os seus postos.

Acho necessário e mesmo indispensável que o Govêrno, aproveitando a linha da Beira Alta, faça êste serviço com automóveis que levem àquele ponto, não digo já a correspondência particular, mas a correspondência oficial e os jornais, para que todos fiquem ao corrente do que aqui se passa, o sobretudo sabendo que a Repú-

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blica está firme no seu pôsto, e continua indistrutível.

Agradecerei ao Sr. Ministro da Marinha qualquer resposta que S. Exa. me possa dar, informando assim a Câmara e portanto o país, transmitindo aos seus colegas aquelas considerações a que não possa responder.

Termino mandando para a Mesa a minha moção.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Entra na sala o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério (José Relvas): - Acabo de ser informado pelo Sr. Ministro da Marinha das considerações feitas pelo ilustre Deputado o Sr. Almeida Pires e, tomando a palavra, devo dizer que, como todos nós, tive também conhecimento pela imprensa da moção apresentada no Parlamento Espanhol pelo partido republicano daquele país, e que foi ali acolhida pelo Sr. Conde de Romanones e por todos os partidos com urna votação favorável sem discrepância de ninguêm.

Êste facto tem uma alta significação, e se bom que deva haver quem nesta sala possa apreciar o facto perfeitamente, eu, pela situação especial de ter representado Portugal em 1912, quando os monárquicos portugueses procuraram realizar e realizaram uma incursão conhecida pelo movimento de Chaves, posso melhor interpretar o que êste lacto representa. Quando estava investido nas funções de diplomata português em Madrid, diligenciei, empreguei todos os meus esfôrços no sentido de conseguir alguma cousa parecida com o que acaba agora de se realizar e que representa uma situação inegavelmente melhor, e creio que esta declaração causará muito prazer à Câmara, porque a moção apresentada no Parlamento Espanhol teve a aceitação unânime daquele Parlamento, e assim temos a certeza que hoje em Espanha não têm nenhuma espécie de apoio os revoltosos monárquicos.

Entretanto, não nos iludamos sôbre a possibilidade do que, dentro de Espanha, determinados elementos que são contrários à República Portuguesa, mas que são por igual contrários à monarquia espanhola, pretenderão fazer tudo quanto puderem a favor dos monárquicos do Pôrto.

A missão dos cônsules na fronteira há-de visar apenas a que nem subsistências, nem munições, nem quaisquer outros meios possam ser dispensados aos revoltosos.

Suponho que as minhas aplicações terão satisfeito o Sr. Almeida Pires, a quem não tive o prazer de ouvir, mas de cujas palavras o meu ilustre colega da Marinha me informou.

O Sr. Marcolino Pires: - Acrescentei ainda que o que só tornava necessário era que as autoridades galegas não continuassem a dar tantas liberdades aos revoltosos do Norte, que entram e saem de Espanha, quando querem.

O Orador: - Mas veja V. Exa. que as declarações do Sr. Conde de Romanones têm um significado muito especial. Não sei se V. Exa. reparou. O Sr. Presidente do Govêrno Espanhol termina o seu discurso lamentando a situação do interinidade do representante de Portugal em Espanha.

Êsse facto devo notar que se é considerado grave pelo espírito do Sr. Romanones, e é tambêm no espírito do Govêrno a que tenho a honra de presidir. Logo que fui encarregado de formar o actual Ministério uma das minhas primeiras preocupações foi a representação de Portugal em Espanha. Comecei desde logo a trajar de fazer ocupar o mais depressa possível aquele cargo, assunto que deve estar resolvido dentro em breve.

O Govêrno Espanhol tem conhecimento de que alguns jornais, principalmente aqueles afectos aos reaccionários, desenvolvem uma campanha favorável aos revoltosos do Norte. Não tenho acompanhado a leitura dêsses jornais, mas, segundo informações que possuo, sei que têm publicado os maiores impropérios contra Portugal.

O Sr. Almeida Pires: - Era absolutamente necessário que republicanos lá fossem e restabelecessem a verdade dos factos.

O Orador: - Logo que a legação portuguesa em Madrid estiver funcionando regularmente, tratará de coordenar todas as informações que devem ser entregues

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ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para êste, por seu turno as comunicar, a todos os representantes de Portugal no estrangeiro, que as farão publicar nos jornais, com a nota de - a legação de Portugal em Madrid pede-nos a publicação do seguinte. Considero êste assunto da maior importância.

Relativamente à concessão de passaportes a indivíduos que desejam sair para, fora do país, devo dizer que essa concessão passou, a estar debaixo da minha imediata inspecção. Não concedo passaportes senão a pessoas que justifiquem os motivos, que as levem a sair de Portugal e todas aquelas que possam tornar-se suspeitas hão de ser abonadas por republicanos para que lhes possa ser posto o visto nos passaportes.

Com relação à conduta dos alunos da Escola de Guerra transmitirei ao meu colega da Guerra as considerações de S. Exa.

Quanto ao estabelecimento das comunicações telegráficas e postais na parte do norte que está em poder dos revoltosos, devo dizer a S. Exa, que eram dadas ordens para que se estabeleçam todas as comunicações independentemente de quaisquer formalidades.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para preguntar ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior se, depois dos factos ocorridos ontem no Senado, os quais constam da imprensa periódica, em que um Sr. Senador, leu à Câmara vários documentos autênticos ou cópia de depoimentos, prestados na policia inter-aliada, S. Exa. continua a manter a sua confiança no funcionário que dirige ossos serviços.

O Sr. José Relvas (Presidente do Ministério o Ministro do Interior): - Não tenho conhecimento dos documentos que foram ontem lidos no Senado.

Com efeito, surpreendeu-me muito que se fizesse a leitura dêsses documentos.

Quanto às responsabilidades que nisso possa haver e quanto ao procedimento que tenha de se seguir, compreende S. Exa. que não posso, neste momento, ser mais explícito.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Mas V. Exa. tem confiança nesse funcionário?

O Orador: - E preciso esclarecer. Eu quero que as minhas palavras tenham a interpretação devida.

Se fôr o Sr. Moitinho o responsável, será a êsse senhor que sê exigirá a responsabilidade.

Não estou resolvida neste lugar a permitir que responsabilidade seja uma palavra vã.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Pires: - Requeiro a urgência para a votação da minha moção.

Foi lida na Mesa, admitida e aprovada por unanimidade.

O Sr. Adelino Mendes: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente,, que me informe se está sôbre a Mesa um projecto vindo do Senado; sôbre contagem de faltas.

O Sr. Presidente: - Está, sim senhor.

O Sr. Adelino Mendes: - Peço para a discussão dêsse projecto a urgência e dispensar do Regimento.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto para o qual o Sr. Adelino Mendes pede a urgência e dispensa do Regimento.

Foi lido na Mesa.

Seguidamente foi reprovada a urgência e a dispensa do Regimento.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se um projecto relativo à constituição dos quadros doa oficiais coloniais e sua promoção, para o qual foi pedida a urgência.

Foi lida na Mesa e aprovada a urgência por contraprova.

O Sr. Presidente: - Porque na altura da leitura do expediente não havia número para deliberar, vão ser lidos dois ofícios que estão sôbre a Mesa, pôs quais os Srs. Deputados que os subscrevem pedem uma licença.

Foi lido o do Sr. Pedro Botelho Neves. A Câmara concedeu a licença.

Leu-se em seguida, o do Sr. João das Neves Lial. A Câmara negou a licença.

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ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.

Eram 17 horas e 5 minutos.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 3.° do projecto de lei n.° 21 para ser submetido à votação.

Foi lido e aprovado.

O Sr. Presidente: - Segue-se o artigo 4.° Vai ler-se.

Foi lido na Mesa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: a discussão deve seguir pela ordem dos artigos e seus parágrafos. Não se fazendo assim sucede o que agora se dá, isto é, prejudica-se a discussão.

Vejamos: há o § único do artigo 2.° que não foi discutido. Como discutir os artigos seguintes àquele?

Êste parágrafo, introduzido pela comissão do finanças, diz:

Leu.

Não podemos discutir outros artigos som apreciarmos êste parágrafo.

Por isso desejo que se discuta o § único do artigo 2.° antes de se discutir o artigo 4.°

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o § único do artigo 2.°

Foi lido na Mesa e entrou em discussão por deliberação da Câmara.

O Sr. Afonso Maldonado: - Parece-me que a discussão dêste projecto não pode ser feita com a pressa que tem havido.

O § único do artigo 2.° define o que seja um mutilado da guerra.

Creio que sôbre êste assunto tenho alguma competência para falar, dada a minha qualidade de médico militar.

Num simples parágrafo não se podem abranger todos os mutilados.

Assim a doutrina do artigo 2.° vai estabelecer uma pensão para qualquer mutilado, o que para qualquer praça ou oficial equivale à totalidade dos vencimentos em campanha.

Ora eu creio que o mutilado a quem falte um simples dedo fica com o direito de receber todos êstes vencimentos. Para que a Câmara faça um juízo mais seguro do que isto é direi que um capitão a quem falte um dedo ficará com uma pensão de 250?$.

Não sei, francamente, em que condições estará o Tesouro português para dar pensões como esta.

Nestes termos, Sr. Presidente, eu proponho que êste parágrafo seja substituído-nos seguintes termos:

Leu.

É necessário estabelecer graduações para mutilados, mas essas graduações só se podem definir com clareza num regulamento, não apenas num simples artigo de lei e por isso entendo que se deve acrescentar ao projecto mais um artigo em que o Sr. Secretário do Estado da Guerra, fique autorizado a publicar em regulamento disposições tendentes a estabelecer os graus do mutilação. Só assim se poderá fazer a devida justiça. Para os grandes mutilados, para aqueles que se encontram completamente impossibilitados de ganhar subsistências, para êsses é justo que o país lhe de todos os venci mentos que tinham à data da sua mutilação...

Há outros mutilados que eu poderia classificar em segundo grau: são aqueles que tendo perdido um órgão de certa importância não estão comtudo absolutamente incapazes de ganhar a vida.

Por exemplo: uma praça ou oficial que perdesse um olho; neste caso ficaria classificado em segundo grau.

Muita gente há que se governa muito bem com um olho apenas, melhor do que outra com dois, e, todavia, se, como determina o § único, se submeter a uma junta médica um mutilado que perdeu um olho e se preguntar a qualquer dos membros dessa junta se porventura êsse homem é um mutilado, a resposta será afirmativa.

Há ainda outros mutilados que unicamente perderam um órgão de importância secundária, por exemplo, um dedo da mão ou do pé, uma parte da pele, que sofreu uma cicatriz aderente, que têm os movimentos limitados e que, contudo, angariam com facilidade os meios de subsistência.

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Nestes casos, ficariam bem no terceiro grau, com uma pensão nunca igual à do primeiro ou do segundo.

Isto é que é justo e que me parece dever merecer a atenção da Câmara para que a votação que incidir sôbre êste parágrafo assente em bases equitativas.

Não tive tempo de redigir a emenda que desejo propor. Peço, no entanto, à Câmara que me releve a falta e me permita redigi-la no fim para depois a poder mandar para a Mesa.

Tenho dito.

O Sr. Almeida Pires: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para fazer algumas considerações sôbre o parágrafo do artigo 2.º, não podendo, porem, deixar de me referir ao corpo do artigo, visto que com o parágrafo tem correlação.

Diz o artigo 2.°:

Leu.

E no parágrafo define-se o que seja mutilado.

Compreende V. Exa. que, na realidade, como bem acentuou o Sr. Maldonado, há mutilados que ficaram em más condições o outros que, tendo sofrido uma mutilação, apesar disso as suas aptidões físicas ainda lhes permitem angariar meios de vida.

Nestas circunstâncias, entendo dever haver diferença de vencimentos, conforme os graus de incapacidade. O mutilado para sempre inutilizado deve receber por completo; o que, por exemplo, ficou em condições de apenas em determinados empregos poder obter meios de subsistência deve receber menos, como menos ainda deve receber o que ficou com maiores faculdades para os angariar.

Assim, Sr. Presidente, como já não posso fazer uma emenda ao artigo 2.°, visto achar-se votado, mando para a Mesa um aditamento substituindo o parágrafo em discussão, e também um § 2.°

Creio que assim o assunto fica devidamente esclarecido.

§ 2.° do artigo 2.°:

§ 2.° Os vencimentos aos mutilados de guerra a que faz referência êste artigo serão proporcionais ao grau de mutilação, servindo de base a totalidade dêsses vencimentos para com os absolutamente incapazes de angariar os meios de subsistência. - Almeida Pires.

Aprovado.

O orador não reviu.

O Sr. Afonso Maldonado: - Não mando para a Mesa a minha emenda, visto que seria em termos idênticos à do Sr. Almeida Pires.

O Sr. Ponces de Carvalho: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, porque também entendo que não se pode estabelecer o mesmo vencimento para todos os mutilados.

Creio bem que nos poderíamos guiar, a êste respeito, pela lei de acidentes de trabalho do Sr. Estêvão de Vasconcelos, que é completa.

O Sr. Almeida Pires apresentou uma emenda que talvez elucide o que é necessário. Em todo o caso, vejo dificuldades em se saber qual o vencimento que deve ter um mutilado que tenha perdido um membro e outro que tenha sofrido lesão em qualquer órgão do aparelho visual ou auditivo. Há diferenças consideráveis e talvez nos pudessem esclarecer convenientemente a lei de acidentes a que me referi.

O orador não reviu.

O Sr. Melo Vieira: - Tenho a dizer aos ilustres Deputados que acabaram de falar que a comissão aceita todas as emendas que tinham por fim esclarecer o projecto.

O Sr. Maldonado não tem absolutamente razão alguma, dizendo que esta discussão se faz com pressa, pois o projecto está em discussão desde o dia 2 de Dezembro, tem tido dois meses para ser discutido - e não me parece que isto seja pressa!

Pela leitura do corpo do artigo 2.° vê-se que a intenção da comissão é esta: vencimento não é subvenção de campanha, nem ajudas de custo. E preciso que isto fique esclarecido, para que não haja dúvidas.

O Sr. Almeida Pires: - Nós aceitamos a emenda.

O Orador: - Então mando para a Mesa a minha emenda.

Leu-se a emenda do Sr. Almeida Pires, e foi admitida.

Não foi aceite na Mesa a emenda do Sr. Melo Vieira.

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O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Eu entendo que êste projecto deve baixar à comissão, para ser refundido.

Vou mandar para a Mesa um requerimento neste sentido:

Requeiro que o projecto n.° 21 em discussão baixe à comissão de guerra, a fim de lhe introduzir as modificações que o mesmo reclama. - O Deputado, Joaquim Crisóstomo.

Para a Secretaria.

Rejeitado.

O Sr. Melo Vieira: - Repito, a comissão aceita todas as indicações para que o projecto seja melhorado.

Em todo o caso para não irritar susceptibilidades mando uma outra substituição. E um § único, que diz:

Substituição ao artigo 2.°:

Onde está a palavra "vencimentos" escrever "soldo da patente ou pré". - J. de Melo Vieira.

Não foi admitida.

Leu-se na Mesa o requerimento do Sr. Joaquim Crisóstomo e foi rejeitado.

Leu-se e foi admitido o aditamento do Sr. Melo Vieira.

Foi aprovado o aditamento do Sr. Almeida Pires, aditamento que ficou sendo o § 2.º do artigo 3.°

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.°

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: eu acho a doutrina dêste artigo dum favoritismo exageradíssimo, atentas as condições latitudinárias em que se encontra redigido.

Não sei como possam ser dispensados de cursos técnicos e de exercícios de repetição oficiais do exército pela simples circunstância de terem feito serviço no Corpo Expedicionário Português.

Desconheço as intenções que presidiram à elaboração do projecto que se discute, mas os seus termos vagos podem levar á conclusão de que se pretendeu criar uma situação privilegiada para os militares do Corpo Expedicionário Português, porque há muita gente que se convence de que o facto deles terem tomado parte nas operações militares lhes permite gozar prerrogativas e imunidades excepcionais (Apoiados).

É preciso que sejamos justos e razoáveis. Êsses indivíduos que foram coagidos a combater por uma causa, demais a mais justíssima, julgam-se com direitos superiores. Não deve ser assim.

A maioria dos nossos militares lutou não por sua livre e expontânea vontade, mas sim porque um Govêrno democrático e patriota os obrigou a isso. E, portanto, dum egoismo inexcedível a atitude dos que, por se haverem sacrificado pela Pátria, se consideram senhores feudais do país.

Todos os que combateram merecem, sem dúvida, a nossa consideração, entretanto não os devemos nem podemos elevar à categoria de apóstolos ou de representantes na terra do poder supremo. Outros tempos, outros costumes.

Nas épocas primitivas das sociedades, os guerreiros desempenhavam um papel primacial, pela sua acção decisiva na vida dos povos. Hoje tudo mudou de aspecto.

Na actualidade, embora acidentalmente houvesse a conflagração europeia, que todos lamentamos, caminha-se para a fraternização, e neste campo não se admitem teorias de tal natureza.

Se nós estivéssemos na fase intensa das hostilidades podia explicar-se a doutrina do preceito que se discute.

Agora não. Depois de ter terminado a guerra não se tolera uma excepção tam descabida a favor dos oficiais do Corpo Expedicionário Português.

Eu, porque sou profundamente radical e acentuadamente democrata, indigno-me sempre que vejo qualquer Govêrno, ou Parlamento, decretar medidas tendentes a estabelecer privilégios, distinções ou imunidades com o fim de premiar serviços prestados em virtude de determinação da lei.

Evidentemente há-de haver muitos militares que foram aos campos de batalha e que se portaram heroicamente, quer desempenhando com proficiência as suas funções militares, quer dando provas de coragem, de abnegação e de valor. Para êsses seria justa a, promoção ao pôsto imediatamente superior, sem mais formalidades, mas, Sr. Presidente, isto decretado por uma forma genérica pode dar lugar a muitas iniqúidades.

Desde que não se faz a menor distinção no artigo em discussão, beneficiam da

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dispensa das escolas de recrutas, de repetição o dos cursos técnicos os oficiais valorosos em ainda os menos hábeis e sabedores.

Trocam-se apartes.

Sr. Presidente: o calor que se tem tomado na discussão dêste projecto denota qualquer causa ou motivo de carácter pessoal. Noto que há um interêsse especial em fazê-lo passar.

Não entro na psicologia do caso por que não sou psicólogo, mas vejo perfeitamente que se congraçam elementos, talvez hecterogéneos, para transformar essa lei em diploma, que favorece uma classe largamente representada no Parlamento.

As minhas considerações hão terão calado bem no espírito dalguns dos meus colegas nesta Câmara, todavia o que é verdade é que, no final da última sessão, alguns Srs. Senadores se me dirigiram dizendo: poderão os seus colegas não tomar em conta as suas observações, mas lá estamos nós para não deixar passar o projecto, porque a maior parte das suas disposições não merecem a nossa aprovação.

Trocam-se apartes.

Quando se trata dum assunto da natureza do que se discute, a classe militar tem a pretensão de monopolizar toda a sciência. Vive nas regiões da fantasia e da quimera, supondo-se possuidora da verdade absoluta. Admito a hipótese, dum leigo em matéria de organização militar, como eu, fazer afirmações e sustentar doutrinas que não correspondam precisamente à técnica dêsse ramo de conhecimentos humanos, mas ressalvo sempre o aspecto jurídico, que constitui, nesta assemblea legislativa, a base de toda a discussão. Aqui dentro não há especialistas.

Uma voz: - Mas o jurídico é a confusão.

Trocam-se outros apartes.

O Orador: - Creio bem que a Câmara sem esfôrço de inteligência reconhecerá que nos termos em que êste artigo está redigido se cria uma situação pouco compatível com o alto prestígio que devem ter os oficiais do Corpo Espedicionário Português, tornando-os além disso alvo das atenções dos seus colegas.

No referido Corpo Espedicionário Português há sem dúvida oficiais muito distintos, notáveis e sabedores, aos quaia será absolutamente justo e razoável a dispensa de cursos técnicos e das escolas de recrutas e de repetição, mas outras haverá igualmente de menos valor e competência para quem tais escolas e cursor representa uma imperiosa necessidade.

O preceito que se discute não pode ter outra aplicação, que não seja aos oficiais que, com distinção, serviram na zona de operações pelo menos durante seis meses.

Alguns briosos e valentes militares, a quem o projecto de lei favoreceu, entendem que não devem ser promovidos ao pôsto imediatamente superior, independentemente dos cursos técnicos.

Esta é a verdade, a única doutrina aceitável, de harmonia com os interesse", do próprio exército que deve manter-se unido, disciplinado e obediente às leis da República.

O Sr. Mendes de Magalhães: - Respondendo ao Sr. Joaquim Crisóstomo, dirá apenas que, com respeito ao suposto privilégio de que S. Exa. falou, essa idea deve estar desfeita. S. Exa. parece também ignorar, embora diga conhecer a questão técnica, que em Portugal se dispensou tudo quanto era preciso para se ser promovido ao pôsto imediato.

Sucedeu até que oficiais capitães são promovidos a majores e só depois de terem êsse pôsto é que vão fazer o exame.

Também S. Exa. se referiu a outra questão, fazendo insinuações aos oficiais, do Corpo Expedicionário Português.

A isso não quere o orador referir-se apenas dirá que êles sofreram muito e souberam cumprir os seus deveres.

O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: é necessário que previamente concordemos todos num facto verdadeiro.

Estamos discutindo, militares e paisanos, êste assunto militar ex aequo et bono, que é como quem diz, falando vernáculo, em família.

E, porque somos poucos, menos que os precisos em face do Regimento, qualquer de mas tem na sua mão suspender a dis-

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cussão se ela lhe não convier, e se nós todos concordarmos em que deliberações se tomem, fazemo-lo por partir do reconhecimento da boa fé existente não só naqueles que connosco concordam, mas também nos que discordam.

Eu, neste debate com intervenção de militares e paisanos, sem melindres para o exército, vou mais pela imparcialidade dos civis, porque os representantes do exército, interessados na causa, são juizes no seu próprio processo.

Eu como civil defendo na parto económica do projecto a decantada, sagrada, sempre mal tratada algibeira do contribuinte, mas os militares defendem, e por isso não merecem censura, o seu próprio interêsse.

Por mim falo; e ninguém leva mais lonje do que eu a consideração e respeito pela classe militar. Assim procedo e até mesmo por motivos sentimentais, familiares - meu pai foi militar.

Ainda conservo cuidadosamente arrecadada, como relíquia confiada a meu filial respeito, e espada do meu pai.

Foi soldado meu pai, disciplinador e principalmente disciplinado; para esquecer a sua qualidade de soldado, não lhe serviram os galões.

E se não fez longa carreira no continente foi porque em África trabalhou, no serviço e proveito da sua pátria; não a pôde servir no continente, salvando-a com revoluções ou golpes de Estado.

Sempre com respeito e carinho lhe ouvi falar do exército; através das suas palavras mo habituei a respeitá-lo e querê-lo, como honrado e obediente defensor da independência, nacional.

Apesar de vestir uma farda, meu pai não tratava com excessos de carinho os seus companheiros de armas quando os via - e por vezes sucede - pedir retribuições especiais, pelo desempenho dos seus deveres de honra, dos seus cargos de serviço.

Os oficiais do exército, dizia êle e digo eu, existem para se bater pela Pátria; quando só batem cumprem o seu dever de militares, por isso o País lhes paga em tempo de paz, por isso vestem uma farda recamada de ouro fuzilante de estrelas, iluminada de azuis. É assim. O militar que em tempo de paz descansa, folgadamente, em capuana paz, cumpre na guerra, e só nesta, o seu verdadeiro o seu glorioso dever, não tem direito de reclamar por isso recompensas, galardões especiais e muito menos recompensas de carácter material.

Os serviços naturalmente indicados aos soldados são os que a Pátria lhe exige em tempo de guerra. São seu dever.

O militar não é mero empregado público destinado a escrever minuciosos papéis nas secretarias dos quartéis ou verificar na parada o número de botões que os soldados tem na farda, e a quantidade do feijões que existem nas latas do rancho.

Isto é útil, Sr. Presidente, mas não é o trabalho e fim exclusivo e principal da função militar.

É bela, nobre, decorativa a alta profissão do oficial do exército, por isso todos nós as respeitamos.

O prestígio do militar mais se revela, quando volta, vencedor do combate que o seu dever lho impôs e, coberto do glórias, embainha modestamente a espada para o combate de amanhã, e aguardando-o fica em posição de sentido permito a Pátria, em vez de estender a mão à paga da sua glória. E esta a minha forma de ver que se me afigura um tanto ou quanto lógica.

Isto não quer dizer que eu não concorde em princípio com as justas compensações que a Pátria e todos nós devemos ao militar, se o seu sacrifício fôr demasiadamente longo, se chegou ao sofrimento físico, e à família daqueles cujo esfôrço os levou ao supremo sacrifício.

Para êsses, as medalhas, os galardões platónicos muitas vezes bastam; enchem as medalhas de brilho é de alegria o peito dum rapaz do vinte anos, alferes ou tenente, porque sentem que o rútilo esplendor que trazem ligado ao coração, atrai o olhar carinhoso das mulheres, a admiração dos camaradas e civis. Isto é humano e por isso com estas recompensas que dão alegria ao portador, e não custam grande sacrifício, concordo.

Medalhas quantas apareçam são poucas, nomes de distinção e de destaque quantos lhes apeteçam aos nossos heróis devem dar-se que os merecem. Mas tudo quanto seja para esta nossa pobre terra, de pobres pedintes comprometidos em endividados, em recompensas monetárias,

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deve ser negado quando pedido seja, Cruzes laureadas em pensão, promoções, agregação aos quadros, reprovo, reprovo, reprovo.

Afigura-se-me que se chegarmos a conceder recompensas materiais, devemos ter primeiro em atenção os grandes; o& verdadeiros, os desgraçados, sacrificados desta guerra: os civis militarizados, os milicianos.

Um primo meu, muito próximo, rapaz novo, que exercia a profissão de advogado em Lisboa, foi convocado, logo no princípio da mobilização, para miliciano.

Marchou para França, por mandou nas trincheiras, oiça-se bem: nas trincheiras, aproximadamente afio e meio sem relevo e sem descanso.

Ao fim dêsse longo tempo volta para Portugal e forçaram-no a despir a farda que vinha suja, não de vergonha, mas da lama honrosa das trincheiras; e, procurando, na volta, a clientela que o Estado lhe arrebatara, toda, como é natural, se havia desfeito, desaparecera.

Êste miliciano é um grande, um verdadeiro sacrificado da guerra. Em tempo de paz ganhara tranquilamente o seu pão. Foram-no chamar para o trabalho da guerra e, cumprido êsse trabalho de supremo perigo, desempenhando com honra o seu dever militar, volta sem outra glória e proveito que não seja uma pobre cruz de ferro...

Perdeu sua clientela, seu ganha pão. Tem uma cruz. Trá-la ao peito...

Tenho a dolorosa impressão de que temos sida faltos de memória, para êsses que correram um supremo risco pelo prestígio da nossa bandeira, pela defesa da nossa Pátria. Para êles deveria haver um pouco mais de atenção. Por mim, tenho algum receio de falar assim, e cumpro êste dever com algum melindre. Dirão S. Exas. que sou parte suspeita, porque sou civil, "paisano" diz a tropa. Se para resolver assuntos militares, os técnicos melhor conhecem as cousas práticas, os paisanos conhecem melhor as cousas justas; não obedecem a um preconceito de classe, não estão viciados por êle.

Esta grande e assoladora guerra, a meu ver, numa nação pobre como a nossa, teve e tem um perigo. Quando se tratou de alargar os quadros militares, para fazer um exército grande que não tínhamos, que talvez tivéssemos, mas só no papel., uma considerável parte da oficialidade teve de fazer, em Portugal, serviço de instrução e porque não chegava a oficialidade para encher os quadros que era necessário apresentar ora França, SP mobilizaram as milícias; mas mesmo assim os quadros foram aumentados por tal forma que corremos o risco de, a seguirem as promoções, dentro dalgum tempo só existiriam em Portugal capitães, tenentes e majores, consumindo uma altíssima verba no orçamento, sem vantagem militar.

Tudo quanto fôsse impedir êste estado de cousas, sem prejudicar legítimos direitos adquiridos, me parece justo.

O Sr. Mendes de Magalhães (aparte): - O artigo não facilita a promoção a ninguém.

O Orador: - Não facilita, diz V. Exa. porque não aprova em especial, mas facilita a aprovação e, assim, a promoção. É uma pequena facilidade, mas caminha num sentido que eu, como paisano, sinto e vejo. V. Exa., que é militar, não o vê tam claro como eu. Confesse, Um véuzinho de preconceito lhe turva a vista.

Um aparte.

O Orador: - Pelo visto, calaram no espírito da Câmara estas minhas considerações sôbre o acesso nos quadros militares.

Dir-me-hão que é justo o que se pretende. Justo, porquê?

Que justiça especial de casos pessoais poderá haver, à face da lei, para o exército, quando nas outras profissões essa justiça se não reconhece nem existe?!

Eu, que assim falo, sou advogado há oito anos. Conheço um pouco as leis do meu país. Se, porêm, quiser seguir a carreira da magistratura, para. ser um simples delegado numa comarca de terceira ordem, após os meus oito anos de advocacia, terei que desempenhar gratuitamente, durante seis meses, as funções de subdelegado, acompanhando o delegado de qualquer comarca sertaneja.

Nada mais justo! É a lei!

Eu bem sei que se me vai dizer que os oficiais em França adquirem, pela escola do combato e da luta, prática, treino, melhor até, dirão, do que a que lhes propor-

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cionam as escolas de repetição e as escolas técnicas.

Não querendo por forma alguma pôr em dúvida o brilho e a competência técnica com que se conduziram os oficiais que fizeram a arte do Corpo Expedicionário Português e se mantiveram no front, direi que não conheço a existência por lá duma entidade fiscalizadora que, com respeito a cada oficial, rios pudesse dizer que aprendeu, correcta e conscienciosamente, a desempenhar o seu papel, sabendo tanto como se tivesse tomado parte numa escola de repetição e até mais do que se houvesse frequentado uma escola técnica.

Um aparte.

O Orador: - Mas essa pratica não a posso eu avaliar. Sou paisano. Só um oficial competente e competentemente nomeado pode ser juiz no assunto.

Os militares quando tratam os seus assuntos manifestam publicamente o que pensam. Apesar do espírito da classe, trazem cá para fora cousas que lá por dentro no exército se passam, e ou, porque falei com muitos oficiais que estiveram ora França, sei bem as censuras que se estabelecem e cambalhotam de um oficial para outro. Umas porque fulano traz tempo do front e nunca passou de um básico, outras porque nem sequer básico foi, outras ainda porque a sicrano não lhe deram o tempo todo e esteve sempre na trincha. E etcetera, etcetera...

Cortemos a questão ao meio. £ Por que razão se podem dispensar êstes cursos técnicos, as escolas de repetição ou de recrutas ou como se chamam, que vários nomes lhes dão.

Eu exponho a minha opinião como leigo que sou na matéria, mas com o geral bom senso com que todas as pessoas devem conhecer e apreciar as cousas dêste mundo. E poucas são misteriosas.

Creio que nestas escolas técnicas alguma cousa se fará sôbre instrução militar, que não se tenha feito em França.

Uma voz: - Faz-se menos.

O Orador: - Mas, se assim é, existirá nelas, pelo menos, o superior que oficialmente, certificará, ter o oficial realizado os exercícios que lhe pertencia realizar, que devia conhecer.

Além disso, nem todos os oficiais que estiveram em França batalharam no front. A 30, a 40, a 50 e mais quilómetros, o combate é um tudo-nada difícil. E, portanto, Sr. Presidente, há muita gente que só pode demonstrar e adquirir competência técnica no curso competente, apesar de haver andado por França.

Por exemplo, os oficiais que fizeram serviço de secretaria esses nada ganharam com certeza em competência técnica da arma a que pertencem. Quando muito, teriam tido ocasião do só aperfeiçoar em caligrafia.

Parece-me que tenho razão. Iria jurá-lo; e para mo convencer do contrária aguardarei que o Sr. Melo Vieira, por exemplo, venha dizer à Câmara que os cursos técnicos não são realmente, como penso, para colocar o oficial na posse da técnica da arma, para lhe dar conhecimentos práticos ou certificar que os possui, quando os encontre.

O Sr. Santos Viegas: - Eu fui a exame para major e comigo foram diversos capitães. Mal ou bom, fui aprovado. A maior parte ficaram reprovados. Pois daí a pouco foram colocados em majores, ao meu lado.

O Orador: - S. Exa. fala duma ilegalidade. Ela não contraria nem confirma a minha argumentação. Uma cousa é a existência da lei e outra seu cumprimento.

O Sr. Santos Viegas: - Mas desde que promoveram todos mesmo não indo à França, porque havemos de negar isso aos que lá foram?

O Orador: - Mas que culpa tem a lei dos actos que se pratiquem em contrário? Queixe-se V. Exa. da irregularidade. Não se queixe da lei, que é regular.

Ora, eu falo em defesa da lei. V. Exa. deve dar-me fôrça para o fazer, porque já há pouco me apontou uma injustiça derivada duma desobediência.

Uma voz: - Isto mesmo fez-se no tempo do Sr. Norton de Matos. Estabeleceu-se então que todos os que tinham entrado nas manobras de Tancos pudessem ser promovidos.

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O Orador: - Então não tinha eu assento nesta Câmara. Se aqui estivesse, teria nessa ocasião levantado a minha voz para apresentar a minha estranheza, que é o que faço agora, por uma excepção, um favor, tam manifestamente realizado a favor dalguns oficiais.

Ouço dizer que o assunto não tem importância, os militares presentes assim o dizem. Não tem importância porque há precedentes? Não tem importância porque já estamos habituados à desobediência à lei?

Vistas as cousas neste pé, não terá de facto para S. Exa. êste assunto importância. Para mim apesar dêsses argumentos, tem. Eu conheço uma lei que determina certas condições a cumprir antes da promoção. Essa lei vai ser alterada com vantagens para certos militares.

Pregunto: Pode sofrer prejuízo a preparação técnica dos oficiais a quem se dispensa a frequência das escolas ou cursos técnicos?

Respondem-me os interessados que não.

Assim pensando todos em consciência, eu pregunto, como não sei porquê, a explicação, particularmente; mas desde já digo que à primeira vista se me afigura não poderem ser dispensados êstes cursos, não podem ser dispensadas estas escolas.

Se V. Exas. pensam o contrário digam mas expliquem porquê. Isto pode ter uma influência técnica, mas só depois de explicado.

Por muito desejo que nós tenhamos em prestar justiça aos que se bateram em França, eu creio que não devemos olvidar perante os interêsses nacionais, nem mesmo os próprios interêsses militares, embora se dê aos combatentes uma justa o não exagerada recompensa.

Eu tenho muito medo dos chamados oficiais tarimbeiros, os próprios oficiais de carreira não simpatizam extraordinariamente com êles; porque entendem que lhes faltam bases e lhes falta um certo verniz.

Tenho muitíssimo medo dêsses oficiais no actual exército, quando estamos num período essencialmente militar; quando há guerra mundial com extraordinária convulsão na Europa, com desgraçada convulsão nacional.

Eu sou democrata como bom republicano. Respeito as reclamações e interêsses de todas as classes do povo, mas não tenho consideração alguma em especial por esta ou aquela classe. Não tenho! Não admito a existência de classes privilegiadas.

Na magistratura, quando se pretende uma ascensão de carreira, faz-se concurso, prestam-se provas.

O Sr. Mendes Magalhães: - Isto é um caso muito diverso.

Por exemplo: V. Exa. quere que o sr. coronel Faria, distintíssimo oficial do exército que esteve na frente da batalha, se vá sujeitar a ser examinado por generais que nunca saíram daqui? Isto não pode ser. O que V. Exa. apresenta é um caso inteiramente diferente. Não é justo.

O Orador: - O que não é justo é a desobediência à lei.

Mas se os assuntos militares não cabem na alçada da lei, e a cada passo sofrem ou gozam excepções, se êles são misteriosos que só os militares, a seu bel-prazer podem decidi-los, sigam V. Exas., Srs. militares o caminho naturalmente indicado, e em vez de pedir ou esperar o meu voto em tais matérias, consigam e realizem reuniões separadas quando hajam de decidir tais matérias, e separadamente votem e legislem sôbre elas.

Emquanto eu tiver voz e voto na matéria hei-de falar e exprimindo as minhas ideas e desejos, pois considero de meu dever falar sinceramente à Câmara, expondo-lhe a maneira de ser geral, sôbre assunto em que não tenha interêsse particular. O exército fez-se para combater. Cumpre com o seu único dever e com a sua principal razão de ser quando combate.

A Pátria deve reconhecimento ao exército que sabe combater, mas êsse reconhecimento não deve, não pode, ir ao extremo de considerar o exército uma classe privilegiada, concedendo-lho excepções e benefícios especiais.

Assente nestes princípios de boa e sã democracia, creio ter justificado, sem melindre para o exército, a minha maneira de pensar, não só quanto ao conjunto das disposições do projecto mas também quanto ao próprio artigo em discussão.

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Mando para a Mesa a minha emenda, em que transijo suficiente com as excepções pedidas para que reconheça o meu desejo de com todos concordar:

Emenda

Proponho a seguinte emenda no artigo 4.° do projecto n.° 21:

São dispensados das escolas de recrutas e repetição por lei exigidas para a promoção ao pôsto imediato os oficiais que desempenharem serviço na zona de operações, pelo menos, durante seis meses. - Amâncio de Alpoim.

Foi rejeitada.

O Sr. Melo Vieira: - Folgo bastante em ter ouvido ò ilustre Deputado Sr. Amâncio de Alpoim, a quem apresento as minhas saudações. É assim que se deve discutir, é com discussões desta forma conduzidas que nos prestigiamos, que prestigiamos o Parlamento.

Devo no entretanto cumular por fazer a afirmação do que o projecto não traz aumento de despesa, nem pretende, do modo algum, aumentar os quadros.

As promoções no exército são reguladas por uma lei. O Diário do Govêrno n.° 121, de 20 de Maio de 1911, publica essa lei. É a chamada lei das promoções.

De um modo geral diz ela:

São condições de promoção para os diversos postos:

a) Uma certa permanência no pôsto anterior;

b) Boas informações anuais;

c) O ter tomado parte em determinadas escolas de recrutas e repetição;

d) A frequência de certos cursos técnicos.

Além disto e para determinados postos - major e general - é indispensável satisfazer a um exame.

A comissão tendo conhecimento, tendo a certeza absoluta de que umas simples manobras como as de Tancos e Tôrres foram o suficiente para que fossem dispensadas as escolas de recrutas e repetição, entendem que não havia razão alguma para que os oficiais que estiveram em França, um pouco numa situação de superioridade militar aos das manobras, viessem a ter de satisfazer a condições que aos seus camaradas haviam sido dispensadas.

Aos oficiais que estiveram em França dirigindo guerra, vivendo por assim dizer na guerra permanente, assistindo e tomando parte em combates, é hoje quási negado o que a outros se tem concedido.

Ora V. Exa., Sr. Presidente, compreende que isto é tudo quanto há de mais injusto.

Mas há mais ainda:

Insiste-se em que não devem ser dispensados os cursos técnicos. E porquê?

Isso é que ninguém o disse!

Pois saiba V. Exa. e saiba a Câmara que essa preciosíssima instituição, desde que foi emula, em 1911, só uma vez funcionou.

E foram várias as razões de tal.

A primeira é porque não servem para nada e talvez ainda a principal seja porque são caríssimos. O curso técnico representa para cada oficial uma subvenção grande, pelo menos de 1$20 diários.

Os mestres e instrutores percebem tambêm gratificações especiais o tudo, diga-se, som grande utilidade.

Em todo o caso, a comissão não tem empenho algum eiu que o projecto passo desta ou daquela maneira. A Câmara é que há-de resolver. Só ela entender que o que propõe é injusto ... que o não vote.

A nossa obrigação é justificar o que se propõe e pedir que nos indiquem as razões da não concordância com o nosso parecer. Eu prossigo.

Pode dar-se o caso de que um oficial que venha de França, com boas informações, com o tempo de comando suficiente, com tudo menos a escola de recrutas, a escola de repetição e o curso técnico, venha a transtornar a sua promoção só porque a um Ministro venha a apetecer agora não mais dispensar a mínima condição de promoção, no que de resto está no seu direito. Será isto justo? Eu pregunto-o à Câmara.

Veja V. Exa. que, emquanto lá fora, os oficiais estavam no C. E. P., sem poderem satisfazer a várias condições de promoção, os que não saíram do país podiam bem tê-los todos e serem promovidos.

Falou o meu ilustre colega nas promoções já realizadas e fê-lo com toda a verdade e justiça. Foi realmente assim.

Por efeito da guerra foi necessário aumentar os quadros e em virtude desta

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circunstância fizeram-se promoções a esmo, perfeitamente à toa.

Essas promoções foram feitas sem que os promovidos satisfizessem aos requisitos precisos, chegando-se ao ponto de indivíduos reprovados no seu exame para majores obterem esta patente!

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, que se entregaram comandos de batalhões a êsses homens que tecnicamente foram julgados competentes! Houve um Ministro que se zangou com isso e determinou que todos os majores já feitos viessem satisfazer ao seu exame, isto é, o indivíduo é major, exerce efectivamente essas funções e agora vem fazer exame para uma cousa que já é!

Praticou-se um êrro quando das promoções mas a emenda é que me não parece correcta.

Outro ponto a que se referiu o meu ilustre colega Sr. Dr. Amâncio de Alpoim foi aos oficiais milicianos. Eu tive o prazer de trabalhar com êles em França.

Tudo quanto façamos em seu favor e tudo o que digamos da sua excelente conduta na guerra é absolutamente um dever.

Aditamento ao § único do artigo 2.°, juntar:

Os vencimentos a que se refere o artigo 2.° são apenas prés ou soldos de patente. - Melo Vieira.

Aprovado.

Houve muito miliciano que escangalhou completamente a sua vida, a sua carreira, e não é justo que se tivesse ido buscar o paisano para o integrar na tropa e depois, como criado que já não serve, mandá-lo embora sem mais nada quando já se não precisa dele.

Não foi, no emtanto, justo o meu colega quando disse que se foram buscar milicianos que se mandaram para França, deixando ficar cá os oficiais do efectivo. O que se fez foi em obediência à lei e a lei estabelece para o nosso exército - que é miliciano - percentagem na sua organização dos quadros, a um certo número de oficiais do quadro permanente corresponderá, na mobilização, determinado número de oficiais milicianos; e foi isso o que se fez. Nós pensámos já na situação a regularizar dos oficiais milicianos.

O projecto estava mesmo para ser apresentado à Câmara englobado neste, mas não o foi porque tudo quanto está em discussão não traz aumento de despesa e o outro projecto trazia-o e contendia com a organização do exército.

Ficou aguardando, mas há-de vir à Câmara e breve.

Como esclarecimento devo dizer que a comissão é absolutamente contrária à entrada dos milicianos no quadro como até hoje tem sido proposto.

Há-de fazer se essa entrada, como é justo, mas entendo a comissão que o simples facto de ter estado na guerra não dá só por si êsse direito.

Quanto ao projecto em discussão, se a Câmara entender que o artigo 4.° deve ser modificado que o faça, porque a comissão não faz disso a mínima questão, repito-o.

Àparte do Sr. Maldonado, que não foi percebido.

O Orador: - Pregunta V. Exa. o que são os cursos técnicos? Eu vou dizer. Para V. Exa., por exemplo, que é médico, sabe em que consiste o curso técnico? Duas semanas de serviço no Hospital da Estrela!

V. Exa. que eu encontrei em uma ambulância em La Gorgue, num hospital de sangue, a poucos quilómetros da linha, não estará habilitado a ser promovido sem mais cursos técnicos na Estrela?

Pois para ser promovido terá de o fazer; a menos que o projecto, sendo votado, disso o dispense.

Àparte do Sr. Maldonado, que não foi percebido.

O Orador: - O projecto não lesa em nada o contribuinte. A comissão foi nisso tam cautelosa que até a medalha que era proposta, fôsse dada pelo Estado, passou a não ser.

Àparte do Sr. Maldonado que não foi percebido.

O Orador: - Não há mais nada do que isto; é o que manda a organização do exército de 26 de Maio de 1911. Ao que V. Exa. talvez se queira referir é à regulamentação dessa organização feita pelo Sr. Ministro da Guerra, Norton de Matos, e alguns diplomas que foram já revistos

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pela comissão de guerra. Há ainda circulares e despachos ministeriais, mas organização do exército não há outra.

V. Exa. confunde naturalmente o curso técnico com a Escola de Oficiais Milicianos.

O Sr. Maldonado: - Não senhor.

O Orador: - Então não sei. O que há é uma grande confusão com cursos técnicos e estágio.

Não desejando tomar mais tempo à Câmara o porque a hora já vai adiantada dou por findas as minhas considerações.

Foi admitida, a emenda do Sr. Amâncio de Alpoim.

O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vai votar-se.

Posta à votação a proposta de emenda apresentada pelo Sr. Amando de Alpoim foi rejeitada.

Foi aprovado o artigo 4.°

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é na segunda-feira, 10, à, hora regimental, com a seguinte

Ordem do dia:

Discussão dos pareceres n.ºs 21, 17 e 19.

Em seguida encerrou-se a sessão.

Eram 19 horas.

Documentos mandados para a Mesa

Projectos de lei

Do Sr. Deputado Fidelino de Figueiredo:

Preceituando que o depósito obrigatório de todas as espécies impressas em. oficinas sitas no território da República passe a fazer-se tambêm na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Para o "Diário do Governo".

Revogando o artigo 36.° e seus parágrafos da lei orçamental de 20 de Junho de 1914.

Para o "Diário do Govêrno".

Autorizando as câmaras municipais a legislar sôbre propriedade particular com respeito à apassentação ou entrada de gados f em prédio? alheios.

Para o "Diário do Govêrno".

Proibindo absolutamente em todo o território da República o uso de titulo igual ou semelhante ao de Academia das Sciências ou Academia das Sciências de Lisboa.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Deputado Duarte de Melo Ponces de Carvalho e mais dois Srs. Deputados, abrindo, no Ministério das Finanças a favor do da Instrução Pública, um crédito de 7.000$ para compra da livraria do falecido professor Jaime Moniz.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Deputado Fidelino de Figueiredo e mais quinze Srs. Deputados, fixando o vencimento dos professores primários oficiais.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. Deputado Duarte Ponces do Carvalho, relativo à constituição dos quadros dos oficiais coloniais e à sua promoção.

Para a comissão de colónias.

Do Sr. Deputado Fidelino de Sousa Figueiredo, autorizando a Câmara Municipal do Portimão a aplicar os rendimentos criados pelo artigo 2.° da lei n.° 43, de 12 de Julho de 1913, na capitação o canalização de águas e melhoramentos do concelho.

Para o "Diário do Govêrno".

Dos Srs. Deputados José Vicente de Freitas, Eduardo da Costa Cabral, António Martins de Andrade Velez e Francisco dos Santos Rompana:

Os professores do Colégio Militar poderão continuar no exercício do magistério até os 70 anos de idade, qualquer que seja o pôsto que atinjam e quer pertençam ao activo, aos quadros de reserva ou sejam reformados, salvo o disposto nos parágrafos seguintes.

Os professores do Colégio Militar, chamados a prestar provas para o pôsto de general, poderão optar pela continuação do serviço colegial, sendo em tal caso promovidos a êsso pôsto, como graduados, quando a promoção lhes pertencer nos quadros das suas armas ou serviços.

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Os professores que manifestem falta de robustez para o serviço do magistério deixarão o serviço do Colégio Militar.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Deputado Eduardo Dario da Costa Cabral, fixando o vencimento anual do professorado em 500$. Por cada cinco anos de bom e efectivo serviço terá direito o professorado primário a 70$ de diuturnidade de serviço, com o limite de quatro diuturnidades.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Deputado Fidelino de Sousa Figueiredo:

O título Academia das Sciências constitui privilégio exclusivo da antiga Academia Rial das Sciências de Lisboa, fundada em 1779, que actualmente se designa por Academia das Sciências de Lisboa.

Para o "Diário do Govêrno".

Dos Srs. Deputados Rocha Martins e Adelino Mendes sôbre assistência ao salariato do comércio, da indústria e da agricultura.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Dos Srs. Deputados Mendes de Magalhães, Melo Vieira, Botelho Neves, Mira Mendes e Francisco Rompana, alterando a lei de 28 de Junho de 1912.

Para a Secretaria.

Para o "Diário do Govêrno".

Do Sr. Deputado Eduardo Dario da Costa Cabral, apresentando um projecto de lei exceptuando da centralização dos serviços na instrução primária os municípios de Lisboa, Pôrto e Coimbra e todos os demais municípios onde haja acôrdo favorável entre êsses municípios e o professado na área respectiva.

Para o "Diário do Govêrno".

Do mesmo Sr. Deputado: Outro projecto de lei criando, nas cidades de Lisboa, Pôrto e Coimbra, um organismo para todos os anos, em Agosto e Setembro, proceder ao recenseamento escolar e verificar, durante o ano, se essa obrigatoriedade se cumpre.

Para o "Diário do Govêrno".

Do mesmo Sr. Deputado: Nenhum indivíduo do sexo masculino ou feminino poderá ser nomeado funcionário do Estado, dos corpos administrativos ou de companhias que tenham contratos com o Estado sem ter exame de instrução primária, 2.° grau, podendo ser demitidos em qualquer altura e obrigados a repor o que tenham recebido do Estado, corpos administrativos ou companhias.

Para o "Diário do Govêrno".

Ainda do mesmo Sr. Deputado: Alteração ao § único do artigo 8.° e ao artigo 9.° do decreto com fôrça de lei de 28 de Outubro de 1910 da lei de imprensa. Além dos exemplares exigidos neste artigo, será também, sob igual pena, enviado pela mesma forma um exemplar a cada uma das Secretarias de Estado do Interior e da Justiça a cada uma das Bibliotecas Públicas de Lisboa, Pôrto e Coimbra e ainda a cada uma das bibliotecas de leitura pública administradas pelos municípios do país quanto às publicações feitas dentro das respectivas áreas.

Para o "Diário do Govêrno".

Requerimento

Requeiro que, por cada um dos Ministério", me seja enviado, com a brevidade compatível com a regularidade dos serviços, um mapa que mencione todos os seus funcionários adidos, com as seguintes informações: idade, antiguidade e funções que desempenham quando estejam ao serviço. - O Deputado, Fidelino de Figueiredo.

Para a Secretaria.

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Ministro da Instrução Pública acerca da orientação geral da sua gerência, nomeadamente da arbitrariedade com que se permitiu com uma portaria, datada de 3 de Fevereiro, contrariar o disposto no § único do artigo 17.° do decreto com fôrça de lei n.° 4:675, de 17 de Julho de 1918, e ao § único do artigo 7.° do regulamento interno do Ministério da Instrução Pública, aprovado pelo decreto n.° 4:786, de 5 de Setembro de 1918. - O Deputado, Fidelino de Figueiredo.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - Afonso Lopes Vieira.

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Discurso do Sr. Deputado Cunha Lial na sessão n.° 10, de 8 de Janeiro de 1919

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: apresenta-se perante o Parlamento Português o segundo Ministério constitucional que ascendeu ao Poder - disso o Sr. Tamagnini Barbosa - depois de ter assumido a Presidência da República o Sr. almirante Canto e Castro. Eu direi que se apresenta aqui o segundo Ministério inconstitucional do Sr. Tamagnini Barbosa, porque não há razão alguma que possa explicar ao Parlamento a queda do Ministério que antecedeu êste.

Cedeu êsse Ministério perante o que, perante que ameaças constitucionais?

Caiu no Parlamento?

É isto o que devia ficar bem explícito na declaração ministerial.

O Govêrno caiu inconstitucionalmente; eis o que explica o ter-se passado sôbre o caso como gato por brasas.

O Sr. Tamagnini Barbosa, com a sua dialéctica, com as suas brilhantes qualidades da orador parlamentar, não pode demonstrar o contrário do que afirmo.

Mas o Govêrno caíu e nós temos de aceitar as cousas como elas são.

Estão sentadas naquelas cadeiras umas tantas criaturas respeitáveis, que me dizem ser o Govêrno da República, o que julgam elas próprias ser êsse Govêrno.

Ora eu tenho medo de que elas pratiquem um abuso inconsciente de confiança, quando nos afirmam tal.

É que tenho medo deis lições do passado dalguns dias.

De facto o primeiro Ministério do Sr. Tamagnini Barbosa não foi um Govêrno, mas um espantalho que esteve no Terreiro do Paço para nada fazer: foi uma liga do criaturas sem energia, nem fé republicana, que, sentadas nas cadeiras do Poder, admitiram que intrusos se intrometessem na gerência dos negócios públicos, e consentiram todos os atontados ao bom senso e às boas normas dum Estado republicano.

Estranhei o facto porque estava acostumado a conhecer o Sr. Tamagnini Barbosa através duma atitude rígida de estátua: quando S. Exa. falava, punha-lhe um fio de prumo ao longo da coluna vertebral e sabia que S. Exa. mantinha uma verticalidade absoluta. Mas agora vejo que S. Exa. é de cera, amolda-se, deixa-se dominar duma forma absurda, inclassificável, aceita as situações mais vexatórias e fica, apesar de tudo, sujeitando-se a engulir todas as pílulas que lhe apresentarem, contanto que fique no Poder, contanto que o nomeiem Presidente perpétuo do Ministério.

A não ser isto, nada vejo que possa, explicar que um homem aceite a Presidência do Ministério através de situações que são dolorosíssimas para a dignidade republicana dos homens que constituíam o Govêrno da Nação Portuguesa.

Permita-me V. Exa. Sr. Presidente, que eu relate à Câmara algumas cousas que se passaram durante êsse período.

Na Situação de 4 e na de 7 eu leio que no Pôrto as juntas militares praticaram netos do govêrno o prenderem e enxovalharam republicanos, mesmo daqueles que mais de perto privaram com o Sr. Dr. Sidónio Pais, e que foram seus íntimos e queridos amigos.

Portanto, até o dia 7, ontem, somos forçados a reconhecer que havia dois Governos em Portugal, ou havia um só, que era o do Porto, porque um Govêrno sem fôrça não se concebe.

Dizia-me um dia o Sr. Presidente do Ministério, quando eu defendia a tese de que era preciso que todos os republicanos nos déssemos as mãos, dizia-me o Sr. Presidente do Ministério que êle, emquanto suspeitasse que um homem tinha escondido na sua algibeira um revólver para disparar contra o Govêrno, era incapaz de pactuar com êle.

Pregunto: pactuou ou não com as juntas militares, com os homens que, com as armas engatilhadas, atacaram a obra de Sidónio Pais?

Sr. Presidente: entendamo-nos e deixe-mo-nos de subterfúgios e habilidades.

A coragem dos homens serve para afrontar as situações, cara à cara. Alguêm um dia disse aqui que a pele não era para negócios: o Sr. Presidente do Ministério sabia bem que os republicanos gostosamente arriscariam a sua pele contra os homens que davam vivas à monarquia no Pôrto. E. contudo, o Sr. Presi-

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dente do Ministério, homem corajoso, apesar da sua lendária energia, não ousou prender um único monárquico, porque S. Exa. está indissoluvelmente ligado a êles.

Sr. Presidente: as situações não são o fruto duma acção de momento: as situações que aparecem de repente perante os estadistas são o fruto do uma série de actos que se entrelaçam e cujas consequências, num dado momento, aparecem nítidas o palpáveis.

O Sr. Presidente do Ministério o as criaturas que têm sido seus colegas nos sucessivos Gabinetes realizaram a entrega da Republica aos monárquicos. Êste é o motivo por que estamos na situação em que nos encontramos. (Apoiados).

Não é a primeira vez que faço aqui esta acusação; já a fiz nas reuniões da maioria. Lembro-me de que, numa das reuniões da maioria, e seja-me lícito trazer êste facto para aqui. eu disse ao Sr. Presidente do Ministério que o Sr. tenente-coronel Álvaro de Mendonça, Ministro da Guerra, era um monárquico confesso, era um antigo conspirador monárquico. (Apoiados.)

Preguntei eu então se o Sr. tenente-coronel Álvaro de Mendonça, ao aceitar o cargo de Ministro, tinha feito a sua profissão de fé republicana. Não iria preguntar se o Sr. tenente-coronel Álvaro de Mendonça tinha sido monárquico se êle me declarasse que hoje era republicano; mas tinha a convicção de que êle não era republicano, o que determinava a minha intervenção.

O Sr. Presidente do Ministério disse-me, em resposta, que, sendo o Sr. tenente-coronel Álvaro de Mendonça - reparem V. Exas. nisto - um homem de honra, como homem de honra não podia proceder senão como republicano.

Eu sei que o Sr. Presidente do Ministério foi acusar, em seguida à morte do Sr. Dr. Sidónio Pais, o Sr. Álvaro de Mendonça do andar pelos quartéis, criando uma atmosfera propícia para formação de um Govêrno militar que, dissolvendo o Parlamento, consultaria o país sôbre se queria a monarquia ou a República. Como se um Ministro de uma República pudesse ter a ousadia de duvidar que o país fôsse republicano!

Êsse homem não procedeu como republicano, nem como homem honesto.

A que vinha realmente a consulta?

Era ou não isto uma traição às escâncaras?

Pregunto, pois, ao Sr. Presidente do Ministério, reportando-me às suas antigas palavras: Para V. Exa. o Sr. Álvaro de Mendonça é um homem de honra?

Houve, pois, Sr. Presidente, através dêste ano imensas complicações na nossa vida política. Quero prestar justiça às intenções do falecido presidente Dr. Sidónio Pais, se bom que não desdiga, nesta hora, uma única das palavras que contra a sua política pronunciei, nem me arrependa do que disse em vida de S. Exa.

Preciso de declarar isto bem alto, por que já um jornal - O Tempo - , que me dizem representar, na imprensa portuguesa, o modo de pensar do Sr. Presidente do Ministério, chamando sôbre mim. que sou uma figura apagada e humildes as atenções e coloras da multidão, justamente excitada pela morte do Sr. Dr. Sidónio Pais, fazia crer que eu, o adversário liai, que tivera sempre a coragem de dizer o que pensava, era um dos instigadores dêsse crime.

Não me importa de incorrer em acusações semelhantes da parte de qualquer escriba.

Respeito a memória do Sr. Dr. Sidónio Pais, mas o Sr. Dr. Sidónio Pais é uma figura que pertence à História, e, como tal, é preciso fazer justiça aos seus bons e maus actos.

O Sr. Dr. Sidónio Pais teve uma visão política errada, quando encarou de frente as soluções do obsediante problema português.

Num dado momento êle teve contra si todos os partidos republicanos.

O partido monárquico não lhe podia prestar um auxílio incondicional. O Sr. Dr. Sidónio Pais pensou em abstrair-se dos políticos e servir-se do apoio exclusivo das classes para a obra do Govêrno que pretendia realizar; sucedeu, porém, que o país não estava preparado para isso porque as classes não tem ainda hoje a noção consciente dos seus direitos e deveres.

Não lhe dando, pois, os partidos políticos da República o auxílio do seu pessoal, teve de ir mendigar auxiliares e homens de Govêrno ao partido monárquico, pensando que êles abstrairiam dos

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interêsses do seu partido para só olhar aos interêsses das suas classes; mas êsses homens, acima da sua condição de militares, industriais, comerciantes e magistrados, puseram sempre a sua fé política de monárquicos intransigentes. Foi assim que a República apareceu rodeada do instituições monárquicas e a fôrça pública, que devera ser o sustentáculo do regime republicano, apareceu transformada num baluarte do reaccionarismo monárquico-restauracionista.

E assim que os oficiais das guarnições, sobretudo de Lisboa e Pôrto, aparecem quási todos monárquicos, fazendo-se dentro do exército republicano uma verdadeira caça aos republicanos.

De modo que chegamos a esta conclusão estupenda e paradoxal: é que uma República se mantêm em pé sem republicanos.

Como pode ser isto?

O resultado foi que no dia em que o prestígio pessoal do Sr. Sidónio Tais desapareceu do tablado da República Portuguesa, os monárquicos, que êle considerava seus colaboradores, apareceram todos não como membros do exército, da magistratura, do comércio, da indústria, mas sim como monárquicos confesso, retintos, não querendo proclamar imediatamente a monarquia, naturalmente porque as circunstâncias políticas da Europa o não permitirão com facilidade.

Nós, os republicanos, aqueles que somos republicanos, sem contrafacção, nem mistura, nem contágios impuros, e temos ou não temos o direito, digo mais, o dever, de opor a uma onda, uma outra onda, lutando contra todos os traidores, conscientes ou inconscientes1?

Diga-me V. Exa., Sr. Presidente, se não é dever de honra isto de procurar lutar e resistir intransigentemente até o fim? Os soldados da República não traem nem tremem; e quando o Sr. Presidente do Ministério tiver a coragem de lançar êsses homens contra os indisciplinados do exército, contra os demagogos azues do exército, há-de encontrar êsses republicanos ao seu lado. E só os não encontrou já, porque não quis, e só os não encontrará sempre se não lhes souber falar à alma ou lhes inspirar dúvidas e receios. Porque V. Exa. Sr. Presidente do Ministério - e desculpe-me que lhe diga - V. Exa. aos republicanos, que o são de verdade, hoje não inspira confiança.

Sr. Presidente: num artigo publicado em tempos no Liberal, da autoria do Sr. Satúrio Pires, descrevia-se a parada de fôrças realizada em Lisboa no dia da proclamação do Sr. Dr. Sidónio Pais. Enaltecendo o garbo com que só tinham apresentado todas as unidades, o Sr. Satúrio Pires não se esquecia de salientar de que todos os seus comandantes eram seus bravos correligionários - seus, do Sr. Satúrio Pires.

Variadíssimas vezes protestei, nas reuniões particulares e públicas, contra esta transigência de, se permitir que um oficial do exército se declarasse monárquico.

De facto, um oficial do exército pode ser, portas a dentro do seu cérebro e da sua consciência, tudo o que quiser; mas, oficialmente, no exercício do seu cargo, tem de ser simplesmente republicano.

Sorria-se o Sr. Tamagnini Barbosa desta minha caturrice. Tam pouca importância o cano tinha! Mas agora o perigo aparece nítido, e já hoje vejo por aí muitos sorrisos amarelos.

Que profunda diferença há entre monárquicos e republicanos, felizmente para êstes!

Nós, os republicanos, éramos incapazes de alicerçar um regime sôbre o cadáver do Dr. Sidónio Pais.

Mas os monárquicos importam-se lá bem com isso!

Começaram por fazer bailar diante dos crédulos o espectro da demagogia!

O pretexto estava encontrado, para fazer a monarquia, ou para guardar na República as posições que amanhã lhes facilitaria o estabelecimento em Portugal.

O pretexto estava achado!

Assim apareceram juntas militares, chegando-se no Pôrto ao ponto de se organizarem juntas do sargentos!

E depois dizem que não querem o bolchevismo e todos se indignara quando lhes chamam os bolchevistas no poder.

Mas uma pregunta ocorre a toda a gente:

Que ligações tem ou teve com essas juntas o Sr. Presidente do Ministério?

E difícil, através das simples informações oficiosas, concluirmos se o Sr. Tamagnini Barbosa é ou não como os mem-

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bros das juntas o são, um criminoso que nós, os republicanos, tenhamos de levar aos tribunais, porque, ou a República acaba, ou os juntistas, tenham a certeza, irão todos responder perante os tribunais.

Que espécie de cumplicidade ou houve entre o chefe do Govêrno e os membros das juntas?

Dá-se o facto muito curioso, peço a atenção da Câmara para êste ponto, de se apresentarem as juntas a acusarem o Sr. Presidente do Ministério de se ter traído; e nota-se com espanto que o Sr. Presidente do Ministério só muito frouxamente diz não tem compromissos escritos, o que não quere significar que os não tenha orais.

Existem, pois, duas afirmativas contraditórias que impossibilitavam estas duas entidades, juntas e Sr. Tamagnini Barbosa de negociarem, mutuamente.

Mas não sucedeu assim!

Chegaram a um acordo, estão juntinhos.

E assim, Sr. Presidente, que nós, republicanos, os queremos encontrar para os conhecermos uns e outros, juntinhos, amarrados uns aos outros.

Seja-me permitido agora ler aqui uma carta muito curiosa, que o Sr. Coronel João de Almeida mandou para vários jornais.

O Govêrno, ao que me dizem, teve o cuidado do fazer sentir a êsses jornais que a não deviam publicar, porque se desejava que a própria censura dela não tomasse conhecimento.

Vou, pois, ler a carta.

Diz assim:

Leu.

O Sr. João de Almeida chama, pois, nessa carta ao Sr. Tamagnini Barbosa três vezes mentiroso e traidor.

Vou ler ainda alguns trechos duma proclamação da junta do norte, para melhor se ficar conhecendo ainda êste problema das relações das juntas com o Sr. Presidente do Ministério.

Leu.

Só havia a esperar da parto do Sr. Presidente do Ministério que procedesse contra o Sr. João de Almeida e as juntas militarmente, sem prejuízo da liquidação pessoal do incidente.

Não fez assim.

S. Exa. pactuou com as juntas e com o Sr. João de Almeida.

Uns e outros puseram de parte os melindres da situação, e chegaram a um acordo.

Estão juntinhos, amarrados do pés e mãos - uns e outros - eis o que o público diz, eis o que o público pensa.

Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações, pois vou sendo demasiado longo e a Câmara está fatigada de me ouvir.

Mas acentuarei antes que, com os seus machiavelismos, o Sr. Presidente do Ministério a ninguém consegue iludir.

Nós sabemos, porque também temos a nossa polícia, muita cousa que se tem passado.

Nós sabemos que no Hotel Metrópole tem havido negociações entre vários membros das juntas, em que tomam parte postos elevados ao lado de postos inferiores.

São êsses elementos de ordem que, apesar de clamarem contra o bolchevismo, fazem a desordem.

Eu tenho muito amor à farda que visto.

Num dado momento, posso tornar-me revolucionário, quando a minha consciência me diga que isso se torna necessário em benefício da Pátria, apesar disso ser um crime militar.

O que não admito é que os oficiais que estão no Govêrno, porque meia dúzia de cretinados se constituíram em juntas, vão pactuar com êles.

Isso não! Isso é vergonhoso! (Apoiados).

Cada um pode proceder conforme o seu livre arbítrio.

Mas os Governos nunca devem rebaixar-se a transigências que os envergonham.

Acabemos com êste espectáculo de facilidades de toda a ordem, que vão até aos comboios especiais para os revoltosos monárquicos das juntas.

Envergonhem-se os Governos dêste desabar do edifício da disciplina do exército.

Sr. Presidente: no emtanto, apesar de tudo, eu creio intimamente que a República há-de triunfar, porque o regime republicano é a forma que melhor convêm à nossa Pátria. (Apoiados).

Oficiais que se orgulhavam de mostrar ao peito as medalhas ganhas a combater

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os inimigos da sua Pátria, apesar de revoltados com êste espectáculo, vieram oferecer-se a um Govêrno que detestavam para defender a Republica.

Eram oficiais de todos os partidos, evolucionistas, democráticos, unionistas, todos êles animados pelo santo desejo de bem servir a República.

O Sr. Feliciano da Costa, então em serviço no Gabinete do Ministério da Guerra, com a isenção e coragem que muito o honra e a que quero prestar culto e homenagem, passou guia a êsses oficiais para serem colocados em diferentes imediata, porque é bom frizar que Casos oficiais andavam a monte, não ofereciam confiança a uma monarquia mal disfarçada em República.

Pois nenhum dêstes oficiais foi recebido nas unidades que lhes destinaram, tendo todos sido reenviados ao Ministério da Guerra.

E o Govêrno não procedeu contra estes actos de indisciplina, o achou bem; limitou-se a despedir o Sr. Feliciano da Costa, que não servia a contento seu.

Há mais.

Nomeou-se um comissário do Govêrno para Braga, e êsse comissário foi mandado à fôrça pelas juntas para o Pôrto.

Mandou-se um general de divisão, com o chefe do estado maior para comandar uma divisão.

Não puderam êsses oficiais desempenhar-se dessa missão, foram presos e o Govêrno cruzou os braços.

E quere o Govêrno que nós acredito-mos que a República está bem entregue nas suas mãos!

Só há nesta casa republicanos que tenham a coragem moral do darem um voto de confiança a êsse Govêrno, que fiquem com essa responsabilidade.

O futuro está na República, não na monarquia.

E se para a defender fôr preciso que alguém se sacrifique, êsse sacrifício ofereço-o ao Sr. Tamagnini Barbosa.

A súmula destas minhas pobres palavras está apenas neste grito que me sai da alma, vibrante e sincero:

Viva a República!

Discursos do Sr. Deputado Cunha Lial na sessão n.º 11, de 9 de janeiro de 1919

O Sr. Cunha Lial: - Pelo a V. Exas. que me escutem, se não não nos conseguiremos ouvir uns aos outros.

Ontem foram aqui feitas pelo Sr. Presidente do Ministério umas vagas insinuações, e essas insinuações quis levantá-las para que a calúnia não continue correndo lá fora.

O Sr. Almeida Pires: - V. Exa. devia esperar que o Sr. Presidente do Ministério estivesse presente.

O Orador: - Não posso esperar, porque o Sr. Presidente do Ministério podia não vir aqui, e a calúnia continuava em circulação.

A primeira dessas insinuações é que ou tinha prevenido Carlos da Maia a que provocara o incidente aqui ocorrido ontem.

Depois de Carlos da Maia ter declarado, com a sua palavra honrada, de que ninguém tem o direito de duvidar, que não havia sido prevenido por mim, a mexeriquice indígena continua propalando o boato e a calúnia.

Mas esperarei que esteja presente o Sr. Presidente do Ministério para deslindar êste caso.

Mas há uma outra cousa mais grave.

A certa altura o Sr. Presidente do Ministério falou vagamente em acusações.

Houve então alguém que lhe pediu que dissesse claramente quem acusava.

Êsse alguém fui ou, e S. Exa. disse que, se tivesse de fazer acusações, as faria perante os tribunais.

Imediatamente pedi a palavra para explicações; e pedi-a várias vezos sendo encerrada a sessão sem que, porêm, o Sr. Presidente me tivesse concedido.

Êsse assunto há-de ser liquidado na presença do Sr. Presidente do Ministério.

Mas a infame calúnia, manejada por um certo jornalismo de navalha de ponta e mola foi pedir albergue a um jornal, que é dirigido por um Sr. Deputado que está aqui presente, e que não podia deixar de ter ouvido como os factos se tinham passado.

Pois êsse jornal diz que ou nem pedi a palavra para explicações, nem fiz a mi-

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nima objecção; também fiquei esmagado por tam tremenda acusação.

O incidente das explicações será liquidado na presença do Sr. Presidente do Ministério; mas o quê eu não quero é que os senhores jornalistas suponham que podem impunemente continuar a tocar o bordão predilecto da difamação.

Sou muito humilde, mas não deixo ofender a minha dignidade, seja por quem fôr, seja êle um rei, ou seja simplesmente um vice-rei in partibus.

Sr. Presidente: termino as minhas explicações nesta altura, porque quando estiver presente o Sr. Presidente do Ministério as continuarei.

Tenho dito.

O Sr. Cunha Lial: - Começa por dizer que separa bem a responsabilidade de jornalista da responsabilidade de Deputado, se bem que às vezes as duas entidades estejam metidas dentro da mesma pele.

Eu tenho de fazer provar aqui que o jornalista faltou, lá fora, à verdade sôbre o que ouviu cá dentro, como Deputado para concluir que assim não me merece consideração, nem n.o Parlamento, nem fora dele. Sei muito bem que, se fôssemos a ocupar-nos com o que se escreve nos jornais, andávamos sempre em conflitos; mas é preciso acentuar que não há republicano autêntico, republicano de sempre, contra o qual os monárquicos não façam uma campanha infame e persistente, tanto mais infame e persistente, quanto mais consistentes e de pedra e cal sejam as suas convicções.

Uma voz: - Porventura alguma vez se levantou alguma campanha contra o Sr. Dr. Sidónio Pais, ou contra qualquer dos homens que estão no Govêrno?

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador; querendo falar peçam a palavra e tê-la hão na sua competente altura.

O Orador: - É a inutilização dos republicanos a que visam certas campanhas nos jornais.

Cm por um, ou arredado ou inutilizado, eis o que querem certos aliados do Poder.

Não espero pelo julgamento para fazer os comentários, sem o que ficará toda a gente na persuasão de que determinadas criaturas mereçam castigo, embora não saibam do que são acusadas.

Compare V. Exa. a minha nobre atitude sôbre o caso de Teles de Vasconcelos com a dêsses senhores da monarquia.

Eu, que fui sempre republicano, disse aqui, que era uma infâmia processar Teles de Vasconcelos antes de saber mesmo quais as acusações feitas contra êle.

E insisti porque, até se fazer prova, o acusado era uma pessoa sagrada para toda a gente.

Isso é que os monárquicos não compreendem, e eu só me honro pela diferença de critérios.

Contra as insídias e insinuações de certas criaturas, para quem o talento só serve para envenenar as outras, contra isso não há defesa possível - sei-o bem. Embora.

Toda a gente viu que eu pedi a palavra para explicações.

Mas não quiseram os Deputados, doublés de jornalistas, esperar vinte e quatro horas, para fazerem juízo, porque estava em jôgo a reputação duma criatura que toda a sua inteligência, toda a sua vida tem empregado na defesa da República, e pensaram que a haviam de inutilizar.

São desta fôrça os meus detractores que comigo querem enrodilhar também, como, se, mesmo que eu tivesse culpas, Machado Santos alguma coisa tivesse com isso.

O nome de Machado Santos é imaculado. E sabe V. Exa., Sr. Presidente, porque é que o atacam? E porque lhes faz sombra, é porque faz sombra aos valentes de hoje, que na madrugada de 5 de Outubro de 1910 fugiram espavoridos, fugiram cobardemente, com o seu rei diante deles.

Sr. Presidente: eu disse já e repito perante V. Exa., aquele que ousar tocar nesta questão antes de derimida entre mim e o Sr. Presidente do Ministério é um cobarde vil.

Tenho dito.

O Sr. Aníbal Soares: - Sr. Presidente: não ouvi bem as últimas palavras do Sr. Cunha Lial, e parece-me...

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34 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Celorico Gil: - Não há nada de ofensivo.

O Sr. Aníbal Soares: - As últimas palavras do Sr. Cunha Liai não foram bem ouvidas dêste lado da Câmara.

O Sr. Fidelino Figueiredo: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Cunha Lial: - A melhor forma de esclarecer o incidente é eu repetir as minhas palavras. Foram as seguintes: - Se, uma vez posta a questão neste pé e antes de eu a derimir com o Sr. Presidente do Ministério e se se saber, portanto, o que há ou não de verdade, o que há ou não de presencies, alguêm lhe tocar, eu considerarei êsse alguém um cobarde vil.

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