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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 22

EM 10 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
João Calado Rodrigues

Sumário. - Abre a sessão com a presença de 41 Srs. Debitados, estando o Govêrno representado pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro).

É lida e aprovada a acta.

Dá-se conta do expediente.

O Sr. Féria Teotónio, por parte da comissão de infracções e faltas, envia para a Mesa o parecer da mesma comissão relativo à perda de mandato de vários Srs. Deputados.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos envia para a Mesa uma proposta de lei restabelecendo, com determinada restrição, a liberdade de transito e de comércio, e requere, para ela, a urgência e a dispensa do Regimento. O requerimento fica para ser votado quando houver o número indispensável às deliberações.

O Sr. Miranda e Sousa faz diversas considerações a propósito do atentado contra o preso político Jorge Camacho.

O Sr. Alfredo Maldonado apresenta e justifica um projecto de lei, integrando, desde já, nos quadros permanentes do exército, os oficiais milicianos que o requererem e satisfizerem a determinadas condições.

O Sr. Adelino Mendes apresenta e justifica uma proposta, para a qual requere a urgência e a dispensa do Regimento, no sentido de que se eleja uma comissão de inquérito parlamentar ao tratamento dos presos políticos. O requerimento fica para ser votado quando houver o número indispensável às deliberações.

O Sr. Fidelino de Figueiredo propõe um voto de sentimento pela morte do poeta João Penha e do professor Adolfo Coelho, e faz diversas, considerações sôbre o assassínio do Sr. Presidente da República, Dr. Sidónio Pais.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos associa-se, em nome do Govêrno, à proposta do Sr. Fidelino de Figueiredo, respondendo também às considerações dos Srs. Miranda e Sousa e Adelino Mendes.

O Sr. Adelino Mendes propõe que a Câmara manifeste também o seu sentimento pela morte do escritor Visconde de Castilho.

O Sr. Cunha Lial faz diversas considerações sôbre as violências infligidas aos presos políticos republicanos.

O Sr. Luís Nunes da Ponte trata também do assassínio do preso político Jorge Camacho.

O Sr. Maurício da Costa envia para a Mesa o parecer da comissão de infracções e faltas sôbre a proposta de lei, da iniciativa do Senado, estabelecendo os casos em que os Senadores e Deputados perdem os seus lugares nas respectivas Câmaras. O Sr. Presidente comunica à Câmara que o Sr. Ministro da Instrução Pública (Domingos Leite Pereira) se declarou habilitado a responder à interpelação do Sr. Fidelino de Figueiredo e participa que há número, na sala para deliberações.

São aprovadas a urgência e a dispensa do Regimento para a proposta do Sr. Adelino Mendes, acima referida. Usam da palavra, sôbre essa proposta, os Srs. Amâncio de Alpoim e Ministro da Instrução Pública. É aprovada a proposta, resolvendo-se, por indicação do Sr. Adelino Mendes, que a comissão de inquérito seja nomeada pela Mesa.

São aprovadas a urgência e a dispensa do Regimento para a proposta de lei do Sr. Ministro dos Abastecimentos, acima referida. Usam da palavra, sôbre a generalidade, os Srs. Almeida Pires, Adelino Mendes, Cunha Liai, Ministro dos. Abastecimentos, Amando de Alpoim, Figueiroa Rêgo, Melo Vieira e Joaquim Crisóstomo. É aprovada a proposta de lei, na generalidade. Sôbre o artigo 1.° usa da palavra o Sr. João Crisóstomo, que apresenta uma proposta de substituição. O Sr. Ministro dos Abastecimentos, em nome do Govêrno, declara não aceitar essa proposta. É rejeitada a proposta de substituição do Sr. Joaquim Crisóstomo. É aprovado o artigo 1.º É aprovado, sem discussão, o artigo 2.º Sôbre o artigo 3.° usa da palavra os Sr. Cunha Lial, que apresenta uma proposta de emenda. É aprovado o artigo 3.°, com a alteração resultante da emenda aprovada. São aprovados, sem discussão, as artigos 4.° e 5.º E dispensada a última redacção, a requerimento do Sr. Almeida Pires.

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Consultada a Câmara sôbre um requerimento do Sr. Correia Monteiro para entrar em discussão, com urgência e dispensa do Regimento, o parecer da comissão de infracções e faltas, sôbre a proposta de lei do Senado, acima referida, o Sr. Joaquim Crisóstomo requere a contagem, verificando-se que estão presentes 28 Srs. Deputados, número insuficiente para deliberações.

O Sr. Adelino Mendes apresenta um projecto de lei, mantendo em favor das irmãs de João Penha a pensão que estava sendo usufruída por aquele poeta.

O Sr. Costa Metelo apresenta e justifica uma proposta relativa à substituição dos Deputados monárquicos nas comissões, em virtude da perda dos mandatos.

O Sr. Alfredo Machado envia para a Mesa um requerimento.

O Sr. Presidente comunica à Câmara a constituição da comissão de inquérito parlamentar ao tratamento dos presos políticos, trocando explicações, sôbre o assunto, com o Sr. Adelino Mendes.

Em seguida encerra a sessão, marcando a imediata para o dia seguinte.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Afonso José Maldonado.
Alberto Malta do Mira Mendes.
Alberto Sebes Pedro de Sá e Melo.
Alfredo Pinto Lelo.
Alfredo Machado.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
Aníbal de Andrade Soares.
António Bernardino Ferreira.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António Martins de Andrade Veles.
António dos Santos Jorge.
Armando Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Mendes de Magalhães.
Carlos Henrique Lebre.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco dos Santos Rompana.
Francisco Xavier Esteves.
João Calado Rodrigues.
João Henriques Pinheiro.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
Joaquim Madureira.
Joaquim Nunes Mexia.
José Augusto de Melo Vieira.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Féria Dordio Teotónio.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José Nunes da Ponte.
José Vicente de Freitas.
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Mário Mesquita.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.
António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Miguel de Sousa Fernandes.
Artur Augusto de Figueiroa Rêgo.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Fernando do Simas Xavier de Basto.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Baptista de Araújo.
João Monteiro de Castro.
José Feliciano da Costa Júnior.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Luís Nóbrega de Lima.
Ventura Malheiro Reimão.

Não compareceram os Srs.:

Abílio Adriano Campos Monteiro.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alberto da Silva Pais.
Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá.
Alfredo Augusto Cunhal Júnior.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
António de Almeida Garrett.
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
António Caetano Celorico Gil.

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António Duarte Silva.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Lino Neto.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António dos Santos Cidrais.
António de Sousa Horta Sarmento Osório.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Artur Proença Duarte.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Eduardo Mascarenhas Valdez Pinto da Cunha.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sonsa.
Fernando Cortês de Pizarro Sampaio e Melo.
Francisco António da Cruz Amante.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco de Sousa Gomes Veloso.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Maria Crrstiano Solano de Almeida.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Gabriel José dos Santos.
Henrique Ventura Forbes Bessa.
João Henrique de Oliveira Moreira de Almeida.
João José de Miranda.
João Ruela Ramos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebelo.
José Alfredo Mendes de Magalhães.
José de Almeida Correia.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Machado.
José Caetano Lobo de Ávila da Silva Lima.
José Carlos da Maia.
José Eugénio Teixeira.
José de Figueiredo Trigueiros Frasão (Visconde do Sardoal);
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José dás Neves Lial.
José de Sucena.
Justino de Campos Cardoso.
Luís Filipe de Castro (D.) (Conde de Nova Goa).
Manuel José Pinto Osório.
Manuel Maria de Lencastre Ferrão de Castelo Branco (Conde de Arrochela).
Manuel Rebelo Moniz.
Martinho Nobre de Melo.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Rui de Andrade.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.
Vítor Pacheco Mendes.

Fez-se a chamada às 15 horas.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 41 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a acta tenham a bondade de levantar-se.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Vai dar-se conta do expediente.

Foi lido na Mesa o seguinte

Expediente

Ofícios

Do Ministério das Finanças, remetendo cópias dos decretos n.ºs 5:088, 5:089 e 5:090, que reforçam as verbas dos orçamentos dos Ministérios das Colónias e Instrução Pública.

Para a comissão de finanças.

Do mesmo Ministério, sôbre o ofício n.° 236 desta Câmara comunicando que

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as publicações a que êste ofício se refere foram remetidas com o ofício de 12 de Agosto próximo findo.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Marinha, pedindo informação da data em que termina o período de estado de sítio a que se refere o decreto n.° 2:896, de Dezembro de 1916.

Para a Secretaria.

Do Sr. Deputado Alberto Pedro Sebes Sá e Melo, participando que, por motivo do saúdo, faltou à sessão de hoje e faltará a algumas das seguintes.

Para a comissão de infracções e faltas.

Telegramas

Madrid, 9. - Doy cuenta vuestro telegrama al Congresso de los Deputados, que lo agradece vivamente complaciendo enviados el testimonio de nuestro carino y respeto ai pueblo português o al sus dignos representantes. - Presidente Congresso.

Viseu, 9. Presidente Câmara Deputados - Do Sr. Deputado Silvério Abranches. -Estou doente, impossível seguir viagem êstes dias. Saúdo em V. Exa. República. Portuguesa e Parlamento.

Para a comissão de infracções e faltas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para antes da ordem do dia.

O Sr. Féria Teotónio: - Em nome da comissão de infracções e faltas mando para a Mesa o parecer da mesma comissão, relativo à perda de mandato de vários Srs. Deputados, incursos nas disposições regimentais por faltas.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): - Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de lei para a qual requeiro a V. Exa. que, logo que haja número suficiente, consulte a Câmara sôbre se aprova a urgência e dispensa do Regimento, a fim de entrar imediatamente em discussão.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer da comissão de infracções e faltas, enviado para a Mesa pelo Sr. Féria Teotónio.

Foi lido na Mesa.

O Sr. Presidente: - Não há ainda número para deliberar. Por isso não posso submetê-lo à votação da Câmara. No emtanto, só algum Sr. Deputado deseja falar sôbre o parecer, pode pedir a palavra.

O Sr. Melo Vieira: - Requeiro a urgência e dispensa do Regimento para o parecer entrar em discussão.

O Sr. Presidente: - Não há ainda número para deliberar.

O Sr. Miranda e Sousa: - Sr. Presidente: permita-mo V. Exa. que antes de entrar propriamente no objecto das minhas considerações, sendo esta a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra nesta casa do Congresso, eu cumpra não uma praxe parlamentar, mas um dever do consciência, manifestando publicamente a minha grande admiração e respeito pela sua alta figura moral o intelectual.

Temendo, Sr. Presidente, que as minhas palavras possam ser mal interpretadas, ou mesmo deturpadas, eu quero, Sr. Presidente, fazer desde já afirmações políticas, para que no espírito da Câmara não possa haver dúvidas com respeito à minha atitude de parlamentar e de republicano de sempre.

Vim à Câmara, Sr. Presidente, como Deputado sidonista, integrado na maioria parlamentar, e, portanto, sem filiação partidária, E ser sidonista é ser amigo da ordem, da disciplina, da organização social e ainda - acabemos duma vez para sempre com os equívocos tendenciosos - ser republicano.

Pedi a palavra, Sr. Presidente, para lavrar o meu mais enérgico protesto, para exteriorizar a minha maior indignação contra o vil atentado praticado na pessoa do ex-capitão Camacho, criatura, será bom frisar, que eu nunca conheci.

Pedi a palavra, Sr. Presidente, para negar a qualidade de republicano ao indivíduo que matou, é certo, um monárquico, e, portanto, inimigo do regime, mas que devia ser considerado como um

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vencido, e, de mais a mais, indo ferido e no meio duma escolta.

Esqueceu-se o tresloucado que a morte do ex capitão Camacho seria a repercursão de idênticos actos praticados no norte contra os nossos correligionários. Não se lembrou, Sr. Presidente, o assassino que nós, os republicanos, não podemos proceder contra os nossos adversários como os trauliteiros do Pôrto.

Não é com actos desta natureza que se consolida o regime.

O comércio, a indústria, a agricultura, emfim, Sr. Presidente, as fôrças vivas da nação, pedem repouso, querem trabalhar.

Não é com revoluções periódicas, já hoje intervaladas com atentados, que se pode fazer a tam apregoada conciliação da família portuguesa.

Há perto de dois meses, Sr. Presidente, um outro atentado se praticou contra o jamais esquecido Presidente Sidónio Pais.

E possível, Sr. Presidente, que outros atentados estejam em perspectiva.

Eu sei, Sr. Presidente, que o Govêrno não pode ser totalmente responsável por actos praticados isoladamente.

Eu sei, Sr. Presidente, que o Govêrno não tem culpa, que haja comerciantes cobardes, que temendo, não as iras populares, pois que o povo de Lisboa, sempre republicano e bom, sabe bem quanto deve à memória do saudoso Presidente, mas de meia dúzia de indisciplinados, retirassem das suas montras os retratos do grande morto.

Eu sei, Sr. Presidente, que o Govêrno não tem culpa que há dias, num eléctrico, duas senhoras, mulheres de republicanos, fossem insultadas com o epíteto de canastras e muitos outros que o decoro que eu devo à Câmara me impede de proferir neste momento.

Mas, Sr. Presidente, todos êstes factos demonstram evidentemente a anarquia que vai lavrando na sociedade portuguesa.

É necessário que os editais que vemos colocados nas esquinas, garantindo a propriedade e a vida dos cidadãos, não constituam letra morta.

Todos os dias apregoamos a união entre os republicanos e todos os dias embalados pelas paixões políticas alimentamos a fogueira monárquica.

Unamo-nos radicais e conservadores dentro da República, nada de exageros políticos.

Olhemos para essa marinha de guerra portuguesa e vejamos o nobre exemplo de civismo que nos deu no assalto de Monsanto; os vencidos foram defendidos e estão sendo actualmente bem tratados.

Foi, Sr. Presidente, o jacobinismo político que criou o perigo monárquico.

Foi, Sr. Presidente, a intolerância que nos trouxe a questão religiosa.

Não deitemos abaixo, Sr. Presidente, governos acusando-os de fracos ou faltos de republicanismo, unicamente por não simpatizarmos com os indivíduos que os. compõem.

A queda do Govêrno Tamagnini Barbosa, após a solução dos movimentos de Santarém e Lisboa, foi um dos maiores erros políticos que se tem praticado nos últimos tempos.

Com esta doutrina corroboraram muitos elementos dos partidos republicanos históricos.

Acusava-se o Govêrno de fraco e dizia-se que o movimento do norte era insignificante.

Se assim era qual a razão porque o Govêrno há perto de três semanas se limita a apregoar que está concentrando tropas, sem contudo nos ter mostrado uma vitória decisiva para a República?

Como se explica. Sr. Presidente, que o Govêrno ainda não tenha enviado para Madrid um representante da República, quando os couceiristas nessa cidade têm Luís de Magalhães fazendo a propaganda monárquica?

Eis o que é preciso que se diga ao país e eu, Sr. Presidente, alguma autoridade tenho para o fazer, pois que republicano desde os bancos da Universidade, nunca andei a saltar de partido para partido,, conforme as conveniências individuais.

Para ser considerado republicano, Sr. Presidente, não é preciso andar a apregoar as nossas convicções políticas pelos cafés ou nos comícios.

Para ser republicano, Sr. Presidente, não é preciso insultar indivíduos que nos arrancaram do cárcere e nos emprestaram temporariamente o seu prestígio político, com o intuito de satisfazer as nossas ilimitadas ambições.

Para ser republicano, Sr. Presidente, não é preciso compararmos a sessão da

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nossão intervenção na guerra, com a sessão de homenagem à vitória dos aliados para exteriorizar por parte do actual Parlamento tendências germanófilas.

Para mim, Sr. Presidente, os que assim procedem não passam de republicanos milicianos.

Deixemos, Sr. Presidente, raiar a aurora duma República nova, isto é, duma República com nova orientação, pois que eu sei bem que a República proclamada em 1910 e só uma e é também a minha, para todos os republicanos o para todos os portugueses.

Eu, Sr. Presidente, que nunca critiquei os partidos históricos da República, lamento, nesta hora grave, que não tenham sabido compreender o pensamento do grande português Sidónio Pais, o qual, é certo, confiando demais em meia dúzia de traidores, apenas tinha em vista consolidar a República Portuguesa.

Sejamos patriotas, sejamos portugueses, sejamos republicanos, mas não sejamos cobardes.

O Sr. Afonso Maldonado: - Pedi a palavra para apresentar o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° Podem ingressar, desde já, nos quadros permanentes, os oficiais milicianos que o requererem e satisfizerem a uma das condições requeridas:

a) Ter sido promovido por distinção em serviço de campanha;

b) Ter seis meses de bom e efectivo serviço de campanha, de 1.ª categoria.

Art. 2.° Podem ingressar, nos quadros permanentes, para preenchimento das respectivas vagas, os oficiais milicianos que o requererem e satisfizerem a uma das condições seguintes:

a) Ter três meses de bom e efectivo serviço de campanha, de 1.ª categoria;

b) Ter seis meses de bom e efectivo serviço de campanha, de 2.ª categoria;

c) Ter doze meses de bom e efectivo serviço, de 3.ª categoria.

Art. 3.° A todos os oficiais e praças que prestaram serviços de campanha em África ou França é concedida a preferência para o exercício de cargos públicos, em igualdade de condições.

Art. 4.° Para os efeitos da aplicação desta lei fica autorizado o Ministro da Guerra a estabelecer, para os oficiais e praças que prestaram serviço de campanha em África, categorias equivalentes às que forem estabelecidas pelo comando do Corpo Expedicionário Português, em França.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Saladas Sessões da Câmara dos Deputados, 10 de Fevereiro de 1919. - O Deputado, Afonso José Maldonado.

Esto assunto merece toda a atenção da Câmara; creio que no Senado existe um projecto análogo, e mesmo nesta Câmara já tenho ouvido vários alvitres neste sentido, que nunca serão demais, pois assim esclarecer-se há mais o assunto, para sôbre êle incidir uma votação que ao mesmo tempo servia os interêsses do Tesouro e o futuro daqueles que merecem toda a nossa atenção.

Creio que o assunto, Sr. Presidente, não é tam difícil como à primeira vista parece, porque os quadros do oficiais do nosso exército estão excedidos em muito, desde o início da guerra.

Mais um supranumerário é nesta altura um ponto de vista secundário.

As necessidades da guerra obrigaram os titulares da respectiva pasta a excederem os quadros, e não vejo grande inconveniente, sob o ponto de vista financeiro, em que êles sejam mais uma vez excedidos; mas é também necessário acautelar os interêsses do país e fazer justiça, não elevando o ingresso de oficiais milicianos até um número que represente a totalidade dêsses oficiais que são muitos.

Sr. Presidente: creio que se deve, em primeiro lugar, dar ingresso a todos os oficiais que prestaram importantes serviços e que são, a meu ver, aqueles que tiveram distinções em campanha.

Pode ter havido distinções a menos.

O que não houve foi distinções a mais.

E não é cousa difícil de reconhecer, à primeira vista, que só foram dadas àqueles que as mereceram, e êsses são em número reduzido.

A meu ver, uma classe que merece igual recompensa é a daqueles que prestaram serviços nas primeiras linhas no primeiro período.

Não faz sentido que a Pátria mande para casa, sem outra forma de processo,

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os oficiais que ela foi buscar ao seio da família, ainda imberbe, da idade de dezoito anos, conheço eu casos, lançando-os nas trincheiras, desviando-os do exercício doutras profissões e obrigando-os agora a ir para casa descansar das fadigas da guerra, e procurar vida por outra forma.

Êsses devem ter ingresso nos quadros. Não são muitos.

O Tesouro não poderá ficar, por isso, muito sobrecarregado.

Os oficiais melicianos que prestaram grandes serviços, são em pequeno número, como os que estiveram no verdadeiro front, e assim poderá tomar-se para base dessa primeira graduação um período de seis meses.

Haveria a considerar, depois; outra classe de oficiais: a daqueles que foram para França- e para África, e que por motivos alheios à sua vontade não estiveram no front êsse número de meses.

Não devem ser em grande número, mas devem ser alguns centos.

Entendo que podiam dar entrada no quadro, à medida que fossem aparecendo.

Isto não sobrecarregaria o Tesouro e permitiria que se fizesse a devida justiça à medida que as vagas se fossem dando. Inconveniente resultante desta minha maneira de ver só um poderia haver : funcionar a Escola de Guerra por forma menos intensiva do que tem funcionado até agora. Outro não vejo.

Duma maneira geral, entendo, também, que se deve dar a todos os oficiais e praças de que venho tratando a garantia de a sua situação ser condição de preferência, em igualdade doutras condições perante a lei, para quaisquer concursos públicos.

Vou, pois, Sr. Presidente, enviar para a Mesa o meu projecto de lei, nesse sentido, aguardando que a Câmara, cônscia dos seus deveres, procure atender ao futuro de quem tudo arriscou, até a própria vida, ao bem da Pátria.

Tenho dito.

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: todos nós temos ouvido as mais pavorosas narrativas sôbre o tratamento que, nas prisões republicanas, foi dado aos presos políticos. Era fácil a qualquer traçar aqui, a propósito do assunto, quadros que, por certo, provocariam a indignação de toda a gente. A Capital de ontem, porém, publicou um largo depoimento do Sr. Alfredo Pinto, sôbre o que se passou em S. Julião da Barra, que não poderá, de forma alguma, passar em julgado sem que no Parlamento alguma voz se levante a pedir que se averigue se o que se diz naquele jornal é ou não verdadeiro. (Apoiados).

Tenho a impressão, Sr. Presidente, que os presos políticos sofreram, nos cárceres portugueses, torturas que nunca se infligiram a ninguém.

O Sr. Cunha Lial: - Apoiado.

O Orador: - É possível que nas narrativas e depoimentos que andam de boca em boca e que de vez em quando chegam até às colunas dos periódicos haja alguns exageros; mas estou absolutamente crente que em questões de facto, ninguém, absolutamente ninguém, será capaz de inventar a milésima parte do que se diz e do que se escreve sôbre semelhante questão.

O jornal A Capital narra factos espantosos. Diz êle que em S. Julião da Barra foram reabertas casas-matas e furnas, que estavam vedadas com argamassa, desde 1906, que foi quando o Sr. Vasconcelos Pôrto, numa visita que fez àquele forte, horrorizado com semelhantes antros, ordenou que nunca mais servissem de habitação a quem quer que fôsse. Pois bem, Sr. Presidente, em pleno Govêrno da República, as casas-matas que o Sr. Vasconcelos Pôrto mandou fechar foram reabertas e nelas encerrados presos políticos.

O Sr. Cunha Lial: - Isso é que era liberdade!

O Orador: - Poucas vezes tenho experimentado uma impressão de mais profundo horror do que aquela que me causou o artigo publicado no jornal a que me referi já.

Calcule-se que até numa dessas casas-matas foi encontrado um esqueleto, que foi devidamente autenticado por médicos e que seguiu o destino que devia seguir.

Um preso político que morreu em S. Julião da Barra foi transportado para a

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Morgue numa carroça aberta e amarrado com cordas, como se fôsse um objecto indigno de cuidados e respeito.

Nunca êsse execrando Teles Jordão, como muito bem diz a pessoa que escreveu o artigo da Capital, se lembrou de praticar factos desta natureza.

Creio que não foram republicanos os carrascos dos presos políticos. Estou absolutamente certo de que não foram republicanos que assim tentaram lançar sôbre a justiça portuguesa uma nódoa que nunca mais só apagaria. E por assim ser, tenho a honra de mandar para a Mesa uma proposta que se destina a apurar responsabilidades que são tremendas. E que não quero que crimes que não foram, praticados por republicanos a republicanos continuem a ser assacados.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Se foram republicanos que maltrataram, que torturaram os presos políticos, pela minha parte não quero nenhuma solidariedade com semelhante gente. Só foram, monárquicos, basta essa condição para nós não querermos absolutamente nada com êles.

Trata-se duma grande obra que se deve restaurar desde já e que é absolutamente urgente. Mi uma obra de purificação, é uma obra de justiça, é uma obra de castigo para quem semelhantes crueldades teve a coragem de levar a efeito.

Espero, por isso, que a Câmara aprovará a minha proposta, para a qual peço urgência e dispensa do Regimento, a fim de entrar imediatamente em discussão e ter o destino que a Câmara entender dever dar-lhe.

O Sr. Presidente: - Não há número suficiente para deliberar.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Requeiro a generalização do debate. Se não há número suficiente para votar a proposta, há, contudo, número para a discutirmos.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Para evitar que a Câmara deixe passar em claro o desaparecimento de dois portugueses ilustres, tenho a honra de mandar para a Mesa uma proposta para que se lance na acta um voto de sentimento pela morte do poeta João Penha e do professor Adolfo Coelho.

Trata-se de dois nomes ilustres bem conhecidos de todos nós.

João Penha foi um dos pioneiros e o poeta estandarte do movimento a que se chamou, em Portugal, de investimento contra o romantismo.

Adolfo Coelho foi também um dos pioneiros e o porta-estandarte do que se chamou germanismo e que era a defesa do novo espírito filológico. Creio que a Câmara aprovará a minha proposta e que da sua homenagem se dará conhecimento às famílias enlutadas.

Aproveito estar no uso da palavra para pedir ao Govêrno, aqui representado, que me dê algumas informações a respeito do assassino do Dr. Sidónio Pais e também daquele criminoso que não chegou a assassinar porque a pistola se encravou.

Foi assassinado um Chefe de Estado e o país ainda não viu condenar o assassino!

Peço ao Govêrno que dê explicações acerca do estado actual do respectivo processo e que nos diga se é verdade, como veio a público, que êsse homem vai ser pôsto em liberdade.

Desejo também preguntar quais são os sentimentos e propósitos do Govêrno a respeito da família de Sidónio Pais, que morreu pela pátria, deixando os seus sem meios de fortuna.

Por isso o Poder Executivo deve aplicar a lei das pensões de sangue para atenuar as más circunstâncias da família de quem foi o Chefe supremo do Estado e morreu pela pátria, em serviço que se pode considerar de campanha.

Murmúrios nas galerias.

O Orador: - Protesto perante V. Exa. contra a intervenção das galerias nos debates.

V. Exa. não pode consentir que os representantes do país sejam desacatados dentro desta casa. As manifestações das galerias são absolutamente inadmissíveis.

Mando para a Mesa a minha proposta, que é a seguinte:

Proposta

Proponho que na acta se lance um voto de sentimento profundo péla morte do poeta João Penha e do professor Adolfo

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Coelho e que desta deliberação, sendo aprovada, se dê conhecimento às famílias. - Fidelino de Figueiredo.

Não foi admitida por falta de número.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Henriques Pinheiro): - Associo-me, em nome do Govêrno, ao voto de sentimento pela morte do poeta João Penha e do professor Adolfo Coelho.

Quero dizer à Câmara que tenho o maior respeito pula memória dêstes dois ilustres portugueses.

Pena é que êsses dois altos espíritos tivessem desaparecido quando tam precisos eram, para honra e glória das letras pátrias.

Quero responder também a todos os oradores pela ordem por que falaram nesta Câmara.

Ao Sr. Fidelino de Figueiredo tenho a responder que a crise já foi neste lugar explicada pela declaração que o Sr. Presidente do Ministério leu à Câmara.

Tratando-se dum movimento monárquico contra republicanos, era de toda a conveniência que fossem todos os republicanos que combatessem os monárquicos. Nesta ordem, de ideas, julgo conveniente que no Govêrno estejam reunidas todas as fôrças partidárias, todas as expressões republicanas, desde a mais conservadora à mais radical. Foi esta fórmula política que se encarnou na organização do actual Govêrno, com o fim de oferecer perfeita confiança à opinião republicana em primeiro lugar e, em segundo lugar, do unir todos os republicanos sem retaliações partidárias, sem ódios de opinião, para que neste momento haja apenas uma palavra sagrada na boca e no coração de todos: República.

Aqui tem V. Exa. a razão da formação dêste Govêrno; aqui tem a razão porque eu não digo mais, porque, como já referi, essas explicações foram prestadas à Câmara na declaração ministerial lida pelo Sr. Presidente do Ministério.

O Govêrno reprova com a maior energia todos os assassínios. O Govêrno não pode deixar de reprovar o assassínio do Sr. Jorge Camacho e não podia, de forma nenhuma, esperar que nesta Câmara, com as melhores intenções fôsse de quem fôsse, alguém, viesse levantar essa repulsa, porquanto essa repulsa está na consciência de todos. Trata-se de um crime comum. Só o Poder Judicial tem de o julgar.

Quanto às referências feitas pelo Sr. Adelino Mendes, devo dizer a S. Exa. que não sei o que há de verdade nessas afirmações.

Se elas são verdadeiras, lastimo-as profundamente. Não posso falar em nome do Govêrno, mas em meu nome aceito a nomeação dêsse inquérito. (Apoiados).

Relativamente às considerações produzidas pelo Sr. Fidelino de Figueiredo, em que S. Exa. me pregunta em que estado se encontra o processo contra os assassinos do Dr. Sidónio Pais. devo dizer a S. Exa. que não lhe posso dar uma resposta precisa a êsse respeito. Se alguém disse a S. Exa. que o Govêrno tem interêsse em pôr era liberdade o assassino ou os assassinos do Dr. Sidónio Pais, dir-lhe hei que êsse alguém faltou à verdade.

Por agora não posso responder a S. Exa. em que termos está o processo dos assassinos do Dr. Sidónio Pais. Amanhã virei à Câmara responder categoricamente sôbre êsse assunto.

O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo): - Consta-me que o assassino do Dr. Sidónio Pais já foi entregue aos tribunais. Portanto, já não está sob a alçada do Govêrno.

O Orador: - Não posso também dizer ao Sr. Fidelino de Figueiredo quais sejam as intenções do Govêrno com relação à família do Dr. Sidónio Pais, mas, usando da minha declaração franca, como usei para com o Sr. Adelino Mendes, afirmo quê a minha opinião é a que se voto a proposta da pensão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Adelino Mendes: - Concordo com a proposta apresentada pelo Sr. Fidelino de Figueiredo, mas parece-me que ela não está completa. É que a Câmara deve tambêm mostrar o seu pesar pela morte do Visconde de Castilho, que foi um escritor distintíssimo.

A proposta do Sr. Fidelino de Figueiredo tem também uma lacuna: é que o poeta João Penha está no usufruto duma pensão, que a Câmara republicana lhe vo-

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tou há tempos. Era com essa pensão que êle vivia e duas irmãs que têm perto de oitenta anos.

Entendo que a Câmara deve tomar uma providência para que a pensão que João Penha disfrutava fôsse para as suas irmãs.

Era isto o que tinha a dizer à Câmara, a quem peço desculpa do tempo que lhe tomei.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos: (João Pinheiro): - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar, em nome do Govêrno, à proposta do Sr. Adelino Mendes. Efectivamente, o Visconde de Castilho, herdeiro dum grande nome, foi, ao mesmo tempo, um grande espírito e um grande carácter.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Cunha Lial: - Associo também os meus protestos aos dos meus colegas desta Câmara relativamente às manifestações feitas pelas galerias durante o decorrer das sessões.

Não podia deixar de igualmente vorberar, como o fez o Sr. Miranda e Sousa, o assassinato infame de Jorge Camacho, que, vindo preso, foi vítima dalguêm que não sei se estava desvairado pela sua paixão política, se era um simples e vulgar criminoso.

Êsse caso - disse-o muito bem o Sr. Ministro dos Abastecimentos - é um caso vulgar da alçada da justiça, um assassinato absurdo e infame como todos os crimes dessa espécie e que não merecerá talvez as honras de sôbre êle se chamar a atenção desta Câmara.

Uma vez exarada a minha repulsa por êsse acto, tenho de acentuar que é quási criminoso também que nos queiramos servir dele para atacar o Govêrno, depois do próprio Govêrno ter declarado pela imprensa que castigará severamente semelhante procedimento, inqualificável e só próprio das gentes do Sr. Paiva Couceiro.

Sr. Presidente: há criaturas que dentro desta Câmara levantaram sempre a sua voz para protestar com energia contra todos os ataques, que, de há tempos para cá, se vinham praticando contra as liberdades e direitos individuais ou colectivos. Uma dessas criaturas sou eu.

Nenhum dêsses atentados de qualquer natureza, política, ou pessoal, de que tenha havido conhecimento, tem sido deixado passar por mim em julgado: eu minha voz humilde tem sido implacável para marcar a ferro os perpetraidores das violências.

Sr. Presidente: o que eu nunca, porém, esperaria é que o assassinato de Jorge Camacho pudesse servir a alguém de pretexto para declarar, que não há liberdade no nosso país.

Êsse alguém teve uma frase feliz, quando disso que queria uma República onde coubessem todos os republicanos. Também eu e todos os que protestávamos, nos tempos do Sr. Tamagnini, contra as violências e enxovalhos do Poder, queremos ontem, como hoje, uma República para todos, à luz do dia. Hoje começa-se a respirar, ao passo que na Republica, que o Sr. Miranda e Sousa apoiava, cabiam todos os republicanos, mas com uma condição: que a maior parte dos republicanos estivesse aferrolhada nas cadeias.

Sr. Presidente é preciso que as nossas indignações não sejam à sôbre posse; é preciso que as nossas indignações venham bem do fundo da alma, porque só assim elas cabem bem nos ouvidos do quem nos escute.

Podemos não concordar com todas as medidas do actual Govêrno? Não há dúvida que nos assiste êsse direito. Eu também discordo dalguns actos governamentais e tanto assim que peço a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de avisar o Sr. Presidente do Ministério de que solicito a sua presença numa das próximas sessões, a fim de S. Exa. me explicar a razão de ser dalguns dos seus actos políticos.

Quando não se concorda, diz-se claramente, fala-se a linguagem sã da verdade; mas o que não é admissível é querer fazer reviver, nesta hora grave em que os monárquicos, estão no Pôrto, e em que parte do nosso país está nas mãos dos nossos inimigos naturais, - scenas passadas, porque isso representa um péssimo serviço prestado à República.

Se houve um Ministro que infringiu maus tratos aos presos políticos, que os meteu em casas-matas imundas, nos lugares mais infames com água pelos tornezelos, e que disse que os deitassem ao mar, verberemos êsse procedimento e não nos

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importemos saber se êsse Ministro pertencia ao sidonismo ou a qualquer outro partido. Isso compreende-se, isso admite-se.

Mas vir, nesta hora, para aqui com a alma a tresandar ódios, reviver questiúnculas mesquinhas, que vão até o ponto de se fantasiar que o Govêrno teria dado fuga ao assassino do Sr. Dr. Sidónio Pais, é que se não pode tolerar, sem que se erga o nosso protesto indignado.

Creiam V. Exas. que aqueles que despertarem nesta hora ódios adormecidos serão as primeiras vítimas dêsses ódios.

Sr. Presidente: a hora é de concórdia, é a hora da paz entre republicanos. No Poder estão representadas todas as correntes de opinião, desde o sidonismo até o democratismo.

Paremos com isto, acabemos com o espectáculo a que nesta hora assume quási proporções de tragédia. Porque não sei se repararam no que há de chocante neste espectáculo para à consciência republicana parece que nas nossas almas se a morte de Jorge Camacho inspira horror.

Não queiramos toda a nossa piedade voltada para os nossos inimigos de morte. Queremo-los vivos para sofrerem as - consequências das suas culpas, mas não percamos uma eternidade a chorá-los doloridamente.

Sr. Presidente: é que eu queria também ouvir vozes de piedade para com os nossos correligionários que são torturados pelos monárquicos. (Apoiados).

Para êsses não há piedade; dêsses ninguém se lembrou, dos que são fuzilados em Vila Rial o daqueles a que se arrancam as unhas no Pôrto. Ora os seus republicanos é que são absolutamente dignos da nossa piedade.

Ainda mais, Sr. Presidente. Tenho comiseração das vítimas que o ódio político causou no campo adversário, praticadas pelos nossos correligionários; mas valem menos para mim com Camachos do que um simples Norberto Guimarães.

O Sr. Miranda e Sousa (interrompendo): - V. Exa. há pouco, através das minhas palavras, deveria ter-me ouvido dizer que o facto do assassinato de Jorge Camacho ia reflectir-se no Porto.

O Orador: - Eu entendo os factos duma maneira absolutamente contrária à de V. Exa. Eu acho que os factos do Pôrto é que se reflectiram no assassinato do Sr. Jorge Camacho.

Os monárquicos não começaram a matar republicanos só depois da morte do referido ex-oficial.

Sr. Presidente: ia eu dizendo que não vale a pena fomentar paixões, porque a hora é de paz.

Ataque-se o Govêrno como eu, porventura, amanhã o atacarei.

Mais com uma condição: o de se não atacar o Govêrno em proveito dos monárquicos.

Serenamente o digo, porque êsse é o ponto importante; Talvez que a acção do Govêrno pudesse ser melhor conduzida: aconselhemos o Govêrno, sem prestar um serviço a Paiva Couceiro.

Lembremo-nes disto: mais uma vez o aconselho.

Tenho dito.

O Sr. Luís Nunes da Ponte: - Sr. Presidente: por motivos ponderosos que entendo representarem o cumprimento dos meus deveres não pude mais cedo comparecer nesta Câmara.

Começo por saudar a V. Exa. a quem rendo a homenagem de toda a minha consideração.

Pedi a palavra para erguer o mais enérgico e veemente protesto contra um crime monstruoso que não pode ter deixado de merecer a reprovação e enchido de angústia e de dor todas as pessoas de bem, sejam quais forem as suas condições políticas ou inclinações partidárias.

Refiro-me ao assassínio praticado na pessoa do ex-capitão Jorge Camacho, e faço-o tanto mais indignadamente quanto é certo que Jorge Camacho, muito embora monárquico convicto, não deixou de ser antes dá implantação da República um distinto oficial do exército.

Várias vezes foi a África estragar a saúde e arriscar a sua vida em defesa da Pátria!

Na Guiné o vi eu, combatendo a meu lado, cheio de serenidade e do mais admirável sangue frio, brandindo com denodo e valentia1 a sua espada heróica, conduzir os soldados à vitória.

Desde que alguém seja preso fica imediatamente entregue às autoridades para

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ser presente aos tribunais competentes, aos quais compete julgar das suas culpas, absolvendo ou condenando, sem que mais ninguém tenha o direito de se imiscuir nas soberanas deliberações dos referidos tribunais.

E por isso que os presos devem ser invioláveis.

E assim protestando eu contra todas as agressões anteriormente feitas a quaisquer presos políticos, estendo êsse protesto àquelas de que foi vítima o Sr. Teixeira do Amaral que acompanhava Jorge Camacho.

Mas se todas as agressões cometidas contra presos não podem deixar de se revelar sempre por uma forma altamente condenável, um assassinato praticado á queima roupa, pelas costas, traiçoeiramente, cobardemente contra aquele que não podia defender-se, excede os limites da perversidade humana. É bárbaro, é hediondo, é monstruoso.

Congratulo-me com as declarações feitas há pouco pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos, mas lamento que não tivesse havido um carro, um automóvel para conduzir os presos, tratando-se sobretudo dum preso tam conhecido como ora o ex-capitão Camacho, que para mais vinha ferido. Tal voz assim se tivesse evitado tam repugnante crime.

Não é desta forma que asseguramos perante o estrangeiro os nossos créditos de nação civilizada.

Eu não ignoro, aliás, que o Govêrno nenhuma responsabilidade teve no caso que representa um acto isolado, individual, mas espero que de ora em diante - sem esquecer que não é desta forma que se dignificam os povos nem se fortalecem os regimes - dê as suas instruções às autoridades para que tomem as maiores precauções, usem do mais escrupuloso cuidado, a fim de obstarem a todo o transo que se pratiquem actos como êste, sempre repugnantes e merecedores da censura de todos aqueles que se prezam de ser dignos e honestos, sejam quais forem as suas convicções.

O Sr. Maurício Costa: - Mando para a Mesa o parecer da comissão de infracções sôbre o projecto de lei da iniciativa do Senado, estabelecendo os casos em que os Senadores e os Deputados perdem os seus lugares na respectiva Câmara.

O Sr. Correia Monteiro: - Requeiro a urgência e dispensa do Eegimente para êsse parecer.

O Sr. Presidente: - Tenho a comunicar que já há número para a Câmara tomar deliberações.

O Sr. Adelino Mendes: - Então poderá V. Exa. submeter à deliberação da Câmara o meu pedido de urgência e dispensa do Regimento para a discussão da proposta que há pouco enviei para a Mesa.

O Sr. Presidente: - Participo à Câmara que o Sr. Ministro da Instrução Pública teve a amabilidade de me comunicar que está habilitado a responder à interpelação que o Sr. Deputado Fidelino do Figueiredo lho anunciou na última sessão.

Vozes: - Mas êsse assunto só poderá ser hoje versado, caso não prejudique a ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Fica então o assunto desta interpelação para a ordem do dia de amanhã.

Vai ler-se a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Adelino Mendes.

Foi lida na Mesa. E a seguinte:

Proposta

Proponho que se eleja uma comissão de inquérito parlamentar, composta de cinco vogais, destinada a averiguar qual o tratamento que aos presos políticos tem sido dado nas prisões da República e a propor as sanções que devem aplicar-se a quem tiver exorbitado das suas funções de carcereiro se êsse crime tiver sido cometido. - Adelino Mendes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado apresentante desta proposta pede, para a discussão dela, a urgência e dispensa do Regimento. Vou, pois, consultar a Câmara nesse sentido.

Foram aprovadas a urgência e a dispensa do Regimento.

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O Sr. Presidente: - Em vista da votação da Câmara está em discussão esta proposta.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: os monárquicos estão no Pôrto! Parece que se torna necessário repetir com frequência esta dolorosa verdade para que alguns Srs. Deputados a recordem, suspendendo seus ataques ao Govêrno, que defende a República, quando tantos a atacam pela insídia, pela traição e pelas armas.

Êste grito: "Os monárquicos estão no Porto!" deve ser na nossa boca um ritornelo semelhante àquele que no Parlamento e no jornalismo francês apareceu quando os prussianos se colocavam em impetuoso avanço quási às portas de Paris.

Sempre que um reduzido grupo de exaltados, parecendo desconhecer a iminência do assombroso perigo nacional, levantava na Câmara francesa irritantes questiúnculas partidárias, a voz do bom senso gaulez recordava-lhe, em grita, que essas mesquinhas questões surgiam inoportunas, desastradas, pendant qu'ils sont à Noyon...

Os prussianos de cá, os germanófilos que, para nossa vergonha e opróbrio, a Pátria portuguesa ainda contêm nas suas fronteiras, os monárquicos estão no Pôrto! Se alguém da Câmara ainda o não sabe, Sr. Presidente, eu peço a V. Exa., republicano e português de sempre, que faça escrever em formidável dístico na branca parede da nossa sala a dolorosa, a cruciante verdade, dêste clamor de advertência.

Sejam repetidas constantemente estas palavras pelo bom senso dos portugueses, merecedores do nome, que repelem e sacodem enojados toda a cumplicidade, directa ou indirecta, com a miserável e assassina obra de traição que a monarquia tentou realizar em Monsanto e consumou no Pôrto.

Morrem nos momentos que estão passando soldados de Portugal fuzilados pela traição couceirista em Lamego e nas margens do baixo Vouga.

Pense neles a Câmara, pensem neles os Srs. Deputados e consuma o calor das suas palavras, a ardência dos seus entusiasmos, enviando desde aqui, em sentido e apaixonado clamor, o testemunho da nossa gratidão, do nosso respeito e admiração aos heróis da República que vertem seu nobre sangue na luta com os fanáticos realistas.

Trabalhemos para êles, facilitemos-lhes a vitória na medida das nossas fôrças, no campo das nossas actividades; e se houvermos de chorar, Sr. Presidente, caiam as nossas lágrimas sinceras, justas, sentidas sôbre os arrefecidos corpos dos nossos irmãos na Pátria e na República, que em Monsanto, como na Beira e no Douro e em Trás-os-Montes, perderam a luz do dia e os sonhos da sua alma na defesa abençoada do ideal republicano.

São êles tantos, Sr. Presidente, é tamanha a legião dos sacrificados e dos torturados, dos heróis e dos mártires, que não chegarão nossas lágrimas para lavar piedosamente o sangue das suas feridas.

Não temos tempo, não devemos tê-lo, os parlamentares da República Portuguesa, para pensar nos outros, naqueles que arremessados da treva e da embuscada pretendem anavalhar a República e, repelidos a tiro, escabujam agonias sôbre a terra da sua Pátria, que não souberam amar.

Conservemo-nos de pé, sem rancor, mas sem piedade; sem ódio, mas com justiça, perante os inanimados corpos dos que parecem vitimados nos torvelinhos do embate que êles próprios provocaram. Há vítimas, há mártires nas fileiras da República! Vá, meus senhores, sem vergonha, com orgulho, ajoelhemos perante êsses! E, se o tempo nos sobrar, lamentaremos o fanatismo que estonteou e perdeu os nossos adversários. Mas só depois! Mas só de pé, com olhos enxutos, como serenos juizes.

Ouvi hoje, Sr. Presidente, - só os meus ouvidos não me enganaram - ouvi dizer nesta casa que o assassinato do Sr. Jorge Camacho era um crime que envergonhava a República.

Ah! meus senhores; como sinto o coração apertado pela garra do desespero ao pensar que nesta Câmara há bocas de republicanos empregando palavras na tareia de mal dizer da República, quando ela estremece sacudida por um supremo e ignominioso assalto!

Quando ela carece do nosso auxilio, da nossa dedicação, da nossa lialdade, não

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há o direito de lhe substituir os esfôrços por censuras, e os merecidos elogios, por injustificadas recriminações. Envergonhada a República?! Olho, bem para ela. Vejo-lhe na mão a espada com que a todos e à Pátria nos defende, não lhe diviso o punhal dos assassinos monárquicos. Só traz sangue nas roupagens é dos seus inimigos, que em bom e lial combate está ferindo e vencendo.

A República não assassinou. Há um homem que pareço ter assassinado o Sr. Jorge Camacho, e a República, reprovando o criminoso gesto dêsse alucinado, como nós todos o reprovamos, lançou mão dele, e justiceira, inflexível, mantêm-no numa prisão aguardando seu castigo.

Onde está aqui a vergonha?!

Que partido político que instituição pode sofrer acusações, baseadas no gesto, desnorteado e criminoso dum fiscal de subsistências que, por seu risco e por sua conta, sem instigações, nem cumplicidades, realizou um desgraçado e reprovável homicídio?!

Apelo para a consciência, apelo para a boa fé do todo o país que, através da imprensa, nos escuta. Êle, com certeza, dará razão às minhas palavras, e reprovando o negregado crime, cometido contra um indefeso prisioneiro, louvará a serena justiça do Govêrno que cerra a porta duma prisão sôbre aqueles que assassinam os inimigos da República.

Iluminava-se de alegria a minha alma deslumbrada pelo contraste entre a luz que nós representamos e a treva que os outros, os de lá, representam.

Que péssima ocasião se escolheu, Sr. Presidente, para lançar culpas e cargos à República justiceira e combatente!

Ainda há pouco vibraram de indignação as vozes dos Srs. Deputados Cunha Lial e Adelino Mendes, contando-nos as infâmias e as. torturas a que, nas prisões de S. Julião da Barra, em Lisboa, e do Aljube, do Pôrto, foram sujeitos os presos republicanos. Surge o contraste assim, esmagador, indesmentível.

Vejam e reconheçam, Srs. parlamentares da República, com enlevado orgulho, formidável diferença.

Vejam! E depois deixem aos nossos inimigos, porque a êles só pertence, a vã e inglória tarefa de nos assacar crimes e defeitos que não praticados nem possuímos. Êles sabem fazê-lo: inventam, insidiam, intrigam, caluniam.

Abusando da nossa tolerância de republicanos, confiados na falta de repressão que a nossa brandura lhes concede, inventam e espalha mentirosas afirmações que nos rebaixem, intrigas que nos dividam. Estão no seu miserável papel. Não os auxiliemos.

Recordem, meus senhores: em Monsanto, foram fuziladas, depois de presos, um oficial e um soldado da guarda republicana, que se recusaram a combater ao lado dos revolucionários realistas...

O povo do Lisboa, que heroicamente assaltou o traiçoeiro reduto, foi encontrar os dois mártires, assassinados, não por um desnorteado e quási analfabeto fanático republicano, mas por um conselho de oficiais monárquicos, chamarrado de galões.

O soldado, vítima obscura do dever e da honra, tinta as mães amarradas atrás das costas...

Manietaram-no para o assassinar!

Esta sim!

Êste é o crime duma cansa; é o crime dum partido que, piamente, sem piedade e sem respeito humano, ordena uma trágica matança.

Como recompensa do seu gesto cobardíssimo os carrascos do Monsanto, receberiam decerto da monarquia triunfante galões para seus braços de assassinos, espórtulas para as suas mãos ensanguentadas.

A República, entretanto, prendeu e vai julgar o homem que assassinou o monárquico Camacho...

Vá! Surja alguém que se atreva a desmentir o contraste!

Não o há dentro, desta casa, com certeza!

Olhem para o Pôrto.

Vejam o que lá se passa; vejam o que se passou.

Andaram por ali monárquicos que, para esfarrapar a bandeira da República se envolviam nela, assassinando a tiro, chicote e cacete, no silêncio nocturno das ruas e no segredo das prisões.

V. Exas. sabem, como eu, as consequências que deste miserável trabalho lhes derivavam...

Recebiam dos seus instrutores e chefes, monárquicos confessos ou disfarçados, a paga de quinze tostões diários!

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Êsses, desprezíveis verdugos constituem agora uma espécie de policia, e de guarda de... desonra, executora das mais baixas perseguições e vinganças.

Tem existência oficial na palhaçada couceirista.

Praticam atrocidades medievais que arrepiam de pavor; escorcham às chicotadas, fuzilam, quem desobedeça a uma ordem, quem se afirme republicano...

Mas os farçantes da monarquia portuense pagam-lhe por êstes serviços os tais quinze, tostões diários, e o Rial Grupo dos Trauliteiros Portuenses, assim estipendiado, cresce em número, recrudesce em ferocidade, sequioso de sangue e de... ordenado.

Os monárquicos lá no Pôrto assassinam por quinze tostões, ou pagam quinze tostões aos assassinos.

E êste o preço que por lá se dá e recebe para envergonhar e ensanguentar uma causa

Comparem, meus senhores, o crime agora praticado em Lisboa, com os que se realizaram e realizam; no Porta...

E, para cúmulo, vem hoje à Câmara o depoimento dum preso sobre os vexames, e torturas que alguns falsos republicanos lhe infligiram na malfadada Torre de S. Julião da Barra.

E a descrição; dum cativeiro que nos sugere a lembrança das torturas orientais infligidas por povos de civilização rudimentar aos prisioneiros.

Parece que resuscitou o espírito, de Teles Jordão, e andou a rondar pelos, corredores da Torre, envenenando de rancores a alma dos carcereiros de 1918, embrutecendo de torvo fanatismo, a sua inteligência.

Não merecem perdão, não podem tê-lo, se os factos relatados se apresentarem como verdadeiros, êsses homens de S. Julião da Barra que se disseram republicanos para enxovalhar a República, em cuja bandeira, repito, se envolveram apenas para a transformar em farrapos!

Arranque-se a máscara a êsses homens.

Êles não são republicanos; que, se o fossem, não saberiam torturar o irmão, do mesmo ideal!...

E para arrancá-la votemos a proposta do nosso colega Sr. Adelino. Mendes.

Por mim e pelos meus companheiros dêste lado da Câmana lhe declaro apoio e voto.

Porque se esquece tudo tam depressa, e tam depressa, se passa, daí indignação à piedade nesta mal-avenjturada terra de Portugal?

É, Sr. Presidente, porque a proverbial brandura dos nossos costumes consente, e fomenta até, a ferocidade impiedosa daqueles que aos perseguem.

Consentimos, por exemplo, que se faça em Lisboa uma atrevidíssima e perigosa propaganda monárquica, emquanto os realistas do Pôrto chacinam republicanos.

Diz-se que foram suspensos todos os jornais realistas - medida cuja oportunidade e justiça ninguêm se atrevera a contestar - mas tal afirmação não é verdadeira.

Circula por aí um jornal monárquico, disfarçado de católico, e a República, meus senhores, consente que êle se publique.

Os disfarces são de uso constante na palhaçada couceirista.

No Pôrto um monárquico disfarça-se de vigário-capitular para sagrar Paiva Couceiro, regente de Portugal; em Braga, outro monárquico disfarça-se de bispo para confirmar a mesma comédia.

Em Lisboa há um órgão da imprensa que, à laia de loup, traz no seu cabeçalho a designação de católico, mas que é monárquico pelos seus redactores - como êle próprio confessa - e pela sua orientação política que toda a gente vê e compreende.

Eu não faço insinuações, Sr. Presidente, o jornal a que me refiro, denomina-se A Ordem.

Chamo sôbre êle a atenção de S. Exa. o Sr. Ministro do Interior, pedindo-lhe que procurei convencer os redactores- dês-se jornal da diferença que existe entre ideais monárquicos e católicos.

Não é política católica o ataque insidioso e constante à República, que se defende, e está ameaçada de morte não é política católica a apologia ou escusa, mais ou menos transparente dos conspiradores realistas.

Esta confusão da cruz com o trono é a sequência lógica, da especulação que há muito tempo a monarquia vem fazendo no arraial do catolicismo.

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Os confessos monárquicos redactores dêsse jornal casaram no seu espírito as duas ideas, convencidos decerto de que a cruz, a cuja sombra todos cabemos, lhes pode servir de valha couto para evitar a legítima e justa repressão dos seus manejos.

Fale-lhes o Govêrno alto e claro, sem usar hipocrisias nem consenti-las.

Diga-lhes que a República, no exercício do seu legítimo direito de defesa, não consente vozes de monárquicos dentro das suas trincheiras.

As conversas agora são nas margens do Vouga...

E se porventura o jornal insisto na sua mesquinha política, consumindo colunas e colunas, como até aqui tem feito, em apaixonada e desfavorável crítica aos homens, partidos 3 instituições da República, caia sôbre êle o impiedoso castigo do silêncio, para que venham outros, menos desorientados por paixões mesquinhas, defender os legítimos o elevados interêsses dos católicos a cujo grémio, eu republicano, também pertenço.

Respeitemos a Fé sincera e pura que não conhece nem consente especulações políticas.

E dever êste de todos os republicanos, mesmo daqueles que não possuem crenças religiosas.

Mas sejamos impiedosamente justiceiros com os mascarados da monarquia - franco-atiradores que ousam poluir com o eco de profanas discussões e lutas as arcadas do templo de onde Cristo expulsou os vendilhões.

Apresento o exemplo, Sr. Presidente, para que a Câmara reconheça até que ponto de insidiosa ferocidade e audácia chegou o assalto monárquico.

Temos diante de nós uma cerrada fileira de inimigos que nos atacam, mas, ainda mais perigosos do que êstes, vivem e medram, actuam e falam, ao nosso lado, entre nós, inimigos que, disfarçados ou encobertos, aguardam e preparam o trágico momento da vingança e do mal.

São êstes os que dão agasalho e vulto às queixas e recriminações contra a República que combate e triunfará. São estes os que choram lágrimas de crocodilo sôbre o inanimado corpo do capitão Jorge Camacho, e não têm um soluço, nem um gesto de piedade, perante as vítimas de S. Julião, de Monsanto, do Aljube ou das linhas do Vouga.

Perdõem-me os Sr s. Deputados que ao assassinato do Terreiro do Paço se referiram o calor das minhas expressões. Não vai para êles a menor censura, que a não merecem, nem eu teria direito de a formular. Protestaram de boa fé; e se houve quem levou longe do mais o seu protesto, êsse será o primeiro - convencido estou - a reconhecer o exagero.

O crime que agora em Lisboa se praticou é um acto individual, semelhante a muitos outros, mais ou menos repugnantes que o noticiário dos jornais nos aponta todos os dias. E horrível esta matança de um preso político, mas o homem que a realizou está, como tantos outros criminosos, entregue aos poderes competentes para instrução do seu acusador processo. Não devemos desnortear nem desvirtuar a acção serena do Poder Judicial, ao qual o julgamento dêste criminoso pertence, sem nossa intervenção, e muito menos coacção.

Julguem os tribunais aqueles que assassinam, sem distinção de partidos, monárquicos ou republicanos. A nossa tarefa é outra, pelo momento bem simples na sua incontestável lógica.

Sem exageros sentimentais pelo sofrimento dos nossos inimigos, unâmo-nos todos, esquecidos os dissídios e estultos rancores do passado, em torno da sagrada bandeira verde rubra da República e da Pátria. Lá virá o dia da luta entre as ambições pessoais. O destino o tenha longe, que êle por má sina há de vir! Então aqueles que estimam e pretendem retalhar-nos ao sabor das suas vaidades, conveniências e más paixões surgirão de novo, tolerados e consentidos, na ensombrada arena da política mesquinha. Por ora não, que ainda não é tempo! A Pátria e a República carecem de nós todos; estendamos-lhes as mãos lialmente ocupando-as apenas do esfôrço de as defender. Agora vivemos as horas da justiça. Depois, mas só depois, virão as horas da Misericórdia!

O Sr. Ministro da Instrução Pública (Domingos Leite Pereira): - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez nesta Câmara, apresento a V. Exa. as minhas saudações.

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Merece-me V. Exa., como digno Presidente da Câmara dos Deputados, a mais alta consideração, o maior respeito e a mais profunda simpatia.

Antes de V. Exa. presidir a esta Câmara, já era de mim conhecido, no tempo da propaganda republicana dos últimos anos da monarquia, como uma das figuras mais nobres sob o ponto de vista moral e cívico que têm nascido neste país. {Apoiados).

Por isso me é muito grato dirigir a V. Exa. as minhas mais respeitosas saudações.

Ouvi, com muito prazer, as considerações feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim. O Govêrno deseja ter uma vida absolutamente solidária com o Parlamento, - e isso faz parte da sua autorização ministerial e foi dito em palavras eloquentes e sinceras, pelo Sr. Presidente do Ministério. O Govêrno, que entende ter a obrigação de viver com o Parlamento, tem todo o prazer em ouvir da Câmara, pela boca dos seus Deputados, a declaração do que é necessário haver a mais rigorosa energia na defesa da República. (Apoiados).

Se não fôsse êste o programa fundamental ao Govêrno, eu não pertenceria ao Ministério. Tenho um passado republicano que não é muito longo, mas é um passado de lutas e canceiras na defesa da República, e para defesa da República, nunca transigirei um momento sequer, pois por ela estou disposto a sacrificar a minha vida, e a tranquilidade minha e da minha família. (Apoiados).

Comunicarei aos meus colegas do Govêrno as reclamações aqui feitas pelo Sr. Amâncio de Alpoim, assim como as dos Srs. Cunha Leal e Adelino Mendes. Farei sciente aos meus colegas que a Câmara, pela voz dos seus ilustres membros, exige do Govêrno que êle faça a mais enérgica e eficaz defesa da República. Emquanto não podermos dominar a traiçoeira tentativa dos monárquicos, é necessário que ponhamos de parte partidarismos, que constituamos um bloco, forte e sólido, para vencer, eficazmente, a criminosa investida dos inimigos da República. (Apoiados).

E muito grato para mim, assim, como para todo o Govêrno, sentir palpitar a alma republicana da Câmara, que reclama a necessidade de não nos deixarmos embair pelas palavras doces dêsses semi-republicanos e semi-monárquicos. Nós os republicanos não nos deixaremos iludir. Havemos de defender a República, atravez de tudo, porque a República é indispensável à vida da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

S. Exa. não reviu.

O Sr. Adelino Mendes: - Na minha proposta diz-se que a Câmara elegerá cinco membros para fazerem parte da comissão de inquérito ao tratamento infligido aos presos políticos.

Parece me, todavia, que poderíamos delegar na Mesa a escolha dêsses vogais, ficando V. Exa., Sr. Presidente, incumbido de nomear a comissão a que a proposta se refere.

Assim se resolveu.

Foi lida na Mesa a proposta de lei do Sr. Ministro dos Abastecimentos.

E a seguinte:

Artigo 1.° É restabelecida, com a restrição do artigo 4.°, a liberdade de trânsito e de comércio.

Art. 2.° São substituídas as tabelas de preços fixos por outras de preços máximos.

Art. 3.° São criados dois tipos de pão de trigo, não sendo o de 2.ª qualidade inferior à qualidade do actual, barateando êste ultimo, sem prejuízo das garantias concedidas à lavoura nacional.

Art. 4.° Fica autorizado o Poder Executivo a fixar e regulamentar, por cada artigo comercial, por intermédio do Ministério dos Abastecimentos, as restrições provisóriamente necessárias à liberdade de comércio o trânsito. * Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Foram aprovadas a urgência e a dispensa do Regimento.

O Sr. Almeida Pires: - Pedi a palavra para fazer algumas considerações sôbre a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos.

Esta proposta visa ao barateamento da vida nacional e, como se diz num dos considerandos, é indispensável restabelecer a liberdade de comercio, visto que a concorrência traz consigo a redução de preços.

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O Sr. Ministro dos Abastecimentos conseguia já com relativa facilidade, resolver alguns problemas difíceis que se, relacionam com o abastecimento do país, principalmente pelo que diz, respeito ao açúcar e aos tipos de pão.

Com relação ao açúcar, o mercado está suficientemente abastecido, de forma a obter-se a venda ao público por um preço muito razoável.

Quanto aos tipos de pão, sou pela criação dum único tipo, mas, desde que o Sr. Ministro dos Abastecimentos declara que o mercado está suficientemente garantido para o consumo normal, devo declarar que dou o meu voto à proposta. É isto que tinha a dizer pelo que respeita ao artigo 3.°

Com relação ao artigo 4.°, diz o Sr. Ministro dos Abastecimentos que o Poder Executivo deve ficar autorizado a estabelecer as restrições da liberdade de comércio que julgar conveniente.

Também sou de parecer que o Govêrno não deve ficar desarmado perante a ganância dos açambarcadores.

Declaro, pois, um nome da maioria, que esta dá o seu apoio à proposta ministerial.

O orador não reviu.

O Sr. Adelino Mendes: - Folgo que o Sr. Ministro dos Abastecimentos tenha trazido à Câmara esta proposta de lei. V. Exas. sabem com quantas dificuldades o país estava lutando para o seu abastecimento. Essas dificuldades provinham mais das numerosas peias burocráticas postas ao comércio do que da escassez dos géneros indispensáveis à vida. Ficam essas peias que impediam que o abastecimento do país se fizesse regularmente. Tenho a impressão que o Ministério das Subsistências, presentemente, é uma. instituição que não tem grande razão de existir, porque julgo que a sua existência se justifica, quando muito, pela necessidade que há, de adquirir o trigo exótico indispensável ao consumo do pais, em virtude dêsse mesmo trigo, segundo me têm dito, só nos ser fornecido por intermédio da comissão internacional de ravitaillement.

Entretanto, julgo que êsses serviços, com a extinção do Ministério dos Abastecimentos, poderiam passar para outro Ministério. É uma opinião meramente pessoal, esta. O Sr. Ministro dos Abastecimentos e as pessoas que mais de perto conhecem êste assunto certamente sôbre êle se pronunciarão com mais conhecimento de causa do que eu.

Concordo com a liberdade de comércio. É esta a única maneira de abastecer o país, porque não é o Govêrno, por mais organismos que crie, que pode supre a todas as nossas faltas, pois não sabe onde se encontram os géneros mais necessários, donde resulta a impossibilidade de os adquirir em abundância, a tempo e horas, ao mesmo tempo que, desde que os adquirisse, nunca podia chegar a fazer deles uma justa e equitativa distribuição.

As funções de negociante que o Estado assumiu têm dado origem aos mais espantosos factos, alguns dos quais mio hesito em classificar de escandalosos. Dai, ter a vida encarecido extraordinariamente, com proveito simplesmente para meia dúzia de pessoas.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos cria, na sua proposta, dois tipos do pão, Neste ponto discordo um pouco da opinião do S. Exa. Desde que há guerra, tenho defendido, sempre que só me tem oferecido ocasião para isso, a instituição dum tipo único de pão, pelo menos até que desapareçam as causas determinantes da crise com que se tem lutado. Continuo a ser contra os dois tipos de pão, porque o mercado, apesar das afirmações de S. Exa. talvez não esteja ainda suficientemente abastecido para que não continuem a dar-se as mil e uma falcatruas a que os moageiros e os padeiros de há muito nos habituaram.

O tipo de pão existente até agora devia ser magnífico. O projecto que o criou mandava-o fabricar com toda a farinha. que se extraísse do trigo, a uma percentagem de 80, se porventura não estou em êrro. Mas a verdade é que há muito não há pão de farinha em Lisboa. O que para aí se tem vendido é apenas pão de farelo, do qual a farinha desapareceu. A Companhia Nacional de Moagem tem feito tudo, com a farinha propriamente dita, menos pão. Tem fabricado massas, biscoitos., bolos, etc. Tem aplicado a farinha flor a tudo quanto tem querido e ao público tem oferecido êsse pão estopa, êsse

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Pão esponja, que nada alimenta e que só estômagos de ruminantes podiam digerir. Sendo assim, estou absolutamente convencido de que o pão de segunda qualidade que a proposta cria vai desaparecer do mercado. A Companhia Nacional de Moagem, que tem o monopólio do fabrico do pão, há-de proceder de maneira que o pão, fino seja o melhor possível, sendo, ao mesmo temtpo o pão de segunda qualidade: pouquíssimo e péssimo. Tem acontecido sempre assim e não há razão nenhuma para que assim não aconteça daqui por diante visto os homens, serem os mesmos, os fiscais que têm obrigação de olhar por estas cousas não terem mudado e os donos da moagem não terem perdido ainda o apetite de ganharem muito, cada vez mais.

Estou convencido de que o Sr. João Pinheiro, de cuja honradez e integridade de carácter ninguém pode duvidar, elaborou esta proposta na melhor das intenções, seguro de que ela dará os melhores resultados. Eu, porém, como já disse, estou, pela minha parte, convencido de que dentro de pouco tempo só haverá em Lisboa um único tipo de pão que se possa comer: será o pão de luxo que a proposta cria, a $86 o quilograma.

Chamo, portanto, a atenção de V. Exa. para êste assunto, para que seja castigado com o maior rigor da lei todo aquele que fugir ao seu cumprimento.

Há ainda na proposta o artigo 4.° que, segundo me parece, destrói todos os outros. É possível que eu me iluda. A proposta, porém, parece dar-me razão. O Govêrno, no artigo 1.°, restabelece a liberdade de comércio, mas no artigo 4.° restringe-a sem limite.

Quererá isto dizer que apesar de se restabelecer a liberdade de comércio se não possa importar cousa alguma emquanto não estiverem publicados os regulamentos a que o artigo 4.° se refere? Se assim é, a liberdade de comércio não existiu, tornando-se impossível mandar vir de fora seja o que fôr. Em meu entender a situação que se cria é pior que a actual, devendo ainda ser agravada se êsses regulamentos forem elaborados por burocratas, por pessoas que muito bem conheço e cujo critério fiscal é tudo o que há de mais criminoso. São essas que há muito deviam ter sido escorraçadas dos lugares que ocupam, os donos do Ministério cios Abastecimentos, e é a. elas que o público deve a maior parte das suas deficiências de alimentação, como o Estado lhes deve prejuízos que podem avaliar-se em milhares do contos. Como pode nesse caso, admitir-se que o comércio interno e externo fique por mais tempo dependente do critério mesquinho e das simpatias pessoais de quem, se desempenho de elevadas funções, tam poucas provas de competência tem dado?

Discordo, portanto, em absoluto da redacção dêste artigo 4.°, por ver a destruição completa de toda a proposta. Digo isto com o mais lial e o mais sincero intuito de colaborar com o Sr. Ministro dos Abastecimentos, para que êste assunto se resolva o mais ràpidamente possível. De resto, estou certo que S. Exa. não foi suficientemente elucidado a respeito de tam grave e melindroso problema, porque de contrário bem mais radical seria desde já a sua acção.

Se se restabelece a liberdade de comércio é necessário que desapareçam todas as restrições, porque na minha qualidade de consumidor nunca compreendi que mal possa haver no facto de entrarem em Portugal quanto mais géneros alimentícios melhor. Entendia eu que quanto mais se favorecesse a entrada dêsses géneros melhor, e, por assim o entender, é que me parecia que aquele artigo devia ser modificado de maneira a que não pudesse prestar-se a uma arma traiçoeira, colocada nas mãos da burocracia do Ministério dos Abastecimentos. Foi ela, por certo, que introduziu no projecto o artigo 4.°, iludindo, o Ministro. O que custa à Câmara é não o aprovar.

Eram estas considerações que queria fazer, não com o intuito de combater a proposta do Sr. Ministro dos Abastecimentos, mas no. de procurar, segundo o meu critério, melhorá-la o mais possível.

Tenho dito.

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: vejo com mágua que êste projecto não desperta interêsse da parte dos meus colegas, não estando talvez em número suficiente para honestamente, sem ter que fechar os olhos, o podermos votar.

Preciso de acentuar mais uma vez que, sendo um dos que apoiam o Govêrno,

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não há cousa alguma que me faça pôr de banda o meu livre arbítrio em questões fundamentais e mormente em questões de ordem económica.

Sr. Presidente: é para estranhar que para um assunto de tamanha magnitude se tivesse pedido a urgência e dispensa do Regimento. A verdade é que a proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos precisa de ser convenientemente estudada e maduramente reflectida, para depois nos podermos pronunciar sôbre ela com verdadeiro conhecimento do assunto.

Não é dum momento para o outro que podemos fazer um juízo seguro sôbre o que se contêm nessa medida. Por isso, Sr. Presidente, lembrava a V. Exa. e à Câmara a conveniência de se adiar a discussão por alguns dias, a fim de que os Deputados que se interessam por êstes assuntos a possam estudar convenientemente.

O que nos pedem afinal? Muito simplesmente que se vá modificar o sistema por que até agora o Estado influía sôbre as operações comerciais do país, maneira de actuar que estava, do resto, em acordo com o que lá fora se tem praticado em matéria de economia. Que perturbações pode vir esta medida a ocasionar, pois, na nossa balança comercial e económica? E difícil uma resposta imediata a tam momentoso problema.

Havia um certo número de artigos que importávamos do estrangeiro, como era o carvão, que nos era e é cedido pela Inglaterra. O Govêrno Inglês só o cedia ultimamente ao Estado e não a particulares. Para êsses e outros produtos, decretar, pois, a liberdade de comércio, é por ora enunciar um princípio que é uma aspiração, a não ser que se trate apenas de lazer circular a palavra - liberdade - para gáudio do indígena. Não seria, pois, melhor suprimir o artigo 1.° e substituí-lo, juntamente com o 4.°, por um único artigo que dissesse que, continuando o regime das restrições, se iria estabelecendo para cada artigo, à medida que as circunstâncias o aconselhassem, uma liberdade condicionada?

De resto tudo nos aconselha a que se caminhe nesta matéria a par da França, da Inglaterra e da América. E, assim, para quem não quiser, de ânimo leve, dar o seu voto sôbre esta proposta de lei, será necessário que se lhe dê o tempo necessário para a poder estudar atentamente.

Ora, Sr. Presidente, eu nem sequer sabia que o Sr. Ministro dos Abastecimentos fazia tenção de apresentar, hoje, a esta Câmara, esta proposta de lei. E como eu está a maioria dos que me escutam, de modo que talvez êles se encontrem no mesmo estado da perplexidade. Não sei se a liberdade de comércio, para um certo número de género de artigos, dará o resultado que se deseja. O que sabemos e que em diversas mercadorias se tem feito verdadeiros monopólios, a fim de se estabelecer uma alta de preços. Lembro-me que em tempos li na edição de O Século da noite um artigo a respeito dum inquérito feito pelo Sr. Carlos Rates sôbre a manufactura de calçado.

Nesse artigo dizia-se que o preço do calcado era exagerado e que n matéria prima abundava, embora estivesse açambarcada.

Tem-se dito que a liberdade de comercio vai favorecer uma alta ou baixa de preços. Estas afirmações fazem-se um pouco à vara larga, e não é demais que nos deixem fazer-lhe o côntrole, para evitar votos inconscientes, ou apressados, pelo menos.

De resto, há na proposta cousas que são absolutamente contrárias ao que eu penso. Por exemplo; neste momento, estou ainda convencido, quando estava quando pela primeira vez aqui levantei a questão, de que a criação de dois tipos de pão só serve para a moagem auferir grandes lucros, só serve para enriquecer os moageiros, cousa que não representa bem um interêsse nacional.

Tive nessa ocasião ensejo de dizer que, desde que o consumo de pão de 1.ª e de 2.ª não fôsse o estabelecido nesse primeiro decreto que regulou o assunto, mas fôsse o inverso, a moagem ganharia mais de 10.000 contos por ano, e posso provar que em dois meses ela ganhou cêrca de 2.000 contos.

Não reedito os argumentos de então, porque estão talvez ainda presentes no espírito dos Srs. Deputados.

Com franqueza, Sr. Presidente, não estou habilitado a modificar os meus juízos de então.

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Dê-nos, por consequência, o Govêrno dois ou três dias, ao menos, para nós podermos pronunciar com a justeza de raciocínio, própria de pessoas inteligentes, e com o conhecimento do assunto, sem o qual se não pode formar juízo.

Pedindo ao Govêrno que reconsidere e que deixe a proposta baixar às comissões para sua apreciação, eu presto ao público e ao Govêrno um alto serviço.

Tenho dito.

O Sr. João Pinheiro (Ministro dos Abastecimentos): - Sr. Presidente: ouvi com o maior prazer os ilustres Srs. Deputados que discutiram a minha proposta de lei, tendo, porém, notado uniu contradição entre as considerações do Sr. Adelino Mendes e as do Sr. Cunha Lial, muito embora com os mesmos intuitos.

O Sr. Cunha Lial (em aparte): - É porque somos dois homens livres!

O Orador: - O Sr. Adelino Mendes disse que é preciso acabar-se com o Ministério dos Abastecimentos, e creio que o Sr. Cunha Lial tem sôbre o assunto idêntica opinião.

Ora, apesar disso, trazendo eu à Câmara as medidas necessárias para, sem sobressaltos, se atingir êsse desideratum, o Sr. Cunha Liai pede que a minha proposta baixe às comissões, para elas darem o seu parecer, que se faça previamente o seu regulamento, etc., perdendo-se assim muitíssimo tempo.

O Sr. Cunha Lial (em aparte): - Permita-me V. Exa. uma interrupção, a fim de V. Exa. não estar laborando em êrro. O que eu entendo é que convêm fazer-se um consciencioso estudo à balança comercial do país, para se poder ver se convêm ou não a liberdade do comércio.

O Orador: - Se eu pudesse, neste momento, estabelecer a plena liberdade de comércio e de trânsito, traria à Câmara uma proposta de lei pura e simplesmente nesse sentido; mas, porque o posso fazer para determinados géneros, ainda com a condição e restrição, entendo que poderemos passar dum para outro regime por étapes.

Uma voz: - Então reduzia-se a quês tão ao artigo 4.° da proposta!

O Orador: - Eu cito um exemplo que 6 a justificação mais clara da minha proposta de lei.

Estabeleceu-se para o açúcar a liberdade de venda em Lisboa, não se tendo estabelecido para a província sem previamente se ver o que sucederia nesta cidade, e, apesar de em tempo de paz nunca se consumirem mais de 30 toneladas de açúcar diariamente, desde que a liberdade de venda foi restabelecida, a média elevou-se extraordinariamente.

Compreende, pois, V. Exa. que não podemos ir para a liberdade de comércio e de trânsito sem um certo número de restrições.

Se até agora, como V. Exa. sabe, as nossas condições de comércio e trânsito não têm permitido um regime de liberdade, isso tem sido devido, não tanto à falta de géneros, como à falta de transportes.

Hoje, porém, os transportes terrestres e, sobretudo, os marítimos, estão-se restabelecendo, vão caminhando para a normalidade. Temos, por consequência, que acompanhar êsse facto, no sentido do restabelecimento da liberdade de comércio e de trânsito, isto, evidentemente, com todo o cuidado, para que amanhã se não venha a dar a hipótese, que os Srs. Deputados Adelino Mendes e Cunha Lial receiam, de que os géneros venham a encarecer em prejuízo do consumidor.

Para isso é preciso que o Ministério dos Abastecimentos fique como uma espécie de regulador, até se chegar à completa liberdade de comércio e do trânsito.

Não posso, Sr. Presidente, precisar de momento, género a género, produto a produto, o que necessito e o que se deva considerar preciso para se restabelecer a normalidade de comércio.

Como, certamente, todos os Ministros que me precederam no Ministério dos Abastecimentos, tendo sido assediado, diariamente, por uma legião de indivíduos que tudo dizem vender em qualquer quantidade. Estabeleci, no emtanto, como norma, não comprar um só centavo de cousa alguma, - e, até hoje, ainda não efectuei nenhum contrato. E até êste momento tenho mandado rever todos os contratos feitos, anteriormente, à minha

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entrada para o Ministério, os quais na ocasião em que se fecharam foram muito bem efectuados, mas na altura do seu, cumprimento trazem prejuízo para o país.

Posso garantir que,. segundo informação do magistrado quê está fazendo um inquérito ao Ministério e que 6, ao mesmo tempo, o consultor, há contratos na importância total de cêrca de seis mil contos que precisam ser inutilizados.

Oferecem-me todos os géneros e a todos os preços e a nenhum dos proponentes eu deixo de dizer que traga os seus géneros para os vender na praça (Apoiados) a preços não excedendo os do uma tabela máxima.

Tendo falado em tabela, permita-me V. Exa. que eu diga ter o critério de que a tabela máxima deve ser um pouco mais elevada do que a actual, porque assim em maior quantidade afluirão os géneros e, dêsse modo, mais intensa será a concorrência, do que só resultará o barateamento que tanto desejamos.

Como já disse ao Sr. Cunha Liai e outros Srs. Deputados, Lisboa tem os meios precisos para melhorar o fabrico do pão, adoptando os dois tipos.

Sendo Lisboa a única cidade do país onde não existem ainda dois tipos de pão, não faz sentido que se não ponha em execução essa medida, tanto mais quanto é certo que na capital há mais condições para assim suceder. Os abusos que citou ô Sr. Cunha Lial não representam obstáculos a que se adoptem êsses dois tipos de pão, visto que uma fiscalização rigorosa pode coibi-los. Um abuso não pode influir para que se siga uma regra geral.

Portanto, não se deve deixar de tomar esta resolução, que me parece conveniente e vantajosa.

Hoje melhoraram muito as condições de transporte, - e estou convicto do que, dentro em pouco tempo, a situação, no que respeita a transportes se normalizará. Nossa altura poderão desaparecer todas as restrições ao comércio, voltando a liberdade completa. Se, actualmente, já se acentua a melhoria, em relação aos transportes, devemos acabar com algumas restrições no comércio, emquanto se não puder estabelecer a liberdade completa.

Eu tenho a mais alta consideração pelo Parlamento e nada quis fazer sem trazer aqui as bases gerais.

Peço a V. Exas. uma pequenina autorização, esperando que todos me auxiliem com o seu valor e com a sua lialdade.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: vejo que o público se desinteressa das questões económicas e financeiras que aqui se tratem, e se retira das galerias logo que as questões políticas cedem lugar aos assuntos económicos e financeiros de incontestável interêsse nacional.

Vieram para cá as galerias ouvir-nos com interêsse a todos, emquanto debatíamos pequenos assuntos partidários, mas depois vão lá para fora satisfeitas com o espectáculo e em paga... dizem mal de nós.

Eu por mim lamento que as minhas palavras sejam ouvidas por tam pouco público.

Lamento que tam pouca gente assista a esta discussão económica que pela primeira vez se discuta neste Parlamento. Esta revivescência da nossa actividade causa-me alegria, um alegrão; permitam-me a vulgaridade do termo.

Há muito tempo que nós reclamamos providencias similhantes às que agora só apresentam e reclamamos em geral no nome dos interêsses nacionais e das algibeiras martirizadas dos consumidores.

O Ministério das Subsistências tem de acabar, toda a gente o diz em grito. Até agora aqui do lado me dizem que nunca devia ter existido. Há muita gente que nunca deixou de o dizer.

O digno Ministro diz-nos que pensando tambêm assim não pode liquidar o Ministério dum momento para o outro.

Não se pode, depois de exercida uma rigorosa e regulamentadíssima fiscalização; deixar já completamente livre o comércio. Poderia seguir-se uma crise, cujos resultados gravíssimos fàcilmente se antevêem. A meu ver assim deve ser.

Não estamos ainda completamente livres das dificuldades de transportes que só a pouco e pouco aumentam e baixam de preço. A crise de produção ainda existe; os mercados permanecem incertos, com profundas oscilações.

Todos êstes factores anormais duma crise industrial e comercial ainda existem em grande parte e só pouco a pouco hão-de desaparecer; mas, entretanto, é ne-

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cessário que o Estado, perante crises ou abusos que podem ressurgir, se mantenha vigilante, pronto a acudir aos desequilíbrios e perturbações da produção, dos mercados, dos transportes e da revenda.

Mas o que é necessário, e desde já se afirma, é que necessitamos de marchar no sentido de conseguir a liberdade comercial, o sistema anterior, caminhando para lá serenamente, sem convulsões nem crises.

O antigo Ministério das Subsistências, que começa hoje a sua liquidação, foi uma instituição necessária, mas um mal, um gravíssimo mal, indispensável, para evitar maiores males, porque o Estado, quando compra, não compra como o particular.

Os comerciantes cerram perante êle fileiras para desfazer a concorrência, juntam em lote as ofertas e fazem pagar ao Estado o preço que lhes apetece.

O Estado compra coacto, tem de pagar o que lhe peçam na atmosfera de conluia que à sua volta se organizou. Quando assim não sucede, compra forçado por empenhes, por influências, por simpatias, em lamentáveis condições.

Em França, durante a guerra, viram--se, em matéria comercial, originalidades curiosíssimas.

Surgiam modistas de chapéus comerciando em feijões; uma actriz nova e bonita vendia tubos de ferro, através de secretários apaixonados.

Êstes intermediários comerciais, simpáticos e originais, ganhavam quantias inacreditáveis.

O Estado, comprando nestas ou em semelhantes condições, desmoralizasse e perde o prestígio; mas para que êle deixe de fazer compras, torna-se necessário estabelecer a liberdade de comércio.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos, concordando com estas ideas, vem hoje declarar à Câmara que de futuro não se fará qualquer compra de géneros... de mercearia, por conta do Estado o, assim, defendo o seu prestígio pessoal e o próprio prestígio do Estado. S. Exa. nunca comprou e não compra.

Por mais firme que exista o prestígio pessoal duma autoridade, não está nunca a coberto das suspeitas que uma rápida, onerosa e quási secreta negociação pode lançar ao seu cargo.

Tomámos hoje conhecimento, pelas palavras do Sr. Ministro, de que contratos realizados pelo Ministério das Subsistências, no valor de 6.000 contos, foram ou vão ser anulados pelo juiz sindicante, que descobriu irregularidades no seu cumprimento; e tem de ser assim, para bem de nós todos e prestígio do Estado e para que se volte ao sistema anterior, que nós todos desejamos, fazendo aparecer aio mercado, abaixados pela concorrência a razoáreis preços, os necessários produtos, sendo pois necessário que assim se faça.

Poucas palavras direi sôbre o artigo da lei que se refere aos novos tipos de pão. Podia o digno Ministro, aceitando exemplos anteriores resolver a questão extra-parlamentarmente. Não o fez. Entende, o bem, que deve ouvir a nossa opinião, aceitar e cumprir nosso conselho.

Eu louvo-o por êsse procedimento.

É Lisboa a única cidade de Portugal que come pão de um só tipo. E, Sr. Presidente, todos nós infelizmente sabemos, por experiência própria, como êsse único tipo de pão é de péssima qualidade.

Há quem diga que é feito de farelos.

Eu não sei se é feito só de farelos; parece-me que tem uma ligeira percentagem de farinha.

Mas, apesar disso - falo como consumidor - é péssimo. No sabor é pior que farelo, como diz a cantiga popular: sabe a tripas de pescada...

Em compensação, Sr. Presidente, êsse chamado pão é carissimo.

E é caro porquê? Porque não irá um tipo de pão fino que o rico pagasse melhor, para o pão do pobre poder ser mais barato.

É essa a vantagem de duas classes de pão. O preço do pão para o rico compensar o moageiro daquilo que perca ou deixe de ganhar no pão para o pobre.

Poderá suceder que o pão de segundo tipo, pão para o pobre, fique tam mau como é agora, mas o seu custo será descido. Já se haverá, portanto conseguido uma vantagem: a diminuição do preço.

Sr. Presidente: quero crer que brevemente o preço do pão poderá baixar a proporções razoáveis, visto que na proposta do Govêrno se consigna e estabelece a liberdade de comércio.

Desde o momento que o moageiro possa adquirir o trigo livremente a esta ou

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àquela entidade, necessàriamente procurará comprar no estrangeiro, onde encontre mais barato, o trigo que compense o déficit da produção nacional. O Estado poderá então obrigar o padeiro a baixar o preço do pão.

Estabeleça-se de novo a livre concorrência entre mercados fáceis que fàcilmente transportem os produtos. Veremos então a baixa ràpidamente realizada.

Assim, a Câmara deve aprovar a proposta do Sr. Ministro dos Abastecimentos.

De certo não pretende a Câmara discutir, até sem conhecê-lo, o regulamento que o Govêrno vai produzir.

E só ao Govêrno que pertence a faculdade de regulamentar as leis.

Pertence-nos, não há dúvida, a função de fiscalizar a aplicação do regulamento.

Portanto se mais tarde se verificar que êsse regulamento não produz os resultados desejados, a Câmara chamará para o caso a atenção do Govêrno, reclamando as indispensáveis modificações.

A proposta tal como se apresenta deve ser aprovada.

Não entro em minúcias de análise técnica.

Caminho no sentido dos dois princípios pelo que nós, a una você, temos clamado.

Toda a gente pede comércio livre, toda a gente pede duas espécies do pão, aparece realizado na lei o comércio livre, aparecem as duas qualidades de pão.

Que mais temos a fazer?

Votar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Figueiroa Rêgo: - Sr. Presidente: as considerações que vou fazer são absolutamente liais e despidas de quaisquer intuitos que não sejam, dentro dos meus fracos recursos, colaborar com o ilustre Ministro dos Abastecimentos, a cujas intenções presto sincera homenagem.

Eu abundo na opinião dos oradores que me antecederam, quanto à transcendência do projecto, e, por isso mesmo, lastimo que a Câmara, num momento que não quero classificar de precipitado, votasse a dispensa do Regimento.

Concordo com a urgência, porque realmente o assunto é instante, mas o facto de se ter votado a dispensa do Regimento privou S. Exa. o Ministro da colaboração especializada das comissões.

Não sei se estamos em altura de reconsiderar, mas o assunto é de tal monta que entendo devia baixar às comissões do comércio e da agricultura, para aí ser considerado, isto é, examinado nos seus múltiplos e desencontrados aspectos.

Toda a gente, de há muito, deseja ver restabelecida a liberdade de comércio e de trânsito.

A sua restrição, a sua coartação, bem caro tem custado ao Estado e ao consumidor.

As impensadas restrições, não só criaram uma artificial escassez de géneros alimentícios, como também por isso mesmo forçaram a uma artificiosa e especulativa alta de preços, ultrapassando em muito os das tabelas fixadas pelo Estado.

Reconheço que a liberdade de comércio pode e deve trazer uma natural concorrência entre os negociantes e, daí, o barateamento dos géneros.

Eu vou citar à Câmara um facto, que reputo edificante, e que até certo ponto corrobora a necessária, mas cautelosa marcha para a liberdade de comércio.

Há poucos dias tive o prazer do ser entrevistado por um delegado do Govêrno Inglês que vinha estudar as condições do abastecimento dalguns produtos que nos escasseiam, entre os quais figuravam o açúcar, arroz, batatas, sulfato de cobre, etc.

O Govêrno Inglês, guiado pela clássica previdência britânica, abasteceu-se largamente, de modo que os armazéns e mercados abarrotavam, na persuasão de que a guerra se prolongaria por largo prazo.

Vendo, porém, que terminada a guerra as disponibilidades excediam a possibilidade do consumo normal e alguns dêsses produtos eram de fácil deterioração, mandou delegados oferecê-los aos países aliados, em condições de preço, relativamente, próximas das condições de produção nacional.

Por consequência, reconhecendo eu a urgência dêste assunto, também não posso deixar de afirmar, perante a sua magnitude, que é indispensável sôbre êle um atento e especial estudo, que só as comissões lhe podem conseguir.

A doutrina do artigo 2.° afigura-se-me desnecessária.

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No regime dos preços máximos temos nós estado.

As tabelas de preços fixos deviam já representar o máximo porque o comerciante devia vender os seus géneros.

Parece-me, porém, que não se proibia a venda por preço inferior ao marcado na tabela.

E quando assim fôsse, era uma violência contra a qual os consumidores deviam protestar.

Ao facto, porém, a que temos assistido, é à venda dos géneros por preços muito além dos indicados nas tabelas, apesar da violenta, e por vezes arbitrária coacção dos agentes da fiscalização, no sentido de obrigarem os comerciantes a vender pelo preço da lei.

O Sr. Adelino Mendes (interrompendo): - O próprio Estado comprou muitos géneros por preços superiores aos da lei.

O Orador: - Diz V. Exa. muito bem. Eu conheço até alguns factos bem frisantes disso, como seja o da compra de trigos feita pela Manutenção Militar e da compra de vários géneros por conselhos administrativos de vários regimentos por preços muitos superiores aos da tabela.

Por consequência parece-me que êste artigo 2.°, sendo uma bela aspiração do Sr. Ministro das Subsistências, não terá aquela virtude que à primeira vista se nos afigura.

No regime do preços máximos temos nós estado sempre.

O que me parece melhor, portanto, é que, afixadas as tabelas, fomentemos a concorrência entre os comerciantes, se promova um largo abastecimento dos mercados, para assim só baratearem os produtos.

Pelo artigo 3.° estabelece-se dois tipos de pão de trigo. Êste assunto tem sido muito debatido aqui.

Entretanto, Sr. Presidente, vou também abordá-lo, não com aquele cuidado e competência que o assunto requere, mas com o alto interêsse moral e a simpatia que ao assunto eu tenho votado sempre, desde há dois ou três anos, em que pela primeira vez o debati na União da Agricultura, Comércio e Indústria.

Em tempos defendi a existência de dois tipos de pão, porque só se podia conseguir pão a preço razoável, sem gravame-maior para o Estado, indo-se buscar compensação a um tipo de pão de luxo.

O resultado, porém, desta disposição legal só deu em resultado a escassez do pão de segunda e a abundância do de primeira qualidade, sendo aquele simplesmente intragável.

Em vista disto, não tive dúvida em modificar a minha opinião. Não fica mal a ninguém fazer amende honorable.

Defenderei agora a manutenção dum único tipo de pão.

Vejo, com surpréza pouco agradável, confesso, voltar-se à questão dos dois tipos.

Presumo, com fundadas razões, a que obedece êste propósito.

Eu sei que nos celeiros municipais de vários distritos principalmente naqueles onde a produção cerealífera é abundante, existe muita farinha de primeira qualidade, evidentemente a preços altos. É, por esta razão principalmente, o para se dar esgoto a esta farinha, que se insiste, um pouco, junto do Sr. Ministro das Subsistências, para que se crie um tipo de pão de luxo.

Pelos diagramas legais não se pode extrair de 100 quilogramas do trigo mais de 80 quilogramas de farinha, assim dividida : 30 de primeira qualidade e 50 de segunda.

Em Lisboa o pão tipo único devia ser fabricado com o total da extracção, o que daria um excelente, nutritivo e bem apaladado pão.

Pois, Sr. Presidente, sucedo o caso espantoso de em muitos concelhos se comer pão de melhor qualidade fabricado só com os 50 por cento de farinha de segunda, ou com 85 por cento de extracção.

Por tudo isto, bom vê V. Exa. cometemos sido logrados e como os nossos estômagos têm sido forçados a um trabalho de digestão verdadeiramente violento.

Em Inglaterra, na Câmara dos Comuns, ao estudar-se o diagrama do pão, baseado em conselhos dos técnicos, que defenderam a possibilidade de se chegar a 90 por cento, um Deputado, porém, admitiu que só à custa do encarecimento da carne,, e da saúde pública tal diagrama se poderia manter.

Como se sabe, a celulose é de dificílima digestão e só certas espécies de animais

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a podem, economicamente, digerir, para o que se exigem condições fisiológicas especiais.

O encarecimento da carne com o diagrama de 90 por cento de extracção provinha, como é bem evidente, de só retirar do comércio o farelo e as sêmeas, que as espécies pecuárias alimentícias larga e economicamente aproveitavam. Daqui a escassez e encarecimento dos recursos alimentares dos animais, menor produção de carne e consequentemeate, em virtude da clássica lei da oferta e procura, a elevação do sen preço.

Por consequência, só como medida de momento e a título de experiência, para ressalvar prejuízos importantes, por intermédio dos celeiros municipais, entidades a quem o Govêrno tem abonado consideráveis créditos, é defensável a criação dum tipo de pão de luxo, fabricado com a farinha flor, espoada dentro do diagrama da lei.

Para que esta medida não seja mais um motivo de fraude, de logro, de gananciosa especulação indispensável uma rigorosa fiscalisação, para que a farinha destinada ao pão de segunda qualidade, não seja distraída para o fabrico de pão de primeira, devendo a respectiva proporção ser fixada pelo Govêrno, detalhes êstes que já pertencem ao regulamento que ao Govêrno compete elaborar.

Para finalizar, sou de parecer que o artigo 1.° devia ser eliminado, restringindo-se o assunto à doutrina do artigo 4.°

A Câmara manifesto o meu agradecimento pela atenção que se dignou prestar às minhas simples considerações.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): - Sr. Presidente: ouvi, com a maior atenção, o discurso do Sr. Deputado Figueiroa Rêgo, a quem agradeço as informações que teve a bondade de me dar. Devo, no emtanto, declarar que não tive conhecimento da visita da pessoa a que S. Exa. se referiu e que veio a Lisboa para tratar do abastecimento de açúcar o do batata. Creio bem que tal visita não é do meu tempo de Ministro, e desejo acentuá-lo, não vá alguém supor que tive interferência para que o comércio não fôsse abastecido por intermédio dessa entidade.

O Sr. Figueiroa Rêgo (aparte): - Não posso precisar se quando êsse delegado do Govêrno inglês veio a Lisboa já V. Exa. era Ministro, mas suponho que não.

O Orador: - Garanto a V. Exa. que comigo não falou.

Acêrca do açúcar, devo dizer que temos açúcar suficiente para abastecer o mercado de Lisboa. O que se tem feito sentir duma maneira extraordinária é a falta de transportes.

A respeito de batata devo dizer o seguinte: é que tenho declarado a toda a gente que estão no seu dispor as guias de trânsito para se fazer chegar a Lisboa a batata disponível com destino ao consumo da capital.

O artigo 1.° deve ficar tal como está redigido porque o que quis estabelecer foi o princípio do estabelecimento da normalidade.

Entendo que esta proposta de lei não fica bom sem que êsse princípio resulte perfeitamente claro.

Eu apenas quero, provisoriamente, a título de experiência, acompanhar as modificações que se vão dando para melhor no sentido de beneficiar o abastecimento, acabando com certas restrições à medida que elas deixem de ser necessárias.

Quanto ao artigo 4.°, que diz respeito aos dois tipos de pão, S. Exa. declarou que continua defendendo a idea que sempre tem defendido: o estabelecimento dum único tipo de pão. Eu já disse as razões que me levaram a criar dois tipos de pão.

As circunstâncias do mercado variaram. Já não há as dificuldades que até agora existiam. Já há mais trigo, fazendo-se o abastecimento muito mais à vontade, sem receio de fraudes. Por conseguinte, temos obrigação de experimentar, dentro do maior abastecimento de trigo, um novo regime, tirando assim Lisboa da excepção relativamente ao resto do país.

No dia em que se dêem as circunstâncias apontadas, de falta de farinhas de 1.ª qualidade, tentando-se fabricar pão de 1.ª com farinha do 2.ª qualidade, tomarei, com o auxílio do Parlamento, as medidas necessárias para impedir essa fraude. As fraudes não podem, todavia, obstar a que se adopte já o novo regime que as circunstâncias, aconselham.

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Ouvi, com a maior atenção, as considerações do Sr. Figueiroa Rêgo no sentido de que não só fizesse, grande extracção de farinhas, devendo reduzir-se, o mais possível, a percentagem.

Na regulamentação que se fizer da lei, deverão ser atendidos os desejos dor ilustre Deputado. Nestas condições acho desnecessário que a proposta de lei vá às comissões porque ela não ficaria mais esclarecida.

Parece-me, portanto, que êste assunto deve ficar resolvido no sentido de tornar mais fácil o problema, isto é, no sentido de estabelecer, quanto possível, a liberdade de comércio.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Melo Vieira: - Sr. Presidente: presto ao Sr. Ministro dos Abastecimentos as homenagens que merece pelo trabalho que S. Exa. aqui apresentou e que está estudado com aquele carinho que S. Exa. põe em tudo aquilo a que se consagra.

Só desejo tirar uma dúvida que se me oferece nas ideas de S. Exa.

O actual diagrama do pão dá 80 por cento de farinha de trigo e o pão assim fabricado é mau em absoluto.

Desejava saber se, com o diagrama baixo como é, será possível fazer dois tipos de pão, sendo o de 2.ª qualidade melhor que o actual.

Não posso compreender isso, apesar de todas as diligências que S. Exa. empregue e de todas as fiscalizações que exerça.

Não creio que o pão de 1.ª qualidade não seja em poucos dias uma verdadeira fraude.

Se vamos estabelecer êsses dois tipos de pão, em pouco tempo o pão de 2.ª qualidade será intragável, pois o fabricante há-de fazer isso para obrigar toda a gente a comprar pão de 1.ª qualidade.

Não sei o modo de resolver êste problema.

Por circunstâncias da minha vida fiz parte dama comissão que tratava da questão do pão. Nessa comissão estavam pessoas, competentes. Pois não se encontrou meio de evitar êsse mal, o cancro dos lucros ilícitos, desde que houvesse dois tipos de pão!

Não sei se a Câmara já ponderou a proporção necessária para fazer pão de 1.ª e 2.ª qualidades.

Eu sei que a moagem não cumpra hoje a lei, mas amanhã será o mesmo, e amanhã vamos ter um pão de 2.ª qualidade que ninguém poderá comer, para nos obrigarem a só comprarmos o de 1.ª qualidade.

Não é isso o que o Sr. Ministro deseja, mas não sei como evitar o perigo, não sei qual a forma como S. Exa. há-de fiscalizar o cumprimento da lei que quere estabelecer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Sr. Presidente: não quero deixar passar sem o meu protesto o facto da Câmara ter votado a dispensa do Regimento para esta proposta, que, pela sua importância, necessita ser devidamente estudada. A atitude da Câmara denota pouca reflexão, ou talvez uma errada compreensão das funções que lhe compete desempenhar.

Eu protesto.

O Sr. Melo Vieira: - V. Exa. protesta, mas não censura.

O Orador: - Sinto bastante, Sr. Presidente, não me considerar suficientemente habilitado para apreciar uma proposta desta natureza.

Presume-se que todos os indivíduos que fazem parte do Parlamento têm os necessários conhecimentos para discutir e votar os assuntos que aqui se ventilam; todavia há diplomas que, pelo carácter das relações jurídicas que estão destinados a regular, exigem um estudo prévio, a fim de que possam ser convenientemente modificados e aperfeiçoados.

Afigura-se-me, pois, sem nenhum desprimor ou desconsideração para com os meus ilustres colegas, que seria preferível que a proposta apresentada pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos só entrasse na ordem do dia no momento oportuno.

Em todo o caso, como õ Sr. Ministro pediu, e a Câmara votou, que se discutisse a sua matéria imediatamente, apenas tenho que acatar tal resolução.

Se me preguntarem se concordo com a proposta direi que sim, nem podia deixar

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de o fazer, porque fui sempre partidário da máxima liberdade, ou seja de associação, de reunião, de expressão de pensamento ou de comércio.

Admito os termos em que se acha redigido o artigo 1.°, sem embargo de me opor a que se dê ao Govêrno a faculdade consignada no artigo 4.°, isto é, de fixar quais os géneros sôbre que se não pode comerciar livremente.

Dar ao Govêrno poderes tam latitudinários importa torná-lo árbitro da vida económica do país, numa fase em que a produção, a circulação o distribuição tendem a normalizar-se.

Sr. Presidente: o Govêrno não fez preceder a proposta de lei em discussão do seu respectivo relatório, nem S. Exa. o Sr. Ministro das Subsistências justificou a restrição contida no artigo 1.° e completada pelo artigo 4.°

Se S. Exa. tivesse taxativamente mencionado quais os géneros acerca dos quais devo continuar a restrição do comércio e do trânsito, e ao mesmo tempo trouxesse a Câmara a necessária documentação para justificar essas restrições, era possível que mo decidisse a aceitar a doutrina da segunda parte do artigo 3.° e lhe fizesse o preciso aditamento, introduzindo-lhe um § único.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Isso é para ser tratado no regulamento, e para o regulamento o Govêrno não tem de pedir autorização a V. Exa., nem à Câmara.

O Orador: - Que diferença encontra V. Exa. entre uma lei e um regulamento?

Como V. Exa. não responde, sou levado a concluir que foi muito infeliz na sua observação.

Não tendo o Govêrno demonstrado a necessidade de estabelecer a restrição de liberdade de comércio e de trânsito para determinadas mercadorias, entendo que não devemos votar os artigos 1.° e 4.° do projecto, tal qual estão redigidos.

É meu propósito apresentar uma proposta de substituição a êsses artigos, reconhecendo a absoluta liberdade de comércio e trânsito, porque as restrições preceituadas nas leis vigentes só tem dado lugar a favoritismos, para os quais não estou disposto a contribuir de modo algum.

As circunstâncias de hoje não são as mesmas da época da guerra, havendo mudado considerávelmente as condições da, produção e transportes, como o próprio Sr. Ministro dos Abastecimentos acaba de confessar. Logo, se as circunstâncias mudaram o se as restrições eram provenientes do estado de guerra, e desde que melhoram os meios de transporte, quer ferroviários, quer marítimos, não há razão para se manter um regime que só tem prejudicado o país e dividido a família portuguesa, provocando lutas entre localidades vizinhas, em consequência dalgumas povoações não quererem consentir na saída da sua área dos géneros, que possuem em grande abundância, para os concelhos limítrofes.

Tudo isto, ainda agravado pelo criminoso proceder de certos indivíduos que, arvorando-se o papel de dirigentes dos celeiros municipais, tratam exclusivamente de si, pondo de lado o interêsse público.

Permita-me, V. Exa., Sr. Presidente,, que eu cito um exemplo que bem mostra a que resultados conduzem catas restrições de comércio o trânsito.

No concelho onde exerço as minhas funções do juiz, uma pobre mulher quiz mandar a seu filho um volume com roupas, e dentro dele, um pão de cêrca de 1:000 gramas. A empregada do correio estava proibida pelos seus superiores de aceitar encomendas postais contendo pão. Ao administrador do concelho, que podia conceder licença para a saída do pão, dirigiu-se a mulher, mas sem o mesmo resultado, por ter sido desatendida, na sua justa pretensão.

Ora, ao passo que isto se fazia a uma desgraçada viúva, consentia-se que os magnates exportassem em carroças todas as quantidades de pão e de outros géneros que queriam.

Estas restrições à liberdade de trânsito e de comércio só dão lugar, como se vê, a criar situações privilegiadas para determinados indivíduos, que, pelo seu prestígio ou pela fôrça do seu dinheiro, são tudo dentro das pequenas localidades, e que, valendo-se dessas circunstâncias, arroga-se o direito de perseguir o humilhar as classes desprotegidas da fortuna, que vivem honradamente do seu trabalho.

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O Sr. Melo Vieira (aparte): - E está V. Exa. tam zangado só porque um administrador de concelho cumpriu a lei!

O Orador: - V. Exa. com certeza que estava distraido. Os administradores do concelho e os presidentes dos celeiros municipais tinham a faculdade de conceder licenças de livre trânsito ao pão e outros géneros alimentícios. Ora, o administrador a que me refiro o que fez foi mau uso dum direito que a lei lhe conferia.

O Sr. Féria Teotónio (aparte): - O administrador de Arraiolos.

O Orador: - Eu não disse que era o administrador de Arraiolos!

O Sr. Féria Teotónio: - Mas disse que era o administrador do concelho onde exerce as suas funções de juiz, o que vem a ser a mesma cousa. Êsse administrador era certamente, incapaz de negar a guia para um só pão.

O Orador: - Foi assim que me contaram o caso, inclusivamente como pessoa da máxima confiança o de toda a respeitabilidade.

Sr. Presidente: de harmonia com o que venho de expor, afigura-se-me que não deve ser aprovada a proposta em discussão nos termos em que se encontra elaborada. É necessária a liberdade de trânsito e comércio, mas sem qualquer restrição, visto que as circunstâncias actuais não as exigem, e muito menos as poderiam justificar.

Nós que desejamos concorrer para um estado económico de prosperidade do país devemos empregar todos os esfôrços no sentido de tornar possível o desenvolvimento da riqueza nacional, e o bem estar das classes operárias.

Tenho dito.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinhmro): - O ilustre Deputado Sr. Melo Vieira disso que tem havido abusos na manipulação do pão fabricado sob o regime em vigor, e acredita, disse também, que êsses abusos continuem no regime que ca proponho.

Vê a Câmara que se nós levássemos esta opinião à sua conclusão última, encontrariamos, também, a sem razão do haver um único tipo do pão.

Como já disse, nós devemos empregar os nossos esfôrços para coibir todos os abusos que, porventura, se d6em, e para aperfeiçoarmos uma cousa má. O que não podemos, nem devemos, fazer é pôr de parte uma coisa pelo facto dela ter dado maus resultados, ou pela possibilidade de continuar a produzir êsses maus resultados.

Não posso ainda dizer qual deva ser o diagrama estabelecido, se 75 por cento se 80 por cento. Depende do regulamento, e, para fazer o regulamento, quero ouvir todas as entidades competentes e interessadas que me possam esclarecer.

Nessa ocasião, eu terei o prazer de ouvir o Sr. Melo Vieira, se a Câmara mo permitir, e S. Exa. com o seu conselho me esclarecerá!

Eu não sou moageiro nem padeiro. Preciso ouvir todos os competentes sôbre o assunto. Não vou fazer obra só pelo meu critério.

Em resposta ao Sr. Deputado Joaquim Crisóstomo, cujas preferências são pela absoluta liberdade de comércio, eu direi que V. Exas. podem fazer aprovar essa medida, mas sem o meu apoio, sem a minha responsabilidade e não estando eu dentro do Govêrno.

S. Exa. confundiu o sentido das minhas palavras. Eu disse que as circunstâncias dos mercados se estavam modificando para melhor, mas não disse que passávamos do regime económico para outro oposto. As circunstâncias dos mercados mundiais estão-se modificando, estão-se melhorando.

Não é justo que fique o regime que está, mas também não podemos passar, já, para um regime oposto, simplesmente porque os mercados vão beneficiando. (Apoiados).

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Peço a V. Exas. que me dêem todos os elementos para me esclarecer.

O que eu não posso é estar a vir, aqui, com modificações constantes. Não quero prejudicar ninguém.

Não sei se S. Exa. estava presente quando, há pouco, eu disse que em tempo

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de paz a média do consumo de açúcar era de trinta toneladas por dia, e que eu para experiência tinha, tornado livre a sua venda. Pois tenho a declarar que êsse consumo tem atingido uma média superior a duzentas toneladas por dia, - e estou certo de que êste facto não deixará de dar-se sem que toda a gente esteja convencida de que tenho açúcar suficiente para abastecer o mercado.

Sr. Presidente: como não desejo fazer uma longa dissertação, dou por findas as minhas considerações, declarando, mais uma voz, que u que pretendo estabelecer é o princípio da liberdade do comércio.

Tenho dito.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vai votar-se a proposta de lei na generalidade.

Foi aprovada a proposta de lei na generalidade.

O Sr. Presidente: - Vai discutir-se na especialidade

Foi lido na Mesa o artigo 1.°

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Pedi a palavra para mandar, para a Mesa a seguinte

Proposta de substituição

Proponho que o artigo 1.° da proposta em discussão fique redigido nos seguintes termos: "E restabelecida a liberdade de trânsito e de comércio." - O Deputado, Joaquim Crisóstomo.

Foi admitida.

O Sr. João Pinheiro (Ministro dos Abastecimentos): - Pedi a palavra para declarar que não posso aceitar a proposta de substituição do Sr. Deputado Joaquim Crisóstomo, visto ela ir invalidar toda a doutrina do artigo 4.°

Foi rejeitada a proposta de substituição do Sr. Deputado Joaquim Crisóstomo.

Foi aprovado o artigo 1.°

Foi lido na Mesa o artigo 2.°

Foi aprovado sem discussão.

Foi lido na Mesa o artigo 3.°

O Sr. Cunha Lial: - Sr. Presidente: nem a todos os Deputados convenceram os argumentos do Sr. Ministro dos Abastecimentos sôbre êste ponto do artigo 3.º embora todos concordemos com outras disposições deste projecto.

Parece-me, contudo, que podemos talvez achar uma fórmula de conciliação que satisfaça a opinião de todos nós.

Para isso basta que se acrescente ao corpo do artigo um aditamento.

Mando para a Mesa a respectiva

Proposta

Proponho que no artigo 3.° do projecto em discussão, adiante das palavras "são criadas", se acrescente "a título do experiência" - Cunha Lial.

Foi admitida.

O Sr. Ministro dos Abastecimentos (João Pinheiro): - Declaro que aceito a proposta de emenda do Sr. Cunha Lial.

Foi aprovada a proposta do Sr. Cunha Lial.

Foi aprovado o artigo 3.° com a emenda resultante da aprovação da proposta do Sr. Cunha Lial.

Foi lido na Mesa o artigo 4.°

Foi aprovado sem discussão.

Foi lido na Mesa o artigo 5.°

Foi aprovado sem discussão.

O Sr. Almeida Pires: - Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi dispensada a ultima redacção.

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: mando para a Mesa um projecto de lei, para o qual requeiro a urgência e dispensa do Regimento, concedendo uma pensão à viúva do poeta João Penha, há poucos dias falecido.

É o seguinte:

Projecto de lei

Art. 1.° A pensão que estava sendo usufruída pelo poeta João Penha é mantida em favor de seus irmãos, que no último período da velhice ficarão na miséria se tal pensão não lhes fôr conferida.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. - Adelino Mendes.

O requerimento não foi pôsto à votação por falta, de número.

O Sr. Costa Metelo: - Sr. Presidente: por falta de número sucede que muitas das comissões desta Câmara não podem

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funcionar nem apresentar, por conseguinte, os seus pareceres à discussão.

Nesse sentido e para obviar a êsse enorme inconveniente, mando para a Mesa, pedindo a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se esta lhe concede a urgência e dispensa do Regimento, uma proposta autorizando a Presidência a substituir os nomes da minoria monárquica que das comissões fazem parte, por outras pertencentes à maioria, podendo cada Deputado aceitar quatro comissões.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Requeiro a contagem.

Procedeu-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Encontram-se na sala 28 Srs. Deputados, número insuficiente para tomarmos deliberações.

O Sr. Costa Metelo: - Sr. Presidente: creio que já justifiquei a minha proposta e estou convencido também de que ninguém existe que a não ache razoável.

Por isso nada mais tenho a acrescentar às considerações de há pouco.

Mando a minha proposta para a Mesa. E a seguinte:

Proposta

1.° Que os Deputados da minoria monárquica sejam substituídos nas comissões por Deputados da maioria em virtude da perda de mandato;

2.° Que cada Deputado seja autorizado a fazer parte de mais de quatro comissões. - Costa Metelo.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Como não há número para votações e tenhamos de tomar uma resolução sôbre a admissão da proposta do Sr. Costa Metelo e como faltam apenas quatro minutos para a hora de encerramento da sessão, vou levantar os trabalhos da Câmara. Antes disso, porém, cumpre-me declarar a V. Exas. que a comissão de inquérito parlamentar, resultante da proposta do Sr. Adelino Mendes, aprovada pela Câmara, ficou assim constituída:

António Luís da Costa Metelo Júnior.
José Augusto de Melo Vieira.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.

O Sr. Adelino Mendes: - Sr. Presidente: estranho muito que, contra todas as praxes seguidas nesta Câmara, sendo eu o autor da proposta pela qual foi criada esta comissão, o meu nome tivesse sido excluído da composição da comissão referida.

A Mesa acaba de desconsiderar-me.

Por minha parte declaro a V. Exa. desde já que não quero fazer parte dessa comissão; mas não posso deixar de registar a desconsideração que me fizeram.

Parece que a Mesa tem medo das extremas esquerdas e tanto assim que nem sequer a minoria socialista faz parte da comissão!

Peço a V. Exa. que faça inserir na acta o meu veemente protesto pela falta de cortezia e consideração com que a Mesa tratou um membro desta Câmara.

O Sr. Alfredo Machado: - Envio para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro com toda a urgência, pelo Ministério das Subsistências e Caminhos de Ferro do Estado, me seja enviada uma nota da data em que se constituiu o Tribunal Arbitral para resolver a questão da Arrancada, determinada pelo decreto de 12 de Maio de 1913.

No caso de não ter sido cumprido êsse diploma, quais as razões porque o não foi e cópia de qualquer correspondência oficial que haja sôbre a matéria. - Alfredo Machado.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Quem nomeou os membros da comissão foi o Sr. Presidente efectivo, mas estou certo de que S. Exa. não teve em vista melindrar o Sr. Adelino Mendes.

A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, sendo a ordem do dia a que estava dada para hoje e mais a interpelação do Sr. Fidelino de Figueiredo ao Sr. Ministro de Instrução Pública.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

O REDACTOR - Melo Barreto.

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