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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 49
EM 25 DE AGOSTO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia
Sumário. - Respondem à chamada 41 Srs. Deputados. Lê-se a acta, que se aprova sem discussão, quando se verifica haver número legal. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Jorge Nunes chama a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a forma como se está cumprindo o contrato dos tabacos. Responde o Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças) - O Sr. Sá Pereira, em negócio urgente, trata do funcionamento dos tribunais militares. Responde o S. Helder Ribeiro (Ministro da Guerra). - O Sr. Francisco José Pereira manda para a Mesa um projecto de lei, para que pede urgência e dispensa do Regimento, referente ao despacho de especialidades farmacêuticas. É só aprovada a urgência. - O Sr. Vasco de Vasconcelos, em negócio urgente, ocupa-se da velocidade dos automóveis pelas ruas da capital. Responde o Sr. Presidente do Ministério, considerando justas as reclamações e prometendo providências. - Em negócio urgente, o Sr. Raúl Portela trata de irregularidades no serviço de obras públicas no distrito de Évora, pedindo uma sindicância. Responde o Sr. Presidente do Ministério. - O Sr. Afonso de Macedo, em negócio urgente, refere diversas irregularidades no serviço do Ministério dos Abastecimentos. - Responde-lhe o Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério). - O Sr. Ladislau Batalha usa da palavra para interrogar a Mesa. Responde-lhe o Sr. Presidente. - O Sr. Domingos Cruz usa da palavra para interrogar a Mesa. Responde-lhe o Sr. Presidente. O Sr. Presidente lê à Câmara os nomes dos Srs. Deputados nomeados para as vagas da comissão de Agricultura.
Continua a discussão do regime bancário no Ultramar. É admitida uma moção que fora apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro. - O Sr. Vasco Borges apresenta e justifica uma moção, que é admitida, sendo retirada uma outra que apresentara em sessão anterior. - O Sr. Rodrigues Gaspar (Ministro das Colónias) responde ao Sr. Júlio Martins e Mesquita de Carvalho, terminando por declarar que aceita as moções dos Srs. Álvaro de Castro e Alberto Xavier. Segue-se o Sr. Brito Camacho.
O Sr. Evaristo de Carvalho requere a urgência para o projecto de lei que passa para cargo do Estado a estrada municipal que liga Soure a Ancião. Foi aprovado.
O Sr. Presidente interrompe a sessão, declarando que prosseguiria às 21 horas e meia para se discutirem, os projectos marcados para ordem do dia. Eram 19 horas.
Reaberta a sessão. Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Pais Rovisco. Responde-lhe o Sr. Presidente.
Lê-se na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Nóbrega do Quintal ao Sr. Ministro do Interior.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Júlio Martins. Responde-lhe o Sr. Presidente.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Eduardo de Sousa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Continuando a discussão do parecer n.° 18, lê-se na Mesa o artigo 4.°, que fica em discussão.
Não pedindo ninguêm a palavra, lê-se na Mesa o artigo 5.°, que não tem discussão.
Usa da palavra sôbre o artigo 6.° o Sr. Plínio Silva, que manda para a Mesa uma proposta de emenda.
O Sr. Álvaro de Castro manda para a Mesa uma proposta de emenda ao § 1.° do artigo 6.° São admitidas estas propostas.
Lido na Mesa o artigo 7.º, usa em seguida da palavra o Sr. António Fonseca, que manda para a Mesa uma proposta de emenda. E admitida.
Usa em seguida da palavra o Sr. Campos Melo, que envia para a Mesa uma proposta de emenda. É admitida.
O Sr. Pais Rovisco faz algumas considerações sôbre o artigo em discussão e manda para a Mesa uma proposta de aditamento de um parágrafo ao artigo 7.º É admitida.
O Sr. Presidente anuncia à Câmara o falecimento do pai do Sr. Aboim Inglês, propondo que se lance na acta um voto de sentimento por êsse motivo.
Associam-se a êste voto os Srs. Álvaro de Castro, Júlio Martins, Ministro das Finanças, Campos Melo e Brito Camacho, sendo aprovado.
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Lê-se na Mesa o artigo 7.°, não usando da palavra sôbre o mesmo nenhum Sr. Deputado.
Lido na Mesa o artigo 9.°, usa da palavra o Sr. Campos Melo, que apresenta uma proposta de emenda e outra introduzindo um artigo novo. Lidas na Mesa, são admitidas.
Não tem discussão o artigo 10.°
O Sr. Campos Melo apresenta uma proposta incluindo um artigo novo, entre os artigos 10.° e 11.° O Sr. António Fonseca propõe que essa proposta seja enviada a comissão de finanças, bem como todas as outras propostas apresentadas.
Usam da palavra, contrariando esta proposta do Sr. António Fonseca, os Srs. Eduardo de Sousa e Campos Melo, que propõem, no cano de ser aprovada, que a comissão de finanças dê o seu parecer dentro de vinte e quatro horas.
Lido na Mesa o artigo 11.°, usam da palavra o Sr. Paiva Gomes, que manda para a Mesa uma proposta de emenda, admitida em seguida pela Câmara, e os Srs. António Gr anjo e Paiva Gomes.
O Sr. Pereira Bastos, em nome da comissão de guerra, manda para a Mesa um parecer.
O Sr. Eduardo de Sousa envia para a Mesa uma moção que é admitida.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça) responde a algumas considerações dos oradores antecedentes.
O Sr. Álvaro de Castro manda para a Mesa uma proposta inserindo um artigo novo (11.°-A).
Volta a usar da palavra o Sr. António Granjo.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
Antão Fernandes dê Carvalho.
António Francisco Pereira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pais Rovisco.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Domingos Cruz.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Pereira.
Jaime de Andrade Vilares.
João José Luís Damas.
João Lopes Soares.
João de Ornelas da Silva.
João Ribeiro Gomes.
João Xavier Camarate Campos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
Júlio do Patrocínio Martins.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marçal.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio do Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sonsa Rosa.
Vasco Borges.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Macedo.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Joaquim Granjo.
António Maria da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Rebelo Arruda.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Eduardo Cerqueira Machado da Cruz.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João Gonçalves.
João José da Conceição Camoesas.
João Loureiro da Rocha Barbosa e Vasconcelos.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
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José Gregório de Almeida.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Augusto da Cruz.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel José da Silva.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Pereira Guedes.
Amilcar da Silva Ramada Curto.
Angelo Alves de Sousa Vaz.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Aresta Branco.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Bastos Pereira.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria Pereira Júnior.
António Marques das Neves Mantas.
António dos Santos Graça.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cotrim da Silva Garcez.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Francisco de Sousa Dias.
Henrique Ferreira de Oliveira Brás.
Hermano José de Medeiros.
Jacinto de Freitas.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Henriques Pinheiro.
João Salema.
João Teixeira Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim de Araújo Cota.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Domingues dos Santos.
José Garcia da Costa.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Rodrigues Braga.
Leonardo José Coimbra.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel Alegre.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Verdial.
Pedro Góis Pita.
Raúl António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Raúl Lelo Portela.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Xavier da Silva.
Às 15 horas e 2 minutos, estando presentes 41 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.
Procede-se à leitura da acta.
Finda essa leitura, verificando-se a presença de 49 Srs. Deputados, é a acta aprovada.
Foi lido o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Guerra, enviando documentos pedidos em ofício n.° 275, pelo Sr. Tomeis da Silva Rosa.
Para a Secretaria.
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Do mesmo Ministério, enviando relações de oficiais do quadro permanente e milicianos, pedidas pelo Sr. João Pereira Bastos.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, enviando cópia do decreto n.° 6:011. Para a comissão de finanças.
Do mesmo Ministério, respondendo ao oficio n.° 335 referente a um pedido do Sr. João Camoesas.
Para a Secretaria.
Participo a V. Exa. que, por motivo de serviço público, não pude comparecer à sessão do dia 23 do corrente, 23 de Agosto de 1919. - Tomás de Sousa Rosa.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegramas
Pôrto. - Oficiais milicianos campanha África Franca pedem intervenção valiosa de V. Exa. para que seja discutido nosso projecto antes encerramento Câmaras. - Américo Pinto.
Aljustrel. - Pedindo a apreciação o aprovação do projecto de lei apresentado pelos Srs. Ribeiro de Carvalho, Francisco José Pereira, Jacinto de Freitas e Tavares Ferreira sôbre notários interinos.
Lisboa. - Dos escriturários da Assistência pedindo discussão e aprovação do projecto do Sr. Sá Pereira, antes de se encerrar os trabalhos parlamentares.
Para a Secretaria.
Londres. - Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Lisboa. - Permita V. Exa. que com a maior comoção o com o mais alto reconhecimento eu agradeça à Câmara dos Deputados a recompensa e distinção que acabam de me ser conferidas, com a minha promoção a general. - Norton de Matos.
Para a Secretaria.
Dos funcionários administrativos dos concelhos de Castro Verde, Odemira, Serpa, Paredes, Fafe, Amares, Melgaço, Sinfães, Almeirim, Arganil, Fornos de Algodres, Lamego, Maia, Famalicão, Viana do Castelo, Ponte do Lima, Arcos de Valdevez, Cerveira, Baião e Mesão Frio, pedindo para que seja discuttido e aprovado o projecto lei apresentado pelos Srs. Bartolomeu Severino e Vasco Borges.
Para a Secretaria.
Admissão de projectos de lei
Foram admitidos os seguintes: Projecto de lei do Sr. Sousa Varela, sôbre promoção, dos funcionários dos corpos administrativos.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. António José Pereira, concedendo ao padre António Maria de Brito Cardoso a pensão anual de 300$.
Para a comissão de negócio eclesiásticos.
Do Sr. Álvaro Guedes, estabelecendo uma pensão às famílias dos funcionários civis ou militares afastados do serviço por motivo da insurreição de 31 do Janeiro e reintegrados depois de 5 de Outubro.
Para a comissão de finanças.
Antes da ordem do dia
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: pedi a palavra já por várias vezes, mas agora consigo usar dela para me dirigir ao Sr. Ministro das Finanças, a fim de chamar a atenção de S. Exa. para o que se está passando com a Companhia dos tabacos.
Sabemos que o Estado tem com a Companhia dos tabacos um contrato que tem honrado até hoje, o mesmo não sucedendo por parte dessa companhia.
O contrato, salvo oito, termina dentro de quatro ou cinco anos.
Mercê da guerra, que serviu a muitos para enriquecerem, a Companhia dos tabacos encontrou tambêm uma forma fácil de iludir o Estado e de prejudicar o público.
A situação para a Companhia dos tabacos é extremamente fácil, porque não tem, pode dizer-se, necessidade de fabricar tabaco para o consumo nacional.
Limita-se quási exclusivamente a fabricar o tabaco que tem de mandar para as populações que o podem encontrar no
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estrangeiro com mais facilidade e por menos dinheiro.
Durante a guerra a Companhia forneceu muito tabaco para Espanha, por preço elevadíssimo.
Quem fôr a muitas povoações fronteiriças de Espanha verá que ali não falta o tabaco nacional, Falta de preferência em Lisboa e Pôrto, onde há a garantia do consumo do tabaco estrangeiro.
O comércio encarregado da venda e revenda do tabaco não se incomoda tambêm com a situação porque tem um consumo certo de tabaco que importa.
O tabaco nacional tem preço marcado e o estrangeiro tem preço variável conforme a cara do freguês e o local da loja.
Há aqui necessàriamente um grandíssimo abuso que o Estado está cobrindo com a entrega integral da parte correspondente ao imposto das Alfândegas.
Eu sei que o Govêrno pode dirigir-se à Companhia, já directamente à Direcção, já ao comissário da República junto da mesma Companhia, e fazer-lhe sentir que não pode nem deve continuar êste estado de cousas, mas a Companhia dos Tabacos tem mil e uma formas de dar todas as satisfações ao Govêrno na certeza de que o estado de cousas se não modifica, e os 15 por cento estão ainda mais garantidos do que nunca estiveram.
Desde que a Companhia recebe o imposto lançado sôbre o tabaco estrangeiro, ela só tem vantagens em que se importe tabaco estrangeiro.
Não paga matéria prima, não paga manipulação e recebe de mão beijada a parte que o Estado cobra por ela nas Alfândegas.
Faço, pois, uma declaração muito terminante : Não largo mão do assunto.
Vou fazer um estudo completo do contrato com a Companhia dos Tabacos, expondo à Câmara aquilo a que ela tem faltado.
Por agora peço apenas ao Sr. Ministro das Finanças que faça o seguinte:
Uma vez que a Companhia dos Tabacos não cumpre ao que se obrigou, que o Govêrno pela receita que cobra na Alfândega e que restitui à Companhia, faça sentir à mesma, por meio dessa verba, que desde que a Companhia não cumpre aquilo que se obrigou, o Estado tambêm se julga desobrigado da sua parte.
Se o Govêrno não tomar providências nesto sentido, eu apresentarei nesta Casa do Parlamento um projecto de lei, que tenho a certeza há-de merecer a aprovação das Câmaras.
Não preciso fazer mais comentários. O assunto é sobejamente conhecido por todos, e está pôsto de maneira que o Govêrno decide ou o Parlamento.
Aproveitando estar no uso da palavra, peço a V. Exa. a fineza de comunicar ao Sr. Ministro da Agricultura que até hoje não obteve resposta um pedido que fiz a êsse Ministério.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para mandar para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Sr. Presidente: o assunto relativo à Companhia dês Tabacos tem merecido a minha cuidadosa atenção e sôbre êle já comecei a tomar providências.
Pela nota da fábrica adquiri a convicção de que a baixa de produção da Companhia dos Tabacos não Justificava só por si a falta de tabaco no mercado, visto que essa deficiência de fabrico atinge apenas uns 10 por cento da sua produção anterior.
Portanto, dois casos era necessário imediatamente investigar: se a importação do tabaco estrangeiro era ou não vantajosa para a .Companhia, ou se o tabaco estava açambarcado quer pela Sociedade de Revendedores quer pelos retalhistas.
Mandei tirar os dados estatísticos necessários para avaliar quanto lucrará a Companhia com a importação de tabaco estrangeiro, e apesar dos meus estudos ainda estarem incompletos, não estou inteiramente convencido de que a Companhia tenha êsse benefício que à primeira vista pode parecer enorme. Uma Companhia que distribui ao Estado oito mil e tantos contos de lucros, não é evidentemente a pequena parcela de setecentos ou oitocentos contos que a iria beneficiar.
Mas do que eu ainda não estou convencido é de que essa importação não chegue para lhe pagar e dar lucros compensadores da deficiência da sua produção.
O Sr. Eduardo de Sousa: - E preciso não perder de vista que a Companhia dos Tabacos dá 18 por cento de dividendo.
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O Orador: - É difícil descriminar êsse facto, porque a Companhia dos Tabacos deu 15 por cento, e não 18 por cento, não apenas com o fabrico de tabacos, mas com outras operações de carácter financeiro. E provável que a escrita esteja confundida, mas eu procurarei averiguar.
O Sr. Eduardo de Sousa: - A Companhia até mandou fazer o retrato a óleo do Sr. Eduardo de Burnay, em homenagem aos lucros que recebeu!...
O Orador: - Já tenho dentro da minha secretária uma pasta cheia do pedidos para só trancar as multas aplicadas por motivo de sonegação de venda ao público de tabaco nacional. O Poder Judicial, porém, dirá se elas foram ou não bem lançadas.
Os varejos não foram inúteis porque se encontrou bastante quantidade de tabaco açambarcado. Sei que nalguns estabelecimentos foram apreendidas apenas meia dúzia de maços de cigarros que os seus proprietários reservavam para os seus fregueses, mas é difícil ajuizar dêsse facto e inconveniente que tal se permitisse por tornar absolutamente ineficaz a fiscalização que se deve continuar a exercer.
Mas houve outros, por exemplo, com caixotes de tabaco, que declararam o tinham recebido naquele mesmo dia, sendo, porem, certo que tinham declarado aos riscais que não possuíam tabaco nacional para vender.
Fazendo-se-lhes a fiscalização encontrou-se-lhes êsse tabaco.
Entretanto, verifiquei que não há muito a fazer por êste lado, mandando, contudo, continuar com os varejos.
Se há tabaco sonegado em grandes quantidades, não é nas tabacarias, mas, sim, talvez, em casas particulares. Mas por onde, sem dúvida, êle desaparece é pelo contrabando para o estrangeiro e para êle já chamei a atenção da guarda fiscal. Estão, porém, dadas ordens para que todo o tabaco que sair da Companhia eu saiba o destino que teve, bem como na Sociedade de Revendedores hei-de certificar-me do tabaco que recebe e daquele que revendeu para as diferentes tabacarias.
Quanto ao contrato com a Companhia, estando nós a seis anos do seu terminus, todos os estudos sôbre a organização da Companhia dos Tabacos são vantajosos, visto que temos de assentar nas bases a estabelecer. De resto, êle pode já ter grande influência nos anos que se vão seguir. E pelas medidas que eu estou a estudar para se porem mais tarde em prática, calculo poder tirar para o Estado um lucro maior do que até aqui.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - O Sr. Sá Pereira deseja tratar, em negócio urgente, do funcionamento dos tribunais militares.
Os Srs. Deputados que aprovam o negócio urgente queiram ter a bondade de se levantar.
Foi aprovado.
O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar, em negócio urgente, na presença do Sr. Ministro da Guerra, do que se está passando nos tribunais marciais, porque na verdade tudo o que ali tem ocorrido é tudo quanto há de mais extraordinário.
Sr. Presidente: logo após as revoluções monárquicas do norte o de Monsanto, quando os tribunais militares se estabeleceram, o povo republicano, que se tinha batido pela República, salvando-a num último esfôrço, estava convencido de que aí não se passaria o mesmo que aconteceu nos tribunais das Trinas. Mas, infelizmente, o facto repetiu-se! Os réus acusados dos mais altos delitos ou são absolvidos ou condenados a penas irrisórias.
Ainda outro dia, submetido a julgamento um dos chefes do movimento monárquico, um dos homens que desde 1910 outra cousa não tem feito que conspirar contra a segurança da República, fazendo até lá fora uma campanha nociva e anti-patriótica, submetido a julgamento foi condenado na pena de dois anos de prisão maior celular, o que ofendeu a opinião do Sr. presidente do tribunal, que deu por iníquia essa decisão do júri.
Sr. Presidente: mas como tudo isto não bastasse, sucede que ainda na mesma ocasião e nesse mesmo tribunal o prestígio da República foi enxovalhado e os seus homens públicos achincalhados, pois que em plena audiência houve o arrojo
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de se dizer que quem devia estar nas prisões eram os homens que nos governam, e quem deve estar nas cadeiras do poder são os partidários da monarquia dos adiantamentos.
E, Sr. Presidente, cousa extraordinária, o Sr. presidente do tribunal assistiu a tudo isto impassível, não tendo uma palavra sequer para chamar à ordem um advogado que fora da ordem se encontrava. (Apoiados).
Creio que o facto se encontra explicado, porque o Sr. presidente do tribunal militar do Lisboa é um homem que nos tempos de estudante foi subsidiado pela casa rial e agora, proclamada a República, continua a ser monárquico como no primeiro dia em que beijou as mãos ao rei.
Uma tal situação não pode continuar, e, por isso, entendi do meu dever pedir a palavra para um negócio urgente a fim de apelar para o espírito patriótico e republicano do Sr. Ministro da Guerra.
Sr. Presidente: convencido ainda de que nesta casa presto um serviço aos monárquicos, direi que, se os tribunais militares não fizerem justiça, o povo, que pela República se bateu, tem de fazer justiça pelas suas mãos. (Apoiados). Não estamos resolvidos a continuar a ser vexados por aqueles para quem a República tem tido todas as complacências. (Apoiados).
Se há monárquicos no exército, o seu lugar não é aí, é na Penitenciária, porque não podemos pagar com o dinheiro do país aos que querem restabelecer um regime de tirania.
Sr. Presidente: todos sabem que em Tui e em todo o país os monárquicos conspiram contra a República.
Como é que os monárquicos não hão-de conspirar contra a República se êles de antemão já sabem que, quando submetidos a julgamento, os tribunais os absolvem? E, para cúmulo de troça, já se fala em amnistia!
Eu devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que a única amnistia a dar-lhes é fazer novamente julgar todos os que têm sido absolvidos e meter na cadeia os que os absolveram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: - Muito bem.
O Sr. Helder Ribeiro (Ministro da Guerra): - Sr. Presidente: mais uma vez são apontadas, nesta Câmara, as dificuldades do funcionamento dos tribunais militares.
Tal como foram organizados os processos, dificílimo se torna fazer desaparecer os inconvenientes indicados pelo Sr. Sá Pereira.
Os autos foram levantados sem um único critério que presidisse à sua elaboração. Levantaram-se autos individuais, mas eu devo dizer que êsses autos devem ser levantados não por pessoas, mas por unidades, no local onde se deram, de forma a englobar no mesmo auto acusatório todos os que nele participaram. Não se fez isso, e daí as deficiências que se têm encontrado e as dificuldades em que o júri se tem visto para proceder com aquela justiça que seria para desejar. Muitas vezes os Srs. promotores de justiça vêem-se obrigados a recorrer, para acusarem o réu, não ao auto que lhe foi levantado, mas a outros autos. Tem-so procurado fazer introduzir a maior correcção neste sentido. Mas se alguma cousa se tem. conseguido para atenuar essa desigualdade, persiste esta falta que não é devida aos tribunais militares.
Quanto ao facto que V. Exa. apontou sôbre o presidente do tribunal, ou procederei em harmonia com o alto cargo que desempenham êsses funcionários.
A propósito tambêm direi a V. Exa. que mandei averiguar na 8.a divisão, qual o motivo porque um sargento de artilharia n.° 5 tinha sido punido e o oficial do mesmo corpo não; facto a que V. Exa. há tempo se referiu. A resposta foi que o oficial é que fazia as pontarias erradas, evitando assim meter no fundo um dos nossos navios de guerra. Dêste facto resultou o sargento queixar-se dizendo que o oficial estava atraiçoando as fôrças moinar quicas.
Parece-me que V. Exa. ficará satisfeito. Mais ainda, o oficial, logo que se aproximaram as fôrças republicanas tomou conta do paiol e da bataria.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco José Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei que vai remediar a situação incomportável da classe farmacêutica.
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Pedia urgência e dispensa do Regimento.
Creio que toda a Câmara, concordará, bem como o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Brito Camacho: - Pedia a V. Exa. que consultasse a Câmara para que a votação se fizesse separadamente, sôbre a urgência e sôbre a dispensa do Regimento.
Foi aprovado.
O Sr. Francisco José Pereira: - Eu pedia à Câmara e especialmente ao Sr. Brito Camacho que atendesse no seguinte lacto. Está na comissão do finanças um projecto revogando o decreto n.° 5:580 que estabeleço novos impostos sôbre especialidades farmacêuticas, mas emquanto a comissão de finanças não dá parecer é que êste meu projecto vinha remediar a situação aflitiva dos farmacêuticos.
Foi aprovada a urgência e rejeitada a dispensa do Regimento.
O Sr. Vasco de Vasconcelos: - Sr. Presidente: mais uma vez volto a ocupar-me da velocidade dos automóveis, lembrando assim com esta minha insistência o falecido Câmara Leme com o seu projecto das incompatibilidades.
Já quando era Ministro do Interior o Sr. Mousinho de Albuquerque, eu várias vezos interpelei S. Exa. sôbre a velocidade dos automóveis; até ultimamente S. Exa. me respondeu com certo azedume, não deixando eu por isso de continuar a falar no caso.
Eu pedia ao Sr. Ministro do Interior as mais rigorosas providências sôbre a excessiva velocidade com que andam os automóveis na cidade de Lisboa, hão só os particulares, mas os do Estado. (Apoiados).
Eu sei que o Sr. Ministro da Guerra já dou ordens para os automóveis do seu Ministério andarem com menos velocidade, mas essas ordens precisam ser mais rigorosas (Apoiados).
Eu já tenho visto alguma cousa por êsse mundo fora e em parte alguma eu vi menos respeito pela vida do semelhante. (Apoiados).
Depois do atropelamento limitam-se a levar o ferido ao hospital.
Só cumprem esta formalidade.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Quando a cumprem.
O Orador: - A Câmara Municipal de há 2 anos fez cumprir uma postura no sentido do acabar com essas velocidades.
Pedia ao Sr. Ministro do Interior as mais enérgicas providências.
Sei que o Sr. Ministro da Guerra tem dado instruções às repartições dependentes do seu Ministério, para que a velocidade dos seus automóveis seja reduzida, mas o que posso garantir é que quási todos os dias só assisto em Lisboa a um desastre motivado pela velocidade excessiva dos automóveis.
Não sei se há reclamações da polícia ao Ministério, mas se as há, o Ministério repete as ordens e os chauffeurs não fazem caso, continuando na mesma.
Nestas condições, se os regulamentos não bastam, modifiquem-se, mas o que é necessário é que a vida do próximo mereça mais respeito das autoridades.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - As considerações apresentadas pelo Sr. Vasco de Vasconcelos têm todo o cabimento e já mo tinha ocupado do assunto, mandando proceder a um inquérito para ver quais as medidas necessárias a tomar.
O Govêrno vai, pois, providenciar com energia.
Estou convencido de que os actuais regulamentos bastam, e o que é preciso, é fazermo-los cumprir com rigor inexorável, castigando aqueles que os não cumprem.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: não tenho a preocupação da moralidade que nos faz olhar com desconfiança tudo o que as outras pessoas fazem e ver escândalos onde êles de facto não existem.
Entendo, porém, que todos os cidadãos têm o direito de exigir que o funcionalismo a quem o Estado paga deve ser honesto e proceder de modo a bem merecer da República, que lhe confiou o desempenho de serviços que à sua existência andam intimamente ligados. E porque assim penso é que pedi a palavra, pois desejo chamar a atenção ao Sr. Presidente do
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Ministério, visto não se encontrar presente o Sr. Ministro do Comércio, para alguns factos pouco regulares que se vêm passando nas repartições da direcção das obras públicas do distrito de Évora.
Consta-me, Sr. Presidente, que há nas obras públicas daquele, distrito alguêm que tem ousado vender cousas que ao Estado pertencem, locupletando-se com o produto dessas vendas.
Assim é que um empregado da secção de Extremoz, segundo me informam, fez cortar e negociou bastantes eucaliptos, não dando contas a quem de direito. Creio que na direcção de Évora há conhecimentos de tam estranho caso, mas não sei porquê, não se tem procedido como convêm, contra um tam digno funcionário. Suponho, Sr. Presidente, que êste assunto deve merecer os precisos reparos da parte do Sr. Ministro do Comércio, a fim de que se apure tudo o que de verdade há sôbre o que aponto.
Sei que a disciplina, nas repartições a que me venho reportando, deixa imenso a desejar, pouco ou nenhum caso se fazendo dos regulamentos e boas normas, tam precisas para que os serviços públicos possam ser qualquer cousa de regular e de sério.
O director das obras públicas não frequenta assiduamente a repartição; daqui resultam contínuas faltas por parte dos que lhe são subordinados, a que muito convêm pôr cobro.
Quando fui governador civil de Évora tive ensejo de verificar que os serviços das obras públicas do distrito eram dirigidos com muito pouco zelo. Algumas verbas destinadas à construcção e conservação de estradas não têm sido aplicadas dentro do respectivo ano económico, o que denota pouco cuidado da parte de quem dirige os serviços; e assim as estradas estão, em grande parte, completamente intransitáveis.
Peço, pois, ao Govêrno que tome as providências que êstes casos reclamam, e reputo absolutamente necessário que S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério torne conhecedor deles o Sr. Ministro do Comércio, para que êste ordene uma imediata sindicância à direcção geral das obras públicas do distrito de Évora.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Sr. Presidente: tomei nota das considerações feitas pelo Sr. Alberto Jordão, para dar conhecimento delas ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, não esquecendo o pedido que S. Exa. formulou para que se ordenasse uma sindicância.
A Câmara autoriza que o Sr. Afonso de Macedo trate, em negócio urgente, dalguns assuntos relativos às subsistências públicas.
O Sr. Afonso de Macedo: - Para os factos que voa citar peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Há dias eu disse aqui a S. Exa. que não seria difícil provar a falta de escrúpulos que há, da parte dalguns funcionários do Ministério dos Abastecimentos, no desempenho das funções que são cometidas às diversas repartições dêsse Ministério. Hoje venho trazer ao conhecimento desta Câmara alguma cousa que justifica a razão com que eu falava então.
Há tempo vieram para Lisboa, destinadas ao Ministério dos Abastecimentos, 7:000 o tantas sacas com batatas. As instâncias superiores daquele Ministério foram avisadas da chegada desta remessa de batata, absolutamente necessária no mercado. Todavia nenhumas ordens se expediram para que a batata tivesse o devido destino, e a breve trecho a mercadoria foi apodrecendo até que teve de ser lançada ao mar por já estar toda completamente podre.
Perdeu-se o valor da batata o ainda o Estado teve de sofrer a despesa a fazer com os batelões que levaram o artigo podre para ser deitado ao mar em ponto distante do porto.
Isto é incrível!
Outro facto, e êste mais recente:
Existem no entreposto de Santa Apolónia cêrca de 10:000 sacas com feijão. Pois não são retiradas dali, onde acabará por se estragar o artigo, e, no emtanto, não há feijão no mercado.
Tudo isto é grave, e é preciso que o Govêrno proceda contra quem tam pouco caso faz dos interêsses do Estado e do público.
Eu queria chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, visto não estar presente o Sr. Ministro dos Abastecimentos, para o facto de, das sacas de feijão depositadas no entreposto, já se terem
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perdido 35, e as restantes correrem igual risco se não se tomarem imediatas providências.
Êstes factos, entendo eu, devem ser Comunicados ao Grovêrno, para que êste tome as devidas responsabilidades aos funcionários que não cumprem o seu dever.
O Orador não reviu.
O Sr. Ladislau Batalha: - Há poucos dias um fiscal das subsistências entrou em uma joalharia e comprou jóias para a mulher.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Eu agradeço ao Sr. Afonso de Macedo o trazer à Câmara factos desta natureza, a que, sem dúvida, é necessário prover de remédio, más o principal remédio, deixem-me V. Exas. dizer-lho, está nesta Câmaras votando a proposta de lei que o Govêrno aqui trouxe acabando com o Ministério dos Abastecimentos.
O Sr. Afonso de Macedo: - Eu dizer a V. Exa. que um alto funcionário do Ministério dos Abastecimentos foi avisado dezenas de vezes do que, se não se desse destino às batatas que estavam em depósito elas apodreceriam, e, no emtanto, o Estado não só perdeu o dinheiro que devia render a venda dessas batatas, como ainda teve de pagar aos batelões que as foram lançar ao mar.
O Sr. Costa Júnior: - Eu anunciei já uma nota de interpelação sôbre o assunto, porque tambêm tenho alguns factos a apontar, e o que me parecia é que se devia nomear uma comissão que inquirisse de todos êsses factos para se tomarem as responsabilidades a quem competisse.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Eu vinha hoje há intenção de me declarar por habilitado a responder â interpelação do Sr. Costa Júnior, ainda que o assunto dessa interpelação hão corre pela minha pasta, e eu não posso, evidentemente, responder por todas as pastas. Já houve quem tivesse todas as pastas, mas eu não tenho êsse dom.
O que eu posso dizer a V. Exa. ao é que o Sr. Ministro dos Abastecimentos tem já iniciados alguns trabalhos para apurar responsabilidades.
O orador não reviu.
O Sr. Ladislau Batalha (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de me informar se já foi recebida a comunicação do Sr. Presidente do Ministério declarando-se habilitado a responder à minha interpelação sôbre a carestia da vida.
O Sr. Presidente: - Creio que ainda não, mas vou informar-me.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Hoje é que eu me ia dar por habilitado.
O Sr. Costa Júnior: - O melhor é marcá-la para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: - Apenas a Mesa receber a declaração do Sr. Presidente do Ministério, marcá-la hei na ordem.
O Sr. Domingos Cruz (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: rogava a V. Exa. o favor de me elucidar só as comissões respectivas já deram parecer sôbre a proposta de lei extinguindo o Ministério dos Abastecimentos. No caso contrário peço a V. Exa. a fineza de marcar essa proposta em ordem do dia, visto que já decorreu o prazo regimental dentro do qual as comissões devem dar o seu parecer. Estamos todos os dias a ouvir acusações concretas e formidáveis contra êsse Ministério, que teve uma acção contraprudecente durante a guerra, e a Câmara não pode sancionar com o seu silêncio crimes desta natureza.
O Sr. Presidente: - O parecer está a imprimir e, apenas seja recebido, designá-lo hei para ordem do dia.
O Sr. Alberto Xavier (para interrogar a Mesa): - Desejo preguntar a V. Exas. Sr. Presidente, quando é que se entra na questão do regime bancário ultramarino.
O Sr. Presidente: - Emquanto durão impedimento dos Srs. António Alberto Charula Pessanha, António Joaquim Machado do Lago Cerqueira e João Salema,
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nomeei para os substituir na comissão do agricultura os Srs. Francisco José Pereira, João Luís Ricardo e Plínio Octávio Sampaio o Silva.
O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão da interpelação ao Sr. Ministro das Colónias sôbre o regime bancário no ultramar.
Vai ser lida a moção apresentada na última sessão pelo Sr. Álvaro de Castro, para ser admitida.
Foi admitida.
O Sr. Vasco Borges: - Sr. Presidente: como na última sessão desta Câmara tive ocasião de dizer a V. Exa. não me move nesta questão, como não podia deixar de ser, qualquer intuito político, mas tam somente o desejo de serem acautelados, como seguram ente precisam de o ser, legítimos interêsses nacionais, de modo a destruir a possibilidade do quaisquer ameaças que possam vir a concretizar-se em factos. Nessa mesma sessão, o Sr. Vitorino Guimarães, respondendo às considerações que eu fizera sôbre a insuficiência das disposições do artigo 29.° do decreto de 20 de Maio, não o fez do modo a tranquilizar as minhas dúvidas a êste respeito.
É esta circunstância que mo leva a usar boje de novo da palavra.
Posta de parte a solução que julgo seria mais consentânea com os interêsses do Estado, qual era o resgate para o Estado da faculdade emissora, tanto para o continente como para as colónias, e assentando-se em que o decreto 5:809 de 30 do Maio último é positivo o legítimo e admitindo ainda que à sua sombra e aplicação se efectivou um compromisso do Govêrno, e somente dele, chegamos assim, ao contrato de 4 de Agosto corrente, entre o Banco Ultramarino e o Sr. Ministros das Colónias.
Não pode, porem, Sr. Presidente, esta ordem de factos subtrair-se a um fatal correctivo a que não é possível opor-se argumento algum moral ou jurídico, assim como nenhuma razão política deverá poder contrariá-lo, visto resultar, da própria essência da legislação comum que, evidentemente, à todos obriga.
Basta para isso, Sr. Presidente, que subordinemos os referidos factos jurídicos, isto é, o decreto n.° 5:809 e o contrato, antes promessa de contrato de 4 de Agosto dos elementares preceitos do interpretação contratual. Assim temos que o artigo 704 do Código Civil estabelece que os contratos obrigam tanto ao que neles é expresso como as suas consequências usuais e legais.
Ora o que são, e podem ser as consequências legais do contrato de 4 do corrente?
Evidentemente, que é sua consequência legal o subordinar-se à sanção parlamentar, que é o mesmo que dizer á sanção constitucional que no contrato poderia introduzir as modificações que o interêsse nacional que a todos excede, impusesse.
Mas, Sr. Presidente, temos ainda o artigo 672.° do código civil, o qual dispõe que aos contratantes é permitido ajuntar aos seus contratos as condições ou cláusulas que bem lhes parecerem.
Ora, sendo assim e tratando-se, realmente, de uma modificação, direi antes de um aditamento que não prejudicaria a outra, parte contratual, qual é o Banco Nacional Ultramarino não deve ter motivo para não aceitar o aditamento que defendi, na sessão passada, ao disposto no artigo 29.°, salvo dado o caso que o Banco Nacional Ultramarino estivesse de má fé, o que não quero crer. De resto, não haveria outra cousa a fazer senão subordinar os interêsses particulares aos interêsses gorais da segurança do Estado que a tudo devem sobrepor-se, indo-se então para rescisão pura e simples.
As modificações que pretendo se introduzam no artigo 29.º já V. Exa. sabe quais elas são. Dizem em primeiro lugar respeito ao capital social subscrito que o decreto n.° 5:809 de 30 de Maio determina que deve ser na proporção do 50 por cento, pelo monos, de capital nacional, podendo os restantes 50 por cento ser efectivados por capitais estrangeiros. Desde já chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias para o facto do logo em seguida o Banco Nacional Ultramarino ter tratado de consignar nos seus estatutos que os restantes 50 por cento podem ser subscritos por entidades nacionais ou estrangeiras, singulares ou colectivas. Disse eu então a V. Exa. e à Câmara que, dada a pletora de capitais existente no actual momento a dentro do país, bem
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podia, sem prejuízo algum do Banco, aumentar-se a percentagem de 50 por cento para dois terços do capital. Com êstes dois ficavam assegurados os altos interêsses do Estado sem se fechar a porta de uma maneira absoluta e completa a capitais estrangeiros, o que poderia ser talvez inconveniente.
Mas é sôbretudo, em relação ao capital obrigações que a questão avulta na sua importância e a gravidade.
No decreto de 29 de Maio nada se estatui relativamente ac capital obrigações, podendo êsse capital, sem infringir quaisquer disposições estabelecidas, ser em qualquer ocasião inteiramente subscrito por estrangeiro. É isto, Sr. Presidente, que eu considero como uma grave ameaça. O Sr. Vitorino Guimarães obtemperou, respondendo às minhas considerações, que, dependendo o aumento de capital de uma autorização do Govêrno, quando o Banco Nacional Ultramarino precisasse de emitir obrigações, seria então a ocasião própria de o Govêrno estabelecer que o capital obrigações devesse ser, até na sua totalidade, português.
Em primeiro lugar, e em conversa particular com o Sr. Deputado Vitorino Guimarães já tive ocasião de dize-lo a S. Exa. tenho fortes dúvidas sôbre se uma emissão de obrigações deve ou não considerar-se como aumento de capital e não sei se ela, pois que se trata necessàriamente duma dívida, deverá figurar no Deve, devendo ter-se em atenção que, sendo Deve e Haver expressões antagónicas não pode ser indiferente incluir-se as obrigações emitidas no Deve ou Haver, não podendo de forma alguma contê-los esta denominação. De resto, Sr. Presidente, eu considero que a emissão de obrigações representa sempre um encargo de capital, não devendo representar nunca um aumento de capital. Mas, de qualquer modo e seja como fôr, posso servir-me vantajosamente da argumentação do próprio Sr. Vitorino Guimarães, quando S. Exa. afirma que a emissão de obrigações exige uma necessária autorização do Govêrno perante o disposto no artigo 196 do Código Comercial, lei de 3 de Abril de 1896, artigo 19, e artigo 7 do Decreto de 27 de Agosto de 1896. Se efectivamente, como S. Exa. afirma, a emissão de obrigações corresponde a um aumento de capital, não precisa para êle o Banco Ultramarino de quaisquer autorizações, porquanto pelos seus estatutos, artigo 5.°, § 2.°, está autorizada a sua direcção a aumentar o capital até 48.000 e autorizando desde já a direcção, sem dêsse aumento ter de dar contas a ninguêm, a 30.000.
De maneira que, dum momento para o outro, poderá o Banco aparecer-nos, sem que para isso tenha de pedir autorização especial com o seu capital aumentado por meio de emissão de obrigações, e essas obrigações, como nada em contrário está estabelecido no, decreto n.° 5:809 podem muito bem ser adquiridas por estrangeiros e assim vê-lo hemos dominar dentro duma instituição que deve ser nacional e assim se manter atravez de tudo, dado que se não queiram fazer correr á nossa integridade colonial, graves perigos.
É para a necessidade de se estabelecerem todas as cautelas que eu chamo a atenção do Sr. ministro das Colónias, afirmando mais uma vez não haver em mim intuitos políticos de espécie alguma, e muito monos o intuito, do hostilizar ou embaraçar a acção do Govêrno, ao pronunciar estas palavras. V. Exa. sabe, Sr. Presidente, e toda a Câmara deve presumi-lo que é meu desejo que êste Govêrno se mantenha no Poder, por quanto o julgo necessário e conveniente aos interêsses da República. Por esta razão, e porque tenho já vindo ao meu conhecimento a informação de que o Govêrno viu, na moção que enviei para a Mesa na sessão passada, uma afirmação de desconfiança não tenho dúvida alguma, manifestando assim a minha lialdade e correcção, em retirá-la, substituindo-a por esta outra que o Govêrno aceitará se efectivamente nela não vir quaisquer intuitos de desconfiança.
Diz esta moção.
Leu.
Moção
A Câmara, prestando homenagem às intenções íntegras e patrióticas dos Govêrnos, às quais incumbiu a elaboração e execução do decreto n.° 5:809 de 30 de Maio de 1939, sôbre regime bancário ultramarino, e por essas mesmas intenções reconhecendo que jamais poderia estar no ânimo dêsses Govêrno repelir qualquer colaboração parlamentar no sentido de introduzir no referido decreto n.° 5:909 mo-
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dificações que mais ampla e intensamente o adaptem às conveniências do Estado Português e seus domínios ultramarinos, resolve submeter o decreto n.° 5:809 a exame em esclarecida e imparcial colaboração com o Govêrno, e passa à ordem do dia. - O Deputado, Vasco Borges.
Foi autorizado o Sr. Vasco Borges a retirar a sua moção, substituindo-a pela que enviou para a Mesa e que foi lida.
O Sr. Rodrigues Gaspar (Ministro das Colónias): - Sr. Presidente: vou procurar resumir as respostas que devo aos ilustres Deputados que se ocuparam dêste assunto ultimamente.
Não se me apresentaram argumentos novos que me levassem a recorrer a formas especiais de responder.
O Sr. Júlio Martins começou, no seu último discurso, por afirmar que eu tinha errado. Já por duas vezes expus claramente à Câmara qual o meu modo de proceder e não vi apresentar argumento algum que me convencesse de que eu tinha procedido mal, mas antes devo acrescentar, pela discussão travada na Câmara, que mais me convenci ainda de que andei o melhor que se pode andar.
Devo fazer referencia a uma observação do ilustre Deputado Sr. Júlio Martins.
Quando mandei o parecer à Procuradoria Geral da República já tinha o meu modo de pensar estudado a êsse respeito. Mas, Sr. Presidente, apelar-se para a minha lialdade, apelar-se para o meu modo de ver sôbre o assunto, para que ou confesse que errei quando em minha consciência procedi acertadamente, é uma cousa que eu nunca farei. Escusam de insistir.
Dum ponto importante tratou o Sr. Júlio Martins. Desde a primeira nota do interpelação que pedi ao Sr. Hermano de Medeiros que me dissesse quanto tinha custado ao Estado a resolução que eu tinha adoptado; com efeito na imprensa e agora no Parlamento ainda não ouvi detalhadamente dizerem-me quais as perdas que o Estado tinha tido com a resolução por mim tomada.
Devo declarar, desde já, que logo no início o que eu afirmei é que tinha de ser liai para com os concorrentes, dispensando-me de atender as vantagens que um outro oferecia para unicamente procurar saber se estavam ou não nas condições exigidas.
Mas o Sr. Júlio Martins foi dizendo que não se responsabilizava pelos números.
Eu podia dizer a S. Exa.: Mas então não concretiza? Não diz quando foi? Mas não o digo, porque o assunto é de natureza a não permitir que só fixem números. Com toda a lialdade, pois, o Sr. Júlio Martins tratou a questão, e em harmonia com os documentos enviados para a Câmara.
Sr. Presidente: quando pela primeira vez dei pelo ataque me dirigiam por ter sido excluído um dos concorrentes, resultando dêsse facto um prejuízo para o Estado de dezenas de milhares de contos, eu, lendo essa notícia no jornal A República, então sob a direcção do Sr. Dr. António José de Almeida...
O Sr. Júlio Martins: - V. Exa. está em êrro, por isso que o Sr. Dr. António José de Almeida não dirige A República há seguramente dois anos.
O Orador: - Tem V. Exa. razão. Eu tinha a impressão de que era o Sr. Dr. António José de Almeida, mas agora me recordo de que era o Sr. Eduardo de Sousa.
Mas, como eu ia dizendo, afirmava-se nesse jornal que o Estado perdera dezenas de milhares de contos com a adjudicação do contrato ao Banco Ultramarino, tendo eu a impressão de que estava em frente dum "conto do vigário".
Eu creio que é esta a denominação que se dá ao acto do burlão que consiste em obter do provinciano qualquer quantia, em virtude duma história que lhe conta, convencendo-o de que depois receberá quantia maior.
O Sr. Júlio Martins: - E quem era o "vigarizado"?
O Orador: - Nêste caso seria o Estado. Eu vou explicar.
Dizia-se nesse jornal que do facto de ter sido excluído do concurso o Banco Colonial resultavam grandes perdas para o Estado, e citavam-se as vantagens oferecidas pelo mesmo Banco.
É claro que o público, que não pode estar a fazer êste estudo detalhado, fica com a impressão, porque viu contas fei-
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tas, de que a perda para o Estado andava por 30 mil contos.
Passou-se, porém, certo tempo, e apareceram as contas mais modestamente feitas nos jornais. Já não eram 30 mil contos de perda para o Estado. Mas o que eu não sabia era que tinha sido enviado para a Câmara êsse documento que eu tinha visto nos jornais, documento em que vem claramente e muito bem exposto um mapa, mostrando as grandes perdas que o Estado sofro, procedendo como procedeu. E o Sr. Júlio Martins apresentando como argumento êsse mapa, creio ter feito o que a maior parto dos Deputados fez, som querer entrar em estudos detalhados, conviu que os números nele apresentados, não podiam deixar de ser exactos. Ora eu vou explicar o que é o mapa enviado a esta Câmara, e daí toda a Câmara, ou, pelo menos, aqueles que me derem a honra de estar com atenção para aquilo que eu lhes vou expor, reconhecerão a má fé, a falsidade, com que se traz a esta Câmara um mapa apresentado como documento dum Banco que pretende ter relações com o Estado. E eis a razão por que eu disse há pouco que não tinha só a consciência tranquila do que andei muito bom pelo procedimento que tinha adoptado, como factos posteriores me vieram mostrar que teria sido um desastre se. tivéssemos razões para dar o privilégio ao Banco de que se trata. Efectivamente, pela forma como se apresenta à Câmara um documento que é cheio de falsidades, e fundado em leis falsas, V. Exas. podem deduzir como seriam as futuras relações com êsse Banco.
Sr. Presidente: nesse mapa, que foi profusamente espalhado, e a que o Banco Colonial chama quadro comparativo, essa entidade recorre ao relatório do Banco Nacional Ultramarino de 1918, e nas suas reclamações para esta Câmara, chama a atenção do país para os resultados provenientes de ter sido excluído do concurso. E procurava mostrar mais nesse quadro que denomina de comparativo, e onde devem figurar todas as vantagens oferecidas pelo Banco Colonial e todas as vantagens colhidas pelo contrato firmado com o Banco Nacional Ultramarino...
(Aparte do Sr. Júlio Martins).
O Sr. Júlio Martins há de acreditar que estou discutindo com lialdade. O quadro comparativo, trazido a esta Câmara, tem números que não são exactos, números do que se tiram resultados falsos.
Diz-se que depois do Banco Colonial dar 4 por cento sôbre a circulação, o Estado pedia menos e o Banco Ultramarino ofereceu mais.
Vou explicar bem claramente, para se saber a boa fé com que se fizeram os cálculos, para se chegar a determinados resultados.
O quadro comprovativo atribui em 1918 ou lucros de 2:992 contos.
Estes são os lucros do quadro comprovativo.
Ora, examinando o relatório do Banco Ultramarino, vemos que os lucros líquidos provem, entre outras verbas, de 33 contos de exercício lindo.
Não é preciso ter grandes conhecimentos financeiros, para se sabor quais os lucros líquidos em 1918.
Êsses 33 contos não eram lucros dêsse ano mas do ano anterior; fique o êrro, se quiserem.
Tomem-se, como base, os lucros líquidos do Banco o apliquem-se às novas condições; havemos de encontrar 313 contos que o Banco pagará ao Estado, em virtude da última lei.
Resulta, portanto, que foi de 2:902 o cálculo feito, quando devem ir proximamente a 2:000 contos.
Pode andar aproximadamente por 2:100 contos, quere dizer, teria de substituir êsses 2:000 e tal contos, pela quantia que o Banco teria a dar segundo a nova lei.
Mas afirma muita gente, e aqui mesmo na Câmara, que o Banco Ultramarino não tem dado ao Estado aquilo, que devia dar e por consequência se o tivesse dado teria lucros de 1:000 e tal contos.
Resultaria então que os lucros livres que deviam compreender não chegavam a 2:000 contos pelo que se prova que os números apresentados não representam a verdade, mas números que se foram buscar para o cálculo que se quis seguir.
Mas pregunto: que importância tem isso para o cálculo?
E porque sem mais explicações o Banco no seu mapa diz que isso representa 24,3 por cento da circulação.
O Banco Colonial pegou em 82:000 contos porque isto representava a percentagem da circulação fiduciária.
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Ora eu chamo para isto a atenção da Câmara, e em. especial a atenção do Sr. Júlio Martins, que com toda a boa fé foi citando êste quadro, porque êstes lucros liquidados tem tanta relação com a circulação fiduciária,, como se eu fôsse buscar uma percentagem sôbre o juro o fôsse dizer a S. Exa. que o juro que eu comia era uma percentagem do meu sangue.
Certamente o Sr. Júlio Martins ficava admirado do disparate.
Àpartes.
É exactamente por ir buscar os lucros liquidados à circulação fiduciária a que os foi buscar, que êles representam 2:000 contos.
E segue a argumentação.
A vantagem dada pelo Banco Ultramarino era de 50 contos, 10 por cento, porque como o Banco Colonial tinha oferecido 5 por cento quando elevasse o rendimento liquidado de 2:000 a 2:500 contos, e para cima já dava 10 por cento.
Aplica aos 2:000 contos os 10 por cento e deduz 290 contos.
Nestas condições, o Estado perdia 31 contos, que depois eram multiplicados por 25.
Sr. Presidente: aqui está outra falsidade.
Tínhamos durante vinte e cinco anos lucros líquidos iguais aos do ano de 1918.
Veja V. Exa. que argumentos se apresentam!
Isto é um êrro.
Diz-se que não há da parte do Banco Nacional Ultramarino nenhuma vantagem superior às vantagens oferecidas pelo outro Banco.
Temos a percentagem da circulação fiduciária e ainda a importância do empréstimo gratuito e o empréstimo caucionado com um juro mais pequeno do que tinha apresentado o Banco Colonial.
Para se fazer rigorosamente um quadro comparativo, era preciso fazer um estudo de todas as vantagens concedidas.
Assim é que se podiam ver as vantagens concedidas pelo Banco Nacional Ultramarino e as concedidas pelo Banco Colonial.
Não eram 58 contos, mas sim 85 contos num caso e 91 noutro caso.
Num era o mínimo e noutro ora p máximo da soma total das vantagens.
Não são 5:790 contos em vinte e cinco anos. São 365 contos numa hipótese e 215 noutra.
O Sr. Júlio Martins: - V. Exa. leva em conta os meses que faltam para acabar o ano?
O Orador: - V. Exa. não falou nisso quando fez as suas considerações.
Por consideração para com a Câmara e para com o Sr. Júlio Martins eu vou ler as tabelas.
Os lucros da percentagem da circulação fiduciária não são os lucros totais que o Banco pode ter.
Aqui está a grande falsidade da argumentação.
Chegou-se até a dizer que o Estado perdia o suficiente para pagar a dívida pública.
Agora que o contrato está assinado eu posso falar abertamente. Com toda, a lialdade o vou dizer. Nós chegamos a uma conclusão.
Recorrendo à lei chegamos à conclusão de que esta conta é absurda. Os lucros líquidos do Banco nunca podiam ser iguais a 24,3 por cento da circulação.
O que diz a lei?
Limita em 7 por cento a percentagem de juros.
Ora desde que o Banco não pode fazer juro superior a 7 por cento, evidente é que a percentagem máxima de lucros brutos não pode ir alem de 7 por cento.
É preciso notar-se tambêm que no contrato não se dão somente vantagens, exigem-se tambêm condições.
Estou certo de que o Sr. Júlio Martins reconhecerá ser razoável o que eu digo.
A hipótese é falsa e, portanto, os resultados falsos são.
Partindo tambêm dum princípio errado, chega-se aqui à conclusão do que, em vinte e cinco anos, o Estado perderá 27:000 e tantos contos.
Já mostrei quam erradamente se encontra redigido êste papel a que me tenho referido e, portanto, ponho-o agora de parte.
Vamos a essa decantada vantagem dos 5 por cento que seriam concedidos quando os lucros subissem a 2:000 contos.
O que teria isto de real?
E a pregunta que ocorre fazer-se.
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Porque é que o Banco, podendo aumentar a percentagem estabelecida sôbre a circulação, foge dêsse campo e vem com a vantagem que não podia apresentar, visto que fôra posta de lado a partilha de lucros?
Era, naturalmente, exagerado ir pedir além do que aqui se tinha pôsto sem exigir partilha de lucros, desde que se pensasse que muitos lucros que os bancos podem obter não são derivados do privilégios que o Estado dá.
De maneira que ocorreu logo preguntar: porque é que o Banco, querendo assegurar ao Estado maiores rondas, não aumentou à sua vontade a percentagem estabelecida para a circulação e vai então oferecer a partilha de lucros?
E porque é que oferecendo a partilha de lucros só começa a oferecer essa partilha a partir de 2:000 contos?
Trava se diálogo entre o orador e o Sr. Júlio Martins.
O Orador: - Há aqui outro ponto que vou esclarecer.
Diz-se que o Banco Ultramarino deu não sei quanto, mas parece-me que 20 por cento sôbre o valor nominal de cada acção.
Àparte do Sr. Júlio Martins.
O Orador: - Eu disse que S. Exa. não poderia mesmo estabelecer quanto se devia perder porque isso depende de muitas hipóteses e nenhuma delas realmente poderia ser feita de forma a não se poder ter dúvidas sôbre o que se passou durante êstes vinte e cinco anos, a que transformação ficará reduzido o juro do capital nesta luta entre capital e trabalho.
Sr. Presidente: como já disse, se 15:000 contos fôsse a circulação fiduciária, o lucro bruto, não podendo ser superior a 7 por cento, daria 1:050 contos. É claro que não é êste o lucro líquido da circulação fiduciária; temos de deduzir as despesas que, segundo informações que tive, atingem 50 por cento dêste rendimento bruto, mas eu reduzo essas despesas a 40 por cento e, por consequência, fica como lucro líquido da circulação fiduciária 630 contos.
Vamos agora a outro rendimento que é o das obrigações prediais.
Suponho que é de 10:000 contos, e a hipótese tem de ser formulada pelo Banco Colonial, a importância dessas obrigações, tendo o lucro bruto de 100 contos, qual é a parte que devia haver de percentagem correspondente a despesas? Recorri à Companhia Geral de Crédito Predial Português e vejo que, em 1918, dispendeu com êste serviço de obrigações 119 contos.
Vamos agora ver o que poderia receber o restante capital.
Recorrendo aos três últimos anos da gerência de sete bancos, cheguei à conclusão de que a média do capital, reservas o depósitos era do 3,4 por cento. Não é natural, creio eu, que um banco novo, iniciando agora assuas transacções, atingisse logo esta média, mas suponhamos que sim e que ia até 4 por cento.
Se formos ver, recorrendo tambêm aos três últimos anos, qual tem sido o acréscimo da circulação indiciaria no Ultramar, achamos que a média é de 1:438 contos, ou seja, em números redondos, de 1:500 contos.
Se formos atender à constituição de reservas que o Banco era obrigado a ter segundo a lei, bem como a que a constituição recentemente formada não tinha reservas nenhumas; tomando em consideração a quantia necessária para ir aumentando as reservas, que logo de entrada tinha 6:060 contos de depósitos o que êles iam aumentando sucessivamente 1:000 contos por ano; fazendo a conta dos lucros provenientes da circulação, que ia tendo o aumento de 1:500 contos por ano; dando, finalmente, ao capital, depósitos e reservas o lucro liquido de 4 por cento, ou chego à conclusão de, que só no ano 14.° da vigência do contrato é que o banco chegaria a ter de lucros líquidos 2:040 contos, de que, por consequência, daria ao Estado 402 contos, e, aumentando sucessivamente os seus lucros, só no 24.° ano é que principiaria a ter uma quantia superior a 2.500 contos, da qual, portanto, teria de dar 10 por cento, tendo que dar no último ano do contrato 256 contos.
Somando todas as estas quantias, vemos que, em virtude da partilha dos lucros, havia um total de 1.621 contos.
Como V. Exa. vê, Sr. Presidente, só no 24.° ano do contrato o banco vinha a
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ter um rendimento superior a 2,504 contos.
Um àparte do Sr. Júlio Martins.
O Orador: - Continuava sempre a dar 5 por cento, porque nunca atingia 2.500 contos e no 24.° ano é que chegava a 2.561 contos, o que para a partilha de lucros representava 256 contos.
Dêste modo, na hipótese formulada de circulação e quando tudo corresse normalmente e nas melhores condições, o Estado receberia do novo banco o total de 1.621 contos. Ora, adoptando agora a mesma hipótese para o Banco Nacional Ultramarino, aumentando-lhe tambêm 1.500 contos à circulação fiduciária, verificamos que o total da participação de lucros é de 4.375 contos. Quer dizer: pelo contrato celebrado o Estado recebe do Banco Nacional Ultramarino 4.375 contos, contra 1.621 contos que receberia do Banco Colonial Português. E assim, Sr. Presidente, chegamos à conclusão, absolutamente lógica, de que há uma grande diferença a favor do contrato celebrado com o Banco Nacional Ultramarino, ficando-nos, por consequência, a convicção plena de que dêste contrato resultam vantagens muito superiores àquelas, se é que alguma vez seriam reais, oferecidas pelo Banco Colonial Português, e compreende-se que assim suceda, visto que êste Banco, se, de facto, queria dar vantagens ao Estado, podia estabelecê-las dentro das bases do concurso, aumentando a percentagem sôbre a circulação fiduciária, e não iria preferir a partilha de lucros, que tinha sido posta de lado.
O Sr. Júlio Martins: - O Banco Ultramarino ofereceu a mesma renda.
O Orador: - Mas, dir-me há V. Exa., o Banco não se importou com quem ficasse. Deu o que o outro ofereceu.
Se o Banco tinha o direito de opção, certamente não deixava as colónias.
Constituiu-se com um capital de 20.000 contos. O Banco Nacional Ultramarino ia começar nas mesmas condições do Banco Colonial.
Pois imagina alguêm que o Banco Nacional Ultramarino largava o contrato, podendo optar?
Devíamos ser mais exigentes, diz e Sr. Júlio Martins.
Não posso considerar-me mais autorizado do que as pessoas que formularam as bases para o concurso, e essas não estabeleceram outras condições.
A própria comissão, encarregada de estudar as bases do novo regime bancário no ultramar, declarou peremptoriamente que não foi ao acaso que estabeleceu as condições no decreto, mas que as elaborou de forma a que pudessem aplicar-se a um Banco já constituído. Pode, pois, por acaso pensar-se que, a comissão tivesse estudado a questão de tal maneira que o Estado viesse a perder quantias tam importantes, como as que se apontam?
O Sr. Júlio Martins: - Quem sabe se o Banco Ultramarino não daria ainda mais vantagens!
O Orador: - Tudo tem um limite.
Como se pode exigir mais a um Banco desde que se lhe impõe que não pode emprestar a mais de 7 por cento?
O Sr. Júlio Martins: - Para empréstimos agrícolas, é esplêndido juro.
O Orador: - O Banco Ultramarino mesmo que perca alguma cousa nas vantagens que ofereceu, fá-lo unicamente para manter o seu crédito e o seu nome.
Devo tambêm, dizer que, como medida fiscal, o Estado faça incidir um imposto sôbre os rendimentos líquidos dum Banco, está bem; roas que por virtude dum privilégio concedido a um Banco de emissão de notas para o ultramar, se vá exigir uma percentagem nos lucros que auferem com as diversas estações montadas pelo mundo, isso não.
Sr. Presidente: vou concluir, porque não quero cansar por mais tempo a atenção da Câmara.
Creio que expus com a máxima lialdade o que penso sôbre êste contrato, e garanto a V. Exa. e à Câmara que tenho a convicção plena de que fiz aquilo que realmente disse ter feito, salvaguardando os interêsses do Estado, tanto quanto era possível.
Relativamente às considerações do Sr. Mesquita Carvalho, desejo dizer simplesmente duas palavras.
Nunca de mim partiu qualquer observação com intuito de ofender seja quem
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fôr, não só por uma questão de educação como ainda por ter a consciência dos deveres que me impõe o cargo que exerço.
Quando eu fiz uma observação à argumentação do Sr. Mesquita Carvalho de modo algum eu queria faltar ao respeito e à consideração que tenho pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Ainda há dias eu manifestei a opinião de que devia ser afastado da discussão o parecer da Procuradoria Geral da República, de forma a evitar que alguêm ficasse com a impressão de que se pretendia por qualquer forma desconsiderar essa instituição.
E, se eu tinha esta maneira de ver relativamente à Procuradoria Geral da República, não podia ninguêm supor que eu pensasse de maneira diversa quanto ao Supremo Tribunal Administrativo; pelo contrário, desejo bastante que tanto esta corporação oficial como outras mereçam sempre da parte de todos o máximo respeito e a mais alta consideração.
Terminando, Sr. Presidente, eu declaro a V. Exa. que aceito as moções apresentadas pelos Srs. Álvaro de Castro e Alberto Xavier.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: o Sr. Hermano de Medeiros declarou, ao iniciar êste debate, que a questão era para os parlamentares unionistas uma questão inteiramente aberta. Do modo que as considerações que S. Exa. fez e todas as afirmações que produzia são, nos termos desta declaração preliminar, da sua inteira responsabilidade individual.
Sr. Presidente: questão aberta é esta para os parlamentares da União Republicana e questão aberta deve ela ser para todos os membros desta casa.
Eu não compreendo que sejam fechadas., dentro duma; assemblea parlamentar, sessão as questões meramente políticas.
As questões de ordem económica, as de ordem financeira, as de ordem técnica, aquelas que, sob muitos e variados aspectos, podem ser atacadas e defendidas, que não assentam sôbre princípios dogmáticos, ou, pelo menos, sôbre aquelas afirmações que têm de ser consideradas como absolutas para a vida dos partidos, não se compreende que não sejam sempre questões abertas. (Apoiados).
Infelizmente, porém, e apesar de tudo, a questão de que nos ocupamos não é uma questão aberta, porque nos colocaram a todos, parlamentares dum lado e outro da Câmara, em presença dum facto consumado.
Sr. Presidente: a teoria do facto consumado, que eu tenho ouvido invocar por mais duma vez nesta Câmara., ainda outro dia serviu para legitimar um dos mais baixos escândalos de que tenho memória, qual foi o da validação de diplomas, sem uma garantia legal, concedidos a bacharéis beras por um reitor da mesma natureza.
Desde êsse facto consumado até aquele de que nós nos estamos ocupando, eu já conheço uma série de factos consumados, ou de interêsses criados, que não acrescentam absolutamente nada ao prestígio da República.
Questão aberta devia ser para todos os lados da Câmara, esta questão; e apraz-me não acreditar, como de facto não acredito, que se em voz de estarmos dentro dum contrato realizado e já em execução não estivéssemos dentro dum contracto a realizar ou ainda a modificar pelo Parlamento, houvesse alguêm que apresentasse um contrato desta, natureza, não declarando, para sua honra e do nós todos, que era uma questão aberta a sua discussão.
Mas estamos em presença dum facto consumado, - contrato já executado e que com certeza já produziu efeitos, e a que esta Câmara, pela sua maioria, deve dar sanção legal. Para que vem então, esta discussão?! Vem para muito pouco; vem para se definirem princípios o acautelar interêsses, visto que no contrato já não se podem introduzir emendas, excepto aquelas em que acordarem as partes, mas nunca por iniciativa da Câmara.
Sr. Presidente: razões graves, razões de pêso deveria ter havido, para que o Govêrno anterior e para que o Govêrno actual, tivesse um começado e outro concluído êste famoso contrato de que nos estamos, ocupando. Sabe V. Exa. que já em 1911, - e eu não quero ir para além da proclamação da República, - se reconheceu que não era de continuar o regime de prorrogação em que vivia o Banco Nacional Ultramarino, encarregando-se até uma comissão de rever o respectivo con-
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trato, a respectiva lei de 1911, em termos de ela poder ser ou definitivamente adoptada ou essencialmente modificada. Foi isto, Sr. Presidente, em 1911, e é realmente do extranhar que desde então até agora nós tenhamos vivido em constante regime de prorrogação. Mas êsse facto, que não tem uma explicação muito lisonjeira para a competência dos vários Ministros das Colónias desde então até agora, e que nem sequer abona o zelo das assembleias parlamentares que até agora não exigiram a revisão dêsse estado de cousas, êle deve ter um fundamento preciso; e como eu não posso admitir que constantemente Ministros e Parlamentos da República tivessem de barato deixado subsistir uma situação que só era gravosa para os interêsses do Estado, eu concluo que mais nenhum mal resultava se êsse regime de prorrogação continuasse por mais algum tempo, para que nós podéssemos ter feito aquilo que devíamos fazer; virem as bases do contrato ao Parlamento, e nós fazermos sôbre elas a mais larga discussão. (Apoiados).
Eu sei que há um famoso artigo 87.° da Constituição que permite aos Ministros das Colónias legislarem para o Ultramar, quando estiver fechado o Parlamento e quando êles o julgarem necessário e urgente.
Já ouvi nesta Câmara, a propósito desta discussão, dar a êste artigo e seu § uma interpretação tal.
Sr. Presidente: legislar p ar a o nitram ar, quando fôr necessário e fôr urgente, não é positivamente poder legislar para o ultramar ao arbítrio de qualquer Ministro das Colónias. É necessário que ao exercer a faculdade do artigo 87.° a providência a tomar seja necessária e que essa necessidade se demonstre e que ao mesmo tempo seja urgente e que essa urgência a todos os olhos salte.
Ora pregunto, se no caso de que se trata, haA7ia realmente a necessidade de se fazer esta legislação, e, sôbretudo, se podia ter alguma sombra de urgência que justificasse toda esta pressa, de se aproveitar um resto de autorização, para fazer um dos diplomas mais importantes e dos que mais podem afectar para bem, ou para mal, a vida das mesmas colónias.
Vejo que, visto esta Câmara ter poderes constituintes os devo aproveitar.
Estamos obrigados a eleminar de futuro na Constituição êste artigo 87.°, visto que os Ministros fazem dele um uso que é perfeitamente escandaloso.
Tem sido sempre assim. Já era no tempo da monarquia e tem sido essa norma na vigência da República, de modo que talvez o Parlamento se veja na contingência do eliminar da Constituição uma providência que não só se não executa na sua letra, mas que não cumpre no seu espírito.
Sr. Presidente: se aqui estivesse em discussão, não um contrato realizado, mas um contracto a realizar, uma larga discussão se podia fazer sôbre êsse assunto que realmente bem a merecia, qualquer que seja o aspecto por que seja, encarado.
Compreendia que o Govêrno, ou o Sr. Ministro das Colónias que assinou o decreto n.° 5:800, pelo menos no desejo de elucidar o Parlamento, quando viesse ocupar-se do assunto, em vez de um relatório minúsculo que relativamente a extensão é superior a outros, e ao que tive ocasião de ler sôbre a dês anexação de Vale de Cavalos, trouxesse um relatório maior; compreendia-se que nesse relatório nos dissesse em factos e números, quais tem sido durante cinquenta anos as relações do Banco Ultramarino com o Estado, se o Banco Ultramarino durante êsse largo período de tempo promoveu, como lhe cumpria, a riqueza das colónias e se durante êsse largo período de tempo o Estado tirou todos os proveitos que era lícito tirar.
Isto precisava ser dito no relatório e com números, e o relatório apenas faz três ou quatro considerandos que nada justificam a necessidade e urgência do projecto, e nada inclina a convencer de continuar o mesmo regime.
Sr. Presidente: eu sei o já tive ocasião de dizer mais duma vez que o Parlamento é uma instituição em crise, não direi em decadência, e que há muita verdade na acusação que se faz de que não realiza para o país todo o bom que devia realizar.
Mas se é certo que o Parlamento deixa de fazer cousas boas, é certo que impede por si, que se façam muitas cousas péssimas (Apoiados.) E assim V. Exa., Sr. Presidente, vê que não há minúsculo ditador neste país que não se dê pressa em se
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substituir ao Parlamento, e estamos a ver que sem nenhuma vantagem para o Estado.
Eu podia a propósito, e visto que de colónias se trata, lembrar aqui o famoso caso de Mormugão, liquidado há poucos dias com milhares de contos de prejuízo, e porque tambêm a respeito dêsse contrato se fez ditadura e se prescindiu do Parlamento, e se colocou o país diante dêste facto consumado que teve o desfecho numa conferência em Londres com o prejuízo de milhares de contos.
Êste facto da Monarquia, e aparto o prejuízo para o Estado, tem uma agravante no contrato do Banco Ultramarino.
É necessário reivindicar para o Poder Legislativo as faculdades que lhe assiste, sem as quais não somos mais que uma caricatura e uma chancela dos Govêrnos.
Nem ditadores, nem Govêrnos, têm mais forca que nós.
Nós invertemos tudo, com desvantagem, as atribuições do Poder Legislativo para o Poder Executivo.
Uma comissão encarregada, nos termos da portaria de tantos de Maio, de rever aquele diploma a que já me referi de 1911, apresentou ao Govêrno um projecto de regime bancário para o ultramar, que foi adoptado.
Sr. Presidente: algumas alterações se fizeram nesse projecto e algumas delas das mais importantes consistem no que vou dizer.
Onde estava na lei de 1901, preferência para o Banco Ultramarino, no decreto que estamos discutindo, pôs a palavra opção, e aqui está uma das alterações graves que se fez na lei vigente até agora.
Sr. Presidente: compreendia que ao Banco Nacional Ultramarino fôsse reconhecido o direito de preferência, visto que êle tinha adoptado o princípio do concurso, mas não compreendo, o não vi justificado o direito de opção, porque, Sr. Presidente, se com a opção se quisesse apenas garantir ao Banco Ultramarino o regime em que êle estava, modificado nos termos dêsse decreto, mais valia que houvesse a coragem de contratar directamente com êsse Banco. Mas lançar mão de opção porque ela inutilizava o princípio do concurso, não me parece que seja uma prova de coragem dada pelo Poder Executivo.
E que assim, é que outra cousa não se pretendia, ressalta das palavras do relatório da comissão encarregada de introduzir o regime bancário no ultramar.
Por conseguinte, Sr. Presidente, não se diga que a opção não implica a anulação do princípio dos concursos. Não implica. E exactamente por isso, conforme a Câmara acaba de ver pelas palavras que li, é que ela só introduziu no decreto n.° 5:809.
A Câmara sabe muito bem que se ainda continuasse em regime de preferência o Banco Ultramarino não podia dispensar-se de ir ao concurso com a sua proposta e a adjudicação seria feita com as mesmas vantagens.
Em todo o caso, o que era indispensável era que o Banco Ultramarino fôsse ao concurso.
No regime de opção o Banco Ultramarino não tinha do ir ao concurso. Dir-me-hão que está muito bem. Mas o que se conclui daí? Vou dizê-lo à Câmara. O Banco Ultramarino, em regime do preferência, havia formulado a sua proposta oferecendo as maiores vantagens, porque em condições de vantagens superiores ou, pelo menos de iguais vantagens, êle podia deduzir o seu direito de preferência.
Ora o Banco tem estas relações com o Estado há cinquenta anos. O Banco Ultramarino sabe, mas não o diz, qual a sua margem de lucros; o Banco Ultramarino sabe, mas não o diz, quais os seus encargos ; o Banco Ultramarino, mais do que nenhum Banco, mais do que ninguêm, podia formular uma proposta, e era obrigado a formulá-la com as maiores vantagens, sob pena de ficar sem a adjudicação.
Aqui tem a Câmara uma das vantagens de se manter o regime de preferência.
Desde que o direito de opção diz ao Banco que não tem de concorrer, que outros concorrem e o Banco deduz a sua opção, porque assim lhe está garantida pela lei, então os outros concorrentes vêem-se na incerteza de ser ou não ser deduzido o direito de opção que tem o Banco Ultramarino.
Mas, se, por outro lado, e por uma espécie de rivalidade, por um espírito de
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luta à outrance, que, em geral, essas entidades não têm, porque apenas as move o capricho de ganhar muito e de ganhar mais, porventura tivesse a veleidade de arrancar o privilégio ao outro Banco, oferecendo vantagens superiores, corria então o risco, se não fôsse bastante cauteloso, de se encontrar perante uma situação de que só lhe resultariam encargos. Isto podia fazê-lo um indivíduo, mas não o faz uma entidade financeira com capitais tam grandes como os do Banco Nacional Ultramarino e como os do seu competidor, o Banco Colonial Português.
De modo que afirmar, por um lado, como se faz no relatório, que se pretende encerrar o princípio altamente moralizador e útil do concurso e estabelecer, por outro lado, o princípio de opção é, positivamente, tirar com uma mão o que se dá com a outra. O que, na verdade, se quis foi garantir no Banco Nacional Ultramarino a continuação do regime em que vive desde a sua fundação.
Sr. Presidente: não deveria haver o receio de que qualquer banco, ou fôsse antigo ou fôsse moderno, oferecesse vantagens que não pudesse oferecer ou que não pudesse aceitar o Banco Nacional Ultramarino. Relações de há cincoenta e tantos anos, serviços inteiramente montados, sucursais solidamente estabelecidas - tudo isto constituíam para o Banco Nacional Ultramarino garantia bastante de poder fazer concorrência a qualquer outro banco em regime de preferência.
De forma que, Sr. Presidente, de tudo isto fica apenas o odioso, o desaire, digamos assim, de se iludir, o que é sempre mau que se faça em diplomas oficiais e em nome do Estado, de se iludir, dizia, uma disposição que parecia ser altamente moralizadora.
Sr. Presidente: outras alterações se fizeram, e algumas de certo modo vantajosas, na lei de 1907, que, a meu ver, não tem vantagem, se é que não tem até inconvenientes. A uma delas tenho aqui ouvido fazer larga referência: é a da partilha de lucros, a respeito da qual ainda hoje o Sr. Ministro das Colónias fez considerações vasias.
Entendo que há para os Govêrnos, quando contratam em nome da nação, o dever de tirar para ela a maior soma possível de vantagens. Não quero que um indivíduo ou colectividade que faz um con~ trato com o Estado tenha a preocupação dos interêsses dêste, acima dos seus próprios interêsses, mas o que quero absolutamente é que quem representa o Estado tenha a preocupação de tirar todos os benefícios e vantagens das concessões que faz. Nestas circunstâncias, e sob êste ponto de vista, que a Câmara talvez considere teórico, mas que eu acho muito prático, o princípio da partilha de lucros impunha-se à consideração do Govêrno.
Não se diga. que é inteiramente honesto o Estado conceder privilégios restritos que não são condições essenciais para a vida duma instituição bancária; não se diga que não é honesto o Estado ter partilha em todos os lucros que derivem da actividade dessa entidade.
Sr. Presidente: quando mesmo êste argumento valesse alguma cousa, valeria só para a partilha do Estado.
Doutra forma tornava-se difícil a fiscalização e fácil a burla.
O banco tem a sua escrituração, não sei se por partidas dobradas; pelo menos tem por dobradas partidas. (Riso).
O Estado não está desarmado para essa fraude, exerce a sua fiscalização por diversas entidades.
Sr. Presidente: o Estado não toma participação nos lucros. O Estado é duma modéstia que nunca o julguei capaz.
Sr. Presidente: a partilha de lucros que o Estado não quis para si não a dispensam os seus representantes, os comissários junto dos Bancos.
Eu recordo-me dum ilustre deputado, o Sr. Pais Rovisco, dizer que havia funcionário que ganhava 60 contos.
A Câmara achou esta revelação muito extraordinária e eu não pude prever quais fossem êsses privilegiados da República.
Privilegiados que auferem o triplo do vencimento do Sr. Presidente da República.
O Sr. Júlio Martins: - São os maiores tubarões.
O Orador: - Calculo que êste privilegiado havia de ser o comissário do Banco Nacional Ultramarino, que por êste decreto deve ter participação nos lucros.
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Competem-lhe 30 ou 40 contos e mais 50 por cento se se resolver a ir visitar as agências no ultramar.
Isto tudo deve dar os 60 contos a que se referiu o Sr. Rovisco.
Nunca me fez mal o que os outros ganham.
A República deve remunerar convenientemente os seus funcionários.
Sr. Presidente: a partilha de lucros que venho de me referir tem sido largamente tratada nesta Câmara por diversos Srs. Deputados e pelo Sr. Ministro das Colónias, todos préviamente preparados para esta discussão. Lamento que esta discussão não possa ser mais extensa.
Era preciso que cada um de nós tivesse tempo da em sua casa pensar e estudar o assunto e consultar documentos. Certamente, se assim se fizesse, a conclusão seria muito diferente daquela a que temos chegado.
Eu, não tenho vergonha de o dizer, preciso estudar êste assunto.
O princípio da partilha de lucros é moral e útil, mas precisa ser definido mais claramente.
É um processo legítimo, pode ter vantagens, mas pode ter tambêm inconvenientes.
Eu, como o gato escaldado, tenho modo da água fria que aparece no Diário do Govêrno.
Fez-se isto com tal urgência que alguêm chegou a dizer que era influência da Conferência da Paz.
Bem fez; S. Exa. em restabelecer, a êsse respeito, a verdade dos factos.
A Conferência da Paz não fez ao Govêrno que estava, não faz a êste Govêrno, nem fará a qualquer Govêrno futuro, nenhuma insinuação nesse sentido. Isso seria negar a nossa soberania e, por emquanto, não chegámos lá. Mas a verdade é que êsse decreto com fôrça de lei foi publicado, a poucos dias da abertura do Parlamento, em nome da necessidade urgente de acudir às nossas colónias, e V. Exa. tem visto que, tendo passado quási três meses sôbre essa urgência, e estando nós na urgência de nos irmos embora, o Govêrno ainda não solicitou do Senado a sua respectiva missão sôbre êste ponto, nem solicitou da Câmara o voto que sancione a doutrina de tal decreto.
Sr. Presidente: decretou-se para as colónias um regime de administração que pode implicar o seu ressurgimento económico, a sua máxima valorização, mas que tambêm pode, e tudo depende de pessoas, implicar a sua ruína e perda. Decreta-se com a máxima urgência, mas deixam-se passar três longos meses sôbre essa urgência, sem que ao Parlamento se peça que, sancione o que foi feito em ditadura. É que quando nos falam de urgências em medidas para as colónias, pretende-se apenas tirar ao Parlamento a apreciação de documentos que muitas vezes, porventura, não mereciam o seu voto.
Sr. Presidente: não se sabe ainda o que será, não digo o destino das nossas colónias, pois estou convencido de que elas continuarão a ser nossas, que elas sairão desta liquidação da guerra ainda inteiramente portuguesas, mas a transformação que tem de sofrer a política colonial em termos do não suscitar protestos nem reparos dos países a quem interessa, por via indirecta, o regime do administração que tivermos no nosso império ultramarino. E não se sabe porque ainda não disse quem tinha autoridade para o dizer.
Todavia, Sr. Presidente, isto deveria ser uma razão para, em vez de legislarmos à pressa, legislarmos ditatorialmente para as colónias, estabelecendo situações de facto que, porventura, se reconheçam depois como inconvenientes, aguardássemos os resultados dos trabalhos feitos lá fora, para só então decretarmos para as colónias, mas pelas vias competentes, aquelas providências segundo as quais elas têm de sofrer uma transformação que as valorize.
A menos que o Govêrno diga que, por circunstâncias de ordem internacional, o eu compreendo-as, mais vale esperar algum tempo para nos ocuparmos detidamente sôbre assuntos das colónias, entendo que ao estudo do Parlamento deveria ser, sem demora, sujeito o regime da autonomia administrativa, decretado, mas não executado.
Eu não sei se êste regime, que já estava e que subsiste, da uniformidade bancária, digamos assim, para o ultramar, será uma cousa que amanhã teremos do achar conveniente. Se a discussão não se fizesse, como já disse, sôbre factos con-
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sumados, mas sim sObre factos a realizar, era êste um ponto que deveria merecer a atenção da Câmara, sendo objecto de larga discussão.
Isto não é tam dogmático que haja necessidade ou vantagem de manter essa unidade que nesse famoso decreto dos altos comissários não se dividissem em dois grupos as nossas colónias de África.
Sob o ponto do vista da autonomia administrativa e financeira,, o sob o ponto do vista político, considero o decreto dos altos comissários arbitrário e sem base na geografia, na finança e na economia, tendo apenas base no capricho de quem elaborou o decreto.
Eu não quero dizer senão aquilo que, com elementos, posso afirmar, e não tenho o hábito de produzir afirmações que não possa basear; digo apenas que a utilidade ou não utilidade dêsse decreto tinha de ser objecto duma larga discussão.
Sr. Presidente: eu não quero alongar mais esta discussão, o desejaria até que ela terminasse em poucos minutos, atendendo à escassez do tempo que nos resta para levar a cabo tanto que há ainda para fazer.
Entrei neste debate querendo definir a minha atitude, porque, de facto, ela não estava definida ainda, visto que, como tive ocasião de dizer quando iniciei estas minhas considerações, o assunto é questão aberta para o grupo parlamentar a que eu tenho a honra de pertencer.
Não me move nenhum propósito de tomar atitude a favor do Banco Ultramarino ou do Banco Colonial, nem tampouco o propósito do dizer qualquer cousa que afastasse suspeitas de que eu estaria vendido a um ou a outro. (Apoiados).
Não gosto de falar de mim mesmo, mas sempre quero recordar k Câmara que uma das razões porque acoitei, infelizmente para a República e para mim, o lugar do Ministro do Govêrno Provisório, foi porque se tratava nessa ocasião do duas questões, a questão do Crédito Predial e a dos sanatórios da Madeira, e eu entendi que essas questões não podiam ser resolvidas senão por alguêm que não tivesse receio de que lhe chamassem vendido, ou que lhe dissessem que as resolvia por dinheiro. Quando ou passo na rua e ouço falar de ladrões nunca volto a cabeça porque bem sei que não pode ser comigo.
Sr. Presidente: o motivo que me determinou a pedir a palavra foi apenas o de fazer estas considerações, que julgo muito importantes, manifestando o meu desagrado pelo que se discute, e que nos coloca fora de todas as regras da sã moralidade, vista que o reputo inconstitucional e dum valor ínfimo sob o ponto de vista dos interêsses do Estado, não podendo, por isso, dar-lhe o meu voto.
Reputando inconstitucional o decreto n.° 5:809, e reputando como do valor ínfimo, no ponto de vista dos interêsses do Estado, as vantagens por êste alcançadas, não posso dar às moções, que o Sr. Ministro das Colónias declarou aceitar, o meu voto.
Tenho dito. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Augusto Arruda (para interrogar a Mesa): - V. Exa., Sr. Presidente, informa-mo se ha sessão nocturna.
O Sr. Presidente: - Sim, senhor.
O Sr. Júlio Martins: - Nos termos do Regimento já se não pode requerer que haja sessão nocturna.
O Sr. Evaristo de Carvalho: - Sr. Presidente: pedia a V. Exa. a fineza de consultar a Câmara sôbre a urgência pára um projecto de lei que mandei para a Mesa que tem por fim passar para cargo do Estado, os lanços de estrada de Soure a Ancião.
Foi aprovada a urgência.
O Sr. Presidente: - A sessão nocturna é às 21 horas e meia, para discussão dos projectos de lei marcados na ordem.
O Sr. António Granjo: - Eu tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão!
O Sr. Presidente: - A sessão não fechou...
Vozes: - Mas quem requereu a prorrogação da sessão?
Quem requereu a sessão nocturna?! Não pode ser!
O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
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REABERTURA DA SESSÃO
Reabertura da sessão às 22 horas e 10 minutos.
O Sr. Pais Rovisco (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de mo informar se esta sessão é a continuação da sessão de dia, ou uma nova sessão.
O Sr. Presidente: - Eu não presidi ao final da sessão de hoje, mas pelas informações que recebi, sei que o Sr. Presidente interrompeu a sessão para continuar à, noite, servindo-se para isso duma autorização anterior.
Leu-se na Mesa a seguinte
Nota de interpelação
Tendo-se referido a imprensa republicana, nos últimos dias a manejos revolucionários, por parte de inimigos da República para a preparação duma revolução monárquico-sidonista, desejo interpelar o Govêrno sôbre o assunto. -Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
O Sr. Júlio Martins (para interrogar a Mesa): - V. Exa. pode dizer-me, Sr. Presidente, porque é que no sábado não houve sessão à noite?
O Sr. Presidente: - Eu não presidi à sessão de sábado, mas vendo que o Sr. Deputado que presidiu ao final dessa sessão a declarou encerrada, eu preguntei porque não continuava à noite, e foi-me respondido que porque essa indicação tinha recebido do Sr. Presidente efectivo.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Eu desejava que V. Exa. me dissesse o que se vai discutir, se é a ordem do dia, que passou a ser ordem da noite.
O Sr. Presidente: - Discute-se o parecer n.° 518.
Vai ler-se o artigo 4.°
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai ler-se o artigo 5.°
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai ler-se o artigo 6.°
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Plínio da Silva: - Sr. Presidente: Quando se discutiu o artigo 1.° do presente projecto de lei, eu tive ocasião de apresentar a V. Exa. e à Câmara parte da minha maneira de pensar acerca de tam momentoso assunto, e quam grande importância a êle ligava.
As classes inactivas, que constituem um dos cancros da sociedade portuguesa, adoptando a expressão corrente, som que isso porém represente da minha parte o mínimo desprimor para com elas, merecem um tratamento muito especial, atendendo com inteira justiça aos seus incontestáveis direitos, dando-lhes as garantias e recompensas que lhes pertencem, mas não esquecendo os legítimos interêsses do Estado, devendo por isso procurar restringi-los ao mínimo e reduzindo tanto quanto possível os onerosos encargos que para o Tesouro advêm da sua inevitável existência.
Quando o ilustre Ministro das Finanças declarou nesta casa que 80 por cento das receitas públicas eram absorvidas pelo pessoal, em. grande parte inactivo, todos nós sentimos um verdadeiro calafrio, que não obstante o tempo já passado, certamente ainda de nós todos se não dissipou.
Desde logo me impus a mim próprio o dever imperioso de em todos os projectos, que tal permitissem, pugnar por todas as formas para que aquela extraordinariamente elevada percentagem, baixasse tam ràpidamente quanto possível.
Tive tambêm ocasião de dizer a V. Exa. que discordo, em absoluto, da fixação do tempo de serviço, traduzido em limites de idade que preceituam em cada altura o máximo dos interêsses que um funcionário pode alcançar, pois tal disposição traz como consequência imediata, que funcionários ainda nesse momento válidos, por motu próprio ou sob pressão dos que lucram com a sua saída, para obterem a ascendência na promoção, retiram dos serviços públicos em condições de poderem ainda colaborar utilmente no desempenho de vários cargos.
Êste inconveniente foi pôsto em evidência pelo relator dêste projecto que salienta o facto de ser vulgar ver-se um in-
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divíduo cheio de vigor abandonar os serviços do Estado, para irem depois empregar a sua actividade no desempenho de funções particulares, e continuando o Estado com o encargo correspondente à sua passagem à inactividade.
Procurou a comissão de finanças harmonizar os interêsses dos funcionários e os do Estado, obstando aos inconvenientes apontados e estabelecendo as respectivas compensações, dizendo a propósito o seguinte:
"Assim como devemos aceitar que a aposentação seja convidativa e os funcionários logo que atingem o tempo fixado na lei procurem abandonar o serviço público, tambêm é da mais salutar e sã justiça premiar aquele que ao serviço do Estado dedicou toda a sua actividade e todo o seu esforço".
Concordo plenamente com esta doutrina, mas entendo que a forma como é posta em prática traz encargos excessivos para o Estado.
Não desejo, porém, alterar a sua concepção, nem restringir em parte a regalia que a comissão entende deve ser dada aqueles que depois dum certo número de anos de serviço continuam no desempenho do seu cargo.
Parece-me todavia que alterando de trinta para trinta e cinco anos o período fixado no artigo 6.° e elevando simultaneamente de 2 para 3 por cento a percentagem fixada contribuir-se-ia, mantendo o espírito do artigo e dando ao funcionário uma compensação importante, diminuir um pouco os encargos financeiros que podem pesadamente resultar desta justa disposição. A evidência do que fica exposto sobressai imediatamente pela simples comparação dos números, tornando-se por isso desnecessário alongar-me em mais considerandos. Nesta ordem de ídeas, mando para a Mesa a respectiva emenda ao § 1.° do artigo 6.°
Disse.
Lida na Mesa a proposta do Sr. Plínio Silva, foi admitida.
O Sr. Álvaro de Castro: - Mando para a Mesa uma proposta de aditamento ao § 1.° do artigo 1.°
Lida na Mesa, foi admitida.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito sôbre o artigo 6.°
Vai passar-se à discussão do artigo 7.°
O Sr. António da Fonseca: - Sr. Presidente, o § 1.° do artigo 7.° diz o seguinte:
Leu.
A fixação dêstes 100$ pode dar em resultado que alguns funcionários de categoria inferior, fiquem a receber mais que outros de categoria superior.
Parece-me que a maneira de evitar esto inconveniente, e visto 100$ não constituir hoje uma fortuna, é elevar-se esta quantia a 120$ mensais.
E nem por isso o funcionário fica rico; atendendo à carestia da vida.
Foi lida e admitida a emenda enviada para a Mesa, pelo Sr. António da Fonseca.
O Sr. Campos Melo: - Sr. Presidente: pedia a palavra para tratar do mesmo assunto que o Sr. António da Fonseca acabou de considerar. Portanto, dispenso-me de fazer as mesmas considerações, pois que nada mais tenho a acrescentar ao que S. Exa. disse, apenas vou um pouco mais longe, por isso que proponho 125 escudos, que me parece que não é hoje um ordenado alto.
Limito-me, por consequência, a enviar a minha emenda para a Mesa.
Tenho dito.
Foi lida e admitida.
O Sr. Pais Rovisco: - Sr. Presidente: quando êste projecto de lei foi pôsto à discussão pela primeira vez, eu tive ensejo de dizer que êle honrava não só o sou relator, mas tambêm toda a comissão de finanças, e ia honrar certamente, tambêm, o Parlamento que o aprovasse. Comecei por introduzir uma emenda ao artigo 1.° e mais tarde o Sr. Orlando Marçal fez uma proposta de substituição no artigo 3.°, se não estou em êrro.
Quando, Sr. Presidente, se discutiu o artigo 1.° eu disse, usando da palavra, que havia funcionários que recebiam avultadas quantias do Tesouro Público, pelas suas ocupações. Alguém nesta Câmara, porém, duvidou, mas hoje um ilustre parlamentar, ao. tratar duma questão tambêm
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bastante importantes demonstrou duma forma bem cabal que há funcionários que efectivamente, recebem quantias iguais àquela que eu tinha indicado.
Por consequência, eu estava na verdade, e tendo razão nas afirmações que fiz, mantenho-as agora na íntegra.
Mas eu pedi propriamente a palavra sôbre o artigo 7.° para enviar para a Mesa uma proposta de adicionamento dum parágrafo.
Tenho dito.
Foi lida e admitiria a proposta.
O Sr. Presidente: - Não estando mais ninguêm inscrito sôbre o artigo 7.°, considero encerrada a sua discussão. Chamo a atenção da Câmaras Chegou ao meu conhecimento e comunico-o à Câmara, o falecimento do pai do ilustre Deputado o Sr. Aboim Inglês. Proponho, por isso, que na acta se lanço um voto do sentimento, e dele se dê conhecimento à família do extinto.
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre a comunicação que V. Exa. acaba do fazer à Câmara, para dizer que a maioria parlamentar se associa ao voto de sentimento que V. Exa. propôs.
Tenho dito.
O Sr. Júlio Martins: - Para declarar a V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara, que os parlamentares evolucionistas se associam ao. voto de sentimento pela morte do pai do ilustre Deputado Sr. Aboim Inglês.
Tenho dito.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Sr. Presidente: em nome do Govêrno, declaro que me associo ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O Sr. Campos Melo: - Sr. Presidente: a minoria socialista associa-se tambêm ao voto de pesar de que se trata.
Tenho dito.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: em meu nome e no dos meus amigos políticos, faço a declaração de que nos associamos, com profundo desgosto, ao voto de sentimento peia perda que acaba de sofrer o nosso prosado amigo, o Sr. Aboim Inglês.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara,, considero aprovado o voto de sentimento que, propus e que dele se dê conhecimento à família do extinto.
Vai discutir-se o artigo 8.°
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ninguêm peça a palavra, encerro a discussão sôbre êle e ponho à discussão o artigo 9.°
Foi lido na Mesa.
O Sr. Campos Melo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa uma emenda ao artigo que se discute. Antes, porém, permita-me V. Exa. que eu faça umas ligeiras considerações.
Secundo a lei n.° 770, os funcionários a quem foram concedidos adiantamentos, tiveram do pagar, além de juros, mu prémio do risco, que, conformo uma. nota que mo foi fornecida pela contabilidade do Ministério das Finanças, deu de lucro ao Estado, durante dois anos do guerra, 140:619$01 (6). Entendo que o Estado não deve. estar a lucrar com os seus próprios funcionários.
São 638 contos de lucros, além dos juros, que o Estado aufere, visto que não morreu nenhum dos funcionários a quem foram concedidos adiantamentos pela Caixa Geral de Depósitos. Parece-me que é um lucro demasiado. O artigo 9.° do projecto em discussão diz que os funcionários poderão satisfazer as importâncias dêsses adiantamentos até 48 prestações mensais.
Eu lembrava que em vez dos funcionários Satisfazerem em 48 prestações as importâncias dos adiantamentos que fizeram à Caixa Geral de Depósitos as fizessem em 72 prestações. O Estado não perde visto que os juros são pagos da mesma forma e a Caixa Geral de Depósitos tambêm não perde, porque o dinheiro por ela abonado a êsses funcionários está rendendo. Neste sentido, mando para a Mesa uma emenda que espero que a Câmara aprovará.
Mando tambêm para a Mesa uma proposta para que entre o artigo 9.° e o artigo
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10.° seja intercalado um novo artigo, porque, segundo a letra dêste artigo, os juros podem ir até 12 por cento, o que acho demasiado, ao passo que, se aplicarmos o regulamento que a Caixa Geral de Depósitos aplica, é menor e o Estado nada perde.
Mando para a Mesa as propostas e chamo para elas a atenção da Câmara.
Foram lidas as propostas mandadas para a Mesa pelo Sr. Campos Melo, sendo admitidas.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão, o artigo 10.°
O Sr. António Fonseca: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que me parecia de uma alta conveniência que a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Campos Melo, para que seja intercalado Um novo artigo entre os artigos 9.° e 10.°, vá à comissão do finanças. Introduzir matéria nova nesta altura e nestas circunstâncias, e, sobretudo, não precisando o que se deseja, mas fazendo referência a artigos de lei que ninguêm consultou, pode ser perigoso. Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se autoriza que as emendas feitas aos artigos dêste projecto de lei sejam enviadas à comissão finanças.
O Sr. Orlando Marçal: - Podemos nêste momento trabalhar com garantia e vantagem, não sendo necessário protelar a discussão entregando o assunto a uma comissão.
O Orador: - Julgo necessário que a comissão intervenha a fim de coordenar todas as propostas de emenda.
Uma voz: - O que é lamentável é que não esteja assistindo a esta discussão o relator do projecto.
O Orador: - Termino as minhas considerações repetindo que o que a Câmara faria de melhor era aprovar que todas as propostas do emenda fossem à comissão.
Tenho dito.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Pedi a palavra simplesmente para dizer que discordo do alvitre apresentado pelo Sr. Deputado António Fonseca.
O Sr. Campos Melo: - Sr. Presidente: se a proposta do Sr. Deputado António Fonseca fôr aprovada proponho o seguinte: que a comissão de finanças se manifeste dentro de 24 horas, porque há aqui assuntos que se no fim do mês não estiverem resolvidos êsse facto acarreterá enormes prejuízos aos funcionários.
O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito sôbre o n.° 11 vai ler-se o artigo 12.°
O Sr. Orlando Marçal: - Sr. Presidente, tratando-se dum assunto de magna importância, não posso deixar, nesta altura, de fazer algumas considerações sôbre o mesmo assunto e apresentar uma proposta de substituição do artigo 12.° por outro que vou mandar para a Mesa.
Uma voz: - Então o artigo 11.°?
O Sr. Presidente: - Já está votado.
Vozes: - Não se discutiu o artigo 11.°
O Sr. Presidente: - Não sou responsável pela confusão que há na Câmara. Muitas vezes dêste lugar insisto em pedir aos Srs. Deputados para prestarem atenção ao que se passa.
Foi lido e discutido o artigo 11.°; porém, se da parte da Câmara na qualquer dúvida a êsse respeito, peço ao Sr. Secretário para ler o artigo 11.° e pô-lo novamente à discussão.
Assim se resolveu.
Foi lido o artigo 11.°
O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente, permita-me V. Exa. e a Câmara que aproveite a oportunidade que me parece favorável para fazer algumas considerações a propósito da tabela judicial sôbre a qual versa o artigo em discussão.
O que é verdade é que esta lei tem disposições que se me afiguram insustentáveis, disposições essas que nos levam à conclusão de que é dos mais perniciosas e nefastas para a República, porque esta tabela judicial vai, permita-me V. Exa. o termo, infiltrar-se por todas as povoações
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da província, e a população portuguesa vai sentir os seus efeitos perniciosos.
Tudo isto redundará em desprestígio da República, porque o nosso povo, simplista como é, desde o momento em que incida qualquer imposto, e êste é um imposto novo, sôbre a sua propriedade, a verdade é que êle se queixará imediatamente do Govêrno, ou seja da República.
A mim parece-me, nestas condições, que era de bom senso suspender esta lei até que a sua revisão seja feita dentro dos moldes moralizadores, do modo que a justiça entre nós seja acessível a todos e não apenas aos ricos. A verdade é que em Portugal quem fôr pobre não pode pleitear. Eu estou certo, que a manter só esta tabela os advogados terão do procurar outro ofício, com o que decerto não perdem muito. Eu tenho alguns exemplos Citarei apenas um caso que muito me impressionou. Trata-se de uma viúva que é da minha aldeia, viúva há 3 ou 4 meses.
O marido à custa de muito esfôrço o trabalho conseguira fazer uma casa onde albergar algumas pessoas. Essa casa tem apenas um pequeno telhal.
Foi avaliada em 500$. Pois bem, sabem V. Exas. quanto pagou de imposto judicial? 83$!
E quanto pagaram aos advogados?
Êste imposto corresponde exactamente a 16 por cento. Não é possível manter-se uma tal tabela. Permita-me V. Exa. que eu frise esta circunstância: nesta tabela pelo parágrafo 18 do artigo 48.° altera-se o Código Penal.
Quer dizer, o juiz não fica mais habilitado a substituir a pena de cadeia por multa, quando o desgraçado fôr indigente. Nem admite a hipótese de alguma alma caritativa fazer qualquer donativo ao desgraçado a fim de o livrar da cadeia. Emfim, há mais coisas que eu tenho aqui apontadas mas que não cito para não fatigar a Câmara.
Nestas circunstâncias, mando para a Mesa uma proposta de substituição da referida tabela.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e admitida.
O Sr. António Granjo: - Sr. Presidente: quando fui Ministro da Justiça, entendi que fazia uma obra republicana protegendo os pobres contra as garras da justiça e, nestas circunstâncias, isentei de custas os inventários orfanológicos até a quantia de 120$, quando pelo Código do Processo Civil eram apenas isentos até a quantia de 60$, e determinei que pagassem apenas metade das custas aqueles que não fossem além de 500$. Esta obra era exigida pela mais elementar moralidade, porque, sobretudo na província e especialmente no norte, onde a propriedade está muito subdividida, a maior parte dos inventários orfanológicos são até a quantia de 500$.
Conhecendo de perto, porque na província exerci a minha profissão durante dez ou onze anos, os abusos a que dava lugar o exercício da justiça em relação àqueles inventários de pouco valor, entendi ser meu dever acabar com essa especulação. Apesar, porém, das pequenas alterações feitas na lei, elas suscitaram, por parte de juízos, delegados do Ministério Público, escrivães e oficiais de deligências, representações sucessivas e até protestos que vieram publicados nos jornais, dizendo-se que eu tinha praticado um acto ditatorial para reduzir à miséria os funcionários de justiça, especialmente nas pequenas comarcas. Mas, Sr. Presidente, emquanto eu recebia os protestos, até um pouco indignados, da justiça das várias comarcas, e não podia dar um passo fora de Lisboa sem que em todas as estações e em todas as terras por onde passasse me aparecessem todas essas reclamações contra o acto que tinha praticado, protegendo a pobreza do arbítrio, muitas vezes, e sempre da gula da justiça dessas pequenas comarcas, recebia ao mesmo tempo no meu gabinete cartas e cartas de viúvas e de órfãos que pelo país fora eram expoliados e pediam a minha interferência para pôr termo a um tal estado do cousas.
Eu entendi que praticava uma obra de justiça em relação às povoações da província.
Eu fiz a revisão das tabelas de emolumentos judiciais com o fim de beneficiar aqueles povos. Para isso foi nomeada uma comissão de que ora presidente o Sr. Caetano Gonçalves, nome muito conhecido nesta Câmara, pois fez parte das Constituintes, o muito conhecido pelas suas altas qualidades de magistrado judicial.
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O Sr. Dias da Silva: - Quem tem 510$00 já é rico.
O Orador: - Pode pagar mais do que aquele que tem 120$00
Dessa comissão faziam parte o representante do Ministério Público, um ajudante do Procurador da República, dois oficiais de justiça e um contador. Essa comissão reunia os elementos indispensáveis para a elaboração da tabela.
Sr. Presidente: confesso que me suscitou um reparo em relação à percentagem das tabelas dos contadores. Os contadores contavam duas e três contas, isto é, contavam o dôbro e o triplo.
Eu fiz uma tabela por palpite.
Averiguei agora pelos protestos que me chegam que êsse cálculo foi errado, e os contadores percebem mais do que é legítimo. (Apoiados).
Sr. Presidente: o actual Ministro pode modificar as percentagens de acordo com os elementos da própria tabela.
Se o Sr. Ministro trouxer a esta Câmara devidamente instruída uma proposta sôbre as percentagens eu aprovo-a. (Apoiados).
A tabela tem de ser organizada com critério e cuidado. Eu nunca fiz nada que não julgasse sujeito às correcções devidas. Eu sou sempre o primeiro a reconhecer o êrro.
O ilustre Deputado Sr. Paiva Gomes fez referência ao § 8.° dizendo até que eu tinha modificado o Código Penal.
É uma disposição relativa a selos e custas.
Em Lisboa, Pôrto, Coimbra, Braga e Setúbal há tribunais especializados em relação ao crime, não se pode substituir a multa por prisão e os crimes em que era aplicado o processo correccional ficavam impunes, e êsses crimes eram praticados e são, no Pôrto e Lisboa, por tal forma, que constituem uma verdadeira endemia criminal.
Os tribunais estão atulhados de processos criminais relativos a réus que não podem pagar as multas, e V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que sobretudo no primeiro julgamento os juizes devem aplicar apenas a pena de multa, a não ser em casos excepcionais. Mas há ainda a benevolência dos nossos costumes que atinge tambêm os juizes, desgraçadamente levados a aplicar simplesmente a condenação de multa, mesmo quando são julgados reincidentes. Daí aconteceu virem ao Ministério da Justiça, antes mesmo de eu ser Ministro, várias reclamações, sobretudo nas duas cidades do Pôrto e de Lisboa, para que se adoptasse uma providência que fôsse mais eficaz na repressão do crime, pois a repressão é de certo modo um acto preventivo do crime e é por isso que está estabelecido que a pena de prisão não pode ser substituída por multa. E um preceito elementar. A criminalidade de Lisboa e Pôrto aumentou considerávelmente, tornando-se necessário dar-lhe um remédio eficaz.
Lembre-se V. Exa., Sr. Presidente, que na turba de modificações eu tive de modificar a legislação actual em relação aos vadios que, em vez de serem julgados na Boa-Hora, passaram a ser feitos os julgamentos no Govêrno Civil.
Ao abrigo dessa modificação foram já para a África, devidamente julgados e não deportados sem forma de processo, podendo por isso apresentar no acto do julgamento a sua defesa, foram para a África, como digo, 87 vadios.
O Sr. Brito Camacho (aparte): - Não se deu por isso!...
O Orador: - Pouco importa. Em todo o caso, se a lei continuar em execução, Lisboa será limpa dessa vadiagem, dessa vagabundagem...
O Sr. Augusto Dias da Silva (àparte): - A culpa é do Govêrno, somente.
O Orador (continuando): - ... que é o germe de toda a espécie de criminosos. E essa obra contida em duas linhas seria mais salutar que qualquer lei, com muitos artigos e títulos, que eu pudesse publicar pela minha pasta, relativamente a êste assunto.
Esta disposição está nessa corrente do ideas e estou convencido de que ela reprimirá, com mais êxito e eficácia, a criminalidade, do que muitos artigos do Código Penal, com as penas mais elevadas que se possam imaginar.
Devia estas explicações à Câmara e assim parece-me que o Sr. Paiva Gomes será o primeiro a retirar a sua proposta,
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e a apressar-se a trazer uma proposta de lei, modificando imediatamente as percentagens dadas aos contadores.
O orador não reviu.
O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: começo por prestar as minhas homenagens ao Sr. António Granjo, a quem de há muito, e justamente, considero pelos seus dotes de inteligência.
De maneira alguma ponho em dúvida os intuitos de S. Exa. Em assuntos da natureza dêste que se discuto, talvez mais a um leigo do que a um técnico, avulte a circunstância de, em matéria tam complexa, ver fácil e envolver nas dobras das disposições da lei, tantos e tantos são os respectivos detalhes, preceitos tais que agravem fundamente a questão. Assim fui levado a crer e não tenho ainda razões para pensar o contrário, que não satisfaz inteiramente, o que se dá relativamente às percentagens que os contadores percebem.
Alguns magistrados têm-me escrito sôbre o assunto, dizendo que a tabela tal como está não é do molde a prestigiar a República.
E, note a Câmara, que êsses magistrados foram, como êles propriamente dizem, beneficiados pela tabela.
O Sr. António Granjo salientou a situação em que se encontram os contadores à face da tabela.
Visto S. Exa. se referir a êstes funcionários, eu acrescentarei que a respeito deles há cousas verdadeiramente assombrosas. Os Srs. contadores fazem incidir a sua percentagem de emolumentos, que é variável, entre 22 a 30 por cento, sôbre toda a conta, e, não contentes ainda com isso, permitem-se fazer recair tambêm essas percentagens sôbre papel selado e selos.
São funcionários de excepção. Para ver que o são, bastará dizer que no artigo 84.° do decreto já citado, estabelecem-se limites para todos os funcionários de justiça, relativamente a inventários orfanológicos, menos para os contadores. E, Sr. Presidente, além de tudo isto, êstes ainda recebem-artigo 100.° - uma percentagem sôbre o valor das acções cíveis e comerciais.
Acerca da desvalorização da moeda estabelece-se o seguinte:
"Os emolumentos - e custas são pagos na moeda corrente da localidade onde se efectua o pagamento..."
Como se sabe nas comarcas das ilhas adjacentes a moeda está desfalcada, e apesar disso os emolumentos e custas são pagos na moeda corrente.
Sei dum magistrado que foi castigado por estabelecer o diferencial entre o valor da moeda corrente nas ilhas e o valor da moeda corrente no continente.
Agora, porém, essa questão ficou bem acautelada, pois os emolumentos e custas são recebidos em moeda forte.
E no artigo 113.° dá-se retroactividade a esta disposição, de modo que, quem estava no segredo dos deuses ou quem tinha lâmpada acesa em Meca, sabedor do que ia acontecer, paralizou o andamento da contagem dos processos. Decretada uma vez a tabela, sucedeu que contadores dalgumas comarcas tiraram emolumentos diários de 100$ durante um mês seguido.
Em Lisboa os contadores recebem, uma importância nunca inferior a 12 contos.
O contador da minha comarca, que é de 3.ª classe, Moimenta da Beira, percebia, em média, 800$. Pois agora a previsão é de 5 contos. Estabeleçam S. Exas. a proporção e digam-me se exagero ao afirmar que em Lisboa os contadores recebem 12 contos.
Entendo que é altamente imoral que o contador tenha - permita-se-me o termo - o seu feitor, ao qual dá uma percentagem, por via de regra, mínima, permitindo-se aquele substituir-se para não estar em contacto com o público.
Em casos desta natureza, em que o funcionário, ou por tolerância dos nossos costumes, ou por disposição de lei, pode realmente substituir-se, e não só à face das leis, mas ainda por um substituto legal, dizia eu que não é honesto, nem correcto, nem moral, que o Estado garanta a êsse funcionário, que tem alguêm por sua conta a trabalhar, - é o termo - uma renda como se êle fôsse um grande proprietário, - e por isso eu lhe chamei feitor!
Sr. Presidente: eu aplaudi a medida do Sr. António Granjo, que isentou os inventários orfanológicos até 500$ de qualquer contribuição.
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Eu estava na minha aldeia e porque me dava ao luxo de assinar o Diário do Govêrno tive ocasião de ver essa disposição, que achei altamente vantajosa, e a acção de S. Exa. foi louvada em todos os pontos do país, é certo. Mas se isso é assim, o exemplo que S. Exa. me traz do inventário até 500$, para o qual estabeleceu que as custas sejam 50 por cento inferiores,, não serve, por isso que eu verifico, à face dos factos, que, na prática, isso se não dá. O inventário que eu conheço é, como disse, duma viúva cuja propriedade foi computada em 500$, e êsse casebre, que vale hoje 500$ na minha aldeia, há. seis anos valia 100$. E, pois, um valor artificial êsse resultante até da desvalorização da nossa moeda. Efectivamente, V. Exa. sabe que pela província fora o dinheiro não se conta hoje por notas de 10$, como outrora, é por notas de 100$.
Os lavradores da minha região, quando vão aos mercados, levam as carteiras cheias de notas de 100$ e, como não encontram melhor aplicação pára o seu dinheiro, êles empregam-no na compra de propriedades.
Mas outros factores há que contribuem para isso, como, por exemplo, o receio duma bancarrota.
Por toda a parte o público, que tem sempre o instinto de prevenir os acontecimentos, e que vê tanto e tanto dinheiro, desconfia da fartura. E quando o Govêrno mandou arrecadar a prata ainda mais aumentou essa desconfiança. Muita prata, toda via, ficou arrecadada, na arca, mas as notas de banco, e que mal guardadas corriam o risco de apodrecerem ou serem roídas pelos ratos, essas começaram a circular, e todas as vezes que na província aparece uma casa, ou mesmo um casebre qualquer, é logo comprado.
Note V. Exa. que êstes 500$ equivaliam, antigamente a 100$.
Esta pobre viúva a que me refiro, para pagar as custas do inventário, teve de desembolsar 83$.
O caso passou-se, como já disse, na minha aldeia.
Isto fere os nossos sentimentos mais nobres e coloca-nos numa situação desagradável.
Quando eu amanhã regressar à minha aldeia é a mim que hão-de pedir contas pelas injustiças que se praticam, visto ser o Deputado da região.
Desejava, pois, que a revisão se fizesse sem demora, sentindo bastante discordar em alguns pontos da opinião do Sr. António Granjo.
Trata-se duma questão de detalhe e da maior importância.
Referindo-me ao nosso sistema penal, devo declarar que seria preferível que mandássemos os presos para colónias penais em vez de os enviarmos para a África.
Para a África só devíamos mandar bons elementos de ordem moral e de ordem técnica.
Desejaria muito retirar a minha proposta, mas sinto não o poder fazer.
Tenho o maior respeito e consideração pela classe dos magistrados. Como a Câmara sabe, a política assenta sôbre uma base moral. Infelizmente, há magistrados políticos.
O que eu queria era que os magistrados do meu país não fossem políticos pela razão de serem um poder do Estado. Nunca me utilizei dos magistrados para a política. Sei que a magistratura do meu país está miseravelmente paga, mas não é à custa do contribuinte, não é pela forma dos 5 por cento de aumento nas contribuições, feito pelo Ministério das Finanças, que se deve pagar à magistratura.
Nada mais nefasto do que fazer-se uma obra parcelada em matéria tributária. Nada mais nefasto. O exemplo é de tal natureza que noutro dia os funcionários do Ministério das Colónias, pensaram, e porque não? em fazer esta cousa singular: pedir-se ao Ministério das Finanças que lançasse sôbre as colónias 5 por cento a fim de com essa importância se aumentar, os vencimentos do respectivo funcionalismo.
Ora V. Exa., quando quiser recorrer à matéria tributária...
Uma voz: - Encontra a obra feita.
O Orador: - Encontra a obra feita mas debaixo do ponto de vista parasitário e imoral. Emfim a causa está entregue à Câmara, ela que decida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Pereira Bastos: - Por parte da comissão de guerra mando para a Mesa um parecer.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta, dispensando-me de fazer sôbre ela quaisquer considerações porque julgo a Câmara suficientemente elucidada.
O orador não reviu.
Foi admitida a proposta.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - Sr. Presidente: não esperava que entrasse em discussão o assunto do que a Câmara se está ocupando.
Realmente tenho recebido muitas reclamações sôbre a tabela judicial em vigor. Essas reclamações são justíssimas e é absolutamente necessário que a tabela se altere quanto antes mormente porque há funcionários que têm salários demasiados. Além dêste inconveniente, existem outros que agora não posso expor em detalhe e que aconselham a revisão total dessa tabela.
É verdade contudo que a moção do Sr. Paiva Gomes, indubitavelmente escrita na melhor das intenções, quando aprovada pela Câmara deixará durante alguns meses tudo no estado em que se encontra.
Entendo que um trabalho de revisão para produzir qualquer cousa do bom levará dias, ré quer e determinadas consultas que não se fazem durante horas, e é preciso contar com certas dificuldades que hão de surgir ao reduzirmos os emolumentos de muitos funcionários judiciais, como sucede sempre que se trata de reduzir ordenados de funcionários públicos que com a actividade bem conhecida desta Câmara defendem o que reputam seus incontestáveis direitos. Mal foi conceder-lhes tam avultados e injustificáveis proventos, difícil será reduzir-lhes!
Não posso elaborar em oito ou dez dias um trabalho sério de revisão e, o que é pior, a Câmara, segundo me parece, já não tem tempo de votar os projectos pendentes quanto mais para apreciar detalhadamente a reclamada proposta de lei.
Ao fazer a revisão da tabela temos ainda a considerar que, pela tabela anterior os magistrados judiciais tinham unicamente direito a metade dos emolumentos contados pela tabela vigente e têm direito a todos os emolumentos!...
Criou-se uma nova situação, agravando-se a anterior quando os emolumentos devem acabar para os magistrados a fim de dar-lhes independência, libertando-os de suspeitas e tornando inacreditável a acusação que tantas vezes lhes é feita de que os termos do processo se multiplicam conforme a ganância dos juizes.
A questão da tabela, escreveu o ilustre magistrado Oliveira Guimarães, importa à honra dos juízos e à honra dos tribunais a que presidem, o eu acrescento que esta questão moral só ficará perfeitamente liquidada no dia em que todos os emolumentos passarem para o Estado, aumentando-se consequentemente e sem prejuízo para a Fazenda os vencimentos dos funcionários judiciais. Sem os emolumentos, nunca mais os funcionários olharão para as mãos do público e consequentemente aumentará o prestígio dos órgãos do Poder Judicial.
Tenciono proceder à revisão da tabela, o que considero uma questão de honra, mas êsse trabalho não posso nem devo realizá-lo em poucas horas.
Em resumo, entendo sensato, equitativo o prático em face da moção apresentada, que os funcionários judiciais fiquem sujeitos à tabela antiga, com as subvenções, conforme a lei em vigor, e dentro em breve, e logo que possível seja, pois esta obra não pode fazer-se a prazo certo, o Ministro da Justiça trará ao Parlamento uma proposta, com uma tabela completa, uma obra de conjunto, como é mester que se faça. E o mais sensato.
Devo salientar que pela minha parte não precisava de convite, porquanto já pensava em organizar uma nova tabela judiciária. Fique, por conseguinte, certa a Câmara de que procurarei corresponder ao convite do Sr. Eduardo de Sousa.
Os funcionários judiciais terão de esperar algum tempo, eu trarei em breve à Câmara a proposta e só do Congresso dependerá que com brevidade se converta em lei; mas o público não pode nem deve mais tempo ficar sujeito a uma tabela que tem levantado gerais protestos e cujos defeitos o meu ilustre antecesssor reconhece.
Nada tenho a opor à moção do Sr. Eduardo de Sousa só traduzir o desejo
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da Câmara, mas prudente e oportuno é aplicar o que está na proposta apresentada pelo Sr. Paiva Gomes.
Repito. Porque conheço as dificuldades e importância do assunto, não posso em oito dias trazer à Câmara uma tabela que satisfaça.
Eu estou absolutamente convencido de que até a próxima sessão legislativa poderei elaborar um projecto consciencioso e razoável, e daqui até lá, ficando suspensa a tabela como propõe o Sr. Paiva Cromes, fica tranquila a opinião pública.
Tenho dito.
O Sr. Álvaro de Castro: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa um novo aditamento dum artigo, para prevenir a hipótese dos funcionários que novamente regressem ao serviço, só para o efeito de melhorar a sua pensão de reforma.
O Sr. António Granjo: - A discussão alarga-se mais do que se podia imaginar.
O Sr. Ministro da Justiça é de opinião que se devia aceitar a tabela futura, e referia-se especialmente ao facto dos juizes perceberem emolumentos, e isso ser um pouco prejudicial à dignidade das suas funções judiciais.
Eu devo dizer a V. Exa. o seguinte: num dos primeiros dias em que eu fui ao meu Ministério, pensei em estabelecer ordenados fixos aos juizes, e acabar inteiramente com os emolumentos não apenas aos juizes mas aos próprios magistrados do Ministério público. E não aos escrivães nem aos oficiais de justiça, porque sabia perfeitamente que se estabelecesse ordenados fixos aos oficiais de justiça, isso daria como resultado o protelamento das discussões.
Quando eu fui Ministro e pensei fazer isto, quis-se logo que eu criasse outros tribunais.
Não queriam apenas mais um tribunal.
Queriam mais dois tribunais criminais em Lisboa, um no Pôrto, etc. O que êles queriam era que se criasse muitos mais tribunais.
Claro, vi logo que tal não podia ser.
O meu desejo de estabelecer vencimentos fixos para os magistrados judiciais era, aliás, o desejo de toda a gente.
Não tem passado um Ministro pelo Ministério da Justiça que não tenha êsse pensamento, que não sinta essa necessidade. Isto acontece desde há muitos anos. Mas, tropeçou-se sempre, e tropeça-se em que a fixação dêsses vencimentos traz aumento de despesa inteiramente imcomportável com as fôrças do tesouro público.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça:) - V. Exa. dá-me licença? Se o aumento de vencimento aos magistrados do Ministério da Justiça se tirar de todos os emolumentos, isso trará um grande aumento do despesa.
Em todo o caso V. Exa. vê que, dando-se metade dêsses emolumentos aos juizes, metade da despesa está feita.
O que se tem dado até agora, é que nenhum, resultado traz para o Orçamento.
... Por tanto, em que está o enorme aumento?
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Ministro da Justiça (Lopes Cardoso).
O Orador: - Mas pouco mais tenho a dizer. Àparte estas considerações, devo observar que estranho bastante que a revisão duma tabela desta natureza exija um trabalho formidável, quer a uma comissão, quer. a um Ministro que, como o Sr. Lopes Cardoso, tem um profundo conhecimento da matéria, quer pela profissão que exerce, quere pela sua longa prática de advogado.
Se, porém, S. Exa. se não sentir com a competência para em, poucos dias, fazer a revisão duma tabela que está em execução e a respeito da qual a própria execução mostra os seus defeitos, se S. Exa. se julgar com deficiência de elementos de informação, poderá uma comissão resolver ràpidamente o assunto.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - V. Exa. ou qualquer outro Sr. Deputado poderá ter essa iniciativa. Eu é que a não tenho, por isso que não posso fazer tal trabalho em tam pouco tempo.
O Orador: - Não posso compreender tal impossibilidade; entendo que se torna urgente essa revisão, tanto mais que, como há pouco disse, recebi inúmeras reclamações de quási todas as comarcas, especialmente das pequenas, reclamações
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que me parecem justificadas, por isso que conheço comarcas do norte do país em que nove décimos dos inventários são inferiores a 500$ e, assim, os respectivos funcionários têm de viver apenas dos inventários superiores a esta importância, não bastando de modo algum a subvenção para ocorrerem às suas mais instantes despesas.
A Câmara, pois, que reflita sôbre estas ligeiras considerações para que não tome uma resolução precipitada, visto que há tempo, o mais do que tempo, para antes de se encerrar o Parlamento só modificar a tabela nos pontos em que precisa ser alterada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã às 14 horas com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 0,15 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Baltasar Teixeira, estatuindo que quando, pelo Ministério da Instrução Pública, seja convertida em oficial qualquer escola primária que tenha sido criada ou sustentada por corporações administrativas e centros republicanos, possam ser nomeados professores efectivos da mesma escola e em determinadas condições os diplomados por qualquer escola normal primária.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. João Luís Ricardo autorizando o Laboratório de Patologia Veterinária a negociar um empréstimo de 50.000$ para construção dum pavilhão para trabalhos da peste suína, e outras determinadas obras.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo Sr. Deputado, determinando que a Escola Industrial de Madeira Pinto, de Angra do Heroísmo passe a constituir uma escola industrial dependente do Ministério do Comércio e Comunicações.
Para o "Diário do Govêrno".
Dos Srs. Francisco José Pereira, José António da Costa Júnior, Maldonado Freitas, Júlio Augusto da Cruz e José Monteiro, suspendendo a aplicação do decreto n.° 5:580, de 10 de Maio último.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Evaristo de Carvalho, passando para o cargo do Estado os lanços da estrada de Soure a Ancião.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de administração pública.
Projecto de lei do Sr. Pais Rovisco e mais dezoito Srs. Deputados, reintegrando no exército com a patente que lhe pertenceria, e todos os direitos, o cidadão Francisco Manuel Homem Cristo.
Para o "Diário do Govêrno".
Pareceres
Parecer da comissão do administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 28-F, do Sr. Jorge de Vasconcelos Nunos, que classifica as zonas do turismo e permite o jôgo.
Para a comissão de legislação criminal.
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o projecto de lei n.° 80-B dos Srs. Jaime de Sousa, Augusto Rebelo Arruda e Hermano de Medeiros, prorrogando, por mais vinte anos, o prazo fixado na condição primeira da lei de 15 de Julho de 1903, para a exploração e fabrico do açúcar concedida às fábricas açoreanas de destilação de álcool.
Para a comissão de finanças.
Parecer da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 13-I, do Sr. Velhinho Correia, criando uma escola elementar de comércio e indústria em Lisboa.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de trabalho, sôbre a proposta de lei n.° 111-C, do Sr. Ministro do Trabalho, fixando o número de sub-inspectores do quadro do pessoal da Inspecção do Trabalho e criando na 7.ª Circunscrição Industrial o lugar de sub-inspector do trabalho.
Para a comissão de finanças.
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Parecer da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 136-B, do Sr. Vitorino Guimarães, passando para o Estado as estradas municipais de Formigosa e de Avidagos, no concelho de Mirandela.
Para a comissão de obras públicas e minas.
Da mesma comissão, sôbre a proposta de lei n.° 74-J, do Sr. Ministro da Instrução Pública, mandando estudar, coligir, classificar e catalogar todo os documentos existentes nos arquivos dos diferentes Ministérios.
Para a comissão de instrução superior.
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 28-D, dos Srs. Jaime de Sousa, Arruda e Hermano de Medeiros, aumentando com 100.000$ a dotação da Junta Geral do distrito de Ponta Delgada.
A imprimir.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 101-Jil, dos Srs. Velhinho Correia, Águas e Aboim Inglês, passando para o Estado várias estradas municipais no Algarve.
Para a comissão de obras públicas e minas.
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o projecto de lei n.° 106-D, do Sr. Augusto Rebelo Arruda, determinando que as agências seguradoras de móveis e imóveis contribuam para as despesas gerais de incêndios a cargo da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Imprima-se com urgência.
Da mesma comissão, sôbre o projecto do lei n.° 76-B, dos Srs. Augusto Arruda, Jaime de Sousa e Hermano de Medeiros fixando as taxas de imposto que, pelo artigo 25.° da lei n.° 621, de 23 de Junho ,de 1916, podem recair sôbre a exportação de chá, chicória, cera, fibra de esparto e o açúcar.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 111-B, do Sr. Baltasar Teixeira, autorizando a aquisição de toda a farinha de trigo, de primeira qualidade, pertencente aos celeiros municipais do distrito de Portalegre.
A imprimir, com urgência.
Da comissão de guerra, sôbre o projecto de lei n.° 16-H, do Sr. Ministro da Guerra, regulando a situação dos oficiais milicianos.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
Requeiro que, pela Secretaria do Congresso me seja fornecida, o mais urgentemente possível, nota de todos os Srs. Congressistas que recebem ordenado pela tesouraria do Congresso e ainda, pela contabilidade de todos os Ministérios, nota dos lugares que na burocracia ocupam e respectivos vencimentos de cada um dos restantes Srs. Congressistas. - Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida com a maior urgência, nota de todos os militares que se encontram em comissões no estrangeiro, respectivas patentes e lugares que ocupam e ainda nota de todos os seus ordenados. - Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Espeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Marinha, me seja fornecida nota de todos os Srs. oficiais que se encontram em comissão no estrangeiro, respectivas patentes, lugares que ocupam e ainda nota de todos os seus ordenados.-Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja fornecida, com a maior urgência, nota das receitas e despesas das províncias de Angola e Moçambique desde 1903. - Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério do Interior me seja fornecida, com a maior ur-
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gência, nota das importâncias cobradas aos diferentes clubes de Lisboa, pela polícia, desde 1913 e qual o seu destino. Esta nota deve ser especificada por meses e por cada clube.-Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Espeça-se.
Requeiro que me seja fornecida, o mais urgentemente possível pelo Ministério das Finanças, nota do movimento da Agência Financial do Rio de Janeiro desde Janeiro próximo passado. - Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças me seja fornecida, com a maior urgência, nota, descriminando os nomes e anos, dos proventos recebidos pelos membros do Conselho de Administração e Conselho Fiscal da Caixa Geral dos Depósitos desde 1913.
Requeiro mais e pelo mesmo Ministério, nota dos vencimentos, qualquer que tenha sido a origem, de cada um dos membros da Junta de Crédito Público desde 1913. - Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que seja fornecida, o mais urgentemente possível, nota dos vencimentos, por meses, recebidos por cada um dos Exmos. Directores Gerais dos diferentes Ministérios desde 1915, especificando a proveniência dêsses vencimentos. - Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Expeça-se.
O REDACTOR - Herculano Nunes.