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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 28

EM 20 DE FEVEREIRO DE 1919

Presidência do Exmo. Sr. José Nunes da Ponte

Secretários os Exmos. Srs.

Francisco dos Santos Rompana
Eduardo Fialho da Silva Sarmento

Sumário. - Abre a sessão às 15 horas e 15 minutos com a presença, de 34 Srs. Deputados. Aprova-se sem discussão a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente, informa que estão presentes 40 Srs. Deputados. - O Sr. Féria Teotónio manda para a Mesa um parecer da comissão de infracções e faltas, requerendo urgência e dispensa do Regimento - requerimento que se não votou por não haver número para deliberar. - O Sr. Ministro do Trabalho (Dias da Silva) apresenta uma proposta de lei, abrindo um crédito especial para acudir à crise do operariado. Requere urgência e dispensa do Regimento - requerimento que também se não vota por não haver número. - O Sr. Fidelino de Figueiredo apresenta e justifica um projecto de lei de organização do Conselho Superior de Instrução Pública. - O mesmo Sr. Deputado refere-se a um incidente da sessão anterior, sôbre que usam da palavra os Srs. Amâncio de Alpoim e Manuel Bravo, dando o Sr. Presidente o incidente por liquidado por se ter tratado apenas duma questão política. - O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas) apresenta uma proposta de lei de autorização ao Govêrno para defesa da República. Requere urgência e dispensa do Regimento, que são aprovadas, entrando a proposta em discussão. Usa da palavra o Sr. Francisco José Fernandes, e como as galerias se manifestem, o Sr. Presidente interrompe a sessão.

Eram 16 horas e 40 minutos.

Reaberta a sessão às 17 horas e 25 minutos, usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério, concluindo em seguida o seu discurso o Sr. Francisco José Fernandes. Usa. da palavra o Sr. Fidelino de Figueiredo, e como as galerias voltem a manifestar-se, o Sr. Presidente encerra a sessão, declarando que a imediata, com a mesma ordem do dia, terá lugar quando se anunciar pelo "Diário do Govêrno".

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adelino Lopes da Cunha Mendes.
Afonso José Maldonado.
Alberto Malta de Mira Mendes.
Alfredo Pinto Lelo.
Alfredo Machado.
Amâncio de Alpoim Toresano Moreno.
António Lino Neto.
António Luís da Costa Metelo Júnior.
António Martins de Andrade Veles.
António dos Santos Jorge.
Domingos Ferreira Martinho de Magalhães.
Eduardo Dario da Costa Cabral.
Eduardo Fialho da Silva Sarmento.
Eurico Máximo Carneira Coelho e Sousa.
Fidelino de Sousa Figueiredo.
Francisco José Lemos de Mendonça.
Jerónimo do Couto Rosado.
João Baptista de Almeida Arez.
João Calado Rodrigues.
Joaquim Faria Correia Monteiro.
Joaquim Isidro dos Reis.
José de Almeida Correia.
José Carlos da Maia.
José Féria Dordio Teotónio.
José Nunes da Ponte.
José Vicente de Freitas.
Luís Monteiro Nunes da Ponte.
Manuel Pires Vaz Bravo Júnior.
Maurício Armando Martins Costa.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Pedro Joaquim Fazenda.
Pedro Sanches Navarro.
Ventura Malheiro Reimão.
Vítor Pacheco Mendes.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adriano Marcolino de Almeida Pires.
Alfredo Marques Teixeira de Azevedo.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Augusto Pereira Teixeira de Vasconcelos.
António Bernardino Ferreira.
António Caetano Celorico Gil.
Artur Augusto de Figueiroa Rogo.
Carlos Alberto Barbosa.
Carlos Henrique Lebre.
Duarte Manuel de Andrade Albuquerque Bettencourt.
Francisco Joaquim Fernandes.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Francisco dos Santos Rompana.
João Baptista de Araújo.
João Henriques Pinheiro.
José Feliciano da Costa Júnior.
Luís Nóbrega de Lima.
Mário Mesquita.

Não compareceram os Srs.:

Albano Augusto Nogueira de Sousa.
Alberto Castro Pereira de Almeida Navarro.
Alberto Dinis da Fonseca.
Alberto Pinheiro Tôrres.
Alberto Sebes Pedro do Sá e Melo.
Alberto da Silva Pais.
Alexandre José Botelho do Vasconcelos e Sá.
Alfredo Pimenta.
Álvaro Miranda Pinto de Vasconcelos.
Aníbal de Andrade Soares.
António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.
António Duarte Silva.
António Ferreira Cabral Pais do Amaral.
António Hintze Ribeiro.
António Luís de Sousa Sobrinho.
António Maria de Sousa Sardinha.
António Miguel de Sousa Fernandes.
António dos Santos Cidrais.
António Tavares da Silva Júnior.
António Teles de Vasconcelos.
Armaúdo Gastão de Miranda e Sousa.
Artur Mendes de Magalhães.
Artur Proença Duarte.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Camilo Castelo Branco.
Carlos José de Oliveira.
Domingos Garcia Pulido.
Duarte de Melo Ponces de Carvalho.
Eduardo Augusto de Almeida.
Eduardo Fernandes de Oliveira.
Egas de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.
Eugénio de Barros Soares Branco.
Eugénio Maria da Fonseca Araújo.
Fernando Cortês de Pizarro Sampaio e Melo.
Fernando de Simas Xavier de Basto.
Francisco de Bivar Weinholtz.
Francisco da Fonseca Pinheiro Guimarães.
Francisco José da Rocha Martins.
Francisco Miranda da Costa Lobo.
Francisco Xavier Esteves.
Gabriel José dos Santos.
Henrique Ventura Forbes Bessa.
João Henrique do Oliveira Moreira de Almeida.
João Monteiro do Castro.
João Ruela Ramos.
João Tamagnini de Sousa Barbosa.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Madureira.
Joaquim Nunes Mexia.
Jorge Augusto Botelho Moniz.
Jorge Couceiro da Costa.
José Adriano Pequito Rebelo.
José Alfredo Mondes de Magalhães.
José Augusto de Melo Vieira.
José Augusto Moreira de Almeida.
José Augusto Simas Maldonado.
José Cabral Caldeira do Amaral.
José Caetano Lobo do Ávila da Silva Lima.
José Eugénio Teixeira.
José do Figueiredo Trigueiros Frasão (Visconde do Sardoal).
José Jacinto de Andrade Albuquerque Bettencourt.
José João Pinto da Cruz Azevedo.
José de Lagrange e Silva.
José Luís dos Santos Moita.
José das Neves Lial.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Sucena.
Justino de Campos Cardoso.
Manuel Ferreira Viegas Júnior.
Manuel José Pinto Osório.
Manuel Rebelo Moniz.
Martinho Nobre de Melo.
Miguel de Abreu.
Miguel Crespo.
Serafim Joaquim de Morais Júnior.
Silvério Abranches Barbosa.
Vasco Fernando de Sousa e Melo.

Às 15 horas e 15 minutos o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

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O Sr. Presidente: - Estão presentes 34 Srs. Deputados, número insuficiente para se abrir a sessão, ler-se a acta e votá-la.

Foi lida e aprovada a acta sem discussão.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Justificação de faltas

Dos Srs. Albuquerque Bettencourt e Gabriel dos Santos, por motivo de doença.

Para a comissão de infracções e faltas.

Ofício

Do Ministério da Justiça e dos Cultos, enviando o mapa dos funcionários adidos ao mesmo Ministério.

Para a Secretaria.

Agradecimento

Ofício do encarregado de negócios da República, de Cuba, agradecendo os exemplares que havia pedido do Regimento interno do Congresso da República Portuguesa.

Arquive-se.

Representação

De seis oficiais do exército, acompanhando um projecto para que os seus interêsses, mencionados no mesmo projecto, sejam, uma compensação dos seus esfôrços nos campos de batalha, referentes aos trabalhos dos seus camaradas milicianos que se bateram em França.

Para a comissão de petições.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 30 minutos): - Estão presentes 40 Srs. Deputados, número insuficiente para a Câmara deliberar. No entretanto, se algum Sr. Deputado quiser usar da palavra para tratar dalgum assunto, pode fazê-lo.

Antes da ordem do dia

O Sr. Féria Teotónio: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa um parecer da comissão de infracções e faltas.

Requeiro urgência e dispensa do Regimento para êsse parecer.

O Sr. Presidente: - Por emquanto não há número para deliberar.

O Sr. Ministro do Trabalho (Dias da Silva): - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar uma proposta de, lei abrindo no Ministério das Finanças um crédito especial a fim de atenuar quanto possível a situação desgraçada em que se encontram os operários sem trabalho.

Creio que a Câmara me dispensará de fazer a sua exposição.

Leu.

Para ela requeiro urgência e dispensa do Regimento.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não posso por emquanto submeter o pedido de V. Exa. à Câmara porque não há número para deliberar.

A proposta apresentada é a seguinte:

Proposta de lei

Art. 1.° É aberto no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Trabalho, um crédito extraordinário de 500.000$ para a atenuação da crise de trabalho em Lisboa e fora.

Art. 2.° Esta importância será inscrita no orçamento do Ministério do Trabalho para o corrente ano económico pela forma seguinte:

Capítulo 13.°: Crise de trabalho.

Artigo 52.°:

Despesas de pessoal, material e outras.

Para pagamento de despesas destinadas a fazer face à crise de trabalho em Lisboa e fora, 500.000$.

Art. 3.° O Ministro do Trabalho regulará a aplicação da verba descrita no artigo anterior como julgar mais oportuno e conveniente, de modo a resultar do referido encargo a maior utilidade possível para o Estado.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, de Fevereiro de 1919. - António de Paiva Gomes.

Não teve consulta, nos termos da rubrica do Sr. 1.º secretário.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa um

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projecto de lei regulando as funções do Conselho Superior de Instrução Pública. O Conselho Superior de Instrução, como se usa dizer na nossa retórica política, foi um baluarte dos direitos e regalias do professorado. Houve então um Ministro da Instrução que com êle investiu, e desde então nunca mais funcionou com regularidade, e nós, professores, perdemos êsse último reduto das nossas garantias. Êste projecto estava para ser pôsto em execução pelo nosso excelso Presidente da República, mas a sua morte não o deixou fazer.

O diplomei que tenho a honra do enviar para a Mesa dá satisfação às reclamações do professorado. Êle não só torna mais prática, mais viável, a organização do Conselho, mas contêm também matéria que dispensa a publicação de qualquer outro diploma. O Conselho, desta forma, tem atribuições soberanas em matéria disciplinar e consultiva.

Aproveito a ocasião de estar com a palavra para dar e pedir uma explicação. Para dar a V. Exa. uma explicação, a V. Exa. que me merece o mais alto respeito e a mais alta simpatia pelas suas virtudes.

Sr. Presidente: devo apresentar as mais sinceras desculpas acerca do incidente que aqui se deu na última sessão, mas devo dizer a V. Exa. que não fui eu o culpado.

Peço a V. Exa., como árbitro supremo, como chefe desta casa e como principal zelador da dignidade dos seus membros, que consulte o Sr. Amâncio de Alpoim sôbre se êle pronunciou a frase que os jornais lhe atribuem.

Depois disso, pedirei a V. Exa. que consulte a Câmara para eu saber quais são as razões por que aquele Sr. Deputado ou qualquer outro membro da Câmara não se me pode dirigir.

Aguardo que V. Exa. promova essa satisfação.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - V. Exa. dá-me a palavra?

O Sr. Presidente: - Parece-me que o Sr. Amâncio de Alpoim não teve o mais pequeno intuito de melindrar o Sr. Deputado que acabou de falar, assim como me parece que o Sr. Fidelino de Figueiredo não teve também êsse intuito em relação àquele Sr. Deputado. Portanto, julgo-me autorizado, pela muita consideração que os Srs. Deputados me merecem, a declarar que da parte de nenhum dos Srs. Deputados referidos houve o mais ligeiro intuito o de se melindrarem.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Tenho por princípio assente não tratar no Parlamento assuntos pessoais.

Particularmente concordei com o Sr. Rompana, que da Mesa me procurou para falar a respeito dêste assunto, encarando-o apenas debaixo do aspecto político. Lamento que me não deixassem falar primeiro.

A Câmara não deve perder tempo com casos pessoais. Não os trago para a Câmara, encarando assim as minhas palavras, a que, tam somente sob a feição política, eu devo dizer, que com as minhas expressões só tive a intenção de marcar a seguinte idea.

Havendo uma certa irredutibilidade política da parto do Sr. Deputado que me precedeu na palavra, contra certos elementos partidários, como nas minhas palavras existia só o propósito de acalmação, concórdia e fraternidade, entendia que a êsse Sr. Deputado não tinha que me dirigir, porque de certo a êle não o convenceria eu no sentido dessa concórdia, no sentido dessa fraternidade.

Não tenho de dar mais explicações.

Se alguém quere encontrar nas minhas palavras qualquer alcance pessoal, e deseja explicações a êsse respeito, £sse alguém não é aqui que mas deve solicitar. Deve procurar para êsse fim as vias particulares próprias em tais casos.

Se bem me recordo, o incidente foi provocado, não por uma frase minha, mas por uma interrupção feita pelo Sr. Deputado, que me antecedeu no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Não houve intenção do ofender pessoalmente...

O Orador: - Se V. Exa. me dá licença, essa explicação, que eu darei num sentido ou noutro, desculpe-me V. Exa. lhe

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diga que a não devo dar por intermédio da Mesa.

Em questões de honra, a Câmara não julga.

O Sr. Presidente: - A Mesa tem obrigação de fazer respeitar todos os Srs. Deputados. Ora, eu não julgo que o Sr. Amâncio de Alpoim tivesse intenção, nas suas palavras, de ofender o Sr. Deputado Fidelino de Figueiredo.

O Orador: - Ninguém presta a V. Exa., Sr. Presidente, maior justiça e mais alto preito de consideração do que eu. Se V. Exa., particularmente, me falasse neste assunto, eu pessoalmente todas as explicações lhe daria, porque eu sei bem quais são os meus deveres e os direitos alheios, por isso sei principalmente também quais são os meus direitos, e deles não abdico.

Coloco apenas as questões onde elas devem ser colocadas.

A política trago-a para aqui; as questões particulares, lá para fora.

Se esse Sr. Deputado tem qualquer explicação a reclamar, particularmente, faça-o dessa maneira, particularmente, mas dessa demarche não tem a Câmara de tomar conhecimento.

Faço a explicação política e mais nenhuma.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que me reserve a palavra sôbre o assunto, porque posso ter necessidade de voltar a falar.

O Exmo. Presidente não reviu as suas palavras de intervenção, intercaladas no discurso do Sr. Deputado Alpoim.

O Sr. Presidente: - Desde que o Sr. Amâncio do Alpoim declara que só traz para esta Câmara a política, julgo que o incidente deve estar liquidado.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Se V Exa., Sr. Presidente, me permite as últimas palavras sôbre o assunto, eu responderei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Fidelino de Figueiredo.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Sr. Presidente: êste assunto não é político, e por isso não deve ser considerado como tal.

O Sr. Deputado Amâncio de Alpoim, cujo nome eu não tenho pejo em pronunciar aqui, como S. Exa. tem de pronunciar o meu, esteve a apreciar a minha qualidade política, mas não respondeu, categoricamente, à minha pregunta.

É um princípio de boa correcção e de boa cortezia que onde a afronta se faz. ou é praticada, aí deve ser ela desfeita. (Apoiados).

Aquela frase, dita ou não, teve lima longa publicidade, e ela é perigosa, não tanto pelo que significa, como pelo que deixa a duvidar.

Neste momento, em que o meu nome anda na boca de todos, em que eu sou alvo de manifestações hostis, em que eu, como funcionário do Ministério da Instrução, estou sendo objecto duma sindicância, aquelas palavras deixam adivinhar o conteúdo que se lhes quis atribuir, e V. Exa., Sr. Presidente, que tem uma carreira bem mais adiantada do que a minha, e, como eu há pouco disse, cujo carácter está acima de qualquer suspeição, V. Exa. deve prestar à minha indignação a devida justiça.

Sr. Presidente: há o direito de exigir a um homem todos os sacrifícios, e, desde 5 de Dezembro, eu fiz todos os que podia fazer.

Dei o concurso mais lial das conclusões a que tinha chegado no recolhimento do meu gabinete, porque nunca regateei o meu concurso lial e desinteressado; e eu que, na minha vida, tenho sofrido vária s acusações, nunca da minha honra alguém disse que ela fora desonesta.

A minha honra foi salpicada, e eu nessa parte sou muito cioso da minha personalidade.

Portanto, a questão reduz-se ao seguinte : ou a frase foi pronunciada nesta Câmara ou não. Diz-se que essa frase foi pronunciada nesta Câmara, se foi pronunciada nesta Câmara; da deve ser, aqui., retirada pelo Sr. Deputado que a pronunciou. Essa frase foi publicada no relato dos jornais e, portanto, é aí que deve ser dada a sua explicação.

Sr. Presidente: para terminar as minhas considerações, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que muito nitidamente, com a clareza do método scientífico que me ensinaram, pregunte ao Sr. Deputado que pronunciou essa frase, contra o qual não

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tenho nenhuma animosidade, apesar de estarmos de relações cortadas há catorze anos, porque ou sempre guardo o culto da camaradagem, visto que fomos condiscípulos; que muito nitidamente pregunto se o Sr. Amâncio de Alpoim pronunciou a frase que vem publicada nos jornais.

Peço também a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se sabe quais as razões pelas quais aquele ou qualquer outro Sr. Deputado se não me pode dirigir ou invocar o meu nome.

Peço desculpa à Câmara de lhe ter tomado algum tempo, mas a questão é grave.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - O Sr. Amâncio de Alpoim não pronunciou a frase a que V. Exa. se referiu. O meu desejo não pode ser senão o da maior concórdia entre todos os Srs. Deputados.

O Sr. Amâncio de Alpoim já disse que não trouxe para a Câmara questões pessoais.

O Orador: Eu peço a V. Exa. que formule ao Sr. Deputado a minha pregunta, a fim de que S. Exa. me do uma resposta, sem a qual não posso permanecer nesta sala.

O Sr. Presidente: - Parece-me deduzir das palavras do Sr. Amâncio de Alpoim que nelas não houve ofensa, mas devo declarar que não conheço bem a questão, porque não a ouvi nem a li no relato dos jornais.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Vou narrar a V. Exa. como o incidente se passou.

O Sr. Amâncio de Alpoim fazia considerações, defendendo o projecto de lei sôbre a dissolução do Parlamento.

Eu fiz um àparte que, confesso, foi impertinente e de que me arrependo, mas V. Exa., Sr. Presidente, sabe que há pessoas que não podem conter os seus nervos e eu sou uma delas. Nessa ocasião, dirigi-me a V. Exa. preguntando se o orador que estava usando da palavra, falava para as galerias ou para a Câmara. Êsse Sr. Deputado disse que não se me dirigia, por motivos especiais.

Vejo no relato dos jornais da noite e nos da manhã, do dia seguinte, que a frase tinha sido transformada do modo seguinte:

- A S. Exa. não me dirijo pelas razões que toda a Câmara conhece.

Desejo saber se a Câmara conhece quais são essas razões, porque quero saber se sou algum, animal tinhoso que pegue peste.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Exmo. Presidente não reviu as suas palavras de intervenção, intercaladas no discurso do Sr. Fidelino de Figueiredo.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: êste incidente devo ter ficado liquidado com a acta da sessão respectiva.

Pregunto a V. Exa. se, porventura, na acta da sessão anterior consta qualquer passagem que constitua um agravo para qualquer Sr. Deputado.

Foi lida na Mesa a acta da última sessão.

O Sr. Manuel Bravo: - Sr. Presidente: uma vez que a acta não contêm nenhuma passagem disprimorosa ou ultrajante para o decôro parlamentar, eu entendo que o incidente não pode prosseguir, sejam quais forem as razões pessoais que entre dois Srs. Deputados existam há muito ou pouco tempo.

Nestas condições, proponho a V. Exa. que a discussão fique encerrada.

O orador não reviu.

O Sr. Amâncio de Alpoim: - Sr. Presidente: eu já tinha pedido a palavra a V. Exa., e julgo que deveria falar antes de mais ninguém.

O Sr. Presidente: - Concedi em primeiro lugar a palavra ao Sr. Manuel Bravo, por isso que S. Exa. ma tinha pedido para explicações.

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Eu creio que sou claro a falar, mas, vou procurar fazê-lo ainda com mais clareza.

O assunto é muito simples, e não tem nada de complicado.

Os jornais atribuem-lhe, uma frase que não consta da acta, mas que eu recolho porque é minha.

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Como essa frase, porém, poderia prestar-se a uma interpretação diferente do sentido que lhe dei, ou explico-a.

Procurei apenas definir que êsse Sr. Deputado era pessoa que não podia concordar com as minhas palavras, por isso que tinha marcado uma situação política de absoluta irredutibilidade com várias correntes de opinião desta Câmara, não podendo, portanto, numa questão de concórdia, ser por mim aconselhado.

Tudo quanto seja fazer derivar desta frase um elogio ou uma censura, é transformar a Câmara em lugar para derimir questões pessoais.

Por mim, dei já a explicação clara do que disse. Mais longe não vou por cousa alguma dêste mundo, porque creio que procedo como homem de bem, explicando o que proferi, sem fazer elogios nem censuras.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Considero suficientemente esclarecido o assunto e dou-o por liquidado.

Cumpre-me agradecer ao Sr. Amâncio de Alpoim, de cuja delicadeza eu nunca duvidei, as explicações que S. Exa. deu à Câmara e que se me afiguram absolutamente satisfatórias.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Agradeço a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, as explicações dadas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei, cuja urgência se imporá a toda a Câmara. Não preciso de justificar êste projecto porquanto entendo que êle está no ânimo de toda a Câmara, e espero que esta lhe dará o seu apoio.

É o seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° São conferidas ao Poder Executivo as faculdades necessárias para a actual conjuntura, e em vista das circunstâncias que a determinaram, garantir ordem em todo o país, tomando, a respeito do funcionalismo público, civil ou militar, as medidas extraordinárias que julgue indispensáveis para a defesa e segurança da República.

Art. 2.° O Poder Executivo dará oportunamente conta ao Congresso do uso que fizer das faculdades concedidas no artigo anterior.

Art. 3.° Esta lei entra imediatamente em vigor e revoga toda a legislação em contrário.

Sala das Sessões, 20 de Fevereiro de 1919. - José Relvas.

Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se lhe concede a urgência e dispensa do Regimento.

O orador não reviu.

Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.

Foi lida na Mesa a proposta de lei.

O Sr. Celorico Gil: - Durante oito anos fui, tanto aqui como lá fora, o defensor sincero dos interêsses dos conservadores, abrangendo nesta palavra, tanto os monárquicos como os republicanos. Entendi eu sempre, Sr. Presidente, que era necessário haver em Portugal dois partidos republicanos: um avançado e outro moderado.

No ano decorrido, êsse calamitoso ano, um dos mais terríveis de Portugal, em que o país foi administrado pior que nunca, eu vi a atitude dos monárquicos, tanto no Parlamento como fora do Parlamento, e confesso que mudei de critério. De conservador que fui sinto-me hoje na vanguarda das vanguardas.

Repare V. Exa.: vanguardas, acentuo.

Não há que hesitar. Esta República e esta Pátria só se salvam com uma República avançadíssima.

Quando aqui, nesta casa, sozinho, não recebi o subsidio, vi nos jornais as maiores troças ao subsídio, destacando-se nelas o jornal do Sr. Moreira de Almeida. Mal se julgaria que depois seria aprovada nesta casa, pelos próprios monárquicos, uma proposta para que os Deputados recebessem o subsídio durante o interregno parlamentar! Então uma só voz se ergueu aqui a protestar contra êsse abuso. Essa voz foi a minha.

Sr. Presidente: jamais bati nos vencidos. Não bati nos vencidos de 1910. Não bati nos vencidos democráticos. Mas ago-

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ra, Sr. Presidente, exijo para os monárquicos a máxima vingança. Crimes como aqueles que êsses bandidos praticaram só com a última das vinganças se podem pagar.

Isso que vem na proposta que se discute não é nada.

Eu quero mais; eu exijo muito mais, E mais hei-de obter.

Eu não quero só isso. Eu quero muito, muito mais. Eu quero que se lhes arranque a bolsa. Ah! Sr. Presidente, enganaram-mo, o quando só engana um homem como ou, não se esperem contemplações. Hei-de rufar-lhes na pele; hei-de arrancar-lhes a carteira das algibeiras, para pagarem os crimes que praticaram.

Essa proposta pede pouco, quási nada. É uma gota de água no Oceano. Eu quero mais, muito mais.

Eu vou já dizer ao Govêrno o que tem a fazer.

Eu quero a seguir outra proposta, e digo quero, porque no dia em que me não obedecerem, falando, como falo, pela boca da República, saberei ir até o tablado do comício, dizer ao povo que está sendo enganado, que não pode continuar a ser reduzido à expressão mais simples, som esmagar ossos bandidos, que roubaram os cofres do Estado, e até muitos papéis de instituições de beneficência.

Bandidos! Covardes, que tiveram a coragem de arrancar as unhas dos presos e matar presos que iam pelas ruas do Pôrto, de uma cadeia para outra!

De hoje para futuro contem comigo na vanguarda das vanguardas.

Não contem com um homem de ocasião. Contem com um homem que se encontra firme, inabalável, no desejo de vencer e tem vencido. A guerra aos monárquicos é necessária. Guerra de extermínio. Guerra até a morte.

E preciso, Sr. Presidente, que tenham a certeza que não hão-de levar a melhor.

Sr. Presidente: êsse projecto é alguma cousa, mas repare bem o Sr. José Selvas: é pouco, é muito pouco.

Eu queria que com êsse projecto viesse outro que dissesse assim: Todos os proprietários monárquicos que tenham propriedades no valor superior a 20 contos, aplicam-se-lhes as taxas do Sr. Afonso Costa. E preciso ir-lhes às algibeiras. As matrizes prediais desde 1885, que têm um valor insignificante, precisam de nova avaliação, e a todo o proprietário que tiver mais de 20 contos, r aplica-se a taxa do Sr. Afonso Costa. É preciso castigar êsses que deram a sua palavra de honra, e que depois praticaram o crime mais hediondo, o da guerra civil.

Sr. Presidente: é necessário rufar-lhes na pele e ir-lhes às carteiras; pois êles ainda andam por aí a rir-se. Julgam que isto agora é o mesmo que das outras vezes; mas não, amanhã virá um grande partido, formado pelos democráticos e evolucionistas, e então os melhores republicanos não consentirão no seu seio nenhum aventureiro.

Sr. Presidente: eu vim de propósito, hoje, aqui, onde não tencionava mais pôr os pés, porque respeito as indicações do povo, quando elas têm razão; mas vim, sabendo que se apresentavam medidas importantes. Vim aqui, e com o meu nome de homem honesto dar o meu apoio a êste projecto, o dou o meu voto a todos os projectos que se apresentarem contra os monárquicos,, contra quem estou por uma forma irredutível.

Êsse projecto é pouco; é preciso rufar-lhos na pele e chegar-lhes às algibeiras.

Aproveito estar com a palavra o ver presente o Sr. Ministro das Colónias, para dizer a S. Exa. que a cidade de Lisboa se revoltou ontem contra o despacho, que nomeia alto funcionário para as colónias um indivíduo de nome Galvão.

Sr. Ministro das Colónias: agora temos o direito de suspeitar de todos! E necessário pôr na rua aqueles que lá estão, mas é também preciso não deixar entrar indivíduos suspeitos.

Digo mais: não quero receber palmas. mas quero cumprir o que julgo ser o meu dever. E, Sr. Presidente, nesta minha orientação, acho-me disposto a ir até o tablado do comício logo que veja que o Govêrno não gere bem os interêsses do povo. Irei então ali para censurar e acusar todos aqueles que não quiserem ou não souberem corresponder às exigências do país nesta hora grave que atravessamos.

O Sr. Ministro das Colónias (Carlos da Maia): - Devo dizer que a nomeação o funcionário a que S. Exa. há pouco se

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referiu já estava feita quando eu tomei conta da pasta que dirijo.

O Orador: - Não devia consentir que se publicasse o despacho sem saber se estava nas devidas condições.

O Sr. Ministro das Colónias (Carlos da Maia): - A nomeação estava feita e assinada. Encontrava-se apenas pendente do visto do Conselho Superior da Administração Financeira do Estado.

Não é uma nomeação da responsabilidade dêste Govêrno.

O Orador: - Não foi isso o que me disseram.

V. Exa. sabe que eu não costumo frequentar os gabinetes dos Ministérios para cultivar o segredo. O que tenho a dizer digo-o aqui na Câmara, porque aqui tambêm tudo pode ficar devidamente esclarecido.

Por esta minha forma de ver e por ser amigo de V. Exa. é que eu aludi aqui, claramente, ao assunto.

Seguindo na ordem de considerações que vinha fazendo, devo declarar que serei eu o primeiro a acordar o povo quando acaso o veja disposto a deixar-se adormecer por habilidades de quem o deva trazer sempre bem informado, pela verdade dos factos.

Quero que se cumpram sempre as leis como devem ser cumpridas contra os monárquicos.

Sr. Presidente: acredite que eu tenho a fôrça o a autoridade suficiente para fazer que elas se cumpram.

Vou terminar. Mais uma vez declaro que dou o meu voto à proposta de lei que se discute, como o darei a todas que aqui apareçam contra os monárquicos, por mais violentas que sejam. E digo mais: é necessário ir-se à carteira dos monárquicos. E preciso rufar-lhe na pele. Não deve haver sombra de contemplação para com êles.

Quem a tiver, arrisca a pele.

Tenho dito.

O orador não reviu nem foram revistas pelo Sr. Ministro das Colónias as suas declarações intercaladas no discurso do Br. Deputado Celorico Gil.

O discurso, revisto pelo orador, será publicado na integra quando êle devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Francisco Joaquim Fernandes: - Sr. Presidente acolhido de surpresa com a proposta de lei apresentada pelo Govêrno, vejo-me forçado a quebrar o silêncio que sistematicamente resolvera guardar durante a presente sessão parlamentar.

Ingressado na República em circunstâncias tais que não é lícito a ninguém pôr em dúvida a sinceridade do meu gesto, obedecendo, ao dar êste passo na minha vida política, a um dever de honra e não a qualquer mesquinho sentimento de interêsse ou a qualquer prurido doentio de vaidade ou amor próprio, não hesitando um só momento em colaborar com o Govêrno de que fazia parte, na defesa enérgica e vigorosa do regime, incarnando-me nele, identificando-me com as suas aspirações, anciando, agora mais que nunca, por o ver progredir, aperfeiçoar-se e consolidar-se no coração e na consciência de todos os portugueses, continuo a dar-lhe o meu desvalioso concurso para que a sua obra seja sempre a expressão exacta da justiça e da humanidade!

Numa época como esta, em que os tronos se desmoronam por todo o mundo como uma rapidez vertiginosa, numa época em que as democracias triunfam ruidosamente e se ordenam e organizam para governarem com bondade e amor, aproximando os povos, procurando irmaná-los e esforçando-se para que entre êles acabe o regime de lutas que os matam e se lhe substitua um regime de paz e felicidade que os conforte, assiste-nos a todos o direito e o dever de acompanhar esta corrente, guiá-la o canalizá-la por forma a que ela possa produzir os seus benéficos efeitos.

Nesta orientação, que mo parece a mais inteligente e útil, compreende V. Exa., Sr. Presidente, que eu não posso nem devo aprovar a proposta ministerial, agora em discussão, sem que sejam convenientemente esclarecidos os intuitos a que obedece e corrigida a amplitude vaga, indefinida e ilimitada dos seus termos.

Êste o motivo por que, rompendo o silêncio a que mo recolhera, entro no debate.

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Ditada, sem dúvida, na melhor das intenções e no desejo sincero que o Govêrno tem de servir o regime e acautelá-lo contra futuras perturbações, a proposta ministerial, nos termos em que se encontra, não pode, porém, ser votada pelo Parlamento.

Pela minha parto declaro desde já, com todo o desassombro, que a rejeito porque ela me repugna à minha consciência de homem e á minha consciência de Deputado.

Sancioná-la com o meu voto equivaleria, Sr. Presidente, a abdicar por completo. da minha liberdade de pensar, da minha liberdade de sentir.

Sei bem quanto se tem abusado das autorizações concedidas aos Governos em muitas e variadíssimas circunstâncias.

O mal não é de agora; o mal vem já de há muito.

Já nos tempos da monarquia pediam-se ao Parlamento autorizações largas que êle concedia e das quais muito só usava o... abusava.

O Legislativo delegava a cada passo no Executivo as suas mais nobres e alevantadas atribuições, o daí resultou muitas vezes transformar-se o Executivo em órgão principal da função legislativa.

Pretende agora ressuscitar-se o mesmo condenável processo. Não pode ser. Esta Câmara, a meu ver, e salvo o muito respeito que tenho pelos seus membros, não tem o direito de o consentir.

Não tenho a pretensão de convencer ninguém. Se sou chamado a falar sôbre êste assunto, é porque tenho sôbre êle convicções assentes e definidas; e como não sou um homem de partido, mas um homem de dever, não posso nem quero deixar-me afogar por quaisquer ondas de ódio ou de vinganças que neste momento surjam diante de nós para nos intimidar ou acobardar...

Entendo que é um dever discutir e combater a proposta, nos termos em que ela foi apresentada. Eis a razão porque pedi a palavra.

Sr. Presidente: foi em 1908. Toda a gente se lembra do que foi a ditadura feroz que o Govêrno de então inaugurara no país. A atmosfera que se respirava era de opressão e terror.

Em, Janeiro dêsse ano foi promulgado um decreto ditatorial, que assombrou, todo o país e lançou o pânico em todas as consciências!

O Partido Republicano dizia então que êsse violentíssimo decreto era como que a corda, com que o queriam enforcar!

Os Deputados republicanos que mais tarde o atacaram nesta casa consideravam-no como sendo um monumento de ignomínia!

Em que se cifrava, porem, êsse decreto? Cifrava-se em última análise em concentrar nas mãos do Govêrno o direito de dispor dos destinos dalguns cidadãos portugueses, implicados em movimentos revolucionários, desde que fôssem indiciados por um tribunal criado ad hoc.

Toda a gente se revoltou contra tam monstruoso arbítrio!

Toda a gente dizia que a sua consagração era um crime!

Daquele lado da Câmara ouvi eu um dos mais insignes Deputados republicanos verberar com frases repassadas de dor e indignação tam espantoso diploma!

Era o que se dizia então.

Pois bem: comparado com esta proposta de lei é êle duma grande generosidade

Naquele era necessária, a pronúncia ou indiciação dos acusados ou suspeitos por um tribunal, para que o Govêrno pudesse agir contra êles.

Aqui dispensa-se por completo esta instrução do processo, deixando-se ao Govêrno a faculdade de, por seu livre arbítrio, sem dependência de quaisquer formalidades, eliminar do quadro do funcionalismo público, civil ou militar, quem muito bem lhe pareça!

Sr. Presidente: eu não sei falar a linguagem do ódio em caso algum e penso até que só há lugar onde ela não deva ser permitida, onde destoa por completo, é aqui no Parlamento...

Reservem-na para a imprensa, para as assembleas partidárias, para os comícios.

Aqui, repito, não deve ela penetrar!

E por isso, Sr. Presidente, que chamado a discutir êste projecto na generalidade - e não desistindo de o discutir na especialidade - venho desde já expor serenamente e muito sumariamente as razões pelas quais entendo que êle não deve ser aprovado nos termos em que se encontra. Diz o artigo 1.°:

Leu.

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Perfeitamente de acordo; quanto à primeira parte: nem talvez fôsse necessária, porque o Govêrno tem essas faculdades na lei de 15 de Setembro de 1915, e essa autorização tem sido invocada a cada passo nos muitos o variados diplomas promulgados posteriormente àquele.

Se o Govêrno entende, porém, e talvez entenda bem, que êle já não vigora, concordo plenamente em que por nova lei esta faculdade lhe seja concedida.

Agora vejamos a segunda parte:

Leu.

Quem há aí que não veja que esta arma é terrível nas mãos dum Govêrno, por muito criterioso, consciencioso e bem intencionado que seja?

Se eu ainda estivesse nessas cadeiras, seria o primeiro a pedir encarecidamente ao Poder Legislativo que me não concedesse tal autorização.

Tem o Govêrno muitas e grandíssimas responsabilidades e encargos. Querer ainda lançar sôbre os seus ombros mais estas, é prestar-lhe um péssimo serviço e transformá-lo em um instrumento de ódio. Mas julga-se o Govêrno no momento actual, devido às circunstâncias anormais, em que o país se encontra, na necessidade de que se lhe confiram outros poderes além dos que as leis e regulamentos em vigor lhe conferem?

Diga então liai e concretamente o que quer, o que pretende, aquilo do que carece, para a segurança das instituições. O que quere fazer a êstes funcionários? Quere demiti-los, quere suspendê-los, quere expulsá-los do país, quere condená-los à morte civil, quer votá-los à miséria, quere bani-los do nosso meio?

E pretende fazer tudo isto sem os ouvir, sem escutar a sua defesa, sem lhes facilitar os meios de demonstrarem a sua inocência?

Mas então o funcionalismo público não tem direitos consagrados nas leis? Não está sujeito a um regimento que contêm disposições severas, que bastam por si só para os punir se cometerem delitos, e serem irradiados no caso de hostilidade activa contra as instituições?

Quando eu fazia parte do Govêrno, deu-se o movimento revolucionário, de Santarém.

Nesta, altura, Sr. Presidente, eu1 como. Ministro que era da pasta da Justiça, fui encarregado de elaborar uma proposta de lei, que tencionava trazer às Câmaras se o Govêrno não tivesse caído. Afirmo sob a minha honra que essa proposta de lei, longe de ser uma obra de ódios contra os revolucionários de Santarém, era antes uma obra de bondade, tanto quanto era possível em presença do que se passara.

Quere a Câmara saber quais as linhas gerais dessa proposta de lei?

As linhas gerais eram as seguintes:

Em primeiro lugar, todos os indivíduos que porventura tivessem tomado parte em crimes, quer de rebelião propriamente dita, quer para destruir o Govêrno existente, eram punidos com as penas gerais que existem nas leis vigentes. Não iria decerto o Poder Legislativo aplicar penas novas a crimes praticados no domínio doutras leis.

Em matéria penal há um princípio elementar, que manda que a pena não tenha efeito retroactivo, salvo se fôr mais branda. Pena mais grave nunca se pode aplicar a um crime quando essa pena não exista à data em que êle foi cometido.

Portanto, cingia-me às leis em vigor pelo que respeita a penalidades. Não se aplicavam penas novas, aplicavam-se somente as penas exaradas na legislação em vigor. E quem as aplicava? Era o Govêrno? Chamava êle a si o direito de punir? Não. Quem é que no país tem êsse direito? É o Poder Judicial.

Seria, pois, o Poder Judicial organizado para êsse efeito nos termos do Código de Justiça Militar de 1896, nesta parte mais rasgado que o Código de Processo Criminal Militar vigente, que aplicaria as devidas penas.

Quais as consequências que derivavam daí?

As consequências eram estas:

Vejamo-las, primeiro, quanto aos militares.

Como V. Exa. sabe, há um princípio consignado no Código Penal que diz que qualquer1 militar, ou mesmo civil, condenado a pena maior, perde o seu emprego.

Era esta uma pena gravíssima!

Era expulsar do exército indivíduos que já tinham adquirido uns certos direitos e colocá-los na miséria e às. suas famílias.

Era uma monstruosidade que repugnava ao meu espírito e ao meu coração.

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Então o que se fazia?

Êsses militares ficavam separados do serviço, mas, nos termos do regulamento disciplinar, a separação do serviço dá ao militar direitos muito reduzidos e em matéria de soldo apenas ficam com direito a metade.

Pois bem: Querem saber o que eu estabelecia então na proposta de lei?

O militar ficava separado do serviço mas com direito ao soldo por inteiro que competisse à patente que tivesse à data do cometer o crime.

Como isto era atenuar o não n gravar a pena, podia aplicar-se.

Agora quanto aos crimes:

Equiparavam-se os funcionários públicos aos militares. Dava-se àqueles a mesma situação que se criava para êstes.

E porque se procedia assim, com esta generosidade, para com os vencidos?

Primeiramente porque não eram réus de crimes comuns, mas de delitos políticos.

Depois, porque os perigos que êsses funcionários podiam oferecer para o regime provinham precisamente da sua qualidade de funcionários, dos postos que ocupavam no exercito, das posições que ocupavam no funcionalismo e dos abusos que, por virtude desta sua situação, praticavam no exercício dos seus cargos!

Apeá-los deles era um movimento de legítima defesa por parte do regime.

E esta ficava realizada irradiando-os dos quadros civis ou milhares a que pertenciam e à sombra dos quais conspiravam, sem necessidade, porém, de os condenar à miséria e à fome, avivando os seus ódios e rancores!

Tudo isto, porêm, nunca se fazia arbitrariamente, mas com critério, com justiça e com imparcialidade.

Êsses indivíduos que tinham delinquido eram primeiramente julgados pelos tribunais. A sua defesa tinha sido ouvida. Os tribunais condenavam-os. Êsses indivíduos ficavam sem poder fazer mal algum à República no uso das suas funções, quer de militares quer de funcionários separados do serviço, mas nunca na mesma situação em que ficam os condenados por crimes comuns.

Dirá V. Exa., Sr. Presidente, que isto era ser muito generoso. Não era!

Efectivamente, dá-se muitas vezes - e com a República deu-se êsse fenómeno - dá-se muitas vezes, digo, o facto de se tornar odioso um regime pelas perseguições que dentro dele se movem.

Quando houve no país várias incursões, muitos foram os presos políticos e muitos! Foram às centenas! Pois bem, sabe V. Exa., Sr. Presidente, muito bem e sabe-o toda a Câmara, o que sucedeu. O nosso país, sentimental, não levava a bem que toda aquela gente tivesse perdido o seu pão o juntamente todos aqueles que lhe pertenciam ou a quem dispensavam a sua protecção.

Deu isto em resultado que doutro em pouco começaram a lançar sôbre o regime, aqueles que não tinham a consciência nítida de que o regime não era o culpado, várias acusações.

As galerias intervêm, manifestando-se contra o orador.

Uma voz: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que mantenha a ordem.

O Sr. Presidente: - Eu peço às galerias o favor de não interromperem o orador o do se manterem na ordem. Se êste meu pedido não dor resultado, eu chegarei até a última violência, e lembro que todo aquele que faltar ao respeito e à consideração devidas à Câmara, falta à consideração e ao respeito devidos ao país, porque a Câmara representa a nação.

Vozes: - E faltou também à consideração e ao respeito que devem à República.

O Orador:- Eu devo dizer, Sr. Presidente, que me não incomodam estas manifestações.

Nada mais natural que alguêm achar-se constipado, e não poder sufocar os seus ataques de tosse.

Se, porém, se trata duma manifestação de desagrado ou reprovação às minhas palavras ou à minha atitute, digo, com franqueza, que não chego a compreender a razão.

Aquilo que eu dizia, disse-o muitas vezes, e o que é mais, ouvi-o dizer a muitos republicanos nos tribunais.

Por isso no que digo não vai ofensa a ninguém, nem eu sou capaz de ofender ninguém. (Apoiados).

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Respeitador das crenças e convicções dos outros, desejo que me correspondam da mesma forma.

Continuando na minha ordem de considerações, dizia eu que nessa proposta que tencionávamos apresentar à Câmara, nós obedecíamos a esta idea, a esta intenção: conciliar tanto quanto possível, o espírito de justiça com o espírito de humanidade.

Nestas circunstâncias, apresentava- se o regime da separação do serviço, tanto para os militares, como para os funcionários civis, mas êsse regime de separação não queria dizer a sua condenação à miséria.

Mas a par disto o que se dava?

Dava-se o seguinte: Êstes indivíduos, quer funcionários militares, quer funcionários civis, tinham, repito, o direito de se defender, tinham o direito de ser ouvidos, tinham o direito de produzir as suas provas.

E êsse direito perante quem o produziam?

Perante o poder competente, perante o Poder Judicial.

Os tribunais eram constituídos, sem qualquer sombra de suspeita para a República, por militares e suponho que a República não terá razão de queixa deles, que tantas e tam brilhantes provas de dedicação pelo regime têm dado, e com entranhado amor e sacrifícios o têm defendido!

O que eu pedia, pois, ao Sr. Presidente do Ministério, era que sôbre êste ponto S. Exa. concordasse em colaborar com o Parlamento, para que, conjugados os esfôrços dele e nossos, procurássemos todas as fórmulas precisas, concretas, claras, de maneira que as atribuições do Govêrno neste assunto ficassem bom definidas e limitadas, evitando-se o arbítrio que é sempre uma fonte de erros e de injustiças.

E por isso, Sr. Presidente, que não dou, como disse, o meu voto a esta proposta de lei nos termos em que foi apresentada; quero mais alguma cousa, quero apresentar-lhe emendas...

Sussurro nas galerias.

É interrompida a sessão às 16 horas e 40 minutos, reabrindo às 17 e 25.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): - Sr. Presidente: se o ilustre Deputado, Sr. Joaquim Fernandes, me permitisse, usaria da palavra sem prejuízo de quaisquer considerações que S. Exa. tenha de fazer.

O Orador: - Da melhor boa vontade.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Relvas): - Temos condições para resolver todos os problemas políticos de Portugal dentro da máxima ordem e disciplina.

Faltar à ordem e à disciplina é comprometer gravíssimamente os maiores interêsses de Portugal. (Apoiados}.

Não posso representar na minha função governativa, pela solidariedade que tenho com todos os meus colegas do Gabinete, senão um princípio: a ordem.

E em nome dêste princípio que aqui nos encontramos.

Se não me convencesse de que era idóneo para realizar êsse programa, sabia bem o caminho que tinha a seguir.

Assente pela forma mais clara e nítida que não pode haver coacções neste país sôbre nenhuma das instituições que são os organismos do Estado, quer seja o Parlamento, quer seja o Govêrno, devemos resolver na mais ampla liberdade.

Ditas estas palavras, acrescentarei que trouxe ao Parlamento esta proposta de lei, a fim de que êle, na hora grave que o país atravessa e em que são precisas medidas extraordinárias, possa colaborar com o Govêrno, numa medida que considero absolutamente necessária para a defesa e segurança da República.

Não venho pedir ao Parlamento medidas que homens de bem não sejam capazes de realizar.

O Govêrno quer o prestígio do regime. (Apoiados).

Em rigor, posso exprimir o meu pensamento dizendo que esta proposta é do homens de bem que pedem a colaboração de homens de bem, e tem por único intuito dignificar a República, prestigiá-la, fugindo a todas as violências que a possam desonrar.

O orador não reviu.

O Sr. Francisco Joaquim Fernandes (continuando): - Já vê V. Exa., Sr. Presidente, a Câmara e quantos me escutam, acabam de ver como o Sr. Presidente do

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Ministério, com a sua costumada correcção e aprumo, reconheceu a procedência das minhas razões, pondo a questão em termos nítidos e claros.

Cumpre, pois, à Câmara colaborar com o Govêrno no que julgue indispensável para defesa e segurança das instituições.

Desde que esta proposta, como acaba de o declarar o Sr. Presidente do Ministério, passa a ser uma questão aberta, desde que o Govêrno o que pretende é que lhe não tirem os meios necessários para poder cumprir a sua delicada missão neste momento difícil, desde que é o próprio Govêrno que vem dizer, com a lialdade que o caracteriza, que deseja a colaboração da Câmara para que a sua obra resulte o mais perfeita e completa possível, bem se compreende quão desabridas foram as manifestações de desagrado produzidas quando há pouco eu estava fazendo as minhas considerações sôbre o assunto em discussão.

Nestas circunstâncias, entendo que por emquanto nada mais preciso dizer.

Vamos colaborar com o Govêrno, vamos ouvi-lo e procurar, em fórmulas claras e legais, sem perigo para as instituições, apreciar a proposta de lei que o Sr. Presidente do Ministério apresentou ao Parlamento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de ocuparem os seus lugares.

Segue-se na inscrição o Sr. Deputado Celorico Gil. Como, porém, S. Exa. não está na sala, tem a palavra o Sr. Deputado Fidelino de Figueiredo.

O Sr. Fidelino de Figueiredo: - Sr. Presidente: ainda que a minha opinião fôsse única, que eu me encontrasse isolado, eu, considerando-me absolutamente livre de todas as coacções, expô-la-ia com toda a serenidade, com toda a lialdade.

Não posso de modo algum dar o meu voto à proposta em discussão, tal como ela se encontra redigida, por isso que, se o fizesse, ficaria mal com a minha consciência e iria contribuir grandemente para o prejuízo da República, que a todos nós nos cumpre defender.

Disse o Sr. Presidente do Ministério na sua declaração ministerial, que o Govêrno a que tinha a honra de presidir, e a que eu tive o gosto de dar o meu apoio era politicamente, era extra-partidário.

Quero crer que assim seja na deliberação colectiva de todos os actos que importem à defesa da República e com respeito aos diplomas que tenham de ser assinados por todos os Ministros, mas a gerência de cada pasta não pode ser neutral - não porque eu duvide da probidade de cada um dos Ministros, visto que não tenho rasão para isso, merecendo-me mesmo alguns membros do Govêrno altíssima consideração, mas porque a neutralidade em matéria política ou religiosa é psicologicamente impossível.

Mais de uma vez se tem debatido o problema da neutralidade religiosa no ensino, e sempre se verificou ser necessário dar-se uma solução proibitiva ou tolerada, porque não há forma possível de se apagarem as tendências íntimas de cada indivíduo.

Não pretendo aqui apresentar todos os argumentos sôbre êsse importante problema pedagógico, que bem se pode aplicar à política, para demonstrar a impossibilidade de um Ministro partidário gerir a sua pasta extra-partidáriamente. Não é êste o lugar próprio para tal fazer, tanto mais que a alta cultura da Câmara me permite afirmar que ela conhece o problema, pelo menos no seu aspecto geral. Invoco, porém, o precedente, porque estou certo do que a autorização pedida, sendo dada com tanta latitude, viria a constituir uma terrível arma política, ainda que os Ministros, com a sua incontestável probidade, como tal a não quisessem aproveitar.

Em Madrid, onde recentemente tive a honra de receber homenagens que me não cabiam, num banquete, e à hora generosa da sobremesa, em que são permitidas íntimas afirmações entre amigos, alguém me disso: "Vocês no seu país fazem revoluções apenas para alcançar lugares, porque o primeiro acto do vencedor e substituir os cargos mais importantes, fazendo desde logo uma lei que torne possível essa substituição".

Isto me disse alguém que no seu país é uma incontestável autoridade scientífica, e eu começo a estar convencido de

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que, realmente, é esta a verdadeira concepção política em Portugal.

Depois de um movimento que, sem dúvida, foi esmagadoramente vencido, não vejo motivo algum para o Govêrno vir pedir à Câmara uma autorização de tal latitude, que bem se poderia concretizar num artigo assim redigido: "Para a defesa da República, é o Govêrno autorizado a fazer tudo quanto queira".

Ora, Sr. Presidente, defender a República não é vexar, nem criar uma situação de violência e de terror. Defender a República é torná-la conservadora, é ir atacar os germes de morte e de destruição que o regime ainda tem dentro de si.

O orador não reviu.

As galerias, nesta altura, manifestam-se ruidosamente contra o orador, pelo que o Sr. Presidente encerra a sessão, anunciando que a sessão imediata, com a mesma ordem do dia, será marcada no "Diário do Govêrno".

Eram 17 horas e 40 minutos.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

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