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REPUBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 10
EM 19 DE JUNHO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
António Marques das Neves Mantas
Sumário. - Abre-se a sessão com a presença de 52 Srs. Deputados.
E lida a acta da sessão anterior, sendo aprovada sem discussão, estando presentes 64 Srs. Deputados.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia: - O Sr. Tamagnini Barbosa (em negócio urgente) ocupa-se da necessidade de fazer uma nova edição das pautas cias alfândegas, mandando para a Mesa um projecto nesse sentido, para o qual pede a urgência. É aprovada a urgência.
O Sr. Paiva Gomes trata da nomeação irregular dum oficial médico para chefe do quadro de saúde de S. Tomé, requerendo a nomeação duma comissão para estudar êste assunto, e mandando para a Mesa algumas propostas para as quais pede a urgência.
O Sr. Ribeiro de Carvalho manda, para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Mesquita Carvalho manda para a Mesa uma proposta de revisão constitucional.
O Sr. Godinho do Amaral manda para a Mesa dois projectos de lei, pedindo a urgência e a dispensa do Regimento para um deles, e simplesmente a urgência para o outro.
Lidas na Mesa as propostas do Sr. Paiva Gomes, foi-lhes concedida a urgência.
A Câmara concede a urgência para o projecto do Sr. Godinho do Amaral.
O Sr. Paiva Manso comunica à Câmara a constituição da comissão de Previdência Social, e manda para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Ladislau Batalha ocupa-se da greve operária de Lisboa, e manda para a Mesa uma proposta, pedindo para ela a urgência e a dispensa do Regimento.
O Sr. Pires de Carvalho (em negócio urgente) ocupa-se da, situação dos soldados expedicionários nítidos da África.
O Sr. Marques da Costa comunica à Câmara a constituição da comissão de redacção.
Lida na Mesa a proposta do Sr. Ladislau Batalha, o Sr. Álvaro de Castro usa da palavra sôbre o modo de votar, e em seguida a Câmara aprova a urgência e rejeita a dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente declara que, não podendo comparecer desde já na Câmara dos Deputados o Sr. Presidente do Ministério, vai proceder-se à eleição das comissões, e interrompe a sessão por 15 minutos.
Reaberta a sessão, procede-se à eleição das comissões de correios, telégrafos e indústrias eléctricas, colónias, recrutamento, obras publicas e minas e comércio e indústria.
Segunda parte da ordem do dia. - O Sr. Álvaro de Castro pede licença para substituir a sua moção, apresentada na sessão anterior, por outra que manda para a Mesa. A Câmara assim lho permite, sendo a nova moção lida na Mesa e admitida.
O Sr. Álvaro de Castro requere a prioridade para a sua moção.
O Sr. Presidente do Ministério (Domingos Pereira) declara que o Govêrno aceita a moção do Sr. Álvaro de Castro.
Usam em seguida da palavra os Srs. Mesquita Carvalho, Afonso de Melo e Ministro das Finanças (Ramada Curto).
Esgotada a inscrição, e concedida a prioridade à moção do Sr. Álvaro de Castro, foi esta aprovada.
(Interpelação do Sr. Alves dos Santos ao Sr. Ministro da instrução).
O Sr. Alves dos Santos realiza a sua interpelação, ficando com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente anuncia à Câmara o resultado das eleições das comissões, e em seguida encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 14 horas e 50 minutos.
Presentes à sessão 64 Srs. Deputados.
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São os seguintes:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.
Álvaro Pereira Guedes.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio e Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Bastos Pereira.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Francisco Pereira.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António do Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho Júnior.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Cruz.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco José Pereira.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Estêvão Águas.
João Henriques Pinheiro.
João José da Conceição Camoesas.
João Lourenço da Rocha Barbosa e Vasconcelos.
João Pereira Bastos.
João Xavier Camarate Campos.
José António da Costa Júnior.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Augusto da Cruz.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel José da Silva.
Manuel Justino de Carvalho Pinto Coelho Vale e Vasconcelos.
Mem Tinoco Verdial.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Orlando Alberto Marçal.
Pedro Januário do Valo Sá Pereira.
Raul António Tamagnini do Miranda Barbosa.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Macedo.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Aresta Branco.
António Joaquim Granjo.
António José de Almeida.
António José Pereira.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Pires de Carvalho.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Cerqueira Machado da Cruz.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Jaime da Cunha Coelho.
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João Cardoso Moniz Bacelar.
João Gonçalves.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Ribeiro Gomes.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingos dos Santos.
José Gregório de Almeida.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio do Patrocínio Martins.
Leonardo José Coimbra.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Raul Lelo Portela.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso Augusto da Costa.
Albino Vieira da Rocha.
Angelo Alves de Sousa Vaz.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António da Costa Ferreira.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Maria Pereira Júnior.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Francisco Cotrim da Silva Garcês.
Francisco Luís Tavares.
Francisco de Sousa Dias.
João Lopes Soares.
João Salema.
Joaquim de Araújo Cota.
José Garcia da Costa.
José Maria de Vilhena Barbosa do Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Monteiro.
José Rodrigues Braga.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Manuel Ribeiro Alegre.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Plínio Octávio da Conceição Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Xavier da Silva Júnior.
Às 14 horas e 50 minutos terminou a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 52 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão, vai ler-se a acta. Foi lida a acta.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está em discussão a acta.
É aprovada a acta.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.
Deu conta do seguinte
Expediente
Licença
Pedido de vinte dias de licença, do Sr. Deputado António Joaquim Machado do Lago Cerqueira, para tratar de negócios públicos.
Concedido.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegramas
Da minoria democrática na Comissão Administrativa Municipal de Penela, que cessou suas funções em 15 do corrente, protestando contra o procedimento do administrador do concelho, impondo com a fôrça armada a continuação do exercício da comissão administrativa e ofendendo a Câmara eleita na pessoa do seu Presidente.
Para a Secretaria.
Dos empregados da Administração do Concelho do Armamar, pedindo seja convertido em lei o projecto melhorando os vencimentos dos funcionários administrativos.
Para a Secretaria.
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Idêntico dos empregados da Administração do concelho de Borba.
Para a Secretaria.
O Sr. Raul Tamagnini Barbosa: - O assunto de que vou tratar é da máxima urgência.
Trata-se dum acto administrativo da maior importância.
Nas pautas alfandegárias, por meio de vários decretos e portarias, adicionaram-se perto de quarenta artigos dispersos.
Como V. Exa. sabe êste grande inconveniente não só afecta os concorrentes para os diversos lugares, mas tambêm o comércio.
Sei bem que não é oportuno o momento para se fazer uma remodelação de pautas, mas é urgente que se concretizem num só documento as leis dispersas sôbre o assunto.
Nesse sentido mando para a Mesa um projecto de lei, para o qual peço a urgência.
Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência.
O Sr. Paiva Gomes: - Sabe a Câmara que êle, orador, tem solicitado a presença do Sr. Ministro das Colónias, para em face de S. Exa. fazer as considerações que julga convenientes e a que o seu lugar o obriga.
Impossibilitado de ter o prazer de ver S. Exa. na bancada ministerial, e, não podendo protelar as suas considerações, vê-se forçado a usar da palavra na ausência.
O Sr. Ministro das Colónias publicou um despacho nomeando para o quadro de saúde de S. Tomé um oficial médico como chefe.
Em vista disso elevou-se ao pôsto de major o quadro de S. Tomé.
O médico, actualmente encarregado dês-se serviço, chama-se António Correia dos Santos, e tem o n.º 22 na lista do antiguidade e na de promoção.
Veja a Câmara que grande iniquidade isto representa.
Salta-se por cima de direitos adquiridos por um oficial médico e colaram-se os galões de major no braço dum oficial que tem o n.° 22 na escala de capitães.
Quando lhe constou que ia ser publicado êste despacho, êle, orador, foi ingénuamente, de boa fé, a tempo e horas, prevenir do que se passava o Sr. Ministro das Colónias, a fim de evitar uma tam grande iniquidade.
Arrependeu-se de o ter feito, por quanto foi iludido na sua espectativa.
Quando ia levar ao Sr. Ministro das Colónias os elementos precisos para evitar que S. Exa. praticasse uma iniquidade, verificou que nenhum efeito tirara da sua démarche; e assim é que no Diário do Govêrno do dia 14 do corrente se vê que o referido capitão médico, António Correia dos Santos, foi promovido ao lugar de chefe dos Serviços do Saúdo em S. Tomé e arvorado - permita-se-lhe o termo - em major.
Apesar da publicação no Diário do Govêrno, o orador ainda quisera levar a sua ingenuidade até o fim.
Procurou, pois, novamente, S. Exa. o Ministro, e disse-lhe que supunha ter sido por equívoco que se havia feito a publicação referida.
S. Exa. agradeceu, como é da boa praxe, essa sua nova démarche; umas como é que respondeu a ela?
Da seguinte maneira: publicando no Diário do Govêrno do dia 18 de Junho do 1919, 1.ª série, um decreto a título de rectificação do decreto base, em que se organiza o quadro dos Serviços de Saúde em S. Tomé, de modo que o capitão módico, António Correia dos Santos ficasse já à sombra duma disposição aparentemente legal, por virtude de ter estado já em S. Tomé.
Assim se respondeu a quem no melhor dos intuitos procurou evitar que um Ministro da República, seu amigo e correligionário, por quem tem muita consideração, praticasse uma ilegalidade.
O caso é de tanta monta pela iniquidade que representa, que êle, orador, não se calará sôbre êle e pede ao Sr. Presidente que consulte a Câmara sôbre o desejo que êle, orador, manifesta de que se nomeie uma comissão que vá inquirir dêste assunto, porque se trata de interêsses feridos e da dignidade calcada, de homens que usam galões e que se vêem preteridos - e são êles vinte e um - pelo mais moderno do quadro a que pertencem.
O Sr. Presidente, que é um oficial distinto, sabe o que isto representa de iní-
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que, de anárquico e de indisciplinar para o exército.
Não pode, não deve e não quere calar-se por mais tempo. Fez quanto podia e devia, porque pedia providências ao Sr. Ministro das Colónias. Não foi atendido e, como resposta, atiraram-lhe à cara com um decreto de rectificação publicado vinte e oito dias depois da publicação do primeiro decreto. Se é para isto que está nesta Câmara, declara que não pode cumprir o seu dever de Deputado e, assim, em plena Câmara, rasgara o seu mandato.
Para terminar as suas considerações requere que se nomeie uma comissão para emitir o seu parecer sôbre êste caso que reputa grave.
O Sr. Vitorino Godinho (interrompendo): - Se não ha promoção por escolha, o caso é com o Supremo Tribunal Administrativo.
O Orador: - Ele, orador, vai mandar para a mesa, na mesma ordem de ideas de ontem, duas propostas. Uma delas refere-se aos comissários do Govêrno junto das companhias, cuja existência se supôs. Esta proposta visa a suspender e a rever o diploma que nomeou êsses comissários.
Têm-se publicado pelo Ministério das Colónias alguns diplomas que vão de encontro às bases das cartas orgânicas, que já foram votadas nesta Câmara.
Em vez de se obedecer ao que preceitua a base 11.ª, criou-se uma instituição que se chama o Laboratório Químico-Colonial, cuja vantagem êle, orador, não compreende.
O discurso será publicado quando o orador haja restituído as notas taquigráficas.
Foi concedida a urgência para o projecto de lei apresentado pelo Sr. Raul Tamagnini Barbosa.
O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei que tem por fim anular a reintegração, no serviço activo, dos oficiaes que desertaram ou passaram à situação de reserva para não irem para a guerra.
A Câmara, aprovando êste projecto de lei, prestigiará o exército e honrar-se há a si própria.
O Sr. Mesquita Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta constitucional que V. Exa., depois de lida na Mesa, mandará baixar à respectiva comissão.
Tenho dito.
O Sr. Godinho Amaral: - Sr. Presidente: tenho em primeiro lugar de dirigir a V. Exa. as minhas saudações, pelo alto cargo que desempenha nesta Câmara. Depois, permita-me V. Exa. que lhe diga que há quinze dias que esperava para usar da palavra que o Sr. Ministro da Justiça viesse a esta Casa do Parlamento, mas estando informado hoje de que não vinha, não sabendo mesmo S. Exa. quando aqui voltará, pedi a palavra porque tenho necessidade para regularizar a situação, que eu entendo atrabiliária, da revogação de dois decretos publicados pelo Ministério da Justiça, já em plena restauração republicana. Assim, tenho desejo de que a Câmara aprove dois projectos de lei que vou enviar para a Mesa, e que passo a explicar à Câmara duma maneira sucinta.
Como V. Exas. sabem pela organização dos funcionários do registo civil, de 1912, os funcionários podem ser nomeados provisoriamente, comtanto que tenham umas certas habilitações. Tanto isto foi reconhecido, que por decreto .de Março dêste ano foi dada a faculdade de poderem ir para êsses lugares aos funcionários que tivessem três anos de bom e efectivo serviço. Ora, o Sr. Ministro da Justiça, num dos imensos suplementos que se têm. publicado, revogou êsse decreto sem uma explicação, quando até os decretos de nomeação já estavam feitos. Não compreendo a razão disso, Sr. Presidente, porque se trata de funcionários que pela sua limitada instrução ocupam lugares de pequeno rendimento, que poucos querem, de maneira que é necessário dar-lhes uma garantia de estabilidade. No meu projecto, portanto, que não é mais do que a doutrina proclamada no decreto n.° 5:130, procura-se evitar que êsses funcionários possam dum momento para outro ser deslocados. Nestas condições, tenho a honra de mandar para a Mesa um projecto de lei, para que peço a urgência o dispensa do Regimento.
O outro projecto de lei, que tambêm envio para a Mesa, trata dum caso que eu
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entendo da mais alta moralidade social, que é o casamento de menores. Como V. Exas. sabem pela lei de família os casamentos dos menores de ambos os sexos eram proibidos, sem determinadas condições, os rapazes até os vinte anos e1 as meninas até aos dezoito. Verificou, porém, a prática que as mulheres aos dozesseis anos já estão em condições de poder realizar o casamento, e o próprio Código Civil estabelece essa doutrina. No regime actual de restauração republicana, foi publicado um decreto nesse sentido, o decreto n.° 4:174, do 20 de Abril. Pois S. Exa., o Sr. Ministro da Justiça, depois de já ter despachado alguns processos, segundo o decreto, por qualquer motivo, talvez por se lembrar que a doutrina não fôsse aplicada às menores do nosso país, revogou-o.
Êste projecto não tem carácter algum político e o outro visa a compensar dedicados republicanos que há seis ou sete anos têm desempenhado essas funções por forma tal que não se pode honestamente levantar contra elos o argumento da falta de competência.
Para o primeiro projecto ou poço urgência o dispensa do Regimento e com relação ao segundo apenas urgência.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, é aprovada a urgência.
O Sr. Paiva Manso: - Comunico a V. Exa. que já se acha instalada a comissão de previdência social, elegendo para seu presidente o Sr. João Luís Ricardo e a mim para secretário.
Aproveito o ensejo de estar no uso da palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei com o fim de reconhecer aos agentes da, passagens e passaportes, que exerciam já a sua indústria, os direitos que tinham adquirido à sombra da legislação até então vigente.
O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: eu peço a máxima atenção da Câmara para assunto de me vou tratar que é da máxima gravidado neste momento.
Existe, não só em Lisboa mas mesmo fora da capital, um verdadeiro estado de perturbação que resulta da greve ultimamente declarada, e sôbre o qual temos de fazer convergir todo o nosso cuidado, se não quisermos que grandes e irremediáveis prejuízos resultem para os interêsses nacionais.
Eu não me ocuparei, na presente ocasião, do ponto do vista subjectivo, despresando, portanto, as causas ou origens do semelhante movimento. Tratarei apenas do aspecto objectivo. Existe de facto uma perturbação grande que está afectando gravemente o funcionamento geral das cousas públicas. (Apoiados gerais). Cada homem que só põe em greve representa um dia de trabalho; 3:600 homens que estejam em greve representa, num dia, o trabalho de dez anos.
Uma voz: - Quando se trata de trabalhadores!
O Orador: - E é exactamente dêsses que eu trato.
Êste estado de cousas implica um formidável prejuízo de produção material.
Ora, há ainda a revolta. E claro que a opinião pública está cansada, está farta do revoltas (Apoiados).
É indispensável para os interêsses do país, que êstes factos, que são duma grande importância, acabem. (Apoiados).
Eu sou contrário a violências exercidas sistematicamente contra operários. Nós precisamos ir ao âmago da questão, procurando resolver a gravidade do assunto, mas não pela forma porque o Govêrno o está resolvendo com o Sr. Ministro da Guerra, pondo os soldados a espingardear o povo. Isto ainda aumenta a revolta, e não resolve nada.
É preciso resolver isto a bom dos próprios interêsses da República e da pátria.
Resolver greves por esta forma não serve de nada, não faz mais do que sufocá-las. E o caso do vapor na Marmita de Papin.
A Câmara há-de permitir que ou fale mais do que permite o Regimento.
Vozes: - Fale, fale.
O Orador: - Estas questões precisam de ser resolvidas com carácter e com consciência. Só assim se pode resolver o problema. (Apoiados).
Estamos vendo a gravidade desta situação!
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Quais são as determinantes desta grande perturbação?
É escusado invocar o delito operário.
E natural que entre o operariado haja operários, que são de carne o êsse como os bacharéis, que se tenham excedido. Mas é necessário ver que êles tem a grande atenuante da sua ignorância.
Trocam-se vigorosos apartes.
O Orador: - Digam V. Exas. o que quiserem. O que é certo é que as responsabilidades dêste movimento pertencem apenas a um homem, que é o rei, o kaiser da Companhia União Fabril: O Sr. Alfredo da Silva.
É o único responsável, podem crer!
O Sr. Augusto Dias da Silva (interrompendo): - Não estou de acordo! O único culpado é o Govêrno!
O Orador: - Eu não conheço o Sr. Alfredo da Silva, não sei se é gordo ou magro, portanto não tenho parti pris. Sei apenas que é o régulo da Companhia União Fabril.
Levanta-se sussurro.
O Orador: - V. Exas. não me deixam falar.
Quero dizer que êsse senhor tem a cumplicidade dos Governos.
Trocam-se apartes.
O Orador: - Os Estados modernos têm uma missão única, que é estabelecer o equilíbrio entre as populações e as subsistências.
Nestas condições, a nenhum Govêrno convêm pôr-se ao lado dos operários ou ao lado do capital. Tem de ser neutro e manter a ordem.
Nós precisamos de pedir ao Govêrno que venha aqui dizer em que estado vai esta questão.
Vozes: - O Govêrno está no Senado.
O Orador: - É preciso não permitir que o Govêrno continue, abusivamente, protegendo o capital.
Neste momento em que lá fora ruge a tempestade, agora que na Rússia domina o movimento que todos nós sabemos, movimento que vem descendo para os países centrais, é que em Portugal se está usando destas violências contra o proletariado em favor do capital.
Agora que lá fora os chefes de Estado estão sem saber o que hão-de fazer, aqui resolve-se uma greve por esta forma, pela forma violenta, que nada soluciona.
Eu sou contra a revolução; eu entendo (e tudo o indica) que chegaremos ao nosso fim pela evolução. Vejo que para lá caminhamos; vejo êsse movimento avançar de nordeste para sul.
Emfim, Sr. Presidente, o que convêm é evitar, por todas as formas, que isto continue.
O Sr. Presidente: - V. Exa. tem só dez minutos que o Regimento marca e V. Exa. já está ultrapassando êsse tempo...
Vozes: - Fale, fale.
O Orador: - Eu vou ser breve.
É preciso evitar que a revolução venha de baixo para cima. (Apoiados).
E preciso fazer a revolução scientífica, isto é de cima para baixo.
O capital está à prova, não há ninguém que o desconheça. E necessário tomar a peito esta questão.
Nós temos de chamar a atenção do Ministério. O Ministério tem de vir aqui à Câmara. (Apoiados).
O Govêrno tem obrigação de dizer aos representantes do povo como se resolve a questão.
O Sr. Raul Barbosa: - É preciso que V. Exa. indique factos concretos para nós os podermos apreciar.
O Orador: - Mas V. Exa. quer factos concretos sôbre que assunto? Tenho versado tantos...
Uma voz: - Sôbre as causas da greve, por exemplo.
O Orador: - A causa determinante da greve é a seguinte:
A Companhia União Fabril tinha uns trabalhadores num pinhal; alegou que tinha terminado a obra e despediu-os. Até aqui ninguém diz nada. Mas depois - e aqui começa propriamente o crime - a Companhia principia a despedir todos os
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trabalhadores que pertencem ao sindicato respectivo. Isto já é muito velho. O sindicato da classe tem o seu alvará, é uma instituição legalizada, e, portanto, não se pode exigir como condição para dar trabalho que o empregado não esteja filiado na associação de classe.
Vozes: - Nesse caso, perfeitamente de acôrdo.
O Orador: - É contra isso que eu protesto. O Govêrno tem de mostrar ao, Sr. Alfredo da Silva que êle não pode antepor-se à lei. O patrão não tem direito He intervir numa instituição que é legalizada. O Estado e a Câmara podem intervir, mas o patrão não.
Foi esta transgressão, êste abuso, que fez com que se declarasse a chamada greve geral. E não se contentem em dizer que ela é um fiasco, porque existe o espírito de revolução.
Sr. Presidente: por agora, eu pretendo unicamente que imediatamente se nomeiem sete delegados por parte da Câmara para estudarem o assunto.
O Sr. Lúcio de Azevedo: - Ha a comissão de trabalho, na Câmara, que pode estudar o assunto.
O Orador: - Eu, no entanto, mando a minha proposta para a Mesa, para que peço urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pires de Carvalho: - Sr. Presidente: começo por saudar o Presidente desta Câmara, ilustre oficial que serviu sempre de exemplo aos que, como eu, tiveram a honra de bater-se nos campos de batalha da França, pela sua bravura o pela maneira como soube desempenhar-se do alto comando que lá exerceu. Saúdo tambêm em S. Exa. o Presidente desta Câmara, e a própria Câmara, que representa bem neste momento a expressão da vontade nacional, e peco-lhe o obséquio de transmitir ao Sr. Ministro da Guerra as minhas seguintes considerações.
Os soldados que foram deportados para África, em virtude do movimento de 12 de Outubro, à chegada são tratados, não como expedicionários, mas como praças que estivessem sempre no Algarve.
Devem ser submetidos a uma junta de saúde como todos os outros expedicionários, devendo igualmente ser-lhes dada a licença de campanha respectiva.
Faço êste pedido a V. Exa. para que o transmita ao Sr. Ministro da Guerra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Marques da Costa: - Comunico a V. Exa. que já se acha constituída a comissão de infracções, tendo escolhido o Sr. Abílio Marçal para seu presidente e a mim para secretário.
O Sr. Presidente: - Vai ser lida a proposta do Sr. Ladislau Batalha, para a qual o mesmo senhor pediu urgência e dispensa do Regimento.
E lida a proposta.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que seja nomeada uniu comissão especial de inquérito às causas, origem o determinante do atual conflito operário, a fim da Câmara, proceder imediatamente à solução da greve.
Pede-se urgência e dispensa do Regimento. - Ladislau Batalha.
O Sr. Álvaro de Castro (sôbre modo de votar): - Êste lado da Câmara aprova a urgência da proposta, mas não a dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: - Eu tenho de pôr à votação...
O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. dá-me licença? O Sr. Ladislau Batalha pediu a urgência e dispensa do Regimento para a sua proposta, e eu vou pedir a V. Exa. para pôr à votação, separadamente, primeiro a urgência e depois a dispensa do Regimento, e para isso devo expor os motivos do meu pedido.
O Sr. Presidente: - Mas o Regimento não o permite assim, e eu não posso deixar aberto um tal precedente.
O Sr. Álvaro de Castro: - Então peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra para explicações.
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O Sr. Álvaro de Castro: - É para explicar à Câmara que a maioria vota a urgência para que o assunto se discuta mais brevemente; mas não vota a urgência, porque entende desnecessário que se constitua desde já a comissão proposta, tanto mais que a Câmara tem uma comissão de trabalho que pode imediatamente, por motu próprio, inteirar-se do assunto e colhêr todos os documentos necessários para o estudo da questão e trazê-la à Câmara. Peço, pois; a V. Exa. a fineza de pôr este meu requerimento à votação.
E aprovado o requerimento do Sr. Álvaro de Castro e, em seguida, aprovada a urgência da proposta do Sr. Ladislau Batalha e rejeitada, a dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Ministério está no Cenado, não, podendo vir imediatamente a está Câmara. Como julgo não poder prosseguir a discussão sem a presença de S. Exa., entraremos já na primeira parte da ordem do dia - eleição das seguintes comissões:
Correios, telégrafos e indústrias eléctricas;
Colónias;
Recrutamento;
Obras públicas e minas;
Comércio e indústria.
Para os Srs. Deputados formularem as suas listas fica a sessão interrompida por 10 minutos.
As 16,30 é reaberta a sessão.
Procede-se, à eleição de comissões.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
O Sr. Álvaro de Castro (para explicações): - Sr. Presidente: quando apresentei a minha moção referi-me à circunstância dela dar lugar, como era natural, a que o contrato sôbre a Agência Financial continuasse em vigor, até a comissão de finanças dar o seu parecer.
Manifestou o Govêrno o desejo de que tal ficasse consignado na moção, e por isso requeiro para substituir a minha primeira moção por esta que mando para a Mesa.
É lida a moção na Mesa, aprovada, a substituição e admitida.
É a seguinte:
Moção
A Câmara, ouvidas as explicações do Sr. Ministro das Finanças, resolve manter o contrato até que a comissão de finanças dê com urgência o seu parecer. - Álvaro de Castro.
O Sr. Álvaro de Castro: - Requeiro prioridade para a votação da minha moção.
O Sr. Presidente: do. Ministério (Domingos Pereira): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para declarar a V. Exa. e à Câmara que o Govêrno aceita a moção apresentada pelo Sr. Deputado Álvaro de Castro.
O Sr. Mesquita Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra somente para fazer uma declaração.
A questão que se ventilou e que: foi inicialmente trazida a esta Câmara por um. dos mais ilustres e prestigiosos, representantes do Partido Evolucionista, o Sr. Deputado Vasco de Vasconcelos, foi pelo meu partido considerada uma questão aberta, como em regra, sucede com todas, aquelas que apenas interessam à administração pública, e isto no nosso pleno direito, senão, até rigorosa obrigação, de exercer uma fiscalização sôbre, os negócios públicos, em defesa, dos interêsses do Estado e do prestígio da República.
Sucedeu, porém, que no decorrer da discussão o Sr. Ministro das Finanças pôs ontem, nítida e categoricamente a questão de confiança, não só para êle, Ministro, por cuja pasta o negócio tinha corrido, mas tambêm para todo o Govêrno. E evidente que depois disto a questão tomou, um aspecto diverso, em que, fundamental e primacialmente, se levanta uma questão política.
Nestas circunstâncias excepcionais o Partido Evolucionista, que não teve de modo algum o intuito do provocar uma crise ministerial, que entende que agravar essa crise no presente momento seria inconveniente, vota a moção mandada para a Mesa pelo Sr. Deputado Álvaro de Castro, que o Govêrno aceita, mas, apesar disso, não deixa de reservar toda a sua liberdade de acção para, discutir e apreciar
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o parecer que a respectiva comissão trouxer a esta Câmara, bem como para proceder como melhor entender na decisão final do assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Afonso de Melo: - Sr. Presidente: ontem, quando entrei nesta sala, já tinha acabado de falar, num discurso que me informaram ter sido de acusação ao Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Deputado Paiva Gomos.
Não assisti, portanto, à exposição dos argumentos que S. Exa. pôde aduzir contra o contrato em discussão; mas, Sr. Presidente, eu tinha assistido já à interpelação, aliás muito brilhante, muito bem desenvolvida, do meu ilustre amigo, Sr. Vasco de Vasconcelos, e ouvi tambêm a defesa pronunciada pelo Sr. Ministro das Finanças, devendo confessar que, tanto no primeiro discurso de S. Exa. como no segundo, me senti vivamente impressionado pelo calor, pela sinceridade que transparecia das suas palavras.
Eu, Sr. Presidente, Deputado independente, sentando-mo na direita da Câmara, tendo por isso traçado na órbita da minha acção uma atitude que é mais de oposição do que de apoio ao Govêrno, devo dizer- a V. Exa. que, por impulso da minha consciência, pelo que pude conhecer da questão, me senti obrigado - o precisamente porque sou independente - a pedir a palavra para, pelo menos em parte, defender o Sr. Ministro das Finanças, com quem não tenho afinidades políticas, dem pessoais, com quem nunca troquei uma palavra.
É talvez, singular esta minha atitude de vir defender um Ministro que, pertencendo a um partido político, foi rudemente atacado pelos seus próprios correligionários.
E bom, porém, que dêmos e sigamos o exemplo de fazer de questões desta natureza questões abertas, falando cada um com toda a isenção, de harmonia com os interêsses do país e os ditames da sua razão desapaixonada.
Sr. Presidente: aquilo que eu vá dizer não significa de maneira nenhuma um apoio ao que o Govêrno tem feito.
Dum modo geral, devo dizer a V. Exa. e à Câmara que a obra administrativa do Govêrno me não satisfaz, como me não satisfaz a sua orientação política.
Êste desabar de leis cozinhadas à última hora, despejadas em inúmeros suplementos ao Diário do Govêrno, com datas de pura fantasia, cuja autenticidade não ilude ninguêm, não pode merecer o meu apoio, como, em boa consciência, não pode merecer o apoio de nenhum dos Srs. Deputados.
Sr. Presidente: o acto do Govêrno, que está em discussão, não pode ser encarado sob um ponto de vista restrito, como se fôsse uma espécie do operações duma casa de câmbio. Êste problema da Agência Financial no Rio do Janeiro não pode deixar de ser integrado no problema geral, económico e financeiro, do país. E muito intencionalmente digo económico e financeiro, porque não podemos esquecer que, com o argumento da dívida pública, esta deve atingir a cifra do 1.200:000 contos, e não podemos, portanto, deixar de atender a que os interêsses económicos do país estão mais do que nunca ligados à, situação financeira; não podemos esquecer que a melhoria da nossa situação financeira só pode derivar do uso muito cuidado e minucioso de todos os elementos da riqueza pública, para que, não perdendo nenhum dôsscs elementos, e impulsionando a criação de todos aqueles que faltam, possamos amanhã arranjar recursos para fazer face aos extraordinários encargos que vão pesar sôbre as nossas finanças.
Sr. Presidente: se os Governos dêste país algum êrro grave praticaram foi o de não terem feito por sua iniciativa, conservando na mão as rédeas de todo êsse negócio, foi o de não terem impulsionado directamente a criação do Banco Português do Brasil, essa obra que não hesita em chamar maravilhosa, devida ao esfôrço exclusivo de portugueses, bem portugueses, dos melhores.
Êsse Banco devia ter sido criado não por iniciativa particular, mas por inspiração directa do Govêrno.
Foi assim que já antes da guerra praticou um país de que fomos irredutível inimigo, um país cujos defeitos se tornaram patentes aos nossos olhos, mas cujas virtudes patrióticas e desenvolvimento económico ninguém pode negar. Foi assim que os Governos alemães impulsiona-
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ram a criação de Bancos em toda a parte onde existiam colónias suas, Bancos perfeitamente amoldados às circunstâncias que os condicionavam, regendo-se pela legislação dos países em que se instituíam.
Foi assim que ainda não há muito tempo procederam os Estados Unidos da América, êsse grande país que acaba de ser nosso aliado na guerra e pelo qual sentimos tam grande admiração. Sabe V. Exa. o que fez o Govêrno dos Estados Unidos da América para acudir às deficiências cambiais, às dificuldades do intercâmbio comercial entre Espanha e os Estados Unidos pelo motivo de fornecimentos mútuos durante a guerra? O Govêrno dos Estados Unidos, que é uma Govêrno de gente prática, de gente que sabe o que faz não foi criar uma agência financial em Madrid ou em Barcelona; o Govêrno dos Estados Unidos depois de, em 1917, instituir o seu sistema bancário em moldes inteiramente novos, criando os federal Reserv Banks, que são doze Bancos com funções perfeitamente reguladas e inspiradas pelos superiores interêsses da economia norte-americana, subordinados ao Federal Reserv Board, contratou, sob os auspícios do Govêrno Espanhol, que êsse agrupamento de Bancos nacionais fizesse um entendimento com o Banco de Barcelona e com os banqueiros Urquijo, que são estabelecimentos financeiros dos mais importantes da Espanha, para que essas casas pusessem à disposição do Govêrno dos Estados Unidos a importância do 250 milhões de pesetas.
Esta importância é garantida pelas importações em Espanha de produtos americanos, que criarão créditos contra a Espanha por uma, soma que pode igualar o crédito aberto à Comissão Americana de Compras, interpondo ainda o Govêrno dos Estados Unidos o seu aval pela parte do crédito que não fique coberta pelo saldo da balança comercial.
O Govêrno Americano não teve vergonha de fazer isto. O que êle procurou foi facilitar o intercâmbio comercial e industrial, sem grande desenvolvimento de capitais, porque é preciso que V. Exas. saibam, se é que a maior parte da Câmara o não sabe já, que a situação em que os mercados cambiais se viram durante a guerra foi de tal ordem que a Espanha chegou a pôr dificuldades ao recebimento dos pagamentos em ouro por parte dos Estados Unidos, preferindo o pagamento, em pesetas.
E a solução achada foi esta...
Mas não é isto só.
A própria França viu-se obrigada a modificar a sua estrutura bancária e em. várias lei sucessivas publicadas em 191T deu às suas instituições bancárias uma latitude que até aí não tinham, proclamando a necessidade de refundir as velhas concepções dos seus meios financeiros.
Já vêem V. Exas. que o Govêrno entregando a Agência Financial do Rio de Janeiro a um Banco da natureza do Banco Português do Brasil não cometeu, debaixo do ponto de vista financeiro, debaixo do ponto de vista da economia nacional, um acto pelo qual deva ser atacado.
Eu afirmo que antes pelo contrário; sob êste ponto de vista geral em que a questão foi colocada, êle pode e deve ser aplaudido por êsse acto.
Mas diz se: Não podia o Estado Português arranjar um Banco em iguais condições para desempenhar a mesma tarefa?
Cá estamos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, caídos naquele ponto de vista estreito e mesquinho de que desejaria ver afastada a questão.
Eu devo dizer a V. Exa., com a independência que me dá a consciência daquilo que sou, debaixo do ponto de vista da honradez e da honestidade, e de não precisar absolutamente para nada de me deixar influenciar por quaisquer sugestões de ordem financeira particular, que isso de concursos não é cousa que me impressione grandemente.
A maior parte das vozes, Sr. Presidente, a abertura dum concurso por parte dum Ministro não significa senão um acto de grave cobardia moral!
Eu devo fazer uma afirmação:
Funcionando como está o Banco Português do Brasil, com capitais na sua grande maioria portugueses, protegido pela parte melhor da colónia portuguesa, com agências estabelecidas e a estabelecer nos lugares mais recônditos do Brasil, eu não teria hesitação na escolha, porque no Brasil não havia senão outro Banco português - o Ultramarino - e êsse apenas tinha um muito limitado campo de acção.
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Sr. Presidente: eu continuo a considerar português o Banco Português do Brasil, porque o facto de estar organizado segundo a lei brasileira não tem, pelo menos durante um largo período, perigo absolutamente nenhum para nós. Só pode haver perigo se a maioria das acções que estão em mãos de portugueses passarem para mãos de estrangeiros. Mas nessa altura o Govêrno está no seu direito de rescindir o contrato, porque essa faculdade lhe ficou expressamente reservada.
Emquanto a maioria do capital fôr português, emquanto os corpos gerentes forem aqueles altos e dignos patriotas que estão à sua frente, êsse Banco será a mais genuína tradução do esfôrço de Portugal em terras do Brasil.
A legislação por que o Banco se rege para mim nenhuma importância tem, porque uma cousa é o estatuto jurídico e outra cousa, é a realidade.
O Sr. Paiva Gomes: - A lei é que regula...
O Orador: - V. Exas. viram os Governos Português o Brasileiro revogarem a nacionalização concedida a cidadãos alemães.
Já vêem que o estatuto jurídico para nada serve.
Porque não havemos de aplicar a êste caso a mesma orientação, se nós sabemos que por detrás do Banco Português do Brasil estão só portugueses!?
Porque se há-de de persistir na teimosia de considerar aqueles óptimos portugueses como brasileiros?
O Sr. Paiva Gomes: - Os portugueses não; o Banco.
O Sr. Manuel José da Silva: - Porvenura a nacionalidade do capital imprime nacionalidade ao Banco?
O Orador: - Quem manda no Banco é o capital.
Quem decide os destinos do Banco é a maioria dos seus sócios.
Que receio têm, pois, V. Exas. de que o Banco se desnacionalize?
Tomara eu que a colónia portuguesa do Rio de Janeiro e outros nossos compatriotas adquirissem as acções dos Bancos estrangeiros, existentes no Brasil.
Tomara eu que tivéssemos capital e a iniciativa para fazermos isso, porque seríamos nós que passaríamos a mandar nesses Bancos.
Sr. Presidente: o contrato tem, na sua essência, dois aspectos diferentes: um que diz respeito propriamente às relações do Estado com os funcionários do mesmo Estado residentes no Brasil; o outro é o aspecto puramente cambial.
Notem V. Exas. que todo o pessoal da Agência Financial nomeado pelo Govêrno Português ficou nos seus lugares, embora pago pelo Banco. As suas funções de fiscalização persistem. Sob o ponto de vista administrativo, a honra do convento ficou salva... Isto pelo que diz respeito ao primeiro aspecto.
Debaixo do ponto de vista cambial a questão reduz-se a pouco.
O que conseguiu o Govêrno?
Conseguiu muitas vantagens? Conseguiu poucas?
O Sr. Ministro das Finanças, no primeiro discurso que aqui proferiu, afirmou que o movimento anual dos saques transmitidos por intermédio da Agência Financial do Rio de Janeiro para Portugal andava em média por 750:000 libras.
Pelo contrato o Banco obriga-se a elevar êstes saques a 1.200:000 libras, pelo menos.
Sr. Presidente: eu conheço suficientemente, a vida do Brasil e sei que o Govêrno BrasiLeiro tem protegido por todas as maneiras a consolidação dos capitais dos portugueses em terras do Brasil e tem procurado fazer com que o dinheiro não seja exportado, com que o superavit das bolsas portuguesas se transforme no próprio Brasil em novas fontes de riqueza.
É isto legítimo da parte do Brasil? Sem duvida. Mas é muito mais legítimo da nossa parte e tem toda a justificação o acto do Sr. Ministro das Finanças,
Não há nada mais justo do que nós querermos que o ouro dos nossos irmãos de alêm mar venha para Portugal fecundar tantas cousas que disso têm necessidade entre nós.
Nós, que somos um país tam pobre, tam arruinado, não podemos despresar êste aspecto da questão, na apreciação dum projecto da importância e natureza dêste.
Sr. Presidente: eu ouvi aqui, no discurso pronunciado pelor Sr. João Ponheiro,
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os dois argumentos verdadeiramente capitais, verdadeiramente grados, que podem ser invocados contra o contrato elaborado pelo Govêrno.
Êsses argumentos são a circunstância do Govêrno do Brasil poder, em face dêste novo contrato, negar-nos as garantias que até aqui havia adstritas à Agência do Rio de Janeiro, incluindo a exterritorialidade de que porventura possa gozar a nossa Agência; cousa, aliás, que é em pouco vaga em direito internacional e que eu não sei até que ponto poderá aplicar-se a uma instituição da natureza da nossa Agência Financial.
Sr. Presidente: eu quero fazer uma discussão absolutamente imparcial, e assim devo dizer a V. Exa. que em minha opinião as responsabilidades do Sr. Ministro das Finanças e de todo o Govêrno são tremendas, por aquilo que fez sem que primeiro tivesse encetado negociações de natureza diplomática com o Govêrno do Brasil. É êste um acto muito condenável, de que o Govêrno não pode ser absolvido.
Não era só uma questão de boa táctica política, sob o ponto de vista internacional; era uma simples questão de boa cortesia para com o Govêrno Brasileiro.
O Govêrno, tendo obtido do Brasil a concessão favorável e extraordinária da montagem, em condições especiais, da Agência Financial do Rio de Janeiro, não devia, de maneira nenhuma, tocar nesta situação sem, previamente, ter feito alguma pourpaler, no sentido de saber se êste acto seria ou não bem recebido pelo Govêrno Brasileiro.
Para esta gaffe governamental, não acho perdão.
O outro argumento, realmente sério, apresentado pelo Sr. João Pinheiro, foi o de que, perdida a exterritoriedade, amanhã a Agência Financial, poderia ser taxada como um simples estabelecimento de crédito, submetido às comuns leis brasileiras.
E S. Exa. com bastante espírito, preguntava se perdida a territorialidade da nossa Agência e com ela todas as nossas garantias, o Governo do Brasil se lembrasse de copiar o maravilhoso decreto do ex-Ministro socialista, em que o Govêrno todo comungou, e estabelecesse taxa violenta sôbre o capital dos bancos, em que condições altamente desastrosas ficariamos nós?!
Deve dizer a S. Exa. que êste argumento, exposto com a vivacidade e forma brilhante que são apanágio do Sr. João Pinheiro, não tem o valor que à primeira vista se afigura.
Começa por ser muito improvável que o Govêrno Brasileiro nos privasse das garantias que nos concedeu; mas quando êle nos quizesse retirar as privilegias que até hoje nos tem concedido, não precisava de se servir dêsse meio, invocando especiais argumentos de oratória jurídica, porque corajosamente, lealmente, nos diria, em qualquer circunstância: o favor findou, nova vida.
O Brazil é um país nosso amigo e nosso irmão, e se amanhã, repito-o, quisesse cercear-nos essa garantia, não precisaria de se servir dêste subterfúgio ridículo da mudança de casa da Agência Financial do Rio de Janeiro.
Esta é que é a verdade.
Mas se houvesse qualquer motivo para que isso acontecesse, o incitamento a que tal se fizesse, poderia surgir nos meios financeiros brasileiros, poderia surgir nos concorrentes do Banco Português do Brasil, mas onde ela nunca poderia surgir, porque é preciso que do Parlamento Português nunca saia nada que possa prejudicar os interêsses de Portugal, era das discussões que aqui travamos entre nós.
Um outro ponto muito interessante a que se referiu o Sr. João Pinheiro, foi ao facto de se entregar nas mãos do Banco Português do Brasil uma arma financeira de grande valor, fazendo dêle um veículo de todo o dinheiro da colónia do Brasil para Portugal, não se prevendo o perigo de o Banco fazer amanhã uma política financeira adversa à do Govêrno Português, o que podia redundar num grave prejuízo para o país.
Este argumento é valioso e eu não sei se o Ministro das Finanças e o Govêrno terão ponderado bem e devidamente neste caso, mas parece-me que não, porque realmente no contrato essa situação não vem acautelada, duma maneira clara, quando aliás era fácil, estabelecer cláusulas que nitidamente adstringissem as funções do Banco às necessidades de orientação económico-financeira do Estado português.
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Todavia, no contrato ficou expresso que o Banco atenderá às necessidades financeiras do Estado, lançando no mercado brasileiro emissões de empréstimos do Govêrno Português, etc. E ainda no contrato há uma outra cautela, que é a do Govêrno fazer rescindir o contrato, quando vir êsse perigo, apenas mediante denúncia com seis meses de antecipação.
Melhor fora, certamente, que êsse ponto ficasse mais definido, a fim de prevenir qualquer golpe de mão que se possa vir a dar com a mudança dos títulos daquele Banco para mãos estrangeiras. Mas nem tudo lembra e eu não tenho que defender aqui o Sr. Ministro das Finanças da sua precipitação ou das suas faltas.
Em resumo, porque a Câmara deve estar mais que elucidada sôbre a economia desta questão, devo dizer que para mim não tem grande importância o facto do Sr. Ministro das Finanças não ter pôsto a concurso a transmissão para um Banco, da Agencia Financial do Rio de Janeiro.
Devo dizer, com a coragem que ponho em todas as minhas afirmações, que por exemplo, se eu ÍÕSSH Ministro das Colónias, não hesitaria amanhã, em vez de pôr a concurso o regime bancário das colónias, em fazer nova prorrogação cora o Banco Nacional Ultramarino se eu visse que, não fazendo essa prorrogação, o Banco corria o risco de sofrer um rude golpe que talvez o inutilizasse ou pp.lo menos, gravemente o depreciasse.
Porque eu entendo que nós não estamos naquele tempo da velha política financeira em que o Estado era como que o inimigo de todas as iniciativas que surgiam, e em que o contribuinte era encarado pelo Estado como um animal de que se houvesse de tirar todo o sangue.
Não Sr. Presidente, o Estado não tem hoje o direito de ir em busca de um lucro financeiro de 20, de 30, de 50, de 100 contos, ou de mais, mesmo muito mais, não hesitando em estancar uma fonte de riqueza nacional, em entibiar as iniciativas dos criadores da fortuna pública, era desvalorizar os haveres duma grande massa de cidadãos. O papel do Estado moderno não é de expoliação. E de assistência.
Em resumo, para terminar: o que em toda esta questão sobreleva, não é o aspecto propriamente técnico do contrato com o Banco Português do Brasil, o qual podia ser melhor, sem dúvida, mas não merece de forma alguma as objurgatórias com que foi crivado pelos amigos políticos do Sr. Ministro das Finanças e do Govêrno!
O que é de notar, com verdadeira mágua, é que o Govêrno Português, que representa a velha pátria de Portugal, não tivesse tido para com o Govêrno da jóven Pátria Brasileira, aquela atenção, aquele elementar dever de cortezia, que qualquer outro Govêrno, menos hóspede em assuntos de administração pública, não deixaria de ter presente, como um dos mais indeclináveis deveres.
O Sr. Ramada Curto (Ministro das Finanças): - Responde ao Sr. Afonso de Melo que o Govêrno não consultou o Govêrno Brasileiro porque as funções da Agência Financial ficam intangíveis e o contrato como S. Exas. compreendem não é um contrato que envolva casos novos. Por isso o Govêrno entendeu não ser necessário consultar o Govêrno Brasileiro sôbre o assunto.
Mas pode garantir a S. Exa., não como resultado de démarches oficiais, que não se realizaram, que se o Govêrno Brasileiro não pensou nem pensa, depois da realização dêsse contrato, em diminuir as regalias da garantia da estabilidade da Agência Financial, nos meios brasileiros com que o Govêrno Português conta, quer sob o ponto de vista financeiro, quer sob o ponto de vista diplomático, a resolução do Govêrno, a respeito da Agência Financial, é vista com bons olhos, e que se a continuação dessas vantagens estivessem em causa, podíamos considerar que elas seriam ampliadas.
Relativamente ao perigo que S. Exa. notou da possibilidade da política do Banco vir a ser contrária a política financeira do país, responderá que o Govêrno não presume que tal facto seja provável e, quando assim fôsse, como há uma fiscalização do Estado nos serviços da Agência, o Govêrno tem suficiente garantia, além de que tem a faculdade de ano a ano poder rescindir o contrato. São estas as garantias que o Govêrno julgou suficientes para acautelar os interêsses do Estado.
Quanto às considerações de ordem ge-
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ral, muito inteligentemente formuladas por S. Exa., deve dizer que o Govêrno Português pensou, antes de realizar o contrato com o Banco Português do Brasil, formar por assim dizer uma espécie de Banco do Estado no Brasil. Para tal fim, a primeira instituição em que pensou foi a Caixa Geral de Depósitos. A primeira instituição a quem êle, orador, se dirigiu foi a esta entidade e dela recebeu êste ofício que ontem não teve ocasião de ler à Câmara:
"Exmo. Sr. Ministro das Finanças. - Em resposta à pregunta verbal que por V. Exa. boje me foi formulada, cumpre-me informar que o conselho de administração da Caixa, em sua sessão de hoje, entendeu que não lhe era possível desempenhar de pronto as funções da Agência Financial no Brasil, mas não considera impossível tal serviço, num prazo mais ou menos longo, quando o Govêrno o julgue conveniente.
Saúde e Fraternidade. - O Administrador Geral, Daniel Rodrigues".
Êle, orador, está convencido de que não será por êstes anos mais próximos que qualquer Ministro das Finanças terá ocasião de rescindir o contrato.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja restituído as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: - Está encerrada a discussão.
O Sr. Álvaro de Castro requereu prioridade para a sua moção e, portanto, vou consultar à Câmara.
Os Srs. Deputados que concedem essa prioridade queiram ter a bondade de levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está concedida. Vai ler-se a moção de Sr. Álvaro de Castro.
Foi lida na Mesa e seguidamente aprovada.
O Sr. Presidente: - Estão prejudicadas as outras duas moções. Vai entrar-se na interpelação do Sr. Alves dos Santos ao Sr. Ministro da Instrução.
Tem a palavra o Sr. Alves dos Santos.
O Sr. Alves dos Santos: - Chega-lhe tarde e a más horas a palavra para fazer a interpelação ao Sr. Ministro da Instrução Pública.
Tarde em relação ao dia em que a anunciou, e a más horas porque não dispõe mais de 70 minutos, tempo efectivamente exíguo para o muito que há para se dizer.
Todavia, atendendo a que nesta altura da sessão a atenção da Câmara já estará cansada...
Vozes: - Não apoiado.
O Orador (continuando): - Empregará esfôrços para resumir as suas considerações não dizendo senão quanto fôr suficiente para esclarecer a Câmara tam completamente quanto possível, sôbre esta questão que êle orador, reputa de altíssimo interêsse e máxima gravidade para a vida não só intelectual, mas a vida moral e até para a vida política da nação.
Êle, orador, deve desde já declarar-se que nenhum sentimento ruim o move na sua interpelação ao Sr. Ministro da Instrução Pública, cujas qualidades intelectuais reconhece e às quais folga prestar em público, no seio do Parlamento, as suas homenagens. S. Exa. é um pensador original que honra a sciência portuguesa. S. Exa. tem uma obra filosófica que se impõe pelo seu valor e sua originalidade; e não é demais ter de elogiar com fundamento alguém no meio de uma sociedade, cujo vício dominante, consiste, precisamente, em deprimir, porque - não esquecer - nós portugueses somos e fomos sempre assim: dizemos, sistematicamente, mal de tudo que é nosso e estamos sempre dispostos a elogiar o que é estrangeiro. Portanto, êle, orador, tem muita satisfação, como português, como Deputado da Nação, em prestar as suas homenagens à intelectualidade do Sr. Dr. Leonardo Coimbra.
Isto coloca-o à vontade para poder dizer com a maior clareza, com a maior sinceridade, com a maior honestidade e desassombro, tudo quanto a S. Exa. tem de dizer, não em concordância com o que fez; quere dizer, êle, orador, usando do seu
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livre espírito de crítica, vai fazer a apreciação da obra governativa do Sr. Ministro, especialmente no ponto concreto de que a Câmara se ocupa, dizendo, claramente, sinceramente, que discorda.
A Câmara sabe que está aberto um conflito entre o Poder Executivo e a Universidade do Coimbra e que êste conflito se agravou, sobremaneira, em virtude da solidariedade que as outras Universidades concederam à de Coimbra. Pode dizer-se que a vida escolar atravessa uma crise gravo a que é necessário pôr cobro.
O Poder Executivo, pela forma como se conduziu, não pode, facilmente, resolver esta questão, dando solução ao conflito. Êle, orador, pensa que é do Parlamento que compete resolver esta questão.
Não pense a Câmara, não pensem os Srs. Deputados que êle, orador, venha de caso pensado atacar sistematicamente ou a Universidade, ou o Sr. Ministro, ou os estudantes. Elo, orador, não vem fazer a defesa, nem o ataque do ninguém. Vem unicamente para esclarecer a Câmara, a fim do que ela possa resolver com profundo conhecimento de causa esta questão gravíssima.
Mais nada, absolutamente mais nada. E tem autoridade para o fazer pertencendo, como pertence, ao corpo docente da Faculdade de Letras de Coimbra. Êle, orador, conhece como ninguêm o mecanismo da Faculdade de Letras, a índole do seu ensino, a sua vida escolar. Conheço perfeitamente até a medula todo o funcionamento dessa organização, para se julgar em condições muito especiais de dar à Câmara instruções completas, de forma a que ela possa resolver da melhor maneira e de harmonia com os altos interêsses da República.
O Sr. Leonardo Coimbra, no uso dum direito que êle, orador, lhe reconhece, quis deixar assinalada a sua passagem pelas cadeiras do poder com uma reforma das secções de filosofia da Faculdade de Letras de Coimbra. O Sr. Ministro entendeu que o que estava estava mal e resolveu reformar essas sessões. É preciso, porém, não perder de vista que S. Exa. não procedeu como membro do Poder Executivo, porque, estando então o Govêrno em ditadura, a êle pertenciam funções não só executivas como tambêm legislativas. Reconhece-lhe êsse direito aqui e reconheceu-o lá perante o corpo docente da Faculdade de Letras de Coimbra perante o qual o sustentou. O Govêrno não tinha obrigação, nem sequer o dever de consultar a referida Faculdade nem tam pouco a de Lisboa para organizar a sua reforma. Mas, por acaso, teria sido inconveniente que S. Exa. tivesse ouvido as duas faculdades? Crê que não. Está certo de que se S. Exa. as tivesse ouvido teria talvez: evitado o conflito.
É certo que em Coimbra, contestando o direito que assistia ao Ministro de resolver sem a consulta prévia das referidas Faculdades, só invoca a autonomia universitária. O Ministro não ouviu efectivamente o Conselho Académico de Coimbra, mas parece-lho que ouviu o de Lisboa, uma vez que o Conselho Académico da Universidade de Letras de Lisboa não protestou contra1 o acto do Govêrno. O Sr. Ministro da Instrução não consultou a Faculdade de Letras de Coimbra oficialmente, mas estando êle orador, em Lisboa, como membro do júri dos exames da Escola Normal Superior, e tendo ido ao gabinete do Sr. Ministro tratar do outros assuntos muito diferentes, S. Exa. mostrou-lhe o projecto da sua reforma das secções de filosofia, sem, todavia, lhe pedir conselho ou parecer sôbre êle.
Êle, orador; não interveio nessa organização, mas confessa que disse ao Sr. Ministro da Instrução que concordava com ela porque estava em harmonia com as suas ideas.
Isto é muito diferente do que só afirmou, de que esta organização tinha sido feita de combinação com o orador, e que o Sr. Ministro de acordo comigo tinha feito essa organização.
Isto é falso.
Êle, orador, não colaborou com o Sr. Ministro, S. Exa. apenas lhe mostrou o decreto.
Êle, orador, foi para Coimbra, e apareceu o decreto, que levantou uma enorme celeuma. Os professores reuniram imediatamente em conselho. Ponderou aos seus colegas que o Govêrno não tinha com essa organização intuitos de ofender os professores, e o que tinham a fazer era acatar as providências ao Govêrno. Declarou-lhes que concordava com a organização proposta pelo Sr. Ministro. Todavia, declarou-lhe mais que não tinha
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colaborado com o Sr. Ministro nessa organização, e aconselhou os seus colegas a que acatassem as decisões ao Govêrno como a Faculdade de Letras de Lisboa tinha acatado, e declarou-lhes ainda que com o seu voto não podiam contar para um movimento de protesto.
Levantou-se o conselho e Cie, orador, fora para sua casa.
S. Exa. o Ministro preguntou qual era a opinião da Faculdade do Letras sôbre o pedido que se tinha feito de que, devido à anormalidade do ano escolar, os trabalhos não fossem eliminatórios.
Reuniu-se o conselho e êle, orador, viu então que os seus colegas tinham mudado de parecer, e declarou-lhes de novo que respeitaria as medidas do Govêrno, e que pediria a exoneração de todos os cargos que4 ocupava, desde que viu que a Faculdade enveredava por caminho diverso.
É afastou-se delicada e discretamente para sua casa.
Nunca mais tomou parte em qualquer acto oficial.
Os seus colegas reuniram então, e deliberaram protestar contra o acto ao Ministro.
Êle, orador, tem ali um documento.
Este documento não é autêntico, porque tendo requerido à Mesa que lhe fôsse enviada cópia autentica dêsse documento, êsse diploma nunca lhe chegou às mãos.
Terá de fazer, contra sua vontade, leitura dum outro documento que supõe cópia fiel dêsse ofício.
O orador lê à Câmara o extracto dum documento que diz pertencer à Faculdade do Letras, porque o assinou o secretário da mesma Faculdade, Sr. Eugénio da Costa e Almeida.
Quando, êle, orador, soube porque o Sr. Reitor da Universidade o mandou chamar à reitoria para mostrar o texto original dêsse documento, quando soube que êste protesto só tinha votado por unanimidade, caiu das nuvens.
Pertence ao Conselho da Faculdade e não votou êste protesto.
Participou-o por carta ao Sr. Ministro da Instrução, acrescentando que, se não punha a sua assinatura nesse protesto, era porque reconhecia ao Poder Executivo o direito de reformar a secção de Filosofia da Faculdade de Letras, embora reconhecesse que tinha sido conveniente a consulta.
A sua atitude é a mesma desde a primeira hora.
Definiu a sua situação desde a prime ira hora.
O Sr. Ministro da Instrução tem essa carta em seu poder e nela êle, orador, afirma que não concorda com o procedimento dos seus colegas e vai mais longe, dirá que lhe parece que as razões intrínsecas, o motivo determinante daquela atitude lhe parece que não seria exclusivamente do natureza pedagógica.
Êle, orador, está no propósito determinado do informar integralmente a Câmara porque tem como uma cousa extraordinariamente delicada a deliberação que porventura a Câmara tome.
Pelo decorrer desta questão, os Srs. Deputados verão que ela tem muito maior importância que a que lhe atribuem.
A Câmara conhece perfeitamente qual foi a resposta do Govêrno.
O Dr. Mendes dos Remédios, que era o reitor eleito pela Universidade, desde os tempos do dezembrismo, não tinha pedido a sua exoneração, antes pelo contrário tinha declarado que acompanhava os professores suspensos da Faculdade de Direito, não pedindo a exoneração senão depois do conflito ter obtido a solução conveniente.
Estava afastado da reitoria, mas não tinha sido demitido pelo Poder Executivo.
S. Exa. não era a pessoa que estava indicada para presidir aos destinos da Universidade neste período que representava uma reacção ao estado político anterior.
E êle, orador, teve o desassombro de dizer isto mesmo na reunião do Senado Universitário, declarando peremptoriamente ao Sr. Reitor que lhe atribuía a êle tudo quanto se estava passando dentro da Universidade, porque êle não teve a visão nítida dos acontecimentos e não se convenceu de que não era êle a pessoa idónea para dirigir a Universidade, depois de uma revolução que tinha destruído o dezembrismo. Esta é que é a verdade!
O que fez o Govêrno?
Demitiu o professor Mendes dos Remédios.
Logo a seguir o Sr. Ministro da Instrução, de acôrdo com o Govêrno da Re-
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pública, tomou a gravíssima deliberação de desintegrar e transferir para a Universidade do Pôrto a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
O Sr. Ministro da Instrução tem na sua presença um professor e um educador, um homem que tem a consciência das responsabilidades do cargo que ocupa, e que não tem feito neste país outra cousa senão subministrar elementos aos poderes públicos para a resolução do problema da instrução pública em Portugal. Desde que só conhece nunca fez outra cousa. Usando da palavra, usando da pena, Cie orador, tem pugnado sempre por tudo quanto seja tendente a pormo-nos em equação com nós mesmos e com o meio mundial. Nos congressos, nas academias, nas conferências, por toda a parte, emfim, não tem feito outra cousa. Tem, portanto, autoridade para dizer a S. Exa. que o Sr. Ministro cometeu um êrro monstruoso.
S. Exa. querendo atingir quatro professores e porventura castigá-los disciplinarmente, não encontrou outra cousa para fazer senão transferir da Faculdade de Letras, da Universidade do Coimbra, onde ela é absolutamente necessária, para a Universidade do Pôrto. Esta questão, coloca-a êle orador, acima de todas. Êste aspecto é o que mais o interessa.
Vai mostrar à Câmara (e tem a certeza de que quando daqui sair não ficará um único Sr. Deputado que não concorde consigo) que há uma necessidade absoluta e irredutível da existência da Faculdade de Letras em Coimbra. E necessário ignorar as funções que a Faculdade de Letras desempenha na cultura geral do país, para poder supor que uma Universidade possa viver sem ela.
Conhece S. Exa. o Sr. Ministro, como êle, orador, as conhece, todas as universidades que existem no mundo. Se as não conhece por visita, conhece-as pelas referências pedagógicas que delas se fazem. Não ignora, pois, que não há nenhum? que não tenha a Faculdade de Letras.
O Sr. Raúl Tamagnini Barbosa: - Há a do Pôrto.
O orador: - Chamam-lhe Universidade mas não é.
Uma voz: - Então tirem-lhe êsse nome.
O orador: - Isto não é ofensivo para o Pôrto. É por essa razão que êle, orador, impõe que a Faculdade de Letras deve tambêm existir ali.
Vozes: - Apoiado.
Vozes: - Não apoiado.
O Orador: - A Faculdade de Letras, naquela Universidade, pode desempenhar a sua função pedagógica e, mais do que isso, a sua função docente e educadora, a sua função do contribuir para a cultura geral da Nação.
Êle, orador, vai demonstrar à Câmara que a Faculdade de Letras é o elemento essencial das Universidades.
Na França há dezasseis Universidades e só uma, que é a de Marselha, é que não tem Faculdade de Letras. Na Itália há onze Universidades, e todas elas têm uma Faculdade de Filosofia e uma Faculdade de Letras. Na Alemanha todas as Universidades têm Faculdades de Filosofia e de Letras. Na Inglaterra todas as Universidades têm a Faculdade das Artes, onde só professam os estudos humanitários, históricos e filosóficos. Nos Estados Unidos da América do Norte, país que tem dedicado o seu esfôrço à solução do problema educativo, não há nenhuma Universidade do Estado que não tenha a sua Faculdade de Letras.
Êle, orador, não pode compreender uma Universidade sem uma Faculdade de Letras, porque o homem não vive só de pão, o homem não é como os animais, não é uma máquina de absorpção e de assimilação.
Como se pode conseguir que um povo entre em relações com outro povo sem conhecer a sua lingua, a sua literatura? O estudo das linguas que se faz nos Liceus é completamente diferente do das Faculdades.
Como se pode conceber um organismo sem que dele se estude a língua e a sua literatura?
Este estudo há-de ser nos liceus? Onde havemos de estudar a história antiga, da idade média, a história moderna, a história contemporânea e a história dos nossos descobrimentos?
Onde havemos de estudar senão nas Faculdades de Letras?
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No ensino liceal não se ensina senão os elementos preliminares.
Nós encontramos que o homem da idade da pedra, os trogloditas, já tinham manifestações de arte, que se encontram nas ossadas dos animais e nas paredes e tectos das suas habitações.
As Faculdades de Letras são elementos essenciais para a história das nações.
As Faculdades de Letras e de Sciências completam-se. Êle, orador, não pode conceber a existência duma sem a outra. Os estudos que aí se professam são estudos de carácter geral destinados a habilitar o indivíduo a ir iniciar a sua carreira, mas há uma outra função que é tam importante como esta, que é a de preparar os indivíduos para a entrada nas escolas normais superiores.
Estas escolas estão organizadas no nosso país por forma que desempenham uma função profissional porque nelas se ensina a ensinar.
E onde é que se há-de formar a mentalidade e o coração dos indivíduos a quem o Estado vai entregar a educação da mocidade?
Uma voz: - Nas Faculdades republicanas.
O Orador: - Êle, orador, está a defender a necessidade duma Faculdade de Letras; sabe bem o que a Câmara quer e o lá irá porque prometeu informar integralmente a Câmara sôbre esta questão.
O orador vai ler o texto do decreto n.° 5:770, que desintegrou do organismo universitário a Faculdade de Letras. Nele se encontram os fundamentos dessa desintegração.
Ver-se à ao quais as razões que o Poder Executivo aduziu para justificar esta providência. E ver-se há se estas razões serão boas, se serão más e se, efectivamente, o Poder Executivo teria ou não razão de desintegrar de Coimbra esta Faculdade.
Êle, orador, não pode deixar de se referir a um considerando que o visa e que' acha sumamente grave.
A Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra foi criada pelo Sr. Dr. António José de Almeida, quando Ministro do Interior, do Govêrno Provisório, em 1911. A iniciativa e honra desta criação não pertence a mais ninguém. E quem desde essa hora ensinou a filosofia na Universidade de Coimbra foi um assistente provisório, que é hoje doutor em filosofia, o Sr. Dr. Joaquim de Carvalho, o foi êle, orador.
Neste decreto considera-se "a filosofia revelada nas obras dos seus principais professores".
Êle, orador, é professor de filosofia, e deve dizer a S. Exa. que o considerando a que se refere é tam revoltante que êle, orador, lança dali o seu repto ao Sr. Ministro de Instrução. S. Exa. faltou à consideração que a êle, orador, era devida como professor e como republicano.
O Sr. Leonardo Coimbra (Ministro da Instrução Pública) (interrompendo): - Isso não é com V. Exa. V. Exa. não leu bem o decreto.
Toda a obra tem uma filosofia implícita e o decreto refere-se à filosofia que ressuma de qualquer obra. Não se refere, especialmente, de maneira alguma, às obras da secção de filosofia.
V. Exa. tem um livro que é até uma tentativa interessante de valorizar a filosofia pelo estudo das sciências.
O Orador: - O que vê no decreto está ao alcance dos olhos de toda a gente.
Mas não insistirá. Deve apenas dizer a V. Exa. que na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra existe um organismo que representa uma inovação no ensino da filosofia em Portugal - é um Laboratório do Psicologia Experimental.
O orador pede à Câmara que lhe releve a impertinência involuntária de estar falando de si. São, porém, as circunstâncias que a tal o forçam.
Em 1912 foi comissionado pela sua Faculdade para ir ao estrangeiro, à Bélgica, à França, à Suíça, para estudar psicologia experimental.
Frequentou durante seis meses os cursos de eminentes professores e, em Paris, comprou os aparelhos indispensáveis para o estabelecimento do Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade do Coimbra, o primeiro que se fundou na península.
Faltava êsse laboratório em Coimbra e deve dizer que já são bastantes os trabalhos publicados e a publicar, não tendo
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ainda aparecido alguns deles por falta de recursos, porque o Estado não os proporciona, motivo êste por que ainda não existe um boletim.
Não se pode com justiça afirmar que o ensino da Faculdade de Letras é retrógrado, quando é certo que ela possui um Laboratório de Psicologia Experimental como não existe em nenhuma outra Universidade da península, sendo de todo o ponto lamentável que se viesse lançar tal acusação em público, porque o critério do povo é simplista, fazendo-se assim uma especulação, que se não teria isto se porventura houvesse o desejo do colocar acima do tudo a justiça.
Confundiu-se tudo, tudo se baralhou, e a tal ponto que às dissertações do Sr. Dr. Joaquim de Carvalho, que - diga-se de passagem - é republicano, publicadas num livro, que pode dizer-se é o primeiro da península, e em que o autor fez o assimilado de todas as ideas modernas, foi lançar-se o labéu do escolástico, de filosofia escolástica!
O Sr. Leonardo Coimbra (Ministro da Instrução): - Perdão, V. Exa. continua equivocado. Eu no decreto não me refiro a V, Exa. nem ao Sr. Joaquim de Carvalho. As palavras textuais da lei são estas: a filosofia revelada nas obras publicadas pelos alunos diplomados pela Faculdade de Letras..., etc., etc.
Eu não queria interromper V. Exa., porque entendo que numa discussão tam elevada como esta, era melhor falarmos um por cada vez, mas V. Exa. forçou-me a isso, com a sua indignação.
O orador: - E que tem razão de ser, porque interpreto as palavras do decreto por outra maneira que V. Exa.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção do Sr. Deputado. Faltam cinco minutos para encerrar a sessão. V. Exa. quere terminar, ou prefere ficar com a palavra reservada?!
O orador: - Peço para ficar com a palavra reservada.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja restituído as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: - O resultado das eleições de hoje, é o seguinte:
[Ver valores da tabela na imagem]
Comissão de recrutamento:
Angelo Vaz (eleito)
Domingos Cruz. (eleito)
Vasco Borges (eleito)
Pereira Bastos (eleito)
Vitorino Godinho (eleito)
Santos Graça (eleito)
João da Rocha (eleito)
Vergílio Costa (eleito)
João Gonçalves (eleito)
Listas brancas, 10.
Obras públicas:
A. Lúcio de Azevedo (eleito)
Pires de Carvalho Júnior (eleito)
Mem Verdial (eleito)
Joaquim de Oliveira (eleito)
Alfredo de Sousa (eleito)
Jaime Vilares (eleito)
Francisco F. Costa (eleito)
Júlio Cruz (eleito)
Costa Guerreiro (eleito)
Listas brancas, 9.
Comissão de correios e telegrafou;
Bartolomeu Severino (eleito)
Custódio de Paiva (eleito)
Orlando Marçal (eleito)
Dias Pereira (eleito)
Tavares de Carvalho (eleito)
Marques de Azevedo (eleito)
A. J. Pereira (eleito)
João Bacelar (eleito)
Manuel Fernandes Costa (eleito)
João Camarate
Listas brancas, 9.
Comissão de comércio:
Alberto Xavier (eleito)
Vieira da Rocha (eleito)
Nunes Loureiro (eleito)
Velhinho Correia (eleito)
Américo Olavo (eleito)
A. Lúcio de Azevedo (eleito)
Eduardo de Sousa (eleito)
Mesquita Carvalho (eleito)
Domingos Rosado (eleito)
Listas brancas, 10.
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[Ver valores da tabela na imagem]
Comissão de colónias:
Paiva Gomes (eleito)
Álvaro de Castro (eleito)
Amaral Reis (eleito)
Godinho do Amaral (eleito
Velhinho Correia (eleito)
A. Pires de Carvalho (eleito)
P. Ga!" Pita (eleito)
Paiva Manso (eleito)
Pina Lopes (eleito)
R. Tamagnini Barbosa (eleito)
Prazeres da Costa (eleito)
Francisco F. Costa (eleito)
António José Pereira (eleito)
Estêvão Pimentel (eleito)
Ladislau Batalha (eleito)
Vasco de Vasconcelos
Sousa Dias
Listas brancas, 7.
Amanhã há sessão, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Primeira parte:
Eleições de:
Comissão de pescarias.
Comissão revisora de contas.
1 vogal para o Conselho Fiscal do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Providência Geral.
Segunda parte:
Interpelação do Sr. Deputado Alves dos Santos ao Sr. Ministro da Instrução.
Continuação da discussão sôbre a obra do dezembrismo.
Está encerrada a sessão.
Eram, 18 horas e 50 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Deputado Godinho do Amaral, alterando as leis em vigor que regulam o casamento entre menores.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo Sr. Deputado, permitindo a nomeação definitiva dos oficiais do registo, provisórios, que tenham três anos de bom e efectivo serviço.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Deputado Paiva Manso, alterando o disposto no § único do artigo 21.° do decreto n.º 5:624 sôbre agentes de passagens e passaportes.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Deputado Raul Tamagnini Barbosa, autorizando o Govêrno a mandar imprimir em segunda edição as pautas das alfândegas da metrópole, de importação, exportação, consumo em Lisboa e rial de água, com todas as alterações, aditamentos e notas explicativas introduzidas nessas pautas desde 1892.
Para a Secretaria.
Publicado no "Diário do Govêrno"; volte para ser submetido á admissão.
Do Sr. Deputado Alberto Xavier, permitindo aos alunos de escolas particulares de instrução secundária o fazerem êste ano exames nas escolas que frequentaram.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Propostas
Proponho que a revisão constitucional incida sôbre os seguintes pontos:
a) Concessão ao Presidente da República da faculdade de dissolver o Congresso da República (alteração do artigo 47.°);
b) Alargamento do mandato presidencial (alteração do artigo 42.°);
c) Modificação dos §§ 2.9 e 3.° do artigo 38.°, do § único do artigo 45.°, do artigo 64.° e do artigo 82.° e seus parágrafos.- Luís de Mesquita Carvalho.
Para a Secretaria.
Considerando que o decreto n.° 5:709, criando os comissários do Govêrno junto de todas as companhias ou sociedades coloniais concessionárias do Estado, necessita de revisão:
Proponho que o referido diploma seja suspenso até que as comissões competentes emitam com urgência o seu parecer, habilitando-se assim a Câmara dos Deputados a deliberar sôbre a matéria com pleno conhecimento de causa.
Sala das Sessões, 19 de Junho de 1919. - António de Paiva Gomes.
Para a Secretaria.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de colónias.
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Contrariando o decreto n.° 5:844, as disposições expressas nu lei orgânica da Administração Financeira das Províncias Ultramarinas, base 13.ª, n.º 1.°, alínea b) e sendo discutível a vantagem da criação, pelo decreto n.° 5:726, do Laboratório Químico Colonial em Lisboa, proponho que a Câmara dos Deputados suspenda imediatamente a execução dos referidos diplomas até que as comissões competentes sôbre êles se pronunciem e habilitem assim devidamente a mesma Câmara a resolver sôbre a matéria com pleno conhecimento do causa.
Sala das Sessões, 19 do Junho do 1919. - António de Paiva Gomes.
Para a Secretaria.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de colónias.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me sejam enviados com toda a urgência os seguintes documentos:
a) Cópia do processo relativo à nomeação, em Novembro de 1917, de Alberto Augusto Ferro Beça para tesoureiro de Finanças do Castanheira de Pera;
b) Motivos pelos quais o despacho de nomeação não foi publicado no Diário do Govêrno;
c) Cópia das informações das repartições respectivas e do despacho ministerial que justifiquem o não ter sido o citado cidadão reintegrado no lugar de tesoureiro de finanças de que foi arbitrariamente esbulhado pelo Govêrno dezembrista. - Vítorino Guimarães.
Para a Secretaria.
Requeiro que seja comunicado ao Sr. Ministro das Colónias que desejo a sua comparência nesta Câmara, a fim de o poder interrogar sôbre os seguintes factos;
1.° Sôbre quais as razões que motivaram a publicação no Diário do Govêrno n.° 136, 2.ª série, de 14 de Junho corrente, dum despacho nomeando um bacharel em direito delegado do Procurador da República na comarca de Damão, sem concurso, quando se sabe que os delegados do Ministério Público são candidatos legais à magistratura judicial e quando se sabe que já estava aberto concurso no Ministério da Justiça;
2.° Sôbre o critério adoptado na escolha das pessoas nomeadas para os lugares de professores dos liceus de Nova Goa e Macau, recentemente elevados à categoria dos liceus centrais. - Alberto Xavier.
Para a Secretaria.
Requeiro que pelo Ministério da Justiça, me seja enviada cópia da representação do Conselho Medico-Legal de Lisboa, enviada àquela Secretaria de Estado pedindo a revogação do decreto n.° 5:654, de 10 de Maio de 1919.
Câmara dos Deputados da República Portuguesa, 10 do Junho do 1919. - Alves dos Santos.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério da Marinha, me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes documentos:
1.° Cópia do relatório do comandante do cruzador S. Gabriel, sôbre os serviços prestados por êsse navio na cidade do Cabo da Boa Esperança, em colaboração o com as fôrças inglesas, na manutenção da ordem, a requisição das autoridades locais;
2.° Cópia do processo disciplinar feito recentemente sôbre o pessoal da Armada suspeito de desafecto ao regime republicano;
3.º Cópia do processo da sindicância, feita ao primeiro-tenente Sequeira Braga, como comandante da canhoneira Rio Minho, ao tempo da insurreição monárquica no norte do país;
4.° Cópia do inquérito sôbre os acontecimentos na Armada em 7 e 8 de Janeiro de 1918, de que resultou a deportação de 428' praças, que seguiram no vapor Lourenço Marques, e das que, pelo mesmo motivo, foram deportados em outros vapores; nome do sindicante e número de sargentos e praças que tiveram o mesmo destino, mesmo sem serem ouvidas na sindicância;
5.° Cópia da correspondência trocada entrego comandante da Divisão Naval e a Majoria General da Armada, sôbre o embarque de oficiais que há muito tempo estavam em comissões sedentárias e que nunca embarcaram, apesar de se estar em tempo de guerra:
6.° Cópia do despacho ministerial que aumentou os vencimentos ao major gene-
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ral da Armada e das despesas com as obras do seu gabinete;
7.º Cópia das ordens dadas para o desarmamento de um certo número de navios durante o período de guerra e entrega dos percutores das peças logo que os navios entravam no Tejo;
8.º Cópia das folhas de vencimentos do pessoal dirigente e dos secretários da Junta Autónoma das Obras do Novo Arsenal de Marinha e nota das despesas feitas com a aquisição de mobiliário, um barco gasolina, automóveis e outros meios de locomoção;
9.° Cópia dos relatórios da comissão encarregada de propor as recompensas por serviços prestados durante a guerra;
10.º Cópia da correspondência trocada entre o Comando da Divisão Naval e a Majoria General da Armada, acerca da extinção da iluminação das casas de jôgo de Cascais, Estoril e Dafundo. - Leote do Rêgo.
Requeiro que me seja fornecida uma colecção do Diário da Câmara dos Deputados em que vêm explanadas as sessões realizadas por uns indivíduos que se diziam Deputados durante o tempo que mediou entre Janeiro de 1918 e Fevereiro de 1919. - O Deputado, Eduardo de Sousa.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja enviada com toda a urgência a cópia da nota de registo do produto industrial "Lurninol", dizendo em que número do Diário do Govêrno veio publicada a marca do aludido produto, bem como quem foi que requereu o respectivo registo. - O Deputado, Eduardo de Sousa.
Para a Secretaria.
Requeiro que a Câmara nomeie uma comissão para emitir o seu parecer sôbre o despacho do capitão médico António Correia dos Santos, inserto no Diário do Govêrno do dia 14, 2.ª série, para chefe de saúde de S. Tomé e elevação ao pôsto de major e sôbre a rectificação do decreto n.º 5:727, de 10 de Maio transacto, 11.° suplemento, inserta no Diário do Govêrno de 17 de Junho corrente, 1.ª série. - O Deputado. Paiva Gomes.
Para a Secretaria.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de colónias.
Requerimento do segundo sargento Armando José Marques Dias Ferreira, pedindo melhoria de reforma.
Para a Secretaria.
Para a comissão de guerra.
Constituiu-se a comissão de Previdência Social, elegendo para presidente o Sr. Deputado João Luís Ricardo e para secretário o Sr. Deputado António de Paiva Manso.
O REDACTOR - João Saraiva.