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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 55
EM 2, 3, 4 E 5 DE SETEMBRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar da Almeida Teixeira
José Maria de Campos Melo
PRIMEIRA PARTE
Sumário. - Respondem à chamada 28 Srs. Deputados. É lida a acta, que se põe em discussão. Procede-se a segunda chamada, a que respondem 51 Srs. Deputados. É aprovada a acta sem discussão. - Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. - Os Srs. Abílio Marçal e Eduardo de Sousa mandam pareceres para a Mesa. - É aprovado, com dispensa da última redacção, o projecto de lei autorizando a concessão do bronze necessário para, o monumento a erigir ao falecido jornalista França Borges. - Foram aprovadas as alterações do Senado ao projecto de lei que autoriza a Câmara Municipal de Portimão a utilizar determinadas receitas em melhoramentos de que a vila necessite. - Foram aprovados diversos pareceres de ultima redacção. - E rejeitado o "negócio urgente", proposto pelo Sr. Tavares de Carvalho, para tratar da transformação do largo do Rossio. - Em "negócio urgente", o Sr. Nuno Simões ocupa-se da epidemia, que nos termos da noticia telegráfica, dum jornal grassa em Santa Marta de Penaguião. Responde o Sr. Ministro do Trabalho (José Domingues dos Santos). - O Sr. Ladislau Batalha, que ficara com a palavra reservada, continua a sua interpelação sôbre a crise da carestia da vida. Fica ainda com a palavra reservada.
Ordem do dia - Trocam-se explicações entre o Sr. Deputado Manuel José da Silva (Deputado por Oliveira de Azeméis) e o Sr. Presidente sôbre a forma da votação do artigo 1.° do parecer n.°86 - reorganização do Instituto Superior Técnico de Lisboa. Como a discussão ficara encerrada na sessão anterior, faz-se a votação dos artigos do projecto de lei, sendo aprovado. - A requerimento do Sr. Nunes Loureiro entra em discussão o parecer n.° 83 - eliminando o § único do artigo 29.° do decreto com fôrça de lei n.° 5:029, referente ao pessoal, administrativo e menor das escolas industriais. É aprovado, depois de algumas observações do Sr. Brito Camacho. - A requerimento do Sr. Sá Pereira entra em discussão o parecer n.° 43 - referente à reintegração dos Srs. Fortunato da Fonseca e João Damas como vogais da Junta do Crédito Público. É aprovado com dispensa da última redacção. - Entra em discussão o parecer n.º 28 - extinção do Ministério dos Abastecimentos. Dispensada a leitura, a requerimento do Sr. Abílio Marçal, fala sôbre, a generalidade o Sr. Orlando Marçal, que se manifesta contrário à extinção, devendo proceder-se à sua remodelação, terminando por apresentar uma proposta de inquérito, que é admitida.
O Sr. Presidente faz substituição em comissões parlamentares.
O Sr. António Fonseca requero que se prorrogue a sessão. - Trocam-se explicações entre o Sr. Presidente e o Sr. Costa Júnior sôbre o alcance dessa prorrogação. Sôbre o modo de votar una da palavra, o Sr. Brito Camacho. O requerimento é aprovado, havendo contraprova, procedendo-se á chamada, e determinando-se o sentido em que a prorrogação se votou. - Depois de várias explicações entre os Srs. Previdente, António Fonseca e Ladislau Batalha, o Sr. Presidente diz que ao reabrir a sessão, na tarde do dia 3, dará a palavra ao Sr. Batalha. - Em resposta ao Sr. Plínio e Silva, o Sr. Presidente explica que nos termos da aprovação do requerimento do Sr. António Fonseca, a sessão que segue prorrogada e pelos dias que durar não terá as partes que se denominam "antes da ordem do dia" e "antes de se encerrar a sessão". O Sr. Plínio e Silva protesta.
Continuando a discussão do parecer n.° 28, o Sr. Nuno Simões apresenta e justifica uma moção de ordem, que è admitida, seguindo-se no uso da palavra sôbre a matéria os Srs. Costa Júnior e Dias da Silva. - É admitida uma moção do Sr. Arruda.
O Sr. Presidente interrompe a sessão às 19 horas e 3 minutos, para continuar às 21 horas e meia.
Reabre a sessão às 22 horas e 10 minutos, continuando a discussão da generalidade do parecer n.° 28.
Usa da palavra o Sr. Jorge Nunes, que apresenta e justifica diversas propostas de emenda, que são admitidas. O Sr. João Camoesas fala sôbre a
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matéria. O Sr. Dias da Silva justifica uma moção de ordem. Seguem-se no uso da palavra sôbre a matéria os Sr s. Afonso de Macedo e Aboim Inglês. O Presidente, a 0,25 declara interrompida a sessão, para reabrir às lá horas.
Documentos mandados para a Mesa durante os trabalhos desta primeira parte da sessão n.° 55. - Ultimas redacções. - Projecto de lei. - Pareceres. - Requerimentos.
SEGUNDA PARTE
Com a presença de 46 Srs. Deputados é reaberta a sessão. - O Sr. Eduardo de Sousa troca explicações com a Mesa sôbre documentos que pediu pelo Ministério das Estrangeiros.
O Sr. Ladislau Batalha conclue a sua interpretação acerva da carestia da vida, mandando para a Mesa "umas bases gerais para a elaboração das leis e adopção de medidas destinadas á atenuação imediata da carestia da vida" - bases que foram mandadas à comissão de administração pública. Responde o Sr Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente faz substituições em comissões parlamentares.
São aprovados pareceres da última redacção.
É rejeitado o requerimento do Sr. Granjo, para um "negócio urgente" tratar de acontecimento a policiais na cidade do Pôrto e da solução dada à greve ferroviária.
Ordem do dia. - Continua a discutir-se o parecer n.° 28 extinção do Ministério dos Abastecimentos. Usam da palavra os Srs. Alves Santos, Vergílio Costa Manuel José da Silva, (Deputado pelo Pôrto), e Abílio Marçal, que propõe a nomeação duma comissão de inquérito.
A sessão é interrompida às 19 horas, para continuar às 21 horas e 30 minutos, reabrindo às 22 e 15 minutos.
O Sr. Nóbrega Quintal pregunta se está sôbre a Mesa o parecer referente, aos oficiais Piçarra e Oliveira. Responde, o Sr. Presidente que, sendo questão de expediente, indagará oportunamente. - O. Sr. Eduardo de Sousa faz um requerimento referente á segurança, por possibilidade de sinistro, do Ministério dos Abastecimentos. Depois de usarem da palavra o Sr. António Fonseca e Brito Camacho, o requerimento não segue, nem mesmo como proposta, mas o Sr. Eduardo de Sousa, usando da palavra nobre a ordem, transforma o seu requerimento em moção, que é admitida. Responde a Sr. Presidente do Ministério que, apesar de não julgar provável o sinistro, tomará, aã devidas precauções. É indeferido um pedido de "negócio urgente", feito pelo Sr. Sousa Varela, e usam em seguida da palavra sôbre a matéria os Srs. Brito Camacho, Orlando Marçal e Jorge Nunes, que não conclui o seu discurso.
Interrompeu-se a sessão a 0,13 minutos, devendo continuar às 14 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Alterações em comissões parlamentares, - Projecta e propostas de lei. - Pareceres.
TERCEIRA PARTE
Sessão diurna. - Prossegue o debate sôbre a proposta de extinção do Ministério dos Abastecimentos, versando-se, ao mesmo tempo, a questão do fomento agrícola e do aproveitamento das riquezas naturais. Usa da palavra o Sr. Jorge Nunes.
O Sr. Sousa Varela pede a palavra para um negócio urgente: a alteração da ordem em Santarém. A Câmara não reconhece a urgência. O Sr. Plinio Silva pede a palavra para um negócio urgente: a alteração da ordem em Elvas. A Câmara igualmente nega a urgência.
O Sr. Domingos Cruz, em negócio urgente, propõe que se proceda à revisão do Regimento da Câmara e justifica a sua proposta, que entra em discussão, usando da palavra o Sr. Brito Camacho. A proposta é aprovada.
Continua o debate nobre a extinção do Ministério dos Abastecimentos, falando os Srs. Ministro da Agricultura (Lima Alves), Joaquim Brandão e Afonso de Macedo.
O Sr. Alberto Xavier manda para a Mesa o parecer sôbre as emendas introduzidas pelo Senado no projecto relativo a revisão constitucional e requere que entre em discussão em determinada altura. Sôbre o modo de votar usam da, palavra os Srs. Costa Júnior, Carlos Olavo, Sá Pereira, Aníbal Lúcio de Azevedo, Brito Camacho, Alberto Xavier e Abílio Marçal. É aprovado o requerimento do Sr. Alberto Xavier.
Prossegue a discussão sôbre a proposta de extinção do Ministério dos Abastecimentos, usando da palavra o Sr. Aboim Inglês. O Sr. Presidente interrompe a sessão que reabrirá à noite.
Sessão nocturna. - Continua a discussão de propostas de lei que extingue o Ministério dos Abastecimentos, tendo a palavra o Sr. Pais Rovisco. Levanta-se o incidente em que, intervêm, além Sr. Deputado, o Sr. Ministro da Agricultura (Lima Alves), e, depois de ter usado da palavra sôbre a proposta o Sr. João Gonçalves, a quem respondeu o Sr. Presidente do ministério, os Srs. Ministro das Finanças (Rêgo Chaves), Presidente do Ministério, Jorge Nunes e Álvaro de Castro.
O Sr. Alves dos Santos protesta contra uma informação jornalística, afirmando ser inexacta.
Prossegue a discursar sôbre o incidente originado no discurso do Sr. Pais Rovisco. Usam da palavra os Srs. Abílio Marçal, Ministro das Finanças, Pais Rovisco, Ministro da Justiça (Lopes Cardoso, e, finalmente, mais uma vez, o Sr. Pais Rovisco.
O Sr. Presidente suspende a sessão.
QUARTA PARTE
Reaberta a sessão, o Sr. Presidente declara que estão presentes 31 Srs. Deputados.
Continua em discussão a proposta de lei extinguindo o Ministério dos Abastecimentos. Usa da palavra o Sr. Ladislau Batalha, que entende que a questão não está ainda, suficientemente esclarecida. Termina mandando para a Mesa uma moção. O Sr. Pais Rovisco, usando da palavra para explicações, refere-se a uma noticia publicada no jornal "A Vitória" acêrca da sessão nocturna do dia anterior. O Sr. Sá Pereira deseja que se faça um rigoroso inquérito aos serviços do Ministério dos Abastecimentos. É lida na Mesa e admitida, a moção do Sr. Ladislau Batalha. O Sr. António Maria da Silva concorda com a extinção do Ministério dos Abastecimentos. O Sr. Nuno Simões,
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pregunta se estão na Mesa alguns telegramas da região do Douro sôbre o projecto de lei n.º 55-D, que se encontra marcado na ordem do dia. O Sr. Presidente responde afirmativamente o orador chama a atenção da Câmara para a importância e urgência dêsse projecto. O Sr. Ministro, da Agricultura (Lima Alves) entende tambêm que êste projecto deve ser votado pela Câmara. O Sr. Presidente pede que seja concedida autorização à Mesa para fazer a rectificação dum êrro de revisão. É autorizada. Aprova-se na generalidade o parecer n.° 28. Lê-se a moção do Sr. Orlando Marçal. Usam da palavra, para interrogar a Mesa, os Srs. Brito Camacho e Abílio Marçal, requerendo êste orador prioridade, nas moções, para a moção apresentada pelo Sr. Nuno Simões, e nas propostas, para a proposta que o orador enviou para a Mesa. O Sr. António Fonseca interroga a Mesa, respondendo o Sr. Presidente. É aprovado o requerimento do Sr. Abílio Marçal. Lê-se a moção do Sr. Nuno Simões. É aprovada. Lê-se a moção do Sr. Alves dos Santos. É rejeitada, em prova e contraprova. Lê-se a moção do Sr. Eduardo de Sousa. É aprovada. Lê-se a proposta do Sr. Abílio Marçal. O Sr. Brito Camacho volta a interrogar a Mesa. Para explicações usam da palavra os Srs. Abílio Marçal e António Fonseca. O Sr. Abílio Marçal é autorizado a propor um aditamento à sua proposta, que é aprovada. Lê-se o aditamento. É aprovado. O Sr. Abílio Marçal requere que prossiga, na, especialidade, a discussão do parecer n.° 28. O Sr. Brito Camacho entende que não se deve protelar a discussão da reforma constitucional. O Sr. António Maria da Silva discorda das razões apresentadas pelo Sr. Brito Camacho. O Sr. Abílio Marçal defende o seu requerimento. O Sr. Álvaro de Castro responde a considerações do orador antecedente acerca do parecer da comissão de revisão constitucional sôbre as emendas do Senado ao projecto da dissolução. Usa novamente da palavra o Sr. Abílio Marçal. Seguidamente aprova-se o seu requerimento.
Entra em discussão na especialidade o parecer n.º 28, sendo apresentadas várias emendas. As votações realizam-se até ao final do projecto, ao qual são ainda aumentados dois artigos novos, por proposta do Sr. Abílio Marçal. Reaberta a sessão às 22 horas, leu-se o parecer sôbre as emendas introduzidas pelo Senado ao projecto de revisão constitucional. Depois de usar da palavra o Sr. Vergilio Costa, a quem respondeu o Sr. Ministro das Finanças, e de se aprovarem requerimentos para, a discussão de pareceres, foi aprovado o parecer n.° l.l e entrou em discussão a emenda constitucional. Feitas as votações acerca das emendas do Senado, o Sr. António Fonseca apresentou uma proposta para que a Câmara tomasse a iniciativa do adiamento da sessão. Foi aprovada, verificando-se, porém, que não havia número para deliberações. O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 17 minutos.
Presentes à chamada - 51 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Pereira Guedes.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Pires do Carvalho.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Pereira.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime Júlio de Sousa.
João Gonçalves.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Ribeiro Gomes.
João Xavier Camarate Campos.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Domingos dos Santos.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Monteiro.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marçal.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
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4 Diário da Câmara dos Deputados
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Não compareceram à sessão os Srs.:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre Barbado Pinto de Almeida.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo Alves de Sousa Vaz.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Alberto Charula Pessanha.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Aresta Branco.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Bastos Pereira.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Francisco Pereira.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Granjo.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António José Pereira.
António Maria Pereira Júnior.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António do Paiva Gomes.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebelo Arruda.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Martins de Paiva.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Vitor Cordeiro Rosado.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Eduardo Cerqueira Machado da Cruz.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cotrim da Silva Garcez.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Francisco de Sousa Dias.
Henrique Ferreira do Oliveira Brás.
Hermano José de Medeiros.
Jacinto de Freitas.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Aguas.
João Henriques Pinheiro.
João José Luís Damas.
João Lopes Soares.
João Loureiro da Rocha Barbosa e Vasconcelos.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim de Araújo Cota.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
José Garcia da Costa.
José Gomes Carvalho do Sousa Varela.
José Gregório de Almeida.
José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da Cruz.
Júlio do Patrocínio Martins.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Leonardo José Coimbra.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José da Silva.
Manuel Alegre.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Verdial.
Pedro Góis Pita.
Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Raúl Lelo Portela.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
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Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Xavier da Silva.
PRIMEIRA PARTE
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
As 15 horas e 50 minutos procede-se à chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 28 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a segunda chamada.
Às 15 horas e 32 minutos procedeu-se à segunda chamada.
O Sr. Presidente : - Estão presentes 51 Srs. Deputados, e como ninguêm pede a palavra sôbre a acta, vai votar-se.
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.
Foi lido o expediente.
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Deputado João de Ornelas da Silva, pedindo autorização à Câmara para se ausentar por sessenta dias.
Para a Secretaria.
Concedidas. Comunique-se.
Para a comissão de infracção e faltas.
Do Sr. Jaime de Andrade Vilares, pedindo à Câmara autorização para se ausentar por sessenta dias.
Para a Secretaria.
Concedido.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Álvaro Guedes, pedindo à Câmara autorização para se ausentar por seis dias.
Para a Secretaria.
Concedido.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Pedro Pita, pedindo à Câmara autorização para se ausentar dos trabalhos parlamentares por quinze dias.
Para a Secretaria.
Concedido.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representação
Da comissão executiva da Câmara Municipal de Espinho, pedindo para que as deliberações camarárias nos concelhos duma ou mais freguesias em que o número dos membros das juntas seja inferior ou igual ao de vereadores da sua Câmara, não careçam de referendum.
Para a comissão de administração pública.
Das comissões das vítimas do 5 de Outubro de 1910 e das de 14 de Maio de 1915, pedindo modificações à lei n.° 457 de 22 de Setembro de 1915, no sentido de lhes serem aumentadas as pensões.
Para a comissão de petições.
Ofícios
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviando as informações relativas ao falecido Dr. Sidónio Pais, pedidas pelo Sr. Eduardo de Sousa.
Para a Secretaria.
Telegramas
Régua. - Comissão viticultura duriense solicita V. Exa. discussão projecto de lei n.° 55-D relativo taxas vinho Douro pois sua execução, é indispensável antes próxima colheita para garantir aquela grande riqueza nacional seriamente ameaçada aqui e no estrangeiro.
Presidente comissão viticultura, Antão Carvalho.
Para a Secretaria.
Vila Rial. - Câmara Municipal Vila Rial solicita V. Exa. urgente aprovação essa Câmara projecto lei número 55-D como necessidade imediata assegurar interêsses região duriense. - Presidente comissão executiva, Artur Augusto Pavão.
Para a Secretaria.
Abrantes. - Estando terminar sessão legislativa pessoal município Abrantes
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pede V. Exa. discussão urgente projecto lei ilustres deputados Vasco Borges e Bartolomeu Severino melhorando situação classe única abandonada até hoje poderes públicos contamos com valioso concurso V, Exa. fazendo justiça testemunhamos nossa gratidão profunda. - Saldanha, Pimenta, Coelho, Petronilho.
Para a Secretaria.
Régua. - Câmara Municipal minha presidência solicita V. Exa. aprovação projecto lei número 55-D relativo às taxas sôbre vinhos do Porto. - Presidente Câmara Municipal Régua, João Bonifácio.
Para a Secretaria.
Santarém. - Pedimos V. Exa. não seja dado parecer projecto pretendida anulação anexação Vale Cavalos sem juntar documentos estão Ministério Interior serviram base decreto e outros importantes vamos enviar para bem elucidar Álpiarça 1 Setembro. - João Maria Costa, ex-senador - Manuel Tendeiro, presidente Câmara - Fernão Pires, presidente junta - Martins Santos, presidente comissão paroquial - - Joaquim António Silva, presidente comissão paroquial Vale Cavalos - Manuel Duarte, presidente comissão municipal.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para antes da ordem do dia.
Pedem a palavra vários Srs. Deputados.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente, mando para a Mesa o parecer da comissão de finanças sôbre o projecto de lei n.° 166-A, que autoriza o Govêrno a conceder o bronze necessário para o monumento de homenagem à memória de António França Borges.
Peço a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se dispensa a sua impressão, afim de entrar imediatamente em discussão.
Foi dispensada a impressão.
O Sr. Eduardo de Sousa (em nome da comissão de redacção): - E para mandar para a Mesa a última redacção dos projectos de lei n.ºs 52, 18, 95 e 16.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o projecto 166-A, e o respectivo parecer n.° 170.
Leram-se na Mesa.
São os seguintes:
Parecer n.° 170
Senhores Deputados. - A vossa comissão de finanças foi presente o projecto de lei n.° 166-A que ela, com a de administração pública, examinou com a devida atenção.
Por êle se pretende prestar homenagem à memória do saudoso jornalista o antigo deputado França Borges, contribuindo o Estado com o bronze necessário para se fundir o seu busto para o monumento que os seus admiradores pretendem erigir-lhe numa praça de Lisboa.
Bem digno dessa homenagem é êsse valoroso republicano, que à República deu todo o esfôrço da sua dedicação e da sua inteligência, e bem merece o projecto, por isso, a vossa apreciação
Com êste parecer o submetemos e recomendamos à vossa apreciação. - Sala das sessões da comissão de finanças, em 2 de Setembro de 1919. - Carlos Olavo - Álvaro de Castro - A. Paiva Gomes - Nuno Simões - António Maria da Silva, Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) - Alves dos Santos - Francisco José Pereira - António Fonseca - J. Nunes Loureiro - Abílio Marçal e Augusto Rebelo Arruda.
Projecto de lei n.° 166-A
A propaganda republicana em Portugal teve sublimes e temerárias dedicações, cheias de fé nunca esmorecida, fortes e indomáveis na sua tenacidade, comovedoras de abnegação.
De entre êsses esforçados combatentes uma grande figura sobressai, dum relevo inconfundível - França Borges!
Nenhum lutador, e bem valorosos os teve a demorada peleja, o excedeu na audácia, no ardor do combate e no vigor do ataque, sempre certeiro e demolidor!
Não foi êle um formidável combatente, somente: foi tambêm um poderoso organizador.
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Em volta dêle e à sua voz uma pleiade de lutadores trabalhava e demolia, ardente de entusiasmo pelo mesmo ideal e a êle atraída pela dedicação dam carinhoso afecto.
Porque, êsse homem, na luta política sempre implacável e por vezes violento, era, no remanso da sua intimidade, um generoso e um bom, e na vida social cidadão de tam escrupulosa honestidade que contra êle nada puderam os ataques directos dos seus cruéis inimigos.
Na ala dos seus companheiros de luta algumas baixas fez a morte na sua longa e acidentada caminhada, mas França Borges teve ainda a suprema alegria de assistir ao triunfo da causa a que consagrara a sua existência.
Infelizmente, porém, o prazer foi efémero, porque as violências e os sofrimentos da campanha haviam-lhe esgotado as suas energias e causado no seu organismo estragos irremediáveis, que só a neurose da luta iludia e ocultava.
Pouco tempo volvido sôbre o 5 de Outubro de 1910, na terra estrangeira, êle, que tanto amava a sua, tombava com os olhos fitos na República, à qual dera todo o seu esfôrço e sacrificara uma parte dessa vida que, assim reduzida, ali se extinguia para sempre.
Pretendem os seus admiradores perpetuar a sua memória por um modesto monumento numa praça da capital, erigido por subscrição pública.
Existências como a de França Borges bem merecem a consagração da República, e o Parlamento Português, a que êle dignamente pertenceu, honrar-se há associando-se a essa homenagem pela autorização concedida ao Govêrno para concorrer para êsse monumento com o bronze necessário para se fundir o busto do saudoso jornalista.
A tanto se destina êste projecto de lei que tenho a honra de submeter à vossa aprovação.
PROJECTO DE LEI
Artigo único. É autorizado o Govêrno a conceder o bronze necessário para o monumento que, em homenagem a António França Borges e por subscrição pública, uma comissão de admiradores seus pretende erigir numa praça da capital.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, em l de Setembro de 1919. - O Deputado, Abílio Marçal.
Para a Secretaria.
Aprovada a urgência.
Dispensa da última redacção.
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre o requerimento do Sr. Abílio Marçal, para êste projecto entrar imediatamente em discussão.
Foi aprovado o requerimento.
Foi aprovado o projecto sem discussão.
O Sr. Abílio Marçal: - Peço seja dispensada a última redacção.
Foi dispensada.
O Sr. Presidente: - Vão entrar em discussão as alterações introduzidas pelo Senado á proposta de lei que autoriza a Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão a utilizar determinadas receitas em melhoramentos de que a vila necessita.
Leram-se na Mesa.
São as seguintes:
Alterações do Senado à proposta de lei n.° 41
Artigo 1.° É a Câmara Municipal de Vila Nova de Portimão autorizada a utilizar os rendimentos criados pela lei n.° 43, de 12 de Julho de 1913, não só para os fins previstos nessa lei, como ainda para levar a efeito a captação o canalização de águas potáveis e o alargamento do actual cemitério ou construção dum outro, observadas as disposições do artigo 193.° da lei n.° 88, de 7 de Agosto de 1913.
Art. 2.° O Artigo 3.° da proposta.
Para a Secretaria.
Aprovado o texto do Senado.
Para o Sr. Presidente da República.
O Sr. Presidente: - O Sr. Tavares de Carvalho pediu a palavra para um negócio urgente. Deseja S. Exa. ocupar-se da modificação do pavimento do Rossio.
Vozes: - A Câmara Municipal é autónoma.
A Câmara não reconheceu a urgência.
O Sr. Presidente: - O Sr. Nuno Simões deseja, tambêm, em negócio urgente, ocupar-se do alastramento da epidemia do tifo exantemático no norte.
A Câmara reconheceu a urgência.
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O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: vou ser breve nas minhas considerações, porque sei quanto é precioso o tempo nesta altura da sessão legislativa.
Pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para um telegrama que hoje vem publicado nos jornais, relativo a uma epidemia que grassa em Santa Marta de Penaguião.
Sabe V. Exa. a carência absoluta dos meios de defesa e higiene que há no norte, e não estranhe o Sr. Ministro do Trabalho que eu chame a sua atenção para esta questão, muito embora esteja absolutamente certo do que S. Exa. nunca descura os assuntos que correm pela sua pasta.
Os jornais começam a dar notícias alarmantes sôbre o novo aparecimento, ou recrudescimento, do tifo exantemático, principalmente no norte.
Não sei o carácter da epidemia que lavra em Santa Marta de Penaguião, mas temendo a sua intensidade, devemos desde já procurar evitá-la, para não termos de lastimar os casos graves que se deram no ano passado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos (Ministro dos Trabalho): - Sr. Presidente: em resposta às considerações apresentadas pelo Sr. Nuno Simões, tenho a observar o seguinte:
Ha cêrca de dois meses apresentei nesta casa do Parlamento uma proposta de lei pedindo um crédito de 300 contos para atender a várias despesas para o combate do tifo. Pendentes do meu Ministério encontram-se várias contas para pagar, ainda do tempo do falecido Sidónio Pais, quando fez a sua viagem presidencial ao norte. Chovem reclamações para que essas coutas se paguem, o que eu ainda não pude fazer por insuficiência de recursos.
Pedi os 300 contos para ocorrer a essas despesas, pagamento tanto mais necessário quanto é certo que tanto no norte como no sul tende a renascer a epidemia do tifo exantemático.
A proposta de lei a que me refiro está dada para ordem do dia, e espero que a Câmara a aprovará.
O orador não reviu.
O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: vou continuar na interpelação iniciada acerca do assunto da carestia da vida, que é o mais palpitante, neste momento, perante a sociedade portuguesa. A minha atitude não é de agressão. Tenho apenas o intuito de fazer uma obra reconstrutiva. No final do meu discurso terei a honra de apresentar a esta Câmara uma série de bases para a confecção das leis que julgo constituirão o remédio para atenuar a crise das subsistências.
Vejo com prazer com o Sr. Jorge Nunes se encontra presente a esta sessão, pois que tenho assim o ensejo de lhe apresentar, agora, interessantíssimos esclarecimentos, acerca da situação da classe dos fabricantes de calçado.
Efectivamente, S. Exa. teve razão nas observações que fez a tal propósito.
Investigando a situação em que se encontra o proletariado daquela classe, tive ocasião do verificar que muito dos seus elementos, sofrem tambêm as nefastas consequências da carestia da vida. Na arte de sapateiro há oficiais que trabalham assalariados, mas outros há que trabalham em suas casas - vulgarmente chamados sapateiros do escada. Êstes indivíduos prestam um grande serviço à sociedade, pois que libertam as classes médias das garras dos sapateiros de luxo. Vivem, porém, numa situação miserável. Não os confundamos, pois, com os fabricantes e revendedores de calçado, que na maior parte são estranhos à arte. Por que dispõem de capitais, êles conseguiram montar grandes fábricas e estabelecimentos luxuosos, explorando o público, visto que têm a faculdade de marcar ao produto os preços que querem.
Tratemos, pois, dos de ofício, ou profissionais.
Em 1914 ganhavam apenas $90 e os melhores 1$25. Em 1919 obtiveram 3$50. Mas, como se sabe, êles têm de adquirir à sua custa muitos dos preparos de que necessitam para fazer o calçado, os quais têm do sair dos seus proventos, como sujam pregos de latão, que estão caríssimos, aparas, vistas, etc.
Por consequência, esta classe não ganha o que muita gente julga. É preciso atender à diferença da carestia da vida nos anos comparada.
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O Sr. Jorge Nunes: - O que eu acho é que essa gente, ganhando mal, como V. Exa. diz, vive incomparavelmente melhor do que eu que, com encargos maiores, não vi acrescido em cinco réis o meu rendimento.
O Orador: - Eu concordo com V. Exa. em que as classes médias são as que estão mais sacrificadas, mas não posso deixar de dizer que o proletariado não está tam bem pago como parece à primeira vista.
O Sr. Jorge Nunes: - V. Exa. deve atender tambêm a que as mulheres e filhas dêsses indivíduos tambêm ganham. E a prova de que não vivem muito mal, é que são êles quem mais vão a divertimentos.
São êles e os novos ricos.
Os de baixo e os de cima.
O Orador: - Sr. Presidente: quando os sapateiros se puseram em greve o exigiram 3$50, toda a gente pôs as mãos na cabeça, dizendo que era uma exorbitância.
Os industriais aceitaram, no emtanto o aumento, e, cousa curiosa, algumas sapatarias de luxo pedem hoje oficiais a 4$!
Isto quere dizer que há falta do mão de obra, porque a despeito dos supostos ganhos atribuídos aos profissionais do calçado, êles buscam ocupações que lhes sejam mais compensadoras.
Tem agora V. Exa. o industrial vulgarmente chamado "de escada".
Para êste sapateiro, pequeníssimo industrial, a situação é verdadeiramente horrorosa, como vou demonstrar.
Êle compra pequeníssimas quantidades de matéria prima, pois que é tam pobre, tam desgraçado, que não pode comprar grandes quantidades.
O que êle chama, em vitela, por exemplo, comprar por atacado, é comprar uma dúzia de retalhos de peles.
Assim, se o grande industrial compra sola por atacado a 3$ o quilograma, o pequeno industrial compra por 4$, pouco mais ou menos; e como êle anda sempre a comprar retalhos, a matéria prima fica-lhe muito mais cara que ao grande industrial.
E tudo mais nesta proporção!
De resto, o que antes da paz custava 1$, depois da paz custa 2$50, ou seja mais 150 por cento!
Comparando o preço da vitela para o pequeno sapateiro, antes e depois da paz, verifica-se que êle teve depois da paz um aumento de 40 por cento, quando compra a retalho, e 20 por cento, quando compra à dúzia.
Êle tem, além disso, que comprar os pregos de latão, que antes da paz custavam a 4$ o quilograma, e que depois da paz passaram para 5$.
Finalmente, esta gente tem de vender muito mais barato que o lojista da baixa, porque não tem espelhos, não tem estofos, não tem vitrines, nem outros estimulantes à usura.
É uma pequena casa e portanto o povo que lá vai exige que êle lhe venda mais barato!
Sr. Presidente: o que é muitíssimo curioso, e para isto eu chamo a atenção da Câmara, é que verificando quanto custa um par de botas ao pequeno e ao grande industrial, encontrei o seguinte:
Um corto de boas botas custa ao grande industrial sapateiro 3$50, ao retalhista o mesmo corte importa em 5$90.
A solaria fica ao grande industrial por 1$60 e ao retalhista sai por 3$.
Vamos ver o preço dos aviamentos:
Uma puxadeira custa ao grande industrial $05 e ao retalhista importa em $10
O forro custa $30 ao grande industrial e ao retalhista $40!
As vistas importam apenas em $08 ao grande industrial e ao retalhista custam $160!
Um par de botas leva 11 horas a fazer.
O grande industrial paga por elas, de feitio, 4$, tanto como o retalhista, o pequeno industrial, o sapateiro de escada, como vulgarmente se diz.
Não pode êste ter mulheres por sua conta a ajuntar botas, pelo que paga apenas cada ajuntado de botas em separado por $55.
Pois o grande industrial, que não paga a mão de obra da ajuntadeira em separado, visto que tem destas operárias a quem dá 1$20 diários, com uma ajudanta ao preço de metade, gastando portanto 1$80 com as ajuntadeiras que ajuntam seis pares de botas por cada uma, sai-lhe por
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$30 mesmo trabalho que o retalhista, o pequeno industrial paga por $55!
Feitas as contas, vê-se que ao retalhista um par de botas bom custa 14$11 e ao grande industrial a mesma obra importa em 9$83!
Mas o sapateiro pobre, o sapateiro de escada, não pode vender as botas por mais de 17$, porquanto raro será o freguês que lhe de quantia superior por elas.
O pequeno industrial, o sapateiro de escada, portanto não lucra mais de 2$89 em cada par de botas de boa qualidade, isto é, 20 por cento, enquanto que a mesma obra, que custa apenas 9$83 ao grande industrial, ao grande sapateiro, é vendida ao público por 20$, deixando um ganho de 10$77, em cada par, ou seja 103 por cento!
Um verdadeiro roubo descarado.
A classe dos pequenos sapateiros não está tam próspera como parece.
Os que prosperam são os grandes industriais sapateiros, que muitas vezes não conhecem a profissão.
Grande número são indivíduos com outras ocupações, que contratam mestres hábeis, pagando-lhes bem, para eles explorarem a humanidade à vontade, metendo êsses industriais grossas quantias nas algibeiras, por isso que tem o lucro de 103 por cento em cada par do botas que impingem.
Antes de prosseguir, vou ainda citar, um caso curioso, é deveras estranho, que será bom trazer ao conhecimento de todos.
Numa conferência que a Associação Comercial dos Retalhistas de Víveres teve com o Sr. Ministro do Comércio e interino dos Abastecimentos, pediu-lhe a liberdade de comércio como experiência. Já vou referir-me a isso. Cita-se uma série de factos que é bom respigar-se. Não creio que essa Associação consentisse que viessem para público cousas desta gravidade se não fossem verdadeiras. A Companhia União Fabril, por exemplo fez desaparecer do mercado o sabão. Tendo chamado, os armazenistas participou-lhes que ia fazer o aumento de 1$ em cada 30 quilogramas de sabão.
A mesma Companhia está igualmente preparando a alta do azeite. Afirma-se isto num documento oficioso.
O Sr. Eduardo de Sousa (interrompendo) - Eu li uma circular dum negociante de sabão, em que se diz que o sabão vai encarecer para a semana 1$60.
O Orador: - Com relação à manteiga, direi que o que se está passando com a venda dêsse género é tudo quanto há de mais espantoso. Em vários estabelecimentos da capital está-se vendendo manteiga de 2$40 a 2$80. Demonstraram ao Ministro que os retalhistas não têm responsabilidades na subida do género, nem na sua falta no mercado, porque os representantes das fábricas não lha fornecem senão em pequeníssimas quantidades e ao preço de 2$50 por cada quilograma, debitando na factura a 2$10, e sendo a diferença escriturada como compra do queijo! Quere dizer: o grande retalhista não deseja passar por ladrão, embora o seja, e obriga o pequeno negociante a receber a manteiga por êsse preço, figurando que a comprou barata, e o resto foi queijo!
Há, porém, um caso ainda mais grave, para o qual chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério. Talvez, S. Exa., devido aos seus muitos afazeres, não tenha dele conhecimento.
As estações oficiais estabeleceram que o preço de venda da batata não poderá exceder $15. Os merceeiros que quiserem vendê-la mais cara, e que não estejam nas boas graças dos fiscais, são multados. Mas as, Cooperativas da Polícia e Militar, e as cantinas da guarda nacional republicana, estão vendendo batata a $20 e a $22 o quilograma. Não me parece isto regular, e acho imoral que quem pretende levantar à reputação da República e da sociedade portuguesa o faça...
O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Deputado de que deu a hora de só passar à ordem do dia.
O Orador: - Pedia a V. Exa. que me deixasse falar mais alguns minutos para concluir esta parte do meu discurso.
Chamo a atenção da Câmara para um caso interessantíssimo, e no qual desejo que o Estado se não deixe enlear.
A experiência dolorosa, feita durante a crise que atravessa a Europa inteira, e mostrou ser impossível, nas actuais circunstâncias, a liberdade de comércio. As-
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sim o julgou Greorge Roberts, Ministro dos Abastecimentos em Inglaterra, que pertenceu à União dos Tipógrafos e às Trades Unions.
Êste homem, a respeito dos pedidos de liberdade de comércio feitos em Inglaterra, entende que não se pode por emquanto entrar nesse caminho. Diz êle:
"Emquanto aos processos, adoptados na Inglaterra, tanto depois da paz como durante, o período de guerra, a experiência demonstrou, que devemos entravar e regulamentar as compras e vendas, para evitar a elevação dos artigos de primeira necessidade, especialmente a carne, leite o manteiga".
Quere dizer, a Inglaterra resolveu-se definitivamente a adoptar a violência, quando, fôr necessária, como medida de salvação, para defesa dos estômagos.
E, antes de terminar, lembrarei ao Govêrno a conveniência de fazer averiguar o que há de verdade numa afirmação aqui feita pelo Sr. Afonso, de Macedo, há poucos dias, e em que, se me não engano, declarou que por conta do Ministério dos Abastecimentos estavam a apodrecer 10:000 sacas de feijão, e, apesar disso, não se encontra à venda êsse género no mercado, ou vende-se por um alto preço.
Não se compreende que uma tam grande porção de feijão esteja a estragar-se por conta, do Ministério dos Abastecimentos, quando cá fora já se morre de fome. (Apoiados).
O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja terminar o seu discurso, ou fica com a palavra, reservada, para amanhã?
O Orador : - Ficarei com a palavra reservada, mas peço a V. Exa. que na próxima sessão me conceda mais tempo para falar do que hoje, a fim de poder concluir as minhas considerações, e não estar a fazer o discurso aos retalhos.
Não foram revistos pelos oradores que os fizeram os "àpartes" intercalados no discurso.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação do parecer n.º 86, organização do Instituto Superior Técnico de Lisboa.
Vai proceder-se à contraprova da votação do artigo 1.°
O Sr. Manuel José da Silva (circulo de Oliveira de Azeméis) (para explicações): - Sr. Presidente: continuo com a impressão de que foi mal pôsto à votação o artigo 1.°, porque mandei para a Mesa uma proposta, que não é de substituição.
Ora a Mesa, e é êsse o seu papel, tem a obrigação de confrontar as propostas, que são apresentadas com o projecto que se vota.
A verdade é que, confrontando a minha proposta com o artigo 1.º, resulta clara e evidentemente que, essa minha proposta não é de substituição; é uma emenda, e, portanto, deve ser votada primeiro que o artigo.
Ápartes.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Fez-se uma, votação sôbre e artigo 1.° e só havia que proceder-se à contraprova.
Eu entendo que a proposta que V. Exa. apresentou é, pela redacção que V. Exa. lhe deu, não é uma emenda. E uma proposta de substituição, e só a podia assim classificar.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva -(Oliveira de Azeméis): - Se V. Exa. confrontar essa proposta com o artigo do projecto, há-de convencer-se que não é uma substituição, e a Câmara também assim o deve compreender votando-a primeiramente.
Assim, salvo devido respeito não posso concordar com a classificação que V. Exa. lhe dá.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Salvo o devido respeito tambêm, não posso deixar de a considerar uma proposta de substituição.
Vai proceder-se à votação da contraprova sôbre o artigo 1.°
Proceder-se à contraprova.
Foi aprovado.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Continuo a ter hoje a mesma maneira de pensar, sôbre o modo de discutir o projecto.
A Câmara não podia votar ontem, porque não havia número.
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Vozes: - Mas ninguêm reclamou.
O Orador: - V. Exas. digam o que quiserem, visto que tem o número, e podem aprovar o que quiserem.
Ápartes.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Desde que foi encerrada a discussão, não posso permitir uma discussão nova, e é isto que sempre só tem feito. É do Regimento.
Vai votar-se o artigo 2.°
Foi aprovado.
Foi aprovado o artigo 3.°
Foi aprovado o artigo 4.º
O Sr. Nunes Loureiro: - Sr. Presidente: acaba de ser votado o parecer n.° 86, e está na ordem do dia o parecer n.° 83, que elimina o § único do artigo 29.° do decreto com fôrça de lei n.° 5:029 de 1 de Dezembro de 1918.
Seria conveniente proceder já à votação dêste parecer, porque êle tem íntima relação com o que foi votado. Nestes termos requeiro que entre em discussão o parecer n.° 83.
O orador não reviu.
Foi aprovado.
Entrou em discussão o parecer n.° 83.
É o seguinte:
Parecer n.° 83
Senhores Deputados. - A proposta de lei n.° 38-E encerra um princípio de justiça. Por isso é que a vossa comissão de ensino técnico e especial lhe dá o seu parecer favorável. De resto, é incompreensível que apenas ao pessoal administrativo e menor das escolas industriais preparatórias o de arte aplicada se aplique o princípio da não acumulação de funções. - João Lopes Soares - Nuno Simões - Vergílio Costa - José Maria de Campos Melo - João Ribeiro Gomes, relator.
Proposta de lei n.° 38-E
Senhores Deputados. - O decreto com fôrça de lei n.° 5:029, de 1 de Dezembro de 1918, estabeleceu no § único do artigo 29.° que o desempenho dos cargos do pessoal administrativo e menor das escolas industriais, preparatórias e de arte aplicada fôsse incompatível com o desempenho doutros cargos públicos, não tendo aliás introduzido a mesma disposição para mais nenhum dos restantes estabelecimentos de ensino industrial ou comercial.
Da aplicação do disposto no referido § único tem resultado inconvenientes por vezes insanáveis para os serviços daquelas escolas, pelo que tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É eliminado o § único do artigo 29.° do decreto com força de lei n.° 5:029, de 1 do Dezembro do 1918.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 28 de Julho de 1919. - O Ministro do Comércio e Comunicações, Ernesto Júlio Navarro.
C Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: pedi a palavra não para discutir êste parecer, mas para lembrar que os trabalhos da Câmara se já não seguiam bem quando dirigidos pela Mesa, sendo agora dirigidos pelos Srs. Deputados, não seguem nem bom, nem mal, porque ninguêm se entende, nem os trabalhos caminham.
V. Exa. compreende: em uma ordem do dia com 38 projectos, não é possível compulsar as diversas legislações a que êles se referem, nem há tempo para os estudar.
Que espectáculo estamos dando ao País!
Sr. Presidente: a continuar-se assim, não há maneira de sair daqui; nem fazer trabalho sério e útil.
Eu vejo que o Sr. Presidente do Ministério pede para as discussões serem rápidas, pois há um certo número de projectos de que julga indispensável a votação.
V. Exa. é quem dirige os trabalhos. Peço portanto a V. Exa. que não permita que isto corra por esta forma, pois não podemos fazer trabalho com consciência e serenidade.
O orador não reviu.
Foi aprovado o artigo 1.°
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o projecto n.° 28.
O Sr. Sá Pereira: - Requeiro para entrar já em discussão o parecer n.° 43.
O Sr. Alberto Xavier: - V. Exa. diz-me se êste projecto está na ordem do dia.
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O Sr. Presidente: - Está a seguir.
O Orador: - Parece-me que êste projecto devia entrar na sua devida altura.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Sá Pereira.
O Sr. Alberto Xavier: - Requeiro a contraprova.
Fez-se, a contraprova que confirmou a aprovação do requerimento.
Entrou em discussão o projecto n.° 43.
É o seguinte:
Parecer n.° 43
Senhores Deputados. - A vossa comissão do finanças, tendo estudado a proposta de lei n.° 38-B, da iniciativa do Sr. Ministro das Finanças, reconhece que é destinada a um fim justo por se destinar ao pagamento de vencimentos em dívida a funcionários vítimas de perseguições políticas durante o período dezembrista, pela única falta de serem dedicados e liais republicanos.
Da aprovação da proposta não resulta agravamento orçamental, visto a verba destinada ao pagamento referido ser fornecida pelo artigo 45.° do capítulo 11.° do orçamento de finanças p ara 1918-1919, onde existem disponibilidades.
Sala das Sessões, 4 de Agosto de 1919. - Vitorino Guimarães, presidente e relator - Augusto Rebelo Arruda - Anibal Lúcio de Azevedo - António Maria da Silva - J. M. Nunes Loureiro - Alberto Jordão Marques da Costa - António José Pereira - Álvaro de Castro.
Proposta de lei n.° 38-B
Senhores Deputados. - Tendo sido afastados, em 1918, do exercício dos seus cargos os vogais da Junta do Crédito Público, cidadãos Drs. Luís Fortunato da Fonseca e João José Luís Damas, à data presente, porêm, já reintegrados em virtude do parecer da Comissão de Reintegração dos Funcionários Civis, homologado por despacho ministerial;
Encontrando-se assim os interessados ao abrigo das disposições do decreto n.° 5:172, de 24 de Fevereiro próximo passado, que lhes garante todos os benefícios a que teriam direito se normalmente houvessem continuado a desempenhar as suas funções;
Devendo, em tais termos, ser-lhes pagos os vencimentos que deixaram de perceber, desde 7 de Agosto de 1918 a 6 de Junho último, na totalidade de 2.666$60;
Não existindo, porém, na, competente verba orçamental, disponibilidade para ocorrer a tais encargos;
Tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É transferida da verba de 785.628$, descrita no capítulo 11.°, "Serviço do contribuições" - Serviço de finanças nos distritos e concelhos", artigo 45.°, "Pessoal dos quadros", para a de 9.000$ consignada no capítulo 13.°, "Junta do Crédito Público", artigo 55.°, "Pessoal dos quadros" - "Membros da Junta", ambas do orçamento do Ministério das Finanças, para o ano económico de 1918-1919, a quantia de 2.666$60 para reforço da última das citadas verbas, a fim de se ocorrer ao pagamento dos vencimentos em dívida aos vogais da Junta do Crédito Público, Drs. Luís Fortunato da Fonseca e João José Luís Damas.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrário. - O Ministro das Finanças, Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
O Sr. Manuel José da Silva (Pôrto): - A minoria socialista dá gostosamente o seu voto ao projecto, pois trata-se de dois republicanos que prestaram altíssimos serviços à República, os Srs. Fortunato da Fonseca e Luís Damas.
O orador não reviu.
Foi aprovado.
O Sr. Abílio Marçal: - Requeiro a dispensa dá última redacção.
Foi aprovado.
Entra em discussão o projecto n.° 28.
O Sr. Abílio Marçal: - Pedia para ser dispensada a leitura na generalidade, visto que tem que ser lido na especialidade e o parecer é longo.
É aprovado.
Parecer n.° 28
Senhores Deputados. - A comissão de legislação civil e comercial não tem de se pronunciar sôbre a proposta de lei do Sr. Ministro do Comércio, extinguindo o Ministério dos Abastecimentos, porque não
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encontra nela matéria própria da competência desta comissão.
Tratando-se da extinção de um Ministério, isto é, da administração de importantes serviços públicos que dizem respeito aos abastecimentos, a comissão de administração pública desta Câmara é que esta naturalmente indicada a estudar a questão e sôbre ela emitir o seu douto parecer.
Sala das Sessões, 28 de Julho de 1919. - Godinho Amaral - Álvaro de Castro -Alexandre Barbedo (com restrições) - Pedro Pita (com restrições)- Alberto Xavier, relator.
Senhores Deputados - A apreciação da vossa comissão de administração pública foi presente a proposta de lei dos ilustres Ministros das Finanças, do Comércio e da Agricultura, que pretende extinguir, o Ministério dos Abastecimentos e distribuir por êstes três Ministérios os serviços que o constituem.
A comissão é de parecer, sem reservas, que a proposta ministerial deve ser transmudada em projecto de lei o que êle merece a vossa aprovação.
O Ministério dos Abastecimentos foi instituído por decreto com fôrça de lei de 9 de Outubro de 1918 e sôbre êsse diploma se fizeram posteriormente várias reformas dos seus serviços. Foi êle criado para melhor servir uma situação de serviços, difícil e agitada, proveniente do estado de guerra e para ocorrer à qual era insuficiente o Comissariado Geral dos Abastecimentos. Terminada felizmente a guerra, melhorada á situação pública, e começando os serviços a regressar à sua normalidade, legítimo e justo é que comecem a eliminar-se os órgãos que foram criados pára servir um estado social que profundamente se transformou.
É um acto de ordem e uma medida de economia.
Os serviços que constituíam o Ministério a extinguir são distribuídos pelos outros Ministérios com critério que à Vossa comissão de administração tambêm parece de aceitar.
Por isso, ela adopta em todos os seus pontos a proposta ministerial que transforma em projecto de lei, apenas com a alteração de se eliminar no artigo 14.°, in fine, a palavra "interior", é no artigo 3.° à palavra "carnes", acrescentar: verdes e congeladas e peixe, que etc.
Sala das sessões da comissão de administração pública, em 22 de Agosto de 1919. - Francisco José Pereira - Maldonado Freitas - Alves dos Santos (com declarações) - Augusto Rebêlo Arruda - Abílio Marçal, (relator).
Proposta de lei n.º 23-G
Senhores Deputados: - Em harmonia com a promessa feita na declaração ministerial de 30 de Junho último, temos a honra de apresentar à vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° - É extinto o Ministério dos Abastecimentos e Transportes, instituído, por decreto com fôrça de lei n.° 4:879, e organizado por decreto com fôrça de lei n.° 5:787.
Art. 2.° Os serviços dos Caminhos de Ferro e os serviços de Transportes Marítimos, actualmente dependentes do Ministério dos Abastecimentos e Transportes, são transferidos com todo o seu pessoal para o Ministério do Comércio o Comunicações.
Art. 3.° Os serviços actualmente a cargo da Direcção Geral do Comércio Interno do Ministério dos Abastecimentos e Transportes e da Delegação Geral do Norte ficam competindo à Direcção Geral dos Serviços do Comércio Agrícola no Ministério da Agricultura, com excepção dos serviços de abastecimentos de carnes, que voltarão a estar a cargo da Câmara Municipal, nos termos do n.° 35.° do artigo 94.° da lei de 7 de Agosto de 1913.
Art. 4.° Os serviços actualmente a cargo da 1.ª Repartição da Direcção Geral do Comércio Externo do Ministério dos Abastecimentos e Transportes ficam competindo à Direcção Geral do Comércio do Ministério do Comércio e Comunicações. Os serviços da 2.ª Repartição relativos a requisições ficam competindo à Direcção Geral do Comércio Agrícola no Ministério da Agricultura, passando os das mercadorias dos navios ex-alemães, suas arrematações e vendas, com o respectivo pessoal, a funcionar junto do pôrto de Lisboa.
Art. 5.° Os serviços actualmente a cargo da Inspecção de Fiscalização do Ministério dos Abastecimentos e Transportes
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continuam unicamente a cargo da Direcção dos Serviços Agrícolas do Ministério da Agricultura.
Art. 6.° São extintos os serviços a cargo da Repartição do Gabinete do Ministro da Repartição Central, da Repartição de Contabilidade Privativa do Ministério dos Abastecimentos e Transportes.
Art. 7.° Fica a cargo do Ministério das Finanças, pela Direcção Geral da Contabilidade Pública, a liquidação das contas e processos existentes na Repartição, de Contabilidade Privativa do Ministério dos Abastecimentos e Transportes.
§ único. Para efeitos de liquidação a que só refere êste artigo será utilizado o pessoal a que se refere à artigo 12.°, ficando estabelecido o prazo de seis meses, a contar da data desta lei, para ultimar essa liquidação.
Art. 8.° São dadas por findas todas as comissões de serviço no Ministério dos Abastecimentos e Transportes aos indivíduos que pertençam a qualquer quadro ou serviço dependentes do Estado, ou das corporações administrativas, seja qual fôr a sua situação, denominação ou categoria, regressando êsses indivíduos aos seus antigos lugares.
1.° Os indivíduos nas condições dêste artigo, que não tenham vaga no quadro ou nos serviços a que regressam, ficam adidos a êsses quadros ou serviços, com os vencimentos correspondentes à actividade dos respectivos lugares, ingressando no seu quadro logo que tenham vaga.
Art. 9.° O pessoal da Direcção Geral do Comércio Interno, o da Repartição Central, o da Delegação Geral do Norte e o da Inspecção da Fiscalização transita para o Ministério da Agricultura, onde formará um quadro especial.
Art. 10.° O pessoal da Direcção Geral do Comércio Externo, o da Repartição do Gabinete, com excepção do chefe e dos dois secretários, cujos lugares são extintos, e o inspector de celeiros e seu adjunto, transitam para o Ministério do Comércio e Comunicações, onde formará um quadro especial.
Art. 11.° O pessoal dá Repartição de Contabilidade Privativa, o da Tesouraria Privativa, o inspector de celeiros e o seu adjunto transitam para o Ministério das Finanças, onde fica constituindo um quadro especial.
1.° A êste pessoal fica especialmente cometido o encargo da liquidação das contas e processos pendentes na Repartição a que pertenciam nos termos do artigo 7.º
2.º O inspector de celeiros e o seu adjunto serão dispensados do serviço quando o respectivo Ministro o julgar conveniente.
Art. 12.° O pessoal pertencente aos quadros especiais de que tratam os artigos 9.°, 10.° e 11.° será distribuído pelos respectivos Ministérios, segundo as suas aptidões e as necessidades dos serviços.
Art. 13.° Todo o restante pessoal que tenha sido nomeado e não esteja compreendido no quadro de distribuição de pessoal que faz parte do decreto n.° 5:787-G é dispensado dos seus serviços.
Art. 14.° São garantidas aos funcionários, que ficam fazendo parte dos quadros especiais as categorias dos lugares que desempenhavam antes da reorganização de 10 de Maio de 1919 com os respectivos vencimentos. Aos funcionários admitidos ou promovidos em virtude daquela organização é garantida a categoria de terceiros oficiais, se outra inferior lhe não pertencer.
Art. 15.º As vagas que venham a dar-se nos quadros especiais, seja qual fôr o seu motivo, não serão preenchidas, não havendo consequentemente promoções nos mesmos quadros.
Art. 16.° São garantidos a todos os funcionários que ficam fazendo parte dos quadros especiais os vencimentos que percebiam no extinto Ministério, não podendo, porém, êsses vencimentos ser acumuláveis com outros quaisquer pagos pelo Estado ou pelas corporações administrativas, ficando êsses funcionários obrigados a prestar quaisquer serviços, compatíveis com a sua categoria, e para que sejam julgados competentes, no Ministério a que estejam adidos, ou noutro qualquer, sob pena de demissão no caso de recusa.
Art. 17.° Todo o material existente ou adquirido relativo aos diversos serviços fica pertencendo aos Ministérios para onde êsses serviços venham a transitar.
Art. 18.° São transferidos para a tabela de despesas dos Ministérios das Finanças, do Comércio e Comunicações e da Agricultura os saldos das verbas consignadas na tabela de despesas do Ministério dos abastecimentos e Transportes,
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aos diversos serviços que para aqueles Ministérios são transferidos.
§ único. Uma comissão constituída pelo chefe da extinta repartição de Contabilidade do Ministério dos Abastecimentos e Transportes e pelos chefes das Repartições de Contabilidades dos Ministérios para onde transitam os diferentes serviços organizará no prazo de 15 dias a tabela dos referidos saldos, que o Govêrno fica autorizado a publicar por Decreto.
Art. 19.° Ficam autorizados os Ministros da Agricultura, do Comércio e Comunicações e o das Finanças a reorganizarem os serviços dos seus Ministérios, de modo a tornarem o mais proveitoso possível os serviços que por esta lei lhes são confiados, e a melhor utilizar o pessoal que lhes é destinado nos diversos serviços dos respectivos Ministérios.
Sala das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, 23 de Julho de 1919. - Francisco da Cunha Rêgo Chaves - Ernesto Júlio Navarro - César Justino de Lima Alves.
O Sr. Orlando Marçal: - Sr. Presidente: com muita serenidade e sem exageros incompatíveis com os que sentem pisar firmemente a terra da verdade, venho dar início a um debate que por honra própria tem de ser alevantado, justo e reflectido, moldado em bases de análise rigorosa, por relembrar que o assunto já por mais de uma vez prendeu as atenções da Câmara, e por sinal provocou palavras inflamadas de protesto da parte de alguns elementos com assento nesta casa do Parlamento.
Sem mais delongas me apresso a declarar a V. Exa. e à Câmara, num à vontade franco e lial, que não concordo em princípio com a extinção do Ministério dos Abastecimentos (Apoiados), sobretudo pela forma exdrúxula como se pretende lazer e que estou certo não condiz com aquela fórmula porque esperavamos (Apoiados), tanto mais que segundo o meu modesto modo de ver, êle ainda não cumpriu, como era mercê e tanto é necessário, aquela alta missão a que aspirava dentro da nacionalidade. (Apoiados).
Mas ainda sôbre um outro aspecto e êste o mais grave, por se tratar de moralidade, nós erraríamos se consentíssemos em que êle desaparecesse pura e simplesmente, como se passássemos uma esponja sôbre um negro borrão que fere a nossa retina, sem vermos ou concebermos o quanto isso pode afectar a honra intangível, da República. (Apoiados).
É preciso que sejamos claros e que o nosso trabalho seja vantajoso e profícuo, para que o País possa julgar os nossos esfôrços e fique na certeza de que compreendemos a alta missão, espinhosa e árdua, de que estamos investidos.
Pois pode admitir-se que depois das graves acusações dirigidas nesta casa ao funcionalismo daquele Ministério, que eu ouvi conturbado e surpreso, se queira arredar como quem põe do parte um esfregão, sem que se proceda a um rigoroso inquérito, sem que o público seja informado e esclarecido das afirmações aqui proferidas, e ainda mais sem que aos homens do bem que certamente lá existem, visto que se não fez distinção, seja dado um formal testemunho da sua honestidade? Não, Sr. Presidente, não pode ser, em risco de sermos apodados de errarmos no caminho.
Precisamos ser claros, justos e verdadeiros. Se nesse Ministério há funcionários que não têm sabido cumprir o sou dever, e não o afirmo por mim mas pelo que aqui tenho ouvido, tambêm sei que os há cheios de qualidades nobres e que por isso merecem o nosso respeito. Podem ser humildes cidadãos, anónimos átomos do organismo social, mas tem a honra de que se orgulham e que ninguêm pode macular, sem dar motivo a uma justificada onda de indignação e de revolta. (Apoiados).
Mais ainda: se me é permitido lembrarei, por amor à verdade e sem qualquer outro intuito, que ali trabalham elementos que à defesa da causa sagrada da República tem dado o melhor da sua energia e do seu entusiasmo, pegando em armas com risco da própria vida todas as vezes que os impenitentes inimigos se preparam para a assaltar.
O Sr. Álvaro Guedes: - Isso não tem nada para o caso.
O Orador: - Então V. Exa. não considera como característica essencial dum bom funcionário o ser amante do regime
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que serve? Pois eu garanto, com a altivez o independência com que trato de todas as questões sujeitas à minha apreciação, que não concebo que o regime acalento como empregados pessoas que lhe não dêem provas de inteira lialdade para sua segurança. Não tem de ver com o caso, diz V Exa.; e eu riposto-lhe, com toda a minha energia: pois tem e muito! (Apoiados).
Mas reatando as minhas considerações, e circunscrevendo a minha análise ao assunto, deve declarar, Sr. Presidente, que se me preguntarem se o referido Ministério atingiu por completo os fins utilitários que se reclamavam na dura e apavorante travessia que nos jogulou durante a tremenda guerra europeia, eu sou levado pela minha consciência de homem de verdade, a quem o artifício jamais queimou os lábios; a confessar que não. Mas isso, a meu ver, não é motivo que impere a extingui-lo e sobretudo pela forma atrabiliária por que se pretende fazer.
Será razão, e neste caso de sobra, para o remodelar desde os seus fundamentos e apropriá-lo às exigências do momento, expurgando-lhe os elementos perniciosos. É certo que terminou a guerra nos campos da batalha, se calaram, as vozes potentes dos canhões, volvendo à tranquilidade e ao silêncio as planícies produtivas taladas pelos invasores, mas as suas consequências tremendas ainda se não arredaram de vez, e nós assistimos ao desenrolo dêsse alteroso vagalhão que é a constante subida do preços dos géneros alimentícios e da carestia aguda das subsistências, mais reclamadas pelas classes desprotegidas. (Apoiados).
E por tudo isto, que é importantíssimo, e não por qualquer outro motivo que mo venho opor, fazendo tábua rasa da multiplicidade de aspectos que os factos apresentam, com todo o alento, à pretendida extinção, tanto mais que eu vejo que, emquanto êste humilde e depauperado país, à mercê das convulsões duma orientação perniciosa, se lança na voragem do clássico termo - desfazer o que está feito - por um êrro de visão que se me afigura um perigo, embora reconheça que as intenções são animadas de boa fé, os potentados do mundo culto, como a França, a Inglaterra e a própria América do Norte se pouparam para aperfeiçoar os serviços congéneres, não se poupando a esfôrços e sacrifícios, olhando frente a frente o futuro cheio de mistério, no sentido exclusivo de atender às reclamações e exigências das camadas populares. (Apoiados).
Entre nós os que predomina é o capricho, como se está observando. Mas eu tenho a convicção, e não o digo com orgulho, mas com pesar, de que mais tarde, e não virá longe o dia, as minhas palavras hão-de ser meditadas, compreendidas, dando-lhes inteira razão, mas quando já não houver oportunidade de volver ao passado. Então justiça será feita aos meus intuitos, arrefecidas que estejam as paixões dêste momento, na antecipada certeza de que mais se radicará nos espíritos a convicção de que pretendi prestar um assinalado serviço ao meu país. (Apoiados).
Não obstante seja-me facultado, Sr. Presidente, um desabafo. Não me preocupam, ao de levo sequer, as arremetidas dos que por má fé me dirigem censuras, não reparando que as suas maléficas investidas resvalam pelo meu soberano deprêzo, sem lhes dar a atenção de lhes volver a cabeça. Eu sei em que país vivo, onde a honra, o pondunor, o brio, as mais excelsas virtudes são com facilidade embaciadas ao voltar duma esquina, por qualquer miserável de ocasião, impulsionado pela inveja mesquinha que só medra em corações perversos. Nada importa à minha consciência tranquila, embora pressinta o esbeiçar ignaro de engulhes dos que não tendo consistência de opiniões porque livres não são, mal encaram os assomos de independência dos que só procuram ser úteis à sua Pátria e afinam pelos próprios os caracteres impolutos dos que jamais sentiram um desânimo na rota orgulhante da vida. (Apoiados). Proclamo isto, Sr. Presidente, com desassombro e altivez, para que os chacais que lá fora ululam fiquem sabendo que defendo humildes, mas honrados cidadãos, e que procuro sempre, através os maiores perigos, estar ao lado da justiça e da verdade, sem temor das maledicências e lançando-lhes o cartel do desafio para o combate.
Não tenho pois dúvida alguma em propor à Câmara, a par dum inquérito rigoroso de que resulte o castigo dos que
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prevaricaram, a remodelação dêsse Ministério, conjugando esfôrços para que a sua acção ainda possa ser profícua.
Uma voz: - Isso é uma caverna!
O Orador: - Nunca assim lhe ouvi chamar, apesar dos ataques acerbos que lhe dirigiram. No emtanto as afirmações são da responsabilidade de quem as profere, mas novamente lembro que lá se encontram entidades que prestaram, assinaláveis serviços à República. Será mais proveitoso ao debato que o não confundamos. O que afirmo é que deveríamos estudar o melhor modo do apropriar o referido Ministério às exigências da vida nacional.
O Sr. Lúcio de Azevedo: - Já devia ter sido extinto há muito tempo.
O Sr. Abílio Marçal: - É uma questão de lana caprina.
O Orador: - Têm inteira liberdade de emitir opiniões, e só á certo que eu as considero, sob o ponto do vista pessoal, pela muita veneração que lhes voto, elas não se equilibram sob o ponto do vista doutrinal, porque não vêm revestirias de argumentos convincentes, antes despontam isoladas e áridas, de modo a caírem na vala comum do esquecimento.
Mas vejamos: Nesta casa fizeram-se afirmações graves pelo que diz respeito à vida interna dêsse Ministério.
Pois o Govêrno vem pedir para, duma penada, êle se extinguir, depois do meu colega, Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo, aqui vir dizer que se praticaram nesse Ministério casos dignos da nossa repulsa e, por conseguinte, sujeitos a castigos severos!
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo (interrompendo): - Eu disse isso?
O Orador: - Estou sciente dê lhe ouvir, bem como a diferentes colegas. Porém, como V. Exa. os não perfilha, devo atestar que foram mencionados aqui dentro e eu sem personalizar de ora avante, os aproprio para as minhas conclusões. Sendo assim, devia-lhes repugnar, como a mim me repugna, que êsses crimes passem sem a devida repressão penal, fazendo desaparecer pelo castigo e pelo exemplo tudo o que pode testemunhar essas faltas.
Mas evitar que êles venham à supuração, a descoberto, por meio duma cartada mágica, é contrariar os princípios fundamentais do sistema adoptado e é ferir sobremaneira o prestígio da República.
Poderá o Ministério ser extinto, do que não tenho dúvidas pelas impressões colhidas, mas depois de se apresentarem as provas eloquentes donde resultasse a absoluta necessidade de se exterminar, dados os prejuízos que acarretava para o Estado. Ora, Sr. Presidente, já não é a primeira vez que eu trago a êste ambiento a afirmação que se me afigura do ponderar, do que o Ministério dos Abastecimentos tem dado alguns resultados benéficos dentro do país, não só acudindo ás necessidades do momento, mas tambêm trazendo ao Tesouro Público muitas centenas de milhares de escudos.
Proclamando eu então a máxima verdadeira de que não sei discutir senão com números, apresentei nessa altura à Câmara factos ta m concludentes, que me habilitam a dizer que êsse Ministério produziu mais e muito mais em três meses do que o Ministério do Fomento, do qual era parte integrante e do qual se desmembrou, em dez anos! E é do notar que ainda ninguêm me contraditou, apesar do serem passados quási dois meses.
Parece-me que esta prova é tam lógica e palpável, quanto é certo que nós estamos acostumados a ver que em Portugal o funcionalismo traz só aumentos de despesa, não pensando nunca em desenvolver as receitas, e o Ministério dos Abastecimentos, que toda a gente apelida de não cumprir as suas obrigações, é êsse que vem demonstrar que trabalha, e que produz.
Mas, Sr. Presidente, dando de barato que esta opinião, baseada em factos, não convence os meus colegas, é no emtanto de molde a determinar o meu espírito, sem que porventura pretenda recriminá-los, a optar pela sua remodelação, que reputo imprescindível, e pela sua existência, que proclamo necessária.
Há sobretudo a acrescentar, desde que estamos tratando de casos sérios e do futuro do país, que não há ninguêm que possa concordar que o aludido Ministério deva ser liquidado da maneira indecorosa como se pretende, visto que estamos habituados a constatar que nos tribunais todos os cri-
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mes não podem desaparecer sem que sejam punidos severamente os criminosos.
Como é que podemos consentir na extinção dêsse Ministério sem que sejam sujeitos à responsabilidade todos os que prevaricaram? É isto honesto? É lógico? E razoável?
O Sr. António Fonseca (interrompendo): - Pode extinguir-se o Ministério sem extinguir a responsabilidade dos seus funcionários, e se V. Exa. mandar para a Mesa urna proposta que chame todos êsses homens à responsabilidade dos actos que praticaram, V. Exa. terá entre todos os votos o meu.
O Orador: - E eu com sinceridade lhe garanto que estranho deveras essa afirmação, porquanto sabendo-o treinado nas lides parlamentares e conhecendo em demasia o métier, V. Exa. pretenda demonstrar uma grande onda de ingenuidade, esperando uma segura aplicação de normas legais de quem está, sempre disposto a esquecer, as mais das vezes para não levantar atritos na sua marcha política, criar más vontades ou embaraços, perdoando, emfim, visto que o perdão é o mais nobre característico da sentimentalidade do nosso povo. E V. Exa. conhece tam bem como eu o aforismo popular que é vulgar em boca de aldeãos - acabado o bicho, acabada a peçonha - o que quere dizer que jamais se levantaria poeira em tôrno dessas acusações assombrosas, após a consumação do pretendido na proposta de lei ministerial e indubitavelmente os processos dos delinquentes iriam para o limbo e a República seria uma vez mais conspurcada, visto que, infelizmente, é raro que se cumpram as obrigações que não sejam impostas por medidas especiais.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): - Se V. Exa. a puser na mesma proposta um artigo que sujeite os funcionários do Ministério dos Abastecimentos a um rigoroso inquérito, fatalmente que se hão de apurar responsabilidades.
O Orador: - Não tenha V. Exa. dúvidas. Eu já elaborei uma proposta nesse sentido, como há-de ter ocasião de apreciar. Então registarei com prazer o voto de V. Exa. para a sua plena aprovação.
O Sr. Nuno Simões: - Parece que V. Exa. considera esta proposta de lei como uma proposta de impunidade.
O Orador: - De impunidade, é V. Exa. que assim a entende. Empenha-se V. Exa. em tirar uma ilação que me não pertence, mas consinta-me que lhe obtempere com rasgada afoiteza que, se V. Exa. do facto do silêncio da proposta reconhece que ela pretende atingir êsse fim, podendo classificá-la dessa maneira, então perfilho inteiramente essa opinião. E de salientar que eu não a emiti, mas hão me parece errónea se julgarmos de relance a omissão da referida proposta, que ela teve em vista êsse objectivo.
Não vou porém até êsse ponto; pelo contrário, estou certo de que foi um lapso e, por o ser, é que eu estou empenhado em propor um rigoroso inquérito parlamentar ao que se tem passado nos Abastecimentos, para se observar finalmente quem são os prevaricadores.
É bom, no emtanto, que se compreendam as minhas palavras, e que se não julguem da minha autoria conclusões que o meu espirito jamais atingiu. De resto deixe-me V. Exa. dizer, uma vez mais, que eu em qualquer debate gosto de manter intransigentemente aquela rígida linha de inquebrantibilidade e do correcção com que costumo fundamentar as minhas ideas.
Mantenho a minha opinião de que a extinção do Ministério dos Abastecimentos é um êrro crasso.
Mas, Sr. Presidente, será isto dizer que concordo com o que se está dando ou se deu dentro do mesmo Ministério, ou que defendo a obra deletéria que dentro dêle a nossos olhos avulta? Isso seria falsear requintadamente a verdade, ou por outra, empregando uma frase célebre, seria ter a pretensão estulta de endireitar á sombra duma vara torta. Sou o primeiro a reconhecer que é absolutamente necessário fazer-se uma remodelação, para a qual é imprescindível o inquérito.
Dir-me-hão V. Exa. que sou um paladino de causas irremediavelmente perdidas; mas sinto-me plenamente satisfeito à sombra, ainda que ténue, do meu modesto modo de ver.
O que não posso é calar aquelas palavras de verdade e de justiça que se levantam em catadupas dentro do meu
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peito, porque me nascem ardentemente no coração.
Se em toda a parte tenho sido assim, porque é que dentro dêste Parlamento, onde pesam mais responsabilidades sôbre nós, quer sob o ponto de vista jurídico, quer sob o ponto de vista político e social, não hei-de manter intransigentemente, neste cenáculo ilustre, aquela situação criada de que tanto me orgulho e apregoar aquelas palavras de subida justiça que me queimam os lábios?
Sr. Presidente: o País precisa, nesta hora grave para todos nós, de ser bom orientado, e assim é necessário desenvolver todas as nossas receitas, fomentando as nossas fontes de riqueza, para que num futuro próximo tenha aquele bem-estar, que todas as almas republicanas e patrióticas encerram.
Pôr de lado tudo o que é de iniciativa digna de menção, de desenvoltura patriótica e profundamente republicana, será - não me atrevo a classificá-lo de crime - mas pelo menos um êrro tremendo em que todos nós temos responsabilidades.
Sr. Presidente: eu tenho ouvido dizer não só aqui, mas lá fora, que no Ministério dos Abastecimentos se têm cometido casos tremendos, dada a maneira como são insuficientemente dirigidos os destinos dêsse estabelecimento. E porquê? Porque dizem que o Sr. Director Geral, que eu não conheço sequer, não tem as condições exigidas para bem cumprir as suas obrigações e está afectado, e contundido pela opinião pública.
Da província chegam queixas constantes de que a repartição dos géneros alimentícios de primeira necessidade, que são tambêm riqueza nacional, não é perfeita na distribuição proporcional.
Quem são os responsáveis destas anormalidades?
Precisamente os que superintendem, os que dirigem os destinos daquele Ministério.
Estarmos a acusar os pequeninos, aqueles que não podem defender-se, é inglório, para não dizer tripudiante ou covarde, para todos que o consentem.
Estou certo de que na alta atmosfera de inteligência e correcção que envolve êste Parlamento, desde os leaders até aos mais humildes deputados - e assim eu me considero somente - (não apoiados) não vibrará por mais tempo o ferrete que possa manchar a dignidade dos modestos e humildes empregados, que por assim serem não abdicaram ainda dos sentimentos do orgulho e da honra que nobilitam os homens à face das sociedades bem organizadas. (Apoiados).
Sr. Presidente: lembro-me que há dias foi trazido a esta Câmara uma interpelação, pelo meu ilustre colega e ornamento da minoria socialista, Sr. Ladislau Batalha, na qual, com toda a elevação e critério, evidenciou a defesa e as justas reclamações das classes trabalhadoras sobremaneira agravadas, como aliás todas as outras, com o descarado e brutal abuso dos detentores dos géneros alimentícios, que menosprezando as leis continuam impunemente sugando o suor dêste povo paciente. Classificou de verdadeiros crimes o que estava sendo praticado pelos sórdidos açambarcadores, e a Câmara bem se interessou com essas largas considerações, porque valha a verdade dizer-se que ainda sente as reclamações dos deserdados, sobretudo quando encontram porta-voz em individualidades como o Sr. Ladislau Batalha.
Ainda não há muito mo foi grato registar tambêm que o ilustre Deputado Sr. Brito Camacho, em editorial no seu diário, tratava com clarividência dêsse mesmo e momentoso assunto da imperfeita distribuição dos géneros, das dificuldades insuperáveis dos mercados e das proezas espantosas postas em prática pelos que desprezam as disposições legais, à sombra da indiferença dos poderes públicos, que em meu entender são os mais culpados nas exorbitâncias conhecidas, não reprimindo energicamente essa ânsia de luxo e de riqueza, que constantemente se amontoam nas casas dos novos nababos à custa dos sacrifícios, da miséria e das lágrimas do povo espoliado. (Apoiados).
Todas as correntes de opinião pública são unânimes em apregoar a necessidade de dizer ao Govêrno do País que arrepie caminho, de lhe dizer na essência e de uma vez para sempre que remodele êste estado de cousas e que a meu ver só se poderá atingir por meio da completa reorganização do Ministério das Subsistências. É preciso que não olhe exclusivamente para o que se passa em Lisboa, e que diga-se de passagem, está bem mal,
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mas que se digne prestar carinhosa atenção ao resto do País, a essa província esquecida, onde a falta de géneros mais se faz sentir e por vezes bem tragicamente.
Lisboa tem um pôrto de mar magnífico, concorrido pela frota mercante de todas as nações, e é, portanto, abastecida em melhores condições do que aquelas terras que estão perdidas entre montanhas, e onde a falta de meios de transporte se sobreleva a todos os esfôrços humanos.
De há muito tempo que tem vindo até à minha pessoa protestos de várias populações, não só do círculo que humildemente aqui represento, como tambêm das de várias regiões onde sou conhecido, e por elas verifico que todas as pessoas unânimente proclamam que a distribuição dos produtos naturais tem sido falseada, não sendo equitativa, pois que somente estão ao alcance das classes previlegiadas. Poderá isto continuar assim, sem um protesto que fira fundo a sensibilidade governativa?
É lícito e é próprio preguntar nesta altura do debate: o Ministério dos Abastecimentos dera porventura prejuízos ao Estado?
Um dos mais preconizados princípios morais que assomava aos lábios dos que pretendiam discutir êste assunto, era precisamente êsse, sem que iniludivelmente demonstrassem ao público a veracidade da asserção. Ainda ninguêm, pelo contrário, se abalançou a pôr de lado as minhas afirmações em tempos expressos nesta casa do Parlamento, fundamentadas com factos e números, cuja relação tenho presente e que posso patentear a quem quiser.
Não desejo, porém, prender demasiadamente a atenção de V. Exas., que tam gentis se tem mostrado para comigo, reproduzindo os argumentos que serviram de base à demonstração cabal de que o referido Ministério havia dado ao erário nacional alguns milhares de contos, o que seria deveras fastidioso, atendendo a que se encontram já exaradas no Diário desta Câmara.
Mas, Sr. Presidente, chegou a ocasião propícia de atentamente analisar e criticar, com clareza e serenidade, a proposta de lei sujeita à discussão.
O Sr. relator do respectivo parecer que a acompanha, e por quem tenho toda a consideração, não - e isto sem pruridos de blagueur - pelo facto de S. Exa. ser meu homónimo, coincidência fortuita e sem valor se os nossos espíritos não fossem atraídos por uma água - forte de simpatias e ideas, mas por que o admiro e prezo, do que aliás S. Exa. está seguro e certo pelas minhas manifestações passadas, - dizia eu que, tendo toda a consideração pelo Sr. Abílio Marçal, não posso deixar, entretanto, de discordar dalguns pontos do seu parecer, os quais vou salientar à atenção da Câmara, e que avultam desde logo à nossa retina quando as examinamos. Diz S. Exa.:
"A comissão é de parecer, sem reservas, que a proposta ministerial deve ser transmudada em projecto de lei é que êle merece a vossa aprovação".
Ora isto. Sr. Presidente, quere dizer que a comissão proclamou a necessidade da extinção pura e simples do Ministério dos Abastecimentos, sem reservas, dando lugar aos reparos dos que, como eu, seguiram com interêsse o desarrôlo do combate vivo feito ao dito Ministério, visto que não avulta no dito parecer uma palavra sequer que nos dê a fugitiva esperança de se proceder a uma completa e rigorosa sindicância, donde se apreciasse a veracidade das acusações desbocadas. Onde está o pronuncio de moralizar, de reprimir, de exemplificar, de castigar emfim os que foram apodados de defraudadores da Fazenda Pública?
O Sr. Alves dos Santos: - Peço perdão a V. Exa., mas eu assinei o parecer com declarações.
O Orador: - Tem V. Exa. razão, mas não me quis referir particularmente aos membros da comissão. Quando se critica um parecer, é costume fazer referência ao texto e não às pessoas.
O Sr. Abílio Marçal: - Eu devo desde já esclarecer V. Exa. que as palavras "sem reservas" referem-se simplesmente ao princípio da extinção, reservando-se a comissão para fazer alterações ao projecto.
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O Orador: - Mas essas alterações é que não se fizeram?!
O Sr. Abílio Marçal: - Eu depois explicarei o motivo; mas posso já dizer que V. Exa. tem razão em alguma cousa.
O Orador: - Ora é-me sumamente grato registar a confissão expressa por V. Exa., de que tenho razão em algumas considerações feitas, ainda que eu lhe diga que tenho a plena convicção de estar assistido do inteira razão na critica que estou desenvolvendo.
Nestas condições, o prosseguindo na análise do respectivo parecer, eu direi que não me soava bem, efectivamente, que a comissão fizesse a declaração de que, sem reservas, aceitava pura e simples a extinção do Ministério dos Abastecimentos. Daí o meu reparo, e é claro; sem melindre para a opinião de todos os membros da comissão o muito em especial para a do Sr. relator, a quem me dirijo. Eu entendo, realmente, que hão era um bom acto de administração, como o não era político, sobretudo no momento actual, a extinção do Ministério dos Abastecimentos, sem primeiro se ver qual o fundo de verdade das afirmações lá de fora e, particularmente, as aqui proferidas, pois que as do público perdem-se no ar, com facilidade, passadas as primeiras impressões. Mas as que aqui ouvimos, ficam escritas, e portanto perduram através dos tempos. Por consequência, era necessário que todas essas afirmações fossem rectificadas a não serem verdadeiras; ou devidamente esclarecidas no caso contrário.
Mas liquidar pura e simplesmente o Ministério dos Abastecimentos, permita-me V. Exa. que lhe diga que me não posso conformar e que a minha sensibilidade se sentiu alterada desde logo, porquanto toda a gente veria nesse impulso e na precipitação com que o assunto era tratado uma prova de debilidade na administração dos negócios públicos.
Atravessamos uma hora em que devemos pôr de parte todas as fraquezas e congregar esforços para que duma vez para sempre haja a energia para remediar males passados, que tam perniciosos têm sido, porque se trata do futuro da nossa nacionalidade.
Sr. Presidente: extinguir o Ministério mencionado sem um inquérito rigoroso e honesto levado a termo por homens de imparcialidade, de carácter impoluto, de inteligência lúcida e de qualidades indiscutíveis sob o ponto do vista político, acho que é um êrro gravíssimo e um incentivo a desmandos de toda a espécie.
É preciso conjugarem-se boas vontades para se investigar da proveniência da previlegiada situação económica dos que nada possuíam o andam sujeitos às vaias e aos protestos indignados da multidão.
Isto é que se me afigura uma obra perfeitamente moral o lapidarmente republicana.
Pois, então, Sr: Presidente, sendo eu um homem de leis, podia consentir que sem o meu protesto veemente se liquidasse numa penada o Ministério dos Abastecimentos onde, segundo se diz, há arbitrariedades aviltantes e inqualificáveis monstruosidades?
Desnecessário será salientar a V. Exas. que eu, quando aquiesci a assumir o posado encargo para as minhas debilitadas qualidades intelectuais, de tomar assento nesta Câmara, foi para me empenhar no debate de todas as causas justas que interessem à vida nacional.
Eu que nada mais possuo e de nada mais me vanglorio, além duma labuta honrada e áspera, defendendo a verdade e a justiça pelos tribunais e que, por assim ser, não me arreceio das arremetidas dos delapidadores de dignidades que constantemente pretendem tolher-nos o passo, aqui me encontro colaborando voluntáriamente nesta obra de indiscutível moralidade. Sempre assim fui, sou e serei, não olhando nem a desgostos nem a perigos, que não sinto, nem vejo.
Bem vêem que não estou a fazer uma defesa intemerata, viva e apaixonada do Ministério dos Abastecimentos ou do pessoal que lá se encontra. A justiça há-de ser feita próximamente a culpados e inocentes.
Sr. Presidente: concatenando as minhas considerações, julgo ter manifestado que não concordo com os fundamentos do parecer em análise.
Nele se diz:
"É um acto de ordem e uma medida de economia".
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Mas eu estou costumado a discutir com argumentos que mereçam a nossa reflexão.
É um acto de ordem a extinção do Ministério dos Abastecimentos?
Não. É um acto do pura desordem, como demonstrarei, sem desprimor para quem firmou este parecer.
É uma medida de economia?
Tam pouco. Sou muito lógico, muito positivo, primando por me afastar das fantasias e das afirmações gratuitas. Afirmar é fácil, tanto mais quando se fazem promessas para o futuro; o que se torna difícil é explicar, é provar, é efectivar os compromissos tomados. Desejo ver as cousas perfeitamente claras e por isso observemos se do parecer pode apreender-se qualquer indício da realidade dessa economia anunciada.
O Sr. António Fonseca: - Ora essa! Então não leu V. Exa. o projecto. Não repara que se extinguem lugares?
O Orador: - Li, sim senhor, e com todo o cuidado o a prova é que lhe estou fazendo a crítica. Refere-se V. Exa. à extinção de lugares. Mas quais? Os do Ministro e secretários? É nisso que consiste a tam decantada economia? Não percebo, visto que o parecer nada põe a descoberto.
O Sr. António Fonseca: - Mas não há de facto economia se se dispensarem os serviços de certos empregados?
O Orador: - Isso di-lo V. Exa., não o diz o parecer, além de que era um acto de manifesta desordem, encarado sob o ponto de vista jurídico, visto que há direitos adquiridos e a lei geral não admite aplicação retroactiva. Demais o próprio artigo 14.° da proposta garante aos funcionários as categorias dos lugares que estão desempenhando. Lá se encontra muito expresso, sem admitir dúvidas. 0nde está, portanto, a economia, pregunto com aquele direito que me dá a razão?
Mas, prosseguindo, devo salientar esta passagem do parecer em referencia:
"Os serviços que constituíam o Ministério a extinguir são distribuídos pelos outros Ministérios, etc."
Estas palavras são a prova eloquente de que o Ministério que se pretende extinguir tem direito a existir. Pois se se fala em serviços e não em empregados, é porque os ditos serviços são imprescindíveis. Di-lo a própria comissão, garante-o em suas linhas gerais a aludida proposta.
"Sendo assim, como se vai afectar a vida interna dêsses outros Ministérios, sobrecarregando-os com semelhantes serviços?
O Sr. Abílio Marçal: - É que tambêm dêsses Ministérios passaram para o dos Abastecimentos serviços que voltam agora à sua primitiva situação.
O Orador: - Conheço isso perfeitamente, e quando tratei do assunto, pela primeira vez, nesta casa do Parlamento, a êsse facto me referi, explicando que o Ministério dos Abastecimentos tinha sido criado por meio da desagregação dalguns ramos de serviços saídos do antigo Ministério do Fomento.
O Sr. Abílio Marçal: - No Ministério dos Abastecimentos há serviços de duas naturezas: serviços de carácter permanente e serviços de carácter, transitório, que tendem a extinguir-se.
O Orador: - Nesse ponto é que não podemos estar de acordo, e ainda bem que V. Exa. me obriga a antecipar uma afirmação que já tencionava fazer e que deveria despontar na altura própria da minha exposição.
Disso V. Exa., e com inteira verdade, que no Ministério dos Abastecimentos há duas espécies de serviços: a de carácter permanente, que para êle passaram doutros Ministérios, e os de carácter transitório, que tendem a extinguir-se.
As nossas opiniões é que se não podem conciliar no que diz respeito a esta última parte; pelo contrário, afastam-se como dois polos negativos, tendo eu já deixado entrever na resposta que os serviços do carácter transitório, que foram impostos ao País pelas exigências da guerra, não podem ser considerados desnecessários e não se descobriu, nem é possível, por emquanto, a oportunidade de assim os considerar, sabendo-se que a situação se agrava cada vez mais.
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Pondere a Câmara êste facto indiscutível, que é sintomático e que tam bem se adapta aos âmbitos desta discussão.
Têm vindo ultimamente para esta cidade inúmeras toneladas de açúcar, mais que suficientes para abastecer o mercado do País, e sabe-se, porque a imprensa o tem dito e o público o tem verberado, que desapareceu inteiramente como por encanto. (Apoiados). Com outros géneros do primeira necessidade acontece o mesmo. De modo que a vida hoje está bem mais difícil e mais cara do que no decurso dessa tremenda guerra. (Apoiados).
Eu sei que no parecer avultam estes períodos.
"Foi êle criado para melhor servir uma situação de serviços, difícil e agitada, proveniente do estado de guerra" e "terminada, felizmente, a guerra, melhorada a situação pública e começando os serviços a regressar à sua normalidade, legítimo e justo é que comecem a eliminar-se os órgãos que foram criados para servir um estado social que profundamente se transformou".
Acho tudo isto extraordinário, o daí os meus reparos. Pois haverá situação mais difícil do que a actual? Se as dificuldades aumentaram, como patentemente se prova! Poderá porventura, assegurar-se que a situação pública melhorou e os serviços começam a regressar à normalidade? Óbvio se torna tirar conclusões, porque elas estão patentes em todos os espíritos.
Por consequência, se êsses órgãos que foram dar vida ao Ministério dos Abastecimentos se aproveitaram e apropriaram para melhor servir uma situação agravada com a carestia de géneros ou com o açambarcamento dos mesmos, a sua missão ainda se impõe como necessária, visto que provado está que subsistem essas dificuldades ou, por outra, atingimos hoje uma inegualável conjuntura. É triste, mas é verdadeiro. Não sendo assim compreendido, não tem razão de existir a lógica e a razão.
E o que é deveras lamentável, mas seguro, é que concorreu bastante para agravar a situação precária em que nos encontramos a afirmação, que eu generosamente apelido de precipitada, de que se ia extinguir o Ministério, sendo de notar, por estranhável, que essa certeza tocou todos os espíritos, lá fora, antes que o Parlamento, o único que o podia dizer, se pronunciasse definitivamente sôbre o assunto!
Para o comprovar está o facto palpitante do que, após a apresentação da proposta de lei e, sobretudo, duma infelicíssima nota fornecida à imprensa, segundo dizem, partida do gabinete do Ministro interino, na qual se declarava que o Ministério dos Abastecimentos dera a alma ao criador, como é vulgar dizer-se entro o povo ingénuo, não houve tropelia que só não cometesse por parte dos açambarcadores que julgaram o campo aberto para as suas indomáveis proezas.
Tambêm pela imprensa, que interessadamente leio, soube que no dia seguinte àquele em que essa infelicíssima nota apareceu, os fiscais das subsistências, querendo cumprir as suas obrigações, foram recebidos a tiro por aqueles que não respeitavam as leis, alegando que êsse corpo do fiscalização tinha desaparecido, visto que o Ministério dos Abastecimentos já não existia.
O Sr. Abílio Marçal: - A fiscalização fica da mesma maneira.
O Orador: - Sim, eu seio-o. Mas não basta. Fiscalização sem distribuição de géneros, feita por um organismo próprio, não faz concordância, por não convir às exigências do País.
Mas há mais, segundo o que se observa do criticado parecer: - "São distribuídos pelos outros Ministérios com o critério que à vossa comissão de administração tambêm pareço aceitar". Quero dizer, o Govêrno deixa êsse cargo e essa responsabilidade à comissão!
Sr. Presidente: há dois pontos que ainda desejo frisar porque corroboram inteiramente a justiça das minhas palavras.
O Govêrno, quando se decidiu a apresentar a proposta de lei em referencia o análise, não a fez acompanhar, como era lógico e natural, dum relatório onde demonstrasse, com argumentos, que por certo tem aos cardumes, a necessidade úrgica e insuperável da extinção do Ministério.
De tal maneira evidenciou, com esta lacuna, que êsse gesto não obedecia senão
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a um prurido do platonismo e que por consequência não interpretava o sentir da opinião pública, que os que sabem ler nas entrelinhas ficaram na persuasão de que pretendia tam somente desonerar-se dum dos números do programa salvador que distribuiu largamente.
Isto conjugado com a solene afirmação do Sr. Ministro do Comércio, que é o interino dos Abastecimentos, que lamento não ver presente, tanto mais por ter sido vítima dum acidente desastroso que eu muito sinceramente deploro, de que o Govêrno não fazia dêste assunto uma questão fechada. Êstes dois factos são em demasia suficientes para demonstrar que o Govêrno não desejava valer-se da sua situação para impor a extinção do mencionado Ministério. É portanto o Govêrno, já pelo seu silêncio no que respeita ao necessário relatório, já pela declaração peremptória e voluntária dum dos seus membros, que vem dar razão às minhas longas considerações.
Estamos pois em face dum complicado problema, que tem de ser meticulosamente estudado e discutido, em cuja apreciação hão-de caber todas as opiniões e argumentos para atingirmos um objectivo que surta os efeitos desejados. Estou antecipadamente certo de que se conjugarão todos os esfôrços, em colaboração lial e profícua, para se ver o que pode utilizar e para que se possa garantir que se cumprem nobremente deveres.
Sr. Presidente: fazendo o exame comparativo entre os artigos 13.° o 14.° da proposta, nota-se desde logo uma inadmissível disparidade, que bem reflecte a precipitação com que foi redigida. Assim declarando-se, no primeiro aludido artigo, que certo pessoal seria dispensado dos seus serviços, logo em seguida se lhe reconhece direitos que aliás o artigo 13.°, ou a lei, seria uma afrontosa ficção neste país, não podia postergar.
Mas já me foi grato registar a afirmação do ilustre relator, de que se não havia de matar, como quem diz lançar na miséria, êsse pessoal, tanto mais, como já disse, que êle tem plenos direitos adquiridos. Ainda assim não poderia prosseguir se não classificasse essa bela afirmativa, como um louvável pronuncio de bondade o justiça, que estou certo será aplicada sem tergiversões.
Êste debate tem de ser apreciado com toda a elevação e critério, para que possamos ser acarinhados com aquele respeito que nossos merecem.
Nesta hora grave, em que é necessário não só purificar os costumes, expurgar velhos hábitos rotineiros, incitar as energias adormecidas dum povo tradicionalmente laborioso, restabelecer a moralidade conspurcada, mas tambêm garantir-lhe que o nosso esfôrço será cada vez mais crescente para que o seu futuro seja risonho e próspero, fomentando o desenvolvimento das riquezas naturais, tam desprezadas, e lutando pelo engrandecimento da precária situação económica ou financeira, não posso compreender como se traga a esta Câmara uma tal proposta, que se traduz num pedido seco, relevem-me a expressão, ambíguo, árido, incongruente, que fere a sensibilidade dos que pela República têm empenhado o que há de melhor na vida.
E para isso, Sr. Presidente, e para terminar êste longo discurso, proferido acerca duma causa que poderão apelidar como entenderem, mas que eu julgo de meu dever proclamar inteiramente justa, não enferretando os pergaminhos do meu passado de paladino da justiça e de pioneiro da liberdade em todos os campos onde esteja presente, sobretudo quando se podem julgar menoscabados os que não têm outros lábios mais eloquentes para os defender e coração mais nobre para os acarinhar, apresento a já aludida proposta de inquérito, para que a honra dêsses humildes, para que o carácter dêsses homens que querem continuar a viver dentro do seu país puros e limpos, fiquem a coberto dos vexames daqueles que na sombra e à traição estão sempre aptos a vibrar a punhalada fatal.
Proposta
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Ministério dos Abastecimentos precisa ser inteiramente remodelado para atingir o fim utilitário a que se destina, mas constando que nele se praticaram os maiores abusos e erros, que podem ferir profundamente a moralidade republicana, resolve promover um largo inquérito parlamentar, para inteiro esclarecimento do país, escolhendo para a comissão que deve levar a cabo o aludido
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inquérito os Deputados Luís António da Silva Tavares, de Carvalho, António Pais Rovisco, Aníbal Lúcio de Azevedo, Afonso de Macedo, Alves dos Santos, Aboim Inglês e José da Costa Júnior, com amplos poderes para agregar a si as individualidades que julguem necessário ao bom resultado dêsse inquérito e relegar ao Poder Judicial todos os funcionários responsáveis, devendo esta missão parlamentar ser gratuita. - O Deputado, Orlando Marçal.
Lida na Mesa, a Câmara admitiu-a.
Os "àpartes" intercalados no discurso não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
São lidas na Mesa as seguintes substituições temporárias:
Comissão parlamentar de instrução superior:
Para substituir os Srs. Dias Pereira, Augusto Nobre, Barbosa de Magalhães, Leonardo Coimbra o Vitorino Guimarães, são nomeados os Srs. Nuno Simões, Costa Cabral, António Fonseca, João Camoesas e Álvaro do Castro.
O Sr. Alves dos Santos: - Mando para a Mesa um parecer da comissão de ensino superior.
Vai adiante por extracto.
O Sr. António Fonseca (para um requerimento):- Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se delibera que se prorrogue a sessão nos termos de ontem, para se discutirem os projectos que estão dados para ordem do dia.
O Sr. Costa Júnior (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: eu pregunto a V. Exa. qual é o número total dos projectos marcados na ordem do dia de hoje.
O Sr. Presidente: - Salvo êrro, a ordem do dia é composta de 38 projectos.
O Sr. Costa Júnior: - V. Exa. pode informar-me se a prorrogação se refere só à sessão de hoje, ou se abrange as sessões seguintes?
O Sr. Presidente: - O requerimento do Sr. António Fonseca é só para a sessão de hoje.
O Sr. Brito Camacho (sôbre o modo de votar): - Realmente, Sr. Presidente, eu não sei como posso dar o meu voto a êste requerimento, sem ter conhecimento absoluto do que êle tem em vista. Parece-me que são para atender as observações do Sr. Costa Júnior, porque, nos termos em que V. Exa. estava consultando a Câmara, para que a sessão fôsse prorrogada até se votarem os projectos dados para ordem do dia, subentende-se que V. Exa. não tinha de preguntar se a Câmara deliberava prorrogar a sessão, como amanhã não terá de o fazer, visto que se tomou a resolução do prorrogar a sessão até se discutirem o votarem todos os projectos que estão dados para ordem do dia.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: - A razão do meu requerimento foi porque não se entendeu, como devia ter-se entendido, que a sessão de hoje era a prorrogação da de ontem; e porque só não procedeu assim, havendo uma hora antes da ordem do dia para trabalhos da Câmara, e visto que se tratava do sessão nova, julgava que a deliberação de ontem nada tinha para a sessão de hoje. Mas só V. Exa., Sr. Presidente, entende que esta sessão de hoje não é sessão nova, eu então desisto do meu requerimento, porque fica entendido que logo à noite se fará prorrogação desta sessão.
Àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A prorrogação da sessão de ontem foi só para a sessão de ontem, e o respectivo requerimento foi assim apresentado.
O requerimento que V. Exa. faz agora é diferente, pois diz que seja prorrogada a sessão até serem votados os pareceres que estão na ordem do dia.
S. Exa. não reviu.
O Sr. António da Fonseca: - E assim mesmo, ficando V. Exa. autorizado a interromper a sessão sempre que o julgue conveniente, para evitar o moto-contínuo.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação o requerimento do Sr. Deputado
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António da Fonseca, para ser prorrogada a sessão até se votarem todos os pareceres que estão na ordem do dia.
Foi aprovado.
O Sr. Vergílio Costa: - Requeiro a contraprova e invoco § 2.° do artigo 116.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Não há número. Vae proceder-se à chamada.
Procede-se à chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 52 Srs. Deputados.
Vai proceder-se à contra-prova requerida pelo Sr. Vergílio Costa.
Foi aprovado novamente o requerimento.
O Sr. António Fonseca (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra para invocar o artigo 120.° do Regimento.
Invocando êste artigo, espero que V. Exa. determine que sejam publicados os nomes dos Srs. Deputados que faltaram à sessão do dia 30 último, para que o país saiba os que faltam às sessões.
Aproveito a ocasião para pedir que V. Exa. me informe, logo que possa, do número de requerimentos que foram feitos na mesma sessão do dia 30, e o nome de quem os fez, pedindo para proceder à contagem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - O artigo 120.° do Regimento, invocado por V. Exa. será cumprido, como tem sido sempre.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Orlando Marçal: - Peço a V. Exa. que me informe se o requerimento do Sr. António Fonseca abrange tambêm as sessões seguintes.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente: - Parece-me que assim se entende êsse requerimento. É para todas as sessões.
O Sr. Ladislau Batalha: - Desde que êsse requerimento foi aprovado assim, acabou de uma vez a minha interpelação; mas eu protesto energicamente contra o facto, para que o País saiba que não posso defender os seus interêsses. (Ápartes).
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não posso consentir que V. Exa. fale, porque não tem a palavra.
Quando V. Exa. começou a falar, eu ia consultar a Câmara sôbre se V. Exa. podia continuar a sua interpelação na sessão ou sessões seguintes.
S. Exa. não reviu.
O Sr. António Fonseca: - Quando fiz o meu requerimento, não tive, nem podia ter de modo nenhum o intuito de impedir que o Sr. Ladislau Batalha tratasse do assunto da sua interpelação, e certamente o Sr. Presidente do Ministério e todos os Srs. Deputados estão na disposição de permitir que S. Exa. se ocupe dêsse assunto.
Isso está no espirito de todos, e eu, sendo necessário, até tomaria a iniciativa para que isso se pudesse fazer.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Respondi ao Sr. Batalha que o assunto tinha ficado prejudicado, porque essa era, evidentemente, a consequência lógica da votação do requerimento do Sr. Deputado António Fonseca. E em vista, porém, da atitude da Câmara perante as palavras de V. Exa., eu tomo a resolução de lhe dar a palavra amanhã, ao reabrir a sessão, para tratar do assunto de que se deseja ocupar.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Plínio e Silva (para interrogar a Mesa): - Peço a V. Exa. a fineza de me dizer se, em face do requerimento do Sr. António Fonseca, fica coartado em absoluto o direito que os Deputados têm de tratar doutros assuntos, para o que o Regimento destina uma parte especial, chamada antes da ordem do dia, e outra parte denominada antes de se encerrar a sessão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Em virtude da aprovação do requerimento do Sr. Deputado António Fonseca, não há espaço algum disponível antes da ordem do dia, nem antes de se encerrar a sessão.
S. Exa. não reviu.
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O Sr. Plínio e Silva: - Peço a V. Exa. que faça registar o meu mais veemente protesto contra tal deliberação.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: nos termos regimentais, começo por ler e mandar para a Mesa uma moção de ordem.
Sr. Presidente: quando há pouco o Sr. Deputado Orlando Marçal afirmou, com muitos e variados argumentos, que não devia ser extinto o Ministério dos Abastecimentos, convenci-me de que um só dêsses argumentos poderia ter vindo até aqui, pois é realmente para lamentar que o Govêrno hão tivesse feito preceder de um largo relatório a proposta em discussão. Tudo mais que disse o Sr. Dr. Orlando Marçal, embora com muita eloquência, serve somente para justificar a extinção dêsse Ministério.
Nas suas considerações, o Sr. Dr. Orlando Marçal referiu-se, e largamente, aos serviços prestados por alguns funcionários dos Abastecimentos, e foi nos serviços dêsses funcionários que procurou basear aquilo a que poderemos chamar a defesa da existência do Ministério, cuja extinção o Govêrno propõe. Ora, ninguêm nesta Câmara quere aliviar os funcionários do Ministério dos Abastecimentos, que praticaram faltas, do pêso das responsabilidades que lhes cabe, nem aos que serviços praticaram o sentido do reconhecimento que por parte do Estado lhes é devido. Nestes termos, tudo quanto tende a fazer o elogio ou condenação dos funcionários dêsse Ministério, nada tem com o assunto em discussão.
Em que se fundam, Sr. Presidente, os que aqui disseram que o Ministério dos Abastecimentos era absolutamente imprescindível pela função social que tinha de desempenhar? Realmente com a criação do Ministério dos Abastecimentos procurou-se corresponder a uma necessidade de momento, necessidade que poderia agora ser invocada, se êle tivesse satisfeito com exactidão à finalidade que lhe fora incumbida. Mas assim não sucedeu. E tanto que à volta do Ministério se criou, em todo o País, uma densa atmosfera de antipatia e de oposição, hão só sob o ponto de vista moral e administrativo, mas até sob o ponto de vista da competência.
Na verdade, o Estado foi muito infeliz em todos os processos que empregou para conseguir a melhoria das condições de vida. E tam infeliz, que enfrentando-o com a acção admirável da Câmara Municipal do Pôrto, a cujos membros, todos homens de acção e do trabalho, a que presto a minha homenagem, logo se conclui o desastre que foi para a economia nacional um tal Ministério pessimamente organizado e com pessoal escolhido sem critério. Pois a Câmara do Pôrto, em quanto viveu independente do Ministério dos Abastecimentos, exerceu uma função admirável, e a sua economia exemplar sem dúvida só se anormalizou quando êsse Ministério se intrometeu nos seus negócios em 1918, com prejuízo do povo por quem era possível fazer-se muito mais, dentro dum país como o nosso, que vem lutando com todas as crises. Mas, Sr. Presidente, cabe-me chamar a atenção da Câmara para uma notícia que veio há dias nos jornais e que é a mais forte censura dirigida até hoje ao Ministério dos Abastecimentos.
Refiro-me a uma declaração dalguns funcionários dêsse Ministério, frisando que não queriam ganhar mais. As declarações doutros funcionários em seguida a estes constituem um libelo tremendo pelo que respeita ao recrutamento do pessoal, ao seus serviços e à remuneração dêstes.
Sr. Presidente: o Sr. Deputado que acabou de Mar fez mais a defesa da organização burocrática do Ministério dos Abastecimentos, do que outra cousa.
Defendeu os funcionários, mas não justificou a orientação dos serviços, nem a acção até agora realizada.
Para o nosso caso é indiferente que dentro do Ministério dos Abastecimentos haja bons ou maus funcionários e tenham ou não prestado serviços à República.
Não é disso que se trata.
Quem prevaricou, será legal e oportunamente castigado.
Quem procedeu bem, não deixará de ser apreciado como deve.
De resto, os funcionários que tem direitos adquiridos passam para outros Ministérios, onde ficam exercendo as funções em harmonia com as necessidades dos serviços.
Já vai sendo tempo de assentarmos em que o País não é Lisboa, e muito menos o Terreiro do Paço.
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Sr. Presidente: o País descreu absolutamente das vantagens que se apregoaram como produzidas pelo Ministério dos Abastecimentos.
Com desconfiança vê uma legião de funcionários espalhados pela província, sem nenhuma vantagem para as necessidades públicas.
Com hostilidade começa a ver que êsses funcionários, ou não fazem nada, ou só fazem mal.
O exemplo da Câmara Municipal do Pôrto, que não precisou do auxílio do Estado para fazer uma grande obra de melhoria local em matéria de subsistências, deu ao País a medida exacta da capacidade administrativa do Estado neste assunto.
Por isso o País exige que se prescinda duma organização que é prejudicial à vida económica do Estado e às necessidades gerais.
Demais, a extinção do Ministério representa uma economia.
Só o regresso às suas funções, dos funcionários doutros Ministérios em comissão nos Abastecimentos, representa muitos contos a abater às despesas gerais.
Na moção do Sr. Orlando Marçal pede-se para nomear uma comissão para investigar as irregularidades dos Abastecimentos.
Entendendo que êle deve ser extinto, declaro que nenhuma má vontade tenho aos seus funcionários, desejando até ver galardoados os que trabalham o não prescindindo de que sejam castigados os que prevaricaram do qualquer modo.
Em benefício dos interêsses do Estado, em benefício do País, o Ministério dos Abastecimentos deve ser extinto.
Leu-se a moção do Sr. Nuno Simões e foi admitida.
É a seguinte:
Moção
Considerando que o Ministério dos Abastecimentos e Transportes, tal como foi estatuído pelos decretos n.ºs 4:879 e 5:787, não corresponde às actuais circunstâncias da economia nacional nem corresponde de facto à função, que foi chamado a desempenhar;
Considerando que a extinção dêsse Ministério, de modo algum envolve, em relação aos seus funcionários, a irresponsabilidade de quaisquer faltas praticadas ou o não reconhecimento de serviços prestados;
Considerando que todos os serviços a cargo do mesmo Ministério se mantêm, passando apenas a ser integrados em outros Ministérios já estabelecidos, o que além de garantir melhor a sua execução, só traduz numa útil diminuição de despesa.
A Câmara continua na ordem do dia. - Nuno Simões.
Admitida.
O Sr. Costa Júnior: - Começo por fazer uma declaração à Câmara antes de encotar as minhas considerações, e é que estou convencido de que se no Ministério dos Abastecimentos há empregados honrados, há tambêm lá muitos que o não são. (Apoiados).
Uma voz: - O que está em discussão, não são os empregados; é o Ministério.
O Orador: - Para o Ministério dos Abastecimentos entraram indivíduos apenas contratados, sem categoria, e sendo assim, êsses indivíduos não podem passar para outros Ministérios, ficando com uma categoria definida.
Pela última organização foram lá colocados indivíduos incompetentes.
Eu quando chegar ao artigo 13.° apresentarei uma proposta.
Entendo, Sr. Presidente, que o Ministério dos Abastecimentos deve ser extinto, mas depois de se fazer uma sindicância no sentido de se averiguarem os factos criminosos ocorridos nesse Ministério.
O encarregado da secção de arroz deixou perder 100 contos dêsse género, lesando assim o Estado nesta quantia.
Como êste, muitos casos idênticos se têm passado nas várias repartições do mesmo Ministério.
O Sr. Afonso de Macedo já aqui citou vários factos, que, por serem de extrema gravidade, obrigam a que uma rigorosa sindicância se faça aos actos dos funcionários do Ministério dos Abastecimentos, para que lhes sejam tomadas as devidas responsabilidades, o só então, depois de absolutamente isentos do culpa, êsses funcionários devem ingressar nos outros Ministérios, só houver vagas, visto que foram, contratados e não nomeados, saben-
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do-se que, logo que acabasse o Ministério dos Abastecimentos, terminava o contrato que tinham feito de servirem o Estado.
Nem o Sr. Ministro, nem a comissão ponderaram esta circunstancia, que aliás é de extrema importância.
É assim mesmo, e por minha parte, podem crer que serei incapaz de praticar a mais pequena injustiça.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. Augusto Dias da Silva: - Sr. Presidente: não posso concordar com o pensamento do Govêrno, traduzido na proposta que êle apresentou a esta Câmara, para extinção do Ministério dos Abastecimentos.
Não se trata dum organismo inútil.
O que há a constatar, é que êle ainda não correspondeu à sua missão, porque infelizmente não tem sido orientado no sentido de prestar benefícios ao País.
É um Ministério útil.
Desde que seja dirigido com competência e orientado sob os preceitos a que obedece o seu fim, pode prestar bons serviços: será o regulador de preços dos artigos mais necessários a vida.
Veríamos então nesse organismo, uma verdadeira escora a opor toda a resistência contra as desmedidas ambições dos açambarcadores em benefício do povo:
Sr. Presidente: o que há a fazer é reorganizar êsse Ministério, por forma a que que possa vender os artigos do primeira necessidade, no mercado, em concorrência com o comerciante.
Se o Ministério dos Abastecimentos fôr reorganizado dentro de bases novas e inteligentes, indo-se até o ponto de conceder uma determinada percentagem aos seus funcionários, êle corresponderá por certo à função que lhe cabo desempenhar. Agora emquanto êsse Ministério fôr, como todos os outros, albergue do burocratas; emquanto fôr uma empoeirada repartição de Estado, nunca êle poderá cumprir o seu importantíssimo papel.
O povo português não pode por mais tempo estar à merco de incompetências. É necessário que todos trabalhem: Ministros, funcionários e Parlamento; de contrário nunca o mais comezinho problema de administração pública obterá solução.
No dia em que o Ministério dos Abastecimentos fôr composto por criaturas competentes e não por doutores, que podem perceber muito de leis, mas que não percebem nada de géneros de primeira necessidade, então, sim, estou convencidíssimo de que êsse Ministério, com uma feição absolutamente prática, terminará de vez com criminosos abusos, com especuladores e com açambarcadores, cujo pêso já demasiadamente o povo tem suportado. Far-se há uma equitativa distribuição dos produtos, cotar-se hão estes pelos seus exactos preços, e nos mercados não se ressentirá a falta dos géneros indispensáveis à vida.
O Ministério dos Abastecimentos, tal como eu o idealizo, deve ter um fim diverso daquele que teve durante a guerra, no sentido de competir com o comércio livre.
O Sr. Presidente: - A sessão deve prosseguir às 21 horas e meia.
Está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 10 minutos.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: trata-se, neste momento, dum projecto que extingue o Ministério dos Abastecimentos, e desde já devo dizer que não me move nenhuma má vontade contra êsse Ministério.
Para que foi criado êsse Ministério senão para fornecer, directa ou indirectamente, os elementos indispensáveis à nossa sustentação e à nossa vida económica, e para normalizar os preços elevadíssimos que têm tornado insuportável a vida do País?
O que fez êsse Ministério?
Satisfez aos pontos de vista para que foi criado? (Apoiados). Não!
Mas os defeitos da sua organização não bastam para a sua condenação. O que temos é de modificar os nossos processos administrativos.
Eu tambêm, por mal meu, estive uma vez a dirigir êsse Ministério, e tive ocasião de ver o que lá se passava.
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Figuras distintas de todos os partidos, tanto da República como da monarquia, procurando-me muitas vezes, preocupavam-se com tudo menos com o País.
Eu posso falar desassombradamente sôbre o Ministério dos Abastecimentos, porque não sou homem de negócios, não recebo juros de quaisquer papéis.
Eu tive ocasião de me encontrar face a face com êsses homens, que cá fora são criaturas muito respeitáveis, mas aí só se preocupam com os seus negócios, procurando tantas vezes prejudicar o Estado, comprometendo gravemente os interêsses públicos.
É preciso notar que a moral do negócio não é a moral do Estado. O mal não é do Ministério dos Abastecimentos, é da sociedade portuguesa, da qual êsse Ministério faz parte e é espelho. (Apoiados).
Não se compreende a extinção do Ministério dos Abastecimentos quando não entrámos ainda na normalidade, e quando lá fora ainda se estão tomando medidas rigorosas contra os açambarcadores.
Que se melhore aquele organismo, sim; mas extinguir tais serviços, neste momento, não.
O Estado é que vem afinal a sofrer todas as consequências dos nossos erros.
O Ministério dos Abastecimentos não merece as condenações formais que nesta casa do Parlamento lhe têm sido feitas. (Apoiados).
Era preferível que todos nós envidássemos os nossos esfôrços no sentido de melhorar aqueles serviços, de maneira a podermos defender o Estado e defender a nossa economia contra aqueles que por aí passam de automóveis com caras mulheres, rindo-se de tudo e de todos.
Emendemos a mão, melhoremos os serviços, mas não os condenemos como represália ou com propósitos destruitivos.
Sr. Presidente: eu sou abertamente, neste momento, contra a extinção do Ministério dos Abastecimentos. Vejo que a maioria da Câmara anseia pela extinção dêsse Ministério, cometendo assim, a meu ver, um grave êrro.
Admitida, porém, essa hipótese, eu tenho de enviar para a Mesa algumas propostas sôbre êste projecto de lei. A respeito delas farei ligeiras referências.
O n.° 11.° do artigo 2.° diz:
Leu o texto citado, que consta do projecto que atrás fica transcrito.
O Orador: - Salvo melhor opinião, esta redacção deixa muito a desejar. Dizer-se que se autoriza a dispensa dos funcionários, independentemente da extinção dos serviços, pode dar lugar a que outros Srs. Ministros, que não V. Exas., dispensem os actuais funcionários para os substituir por outros. Vejo aqui, unicamente, uma margem para preterições de direitos sem vantagens para o País. Nestas condições, entendo que convêm uma proposta que vou apresentar.
Passamos ao artigo 13.°
Imaginem V. Exas. que se organizou um quadro que apenas traz os números dos diversos funcionários, para cada serviço.
Não se refere às suas pessoas nem às suas aptidões.
Sabendo nós que nessa numeração se seguiu apenas, pode dizer-se, a ordem alfabética, conclui-se que é possível encontrar em primeiro lugar exactamente quem tenha menos competência e menos tempo de serviço. Isto é uma grande iniquidade.
É um princípio honesto, pois, reconhecer a todos os mesmos direitos, visto que não se fez um recrutamento capaz para a admissão. Quem lá está não tem culpa de se chamar António ou Venâncio. Quem lá está não tem culpa de que se empregassem 300 ou 400 pessoas em serviços para os quais apenas bastariam 200.
Estão lá? É um facto consumado.
São direitos adquiridos, que temos de respeitar.
Salva a redacção, vou mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 13.°
Isto é que é justo e honesto. Mas há mais.
Se entendemos que êsses funcionários excedem a lotação do Ministério dos Abastecimentos, para sermos coerentes temos de estabelecer o mesmo critério para todos os Ministérios, porque em todos êles há uma massa exuberante de funcionários que apavora mais do que a que existe neste Ministério. De resto, alega-se que no Ministério dos Abastecimentos há funcionários que, sob o ponto de vista moral, deixam muito a desejar. Mas, Sr. Presidente, a culpa não é deles: a culpa é dos seus superiores, porque aos que não sabem cumprir os seus deveres devem-se
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-lhes aplicar as penas do regulamento disciplinar, que vão até a demissão.
No artigo 19.° diz-se que ficam autorizados os Ministros da Agricultura, do Comércio e Comunicações e o das Finanças a reorganizarem os serviços dos seus Ministérios, de modo a tornarem o mais proveitoso possível os serviços que por esta lei lhes são confiados, e a melhor utilizar o pessoal que lhes é destinado nos diversos serviços dos respectivos Ministérios.
Não há dúvida do que, uma vez que a Câmara reconheceu a necessidade do extinguir o Ministério dos Abastecimentos, distribuindo o pessoal que dêle faz parte pelos outros Ministérios, é indispensável dar atribuições aos titulares dessas pastas, de forma a autorizá-los a fazer uma reorganização de serviços que seja mais vantajosa para o Estado. Mas acho muito lata esta autorização, porque por ela vamos autorizar os três Ministros a fazer uma reorganização geral dos seus serviços.
Podem os Srs. Ministros das Finanças, da Agricultura e do Comércio garantir-me que ainda se conservam no poder por mais algum tempo?
Não garantem.
Nestas condições, eu não posso aprovar semelhante autorização.
Há uma cousa que eu entendo indispensável, desde que a maioria vote aquele artigo.
Nesse caso devo então dizer-se:
Ficam autorizados os Ministérios da Agricultura, do Comércio e Comunicações e o das Finanças a reorganizarem "sem aumento de despesa" os serviços dos seus Ministérios.
Mas é preciso pôr lá "sem aumento de despesa", e já digo a V. Exas. a razão porquê.
Se nós vamos dar ao Govêrno uma autorização tam lata, como a que êle pede, para reorganizar os seus Ministérios, tanto nos serviços administrativos como nos de natureza técnica, nós vamos autorizar implicitamente o Govêrno a entrar nas reformas do instrução, na dos caminhos de ferro, dos nossos transportes marítimos, etc.
Ficam bem. De lá saíram, para lá voltam.
Os transportes marítimos lá ficam e estão lá bem. Não temos necessidade, por virtude da extinção do Ministério dos Abastecimentos, de modificar, por exemplo, o ensino agronómico, o comercial ou o industrial.
Reorganizem-se os serviços administrativos1, mas os técnicos de forma nenhuma, e sem aumento de despesa, porque há sempre uma razão para justificar o aumento de despesa. É possível que alguns Srs. Deputados não tenham dedicado à doutrina dêste artigo toda a sua atenção, mas eu exporei os perigos que podem resultar da sua aprovação.
O meu desejo é afastar tanto quanto possível essa tentação que se manifesta sempre em quási todos os Ministros de reorganizarem os seus Ministérios. Desejam fazer uma obra e, para fazerem essa obra, têm necessidades que justificar todo o aumento de despesa.
De modo que, concretizando, em princípio sou contra a extinção do Ministério dos Abastecimentos, não tendo até agora ouvido um único argumento que me levo a modificar o meu pensamento a êste respeito. Apenas o que reconheço, pela experiência e pela opinião daqueles que defendem incondicionalmente este projecto, é que apenas temos de nos queixar da má organização dêsse Ministério e não da função que êle foi chamado a desempenhar, o que ainda é indispensável.
É esta a minha maneira de ver e, em harmonia com ela, mando para a Mesa uma proposta que espero mereça a aprovação da Câmara.
Foram lidas e admitidas as seguintes propostas do Sr. Jorge Nunes.
Proposta de substituição
Que o artigo. 13.° seja substituído por:
"Logo que o Govêrno tenha procedido à classificação e distribuição de todo o pessoal ao serviço do Ministério, dos Abastecimentos, atribuição que lhe é conferida por esta lei, de harmonia com o quadro de distribuição de pessoal, suas atribuições e vencimentos de decreto 5:787-A, todos os funcionários que excedam êsses quadros serão considerados adidos, na efectividade do serviço, com os vencimentos que recebiam à data da publicação desta lei. - Jorge Nunes.
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Que o § 2.° do artigo 11 seja substituído por:
"A inspecção dos celeiros extinta logo que o Govêrno o julgue conveniente. - Jorge Nunes.
Foi admitida.
Proponho a substituição, no artigo 11.° "o inspector do celeiros e seu adjunto" por "a inspecção dos celeiros". - Jorge Nunes.
O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: desde que pela primeira vez tive a honra de vir a esta casa do Parlamento, o primeiro debate de certa responsabilidade em que falei, deu-se na sessão de 9 de Agosto, quando se discutia o projecto de lei, quê dizia respeito ao regime cerealífero a adoptar neste País. Eu defini imediatamente, duma maneira clara, simples e categórica, a minha atitude perante o problema dos abastecimentos.
Nós temos procurado resolver esta momentosa questão dos abastecimentos com processos, atrasados e retrógrados, que só têm logrado dificultar a sua solução, e que são em grande parte responsáveis da, angustiosa crise de subsistências com que nos temos vindo debatendo. Seria curioso confrontarmos os processos a que nós temos recorrido com os que puseram em prática D. Fernando I e D. Miguel; e seria interessante para verificarmos que a muitos séculos de distância reincidimos sempre nos mesmos erros. Multiplicaram-se as providências fiscais, multiplicaram-se toda a espécie de providências acerca da utilidade das responsabilidades, e o que seria mais interessante fazer-se, que era a multiplicação do produto, a intensificação das culturas, não se realizou, excepto a providência dum projecto de lei que eu e mais alguns deputados trouxemos a esta Câmara e que mais tarde o Sr. Dr. Afonso Costa converteu em decreto com fôrça do lei.
Daí resulta que desde sempre esta malfadada questão dos abastecimentos foi pródiga em conflitos; e eu, que não tenho a pretensão de ser infalível nos meus raciocínios, mas que trouxe para a vida política uma grande vontade de acertar o que, bem ou mal, aqui tenho trazido a esta Câmara as soluções que julgo mais adequadas à minoração das desgraças do meu País, desde logo me mostrei contrário a esta orientação, que veio a transformar-se numa espécie de concentração ao Ministério dos Abastecimentos. Mas se a minha educação de princípios era contrária, a observação dos factos mais me radicou essa opinião, porque êsses serviços, organizados pelas necessidades passageiras e de ordem temporária, não podem de maneira nenhuma, sob pena de lesarem gravemente os interêsses do Estado, converterem-se em serviços definitivos. E que êste critério é o mais justo, manifestam-no abertamente os documentos que tenho presentes.
São chefes de repartição do Ministério dos Abastecimentos, Sr. Presidente, a declararem que têm pessoal a mais do que necessitam. E, por exemplo, o chefe da repartição de contabilidade que diz que o quadro da sua repartição pode ser reduzido. Mais ainda: declara-se em documentos oficiais que os funcionários da repartição de contabilidade não conhecem contabilidade.
Interrupção.
Não estou de acordo com a pletora do funcionalismo administrativo. Um abuso não justifica outro.
O serviço da primeira repartição é desempenhado por 33 funcionários.
E é assim por todos os serviços, e nem assim êles estão em dia.
Tenho aqui uma nota interessante do movimento das repartições desde o armistício. Por êsse documento se vê a orientação errada que tem sido dada ao Ministério dos Abastecimentos, que devendo ser transitório, se tornou em definitivo, o que se não pode admitir.
Na primeira repartição da direcção geral o número dos oficios entrados é em média de 12,5 e a saída 11 1/2, havendo 24 funcionários.
Na 3.ª repartição a média dos ofícios entrados é de 6 e os saídos 3,5, havendo 57 funcionários.
Na 4.ª repartição os oficiais entrados são em média de 20 e os saídos 10, existindo 41 funcionários.
O Sr. Nóbrega Quintal: - Mas nomearam há dias mais um chefe de repartição.
O Orador: - Não defendo o Govêrno, mas uma determinada orientação de ca-
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rácter económico e patriótico, e procedo assim de há muito; e por essa orientação tenho trabalhado sempre e combatido com entusiasmo. Nestes termos, fui um acérrimo defensor do governo transacto.
Sr. Presidente: sou daqueles que no tempo da propaganda me fartava de pregar que um dos grandes males de Portugal era o excesso da burocracia, o hoje tenho o desgosto de reconhecer que não só o regime republicano não conseguiu resolver êsse problema da empregomania, mas antes o agravou considerávelmente.
Quási todos nós temos tido amigos a quem acudir o chegamos a um tal estado do cousas que, quando um desgraçado se nos avizinha, firma-se logo no nosso cérebro a ideia de o fazer empregado público. Eu sou talvez dos que menos pecados dêsses tenho cometido, porque entendo que, se queremos fazer uma obra patriótica que prestigie e defenda a República, temos de enveredar resolutamente, som nenhuma espécie do hesitação, por um outro caminho mais honesto e vantajoso para o País. (Apoiados).
Que autoridade moral podemos ter para pedirmos às classes proletárias dento país que se sacrifiquem nesta angustiosa situação económica que atravessamos, quando nós pejamos de inúteis as repartições do Estado?
Fez-se à volta do assunto que se discute uma campanha enorme.
Não me preocupa a deshonorabilidade dos funcionários do Ministério dos Abastecimentos, porque isso é um caso de polícia a que somos absolutamente estranhos, como membros desta Câmara. De resto, não é pelo facto dum determinado funcionário ser deshonesto, que eu iria propor a extinção do Ministério dos Negócios Estrangeiros por exemplo.
Se entendo que o Ministério dos Abastecimentos deve ser extinto, não é pelo facto da deshonestidade dos empregados, nem das suas convicções políticas - e eu até conto alguns amigos pessoais nesses funcionários, com os quais combati pela República - mas apenas porque devo atender aos interêsses da República e aos interêsses da vitalidade da minha raça, que nós estamos a comprometer de olhos fechados, numa cegueira que conduz ao abismo, não querendo reconhecer que urge absoluta e impreterivelmente que faça-mos uma reorganização a todos os serviços do País, reorganização que tem de iniciar-se nas repartições do Estado. (Apoiados).
O que me importa é a tranquilidade da minha consciência, para que, quando fizer o balanço da minha política, possa constatar que reduzi ao mínimo os meus erros, já que não posso ter a esperança irrisória de nunca ter cometido erros nem de não possuir defeitos.
O que é necessário é que ponhamos as cousas no seu devido pé e nos seus termos próprios.
No tempo do Sr. Lima Basto, quando aqueles serviços estavam apenas a cargo da comissão dos abastecimentos, pode dizer-se que foi o tempo em que foram mais úteis ao País os serviços destas comissões. Nesse tempo as despesas e a comissão de abastecimentos importavam em 6 contos. Vem a reforma Feliciano da Costa, e a despesa duplicou.
Depois, pela reforma Machado Santos, os serviços passaram a custar 50 contos, e em seguida, com a reforma do Sr. Brito Guimarães, o seu custo passou a ser do 62 contos.
Ah! Sr. Presidente, como êstes números são eloquentes!
Êles ficam a gritar pela minha voz, perante a minha intervenção neste debate. São contra os interêsses da República e os interêsses gerais dêste País, e não contra esta ou aquela pessoa.
Não quero protelar o debate.
Feita a definição da minha atitude em matéria administrativa e em matéria de facto, digo que sou partidário de que os serviços dos Ministérios sejam reorganizados devidamente, especialmente os que têm mais utilidade.
No Ministério de Agricultura tem-se feito uma obra extraordinariamente grande.
Dentro em pouco trarei um projecto de lei, em que pretendo pôr em equação o problema da divisão da terra. Nele se combatem aqueles que abandonam a terra, tornando-se parasitas e vivendo de a explorar. E necessário que isto acabe. É necessário que acabo esta pletora de exploradores, que o problema da guerra, veio tornar mais evidente pela escassez da produção.
Os serviços agrícolas têm de ser reorganizados, e a minha afirmativa é corro-
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borada por todas as pessoas consagradas ao estudo dos problemas económicos e agrícolas da nossa terra.
Uma das vantagens citadas para se defender o Ministério dos Abastecimentos vem a ser o das multas. Diz-se que são multados por dia uns tantos comerciantes, como se essas multas não recaíssem sôbre os desgraçados consumidores, em favor dos quais se querem citar as multas. A multa, como indústria, é inadmissível.
Estamos numa hora em que não podemos deixar de nos consagrar com amor ao estudo da vida social, o que não temos feito nos últimos tempos. Hoje é preciso fazer mais alguma cousa.
É necessário fazer vida nova, mas vida nova de facto, e se êsse Ministério que aí está, quiser cumprir o seu dever e honrar a República, só se prestigiará e com êle esta Câmara extinguindo esta monstruosidade, que bastantes males tem acarretado à vida económica da República.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Augusto Dias da Silva: - Cumprindo os preceitos regimentais mando para a Mesa a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: a declaração do Govêrno, trazida a esta casa do Parlamento, de que era necessário acabar com o Ministério dos Abastecimentos, é a declaração formal da sua incompetência administrativa.
Pois a Câmara não vê que desaparecendo o Ministério dos Abastecimentos o comércio irá ficar livre, podendo à vontade arrancar-nos o dinheiro das algibeiras?
Em resposta às considerações do Sr. João Camoesas, tenho a dizer que o Ministério dos Abastecimentos é absolutamente indispensável.
Será preciso, concordo, remodelar êsse Ministério em bases novas, mas não é só com palavras e retórica que o assunto se resolvo.
Há muito que ouço falar em se dar 500 contos ao cooperativismo, mas o certo é, que até hoje nada se tem feito nesse sentido, porque só o que se torna preciso auxiliar é o alto comércio, a alta finança.
Era absolutamente necessário que V. Exa., em lugar de deliberarem sôbre a extinção do Ministério dos Abastecimentos, atendessem mais às necessidades do povo, êsse povo que V. Exas. espingardeiam, que V. Exa. perseguem pelo simples delito de pedir mais alguma cousa para seu sustento.
A extinção do Ministério dos Abastecimentos não tem razão de ser, e V. Exas., quando a situação económica se agravar ainda mais do que já está, hão-de reconhecer a gravidade do êrro que vão praticar.
V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, que anda sempre atarefadíssimo em perseguir os trabalhadores, tendo inventado o bolchevismo para prender os inimigos da sua situação política, embora já tenha reconhecido que muitos dos indivíduos presos são pessoas honestas...
O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. que se dirija à Mesa ou à Câmara.
O Orador: - Desde que o Govêrno adoptou a orientação constante de perseguir os que trabalham, sempre que reclamam melhoria de situação, com o apoio da maioria, que se julga democrática...
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: - V. Exas. não têm o direito de alimentar as esperanças da alta finança, para que, uma vez libertada da entidade que de modo algum podia fazer-lhe sombra, procure sugar-nos ainda mais do que ao presente.
Querem V. Exas. acabar com o Ministério dos Abastecimentos, e estou convencido de que depois, embora já tarde, hão-de reconhecer que foi grande êrro ter-se dado tal extinção, passando as funções dêsse Ministério para os do Comércio e da Agricultura, que ainda menos hão-de fazer.
O Sr. Nuno Simões: - Que é isso?
O Orador: - Convido V. Exa. a dizer-me quais são os projectos de fomento do Ministério do Comércio e os de desenvolvimento agrícola do Ministério da Agricultura.
Sussurro.
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O Sr. Presidente: - A discussão não pode prosseguir nos termos em que está sendo feita. S. Exa. não consinta que o interrompam sem sua autorização. Manter diálogos constantes não pode ser.
Uma voz: - Êle gosta...
O Orador: - Entregassem V. Exas. a gerência dêsse Ministério a um socialista, e até aprendiam.
Uma voz: - A desgovernar?
O Orador: - A administrar com proveito, com utilidade, com sciência, satisfazendo as necessidades do País.
Olhem V. Exas. para o que vão fazer! O assunto é de alta grandeza. Se o não resolverem como é mester, serão V. Exa. os responsáveis pelo agravamento da vida.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas as notou taguigráficas que lhe foram enviadas.
A moção será publicada, quando fôr admitida ou quando sôbre ela se tomar uma resolução.
O Sr. Afonso de Macedo: - Sr. Presidente: debate-se a extinção do Ministério dos Abastecimentos, e eu entendo que é esta a ocasião de cada um dos membros desta Câmara dizer sinceramente aquilo que pensa sôbre essa repartição, do Estado.
Eu não quero ser nem contra, nem a favor da existência do Ministério dos Abastecimentos, por variadíssimas razões que não vem para o caso.
Fui eu há dias que, dentro desta casa do Parlamento, fiz revelações gravíssimas sôbre várias negociatas e péssimas administrações feitas nesse Ministério. Fui eu que há poucos dias sustentei que dentro do Ministério dos Abastecimentos se tinham cometido verdadeiros crimes, crimes propositados, que se podem, com relativa facilidade, trazer à luz do dia, para defesa dos dinheiros públicos.
E sendo eu Deputado, sendo eu representante do povo dentro desta Câmara, entendo que devo lavrar o meu veemente protesto contra essa criminosa administração dos negócios do Estado.
Costumo, através de toda a minha vida sustentar aquilo que uma vez afirmo e responsabilizar-me por todos os meus actos, e por isso eu quero neste momento expor as razões que me obrigaram a pedir ao Govêrno a sua atenção para variadíssimos factos que se deram dentro dêsse Ministério, e que reputo muito criminosos.
Trago-os ao conhecimento do Parlamento, por julgar ser êsse o meu dever e porque, como eu já disse, agravavam os cofres públicos.
Sr. Presidente: eu afirmei aqui, e permita-me V. Exa. que o repita, que não quero com este discurso ir buscar as responsabilidades aos baixos funcionários, ou aos pequenos empregados do Ministério dos Abastecimentos. Não. Êsses quadros de funcionários, que foram organizados ultimamente, têm de facto pouca ou nenhuma responsabilidade nos casos gravíssimos que vou citar, e que se deram dentro dêsse Ministério.
Os meus reparos são principalmente para os altos funcionários do Ministério dos Abastecimentos, que em qualquer outro país do mundo já não seriam funcionários do Estado, mas estariam certamente em condições muito diversas : estariam na cadeia, para responderem pelos crimes que praticaram.
O Sr. Nuno Simões (àparte): - Isso é uma afirmação tremenda!
O Orador: - Ainda bem que V. Exa. diz que isto é tremendo, e porque não quero nunca fazer acusações gratuitas, eu vou já concretizar as minhas afirmações; mas antes disso desejo mais uma vez frisar à Câmara as razões que me levam a vir dizer perante os representantes do meu país que alguns funcionários do Ministério dos Abastecimentos praticaram actos criminosos.
Na última vez que usei da palavra nesta casa do Parlamento eu referi ao Sr. Presidente do Ministério - porque infelizmente não estava presente o Sr. Ministro do Comércio - um caso que é gravíssimo, isto é, a estadia, há um longo tempo, dentro da alfândega, de perto do 10:000 sacas de legumes, que ainda não saíram, e que estão a estragar-se, tendo já sido lançadas ao mar ultimamente, ab-
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solutamente inutilizadas, 35 dessas sacas.
Então não é um crime una lacto desta natureza, numa ocasião em que o povo nada tem que comer, que o feijão escasseia quási absolutamente no mercado?
Eu chamei a atenção do Sr. Presidente do Ministério para êste facto e, com grande espanto meu, eu sei que continua dentro dos referidos armazéns essa mesma porção de legumes, que poderia ter servido para abastecer a cidade e que daqui a dias estará absolutamente inutilizada. Quando me referi a êsses legumes, disse tambêm ao Govêrno que dentro dêsses mesmos armazêns estavam 7:000 toneladas de trigo e 2:600 toneladas de milho. Com estupefacta admiração, vejo que êstes cereais continuam nos mesmos armazéns. Porque razão?
Sr. Presidente: eu vejo que a nossa colheita está à porta, e que se perde uma bela oportunidade de satisfazer as necessidades do povo e do Estado ganhar dinheiro ou de, pelo menos, não perder toda a importância empregada na compra dêsses géneros.
O papel que deveria ter o Ministério dos Abastecimentos falhou por completo, em virtude da sua má organização e do péssimo pessoal escolhido para a direcção e administração do vários serviços.
Sr. Presidente: veja V. Exa. como é difícil agradar às duas correntes estabelecidas dentro desta Câmara, e eu não quero agradar a nenhuma. Por um lado, vê-se uma corrente a favor do Ministério dos Abastecimentos, por outro, vê-se outra contra o Ministério, e eu, que não quero agradar nem a uma nem a outra, porque não quero por um lado pôr-me a favor do alto comércio, nem quero a continuação do Ministério dos Abastecimentos da forma como está agora organizado, tenho sido interrompido tantas vezes, que devia, pela minha pouca prática parlamentar, ser um pouco mais respeitado nos meus discursos por alguns Deputados da maioria.
Sr. Presidente: dizia eu há pouco que era absolutamente contra a maneira como está organizado o Ministério dos Abastecimentos, porquanto essa organização tem dado lugar a irregularidades tremendas e criminosas. Eu vou citar alguns factos, mas antes disso permita-me V. Exa. que eu extranhe que um Sr. Deputado me censure, muitas vezes, por eu lançar mão de factos concretos para vir demonstrar aqui, na Câmara, ao País, a verdade nua e crua; mas nunca me repugnou fazer isso, desde que dentro dêsses factos que eu cito possa estar envolvida a honra e segurança da República. (Apoiados), Eu entendo que a Câmara e o País necessitam saber tudo o que se passa, para depois poderem, julgar com todo o critério e justiça. (Apoiados).
Sr. Presidente: há um director geral dentro do Ministério dos Abastecimentos - e eu não quero atirar com esta responsabilidade para o Govêrno actual, porque o Govêrno não a tem e há-de brevemente vir a hora em que eu hei-de fazer justiça a alguns dos seus membros, a poucos, mas a alguns - há um director geral no Ministério dos Abastecimentos, Ministério a que alguêm já dentro desta Câmara chamou "caverna", que deixou desperdiçar centenas de contos pertencentes ao Estado, e por esta razão simples: é que, sendo avisado dia a dia, hora a hora, de que dentro dum certo armazém estava a apodrecer um género que podia abastecer a cidade, ou que podia, emfim, minorar um pouco a crise das subsistências, êsse funcionário superior tapou os ouvidos a todas as reclamações, esqueceu todos os avisos que lhe fizeram de diversas partes a fim de se evitar que pudesse ser inutilizado êsse género que estava armazenado por conta do Ministério dos Abastecimentos e o deixou apodrecer todo. Isto é simplesmente monstruoso! (Apoiados).
Mas quere V. Exa. ver e a Câmara o que sucedeu mais?! Não foi só a falta de se abastecer a cidade e o prejuízo que o Ministério teve na perda dêsse género. Não, Sr. Presidente. É que o Ministério dos Abastecimentos, além de perder todo o dinheiro que tinha empatado nessa mercadoria, ainda teve de pagar a batelões para a irem lançar ao mar, lá ao longe, por haver apodrecido completamente.
Mas, Sr. Presidente, eu ainda sei mais. Ouvi aqui dizer a um dos mais ilustres membros desta Câmara, o meu querido amigo, Sr. Orlando Marçal, que o Ministério das Subsistências era por assim dizer um baluarte republicano. Eu quero tambêm tocar nesse ponto. Não há dúvida que dentro do Ministério dos Abasteci-
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mentos há muitos republicanos. Mas há lá tambêm muitos funcionários que não podem ver com bons olhos a República, e, por mais fórmulas que se empreguem para os atrair, isso é inteiramente contraproducente. Eu vou citar um caso que se deu nesse Ministério:
Os funcionários duma repartição, por verem que dentro do gabinete do director geral, que reputo uma das figuras que mais prejuízos trouxeram à função para que estava destinado o Ministério dos Abastecimentos, ainda existia o retraio dum vulto que, por infelicidade nossa, passou na terra o na política portuguesa, fizeram uma subscrição, não para afrontar o morto, mas para substituir o retrato por uma figura representativa do seu ideal - o busto da República.
Êsse busto foi comprado e colocado em vez do retrato, no lugar que lhe competia. Horas depois vinha uma ordem terminante do director geral para que apeassem o busto da República, porque não consentia que dentro do seu Ministério os funcionários se manifestassem dessa forma.
Uma voz: - Mas isso é extraordinário!
O Orador: - É possível que amanha surja nos jornais a afirmação de que eu não digo a verdade, mas, se assim suceder, eu provarei o contrário com bastantes testemunhas.
Sr. Presidente: teria pedido a atenção do Sr. Ministro dos Abastecimentos se S. Exa. estivesse presente nesta sessão, como teria pedido a sua atenção se S. Exa. se encontrasse presente na sessão em que falei sôbre êste assunto. Não se encontrando presente, pedi para o assunto a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Sr. Presidente: em muitas repartições públicas há funcionários que continuam o mesmo profundo deprêzo pela República, fazendo a mesma propaganda contra o regime republicano.
Há dias foi aqui dito pelo ilustre leader do partido evolucionista e meu querido amigo, Sr. Júlio Martins, que a sua alma quási que se arrependia em ter demitido alguns pobres e humildes funcionários do seu Ministério quando S. Exa. foi Ministro do Comércio. E absolutamente certo. Muitos de grande categoria, em diversas repartições do Estado, passaram e continuam a passar pela malha.
Agora, Sr. Presidente, entrando na segunda parte das minhas considerações, eu quis dizer que acho que é nula a função dos Ministério dos Abastecimentos?
Não. É por isso que digo que não agrado a gregos nem a troianos e por esta simples razão: é que a função do Ministério dos Abastecimentos pode admitir-se e ser proveitosa para o País, desde que os seus serviços sejam reorganizados, queimadas todas as mazelas que existem nesse Ministério, dando-lhe em seguida uma função comercial absolutamente livre. Pode muita gente julgar que eu desejo ir ao encontro das aspirações do alto comércio; mas não. O comércio deve ser absolutamente livre, para que o Ministro dos Abastecimentos possa fazer-lhe concorrência no sentido de abastecer as praças comerciais e regular o preço dos géneros.
Ora, Sr. Presidente, nunca o Ministério doe Abastecimentos, em Portugal, exerceu essa função, porque nesse Ministério nunca se pensou na forma mais suave e mais natural de beneficiar o público, mas sim, julgando que isso seria a forma mais fácil, do deminuir o preço dos géneros na cidade com multas o outras cousas mais.
Sr. Presidente: disse há pouco o Sr. Deputado João Camoesas, o eu sou da opinião de S. Exa., que todas as multas que possamos ir buscar ao Ministério dos Abastecimentos é natural que não cheguem para pagar aos funcionários da fiscalização, mas tambêm é natural que essas importâncias sobejem. Mas, Sr. Presidente: pregunto a V. Exa. e à Câmara o seguinte: quem é que paga todas essas importâncias?
É o desgraçado consumidor, pela razão de que quando um comerciante é multado, prepara-se logo para poder levar mais uns vinténs para se cobrar da multa. Quem paga afinal é o povo. A minha opinião clara e terminante é que se continuar a viver o Ministério dos Abastecimentos, o Govêrno tem de reorganiza Io mais ou menos de uma forma sensível e inteligente, de maneira que êsse Ministério possa ser um factor para poder baixar os preços dos géneros, e de forma que êle possa exercer a sua verdadeira função dentro da vida económica do País: obrigando as
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casas comerciais a baixar os preços dos respectivos géneros.
Podem muitas pessoas julgar que isso é impossível. Pode mesmo o Govêrno julgar que essa função é absolutamente impossível dentro do Ministério dos Abastecimentos.
Eu julgo que isso se pode e deve fazer, e ainda mais, julgo que é fácil fazê-lo.
Porque se amanhã uma casa comercial, como nós temos em Portugal muitas, mandar vir milhares de toneladas de açúcar e o Ministério lhe fizesse imediatamente concorrência no mercado V. Exas., veriam que apareciam imediatamente açúcar em abundância à venda.
Dizem que não há açúcar em Lisboa e no entanto eu garanto a V. Exa., e é bom que o Sr. Presidente do Ministério ouça isto, que há milhares de toneladas de açúcar dentro de Lisboa, açambarcado em vários armazéns.
Eu entendo que se o Ministério dos Abastecimentos estivesse mais ligado com as necessidades do povo, se estivesse numa mais estreita comunicação com êle, podia exercer uma alta função, que seria impedir a alta exagerada de preços e evitar a escassez artificial dos géneros alimenticios.
Estas minhas considerações tendem simplesmente a demonstrar que se por um lado é útil a extinção dêsse Ministério, tal como êle está organizado, por outro lado seria conveniente, e muito conveniente, organizar-se de uma outra forma, de maneira que o povo pudesse reconhecer a existência dêsse Ministério, e a sua utilidade. Assim tal como está, deve desaparecer, porque não deixa saudades.
Mas qualquer das medidas que a Câmara adoptar, ou pela organização, ou pela extinção dêsse Ministério, eu entendo que seria uma vergonha para o Parlamento da República, que devo viver sempre de par em par com a honra e com a honestidade, que seria uma vergonha repito, que não fôssemos exigir àqueles que cometeram verdadeiros crimes dentro dêsse Ministério a responsabilidade dos crimes que praticaram.
Eu entendo que, seja qual fôr a resolução que a Câmara e o Govêrno adoptarem com relação ao Ministério dos Abastecimentos, tem para honra do todos nós, e eu chamo para isto a atenção do Sr. Presidente do Ministério, de se chamar à responsabilidade todos aqueles funcionários que dentro dêsse Ministério despresaram os interêsses do Estado em beneficio de interêsses particulares, e quem sabe talvez se de interêsses próprios, em várias casas comerciais.
Eu entendo que a República tem de viver da fórmula moralista, e é por isso que eu digo que, seja qual fôr a forma que a Câmara adoptar para a extinção ou não extinção dêsse Ministério, o que o Govêrno tem a fazer imediatamente é chamar à responsabilidade criminal todos os funcionários que esqueceram os interêsses da República, em proveito dos interêsses de casas comerciais e até interêsses das suas próprias algibeiras.
A sindicância a êsse Ministério impõe-se com a maior urgência para apuramento de responsabilidades. Nada de contemplações com criaturas que praticaram actos que só desprestigiam a República.
Sr. Presidente: é isto que eu entendo que se deve fazer, e são estas as considerações que tinha de fazer no Parlamento a propósito do projecto do Govêrno pedindo a extinção do Ministério dos Abastecimentos.
Tenho dito.
O Sr. Aboim Inglês: - Sr. Presidente: não tencionava entrar nesta questão, mas ao ouvir opiniões tam abalisadas, que só encararam o assunto sob o ponto de vista sentimental, ficaria mal com a minha consciência se não dissesse alguma cousa, encarando o assunto sob o ponto de vista económico, que ainda aqui não ouvi frisar.
O projecto em discussão, como medida isolada, creio que não tem uma grande importância para a economia da Nação.
Incontestavelmente o Ministério dos Abastecimentos foi organizado em má sorte, porque desde o princípio o resultado que êle tem dado, a meu ver, tem sido absolutamente nulo ou talvez mais desvantajoso, para a economia da Nação que vantajoso.
Pretender hoje conservar o Ministério dos Abastecimentos, crivado de vícios que eu creio impossível remediar, seria um êrro semelhante à sua criação. E eu creio, o só quem não conhece o labirinto que ali tem havido é que pode pensar do modo contrário, que é impossível por
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uma remodelação fazer ali qualquer cousa útil, porque tenho visto que cada vez que se incumbe ao Ministério dos Abastecimentos qualquer missão, ela é sempre executada de forma contrária; aos interêsses da Nação. Eu podia lembrar, por exemplo, a aquisição de cereais, a questão dos azeites, a aquisição das matérias primas para as indústrias; podia lembrar o petróleo que correu por aquelas travessas do Bairro Alto sem aproveitar a ninguêm e se vendia ao público por preços exageradíssimos, e, tantos outros pontos em que êsse desgraçado Ministério tem tido intervenção: mas para quê, se todos as conhecem!
Devo dizer que não tenho no Ministério das Subsistências amigos nem inimigos, mas, que, tendo a honra de ser Presidente da Associação Industrial Portuguesa, tendo tido ocasião de tratar de perto algumas das questões daquele Ministério, eu não fujo ao desejo de citar, por exemplo, uma dessas questões que bem mostra o desleixo que ali havia.
Numa ocasião em que a indústria da pesca não tinha cabos de aço para lançar as armações do atum, a Associação pediu por intermédio do Ministério dos Abastecimentos a compra de cabos para o lançamento dessas armações. Houve nesse ano armações que não se poderam lançar ao mar em boas condições de pesca porque, dizia-se, não havia cabos; no ano seguinte, quando entrou para lá o actual director geral, recebeu-se um oficio participando que tinham aparecido em depósito alguns cabos e pedindo para se nomear um perito para ver se podiam servir.
De Londres tinham vindo cabos no ano anterior; mas, com a barafunda ali usual, perderam-se os pertences e as facturas, estando a enferrujar-se setenta toneladas de cabos, que chegavam suficientemente para as necessidades da pesca e que ali estiveram mais dum ano ao abandono.
Tem o Estado perdido milhares e milhares de libras por êste processo e continuará o Estado a perdê-los porque é impossível, com os vícios de origem, poder-se chegar a qualquer cousa útil. Se V. Exas. me disserem que a função que o Ministério dos Abastecimentos devia ter exercido já não é precisa, eu direi que estou convencido do contrário, porque neste momento precisamos muita fiscalização não para a distribuição das matérias primas como dos artigos de primeira necessidade, para a sua aquisição e para a regularização dos seus preços.
Mas, Sr. Presidente, antes da criação do Ministério dos Abastecimentos, tambêm era precisa essa fiscalização e ela exercia-se por várias repartições de outro Ministérios. Não vejo, por consequência, motivos para que não continue a exercer-se, então, encarando a extinção do Ministério dos Abastecimentos pelo lado da economia que podia trazer à Nação e pelo da moralidade que representaria o desaparecimento de empregos que foram criados provisoriamente e que julgo que de uma maneira desonesta foram legalizados, entendo que se dignificaria a República suprimindo o Ministério; os funcionários que para ali foram doutros Ministérios que voltassem a exercer os seus antigos mesteres, e os nomeados de novo iriam para um quadro de adidos sem vencimento, esperar vagas do acordo com as suas aptidões.
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: - É preciso não esquecer que foram nomeados mais empregados do que a dotação do Ministério, e que o original do decreto de organização desapareceu, segundo se afirma...
É preciso, Sr. Presidente, encarar o problema de frente. O Sr. Ministro das Finanças trouxe à Câmara o Orçamento Geral do Estado, anunciando 82:000 contos de deficit, e eu, com verdadeiro desgosto o declaro, vejo que vão fechar as Câmaras e que ainda não apareceu uma medida para remediar êste mal, que afoga a nossa nacionalidade. (Apoiados).
O que virá a ser êsse déficit, se continuarmos no desgoverno em que temos vivido?
Qual virá a ser o do próximo ano, se continuarmos na loucura de fabricar notas, sem nos preocuparmos em encurtar as despesas?
Tenho pelo Sr. Ministro das Finanças o máximo respeito e consideração, sabendo bem que S. Exa. fez um trabalho com toda a vontade de acertar e que no que toca a despesas foi tam consciencioso, que quási me aventuro a afirmar que no
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fim do ano muito insignificante será a diferença que se há-de encontrar. No que, porém, diz respeito a receitas, S. Exa. foi, a meu ver, um pouco optimista, e não admira que algumas diferenças haja, por isso que é natural que não tivesse elementos para poder calcular as receitas com a mesma segurança com que calculou as despesas. Por conseguinte, provável é que êsse déficit aparente de 82:000 contos venha ainda a atingir 100:000 contos. Continuando a loucura do fabrico de notas e de bilhetes de tesouro, não sendo adoptadas medidas eficazes, da mais severa economia, se não cortarmos as despesas inúteis, a como estará a libra no próximo ano? Como viverão os empregados antigos e militares que, êsses sim, têm direitos adquiridos, pelos já largos anos de serviço? Qual será a situação dos montepios, de que tantas viúvas e tantos órfãos depende? Qual será a situação dos reformados com a desvalorização da moeda que fatalmente continuará?
O Sr. Augusto Dias da Silva (interrompendo): - E socializar as riquezas.
O Orador: - V. Exa. falará depois, quando tiver a palavra. Não vale a pena estabelecer discussão a êsse respeito.
Daqui a um ano, quando o deficit fôr de 300:000 contos, quando a libra estiver a 30$ e a peseta a 1$, quando os operários pedirem 4$ ou 5$, ou mesmo mais pelo seu salário, quando, emfim, se fizer a verdadeira revolução social, será então essa a ocasião de restringir as despesas? Não seria preferível iniciarmos desde já o necessário corte nas nossas despesas públicas, a principiar pelo Ministério dos Abastecimentos, mas seguido dos outros, a ver se ainda conseguimos salvar a nação?
Quando se chega ao ponto em que estamos, não podemos consentir mais na continuação do imoral desperdício dos dinheiros públicos, sob pena de nos tornarmos cúmplices dos erros que o "criticamos".
Eu ficava mal com a minha consciência se não viesse aqui dizer estas verdades.
É preciso que nós justifiquemos a razão da nossa estada no Parlamento; é assim que se dignifica a República.
Sr. Presidente: a supressão do Ministério dos Abastecimentos, por si só, não basta (Apoiados), é muito pouco; temos de cortar em todos os Ministérios, e cortar profundamente; temos de rever as obras das ditaduras desde 5 de Dezembro, e justamente para criar autoridade para depois exigirmos daqueles que têm, os meios necessários à nossa economia. Desde o momento que tenhamos essa autoridade, então poderemos exigir sacrifícios, mas antes não. Com que direito vamos nós pedir mais impostos para acudir ao equilíbrio dos orçamentos futuros se não moralizamos a administração? Como consequência da guerra, da nossa imprevidência e da nossa falta de tino chegamos a ter 100:000 contos de déficit. A República não pode viver assim! A continuarmos por êste caminho, os nossos credores externos dar-nos hão um tutor, já que infelizmente damos provas de não nos sabermos governar.
O Sr. Afonso de Melo: - Tutor já houve; foi Sidónio Pais.
O Orador: - Mas virão outros mais fortes, que, com argumentos positivos, nos obriguem a entrar na ordem.
A caminharmos por êste caminho onde chegaremos? É preciso ter o desassombro de dizer ao País estas cousas; não nos estejamos a enganar uns aos outros.
É preciso ver êstes males e procurar remediá-los.
Temos uma despesa extraordinária com empregados públicos de 84 por cento das receitas, despesa a que é preciso pôr côbre; é preciso cortar, e cortar cerce.
Trocam-se alguns àpartes.
O Orador: - Dizem: direitos adquiridos? O que representam essas palavras com que andam sempre em tôrno de nós? Os direitos são relativos e nem todos são legítimos.
É tempo de abrir outro caminho, pois a situação é muito grave.
Não devemos ir cortar aos pequenos; não deve ser por aí que nós devemos começar.
Nós precisamos remodelar todos os nossos serviços públicos, com um plano económico previamente estudado; é preciso acabar com essa orgia. É preciso acabar com êsses automóveis do Estado, em que se gastam 2:000 litros de gazolina por dia e milhares de contos por ano em reparações.
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Eu sei que os Srs. Ministros não são culpados, mas o facto é que anda toda a gente nos automóveis do Estado passeiando uma ostentação ilegal e imoral.
Assistimos a êste espectáculo tristíssimo, de ver os automóveis do Estado andarem a marrar uns contra os outros, parecendo que todos os automóveis de Lisboa andam por conta do Estado.
É preciso acabar com as despesas dêsse Parque e com os abusivos aluguéis de automóveis para serviços públicos, pois assim economizaremos alguns milhares de contos por ano.
Nós precisamos cortar profundamente e sem contemplações.
Tambêm não temos o direito de gastar o que figura no Orçamento com o nosso exército.
Eu tenho o máximo respeito por esta instituição, mas o próprio Exército deve reconhecer que nós não temos o suficiente para se gastar 40:000 contos pelo Ministério da Guerra, não contando com 11:500 contos da guarda republicana.
Aqui há uma economia, que se impõe.
Eu bem sei que se diz que todos os serviços são necessários e que não se podem dispensar; mas é preciso pôr as cousas como elas devem ser.
É preciso fazer as despesas em relação às receitas, e só assim nós poderemos subsistir.
Sr. Presidente: repito, creio que só esta medida, de terminar com o Ministério dos Abastecimentos, não resolve a questão. Seja êste o ponto de partida duma medida geral. É preciso que assim seja para conservação da nossa nacionalidade. Deixem-me assim falar, pois foi esta a primeira vez que vim à Câmara, e, porventura, será a última. (Não apoiados).
É uma necessidade, é uma medida de ordem moral, com a qual se levanta e prestigia a República, o entrar num regime de economia em todos os serviços públicos, obras do Estado, arsenais do exército e da marinha e Manutenção Militar: em todos êsses serviços é preciso cortar, e cortar muito, para que as receitas cheguem para as despesas.
Ainda há pouco eu estive a falar com um Ministro que me dizia: "realmente não sei o que tenhamos feito de bom para o País e para a República".
Tem S. Exa. razão; a obra dos republicanos não está na relação da sublimidade dos seus ideais; é preciso terminarem as lutas estéreis que têm consumido todas as energias; é preciso vida nova.
O Sr. João Camoesas definiu há pouco, e muito bem, o que seria essa vida nova da República. Devemos todos senti-la, termos a persistência de trabalharmos em vida nova. Deveríamos cortar profundamente tudo o que faz falta para o equilíbrio da nossa economia, e depois, com as sobras que ainda há, gastarmos muito em obras de fomento.
É preciso gastar muito em obras do fomento! Não se julgue que eu sou dêsses pessimistas que crêem que a minha Pátria está perdida. Não. A nossa Pátria é muito rica; ainda pode levantar-se, mas é preciso termos juízo, é preciso que cessem todas as empenhocas, todas as boas comissões inúteis, todos os desperdícios e até tudo o que se possa dispensar, para que tudo reverta a favor duma obra de fomento, bem estudada p imediatamente executada. É preciso rápidamente valorizar as nossas riquezas. Não sendo assim, caímos no abismo.
Impõe-se que caminhemos por um novo trilho, e que, trabalhando honestamente e em conjunto, triunfemos emfim, explorando proveitosamente as nossas riquezas.
Sr. Presidente: eu vejo que, dentro das medidas do fomento nacional, nós temos as nossas terras por explorar e emigramos, numa média dalgumas dezenas de milhares de pessoas por ano, indo a longínquas terras procurar o que aqui poderíamos encontrar. Isso que foi um vício e que, porventura, nos trouxe uma parte da ruína em que vivemos, transformou-se numa virtude, visto que tem sido a emigração que tem compensado um pouco a desgraça da nossa administração pública pelo ouro que do Brasil nos vem. Mas nós não precisamos de emigrar. Temos a colonização das nossas próprias colónias e da metrópole, onde podem viver dez vezes mais habitantes do que vivem, mas para isso é necessário que fujamos de dar aos outros o que nos é preciso.
Nós temos a qualidade, para não dizer o defeito, de apreciar demasiadamente, duma forma exagerada, tudo o que não é português. Em Portugal, para se ter virtude, é preciso ser-se estrangeiro e as
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nossas boas intenções são quási sempre achincalhadas. É êste um sintoma bem evidente da decadência duma raça.
Urge que tenhamos, emfim, o vigor suficiente para nos levantarmos. Nós temos o Alentejo, que podia transformar-se num grande celeiro de Portugal, evitando-nos de importar cereais, mas para isso é necessário que laçamos um esfôrço e que das sobras desta orgia em que temos vivido, se construam as obras indispensáveis para que essas terras baixas sejam irrigadas.
Nós podíamos irrigar uma parte de Trás-os-Montes, Beira Baixa e o Alentejo, mas era preciso que o fizéssemos já. Eu creio que podemos irrigar 400:000 hectares em Portugal, e nisso estaria um grande factor do nosso ressurgimento económico.
A hora vai adiantada e eu temo de massar V. Exas., e, por isso, noutra oportunidade, eu exporei o que entendo sôbre a valorização das nossas riquezas.
Entretanto é preciso agir e desde já. Desde o momento que passem anos sôbre êste, os deficits acumulam-se e, acumulando-se os deficits, a nossa ruína é inevitável.
Por isso eu dizia que a extinção do Ministério dos Abastecimentos, só por si, pouco representa, e eu lamento, e lamento profundamente, que esta Câmara feche sem que se tenha estudado um programa de realização imediata que pudesse conjugar-se com a extinção do Ministério dos Abastecimentos e a extinção de todos os lugares supérfluos, de todas as despesas supérfluas, criando uma vida diferente daquela que se tem seguido até hoje.
Eu entendo que a moralidade nesta extinção era a de todos aqueles que estão neste Ministério, e que não exerciam cargo algum público até a data da sua formação, ficarem adidos aos outros Ministérios, sem vencimento; e a única regalia que tivessem fôsse a de entrar para os quadros quando, porventura, se dessem novas vagas.
É preciso fazer a amortização aos lugares públicos. E preciso que se ponha em execução a lei de José Dias Ferreira, que não permitia que se pudessem nomear novos empregados.
Se tal se fizesse, teríamos em cinco ou seis anos muitos lugares amortizados, muitas energias no trabalho particular e grande parte do problema resolvido.
O que é preciso é que tenhamos fé e que sejamos portugueses e republicanos. E, procedendo assim, creio que salvaremos a Pátria e a República.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A sessão continua as 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Primeira parte:
Interpelação do Sr. Ladislau Batalha ao Sr. Presidente do Ministério.
Segunda parte:
A ordem do dia de hoje menos os pareceres n.ºs 86, 43 e 83, e mais:
Parecer n.° 155 (constitucional) - Modifica o regime político e administrativo das colónias.
Parecer n.° 171 - Estabelece taxas de imposto sôbre a saída dos vinhos da região do Douro.
Parecer n.° 67 - Concede a pensão anual e vitalícia de 360$ a cada um dos cidadãos João Soares Fernandes e José Marques do Carmo Catarino.
Parecer n.° 71 - Autoriza o Instituto Superior de Agronomia a contrair um empréstimo de 150:000$ para construção e reparação dos edifícios.
Parecer n.° 123 - Modifica o regime administrativo dos Hospitais de Santo Izidro e da Rainha D. Leonor, das Caldas da Rainha.
Parecer n.° 56 - Autoriza a matrícula a alunos da Escola de Guerra.
Parecer n.° 127 - Autoriza a Câmara Municipal de Beja a remir um foro.
Em seguida encerra-se a sessão.
Eram 0,25 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante os trabalhos desta primeira parte da sessão n.° 55
Últimas redacções
Do projecto de lei n.° 17, que autoriza aquisição de oito pequenos cruzadores.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
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Do projecto de lei n.° 18, sôbre acumulações, vencimentos dos funcionários e reembolso.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
Do projecto de lei n.° 52, concedendo a D. Luísa Rosa Pereira de Magalhães uma pensão de 22$50.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
Do projecto n.º lei n.° 95, sôbre pensões a famílias dos empregados das antigas companhias braçais.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
Do projecto de lei n.° 120, que abona subvenções aos funcionários que se aposentaram ou reformaram com vencimentos anteriores a 5 de Dezembro de 1917.
Dispensada a leitura da última redacção.
Para o Senado.
Projecto de lei
Do Sr. Prazeres da Costa, autorizando a Câmara Municipal do Funchal a lançar um imposto sôbre o vime em bruto exportado do Arquipélago da Madeira.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Pareceres
Da comissão de agricultura, sôbre o projecto n.° 55-D, do Sr. Nuno Simões, que estabelece taxas de imposto sôbre saída dos vinhos da região do Douro.
Da comissão de administração pública, sôbre a proposta de lei n.° 164-B, que remodela o quadro da polícia administrativa de Lisboa.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de guerra, sôbre a proposta de lei n.° 28-A do Sr. Ministro da Guerra, promovendo a general o coronel de infantaria Augusto César Ribeiro de Carvalho.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de instrução superior, sôbre a proposta 154-A dos Srs. Ministros da Instrução e Finanças, transferindo para a Provedoria Central da Assistência Pública o encargo da pensão para sustento de Francisco José da Silva Bastos, professor de medicina na Universidade de Coimbra.
Para a comissão de saúde e assistência pública.
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 144-C dos Srs. Dias da Silva, Costa Júnior o Campos Melo, autorizando a Câmara de Louros a contrair um empréstimo de 100.000$ para drenagem do terrenos.
A imprimir com urgência.
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 166-A, do Sr. Abílio Marçal, autorizando o Govêrno a conceder o bronze necessário para o monumento a António do França Borges.
Aprovado.
Dispensada a última redacção.
Para o Senado.
Da comissão do legislação criminal, sôbre o projecto do lei n.° 28-F, do Sr. Jorge Nunes, que classifica as zonas de turismo e permite o jôgo.
Para a comissão de comércio e indústria.
Requerimentos
Requisito o Diário do Govêrno, 1.ª série, n.° 79, de 16 de Abril de 1919; o Diário do Govêrno, 1.ª série, n.° 81, de 19 de Abril de 1919. - José António da Costa Júnior.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Exmo. Sr. Presidente. - Requisito pelo Ministério do Trabalho uma nota oficial contendo o movimento e número de doentes entrados no Hospital do Desterro, durante os meses de Julho e Agosto do corrente ano, com designações de idades, profissões e estado civil.
Lisboa, 2 de Setembro de 1919. - Ladislau Batalha.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que pelo Ministério das Colónias me seja facultado o exame dos re-
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latórios, informações e mais documentos, que levaram o titular da mesma pasta a publicar o decreto de 2 de Julho último, que agraciou com a gran-cruz da Ordem Militar de Aviz o indivíduo a que o mesmo diploma se refere pelos serviços prestados à Pátria e à República.
Sala das Sessões, 2 de Setembro de 1919. - Domingos Frias.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Renovo os meus requerimentos de 5 e 30 de Junho e 11 de Julho, nos quais pedia cópia de todos os contratos o concessões dadas à Companhia Construtora da linha férrea Coimbra-Arganil.
Cópia do contrato da exploração da linha férrea Coimbra-Lousã, realizado entre a companhia construtora e a companhia C. P.
Êstes documentos devem ser fornecidos pelo Ministério dos Abastecimentos. - José Maria de Campos Melo.
Para, a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que pelo Ministério das Colónias me seja permitido examinar:
a) Um processo de reclamação interposto em 1915 pelo segundo sargento de infantaria, n.° 159 de matrícula, Adelino de Lima, contra um castigo que lhe foi aplicado em 1913 pelo Quartel General da Província de Moçambique;
b) O processo do concurso para primeiro sargento, realizado em 4 de Outubro de 1913, na vila de Inhambane, da mesma província, como as provas dadas pelos concorrentes.
Se o segundo processo não existir no Ministério desejava que êle fôsse requisitado ao respectivo Govêrno Geral sendo-me, entretanto, facultado o exame do primeiro.
Sala das Sessões, 2 de Setembro de 1919. - Domingos Frias.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
SEGUNDA PARTE
Às 15 horas e l5 minutos foi reaberta a sessão, estando presentes 46 Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Vai continuar a sessão.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: em geral lamentamo-nos da circunstância de não vermos presentes os Srs. Ministros, a quem nos desejamos dirigir.
Deseja-se a presença do Sr. Ministro do Interior e encontramos nas bancadas do Govêrno o Sr. Ministro da Marinha.
Deseja-se fazer uma pregunta ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, e aparece-nos o Sr. Ministro das Finanças.
Isto vem a propósito de eu desejar saber o que há sôbre documentos que pedi pelos Ministérios do Trabalho e dos Estrangeiros, e não encontrar ocasião dê interrogar sôbre o assunto os respectivos Srs. Ministros.
Ao Ministério dos Estrangeiros fiz preguntas muito concretas acerca da vida oficial do falecido Sidónio Pais; entretanto ainda não recebi nenhuma resposta. Parece que no Ministério dos Estrangeiros ainda se não fez a chamada limpeza;
Parece que Sidónio Pais continua a dar ordens!
Tanto assim, que foi recentemente reintegrado na secretaria da administração de Ponte da Barca um indivíduo que tinha emigrado. Há, a respeito dele, o caso concreto de ter sido secretário de Solari Alegro. Nem menos.
São êstes os queixumes que tenho de expandir perante a Câmara.
O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado a enviar para a Mesa, por escrito, a sua renovação de pedido de documentos.
Tem a palavra o Sr. Ladislau Batalha.
O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: vou continuar as minhas considerações sôbre o assunto "carestia da vida", muito embora não veja presente o Sr. Presidente do Ministério. E estou no firme propósito de terminar hoje o meu discurso, apresestando as propostas que julgo necessárias para atenuar a crise dos abastecimentos.
Não me demorarei mais na enumeração de casos isolados; já alguns tenho mencionado e suficientes são para demonstrar a gravidade e a extensão da carestia da vida em Portugal.
Passarei ao estudo dos factores da crise.
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Nós somos como os médicos que não podem receitar sem fazer o diagnóstico da doença. Neste momento a sociedade sofre a doença da miséria e da fome. Estudemos, pois, as determinantes desta enfermidade.
Eu classifico as causas da carestia da vida em: factores mundiais, factores gerais e factores especiais.
A guerra e suas consequências constituem o factor mundial. Não vou ocupar-me agora dêste assunto senão nos tópicos essenciais para o caso.
Quando vier à Câmara o Tratado de Paz bordarci então as minhas considerações sôbre a questão internacional na extensão que o caso requeira.
Por agora chamo a atenção para o facto de que a esta guerra se tem dado muitas interpretações; mas para mim, desde o princípio, ela sempre teve só uma e os factos e a observação fizeram comprovar a minha doutrina. Eu chamo a esta guerra mundial, que afligiu a sociedade humana, a guerra do carvão e do ferro.
Precisamente pelo estado, verifiquei a marcha ascencional o desconcional no consumo mundial do carvão e do ferro fornecidos pela Inglaterra e pela Alemanha. Em 1870 a Inglaterra forneceu ao mundo 54 por cento e a Alemanha apenas 12 por cento do consumo. Quero dizer, a Inglaterra tinha a hegemonia do carvão e do ferro e a Alemanha apenas limitava o seu fornecimento ao mundo em 12 por cento.
Consegui elaborar um gráfico relativo a êste assunto e observei que em 1912 já a Inglaterra estava fornecendo apenas 26 por cento, emquanto, que a Alemanha ascendia a 22 por cento, isto é, estava quási a rivalizar com a Inglaterra, arrancando-lhe o sceptro da hegemonia do fornecimento do carvão e do ferro.
Foi esta questão que, principalmente, determinou a guerra assombrosa o horrível que depois se mascarou com um espírito de Justiça, Liberdade, Igualdade e mil cousas. Cada qual tratou de chamar a si todos os elementos que pôde, e dividiu-se o mundo em duas grandes facções: a dos aliados e a dos germanófilos, com todos os países que puderam englobar e tornar solidários.
Como resultado final, a navegação mundial das principais potências beligerantes perdeu 7.473:000 toneladas. É um caso digno de atenção como determinante da crise geral. Esta perda foi grave. Examinando, porém, a natureza desta perda de tonelagem, observa-se que a América, tendo sofrido prejuízos dum alcance extraordinário, conseguiu, pela sua imensa actividade, pela sua grande energia, durante a guerra, não só repor a tonelagem perdida, como ainda excedê-la. Quere dizer, terminada a guerra, a América saiu dela com 6.729:000 toneladas a mais do que tinha antes da guerra, emquanto que a Inglaterra, em virtude de circunstâncias que não cabe aqui definir, não pode repor as perdas que sofreu o encontrou-se com menos 5:200.000 toneladas do que tinha antes da guerra principiar! A América, durante a guerra, só à sua parte, repôs 89 por cento das perdas gerais, emquanto que a Inglaterra teve de suportar 43 por cento das perdas totais!
Êste facto da Inglaterra ter um déficit de tonelagem em relação à América, obrigou-a a distrair um pouco u sua atenção de todos os outros interêsses, de todos os interêsses alheios - e nós somos, exactamente, daqueles Estados cujos interêsses não são propriamente os seus - para não ficar inferior em tonelagem em relação à América.
Eis uma das grandes causas gerais. Mas não nos esqueçamos tambêm que a guerra arrancou 17 milhões de homens, que tantos foram os inutilizados, entre mortos, feridos e desaparecidos. Os homens mais válidos, efectivamente, os da maior produção, aqueles que enriquecem a humanidade com o produto do seu trabalho, dêsses, 17 milhões perderam-se.
Ainda outra causa, a escassez de braços, que a mulher não substitui plenamente, contribuiu para o mal geral. Tambêm acontece que êste conflito da guerra mundial veio esgotar por completo os stocks de provisões que havia em todo o mundo para com êles se ocorrer às necessidades dos exércitos em campanha e ainda para se suprir o déficit de produção.
Finalmente, paralizou-se a produção das cousas úteis, porque as grandes fábricas mundiais foram, em grande parte, substituídas por fábricas de material de guerra. Logo, nesta ocasião, a crise tem de manter-se para se dar a nova trans-
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formação dessas fábricas que, estando arranjadas para as indústrias da guerra, têm agora que se transformar para as indústrias da paz. E ainda para maior calamidade nesta crise, acontece que a catástrofe da guerra determinou, por circunstâncias que só mais tarde, quando tiver de tratar da política internacional, apreciarei devidamente, que na Rússia rebentasse um conflito de carácter social, sincero, mas monstruoso, o primeiro de que resa a história da humanidade. Por conseguinte, teve de paralizar a produção do trigo e paralizar todo o trabalho. Nem a Rússia, com a sua imensa produção, nem a Roménia, que tambêm era celeiro da Europa, puderam mais prover as sociedades humanas com o trigo que dessas nações vinha. Isto significa que dois dos imensos celeiros da Europa desapareceram neste momento.
Tais são as causas mundiais, descritas à vol d'oiseau, que concorreram para a crise geral!
Mas há causas gerais propriamente portuguesas. Temos, por exemplo, a desvalorização do papel. Bem pensado, os géneros não têm, realmente, a carestia acusada pela percentagem que eu aqui apresentei. Ela tem de ser tomada não em absoluto, mas relativamente. É claro que, quando o dinheiro tinha maior valor em Portugal, bastava dar uma certa quantidade por um artigo qualquer. Agora que o dinheiro vale muito menos do que valia antigamente, torna-se necessário dar maior quantidade para obter a equivalência. É o que acontece!
Nós dantes, dando 5 tostões em prata por um artigo, equivalia a dizer que o pagávamos pelo valor de 4 tostões e tal, que era a depreciação da moeda de 5 tostões; mas hoje, 5 tostões em papel, não têm já o mesmo valor, mas infinitamente menos.
Portanto a desvalorização do papel e o vertiginoso aumento da circulação fiduciária, contribuem extraordinariamente para aquele estado de cousas.
Escusado será dizer que a diminuição de horas de trabalho, tornando mais caro o produto pela mão de obra e pela diminuição da quantidade de produção, tambêm tem nisso uma grande influência.
Temos ainda que atender à usura gananciosa dos capitalistas, aos fretes, aos seguros e à pusilanimidade que se nota na resolução dos grandes problemas de transporte, tanto terrestres como marítimos.
Faltam-nos, Sr. Presidente, transportes para levarmos com facilidade os géneros a todos os pontos onde são necessários.
No mar, então, nem devemos falar.
Tenho pena que não esteja presente o Sr. Presidente do Ministério, a quem a minha interpelação é principalmente dirigida, para chamar a sua atenção para um ponto que reputo importante: É que o Govêrno num documento oficial declarou que dispõe de 150:000 toneladas e só em Agosto de 1919 é que pregunta que aplicação devo dar a essas 150:000 toneladas.
Sr. Presidente: êste assunto já devia ter sido estudado convenientemente.
Lá fora, nesta altura, já se não pregunta o que se deve fazer.
Já está tudo feito, ou a fazer-se.
Em lugar de se preguntar o que se deve fazer, devia-se dizer que já estava tudo resolvido o a caminho de execução.
Desejo tambêm chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, que já se acha presente, para a questão do jôgo, que é uma fonte de miséria em Portugal.
A República não pode de forma alguma continuar pusilânime, como até aqui, com respeito a essa questão.
O jôgo é hoje proibido como o era no tempo da monarquia.
A monarquia teve fôrça para impedir que se jogasse; a República, porém, confessa a sua fraqueza, sob êsse ponto de vista.
Eu assisti aqui a uma sessão em que o Sr. Presidente do Ministério declarou ingenuamente que não sabia que se jogava em Portugal.
Eu não acreditei.
É completamente impossível que S. Exa. a ignore que se joga.
Joga-se em todos os cautos.
Só à volta do Rossio, há trinta e seis casas de jôgo, algumas mobiladas sumptuosamente com mobílias nacionais e tambêm vindas do estrangeiro.
Passados alguns dias, voltou S. Exa. a dizer-nos que já sabia que se jogava, mas que o Govêrno não se sentia com a cora-
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gem suficiente para pôr ponto no jôgo, embora tal proibição constitua lei do país.
Depois, preguntou-nos o Sr. Presidente do Ministério: Mas querem S. Exas. que se cumpra a lei?
Veja V. Exa. e a Câmara, que foi o Poder Executivo quem veio preguntar ao Poder Legislativo se quer que se cumpra uma lei que já foi votada!
A missão do Poder Executivo é cumpri-la.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Tambêm existe a lei da greve e ninguêm pede o seu cumprimento.
O Orador: - Não se pede o cumprimento dessa lei, porque ela é muito estapafúrdia e até incoerente; não se pode cumprir.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Desafio S. Exa. a propor a revogação dessa lei.
O Orador: - Também desafio S. Exa. a propor que acabem as revoluções.
A greve é um acto de revolta, e foi um êrro da República legislar neste sentido.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Então proponha S. Exa. a sua revogação.
O Orador: - Sou capaz de o fazer.
S. Exa. faz blague com as cousas mais sérias da sociedade portuguesa.
Não faça S. Exa. parte dos atacados de nervopatia política!
Tenho a minha maneira de pensar baseada no estudo, e pouco me importa agradar ou desagradar.
Esta questão é muito importante.
S. Exa., o Sr. Presidente do Govêrno, quere poupar os interêsses de 25:000 batoteiros, em prejuízo de 4 ou 5 milhões de pessoas que em Portugal são vítimas dêsse grande flagelo!
Devido ao jôgo muitas pessoas se encontram na miséria e numerosos chefes de família nos cárceres.
A usura dos produtores, dos comerciantes, dos intermediários e dos consumidores é que faz com que os géneros faltem.
Os géneros escasseiam, ou porque o comerciante os açambarca, ou porque, quando existem no mercado, o consumidor, com receio de que êles venham a faltar, em lugar de comprar a quantidade de que precisa, vai comprar muito mais.
Aqui tem V. Exa. a razão por que o próprio público é açambarcador, mas é açambarcador pelo espírito de viver, emquanto que o outro o é pelo espírito de enriquecer!
Já se fez uma lei para castigar os açambarcadores, e outra tributando os novos-ricos, mas o Estado teve que as engulir.
É preciso acabar com esta ganância desmedida, com esta ganância doentia.
Infelizmente nesta terra, por ser pequena, todos nos conhecemos e para não fazer mal aos compadres, aos amigos, não se toma providência alguma para castigar.
Não posso desenvolver bem êste ponto, visto que há pouco tempo disponível, e eu não quero abusar da paciência da Câmara,
O Sr. Brito Camacho: - Eu gostava de ouvir V. Exa. sôbre o desenvolvimento do consumo.
O Orador: - Em outra ocasião o farei; não me esquecerei do pedido de V. Exa.
Todos êstes factores são graves e têm produzido muita perturbação na vida económica, mas o Govêrno, em vez de cuidar a sério dêste problema, não o faz, e entretem-se com a politiquice.
Nós temos neste problema, dum lado a população, doutro lado, as subsistências. O que é preciso é que haja equilíbrio. Êste mal-estar dá-se por toda a parte, mas entre nós com muito maior intensidade.
Entre nós temos ainda uma outra e muito grave questão: a questão do analfabetismo, que nos coloca num grau de inferioridade, pois o homem que nem sabe ler é sempre suplantado pelo que dispõe de cultura.
Nós precisamos de pensar muito a sério na extinção do analfabetismo. O Japão, de 1868 para cá, por tal forma cuidou dêsse problema, que no espaço de cinquenta anos quási extinguiu o analfabetismo.
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A S. Exa., o Sr. Presidente, e ao Sr. Ministro da Instrução ofereci os meus serviços como colaborador na obra de extinção do analfabetismo, que, pelo que vejo, não passará dum número do programa partidário.
O Sr. Costa Júnior: - O Japão tinha 77 por cento de analfabetos.
O Orador: - Sr. Presidente: não voltarei a falar da questão dos caminhos de ferro, mas não darei tambêm as minhas felicitações ao Govêrno pela solução da greve, pela razão de que os ferroviários não ficaram satisfeitos, nem a República poderá mais desassombradamente contar com êles.
Êles esperavam mais fraternidade e menos rigor.
Lamento que esta solução se tivesse produzido por tal forma. Ponho de parte êste assunto.
Devo ainda referir-me à questão dos hospitais, e tenho pena de que não esteja presente o Sr. Hermano de Medeiros, que ao assunto se referiu em termos violentos; mas, como o que vou dizer em nada melindra S. Exa., farei as minhas considerações, pois é preciso esclarecer um assunto, ao que parece, mal entendido.
Sr. Presidente: a classe dos empregados dos hospitais conta novecentos sócios é, quando foi da reforma dos hospitais, a classe dos enfermeiros não foi ouvida, conforme fôra convencionado.
Por consequência, compreendo que, tendo acabado o dezembrismo, a associação de classe de enfermeiros, que tem aspirações, e conheço muito bem essa classe, quisesse ver alterado êsse regulamento, que era inconveniente e resultado da violência.
Essa classe foi aqui injustamente acusada de indisciplinada e desmoralizadora dos hospitais. Torna-se necessário levantar por completo essa acusação e os casos passados nos hospitais mostram as boas intenções da classe de enfermeiros.
É certo que êles não aceitam a intervenção do director, para que foi nomeado um reaccionário, um talassa.
Àpartes.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Era bom dizer o nome, para que não ficasse pesando sôbre todos essa suspeita.
Àpartes.
O Orador: - Não digo o nome, mas direi, como informe curioso, que o decreto da sua nomeação tem a data de Julho, nomeando-o em Janeiro!
Ocorre-me lembrar que o dia 21 do Agosto foi um dia muito significativo para os serviços hospitalares.
As onze horas e um quarto rebentou uma caldeira na lavandaria e o pessoal trabalhou até a meia noite, quando o horário era até as dezassete.
O engenheiro nem lá apareceu, sendo um engenheiro electrecista, quando o que lá se necessitava era de um engenheiro sanitário.
Ainda no mesmo dia 21 de Agosto tivemos todos o desgosto do Sr. Ministro do Comércio ter partido um braço, por motivo dum desastre do automóvel, pelo que correu ao hospital de Santa Marta para se tratar e onde há médicos que têm cama e mesa. Mas, não estava lá nenhum de serviço!
Emquanto os enfermeiros estiveram trabalhando fora das horas regulamentares no concerto duma caldeira rebentada, não pensando nem em limite de horas de trabalho, nem em dinheiro, o médico, que tinha obrigação de se conservar no hospital de Santa Marta, não estava lá, não podendo por isso ser prestados os socorros devidos ao Sr. Ministro do Comércio.
Sr. Presidente: o art. 62.° de Regulamento dos Hospitais nomeia um inspector de bromatologia, mas a bromatologia só se cultiva entre nós no café Tavares, e por isso foi possível suceder a seguinte fatalidade:
No fornecimento duma certa quantidade de carneiros para o consumo hospitalar,, os carneiros tiveram de ser recusados pelo pessoal da casa por estarem podres, não tendo contudo intervindo aquele que devia fazer o exame, e tendo o pessoal da casa que os recusar, embora isso não fôsse das suas atribuições, por estarem completamente incapazes para a alimentação.
Tiveram de ser queimados na estufa das lavandeiras!
Ponho ponto neste assunto, ao qual só me referi para demonstrar que é bom não fazer acusações sôbre uma associação de classe, sem se saber de boa fonte qual é a sua moral e a honestidade dos seus processos.
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Falando em moral, vou, por incidente, apontar um facto que é deveras lastimável. No hospital do Desterro conservam-se nas enfermarias, à mistura com as prostitutas, mulheres casadas, gente honesta e morigerada. Isto constitui um grave perigo para a moralidade pública. Já que o Estado reconhece a prostituição como modo de vida, e não quere reconhecer o jôgo, porque o pudor nacional o não admite, no seu entender, ao menos que haja o cuidado de separar da gente honesta essas criaturas que já perderam todo o sentimento da vergonha e do pudor.
A política deixa tambêm muito a desejar e contribui muito para tudo isto. Agora mesmo estamos a querer votar de afogadilho coisas importantes e graves, quando temos perdido tanto tempo em coisas inúteis e desnessárias, por assim dizer. Resultado: revoluções, fome e miséria.
E o que passa fora de Portugal?
Estudam-se a valor os grandes problemas.
Fazem-se investigações importantes.
Já se verificou pela análise espectral que o hélio tem qualidades bastantes para poder substituir o hidrogénio nas aplicações à aerostação, por ser mais leve do que o ar. Não tardará que por sôbre as nossas cabeças, campos e telhados deslisem naves aérias, intemeratas portadoras de passageiros, bagagem e carregamentos formidáveis!
Toda a preocupação dos grandes países é realmente desenvolver a outillage, a fim de fazer com que toda a produção atinja as máximas condições de barateza.
Finalmente, já se conjectura a aplicação da chamada hulha azul, que está ainda pouco vulgarizada, mas que já é um facto. Não basta já o aproveitamento das fôrças radiográficas existentes nos rios, cataratas e pequenos lagos; é preciso aproveitar ainda as marés e as correntes, porque contêm mananciais imensos de energia e que, por si só, quando estiverem bem aproveitadas, suprirão o carvão, e a humanidade poderá então contar uma nova era de vida e de felicidade.
A aproximação dos continentes é outra preocupação de que os países isolados se não esquecem.
Além da velha aspiração, que vai tornar-se realidade, da ligação da França com a Inglaterra, atravéz do canal da Mancha, pensa-se em ligar a Europa com a África por meio de um canal submarino ou ponte convertida, baseando-se o princípio de Arquimedes numa generalização maior, e pensa-se em ir assim por túnel invertido do Gibraltar até ao continente Africano, até Marrocos. É uma das mais geniais aspirações scientíficas, cujos estudos já estão feitos.
A navegação transoceânica não basta. Precisa-se mais alguma coisa.
Pensa-se em estabelecer uma imensa doca flutuante interoceânica, que sirva de estação a todas as máquinas aéreas. Pensa-se ainda mais em poder prestar, no meio do oceano, socorros e proceder a reparações nos navios que deles carecerem.
Tais são algumas das grandes aspirações modernas, tais as belas concepções que poderão transformar a sociedade e conduzida a um caminho de ventura e bem estar.
Quereria ainda falar em outras modernas aspirações humanas, tratar do problema colonial e doutras questões; mas abstenho-me de o fazer para não me alongar.
Dou, por conseguinte, como terminada a minha interpelação e vou remeter para a Mesa as bases que ou entendo necessárias e indispensáveis para imediatamente se ocorrer à crise que assoberba a sociedade portuguesa.
Um problema tam complexo não se pode resolver com uma só lei, mas por uma série de leis devidamente congregadas que conduzirão ao desideratum. Dentro das medidas a tomar, umas têm de ser perfeitamente legalistas, outras de salvação pública, como, de resto, se estão tomando nos Estados Unidos, França e Inglaterra.
Não tenha a Câmara receio de dar cumprimento a algumas medidas violentas de salvação pública, cujas bases vou apresentar.
Se essas medidas provocarem a guerra das classes atingidas, a sociedade portuguesa e os milhares de proletários estarão incondicionalmente ao lado do Govêrno, do Parlamento e da República.
Não apresento as leis, limito-me a apresentar as bases, para a Câmara resolver - não porque o não pudesse fazer-mas,
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porque tenho a preocupação de que haverá talvez uma má vontade da Câmara e até do Govêrno, para êste lado. Portanto, em vez de trazer um ramilhete de projectos de lei, prefiro apresentar umas bases, sôbre as quais a Câmara elaborará as leis.
Mando para a Mesa estas bases que entendo serem necessárias.
Aproxima-se o inverno; com êle o frio e a fome.
Se elas forem tomadas em consideração, com as modificações que o Parlamento entenda necessárias, certamente que serão muito modificados os horrores do inverno. Se se não fizer caso disso, ou se não se adoptarem outras quaisquer providências imediatas, a minoria socialista lava as suas mãos sôbre os horrores que no inverno possam sobrevir com a fome e a miséria de um povo inteiro.
Bases gerais para a elaboração das leis e adopção de medidas destinadas à atenuação imediata da carestia da vida
A atenuação da actual crise da carestia da vida, nos termos em que ela se encontra, perigosos para a ameaçada perturbação da ordem pública, e lamentáveis como determinante necessária para o definhamento das energias no exercício da produção, reclama medidas de acção indirecta, mas preventiva, e medidas de acção imediata.
As primeiras constituem uma generalidade, cujos principais pormenores ligeiramente aqui se enunciam.
Entre outras avultam:
A criação e desenvolvimento do crédito agrícola;
Auxílios e protecção do toda a natureza ao desenvolvimento das indústrias já existentes e outras novas, cuja criação urge;
Intensificação da produção pelo estímulo da competência em concurso, exposições públicas (public fairs), prémios de estímulo, etc.;
Estabelecimento de prémios á navegação o outras medidas destinadas ao desenvolvimento da marinha mercante nacional.
As medidas imediatas podem classificar-se em legais e violentas por motivo de salvação pública.
As primeiras comportam, entre outras:
a) Proibição rigorosa de exportação de produtos alimentares, com apreensões e multas pesadas aos transgressores, e cadeia nos casos de reincidência;
b) Isenção de direitos de importação para os produtos alimentares oriundos das colónias portuguesas e dos países estrangeiros, sob cláusula de que não sejam vendidos com mais de 10 por cento sôbre o custo inicial;
c) Redução, ao máximo de vinte dias, do tempo de demora das mercadorias alimentares nos cais, portos, estações e postos alfandegários e de retêm, devendo ser directamente vendidos ao público todos os produtos desta natureza, apreendidos por transgressão;
d) Requisição oficial de todas as roupas, calçado e louça existentes nas casas de penhores, com dispensa de juros em atraso, e restituição aos mutuantes, por embolso imediato, ou por prestações periódicas e módicas, mediante fiadores idóneos.
As medidas de ordem violenta, por motivo de salvação pública, comportam, entre outras, as seguintes:
e) Grossa penalidade aos senhorios que elevem as rendas das casas de habitação durante os primeiros dezoito meses;
f) Requisição sumária de todas as casas de habitação que se encontrem devoluto, alugando as o Estado directamente ao público, com restituição de rendas aos senhorios, depois de deduzidas as despesas;
g) Redução forçada no preço dos combustíveis para uso doméstico, e venda obrigatória, sob pena de confisco ou requisição, podendo, contudo, os donos registar e comprovar os prejuízos, se os houver, para poderem oportunamente cobrá-los do Estado;
h) Redução imediata dos preços de todo o calçado existente, em obra, no país, e que não entre na categoria de calçado de luxo.
i) Redução forçada no preço do pão, criando-se imediatamente um só tipo tolerável e de preço inferior à média do dos actuais tipos, e ao alcance de todas as famílias;
j) Penalidades aos comerciantes de comestíveis, quando alguns dêstes géneros apodreçam, e como tal tenham de ser condenados pelos delegados da saúde pública, por não se terem vendido em vir-
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tude de açambarcamento, ou por exigências exorbitantes de preço;
k) Penalidades, cujo rigor, em certos casos, poderá chegar à prisão, contra to dos os açambarcadores e intermediários que na actual situação especulem com o comércio de géneros alimentícios;
l) Penalidades pecuniárias, crescentes até a prisão, a todos os contraventores da legislação especial contra a carestia;
m) Criação de ligas de consumidores nos principais centros populosos do país, e federação das mesmas ligas, autorizadas o protegidas pelo Estado, para a fiscalização minuciosa do cumprimento das leis relativas à carestia e para obstar à impunidade dos traficantes e delapidadores, nos casos de viciação de balanças, pesos e medidas, e fiscalização nos preços, nas quantidades e nas qualidades vendidas ao público;
n) Repressão de todos os manejos de boycottage e lock-out, promovidos pelas classes mercantis atingidas, e adopção de medidas para que a venda do géneros nos mercados e a venda ambulante pelas cidades não possam ser interrompidas em circunstância alguma com intuitos de perturbação;
o) Intercepção de todos os telegramas e mais comunicações que se destinem a dar contra-ordens para a suspensão das remessas habituais de géneros alimentares, tanto pela via seca como pela via húmida;
p) Redução forçada de 20 por cento em todos os fretes, carretos e mais despesas de transporte de géneros alimentícios dentro do país;
q) Regulamentação dos preços da carne, peixe e hortaliças a cargo das câmaras municipais. - Ladislau Batalha.
Para o "Diário das Sessões".
Para a Secretaria.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Cabe-me o uso da palavra quando estamos prestes a entrar na ordem do dia. Farei todo o possível, para ser p mais rápido nas minhas considerações.
Compreende a Câmara que, tendo o Sr. Ladislau Batalha falado durante três sessões sôbre êste assunto, e havendo divagado pôr forma a abranger matéria que pertence a vários Ministérios, eu, embora, como Presidente do Ministério, responda pela política geral, não devo naturalmente considerar-me uma pessoa habilitada para tratar em especial de cada assunto que diga respeito a cada uma das pastas. Em Portugal já houve um Ministro que respondia por todas as pastas. Creio que a experiência durou três dias e que não deu grande resultado. Eu não sigo êsse exemplo e por isso não o posso acompanhar nesse caminho, e como a Câmara está naturalmente preocupada com a série de projectos que têm a discutir e votar, eu, sem mais considerações, entro imediatamente no assunto, começando por dizer ao Sr. Ladislau Batalha que não há das bancadas do Poder a menor má vontade contra a minoria socialista e muito menos contra as ideas que essa minoria representa.
E não há um facto que possa atestar essa má vontade.
Sr. Presidente, o Sr. Ladislau Batalha, na sua exposição, abrangendo, como disse, assuntos que pertencem a vários Ministérios, deu a entender, e com razão, que a questão das subsistências é muitíssima vasta e complicada, não se podendo resolver com facilidade.
S. Exa. apontou várias medidas, referindo-se, por exemplo, ao aproveitamento da hulha azul. Devo lembrar ao ilustre Deputado que é mais fácil apresentarem-se essas e outras medidas quando se é deputado do que quando se ocupa as cadeiras do Poder.
O grande mal das subsistências vem, a meu ver, e teve o seu início na guerra.
A guerra esgotou naturalmente tudo que havia em depósito. Os stocks desapareceram e não puderam ser substituídos. Era lógico que tal sucedesse pela grande dificuldade de transportes.
Como devemos remediar êste mal?
Procurando facilitar tanto quanto possível a navegação e coibir os gastos demasiados de géneros alimentícios. Não quero dizer com isto que voltemos ás restrições, mas temos absoluta necessidade do atender à nossa alimentação, restringindo-a um pouco mais, porque os males causados pela guerra não se reparam dum momento para o outro.
A obrigação do Govêrno é tratar de remediar êstes males por formas diversas.
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Primeiro, pela intensificação das culturas, e pela abundância de produtos no mercado.
Segundo, procurando por todas as formas aplicar o melhor possível e intensificar a navegação, e estabelecer um comércio livre com os diferentes paízes. E só assim nós teremos o que nos falta, e exportaremos o que nos sobra.
Mas isto demanda muito tempo e muito trabalho, apesar de não ter passado despercebido ao Govêrno, porque está nomeada uma comissão para estudar os transportes marítimos, a fim de habilitar o Sr. Ministro do Comércio a trazer à Câmara uma proposta de lei referente às carreiras de navegação dentro da nossa frota mercante. O Govêrno tem procurado trazer tambêm ao mercado os géneros coloniais que esperam transportes lá fora e que têm ficado nas colónias, pois que os navios têm sido empregados noutros serviços, que não são de primeira necessidade.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - V. Exa. dá-me licença? Porventura já deu o seu parecer essa comissão encarregada de fazer o estudo dos transportes marítimos!?
O Orador: - Não senhor; já têm apresentado alguns trabalhos, mas ainda não terminou a sua tarefa. Já ontem tive ocasião de responder na Câmara a pregunta idêntica.
Sr. Presidente: estavam-se mandando vir das colónias géneros que não são necessários, deixando-se, contudo, lá ficar outros que fazem falta. Assim, o Govêrno mandou parar a vinda do milho, que não faz falta, e ordenou que viesse açúcar, de que carecemos.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Mas dizem-me que há assucar em excesso, e que esta pretensa falta é para se poderem cobrir certos prejuízos.
O Orador: - Isso diz-se, mas não se prova. Também ontem aqui se afirmou que para o Ministério dos Abastecimentos estavam sendo nomeados funcionários, quando se está a procurar extingui-lo, afirmação que é absolutamente falsa. O que existe, realmente, é que tendo sido julgados isentos de culpas, pela comissão de reintegração, três funcionários, o Sr. Ministro do Trabalho não teve remédio senão tornar a admiti-los nos quadros dêsse Ministério. É preciso, pois, muita cautela com o diz-se, e especialmente num país que é fértil em boatos.
Sr. Presidente: retomando o fio das minhas considerações, eu devo dizer que tambêm o aumento de salários e a diminuição das horas de trabalho são factores que contribuem para a crise que atravessamos. Ninguém quere trabalhar, mas todos, querem ganhar mais! Nas oito horas de trabalho, não se faz quási nada. Trabalha-se hoje menos nas oito horas do que dantes se trabalhava numa hora; e os governos tambêm têm tido algumas culpas neste assunto.
E os salários subiram tanto que muitos operários, na província, trabalham apenas quatro dias por semana, não trabalhando nos restantes.
O Ministério tem feito todo o possível para obviar a esta crise, aproveitando-se os braços.
O Sr. Ministro do Trabalho tem feito uma obra inteligente, que não tem vindo a público, despedindo todos os operários que estavam ludibriando o Estado.
Quando entrámos no Govêrno, gastavam-se por semana em férias no Parque Eduardo VII e no Hospital do Destêrro 60 contos, para produzir um trabalho que em parte pertence à Câmara Municipal. No fim desta semana, essa verba paga pelo Ministério do Trabalho fica reduzida a 25 contos. E esta verba daqui a duas semanas ficará reduzida a zero. Muitos operários têm sido despedidos, transitando outros para os bairros operários. Despediram-se cêrca de quinhentos que eram canteiros, sapateiros, etc., e que nas obras do Estado nada produziam. Abriram-se assim as portas das oficinas de canteiro e sapateiro, onde encontraram trabalho.
Chama-se a isto trabalhar bem e um trabalho que é feito no seu gabinete, sem barulho ou espalhafato. (Apoiados).
O problema da carestia da vida tem de ser encarado de frente.
Não está mais cara em Portugal do que nos outros países.
Depois da guerra há mais gente, porque os nossos mortos foram poucos e acabou
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a emigração para o Brasil. Ficaram mais braços para trabalhar e, portanto, mais bocas para comer. Os que ficaram aumentam as dificuldades, o que se não dá em mais nenhum país.
Em todo o caso, concordo em que a vida não é boa para as classes operárias, mas não é tam má como para ás classes médias, que têm sofrido os piores vexames. (Apoiados).
O Govêrno vai enveredar, conforme prometeu no seu programa ministerial, pelo caminho da liberdade de comércio para os géneros de primeira necessidade. Esta experiência vai já ser iniciada para as batatas. Vamos a ver se, com a liberdade de comércio, conseguimos ter no mercado abundância de géneros.
Interrupção que não foi percebida.
O Orador: - A Inglaterra é a Inglaterra e Portugal é Portugal. Sou contra as medidas violentas. E bom não empregar os últimos recursos Jogo. Há sempre tempo, porque, uma vez empregados êsses meios, não se pode voltar atrás.
Tenho relutância em recorrer aos meios violentos, quando não estão absolutamente justificados. O aproveitamento do solo das nossas colónias há de contribuir poderosamente para estabelecer o nosso estado de ser aqui, mas não com o feijão colonial que aí temos, que já se reconheceu que não presta, porque tem mau sabor; é duro e gasta muito carvão para cozer.
Um Sr. Deputado lembrou nesta Câmara á maneira de resolver o problema. Era vender êsse feijão mais barato, para ver se o público lhe pegava mais fácilmente. Fui informado de que se fez a experiência, mas que ela não deu resultado.
Tenho muito pena de não poder acompanhar S. Exa. na sua longa exposição, porque não desejo tomar tempo à Câmara.
Estão pendentes desta Câmara vários prolectos de lei, um dos quais é o que diz respeito à extinção do Ministério dos Abastecimentos, que está em discussão, e que considero capital para a resolução do problema dos abastecimentos. O Ministério dos Abastecimentos não satisfaz à função para que foi criado; primeiro, porque não é preciso, segundo, porque o seu estado de desorganização é de tal ordem que ninguêm ali se entende.
Tendo proposto um Sr. Deputado a nomeação duma comissão de inquérito para avaliar dos abusos praticados no Ministério dos Abastecimentos e da razão da sua extinção, devo declarar à Câmara que o Govêrno aceita de boa mente a nomeação dessa comissão. Como reparo direi que não concordo com a redacção da proposta do Sr. Orlando Marçal.
Entendo que nessa comissão devem estar representados todos os partidos que estão nesta Câmara. Quere-me parecer que uma comissão composta desta maneira, escolhendo os partidos as pessoas competentes para inquirir, daria melhor resultado do que a comissão proposta pelo Sr. Orlando Marçal. Isto não envolve o mais pequeno melindre para o apresentante da proposta e para as pessoas nela indicadas. Julgo absolutamente necessário que se faça o inquérito. Hão de averiguar-se cousas extraordinárias, e há-de averiguar-se que se fez um carregamento do trigo que ninguêm no Ministério sabe donde veio.
Vozes: - Há mais do que isso.
O Orador: - Aceito com muito prazer a proposta para a nomeação duma comissão do inquérito, tanto mais que essa proposta, partindo da Câmara, tem uma maior largueza e está fora de qualquer suspeita, o que não sucederia se a proposta partisse do Govêrno. Apoio a proposta de inquérito e peço à Câmara que a vote.
Sr. Presidente: desde o momento que me impus o dever de tomar pouco tempo à Câmara, eu tenho de rápidamente responder ao Sr. Ladislau Batalha.
O serviço das obras do Estado passam a ser por tarefas, mas dentro do regime das 8 horas.
Êste regime já se iniciou e assim o Estado vai economizar.
Eu consultei as diversas associações, que me disseram onde havia falta de operários e êles foram distribuídos pelas diversas obras, e não houve reclamação alguma.
Esta divisão assim dá um excelente resultado.
Quanto ao Ministério dos Abastecimentos, a parte das subsistências passa para o Ministério da Agricultura, e para o Ministério do Comércio a navegação.
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Esta extinção do Ministério dos Abastecimentos era indispensável, e o aproveitamento do seu pessoal é proveitoso.
Nesse pessoal nem tudo é mau. Eu já chamei a êsse Ministério Caverna de Caco, mas foi mais pelo que tenho ouvido dizer, do que propriamente por o que sei.
O Sr. Campos Melo: - Há cousas muito mais graves do que as que V. Exa. já apontou.
O Orador: - A Câmara tem muito a perder pelo facto de não estar presente p Sr. Ministro do Comércio. V. Exas. compreendem, êle, muito melhor do que eu, que poderia responder, pois está dia a dia a informar-se de todos os detalhes do seu Ministério.
Desculpe V. Exa. eu não poder ser mais demorado na resposta.
Emfim todas as proposições de V. Exa. serão tomadas na devida consideração.
O Sr. Ladislau Batalha: - Agradeço a V. Exa. a sua resposta e queira aceitar as minhas homenagens, pois sempre o considerei um bom homem, excelente chefe de família e um grande administrador, mas permita que lhe diga: é conservador em demasia!
Também disse a V. Exa. que a minoria socialista desde já o provine de que êste inverno vai haver muita fome, e portanto não se admire V. Exa. do que puder suceder.
O orador não reviu.
Foram nomeados para a comissão de revisão constitucional os Srs. Francisco Cruz e Jorge Nunes, substituindo os Srs. Silva Garcez e Aresta Branco.
Foi aprovada a seguinte última redacção:
Dos projectos de lei n.ºs 83 e 86 eliminando o § único do artigo 29.° do decreto n.° 5.029 de l de Dezembro de 1918, e modificando alguns artigos do mesmo decreto.
Para o Senado.
O Sr. Presidente: - O Sr. António Granjo deseja tratar em negócio urgente dos casos sucedidos no Pôrto, das acusações do director do Aljube ao Comissário da polícia e da greve ferroviária.
Foi rejeitado.
O Sr. Vergílio Costa: - Requeiro a contraprova.
Fez-se a contraprova e confirmou a votação.
O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão o parecer n.° 28 - extinção do Ministério das Subsistências.
O Sr. Alves dos Santos: - Sr. Presidente: eu assinei, com declaração, o parecer n.° 28.
Devo dizer as razões por que o fiz. Sou autor dum projecto que mandei para a Mesa, no qual se preconiza a transformação dos celeiros municipais em cooperativas de consumo, e a entrega da sua administração a delegados das associações operárias, sob a fiscalização dos municípios. Por esta razão, eu julgo-me no dever moral de explicaria minha atitude, em face da comissão. Êste aumento tem uma grandíssima importância, quer sob o aspecto económico, quer sob a relação moral e política.
Vou ler a proposta que mando para a Mesa.
Moção
Considerando que não cessaram ainda todas as causas que determinaram a intervenção do Estado na vida económica da nação; mas, ponderando que essa intervenção, tanto em relação ao Ministério dos Abastecimentos, como aos celeiros municipais, foi muito mal dirigida e organizada, logo desde o princípio; a Câmara, deixando ao Govêrno toda a responsabilidade da extinção imediata daquele Ministério, pronuncia-se, comtudo, pela transformação dos celeiros municipais em cooperativas de consumo, que devem ser administradas pelos municípios; e exige que, antes de se proceder a execução do disposto nos artigos da proposta de lei n.° 23-G, que se referem a movimento de pessoal, se proceda a uma rigorosa sindicância de todos os serviços, e dos actos dos empregados do referido Ministério das Subsistências, assim como das direcções dos celeiros municipais, a fim de que, apuradas todas as responsabilidades, se saiba quem deve ser reconduzido e colocado noutros Ministérios; quem deve ser demitido e quem deve ser processado e julgado pelos tribunais. - Alves dos Santos.
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Sr. Presidente: o Ministério dos Abastecimentos foi criado entre nós para obviar de pronto aos graves inconvenientes produzidos pela grande guerra. Fenómeno análogo se produziu em quási todos os países da Europa e da América, em todas as nações beligerantes. Resolveu-se que o Estado interviesse na vida económica das nações. A princípio, todavia, julgou-se que esta medida não corresponderia ao fim a que visava; mas, a breve trecho, viu-se que viria a produzir grandes benefícios.
Na Inglaterra, na Holanda, em todos os países do norte, sobretudo na Alemanha, logo desde o princípio da guerra, estabeleceram-se Ministérios dos Abastecimentos, para prevenir e remediar os desequilíbrios gerados pelas perturbações económicas da guerra; e com tamanho êxito e tais resultados, que as populações dêsses países puderam resistir àquelas perturbações, o que não aconteceria, se elos não se tivessem organizado.
Portugal seguiu, a corrente geral, pois tamb6m tinha necessidade do fazer a aquisição e a distribuição dos produtos, com inteligência e equidade, para prevenir a avidez do lucro, êsse incomportável desejo do enriquecer depressa, que o monstro da guerra gerou, e os outros males e obstáculos, derivados das circunstâncias.
Nós estamos num país onde os capitais são escassos e mal educados. O que se pretende é ganhar o máximo, com o menor risco e no mínimo tempo... Daí, o espírito de ganância e do forretismo que nos empolga...
E a guerra agravou êstes vícios ancestrais. (Apoiados).
São assim todos os países pouco adiantados, e que têm desprezado o problema da educação nacional.
Nós, com o nosso feitio impulsivo, mas sem aquela pertinácia e tenacidade que distingue os povos do norte, susceptíveis de iniciar grandes emprêsas; sem paciência para as levar a cabo; eivados, emfim, de muitos vícios, que, quási sempre nos prejudicam as iniciativas, tambêm fundámos, depois de várias hesitações e perplexidades, o nosso Ministério dos Abastecimentos ; mas fomos imprudentes e precipitados no modo de organizar essa instituição, porque ela, logo desde o seu início, nos saiu enfezada e pouco apta para realizar a função que se lhe destinava.
Direcção incompetente, fiscalização improfícua, abusos de toda a ordem, pessoal sem habilitações o sem devoção cívica... Além disso e como consequência disso, o caos em todos os serviços, grandes defeitos e as faltas de escrúpulos que se apontam.
É preciso dizer tudo para que o País saiba; e ou, como Deputado, entendo que é êsse o nosso dever, que deve ser cumprido, custo o que custar e doa a quem doer...
Devido a esta política de intervenção dos Estados na vida económica das nações, à mobilização militar seguiu-se a mobilização industrial, primeiro restrita às munições de guerra e depois a outros serviços.
Em seguida à mobilização industrial decretou-se a mobilização civil, que foi até a mobilização agrária, visto que houve países que requisitaram a propriedade particular, que o Estado aproveitou para regular melhor a produção e a distribuição dos produtos.
Aquilo que a propaganda socialista não conseguiu realizar em dezenas de anos, realizou-o a guerra, em tam pouco tempo!...
Estamos em presença de factos, e mal avisados andam aqueles que, discorrendo sôbre o futuro, imaginam que a sociedade de amanhã há-de ser perfeitamente análoga àquela que subsistiu, até o deflagrar da grande guerra.
Sr. Presidente: o nosso Ministério dos Abastecimentos, logo desde o princípio, foi muito mal organizado. Não se compreendeu bem o que devia entender-se por política intervencionista do Estado na vida económica da Nação.
Legislou-se muito. Os diplomas são aos milhares, invadindo o País, sem que cousa alguma de útil tivessem produzido...
Seria interessante estudar essa complexa legislação que, desde fins do 1914, ou desde princípios do 1915, se fez em Portugal, para remediar o prover às necessidades imperiosas, produzidas pela guerra.
Quais os fins do Ministério das Subsistências, entre nós? - pois nem em todos os países a sua função pode ser a mesma, visto que nem todas as nações sofreram
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o mesmo com a grande conflagração, visto que algumas houve que tiveram de coutar unicamente com os seus recursos, atendendo ao facto doestarem bloqueadas.
As comunicações não eram fáceis de estabelecer de país para país, visto que a guerra submarina foi uma das principais armas da ferocidade germânica.
Mas há causas especiais que determinaram, entre nós, esta carestia incessante da vida, causas que derivaram do nosso feitio, da nossa indolência, da nossa preguiça, do nosso confiado providencialismo do Estado, desta tendência inata de confiarmos mais nos outros do que em nós. Cada um não se basta a si próprio para se tirar da mínima dificuldade da sua vida: incomoda a família, os seus amigos, as associações, e, depois, o Estado, importunando os governos com os seus pedidos constantes, até ser atendido e servido!...
É uma estrutura psicológica deprimente, e seria bom que tivéssemos olhos para ver as atitudes ridículas que nos permitimos, perante o concerto do mundo.
Em virtude destas causas todas, resultou que o Ministério das Subsistências, que era destinado a exercer uma função reguladora de preços, foi convertido num instrumento perturbante da vida da nação, que, em vez de dar remédio aos inconvenientes trazidos pela guerra, antes os agravou.
Podia entrar no domínio da narração de factos, mas não chegou a hora de, concretamente, tratar dêste assunto.
Primeiro, considerações de carácter geral, definição do princípios e estabelecimento de ideias gerais, para, depois, metodicamente, coordenadamente, com ordem, nós podermos definir bem quais são os vícios de que enfermava essa organização, para os castigar, com rigorosa justiça.
O Ministério das Subsistências tinha principalmente em vista abastecer os mercados coibir a ganância e prevenir os açambarcamentos. O que se fez, porém? Entrou-se no regime das tabelas, fixando-se os preços mínimos, o que deu em resultado o desaparecimento dos produtos nos mercados, para serem vendidos, às ocultas, por preços elevados.
Verificou-se, por isso, que o regime das tabelas era contraproducente, para servia...
Mais tarde julgou-se que se poderiam remediar êstes inconvenientes fixando, não os preços mínimos, mas os preços máximos. Isso deu melhores resultados, mas, a breve trecho, se reconheceu que, no nosso país, êsse sistema não trazia vantagens.
Entrou-se, depois, no caminho dos abusos, e tais e tantos foram êstes, que o Govêrno viu-se na dura necessidade do trazer ao Parlamento uma proposta que corte o mal pela raiz...
Eu, porém, não sei bem qual seja a intenção do Govêrno, trazendo, aqui, êste projecto.
Propõe o Govêrno a extinção do Ministério dos Abastecimentos, pelo motivo de terem sido cometidos, ali, graves abusos e de tal natureza que importam para o Estado prejuízos de centenas, ou talvez, de milhares de contos?
Creio que não, visto que é incompreensível que se extinga um Ministério pelo facto de nele se haverem praticado abusos. Então, o Govêrno teria de propor a extinção de outro Ministério em que, porventura, tambêm se pratiquem irregularidades...
Será porque o Govêrno está convencido de que aquele organismo não foi estabelecido, desde o princípio, por maneira a desempenhar cabalmente a sua missão?
Não é tambêm razão suficiente. Então, o que havia a fazer era depurar, aperfeiçoar, cortar o que está pôdre e aproveitar o são.
Não se deve destruir um organismo que ainda pode prestar muitos serviços.
Será, então, porque o Govêrno está convencido de que já acabaram todas as causas que deram origem à organização dêsse instituto?
Se assim é, está em êrro. Os armazéns reguladores de preços são hoje talvez ainda mais necessários do que durante a guerra.
A extinção do Ministério dos Abastecimentos pode, por isso, trazer gravíssimas consequências para a vida económica da Nação.
Desejo referir-me, neste momento, dum modo especial, aos celeiros municipais, que podem considerar-se anexos ou dependências do Ministério que vai acabar.
Também serão extintos êstes organismos?
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Por mim, penso que será um êrro e um êrro grave.
Não devemos tirar das mãos dos representantes do povo, das mãos das corporações locais êsses organismos que, convenientemente dirigidos, bem organizados e administrados com honestidade e patriotismo, podem prestar grandes serviços à vida económica da Nação.
Há celeiros que cumpriram honradamente o seu dever; que não ficaram nas mãos das câmaras municipais, como instrumentos de lucros inconfessáveis.
Certas destas corporações que bem compreenderam o melhor executaram os fins densos institutos.
Outras, porêm, hão percebendo quais os intuitos do legislador, tudo estragaram e desvirtuaram.
É certo. Mas devemos, por isso, medir tudo pela mesma razoura?...
Não pode ser, não deve ser, porque isso seria abandonar o povo à ganância dos exploradores.
A guerra parece ter criado uma moral nova, nos domínios do comércio.
Antes da guerra, estabelecia-se uma certa percentagem para lucro, e nunca se ia alêm dela; hoje querem ganhar tudo o que fôr possível ganhar, sem restrição ou limite!..
Criada esta disposição, perdidos todos os escrúpulos, ficaremos nós os que não produzimos em matéria de alimentação, à mercê daqueles que produzem e distribuem, quere dizer daqueles que exercem o comércio?
Devemos empregar todos os nossos esfôrços para que tal facto se não dê a fim de que o povo não fique completamente desarmado...
Sr. Presidente: eu entendo que a extinção pura e simples do Ministério dos Abastecimentos não é uma medida acertada.
Na minha proposta, deixo a responsabilidade dêsse acto ao Govêrno; e relativamente à situação do pessoal, quero que se faça uma investigação séria para se apurarem responsabilidades.
Pode dizer-se que o Ministério dos Abastecimentos era o celeiro de Lisboa, e que os celeiros municipais, espalhados por todo o País, eram delegações dêsse Ministério, sendo natural que êste auxiliasse aquele, em tudo quanto lhe fôsse possível.
Pois a história das relações dos celeiros municipais com o Ministério dos Abastecimentos, assim que se fizer, não será daquelas que menos edificará o País, tamanhas e tantas são as irregularidades, as inçarias e outras cousas piores ainda, que a história há-de revelar.
É certo, infelizmente, que o Ministério dos Abastecimentos não exerceu, desde o seu princípio, a função a que era destinado.
Não está presente o Sr. Aboim Inglês, que ontem fez um discurso esplendido sôbre as necessidades imperiosas que de momento pezam sôbre a nossa nacionalidade, e os remédios a empregar para fazer face a essas dificuldades.
S. Exa. referindo-se ao deficit de 82.000 contos do nosso orçamento (82.000 contos confessados nesta casa do Parlamento pelo Sr. Ministro das Finanças) propôs várias medidas para diminuir êsse deficit.
É claro que para a sua extinção total, não se pode contar exclusivamente com o aumento tributário.
Sem dúvida que se torna absolutamente impossível pedir à lavoura, ao funcionalismo, à indústria e ao comércio todos os recursos, do que carecemos, para fazer face à gravidade da situação.
Temos de estudar mais a fundo, o problema.
Não é recorrendo somente ao imposto que se obterá o que se deseja; mas sim à exploração das nossas fontes de riqueza, algumas das quais estão virgens ainda!
Temos a riqueza em casa, e andamos em busca dela lá fora!
A maior parte das nossas riquezas naturais estão por explorar e a algumas delas me tenho referido nesta casa do Parlamento.
Conveniente, necessário e oportuno seria que dêste poder do Estado saísse um conjunto de medidas que fossem tendentes ao mesmo fim: uma política económica de rasgadas e fecundas iniciativas, pela qual fossem exploradas, aproveitadas e valorizadas todas aquelas riquezas.
Sim. Mas para isso, é indispensável e urgente abater todas as bandeiras, confundir todos os campos, não distinguir partidarismos nem facções.
É o interêsse nacional, o bem da Pátria que o exige!
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Um outro meio, a que S. Exa. se referiu, com o meu aplauso, foi a contribuição que deve ser lançada sôbre os novos ricos, sôbre aqueles que enriqueceram â casta da guerra, que beneficiaram da alta, por vezes incomportável e asfixiante dos preços, sob a influência das circunstâncias que a guerra criou.
Penso que não seria muito difícil obter essa justa compensação, desde que houvesse a coragem moral e cívica suficientes para arcar com as relutâncias que sem dúvida provirão duma medida dessa natureza.
Servindo-nos do Censo da População e do Anuário das Contribuições Directas, podemos fazer o cálculo geral dos resultados aproximados duma operação, tributária sôbre os lucros da grande guerra.
Em Portugal deve haver actualmente seis milhões de habitantes; dêsses seis milhões, um milhão será de proprietários (detentores da propriedade rústica e urbana).
Em face dêstes números, podemos legitimamente supor que dêsse milhão de proprietários, cem mil terão um rendimento colectável superior a 500$.
Ora êstes últimos é que devem ter aproveitado e lucrado com os desequilíbrios económicos determinados pela guerra.
É certo que os salários aumentaram considerávelmente, e que a cultura se tornou, por isso, muito mais cara; mas, com a alta extraordinária do preços, os rendimentos devem-lhes ter crescido e aumentado, além de toda a revisão.
Pelo que respeita aos industriais, haverá em Portugal trezentos mil. Dêstes terão lucrado com a guerra talvez dez mil.
Relativamente aos comerciantes, é necessário considerar somente aqueles que são eslectados como patrões, pondo de parte a enorme legião do indivíduos que vivem do comércio, mas não participam os seus lucros.
Comerciantes, propriamente ditos, ha verá 200:000; dêstes, calculo que, pelo menos, 20:000 devem ter enriquecido com a guerra (grandes comerciantes, armazenistas, merceeiros, em larga escala-negociantes de cereais, de ferro, de carvão, de lenha, droguistas, etc.).
Há ainda a considerar os banqueiros, os fabricantes, e todos os especuladores de Bolsa.
Devemos, portanto, tirar a conclusão de que 1:30:000 indivíduos, em Portugal, beneficiaram, embora uns mais do que os outros, com a nova ordem de cousas, criadas pela guerra. Ora se cada um dêstes 130:000 indivíduos entrasse, para os cofres públicos, duma só vez com uma quantia que, sendo superior a 50 escudos, em nenhuma hipótese ultrapassaria 1:000, cobriríamos o deficit...
Os problemas não são difíceis de resolver; o que é necessário é iniciativa inteligência, firmeza, ponderação e tino.
Êste meu alvitre seria apenas um expediente de ocasião. O que, sobretudo importa é desenvolver a economia nacional.
Urge que nos dediquemos a educar a nossa iniciativa; que nos façamos homens modernos, dignos da civilização contemporânea, adoptando processos novos que sirvam ideias novas.
É certo que Portugal tem vivido quási exclusivamente das suas tradições, esquecido de que o Mundo marcha sempre, e de que parar é morrer...
A tradição, sendo legítima, é um crime quebrá-la; mas é necessário que o sentimento das tradições não tire ao homem moderno o seu espírito progressivo, porque é exactamente da conjugação destas duas qualidades, respeito pela tradição e amor do progresso, que resulta o triunfo das nacionalidades.
As nossas qualidades não são todas más. O português é inteligente, não sendo fácil encontrar outro povo que, sob esta relação, se lhe avantage. O que se precisa é de estimular e desenvolver as nossas boas qualidades, a fim de que possam contrabalançar os defeitos ancestrais, a cujo império ainda, em grande parte, nos achamos acorrentados...
Sr. Presidente: parece-me que embora se extinga o Ministério dos Abastecimentos; os celeiros municipais devem subsistir, porque êles são uma arma na mão dos municípios para se defenderem da ganância dos açambarcadores. Muitos não cumpriram o seu dever, porque não souberam ou porque não quiseram, e êsses têm de sofrer castigo, se, não sofreram já, a esta hora.
Há disposições legais, publicadas por êste Govêrno, que obrigam as direcções dos celeiros a prestarem as suas contas;
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são as do decreto n.° 5.972, de 25 de Junho.
Êsses que se extingam e desapareçam... Mas aqueles que cumpriram honestamente o seu dever, que têm as suas contas em regra, que fizeram a sua liquidação, como honesta casa de comércio, êsses devem subsistir, merecendo novos créditos do Govêrno.
A Câmara tomará na conta que lhe merecer a minha proposta, podendo estar certa de que não falo, pelo simples prazer de falar, ou por exibicionismo.
Suponho cumprir um dever de consciência, expondo os meus pontos de vista e entregando à competência indiscutível e soberana da Câmara as minhas considerações, sôbre o assunto que se debate.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
É lida e admitida a moção do Sr. Alves dos Santos.
O Sr. Vergílio Costa: - Sr. Presidente: vou ser breve nas considerações que tenho a fazer, visto que não quero demorar mais esta discussão, que já vai longa, o porque muito se tem dito já a propósito da extinção do Ministério dos Abastecimentos.
Nem o parecer que precede a proposta de lei n.° 22-S em discussão, nem os discursos preferidos nesta Câmara pelos ilustres oradores que me antecederam e que defenderam a extinção do Ministério dos Abastecimentos me conseguiram convencer da necessidade da tal medida.
Estranho, Sr. Presidente, e realmente, é para lamentar, que uma proposta de lei da importância desta, que o Govêrno vem trazer à Câmara, não esteja precedida de um relatório bem fundamentado que nos permitia fazer mais completo estudo do assunto (Apoiados), e estranho tambêm que a Comissão tivesse dado o seu parecer à proposta com tanta facilidade.
Um dos principais argumentos aqui produzidos para justificar a extinção do Ministério dos Abastecimentos é o de que várias irregularidades têm sido cometidas por funcionários superiores dêsse Ministério.
Uma voz: - Não apoiado.
O Orador: - E um dos argumentos apresentados e talvez o principal, pelo menos pelo que aqui tenho ouvido.
Também o Sr. João Camoesas apresentou o argumentou de que o número de ofícios entrados e saídos das repartições do Ministério dos Abastecimentos têm diminuído, sendo actualmente muito reduzido.
S. Exa. teve certamente muito trabalho para chegar a tal conclusão; todavia, Sr. Presidente, a razão não colhe, por isso que o trabalho do uma repartição se não pode nem deve avaliar pelo número de ofícios entrados ou saídos.
Um àparte do Sr. João Camoesas.
O Orador: - Concordo com isso, mas V. Exa. deve tambêm olhar para o que se passa nos outros Ministérios.
Um àparte.
O Orador: - V. Exa. tem muita razão, mas bem deve sabor que todos nós, uns mais, outros menos, temos podido que êsses empregos públicos, que estão vagos, sejam preenchidos por amigos. É triste dizê-lo, mas é a verdade, o V. Exa., naturalmente, como eu, já tem feito dêsses pedidos.
Por consequência, Sr. Presidente, entendo que os argumentos apresentados nesta Câmara não são de modo a convencê-la da necessidade absoluta e imediata da extinção do Ministério dos Abastecimentos.
A função que êsse Ministério foi chamado a desempenhar na vida económica portuguesa ainda não terminou.
Uma voz: - Ainda não principiou, pode V. Exa. dizer.
O Orador: - Mas são as irregularidades cometidas no cumprimento dos seus deveres por muito dos funcionários dêsse Ministério razão bastante para que com êle acabemos? Sendo assim, então muitos outros Ministérios terão de ser extintos neste país.
O Sr. António Fonseca: - Por exemplo...
O Orador: - Olhe V. Exa. para o Ministério do Comércio, e verá o seguinte:
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os serviços públicos correm tam mal quanto poderiam correr, sendo ali os dinheiros públicos verdadeiramente desba ratados.
Peça S. Exa. ao Sr. Ministro do Comércio que mande proceder a uma rigorosa sindicância a êsses serviços, e há-de ver o resultado, não me restando a menor dúvida de que se apurarão graves responsabilidades de alguns funcionários. A maneira como é feito o abastecimento de materiais é verdadeiramente escandalosa e, segundo me consta, há até conluios de funcionários superiores, directamente ligados aos fornecedores, para açambarcarem os fornecimentos, dando em resultado que os materiais ficam sempre muito mais caros ao Estado do que aos particulares.
Entre muitos outros casos um posso apontar tambêm, que mostra como alguns serviços do Ministério da Guerra são descurados. Desembarcou há pouco um contigente de tropas que vinha de Moçambique e os soldados chegaram numa verdadeira vergonha, sujos, com a farda rasgada e muitos mesmos em ceroulas, tendo sido necessário transportar-se estas praças em "caminons" até o depósito de adidos, onde ficaram.
De quem é a culpa?
É, evidentemente, das criaturas que estão encarregadas dos respectivos serviços.
Isto prova bem que não é só o Ministério dos Abastecimentos que funciona mal. Concordo absolutamente que os serviços dêsse Ministério não correspondam bem à função a que foram destinados. Se há irregularidades lá dentro, apurem-se as responsabilidades. Faça-se uma sindicância bem feita, rigorosa, e castigue-se quem prevaricou. Se o Ministério dos Abastecimentos está mal organizado, está mal orientado, reorganize-se, remodele-se. Estou convencido de que assim êle passaria a desempenhar neste país a função que lhe cumpre.
Sr. Presidente: os argumentos apresentados nesta casa do Parlamento não me convenceram, como não me convenceu o parecer da comissão.
Trará economia a extinção do Ministério dos Abastecimentos para o Estado? É com essa economia que se vai saldar o deficit orçamental que nos apresentou o Sr. Ministro das Finanças? Não.
De resto, o pessoal fica todo; só sai o Ministro.
Como o Ministério dos Abastecimentos foi criado com um carácter transitório, concordo em que êle, dentro dum prazo mais ou menos curto, se extinga, mas só quando a vida estiver normalizada. Actualmente não o está, e é neste momento que mais se justifica a sua existência. Tanto assim que lá fora, como em França e em Inglaterra, êsses Ministérios ainda subsistem, formando-se até novas organizações para lhes ampliar as funções.
Diz-se que o alto comércio tem sido escandalosamente protegido por altos funcionários do Ministério dos Abastecimentos. Mas, Sr. Presidente, se é o próprio Govêrno que nos propõe a extinção dêsse Ministério, o que se depreende é que quere sancionar essa protecção!
O Sr. António Fonseca: - Parecia-me o contrário!...
O Orador: - Alêm disso, se os serviços que estão a cargo do Ministério dos Abastecimentos se não dividirem pelos diversos Ministérios, a falta de coesão será maior, porque, se esses serviços, centralizados naquele Ministério, não tem dado resultado, como o hão-de dar desde que se separem?
Entendo, portanto, que a extinção do Ministério dos Abastecimentos, neste momento, não se justifica.
Outras medidas económicas, muito mais importantes, existem, e o Govêrno, tendo já podido resolver algumas, ainda não tratou delas.
Sr. Presidente: nós somos um país que podemos desenvolver-nos, um país cheio de riquezas, de recursos naturais extraordinários, mas que bem mal têm sido aproveitados. Para que êste país se desenvolva, progrida, é absolutamente necessário que se olhe a sério, atentamente, para a nossa rede de comunicações. Todos sabem o estado em que se encontram os nossos caminhos de ferro. No inverno as estradas são intransitáveis! Ora, sendo assim, não era mais razoável que o Govêrno olhasse com mais interêsse para êstes assuntos do que vir propor ao Parlamento a extinção do Ministério dos Abastecimentos como uma medida económica de grande alcance?! Há factos, e eu conhe-
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ço alguns, que demonstrarei bem que, se a nossa rede de comunicações não é melhor, é porque os Governos se não tem interessado, como se deviam interessar, por êstes assuntos. Há muitos caminhos de ferro em construção que já podiam ter sido abortos à exploração, mas continuam em estudos, em construção, gastando imenso dinheiro, protelando o completo desenvolvimento do País, e, até mais, gastando dinheiro com a conservação de obras já iniciadas, sem que juro algum o Estado consiga disso.
Sr. Presidente: há muitos anos que se pousa em construir - permita-me V. Exa. que eu cite êste facto, - o caminho do ferro da Estremoz a Portalegre. Há mais de 10 anos que se vêm fazendo estudos e diversos projectos, mas só ultimamente os trabalhos dêsse caminho de ferro tomaram um certo desenvolvimento. Apesar disso, há mais dum ano que as obras de arte e de terraplenagem dêsse caminho do ferro, até 5 quilómetros alêm de Sousel, estão concluídas; há mais dum ano, portanto, que o assentamento da via podia ter sido começado, podendo já estar tudo concluído, mas nada disso se fez ainda, e, contudo, a região que é atravessada pela linha férrea, é uma das mais ricas do País.
Eu desejaria que estivesse presente o Sr. Ministro do Comércio o Comunicações e pudesse tomar providências, mas, como não está, devido ao desastre que ultimamente sofreu e que deveras lamento, eu peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério para as minhas considerações.
Sr. Presidente: os trabalhos no caminho de ferro do Évora a Reguengos estão bastante atrazados. Apenas temos 10 quilómetros de terraplenagem e só dentro Dalgum tempo se poderá fazer o assentamento dos carris nessa extensão. O final das obras ainda demora uns dois ou três anos se continuarem com a morosidade que têm tido até agora.
Porque se não activam os trabalhos? Chamo para êste ponto a atenção do Sr. Presidente do Ministério, pedindo a S. Exa. A que transmita as minhas palavras ao seu colega do Comércio e Comunicações.
Os trabalhos para o caminho de ferro de Estremoz a Portalegre tambêm se encontram atrasados. Já se fez a encomenda dos carris, mas, devido à guerra, essa encomenda não foi satisfeita. Não sei se ela subsiste, mas tambêm não me consta que nova encomenda tenha sido feita. Urge que se faça para que, quanto antes, se possa abrir à exploração o troço de linha férrea que vai de Estremoz a Sousel, região riquíssima que muito produz e que luta com umas dificuldades extraordinárias de transportes.
A outros caminhos de ferro eu me podia referir, como, por exemplo, o de Vila Viçosa a Elvas, cujos estudos começaram há mais de dez anos... e nada mais.
Assuntos como êstes devem merecer a todos nós e ao Govêrno maior atenção do que a extinção do Ministério dos Abastecimentos.
Toda a gente fala no ressurgimento nacional; todos indicam melhoramentos que são absolutamente indispensáveis neste país, para que progrida e se desenvolva. É por isso que entendo que êstes assuntos os tão directamente ligados e que são muito mais importantes, do que a proposta do lei que o Govêrno trouxe à Câmara, tendendo a revolver êste assunto: a extinção do Ministério dos Abastecimentos no momento em que vem apresentar-se o deficit orçamental.
Não. Estou absolutamente convencido de que o Ministério dos Abastecimentos ainda tem uma grande função a desempenhar, e é precisamente agora que ela deve começar e não se justifica a sua extinção neste momento.
Há bem pouco tempo publicou-se no Diário do Govêrno uma portaria, na qual se dizia estar vago o lugar de chefe da primeira repartição da direcção geral do comércio. A preencher-se esta vaga, e havendo na mesma direcção geral um chefe de repartição adido, era natural que fôsse chamado para desempenhar aquele lugar. Mas assim não aconteceu.
Foi nomeado chefe da repartição vaga um antigo escriturário do Ministério.
Mas o que era lógico é que essa vaga não fôsse preenchida.
Não só compreende que, no momento em que o Govêrno apregoava que ia ser extinto o Ministério dos Abastecimentos, ela se preenchesse com um funcionário de fora, havendo tantos no Ministério e existindo ainda, como já disse, um chefe de repartição adido que estava naturalmente indicado para o lugar.
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Não quero alongar-me em mais considerações e por isso vou terminar. Mas, antes de o fazer, não podendo tomar parte na discussão da especialidade, permita-me V. Exa. e a Câmara que mande para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 19.°, porque parto do princípio de que o Ministério será extinto. Estou convencido do que a maioria votará a sua extinção e não serei eu, com as minhas palavras, embora cheias de razão, que vá convencer a maioria da não necessidade da sua extinção.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva (Deputado pelo Porto): - Pedi a palavra para, confirmar uma declaração ontem feita pelo nosso colega, sr. Costa Júnior, sôbre o assunto em discussão.
A opinião da minoria socialista é de que a extinção do Ministério dos Abastecimentos deve ser aprovada sem prejuízo do inquérito em que se pensa, para se punirem os delinquentes das irregularidades praticadas.
Devo dizer que o Estado deve promover a formação duma organização de municípios para tratar dos abastecimentos sob o côntrole do Ministério, pois pode considerar-se um abuso, em matéria de fornecimentos, o que se está passando no país.
A Inglaterra montou um serviço de abastecimentos, muito mais importante e frutuoso do que o nosso. Mas, tendo-o iniciado por uma organização centralizada, acabou por convertê-la num sistema descentralizador, formando-se um serviço de abastecimentos mais perfeito e mais proveitoso do que o do Ministério dos Abastecimentos.
É-me difícil compreender que haja um Ministério de Abastecimentos quási só para Lisboa, visto que os municípios das províncias do norte e do sul do País têm os seus organismos especiais.
Acho mesmo que está em conformidade com as doutrinas socialistas o estabelecimento dum serviço de subsistências junto dos municípios e não junto do Estado.
Nestas condições, é digno de aprovação êste projecto e mesmo porque os argumentos produzidos nesta Câmara, desde o início da discussão, me convenceram de que o Ministério dos Abastecimentos deve ser extinto.
Permita-me tambêm a Câmara que lhe diga que os argumentos produzidos pelos Srs. Deputados que combateram a proposta do Govêrno não me merecem apreço.
Lamento que o Sr. Ministro do Comércio não esteja presente, porque aproveitando esta ocasião, apesar de ser muito necessário que se abrevie a discussão, eu desejava dirigir a S. Exa. algumas palavras sôbre o regime dos cereais e do pão no Norte, porque esta é a época em que os trigos se adquirem nos mercados produtores e pela experiência sabemos que os que não tratarem dêste negócio nesta época, comprando todo o cereal necessário para cobrir o deficit, se arriscam mais tarde a pagar grossos lucros aos intermediários.
Queria preguntar ao Sr. Ministro da Agricultura, visto não estar presente o Sr. Ministro do Comércio, se já se apurou a quanto monta o deficit de trigo no ano cerealífero que terminou, porque não vi publicados nenhuns elementos de informação a êsse respeito. Sei, pela imprensa, que a França teve um deficit enorme e que luta enormemente com dificuldades, porque teve de comprar todo o trigo para cobrir o grande deficit, visto lhe terem faltado os meios de transporte para trazer êsse trigo para a metrópole.
Desejava saber se o Govêrno pensa em propor algumas medidas para evitar que a moagem sofisme os diagramas e regulamentos que o Parlamento ou o Govêrno determinam. Os governos costumam determinar uns diagramas por meio dos quais se produz uma farinha para pão barato e outra farinha para pão caro. Porém, a moagem tira menos farinha da barata e menos derivados e mais da fina. Depois diminuem as remessas de farinha barata às padarias e mais da cara, do que resulta que os lucros da moagem vão muito acima do que os diagramas determinam.
Sôbre milho eu não sei quais as medidas que o Govêrno pensa propor. O que é absolutamente necessário é que os lavradores cumpram as leis e manifestem os seus cereais, a fim de só saber a sua quantidade de produtos panificáveis.
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Sr. Presidente: eu desejava saber se o Govêrno conta com meios de transporte para satisfazer as necessidades do País.
Os navios alugados à casa Furness segundo consta já foram entregues e desta maneira o Govêrno poderia abastecer de milho o nosso País, garantindo o consumo de milho aos povos do Norte, que são os que mais gastam êste cereal e que tanta fome tem sofrido.
Sr. Presidente: eu já declarei e repito-o, com referência à proposta que se discute, a minoria socialista aprova-a extinção do Ministério dos Abastecimentos, com a condição de só fazer um rigoroso inquérito que puna os funcionários que delinquiram.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: podia parecer estranho que a comissão não tivesse intervindo neste debate, que já vai longo, e era certa maneira interessante.
A verdade é, porém, que tendo logo de princípio entrado nesta discussão o Sr. Nuno Simões, S. Exa. tomou perfeitamente o ponto de vista da comissão e fez a defesa do projecto, e por tal forma, com saber e inteligência, que a mesma comissão entendeu que o assunto caíra em boas mãos.
Mas vejo-me na necessidade de falar para responder às considerações produzidas pelo meu amigo o Sr. Orlando Marçal, por quem tenho muita estima, respeito e admiração pelas suas faculdades de trabalho e inteligência.
De toda a discussão que se tem feito em volta desta proposta, resulta o reconhecimento de que o Ministério dos Abastecimentos se considera como um verdadeiro cancro para a nossa administração, e apenas têm diversificado os alvitres para a extinção do mal. Emquanto que uma parte pretende curar essas doenças com pequenas fricções de medicina caseira, outra, a comissão e o Govêrno, opinam que é mister aplicar-lhe o termo-cautério.
O Ministério dos Abastecimentos, Sr. Presidente, nasceu num período agitado e anormal, não só de Portugal, mas de todo o mundo, e a função a que era destinado vinha a ser a de acudir às necessidades e dificuldades que a guerra trouxe, relativamente ao grave problema da alimentação pública.
Como êsse Ministério correspondeu a êsse fim todos o sabem. Êle continuou os seus vícios primitivos, e qual a culpa dêste facto deplorável?
O seu pessoal, alêm de incompetente, tem ainda outros maus predicados.
De resto, êsse Ministério devia ter tido uma organização perfeitamente transitória, podendo ser servido por funcionários doutros Ministérios na sua maioria, tendo, no emtanto, um pessoal contratado mais escolhido, embora tambêm mais bem remunerado.
Êsse Ministério conquistou-se na nossa administração pública com um carácter permanente, e passou a ser um albergue de quem no País queria ser funcionário.
Deu-se ainda o facto de que êsse Ministério atravessou um período calamitoso da história de Portugal, e por essa circunstância recebeu no seu seio uma verdadeira onda revolucionária, sem atender às aptidões.
Há ali monárquicos, republicanos, monárquicos republicanos e republicanos sem serem cousa alguma, nem monárquicos, nem republicanos.
Eu pregunto ao Sr. Orlando Marçal se com esta matéria prima era possível fazer-se uma reorganização de serviços, com competências e os conhecimentos precisos para as altas e graves funções a que êsse Ministério se destinava?
Aqui tem o ilustre Deputado a razão por que a comissão disse no seu parecer que adoptava, sem reservas, o princípio da extinção do Ministério dos Abastecimentos, em virtude de se ter convencido de que com aquele pessoal era impossível fazer uma obra útil e duradoura.
Isto não quere dizer que a comissão adoptasse todas as disposições da proposta, e quando o parecer se discutir na especialidade indicará as alterações que julgar necessárias.
O ilustre Deputado Sr. Orlando Marçal, nas acusações que fez à comissão, queixou-se e mostrou-se admirado de que se pretenda desorganizar os serviços da administração pública.
Entende S. Exa. que, como êles estavam estabelecidos, constituíam uma medida de ordem!
Vou responder a esta acusação do ilustre Deputado em poucas palavras.
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Para a organização do Ministério dos Abastecimentos foram deslocados funcionários de vários Ministérios. Acabado que seja êste Ministério, os referidos funcionários regressam às suas antigas repartições, com o regresso dos mesmos serviços aos Ministérios que lhes são devidos. Assim, os serviços do transportes voltam ao Ministério do Comércio e Comunicações; os agrícolas para o Ministério da Agricultura, e assim sucessivamente.
Há cousa mais natural e mais própria duma época normal?
O Sr. Orlando Marçal nega a esta proposta condições económicas, e pregunta onde é que está a economia que se pretende fazer.
Vê-se da proposta: os serviços estão pagos exageradamente, e desde que se extinga a repartição, há evidentemente uma economia.
Um outro argumento apresentado é que o Ministério dos Abastecimentos não tinha ainda realizada a sua missão.
Ora o que é certo é que as dificuldades provenientes do estado de guerra, como, por exemplo, os embaraços na liberdade dos mares, tendem a desaparecer, e, consequentemente, a diminuir as atribuições dêsse Ministério.
O Ministério dos Abastecimentos foi criado para tratar da alimentação pública, e não só não podia exercer as atribuições próprias, mas ainda as atribuições do problema da agricultura.
Devo tambêm dizer que a extinção não exclui a idea de que continui a exercer-se fiscalização, e até em termos mais convenientes e rigorosos.
Diz-se ainda que a extinção do Ministério dos Abastecimentos pode conduzir à imunidade, ou à atenuação dos crimes ali praticados. Isto é um exagero.
A extinção do Ministério dos Abastecimentos em cousa alguma prejudica qualquer inquérito, quer de natureza criminal, quer do natureza disciplinar, e até mesmo o facto da não existência dêsse Ministério pode contribuir para que a investigação se faça mais completa.
Eu pregunto a S. Exa. se pode imaginar, ou se alguêm pode supor que o Govêrno tinha a coragem necessária para trazer a esta Câmara uma proposta de lei que tivesse por fim conduzir à impunição os crimes ali praticados?
O Ministério actual seria incapaz de trazer à Câmara uma solução que tivesse alçapões por onde se pudessem escapar aqueles que praticaram crimes.
É necessário fazer justiça aos seus propósitos.
Respondi já às considerações do Sr. Orlando Marçal, e vou agora responder às dalguns outros oradores, principalmente no que diz respeito à revelação de factos criminosos e erros de administração praticados no Ministério de que se propõe a extinção.
Creio que foi o Sr. João Camoesas que se referiu à nomeação dum chefe de repartição, e, naturalmente, pareceria estranho que estando, por assim dizer, o Ministério dos Abastecimentos em liquidação, se fôsse ainda nomear para êle êsse funcionário.
O Sr. Presidente do Ministério, no emtanto, explicou já o caso, tratando-se dum funcionário que foi excluído por ocasião do 5 de Dezembro, e que desde então foi continuamente perseguido.
Após o último movimento e ao abrigo das disposições dum decreto, êsse funcionário requereu à comissão competente a sua reintegração, demonstrando que tinha sido excluído por motivos políticos, e essa comissão decidiu, por unanimidade, que êle devia ser reintegrado. Apesar, porém, de tal parecer, e de em Conselho de Ministros o mesmo voto ter sido emitido, êsse funcionário ainda não teve a sua reintegração.
Há tambêm um caso referido pelo Sr. Afonso de Macedo - o da existência no pôrto de Lisboa duma grande quantidade de trigo que não tem sido dado para o consumo. Este trigo, no emtanto, era objecto dum litígio e emquanto se não dicidisse o Govêrno não se podia utilizar dêsse género.
O caso está hoje resolvido, e foi já cedido l milhão de quilogramas pelo Govêrno da nação a que pertence o navio não sendo logo entregue à moagem por que estava pendente uma proposta de lei sôbre os trigos, e se o Govêrno fizesse a entrega imediatamente haveria para o Estado um prejuízo importante, ao passo que pelo projecto de lei que se encontra sôbre a Mesa êle representará uma vantagem quando aprovado.
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De igual modo o Sr. Afonso de Macedo citou um facto da maior gravidade e que não posso deixar de confirmar porque, infelizmente, êsse facto só deu.
Hoje de manhã, na minha qualidade de Deputado e relator dêste parecer, fui ao Ministério dos Abastecimentos para saber o que havia de verdade a respeito das acusações aqui feitas, o soube, com espanto e indignação que, realmente, tendo existido nos armazéns do Estado um enorme carregamento de batata - cêrca de 10:000 toneladas - que podia ter servido para a alimentação pública, essa batata apodreceu e teve do ser lançada ao mar.
Sensação.
Uma voz: - Então isso não é um verdadeiro crime, tendo sido avisado diariamente o director geral?
O Sr. Brito Camacho: Desde quando estava lá casa batata?
O Orador: - Não sei bem há quanto tempo, mas ora da colheita passada.
E tambêm fundamentada, Sr. Presidente, a acusação feita com respeito ao feijão.
O Sr. Afonso de Macedo: - V. Exa. dá-me licença?
Porque é que o Ministro dos Abastecimentos, sendo avisado, desde longos dias, da existência dêsse feijão, que são 10:000 e tantas toneladas, continua a deixá-lo estragar nos armazéns?
O Orador: - Descobri ainda outros casos escandalosos que, de acordo com a comissão de administração pública, não tenho dúvida de expor à Câmara, porque é preciso que ela os conheça. Há mesmo outros casos duma gravidade extrema, e eu vou citar um deles.
Quando foi do armistício, por intermédio dos novos delegados em Londres, comprámos à Inglaterra uma quantidade enorme de carne congelada, carne essa que veio para Lisboa e foi transportada, não directamente para os frigoríficos, mas para fragatas, onde a temperatura é de 20 a 25 graus, tornando-se imprópria para consumo.
Prejuízo para o Estado 450 contos.
Uma voz: - E os funcionários responsáveis ainda andam em liberdade?
O Orador: - Há casos doutra natureza. Lembram-se V. Exas. da reclamação que há dias foi feita na imprensa sôbre o facto de se estar vendendo arroz ordinário, em tam mau estado, que até produzia desinterias?
Pois êste facto é verdadeiro.
Alguns funcionários do Ministério mandaram passar êsse arroz pelo crivo, por sua conta, e foi lançado no mercado.
Com respeito à farinha que foi mandada vir de Moçambique, quando ora governador o Sr. Álvaro do Castro, e que êle ofereceu, não a quiseram, e mandaram vir outra do Transvaal, que custou mais 50 por cento. Essa farinha chegou ardida e ainda tiveram de gastar 10:000 libras para a lançar no mar. Uma outra veio, pelo preço de 250 réis o quilograma, assim se vendeu; mas depois veio a factura e por ela só viu que o preço era de 385 réis o quilograma e por êsse preço teve que só pagar.
Prejuízo 450 contos.
Com respeito ao carvão foram adquiridas 20:000 toneladas para fornecer cinco vagões por dia. Dêsse carvão sómente se aproveitaram 5:000 toneladas, perdendo-se o resto, e o prejuízo foi para o Estado.
Muitos àpartes.
Neste ponto é impossível ouvir o orador.
Assim como êstes casos há muitos mais.
Sr. Presidente: nós estamos em frente de factos gravíssimos. (Apoiados). Não podemos ter comtemplações. É preciso irmos para diante e não tenhamos ilusões. Nestas questões de moralidade é preciso ir para a frente, doa a quem doer. (Apoiados). A República é um regime digno e de honra. Não pode consentir que se dêem êstes factos, que se dêem estas imoralidades. A República não pode viver nesta atmosfera de lama, onde só asfixia.
Os casos Hinton e da Junta do Crédito Predial são unias brincadeiras ao pé dêstes factos.
A República nunca se poderá confundir com a monarquia, e por isso é indispensável que nós tenhamos mão nestes factos gravíssimos, que a deslustram e desprestigiam. (Apoiados).
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Foram os factos vergonhosos que se passaram na monarquia, e que ela quis ocultar, que a desonraram, e por isso êles na República, regime de verdade e luz, não se podem encobrir.
A República tem muito decoro e precisa debelar êstes casos para manter o seu prestígio e manter a sua honestidade.
É preciso que se faça o inquérito, que só pode ser feito pelo Parlamento. (Apoiados).
Nestas condições, vou mandar para a Mesa a minha proposta, que submeto à apreciação da Câmara.
Posta a questão nestes termos, deixa de existir a questão política para existir a questão moral. (Muitos apoiados).
Faço votos para que a comissão apure responsabilidades para serem castigados os culpados e dignificar a República (Apoiados), devendo ser constituída imediatamente.
Proposta
Proponho que seja nomeada uma comissão encarregada de proceder a um rigoroso inquérito aos serviços do Ministério dos Abastecimentos, com amplos poderes, incluindo os de examinar a situação e direitos do funcionalismo daquele Ministério e tomando as providências que julgar necessárias para o cabal exercício e completo êxito da sua missão.
Esta comissão será composta de um Deputado independente, um do Partido Centrista e dois por cada um dos partidos da Câmara e por êles indicados, sob a presidência dum Deputado escolhido pela Mesa.
Esta comissão considerar-se há como em exercício de funções parlamentares.
Sala das Sessões, 3 de Setembro de 1919. - Abílio Marçal.
Para a Secretaria.
Admitida
O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa um requerimento, a fim de pedir que o Govêrno tome providências para que não haja qualquer incêndio no Ministério dos Abastecimentos.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. o favor de não se esquecer de me informar por escrito do número de requerimentos para contagem, feitos na sessão da noite de 30 e por quem.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão até às 21 horas e meia.
Eram 19 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 10 minutos.
O Sr. Nóbrega Quintal (para interrogar a Mesa): - Pedia a V. Exa. a fineza de me informar se já se encontra na Mesa, com o parecer da comissão de guerra, o projecto de lei apresentado pelo Sr. Álvaro de Castro, fazendo regressar ao efectivo do exército o tenente Piçarra e promover a tenente o alferes Ribeiro.
Quando tive a honra de, pela primeira vez, fazer esta mesma pregunta a V. Exa. eu declarei que não se concebia que o Parlamento fechasse sem que êsse projecto fôsse aprovado, como justa e simples homenagem prestada a êsses dois valentes que tam alto souberam erguer a bandeira da República nas horas trágicas de Monsanto.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - O parecer a que S. Exa. se refere ainda se não encontra sôbre a Mesa, mas como se trata dum assunto de expediente, vou mandar saber o que há pela Secretaria.
O Sr. Eduardo de Sousa (para um requerimento): - Sr. Presidente: acerca da questão que se debate no Ministério dos Abastecimentos, mando para a Mesa um requerimento, a fim do Govêrno tomar as providências necessárias, em vista dos factos que na Câmara se revelaram, para que não haja um qualquer incêndio no Ministério dos Abastecimentos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A Mesa não considera o documento que S. Exa. acaba de apresentar como um requerimento.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Porque?!...
O Sr. Presidente: - Então S. Exa. requere que seja chamada a atenção do Govêrno?
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O Sr. António Fonseca: - Suponha V. Exa. que eu não concordo em que se chame a atenção do Govêrno! Não posso justificar-me porque requerimentos não se discutem! Se fôsse uma proposta...
O Sr. Eduardo de Sousa: - Não faço questão de classificação. Seja uma proposta!...
O Sr. António Fonseca: - Nesse caso ficará para segunda leitura!...
O Sr. Eduardo de Sousa: - Pois requeiro a urgência o dispensa do Regimento para entrar imediatamente em discussão!
O Sr. Brito Camacho: - Se isto vai de requerimentos, eu requeiro que se peça à Câmara que não vote a urgência e a dispensa do Regimento!...
O Sr. António Fonseca: - O Sr. Eduardo de Sousa só podia lazer um requerimento adstrito ao debate!
O Sr. Eduardo de Sousa: - É precisamente sôbre a questão que só debate que êle se funda!
O Sr. Presidente: - Escusamos de estar a fazer discussão som base. Eu não considero o que o Sr. Eduardo de Sousa mandou para a Mesa nem como requerimento, nem como proposta.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Ora essa!
O Sr. António Fonseca: - Nem o podia aceitar na Mesa, porque está fora do assunto! O que S. Exa. tinha a fazer era inscrever-se sôbre o "possível incêndio do Ministério dos Abastecimentos" e não sôbre a "extinção do Ministério dos Abastecimentos"!
O Sr. Eduardo de Sousa: - Então eu não posso prever incêndios casuais?!...
O Sr. António Fonseca: - Isso é com os bombeiros!...
O Sr. Presidente: - A única maneira é o Sr. Eduardo de Sousa pedir a palavra, chamando nessa altura a atenção do Govêrno.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Peço a palavra sôbre a ordem!
O Sr. Presidente: - Tem S. Exa. a palavra.
Estas explicações não foram revistas, nem pelo Sr. Presidente nem pelos Srs. Eduardo de Sousa e António Fonseca.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: cumprindo a disposição regimental começo por ler e mandar para a Mesa a minha moção de ordem.
Como V. Exa. vê e a Câmara, eu só me preocupo com os incêndios casuais e possíveis. Longe do meu espírito imaginar um incêndio propositado! Como homem avisado que sou, e tendo em vista a lição dos factos, das coisas e dos homens, só me preocupo com os acasos da fortuna, da sorte e dos acontecimentos.
Portanto, Sr. Presidente, acho que está suficientemente esclarecida e defendida a minha moção de ordem, para que a Câmara possa discuti-la e deliberar sôbre ela como melhor entender.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sã Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Pedi a palavra para declarar à Câmara, em face da prevenção que me é feita, a respeito da possibilidade de incêndio, e embora suponha que o caso não se dará, a partir dêste momento ordenei que fossem tomadas as providências.
O orador não reviu.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: se há proposta de lei que não devesse ser trazida à Câmara, sem um largo e bom documentado relatório, é precisamente aquela de que nos estamos ocupando. É certo que o Govêrno, na sua declaração ministerial, prometeu suprimir o Ministério dos Abastecimentos, mas isso nada mais foi do que uma promessa feita num documento redigido à pressa, e de forma alguma justifica a falta dum largo relatório da proposta redigida posteriormente, com a data de 22 de Agosto, quer dizer, numa altura em que o Govêrno já na posse de todas as informações de que carecesse, podia, e bem, fundamentar a referida proposta.
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Na declaração ministerial o Govêrno dava apenas como razão da proposta a apresentar o ser o Ministério dos Abastecimentos um organismo consequente da guerra, transitório, devendo desaparecer desde que acabou a guerra.
Nessa altura já não era lícito dizer que tinha acabado a guerra com todas as suas consequências, sobretudo, as de ordem económica. Já então se via que a situação de vida criada pela guerra, se não era a mesma, era ainda pior; e nestas condições, dizer que o Ministério dos Abastecimentos tinha de ser suprimido, porque, havia desaparecido a sua razão de ser, era fazer uma afirmação gratuita, afirmação que os factos desmentiam por completo. Não podendo admitir-se que esta fôsse a razão que o Govêrno tinha, a única e a melhor para propor a supressão do Ministério dos Abastecimentos, legítimo é crer que outras razões êle terá; mas então dispensando-se de anunciá-las na declaração ministerial, não podia de forma alguma omiti-las no relatório da proposta que trouxe à Câmara.
Sr. Presidente: é certo que o Ministério dos Abastecimentos foi criado para dar saídas a uma incompetência administrativa que andava sem colocação, mas tambêm é certo que, se não correspondia, deveria corresponder a uma necessidade criada pela guerra, necessidade que se impunha, e que podendo talvez ser provida de remédio por outra forma, tambêm o podia ser por esta.
Até que ponto o Ministério dos Abastecimentos correspondeu às necessidades da sua criação, e até que ponto êle falseou a sua missão em termos de poderem ser exigidas responsabilidades, nada sabemos, de facto, por documentos oficiais.
Apenas sabemos o que vagamente se diz, e o que se diz sem responsabilidades, porque, ou é dito no anonimato dos jornais, ou no anonimato das conversas.
Sr. Presidente: ainda hoje, por parte do Sr. Deputado Abílio Marçal, foram relatados factos à Câmara duma extrema gravidade; factos da mais alta gravidade, pode dizer-se, (Apoiados) e que muito emocinaram a Câmara. (Apoiados).
O Govêrno devia conhecer êsses factos quando redigiu a sua declaração ministerial, e não teve desculpa que os não conhecesse ao redigir a sua proposta de lei. (Apoiados).
Sr. Presidente: dizer que o Ministério dos Abastecimentos deve ser suprimido, porque as condições duras de vida, conforme as palavras da declaração ministerial, desapareceram, é como já disse fazer uma afirmação que os factos desmentem.
Infelizmente, isso não é verdade, e dia a dia nós estamos sentindo no País, sobretudo em Lisboa, que as condições de vida são cada vez mais duras e mais difíceis, e que não só se mantêm a tendência de elevar-se a carestia da vida, mas começam a escassear os géneros de primeira necessidade. Quero dizer, as condições alegadas, e a meu ver com razão, para se criar o Ministério dos Abastecimentos subsistem no momento actual, o que não quere dizer que o facto delas subsistirem justifique a contituação dum mesmo organismo que já se revelou defeituoso. Mas, então, isto não será carrement motivo para propor a extinção do Ministério dos Abastecimentos? Será antes o caso para denunciar, com aquela eloquência dos números e dos factos, que êle padece de vícios de organização, que é preciso remediar?
Sr. Presidente: se nós fôssemos ver, e devíamos ver, tudo quanto em matéria de desperdício se fez durante o período da guerra, ou seja desde 1916 para cá, erros de administração, erros de trabalho, que no anonimato do discurso passavam por não serem erros, mas faltas de outra natureza; se nós fôssemos a atender a isso, talvez não fôsse o Ministério dos Abastecimentos o único a dever ser extinto. O que é necessário, portanto, o que seria realmente necessário para se propor uma medida tão radical como esta, era fundamentá-la, não podendo ser tomada como bom fundamento a simples afirmação do Govêrno. E outra cousa não fez o Govêrno na sua proposta de lei!
Sr. Presidente: eu sinto-me inteiramente à vontade para discutir esta proposta de lei, embora o Ministério dos Abastecimentos tivesse estado a cargo dum amigo meu e tivesse as responsabilidades solidárias dum outro amigo meu que então fazia parte do mesmo Ministério.
Sr. Presidente: ainda que eu tivesse a certeza de que no Ministério dos Abastecimentos e sob a gerência do Ministro unionista se tinham praticado faltas puníveis, isso não era motivo para dar o voto à comissão de inquérito.
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Mas, Sr. Presidente: o que eu queria era que às afirmações substituíssem as demonstrações da culpabilidade das faltas praticadas.
Eu sei que a aprovação desta proposta nada nos trará quanto a responsabilidades.
É certo que estamos em presença de factos gravíssimos e que é preciso apurar o que há neles de verdade e a quem compete a sua responsabilidade. Mas êstes inquéritos um geral nunca dão resultado, principalmente quando são feitos à burocracia.
Quando se trata de factos passados na burocracia, sejam quais forem as faltas, a burocracia sabe defender-se por tal maneira, com tamanha habilidade, que nunca só apura nada.
Os inquéritos não produzem influência alguma.
Os factos diluem-se por tal forma que nunca se descobrem os culpados.
Não tenho confiança alguma nêsses inquéritos: todavia direi que entendo que se devem apurar responsabilidades, o que não há motivo para inquérito, mas sério.
E entendo mais que essa comissão devo ter atribuições mais largas, mais amplas das que lhe dá a proposta do ilustre Deputado Sr. Marçal.
Sr. Presidente: o resultado dêste inquérito é apanhar-se um ou outro fiscal dos mais pequenos, da última categoria.
Eu lembro-me de que, desde o tempo da monarquia até hoje em matéria de inquéritos, nunca se chegou a cousa alguma; que com inquéritos nunca foi possível castigar quem tivesse praticado actos delituosos.
Uma voz: - No tempo da monarquia foi julgado um Ministro de nome Mendonça.
O Orador: - Sr. Presidente: recordo-me que uma vez se apurou a fraude dum ministro, que consistiu numa estampilha de dois e cinco. O costume é não se apurar nada.
Sr. Presidente: propõe-se a extinção do Ministério dos Abastecimentos, mas não se propõe, a extinção dos serviços que compõem êsse Ministério.
O mal é da organização.
Diz-se o prejuízo que tem dado o Ministério dos Abastecimentos, mas não se diz o prejuízo que os celeiros municipais tem dado a êsse Ministério. Os celeiros municipais representaram uma necessidade de momento, mas à sua sombra fizeram-se os mais escandalosos negócios, negócios que merecem outro qualificação. (Apoiados).
Chegaram-se a vender guias de trânsito em lotes nas estações de caminho de ferro.
Autoridades havia, que não estavam no Ministério dos Abastecimentos, mas que lhe eram subordinadas, o que cobravam preços quási de tabela por guias de transito de trigo, por exemplo, realizando assim interêsses muito consideráveis. E isto não se fazia só no Ministério dos Abastecimentos, mas por êsse País fora, pelos delegados dêsse Ministério, e apezar do facto ser do conhecimentos de todos, o que é verdade é que até hoje ainda não houve um único dêsses contrabandistas por conta do Estado, que lhes págava para exercerem uma determinada função, mas que a exerciam por sua conta porque metiam na algibeira os lucros da sua indústria criminosa; ainda não houve, ia eu dizendo, um único que fôsse julgado!
Sr. Presidente: o Govêrno vai suprimir os celeiros municipais. Está muito bem. Mas o que nos dá em troca dêsse organismo? Não se sabe, porque o Govêrno não o diz, e seria indispensável dizê-lo, porque se há celeiros a que não pode ser cometida a função que desempenhavam até agora, outros há que a desempenharam com tanta honestidade, que êste ou outro Govêrno deve mantê-los investidos dessas funções. Mas para isso era indispensável que o Govêrno estivesse habilitado a dizer que tais e tais celeiros desempenharam essa função honradamente, e que tais é tais celeiros não souberam cumprir a missão que lhes impunha a lei. O que não pode ser é que no meio desta crise grave em que nos encontramos, crise que se torna cada vez maior, porque de hora para hora as cousas faltam e os preços sabem, se suprima um Ministério que tinha uma função económica, que talvez não soubesse desempenhar, mas que é necessário que alguêm desempenhe.
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Os serviços não desaparecem pela proposta de lei que o Govêrno apresenta; deixam apenas de existir concentrados num Ministério, e passam a ser divididos por dois ou três Ministérios. Mas a cargo de quem? Do mesmo pessoal que estava no Ministério dos Abastecimentos? Mas então teremos de concluir que há crimes e não criminosos, que há incompetências e não incompetentes.
Tudo isto, Sr. Presidente, quer dizer que o Govêrno prometeu inconsideramente a supressão do Ministério dos Abastecimentos para deferir às reclamações e aos protestos da opinião anónima ou então que o Govêrno teve razões, que não alegou na sua declaração ministerial, que se dispensou de dizer na sua proposta de lei, querendo assim, propositadamente, conservar a Câmara na ignorância de factos que ela precisa conhecer para dar ou recusar a sua aprovação a esta proposta.
Não sabemos o que vai ser o serviço de transportes, mas sabemos, por outro lado, e já hoje o Sr. Ladislau Batalha se referiu largamente a êste assunto, o que êle têm sido até agora. Desse serviço tem resultado uma boa parte, se não a maior parte das dificuldades em que nos encontramos.
O País não compreende toda a política que se fez pelo Ministério dos Abastecimentos, política que o conduziu às extremas necessidades.
O País não compreenderá que tendo nós feito a requisição de barcos alemães, numa tonelagem que permitia prover largamente a todas as necessidades da vida, se inutilizassem êsses meios. Não compreende ainda a exploração da indústria de fretes, que foi durante a guerra a mais rendosa de todas as indústrias. O País não compreenderá que cedêssemos, fôsse a troco de que fôsse, a maior parte dessa tonelagem, o ficando na situação de ter de deixar apodrecer em África, não só os géneros que seria útil trazer para a Metrópole, mas géneros que seria vantajoso trazer para a Europa. (Muitos apoiados).
Não compreende que desta maneira se inutilizaram alimentos, substâncias, géneros de primeira necessidade, que era indispensável entregar ao consumo nacional. Apoiados.
O que vai o Govêrno fazer agora dêsses transportes? Nada se diz na proposta de lei. Ficamos reduzidas a conjecturas, àqueles vagos dizeres, um pouco da sala dos Passos Perdidos, um pouco do tempo perdido nos cafés.
O Govêrno, provavelmente - visto que não teve oportunidade de fazer essa declaração - fá-la há no decorrer dêste debate e deixar-nos há tranquilos sôbre o aproveitamento a fazer agora daqueles navios que estão na posse do Estado e daqueles navios que devem voltar à posse do Estado, e estão ainda na função de companhias inglesas, Ou do Estado inglês, como se quiser.
Êste assunto é da mais alta importância, e sôbre êle se têm bordado e feito comentários, a que o Govêrno deve opor, se isso é possível, e desde já algumas palavras tranquilizadoras.
É certo que o Estado não tem administrado convenientemente essa indústria, como outros que a têm exercido, e para o comprovar bastará citar à Câmara um facto que conheço, mas muitos outros são do meu conhecimento; e êste facto vem a ser que para a América foram mandados três navios para trazer trigo - trigo que não tinha adquirido, trigo que não estava por nossa conta em nenhum mercado americano, porque nem sequer nessa altura já tínhamos representação na chamada comissão do grão, ou seja a comissão encarregada na América de adquirir trigo para Portugal - trigo êsse pelo qual o Estado tinha de pagar importantes quantias a breve prazo, estando os navios setenta e seis dias na América à espera dum trigo tam fantástico como o D. Sebastião da lenda!
E sem o trigo voltaram êsses navios, porque semelhante trigo não havia com destino a Portugal!
Ter na mão uma grande frota comercial e dispor dela, ou por venda ou por aluguer, em benefício de emprêsas que exploram essa indústria, é não apenas fazer uma má operação financeira, mas sobretudo praticar um grave êrro económico. De modo que V. Exa. vê a importância que tem o destino a dar a essa frota comercial.
Sr. Presidente: o êrro gravíssimo de consentir num País, em que falta tudo, e o pouco que não falta tem um preço exor-
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bitante, deixar estragar, por apodrecimento, 10:000 toneladas de batata e não sei quantas mil toneladas de arroz, Sr. Presidente, é um facto realmente grave, e a responsabilidade de quem o praticou, eu deixou praticar, é preciso que se efective, porque assim o exige a moralidade da República. Mas, Sr. Presidente, eu pregunto se êste facto, àparte o tratar-se de substâncias alimentares, será muito mais criminoso, sob o ponto de vista de administração, do que o facto de deixar a bordo dos navios ex-alemães tantos e tantos artigos que oram indispensáveis ao consumo nacional, e que num dado momento, valorizados pela guerra, tinham um preço exorbitante?
Eu pregunto se êsse êrro administrativo não reveste o carácter dum crime contra os interêsses do Estado, e pelo qual é necessário liquidar estritas e severas responsabilidades?
É certo, Sr. Presidente, que tendo-se dado o facto, verdadeiramente espantoso, do se terem requisitado em 1916 navios com a sua carga, perdemos os bons momentos da sua utilização para os conservarmos inutilizáveis, e, por conseguinte, com valores perdidos, arriscando-nos de os ter de restituir, não pelo valor intrínseco, mas pelo preço extraordinário que a guerra lhes veio dar.
Liquidemos todas essas responsabilidades.
O pessoal a que se refere o artigo 4.° do projecto, que estava de guarda às respectivas mercadorias desde 1916 a 1919, deve ser uma preciosidade muito para guardar, e para ter em conta como muito capaz de servir os interêsses nacionais.
Nesta altura, Sr. Presidente, ainda temos de fazer arrematações e vendas, e isto quando estamos nas vésperas de ratificar a tratado de Paz, tendo já restabelecido as nossas relações com a Alemanha, nos termos dum decreto ontem publicado no Diário do Govêrno. Não é offenbachiano, porque é puramente português.
Ora, Sr. Presidente, posso dizer - e a Câmara releve-me êste parêntesis - que eu estive um pouco afastado da vida política desde Dezembro até às eleições. Formação de Ministérios, composição de Ministérios, crises ministeriais, tudo isso eu soube pela imprensa, que infelizmente, e a despeito da nossa falta de comunicações, chega a toda a parte; mas o que é verdade é que responsabilidade directa nessa política não tive nenhuma, além daquela que deriva de não ter protestado em certos casos.
Quando já estavam feitas as eleições pretendi, junto do Sr. Ministro dos Abastecimentos, que S. Exa. mais nenhum acto de administração praticasse no seu Ministério, e que dedicasse todo o tempo que ainda lhe restava de vida ministerial à elaboração de dois relatórios: um sôbre o Ministério dos Abastecimentos, dizendo o que êsse Ministério fora desde a sua criação até o momento, apontando - e era desnecessário dizê-lo, porque se trata dum homem inteiramente de bem - apontando com rigorosa verdade e com a maior honestidade -todos os erros e faltas ali praticadas, os vícios da sua organização que justificavam as insuficiências do seu funcionamento, e propondo, conforme ao seu critério se afigurasse melhor, ou a sua extinção, ou a sua remodelação, mas que o fizesse por forma que o Parlamento pudesse decidir sem hesitações, em face dum documento largamente fundamentado; o outro relatório seria referente à indicação de todas as mercadorias que tivessem sido encontradas a bordo dos navios ex-alemães, dos seus valores intrínsecos e dos valores máximos que lhes tivessem sido atribuídos, a fim de que a Câmara e o País ficassem sabendo que inteligente utilização se tinha feito dessas mercadorias, e, por consequência, que responsabilidades podiam ter na sua conservação êste pessoal de museu e os homens que tinham tido o encargo de administrar o País desde que fizemos a requisição dêsses navios.
Eu insisti com o Sr. Ministro dos Abastecimentos de então, meu amigo e meu correligionário, amigo que eu muito estimo e correligionário que eu muito considero, para que S. Exa. dedicasse os últimos tempos da sua vida ministerial à elaboração dêstes dois relatórios, mas, por circunstâncias que eu não sei bem quais foram, porque não tive ainda ocasião de conversar com S. Exa. a êsse respeito, nenhum dêsses relatórios foi feito.
V. Exa., Sr. Presidente, vê, portanto, que, a respeito do Ministério dos Abastecimentos e a respeito de mercadorias a
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bordo dos navios ex-alemães, eu já pensava alguma cousa antes de ter de estudar, para discutir, esta proposta de lei.
O Govêrno nada nos disse sôbre o que tencionava fazer dessas mercadorias, que nós não sabemos o que sejam, porque os Governos de Portugal não tiveram o elementar cuidado de fazerem o inventário da carga em termos de saberem ao menos aquilo por que deviam responder!
Isto não é da responsabilidade do Ministério dos Abastecimentos, mas representa na nossa administração pública um desleixo e uma insuficiência para lamentar.
O Govêrno, a êste respeito, tambêm nada nos disse, a não ser que a venda e arrematação das mercadorias dos navios ex-alemães, com o respectivo pessoal, passariam a ser feitas junto do porto de Lisboa.
Sr. Presidente: as mercadorias dos navios ex-alemães não são apenas aquelas que estão na Alfândega de Lisboa. Uma boa parte dessa carga está no Pôrto, sem inventário, e a falta dêsse inventário fez com que se não tivesse resolvido aquele famoso caso das anilinas, que, por serem matéria corante, sujaram as mãos de muita gente. (Apoiados).
Eu não sei que competência especial tenha a administração do porto de Lisboa para se encarregar da venda e arrematação destas mercadorias, que foram encontradas a bordo dos navios ex-alemães, mas, se ela tem essa competência, então encarregue-se de fazer essa liquidação, e não se lhe ponha como agente um pessoal que, depois do que se disse nesta Câmara na sessão de ontem e, principalmente, na sessão de hoje, não pode merecer-nos inteira confiança. (Apoiados).
Sr. Presidente: sôbre a generalidade desta proposta muitas outras considerações eu poderia e desejaria fazer, mas não esqueço que estamos na noite de quarta-feira, e que o Parlamento, quanto mais não seja, deverá fechar automaticamente ainda esta semana, e o Govêrno terá necessidade de que seja aprovada esta proposta de lei.
Sem dúvida que, quem falar por parte do Govêrno, não deixará de suprir a insuficiência - chamemos-lhe assim generosamente, porque poderia dizer a absoluta falta - do relatório da proposta, com explicações que a Câmara ache boas e que, a levem a dar-lhe o seu voto.
Por isso, Sr. Presidente, e porque desejo que êste assunto fique liquidado o mais rápidamente possível, eu dispenso-me de fazer outras considerações na generalidade da proposta, não me dispensando, todavia, de a discutir na especialidade.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Não foi reconhecida pela Câmara a urgência para que o Sr. Sousa Varela tinha pedido a palavra, sôbre avaliações prediais no distrito de Santarém.
O Sr. Orlando Marçal: - Sr. Presidente: sou compelido a fazer novamente uso da palavra somente para responder a algumas considerações nesta Câmara proferidas por alguns dos meus ilustres colegas, e, muito em especial, pelo meu particular amigo e correligionário Sr. Abílio Marçal, ilustre relator do parecer que acompanha a proposta apresentada pelo Sr. Ministro acerca da extinção do Ministério dos Abastecimentos.
Sr. Presidente: tinha razão quando, pela primeira vez, dissertei nesta Câmara acerca do assunto que se está debatendo e preocupando as atenções e cuidados dos que se interessam pelos altos problemas do Estado, sobretudo para o que se estava desenrolando assustadoramente, conforme os informes de várias procedências, no âmbito daquele Ministério, e inteira razão me assistia para propor a esta assemblea a nomeação duma comissão parlamentar para fazer um inquérito largo, rigoroso e justo a tudo quanto por lá existe de vergonhoso e vexatório, segundo afirmações amplas e eloquentes.
Factos múltiplos e gravíssimos têm sido esmiuçados, perante o assombro de todos nós, por alguns dos Srs. Deputados que me precederam no uso da palavra, e sobretudo pelo Sr. Abílio Marçal. Razão, portanto, eu tinha de sobejo para reclamar, em nome da verdade e do direito, daquela justiça republicana que preconizamos para honra e prestígio do regime, um rigoroso e cabal inquérito. Assim o exige terminantemente o País, para se
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apreciar claramente quem são os delinquentes, os prevaricadores, de molde que sejam relegados ao Poder Judicial.
Sr. Presidente: eu começo por apreciar os vários argumentes aduzidos, e, diga-se de passagem e numa franqueza sem limites, debilitados, por S. Exa. o relator do parecer.
Em abono da verdade devo dizer que nada mais fez do que aplaudir,, e eu muito lhe agradeço, os fundamentos da moção que eu tive a honra, de mandar para a Mesa.
O Sr. Abílio Marçal afirma que nessa comissão do inquérito parlamentar devem estar representadas todas as correntes do opinião política dentro desta Câmara. Plenamente de acordo, mas S. Exa. não quis assumir a responsabilidade de indicar os elementos componentes da aludida comissão. E porquê? Naturalmente porque é sempre uma nítida manifestação de desassombro declinarem-se pessoas que possam cumprir o seu dever, prestando assinalados serviços à República sem que por forma alguma se pretenda ferir as susceptibilidades de todos os que tem assento nesta casa. o que estão rodeados da nossa simpatia o consideração. Eu, é certo, fui mais longe: avancei a indicar as individualidades que, em meu entender, podem firmar um trabalho benéfico, pelas suas qualidades de intransigência indomável, do imparcialidade imaculada, do ponderação e boa vontade dignas de apreço e que, sendo de inteira confiança para nós, tranquilizariam os próprios sindicados com a antecipada certeza de que saberiam joeirar os que procederam sempre com honestidade, proclamando neste caso a sua inocência, dos cheios de culpas, que nesse caso seriam sujeitos às mais duras penas.
De modo que a sua proposta é, na essência, a mesma, divergindo tam somente em que eu me abalancei, de boa fé e animado dos mais puros intuitos, à indicação de pessoas que melhormente, e com a rapidez exigida, podem levar ao termo desejado a alta, e espinhosa missão referida, de modo a honrar-se a si próprios e sobremaneira orgulhando-nos.
Nestas condições, sou levado a discordar inteiramente com a apresentação e aprovação dessa proposta. Não colhe o argumento de se dizer, e torna-se até enfadonho repetir considerações já em demasia esplanadas, que todas as correntes de opinião desta Câmara devem estar representadas, visto que óbvio se torna demonstrar, porque patenteado está a todos os espíritos, que na minha proposta foi dada essa representação proporcional a todos os partidos que a ela tinham, direito.
Assim, a corrente democrática ou a maioria era representada por 3 membros; a evolucionista por 2, as minorias socialista é unionista por 1 membro cada, ou, na totalidade, 7, do modo a ser um dolos eleito presidente.
Nestas condições, estão ou não todas as nuanças de opinião política parlamentar? A resposta é só uma.
E não só diga que a proposta apresentada pelo Sr. Abílio Marçal não pode menoscabar, pelo que lá fora se possa concluir do repúdio da minha proposta, das pessoas que eu tive a honra de lembrar, visto que poderá, porventura, êsse gosto reflectir um sintoma de desconfiança, por parte desta Câmara, acerca das nobres qualidades que impõem êsses colegas distintos à nossa consideração o ao nosso respeito.
O próprio relator e proponente é o primeiro a compreender, mercê da sua inteligência, que resulta perigosa essa substituição, dadas as condições expostas, não pela minha meticulosidade na escolha; dos elementos componentes da mencionada comissão, porque reconheço que todos os que nobilitam estas cadeiras sabem cumprir indeclinávelmente o seu dever, pois que os extranhos, os que só se aproximam dos acontecimentos políticos pelos ecos amortecidos e vagos da imprensa, poderiam talvez julgar que o Parlamento algumas dúvidas encontrara ao emitir o seu voto pronunciando-se em contrário da debatida indicação.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo o orador): - V. Exa. dá-me licença para uma interrupção?
Tratando-se de responsabilidade do meu grupo, eu tenho de fazer a indicação.
Demais eu não permito que me compreendam na escolha.
O Orador: - Sr. Presidente: devo declarar que apesar de se imporem ao meu
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espírito as opiniões do Sr. Dr. Brito Camacho, ilustre ornamento desta casa, eu não posso, neste momento, concordar com p que S. Exa. exprimiu.
Desde que não é repudiada e antes aplaudida a idea da nomeação da comissão, e se patenteia claramente o princípio da substituição dos nomes referidos, afigura-se-me que se pode dar o direito às massas populares, que não nos conhecem, de presumirem intuitos que nós não tivemos para com as pessoas já indicadas.
O Sr. Carlos Olavo (interrompendo o orador): - Lamento que V. Exa. no considere tam desconhecidos das massas populares?!
Então nós somos desconhecidos dos que nos elegem?!
O Orador: - Tirou V. Exa. uma conclusão errónea das minhas palavras.
Ainda assim deverei dizer que nós somos representantes de círculos onde mais somos, por neles se ter imposto o nosso esfôrço, e cada um deles tem uma representação diminuta em relação a todo o País.
Eu quis-me referir a todos os que vivem no território da República, que nos não conhecem e consequentemente não podem apreciar as nossas qualidades ou virtudes.
O Sr. Carlos Olavo: - Não se esqueça V. Exa. que somos representantes do País inteiro.
O Orador: - Não é necessário enfadar-se em lembrar-me, porque muito bem o sei e disso tenho dado provas formais.
Seja, porém, como V. Exa. quiser entendê-la, eu mantenho a minha primitiva afirmação, que é nítida, claríssima e que por assim ser não admite duas interpretações.
A faço dos princípios expressos no direito político ou constitucional, como quiser, somos é certo representantes da nação, mas inferir-se daí que todos os seus membros nos conhecem, é, a meu ver, uma afirmativa sem base.
Nós - e quando dêste modo me exprimo essencialmente pretendo referir-me a mim próprio - somos os eternos desconhecidos da quási totalidade dos habitantes do País.
Dêste são apenas consagrados uma dúzia de individualidades, que tantas serão as figuras proeminentes da nossa política.
Nós - deixe-me dizer com aquela franqueza que me caracteriza - somos até a mor parte das vezes anónimos dos próprios eleitores que representamos.
Mas prosseguindo ou reatando o fio das minhas considerações interrompidas, devo repetir que êsse gesto da Câmara poderá ser mal interpretado ou compreendido lá fora, e por consequência muito nos doerá no futuro essa situação criada que pesará e muito em nossas próprias consciências.
O Sr. Abílio Marçal: - O Sr. Orlando Marçal está fazendo uma grave injustiça às minhas intenções ao redigir a última parte da proposta que apresentei.
Em primeiro lugar ela não foi elaborada por mim senão depois de ter ouvido, para tal fim, a comissão.
Em segundo lugar eu próprio fui junto de S. Exa. dizer-lhe que naturalmente substituiria os nomes, visto que a comissão de administração pública havia tido outro ponto de vista e tinha seguido outro critério na organização da comissão.
E, Sr. Presidente, desde logo fiz notar a S. Exa. que tal substituição não envolvia nem podia envolver qualquer desprimor para com S. Exa. nem para com as pessoas cujos nomes haviam sido indicados.
Acrescentei ainda que não sabia, como de facto não sabia, de quem eram êsses nomes, a não ser um: o do Sr. Costa Júnior.
O orador: - Devo dizer, Sr. Presidente, que o Sr. Dr. Abílio Marçal, interrompendo-me, evitou da minha parte considerações que muito me aprazaria declinar.
Antecipou-se S. Exa., e assim não cumpri, como era meu intento, a obrigação de patentear que da parte do ilustre relator, como aliás de qualquer ornamento desta Câmara, pela sua inteligência e correcção, não poderia haver a mais leve intenção de desprimor para quem quer que fôsse.
De resto da minha exposição não pode nascer essa suspeita, porque, no fundo,
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ressalta manifestamente o motivo dos meus reparos e êles não poderiam nunca ser dirigidos a colegas que muito prezo.
O Sr. Abílio Marçal: - Mais: bastava a proposta ter sido apresentada por S. Exa. para ser tomada em especial consideração.
O Orador: - Obrigado pela sua gentileza.
A explicação a que me estou referindo ora absolutamente prescindível, porque eu compreendi desde logo os intentos de S. Exa. ao apresentar a sua proposta.
S. Exa. teve, porém, a amabilidade, e deu-me a subida honra, de me vir dar uma explicação que, representando uma alta e significativa distinção, não era no emtanto necessária.
Troquei umas rápidas impressões com S. Exa., mas creio que da minha parte foram mais que suficientes para manifestamente lhe assinalar que discordava internamente do fundo da sua proposta.
E receei dela o que desde logo salientei, por ver que êsse gesto podia ser mal apreciado pelo público.
Fui bem claro e categórico.
Desde que o Sr. Presidente do Ministério declarou que estava inteiramente de acordo com a nomeação da comissão de inquérito...
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): -Efectivamente declarei que aceitava a nomeação de uma comissão de inquérito, mas achava preferível que essa nomeação não fôsse composta como S. Exa. desejava, mas com representação de todos os partidos políticos que têm assento nesta Câmara: democráticos, evolucionistas, uionistas, socialistas o independentes.
Acrescentei, ainda, que isso não envolvia desprimor nem para S. Exa. nem para os deputados que indicava.
O Orador: - De modo que todas estas explicações dadas, quer pelo Sr. Presidente do Ministério, quer pelo Sr. Abílio Marçal, só representam para comigo manifestações de consideração e de generosidade que penhoradamente reconheço.
No emtanto, prosseguindo, não posso deixar de persistir em opiniões já expostas. Estou antecipadamente convencido de que tanto o Sr. Presidente do Ministério, como o Sr. Deputado Abílio Marçal, são incapazes pela sua educação, pelo seu espírito e pela sua sinceridade, de pretender ferir os naturais melindres de qualquer das pessoas que têm assento nesta Casa do Parlamento; mas voltando S. Exas. a proclamar a necessidade de serem representadas na comissão de inquérito todas as correntes de opinião política no seio desta assembleia legislativa, hão-de permitir-me que lhes lembro uma vez mais, e isso não será ocioso, visto não haver outro objectivo a atingir, que é positivamente êsse o molde da minha proposta; porquanto consigno nela a representação de todas as correntes de opinião que têm delegados nesta Câmara.
Sr. Presidente: como já tive ocasião de salientar, eu não tencionava usar mais da palavra, sôbre êste assunto que se debate, se não fôsse compelido a pedi-la para fazer umas singelas considerações acêrca do dircurso do Sr. Abílio Marçal, - para evitar nessa altura constantes e enfadonhas interrupções - ao mesmo tempo desejando responder à pregunta que me foi feita e respeitante ao reparo justificado sôbre a tão decantada economia proveniente da extinção do Ministério dos Abastecimentos. No decurso dêste debate eu permiti-me analisar, com toda a sinceridade e redigir, a proposta de lei em discussão, e sobretudo as razões expendidas pelo ilustre relator do parecer da comissão que a estudou, concluindo por afirmar que a economia que a extinção do aludido Ministério traria em benefício da desgraçada situação financeira do país era irrisória por não dizer fictícia. S. Exa. o Sr. Abílio Marçal, em resposta que eu muito folguei de ouvir, porque mais uma vez demonstrou as qualidades nobilíssimas que o notabilizam, disse que eu não tinha provado, quando à barra me chamou o àparte dum ilustre Deputado, no sentido de eu dever fundamentar o meu asserto, que êsse princípio de economia era mínimo. Devo porém declarar que desde logo demonstrei - é certo que em breves palavras que naturalmente lhe passaram despercebidas - que não se compreendia que avantajando-se o relator
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do parecer em classificar de grande economia para o país a extinção do Ministério dos Abastecimentos, ela consistisse tam sómente na supressão da verba respeitante ao respectivo Ministro.
Estranhei, por consequência, que esta irrisão, num país onde supérfluamente se desbarata tanto dinheiro, fôsse apresentada como argumento máximo para a eliminação do Ministério, quando é certo que da aplicação e aproveitamento das bases e termos do parecer e da proposta de lei, continuam a dar-se como bons e perfeitos os cardumes de nomeações do funcionalismo e consequentemente á utilizarem-se as energias até hoje empregues nas várias repartições de recente criação.
E não será licito preguntar: onde está o tam incensado espírito de economia? E será caso de reparo ou estranheza classificar-se de irrisórias semelhantes afirmações?
Daí o eu continuar a negar o direito de se dizer que traz vantagens económicas ao País tal proposta de lei. Não, não pretendamos fazer brilhar a sombra que não pode iluminar.
Agora acrescento, Sr. Presidente, em resposta e em análise, visto que passaram em claro as minhas palavras, que é na verdade extraordinário e incompreensível que se vão distribuir pelos vários Ministérios os seus empregados recentemente nomeados, que não sabendo exercer a sua actividade, conforme o que aqui foi dito, que não sabendo cumprir as suas obrigações no dos Abastecimentos, como tambêm o ouvi dizer neste ambiente, transitam sem preparação e sem condições adoptativas para várias repartições onde o serviço é certamente diverso.
Nestas condições não fica deslocada do âmbito da presente discussão a pregunta seguinte: donde provêm as medidas de economia, quais os lugares a extinguir, quais os empregados que desaparecem? Dir-se há: o Ministro e o chefe de gabinete! Só êsses e assim eu estou no meu ponto de vista razoável, justo, inteiramente com a verdade, quando acuso essas disparidades que nem sequer têm uma explicação!
Parece-me que desta vez sempre me farei ouvir do ilustre relator e tenho respondido cabalmente ao ilustre Deputado, que no àparte dirigido pareceu pôr em dúvida a possibilidade de eu explicar suficientemente a minha asserção. Estou certo que os dois colegas serão os próprios a reconhecerem a razão justificativa que me impulsionou a taxar de insignificante, de nula, de nenhuma valia e por isso de mínimo efeito público, essa medida de economia, numa terra onde tanto dinheiro se malbarata.
É uma gota de água no oceano. De modo que o fundamento essencial apresentado para o extermínio dêsse ministério a meu ver, na minha humilde opinião, não pode sustentar-se porque valor algum apresenta.
Foi isto na essência, o que ontem afirmei ao terminar as minhas considerações, e hoje o repito, com prolixidade, visto que me reclamam e eu jamais me isentei a esclarecer mal-entendidos ou a assumir inteira responsabilidade de expressões proferidas. Tenho muito orgulho nas minhas opiniões, que podem ser erróneas, é certo, mas são sinceras, porque me nascem no coração e me sobem aos lábios purificadas com o sentimento de bem servir o meu País.
Porêm, a hora vai muito adiantada, e visto que já exgotei as razões explicativas e fundamentais que me levaram a preconizar a necessidade da reorganização completa do Ministério dos Abastecimentos, ontem largamente explanadas no início dêste debate, vou terminar trazendo ao conhecimento da Câmara um caso picaresco, mas interessante e sintomático, que acabam de me relatar, e que é digno de nota para se avaliar das intenções estultas dalguns expoliadores das canceiras e dos sacrifícios do povo, à custa do qual tem enriquecido. Eu não sei mentir, e se faço esta prévia afirmação é porque o caso que vou reproduzir mais parece blague a que não estou afeito, nem para a qual tenho arte e daí o aviso necessário.
Esta tarde um grupo de soi-disant comerciantes com praça assente no meio lisbonense e outros da província, mas que constantemente estão em contacto pelo mútuo interêsse mercantil, vangloriavam-se, num café da baixa, com a certeza da extinção da Ministério dos Abastecimentos, garantindo que o Parlamento já só havia pronunciado a tal respeito, chegando a indicar o número de votos alcan-
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çado de parte a parte. Explicavam a seu modo o debate, demonstrando o interêsse e o futuro que lhes sorria, sem peias algumas que algemassem os seus ilimitados desejos e os rostos iluminavam-se-lhes de prazer, ruidosos, radiantes, triunfais, entremostrando às gentes que passavam que tinham ganho a partida.
Com isto só quero fazer avultar os intuitos dêsses beneméritos e o êrro de que estão possuídos, como se pelo facto, do Parlamento, no uso dum pleno e legítimo direito que lhe assiste e ainda mais por um nobre impulso de bem servir os interêsses do Estado, votar a extinção do referido Ministério, êles possam tripudiar continuando a estrangular o povo para o alcance das suas desmedidas ambições!
Pois os ínclitos moralistas descreteavam alegres, dando largas ao voo da fantasia, a tal ponto que garantiram estar o caso arrumado através duma votação renhida o demorada, que deu o resultado de se observar que tinha havido apenas um voto de maioria! Apesar do triunfo não lhes parecer ruidoso, um dêles, talvez o que mais tem crescido à sombra da exploração torpe que tanto tem depauperado o povo português, convidou os circunstantes para um banquete lauto com champagnes caros e em hotel de luxo para solemnizarem festivamente tam auspicioso desiderato. A moralidade do caso reproduzido está, como já disse, nos intentos manifestos e daí, e por mais nada, o aviso lial aos detentores do Poder para que consigam, por meios enérgicos embora, moldar aos apertados liames do razoável êstes e outros ambiciosos que julgam ver campo aberto, mercê do presumível ou certo desaparecimento do Ministério respectivo, para os seus insatisfeitos sonhos de riqueza.
Isto é a prova, Sr. Presidente e meus senhores, de que o Ministério dos Abastecimentos, apesar de não ter cumprido a alta missão a que se destinava, por ser muito mal orientado e mal dirigido, de ter, como se afirmou aqui, no seu âmbito, criaturas que cometeram as mais absurdas arbitrariedades e violências, chegando às maiores prevaricações conforme eu ouvi apregoar neste ambiente e que não posso pôr em dúvida por não ter inteiro conhecimento dos factos, êle ainda para alguma cousa serviu, reprimindo a ganância desmedida dalguns açambarcadores que justiçou a tal ponto que ainda hoje da chaga aberta segregam ódios.
Eu queria apresentar à Câmara mais alguns argumentos tendentes a demonstrar o meu ponto de vista, que com toda a sinceridade explano, com aquela independência e clareza que ponho sempre nas minhas afirmações, sem outro interesse que não seja o cumprir o meu dever, mas como já disse a V. Exa., Sr. Presidente, o debate já vai longo e eu não pretendo alongá-lo, tanto mais que sei estarem inscritos outros oradores, alguns dos quais com idêntica orientação à minha, que muito deseje ouvir em suas apreciáveis e mais brilhantes opiniões, para que êste assunto seja esclarecido de tal forma que ao liquidá-lo não nos reste a mais leve sombra de dúvida e para que no futuro o remorso nos não visite, por não termos encarado o problema com aquela elevação própria dos que podem dormir tranquilos pelo nobre dever cumprido.
Tenho dito.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: antes do mais nada, como tenho necessidade de demorar a atenção da Câmara para o que vou dizer, peço a V Exa. que me informe da hora a que terminam hoje os trabalhos.
O Sr. Presidente: - À meia noite.
O Orador: - Sr. Presidente: eu, não venho, ao contrário do que a Câmara poderá supor, com o propósito de fazer obstrucionismo; apenas tenho a necessidade, que se me afigura imperiosa, e absoluta, de justificar a minha atitude neste debate. Antes, porém, de expor os meus pontos de vista acerca dum discurso que aqui foi feito, e do qual eu discordo em grande parte, cumpre-me apreciar a proposta do Sr. Deputado Orlando Marçal, declarando desde já a S. Exa. e a toda a Câmara que não aceito a inclusão do meu nome na comissão de inquérito a que a mesma proposta diz respeito.
Agradeço ao ilustre Deputado a honra imerecida que S. Exa. me dispensou, indicando-me para fazer parte dessa comissão, mas não a posso aceitar, por isso que não concordo de forma alguma com a
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doutrina dessa proposta que, com tanto calor, foi defendida pelo Sr. Presidente do Ministério.
Trata-se, mais uma vez, duma manifestação dessa crise de carácter que nos ataca a todo o momento.
Não há necessidade absolutamente nenhuma de nomearmos uma comissão especial para proceder a um inquérito no Ministério dos Abastecimentos.
O Govêrno tem a fôrça bastante e as suficientes atribuições legais, sem alijar a responsabilidade em que incorre num inquérito dessa natureza, cumprindo o seu dever de aplicar as sanções a quem delinquiu. Sei que é uma situação cómoda para o Govêrno encarregar os outros do que lhe pertence única e inteiramente. O Govêrno tem um regulamento disciplinar que contêm todas as sanções a aplicar até a demissão. Pregunto: há alguma necessidade de descermos a exercer funções policiais, que não nos cabem para aliviar o Govêrno dessa tarefa que não tem a coragem de realizar?
Que cousas se não têm dito dos Ministérios das Colónias, da Guerra e dos Estrangeiros, no sentido de se afirmar que neles se praticavam actos como o de defraudar o Estado e aumentar os lucros de quem intervinha em negócios com êles!
Se é uma questão de alta moralidade que nos leva a intervir na vida do Ministério dos Abastecimentos, pregunto que autoridade temos para o fazer apenas para êsse Ministério, quando, talvez, em negócios do maior importância, êsse inquérito estava justificado para os Ministérios a que me referi!
O inquérito realizado ao Ministério dos Abastecimentos não tira de cima do Govêrno qualquer responsabilidade.
O público não compreenderá porque, tratando-se de fornecimentos de tantas cousas, que tanto dinheiro deram a tantos dêsses negociantes da última hora que apareceram em volta do Estado nos Ministérios da Guerra, das Colónias, e principalmente no Ministério dos Negócios Estrangeiros, só se inquira dos factos passados ou atribuídos ao Ministério do Abastecimentos.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - S. Exa. já apontou alguns factos?
O Orador: - Lá chegaremos, quando fôr preciso. Depois de feitas as observações já aduzidas à proposta do Sr. Orlando Marçal, pregunto a S. Exa. se as razões que alegou em defesa dessa comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos não se tornam extensivas aos serviços públicos de todos os Ministérios.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - S. Exa. argumenta partindo do princípio que eu é que propus o inquérito. Não é assim. Eu simplesmente o aceito.
O Orador: - S. Exa. não se limitou só a dizer que aceitava o inquérito; S. Exa. abraçou a ideia e defendeu-a calorosamente, o que faz sua diferença.
E agora desculpe V. Exa. que duvide da sua ingenuidade, dizendo que não pede que esse inquérito seja extensivo a todos os Ministérios porque a respeito dos outros Ministérios nada, absolutamente nada, ouviu dizer.
Se o Sr. Presidente do Ministério se der ao trabalho de passar pela vista os jornais dêstes últimos três anos, encontrará matéria de sobejo para poder proceder a êsse inquérito e torna-lo extensivo aos Ministérios que já citei.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Lamento que o Sr. Ministro do Comércio não esteja presente, não só pelo motivo que determina a sua ausência, como pela falta que faz aqui para responder às considerações de V. Exa.
Disse o Sr. Jorge Nunes que com respeito a outros Ministérios tambêm havia muito que investigar.
Ora dá-se uma cousa curiosa; é que por essas pastas passaram muitos Ministros, e nenhum dêles veio dizer que era precisa uma sindicância, emquanto que a respeito do Ministério dos Abastecimentos é o próprio Ministro que diz que é preciso extingui-lo, dizendo todos que há verdadeiras barbaridades lá dentro, propondo o Govêrno, por sua parte, a extinção dêsse Ministério.
O Orador: - Dizia eu que o argumento apresentado pelo Sr. Presidente do
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Ministério não colhe. Não há nada que possa impedir que se realize êsse inquérito. Isso é atribuição exclusiva do Govêrno que, se entende não ter a fôrça necessária para o fazer, pode entregar o caso à polícia. De mais sabemos nós o que são os inquéritos parlamentares, principalmente no interregno parlamentar em que ninguêm aparece.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - E o inquérito discutido e votado por V. Exa. a propósito do Depósito do Fardamentos? V. Exa. não falou então como hoje.
O Orador: - Porque é que o inquérito ao Depósito de Fardamentos não deu resultado?
Porque o Sr. Ministro da Guerra de então, que chegou a dizer que aquele incêndio tinha sido resultado dum crime, em vez de entregar o caso aos tribunais entregou-o ao Parlamento que nomeou uma comissão de inquérito que não chegou a trabalhar, e porque apareceu logo a política metendo-se na questão. Não havia o propósito de averiguar, mas o de dificultar às oposições a sua intervenção nesse caso.
Um àparte.
O Orador: - Mas o inquérito parlamentar nem se iniciou. O da polícia podia ter sido muito concludente e não encontrou base para acusação: porém, ao parlamentar nem sequer se deu começo, tendo morrido à nascença.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - V. Exa. dá-me licença? Eu pertenci à comissão dêsse inquérito, e posso dizer a V. Exa. que êle não pôde continuar porque surgiu o movimento de 5 de Dezembro.
O Orador: - E que as oposições pretendiam que cada um dos membros da comissão pudesse, por si só, examinar todos os elementos do processo e a maioria, que era democrática, entendeu que só os deviam examinar conjuntamente, e daí nasceu a discórdia.
O que, Sr. Presidente, nós estamos observando é uma inversão de tudo. Assim, ao Parlamento são atribuídas funções de polícia e daqui a pouco estará a polícia encarregada de legislar. Verdade seja que não sei se o Estado com isso perderá ou lucrará.
Como já disse, discordo absolutamente da nomeação de uma comissão de inquérito e entendo que o Parlamento nenhuma necessidade tem de se substituir nestes casos ao Govêrno que dispõe de tudo o que carece para moralizar a administração publica e meter na cadeia quem prevarica. Se, todavia, o processo fôsse de aceitar, êle não deveria ser aplicado apenas ao Ministério dos Abastecimentos, mas a todos os serviços públicos.
Estabelece-se discussão entre o orador e vários Srs. Deputados.
O Orador: - Eu já compreendi tudo. O Govêrno vai proceder contra quem delinquiu e vai proceder assim porque se o não fizesse, não cumpriria o seu dever, mas, porque a Câmara tambêm quere brincar aos inquéritos, faz-se-lhe a vontade e nomeia-se uma comissão para não fazer cousa alguma.
Eu, no emtanto, que desejo encarar a questão sob o ponto de vista moral, reservo-me para apreciar a obra de V. Exas. nesse inquérito e não a do Parlamento, porque essa já eu sei qual será.
Durante êste debate sôbre a extinção do Ministério dos Abastecimentos ainda não ouvi qualquer cousa que, realmente, pudesse justificar tal extinção. Tenho até notado que, excepção feita ao Sr. João Camoesas, todos os oradores têm dito que sim e têm dito que não, começando por dizer que o Ministério dos Abastecimentos deve ser extinto, reconhecendo depois que não deve e concluindo os seus discursos sem, emfim, se pronunciarem claramente pela extinção ou pela conservação do Ministério dos Abastecimentos.
Sr. Presidente: V. Exas. marcam as 24 horas para terminar a sessão, já são passados dez minutos de tolerância, mas eu não sei falar por contagotas, e tenho estado à espera que V. Exa. me advirta de que é a hora.
Sr. Presidente: - Se V. Exa. quere fica com a palavra reservada para amanhã.
O Orador: - Eu prefiro ficar com a palavra reservada.
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O Sr. Presidente: - A sessão continua às 14 horas com a mesma ordem do dia, menos a interpelação e mais:
Parecer n.° 92. Autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 150.000$ para aquisição ou construção dum edifício para a Escola Industrial do Infante D. Henriques, do Pôrto.
Eram 0 horas e 13 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Comissão de revisão constitucional
Para substituir os Srs. Vasco de Vasconcelos e Sampaio Maia foram nomeados os Srs. Alves dos Santos e Eduardo de Sousa.
Relatores dos orçamentos
Ministério do Interior - Alberto Xavier.
Ministério da Justiça - Abílio Marçal.
Ministério das Finanças (receitas) - António Fonseca.
Ministério das Finanças (despesas) - Aresta Branco.
Ministério da Guerra - Pina Lopes.
Ministério da Marinha - Jaime de Sousa.
Ministério dos Estrangeiros - Alberto Vidal.
Ministério das Colónias - Prazeres da Costa.
Ministério do Comércio - António Maria da Silva.
Ministério da Instrução - Augusto Nobre.
Ministério do Trabalho - José de Almeida.
Ministério da Agricultura - Ribeiro de Carvalho.
Autónomos - Jaime Vilares.
Propostas de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, incluindo a verba de 150$ na tabela geral das indústrias, anexa ao regulamento de 15 de Janeiro de 1916.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo Sr. Ministro, elevando a 33.000$ a verba para remunerações aos serventuários do serviço do tráfego das alfândegas.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo Sr. Ministro, mandando continuar ao serviço da Alfândega de Lisboa, como adventícios e com os vencimentos que lhe vão fixados, dez serventuários que não foram admitidos no quadro por serem de nacionalidade estrangeira.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo Sr. Ministro, abrindo no Ministério das Finanças, e a seu favor, um crédito especial de 165.232$15 para reforçar determinadas verbas do orçamento das despesas para o ano económico de 1918-1919.
Para o "Diário do Govêrno".
Projectos de lei
Do Sr. Ministro da Instrução Pública, subsidiando oitenta pensionistas de estudo no estrangeiro.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Senado, mandando apreender os géneros estragados, deteriorados, e os açambarcados ou escondidos e multar os seus possuidores.
Para a comissão de comércio e indústria.
Do Sr. Alberto Xavier, aplicando aos escrivães das transgressões e execuções o artigo 11.° do decreto n.° 4:098.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 28-F.
Foi mandado imprimir.
Da comissão de finanças, sôbre o projecto de lei n.° 106-X.
Foi mandado imprimir com urgência.
Da comissão de administração pública, sôbre o projecto de lei n.° 16-M.
Foi mandado imprimir.
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o projecto de lei n.° 106-V.
Para a comissão de finanças.
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Da comissão de finanças, sôbre a proposta de lei n.° 51-A, do Sr. Ministro do Comércio, criando em Bragança uma Escola Industrial e em Miranda do Douro uma Escola de Artes e Ofícios.
A imprimir.
Da mesma comissão, sôbre a proposta de lei n.° 164-B, do Sr. Ministro do Interior, remodelando o quadro da polícia administrativa de Lisboa.
A imprimir.
Da mesma comissão, sôbre o projecto de lei n.° 32-R, do Sr. Álvaro de Castro promovendo à 1.ª classe o cônsul, José Augusto Ribeiro de Melo.
A imprimir.
TERCEIRA PARTE
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 23 minutos.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: continuando as minhas considerações, devo confessar a V. Exa. e à Câmara que ainda não ouvi argumento algum que me convencesse da necessidade da extinção do Ministério dos Abastecimentos.
O Sr. relator expôs casos graves, que merecem evidentemente um procedimento imediato da parte de quem dirige êsse Ministério, mas se há razão para proceder contra um ou outro funcionário, não é essa uma razão forte para condenar por completo um organismo que ainda hoje está prestando ao país os meios dele se poder alimentar, de alimentar as suas indústrias.
Sr. Presidente: talvez se estranhe que eu venha defender uma causa pretendidamente má, mas eu entendo que a devo defender por a não considerar tam má como a pintam e porque devo defender tambêm os distintos funcionários, que os há naquele Ministério, e que não devem ser confundidos com os maus funcionários.
Sr. Presidente: não me repugna o inquérito a êsse Ministério, antes o desejo para se saber quem tem cumprido honradamente o seu dever. (Apoiados).
Eu tenho aqui uma representação, com 95 assinaturas de funcionários do Ministério dos Abastecimentos.
Nesta representação, pelo que diz respeito a apuramento de responsabilidades, estão todos de acordo.
Disse ontem, e repito hoje, acho indispensável que se proceda a um rigoroso inquérito, de modo a saber-se o que se tem feito naquele Ministério, de forma que quem prevaricou vá até à cadeia.
Agora é preciso que isto se faça de modo a apurar bem todas as responsabilidades. Mas que não julgue o Govêrno, com a sua atitude, alijando responsabilidades, que só torna simpático aos inquiridos, dizendo que lava as suas mãos do que se passar.
Naturalmente o Ministério, não se querendo incompatibilizar com algumas pessoas, entende que, lançando as responsabilidades sôbre o Parlamento, alivia as suas e cumpre o seu dever.
É o contrário, Sr. Presidente.
Dos inquéritos parlamentares, de que me recordo, feitos aos diversos Ministérios, apenas um chegou a uma conclusão. Foi um inquérito que só fez ao Ministério das Colónias, só não estou em êrro, o que dizia respeito a um director geral. De todos os outros só perdeu a mais leve memória.
Ainda me lembro do incêndio no Depósito de Fardamentos, da celeuma que se levantou, dos protestos indignados que surgiram de todos os lados da Câmara. Era então Ministro da Guerra o Sr. Norton de Matos. Dizia S. Exa. que tinha fortes razões para crer que se tratava dum acto criminoso e quási nos afirmava que sabia onde estavam os fios da meada.
Nomeou-se uma comissão parlamentar de inquérito, com representação do todos os partidos, mas nada se apurou, porque essa comissão, pouco tempo depois de ser nomeada, deu os seus trabalhos por concluídos.
Sr. Presidente: tratando-se de acusações graves à forma como foram feitos os fornecimentos aos Ministérios da Guerra e das Colónias e ainda sôbre os permis de exportação passados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, eu pregunto aos respectivos Ministros se se sentem bem ao lado do Sr. Ministro do Comércio, não pedindo que se torne extensiva aos seus Ministérios a acção do rigoroso inquérito a que se resolveu proceder ao Ministério dos Abastecimentos.
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Coerente com, as minhas palavras de ontem e de há pouco, devo dizer que não aceito o inquérito parlamentar, mas, se a Câmara resolver nesse sentido, eu mandarei para a Mesa um aditamento tornando extensivo êsse inquérito a outros Ministérios.
Eu pregunto se o crivo por onde um passa não é o mesmo a aplicar a todos os outros.
De resto, tenho a acrescentar que não farei parte dessa comissão, não só porque discordo do fim para que é criada, mas tambêm porque, tendo eu gerido a pasta dos Abastecimentos durante algum tempo, não me posso sentir bem dentro dessa comissão que, porventura, poderá até proceder a um inquérito aos meus actos.
Sr. Presidente: permita-me V. Exa. que eu demore um pouco mais as minhas considerações, por isso que um dos meus mais ilustres colegas nesta casa, por quem tenho a máxima consideração, cujo talento muito admiro e que, pela sua longa prática da vida, a todos nós pode dar lições, e eu que gostosamente as recebo de S. Exa., se referiu de tal maneira a um ex-Ministro meu colega que não tem assento nesta Câmara, que me obriga, não a defendê-lo, porque êle não carece de defesa, mas a pôr as cousas nos seus devidos lugares.
O Sr. Aboim Inglês, cheio de calor, num ataque cerrado a todos os Governos e até mesmo a toda a obra da República, porque chegou ao extremo de dizer que a República não tinha ainda produzido nada de bom, foi inteiramente injusto para o Sr. Brito Guimarães.
Eu sei que S. Exa. disse nessa ocasião aquilo que o seu coração inflamado lhe ditou, mas o seu cérebro - desculpe-me S. Exa. que lhe diga - atraiçoou-o. O Sr. Aboim Inglês foi muito injusto para com o Sr. Brito Guimarães. O Sr. Brito Guimarães não produziu uma obra funesta. Podia ter errado, como eu, como todos erram. Mas, classificar de obra desonesta e imoral o que S. Exa. fez julgando que prestava um bom serviço ao país, é uma grande injustiça. Um acto só é delituoso desonesto, criminoso, quando realmente ofende os mais elementares princípios de moral e é praticado conscientemente. O Sr. Brito Guimarães podia ter sido iludido, podia ter previsto mal, podia ter errado e errou certamente, mas fê-lo no melhor propósito de bem servir a República. (Apoiados).
Acentuou o Sr. Aboim Inglês que a República tem produzido pouco.
Tem. Todavia, é preciso que se passe pelas cadeiras do Poder, ouvindo a todo o momento falar em perturbações revolucionárias, para fácilmente se constatar que os Governos se mais e melhor não produzem é porque mais não podem; pois os Ministros só quási exclusivamente se preocupam com as questões de ordem pública, sacrificando-lhes os dias, as noites, o seu descanso e até as horas das refeições.
O Sr. Aboim Inglês pintou um quadro negro da vida do país, e se porventura eu tivesse recebido como boas as suas afirmações, eu, nesta altura, iria procurar em terras estranhas o descanso que aqui não poderei encontrar.
S. Exa. foi pessimista em demasia; e agora que está tomando apontamentos, certamente que vai penitenciar-se do acto que praticou.
S. Exa. disse o pior possível da obra de todos os Governos, e quando eu esperava que S. Exa. me dissesse o que entendia por conveniente estabelecer para que neste país houvesse, já não digo ordem mas ao menos esperança no futuro, limitou-se a dizer que era preciso comprimir as despesas à outrance, de maneira a que a, verba despendida com as despesas públicas se ajustasse absolutamente às receitas, que era indispensável irrigar o Alentejo e aumentar a produção.
Por minha parte, pouco foi o que produzi para preparar melhores dias a êste país, mas foi grande o esfôrço que despendi, no pouco que decretei e produzi.
Com a responsabilidade do nome de S Exa., eu Deputado, eu país, quereria servir mais e melhor.
E para que se não diga lá fora que dois correligionários estão em antagonismo, eu devo desde já fazer uma declaração formal.
Sou correligionário do Sr. Aboim Inglês, honro-me com a sua amizade, mas como se trata apenas de defender princípios, de emitir opiniões, não veja a Câmara, não veja o país, nesta nossa discordância, uma hostilidade manifesta da minha parte, a um correligionário ilustre.
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Sr. Presidente: vem a talhe de fouce, e eu procurarei ser tam breve quanto possível de maneira a não embaraçar o debate, dizer à Câmara alguma cousa do que eu entendo que devemos e podemos fazer, certo de que, depois dalgumas palavras produzir, as cores negras do discurso do Sr. Aboim Inglês perdem muito da sua intensidade.
Consinta-me, pois, V. Exa. que eu, analisando os remédios preconizados pelo Sr. Aboim Inglês, acerca dêles diga a minha opinião.
Sr. Presidente: a colonização do Alentejo foi a primeira medida que S. Exa. apresentou, para mostrar que seria dessa colonização que deveria resultar em grande parte a melhoria de situação dêste país. Mas a colonização do Alentejo não se faz com aquela facilidade com que muita gente imagina, e sobretudo o que eu não gosto de ouvir é referencias a isso, sem que logo me digam como é possível fazer-se essa colonização. Podem dizer-me que o processo não colhe, mas ô que é facto é que, emitindo todos a sua opinião, alguma cousa se poderá aproveitar.
Sr. Presidente: a colonização depende do muitos factores, mas alguns há, pelo menos, que são essenciais. Muitos supõem que a colonização do Alentejo depende da irrigação dos seus campos e do estabelecimento de canais; mas quem aguardar os canais de irrigação no Alentejo para o ver colonizado nunca deixará de ver em grande parte e por muitos anos um deserto no Alentejo. Essa colonização, contudo, só é possível onde houver água, água não digo já para as culturas que culturas há que podem dispensar essa água, mas, pelo menos, a água essencial, absolutamente indispensável para os usos domésticos e para aquele gado, que pode dizer-se, numa pequena lavoura, vive de casa e pucarinho, permitam-me o termo, com os proprietários.
Isto que eu digo, aos representantes do Minho, nesta casa, por exemplo, deve causar-lhes pasmo.
O Alentejo, contra o muito que podem julgar, não tem água muitas vezes, até para beber!
É extraordinário, mas o facto é êsse.
E tanto a colonização está intimamente ligada à existência da água, e à divisão da propriedade, que V. Exas. encontram no Alentejo pontos em que, sendo possível satisfazer a essas duas necessidades, a colonização é um facto.
Há mais de um ponto no Alentejo onde isto sucede.
Eu posso citar dois exemplos, sendo um junto à terra onde nasci.
Uma propriedade próxima dessa vila tinha água a dois metros de profundidade, água potável, mas não explorada, e essa propriedade que era uma simples charneca, no dia em que os seus proprietários entenderam que a deviam dividir em glebas, tornou-se imensamente rica.
Indivíduos do Algarve e do norte tomaram posse dela, construíram as suas casas, abriram o seu poço, plantaram a sua vinha, tem a sua horta e têm o suficiente para se poderem bastar durante uma parte do ano, alugando depois o seu braço a outros proprietários.
Outros terrenos, não muito longe dos que acabo de citar foram tambêm, divididos, mas por lhes faltar a água não são explorados; a colonização não foi possível.
A vida em muitos pontos do Alentejo é impossível durante a maior parte do ano.
As pesquisas de água no Alentejo, até agora, são tarefa que se deve apenas aos proprietários.
Mas estão êles em condições de as fazer? Não.
É ao Govêrno que cabe tratar do caso e por isso para êle chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura.
Já deve estar em Portugal uma sonda para 600 metros de profundidade.
O Govêrno, pois, que tome as medidas necessárias para que ela seja aproveitada de preferência nas pesquisas de água no Alentejo.
Sem que êsse melhoramento se realize é impossível fixarem-se colonos nos vários pontos do Alentejo, em que, faltando a água, tudo falta para que possam desenvolver-se essas regiões.
É preciso notar que só depois de se procurar água e ela poder, ser utilizada é que o Govêrno terá fôrça moral para dizer aos proprietários de terrenos incultos que se não os trabalham é porque não querem.
Então, quando êsses proprietários continuarem a não cultivar tais terrenos, po-
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derá o Govêrno forçá-los a arrendamentos feitos, entrega ou venda, àqueles que os queiram explorar.
Sr. Presidente: como já chamei a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para as considerações que tenho vindo produzindo, quero aproveitar o ensejo para pedir a S. Exa. que exerça a sua acção no sentido de serem considerados e resolvidos pelas estações oficias dois assuntos a que vou referir-me e que muito importam à economia nacional.
Um é o emprêgo dos adubos químicos no Alemtejo.
Como S. Exa. sabe, o adubo químico que só tem empregado com grande êxito, até agora, nas terras do Alemtejo, é o superfosfato de cal.
Aquelas terras, em pousio por muitos anos, estavam, por essa razão, de tal forma aptas para receberem e aproveitarem o superfosfato de cal que as colheitas de trigo sucediam-se cada vez maiores.
O êxito era seguro, pois as produções chegavam a ser contadas por vinte e trinta sementes.
Numa propriedade de nossa casa, eu pude constatar há anos uma produção de quarenta e oito sementes, numa sementeira de novecentos litros.
Mas, Sr. Presidente, sucede que essas terras começam agora a produzir cada vez menos.
E porquê?
Porque já não é o superfosfato o adubo de que elas carecem.
É, portanto, absolutamente preciso que S. Exa. o Sr. Ministro da Agricultura desvie a sua atenção para êste assunto que é de alta importância, encarregando os técnicos de estudarem um novo adubo químico que possa substituir aquele que já não dá os resultados necessários.
Pode dizer-se que há os adubos compostos.
Há êsses adubos, é verdade, mas, além do seu excessivo preço, tem o inconveniente de muitas vezes levarem à terra por elevado preço elementos de que de facto ela não carece, faltando-lhe os de que ela realmente precisa para tornar remuneradora uma determinada cultura.
É uma tarefa que carece duma perseverança grande, e na parte que diz respeito à questão cerealífera essa tarefa cabe toda aos agrónomos, desde que procurem o adubo mais conveniente para as antigas charnecas do Alemtejo e cuja aplicação seja economicamente possível.
Sigamos o que se faz na América.
É preciso encontrar novas sementes e fazer delas um cuidadoso emprego.
Devemos procurar uma semente, de forma que possamos apressar o desenvolvimento da planta.
Refiro-me, preferentemente, ao trigo.
Seria o ideal, que eu não julgo impossível, apressar o desenvolvimento vegetativo da planta, de forma a evitarmos pelo menos os grandes calores dos primeiros anúncios do verão, que tantas vezes comprometem as nossas colheitas.
Isto há dezenas de anos podia parecer uma idea louca, mas não o é hoje, sabendo-se que na América do Norte se produzem já piteiras glabras, nozes sem cascas e há bois com membros reduzidos, para a produção exclusiva de carne.
Não falo doutras culturas, Sr. Presidente, porque não desejo que V. Exa. se agaste por eu estar a falar em assuntos que pode supor não se prendem com o Ministério dos Abastecimentos.
Há uma outra cultura muito importante, que é a da beterraba. Para isso deixei nesse Ministério alguma cousa a êsse respeito, e a Câmara sabe, melhor do que eu, que nos países onde a beterraba se cultiva a produção dos trigos é maior por unidade de superfície, e isto compreende-se fácilmente, porque as terras precisam de tantos trabalhos e a cultura é de tal modo exigente de fortes adubações e muitos grangeios que ainda deixa na terra o suficiente, o bastante, para fartar o trigo que lhe sucede no aproveitamento do terreno.
Desde que no nosso país se sabe que é de êxito seguro a cultura da beterraba é de toda a conveniência que o Sr. Ministro da respectiva pasta não ponha embaraços à execução dêsse decreto.
Se S. Exa. encontra deficiências nas providências por mim decretadas a êsse respeito, apele S. Exa. para a Câmara, para que introduza nessa obra as modificações necessárias, mas o que é preciso é que essa obra não morra, porque não pode de modo algum a cultura da beterraba deixar de desenvolver-se no nosso país.
Também alguma cousa fiz sôbre o povoamento florestal. O nosso país, apesar
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de pequeno, tem aspectos variados pelo que diz respeito à constituição geológica das suas terras. Até mesmo sob o ponto de vista do clima, até mesmo a êsse respeito, é um país privilegiado. Pode dizer-se que em Portugal se encontram exemplares da flora de todo o mundo. Não houve até agora método na exploração das nossas matas.
Durante a guerra queimou-se loucamente o arvoredo do país. Já no princípio da guerra se dizia que ficávamos sem uma árvore. Pois, Sr. Presidente, queimaram-se não sei quantos milhões de árvores neste país. E certo que se deu num ou noutro ponto, pode dizer-se, uma devastação completa, mas no geral, em todo o país, tínhamos ainda de sobra para mantermos uma situação idêntica por mais tempo.
Temos milhares e milhares de hectares de terras que devem ser ocupadas por arvoredo, não só para aumentarmos a nossa riqueza, pelo que êsse arvoredo pode representar em escudos todos os anos, mas para modificarmos, e grandemente, o nosso clima e o regime dos nossos rios.
Com a devastação que se tem feito, desordenada, sem plano o sem polícia, rios há hoje que não são rios, mas apenas uma recordação. Não basta gastar dinheiro em dragas para a limpeza dêsses rios; e preciso segurar as torras por onde êles passam.
O remédio para melhorar a situação dos nossos rios, a fim do que os navios estrangeiros possam chegar aos nossos portos, e nalguns rios possa haver navegação, é olhar para o nosso povoamento florestal.
Esta medida é que é indispensável pôr em execução o mais rápidamente possível, e até porque para isso ainda alguns fundos termos disponíveis. A autonomia dos servidos florestais deve-se ao Sr. Brito Camacho, quando Ministro do Govêrno Provisório. Que se proteja êsse serviço, que se cerque de toda a protecção e teremos feito uma obra patriótica.
Também lá deixei alguma cousa sôbre a propriedade particular.
Acusa-se o latifúndio do Alentejo de ser à causa da crise agrícola de que enfermamos naquela província. Eu não sou do Alentejo, mas conheço muito bem essa província.
O latifúndio é um mal, não há dúvida, mas maior mal é a repartição da propriedade, como se encontra no Minho, nos campos de Aveiro e de Coimbra.
Nesse sentido providenciei, procurando evitar a pulverização da propriedade.
O que se perde nessas regiões em valas, caminhos e divisões da propriedade, alêm dum inferior aproveitamento das terras, consequência inevitável dessa pulverização, deve ser chamado à cultura, deixar de ser terra improdutiva.
Sr. Presidente: o Sr. Brito Camacho, no Govêrno Provisório, estabeleceu o crédito agrícola neste país, mas infelizmente êle não tem dado os resultados desejados, tam rápidamente como seria de esperar.
O crédito agrícola no nosso país tem marchado a passo de boi, quando era indispensável que êle alastrasse rápidamente, como mancha de azeite, por todo o país.
O Sr. Brito Camacho: - Ou a passo do amanuenses, que fazem verdadeira sabotage nas secretarias.
O Orador: - Pois bem. Que a Govêrno e o Parlamento se unam do forma a darmos o maior incremento ao crédito agrícola no nosso país são os desejos que exprimo, certo de que não estou só.
Sem dinheiro não se caminha, e sem dinheiro barato a agricultura não pode progredir.
Sr. Presidente: uma outra riqueza que nós temos descurado é a ulha branca. A ulha branca, além duma produção mais barata de energia, viria substituir o carvão que tam caro nos fica e nos põe à mercê dos outros países, além de permitir o estabelecimento de novas indústrias no nosso país.
Um povo que está sempre na dependência doutros países para poder ter qualquer indústria é um povo que nunca se poderá desenvolver, que caminha para a morte.
Nós precisamos aproveitar as nossas águas.
Olhemos, portanto, com olhos de ver e com decisão, para êste problema.
Sr. Presidente: eu entendo que no nosso país dispomos de riquezas bastantes, não exploradas, capazes de cobrir o nosso permanente deficit. Saibamos apro-
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veitá-las e estamos salvos. Antes, porém, devemos sempre lembrar que o trabalho útil é incompatível com a desordem em que temos vivido.
Que a era das revoluções tenha passado são os desejos que faz quem, como eu, tudo espera do trabalho.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - O Sr. Sousa Varela pede que seja consultada a Câmara a fim de lhe ser dada a palavra para um negócio urgente, qual é a alteração da ordem pública em Santarém.
Consultada a Câmara, foi rejeitado.
Àpartes.
O Sr. Sousa Varela: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Foi novamente rejeitado.
O Sr. Sousa Varela: - Está justificada a alteração da ordem pública em Santarém e eu terei satisfação em vir defender nesta Câmara aqueles que ali alteraram a ordem pública.
Protestos.
Àpartes.
Vozes: - A Câmara tem mais que fazer!
O Sr. Presidente: - Rejeitaram 33 Srs. Deputados e aprovaram 17.
Também o Sr. Plínio Silva pediu a palavra para um negócio urgente, que se refere à alteração da ordem pública em Elvas, pelo aumento do preço do pão, e vou consultar a Câmara sôbre se lhe posso dar a palavra.
Foi rejeitado.
Protestos.
O Sr. Domingos Cruz: - Requeiro que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se posso tratar dum negócio urgente que se refere à revisão do Regimento desta Câmara.
Posto o requerimento à votação, foi aprovado.
O Sr. Domingos Cruz: - Sr. Presidente: o negócio urgente para que pedi a palavra refere-se à necessidade de pôr termo à morosidade com que seguem os trabalhos parlamentares para que, de futuro, as Câmaras não tenham de lutar com as dificuldades com que esta Câmara luta, e nesse sentido vou mandar para a Mesa uma proposta para a qual requeiro a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta apresentada pelo Sr. Domingos Cruz e para a qual requereu urgência e dispensa do Regimento.
Leu-se. É do teor seguinte:
Considerando que se reconheceu a necessidade da revisão do Regimento desta Câmara no sentido de tornar mais profícuos os trabalhos parlamentares;
Considerando que o actual Regimento contêm disposições que são uma das causas da morosidade dos referidos trabalhos;
Considerando que urge iniciar um período de acção que corresponda às instantes necessidades do país;
Tenho a honra de apresentar a seguinte proposta:
Proponho que a comissão do Regimento, perante o interregno parlamentar, proceda à sua revisão, introduzindo-lhe as alterações que a prática tenha aconselhado do modo a poder ser discutido nas primeiras sessões da futura sessão legislativa.
Sala das Sessões, 28 do Agosto de 1919. - Domingos Cruz.
Consultada a Câmara, foi rejeitada.
O Sr. Domingos Cruz: - Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova.
Foi aprovada.
O Sr. Alberto Xavier: - Requeiro que a comissão de revisão constitucional seja autorizada a reunir durante a sessão.
Foi autorizado.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: entendo que a proposta do Sr. Domingos Cruz deve entrar desde já em discussão, visto que para ela foi aprovada à urgência e dispensa do Regimento. (Apoiados).
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta do Sr. Domingos Cruz para entrar em discussão.
Foi lida e entrou em discussão.
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O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: acho que o Regimento desta Câmara necessita ser revisto e, certamente, todos estarão convencidos dessa urgente necessidade, mas desejava preguntar a V. Exa. se os Srs. Deputados que fazem parte de comissões que funcionem quando o Parlamento esteja fechado recebem o seu subsídio, e em virtude de que lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sou informado de que, durante o intervalo parlamentar, os Srs. Deputados que façam parte de comissões, que funcionem neste período, não têm direito a subsídio, a não ser que a Câmara assim o autorize por determinação especial.
Foi aprovada a proposta do Sr. Domingos Cruz.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura:
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o Govêrno, ao apresentar-se ao Parlamento, leu a sua declaração ministerial, na qual vem incluída a idea da extinção do Ministério dos Abastecimentos. Evidentemente, o Govêrno não tomou, então, se melhante propósito, por ter já conhecimento íntimo das razões que levaram a opinião pública a reclamar a dissolução daquele organismo.
Não tinham os Ministros tomado ainda conta das suas pastas. Não poderiam, pois, saber dessas razões. Mas o facto é que era do domínio público que no Ministério dos Abastecimentos os escândalos eram enormes, chegando-se a classificar êsse Ministério de antro, de foco de imoralidades. A imprensa de todo o país confirmava esta impressão geral.
Nestas condições, o Govêrno entendeu que deveria dar uma satisfação à opinião pública que se mostrava escandalizada; e, por isso, incluiu na sua declaração ministerial a promessa de extinguir o referido Ministério.
Sr. Presidente: apresentando agora ao Parlamento a proposta de lei que se discute, o Govêrno não teve em vista outra cousa se não desempenhar-se dessa promessa.
O Sr. José Relvas, no relatório do decreto n.° 5:175, declarou querer o Govêrno da sua presidência preparar as cousas por forma a voltarmos à normalidade no momento mais oportuno, isto é, à liberdade de comércio, principalmente. No programa dêste Govêrno, tambêm, está enunciado o seu propósito de contribuir para que, tam rápidamente quanto possível, se volte a essa liberdade de comércio, à situação normal.
Ora, o Sr. residente, o Ministério dos Abastecimentos foi criado justamente para obviar às circunstâncias e aos factos derivados da situação anormal em que nos fomos encontrando em consequência da guerra. A guerra, felizmente, já acabou e, portanto, todos devem deligenciar por que volte a normalidade. Mais uma razão esta para que o Govêrno tenha apresentado a proposta de lei que está ocupando a atenção da Câmara e que tem ela sido aqui debatida, largamente, por ilustres Deputados de todas as facções políticas.
Neste debate classificarei três grupos, a saber: um, o dos Srs. Deputados que abertamente se manifestam contra a proposta; outro, o dos Srs. Deputados que lhe são favoráveis; e o terceiro o dos Srs. Deputados que querem conservar uma situação neutra.
Mas tem-se observado um facto verdadeiramente curioso, e que se tomou como uma aprovação, por assim dizer, tácita, do projecto: é que de todos os Deputados, que criticaram êste projecto de lei, não veio uma única crítica favorável à continuação do Ministério dos Abastecimentos, pelo contrário, poderia talvez afirmar, e a Câmara sabe-o tam bem como eu, que mesmo os seus defensores eram por vezes os seus maiores e mais violentos acusadores.
Haja em vista o que sucedeu com o Sr. Orlando Marçal, que foi quem levantou a discussão sôbre êste projecto. Teve o seu discurso duas fases absolutamente distintas; a primeira, aquela em que combateu acérrimamente a proposta do Govêrno; e a segunda, aquela em que combateu com maior violência ainda o Ministério dos Abastecimentos, e com uma violência tal que, querendo sintetisar as suas
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considerações, houve por bem mandar para a Mesa uma proposta tendente a nomear-se uma comissão parlamentar de inquérito, a fim de verificar das acusações feitas ao Ministério dos Abastecimentos; proposta que S. Exa. enviou acompanhada previamente das considerações mais violentas sôbre certos factos produzidos no Ministério dos Abastecimentos, ou que a êle se atribuem. Dos motivos apresentados por S. Exa. em defesa da conservação do Ministério dos Abastecimentos, apenas um, talvez, se apresentou com o carácter dum certo valor, que é o das condições económicas. S. Exa. disse que, se os serviços do Ministério dos Abastecimentos passavam para outros Ministérios, não valeria a pena extingui-lo, porque, no dizer de S. Exa., a economia resultante seria apenas aquela que se fazia com um Ministro a menos, com um chefe de gabinete a menos e com um secretário a menos. Nada mais. Mas S. Exa. esqueceu o que nesta sessão disse o Sr. Abílio Marçal.
S. Exa., com números na mão e invocando factos, demonstrou que os prejuízos devidos ou à má organização do Ministério dos Abastecimentos, ou a qualquer outra circunstância derivada do mesmo Ministério, atingiram uma soma que anda por milhares de contos.
O Sr. Abílio Marçal: - Os prejuízos totais que cálculo devem, com efeito, andar por uns 10:000 contos.
O Orador: - V. Exa. vem não só confirmar, mas justificar o meu critério.
O Sr. Abílio Marçal: - Quere V. Exa. ver?! Um funcionário do Ministério dos Abastecimentos recebeu 300 contos para compra de trigo; pois, até esta data ainda não entrou no, Ministério um grão dêsse cereal comprado por êsse cavalheiro, nem tambêm o dinheiro.
O Orador: - Perfeitamente; mas como eu ia dizendo, êstes factos devem ser atribuídos ou à qualidade do pessoal, ou à organização do Ministério, ou às duas cousas em conjunto.
Se o Ministério ficar com o mesmo pessoal e com a mesma organização, os vícios naturalmente serão os mesmos, e é de acreditar que nos anos subsequentes, se os prejuízos não forem além dêsses 10:000 contos, se ficarem até aquém, hão-de ser em todo o caso grandes; e, desde que apareça uma medida tendente a modificar as cousas, é provável que elas se modifiquem por forma a que os prejuízos baixem, ou, ainda mais, que sejam absolutamente nulos.
Conseguir-se há isto pela dissolução do Ministério dos Abastecimentos e pela encorporação dos seus diversos serviços no Ministério da Agricultura? Eu suponho que sim, e, se assim fôr, a questão de economia deve pesar sôbre o modo de resolver da Câmara. Haverá uma economia evidente com a melhoria dos serviços.
Quais são os serviços que incumbem ao Ministério dos Abastecimentos? São, entre outros, o serviço de transportes, o de fiscalização e o do comércio de produtos agrícolas.
Um Sr. Deputado preocupou-se com a passagem dêstes serviços para diversos Ministérios, entendendo que isso nos traz desvantagens.
Tal não deve ser; antes pelo contrário.
Os transportes que agora pertencem ao Ministério dos Abastecimentos para onde iriam? Naturalmente para o Ministério do Comércio e Transportes. É aí que estariam no seu meio e que encontrariam o pessoal já educado para levar a bom termo todos os serviços de transportes.
Os serviços de fiscalização, assim como os de comércio, tambêm ficam muito bem no Ministério da Agricultura, porque, tendo sido êste Ministério organizado depois do Ministério dos Abastecimentos, nele se incluíram os serviços próprios do Ministério dos Abastecimentos. Êstes serviços há muito que pertencem ao Ministério da Agricultura. Só quando se organizou o Ministério dos Abastecimentos é que êles foram arrancados àquele Ministério.
O Ministério da Agricultura tem tambêm o seu pessoal que estava educado e sôbre o qual nunca recaiu a mínima suspeita. Tem uma Direcção Geral de Comércio Agrícola. Não é de estranhar que os assuntos de comércio agrícola, agora dependentes do Ministério dos Abastecimentos, encontrem um meio favorável no Ministério da Agricultura.
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Os serviços, de fiscalização tem tambêm uma repartição especial no Ministério da Agricultura, um quadro especial de funcionários, funcionários que continuam executando a sua missão.
Há uma circunstância digna de nota. Existindo funcionários com a mesma missão nos dois Ministérios, Abastecimentos e Agricultura, deu-se o facto por vezes muito cómico de saírem dum determinado estabelecimento fiscais pertencentes ao Ministério dos Abastecimentos e imediatamente entrarem fiscais pertencentes ao Ministério da Agricultura, independentemente talvez de outros fiscais pertencentes a outro Ministério.
Quere dizer, tem-se dado colisão entre indivíduos de Ministérios diferentes, mas que desempenham missão idêntica, senão a mesma.
O Sr. Deputado Jorge Nunes receava a colisão dos funcionários que transitassem do Ministério dos Abastecimentos para os outros. Certamente que S. Exa. só referia principalmente à colisão de interêsses de indivíduos com categoria semelhante o as mesmas atribuições, e sendo enorme a avalanche dos funcionários que passaram para o Ministério da Agricultura, S. Exa. receava que os funcionários dêste Ministério fossem altamente prejudicados nos seus acessos, nas suas promoções.
Êste perigo tambêm não existe. Basta ver o que diz o projecto. O pessoal que transitar do Ministério dos Abastecimentos para os outros Ministérios forma: um quadro especial, não indo invadir os quadros existentes. Não há, por consequência, colisão de interêsses. E não havendo colisão de interêsses, e antes melhoria nos serviços, não vejo que razões haja para se recusar a transição dos serviços do Ministério dos Abastecimentos para os serviços do Ministério da Agricultura. O Sr. Jorge Nunes, quando usou da palavra, pareceu-me querer fazer acreditar que êste projecto estava redigido de forma que era contrário aos pequenos funcionários e favorável aos grandes funcionários.
O Sr. Jorge Nunes: - Peço licença a S. Exa. para dizer que não fiz tal afirmação.
O Orador: - Ainda bem que S. Exa. me interrompeu para dizer que não tinha produzido tal afirmação, porque eu teria necessáriamente de dizer-lhe que, ao elaborar êste projecto, não olhei nem a grandes nem a pequenos funcionários; olhei apenas aos serviços, olhei apenas ao aproveitamento das competências.
Tem-se aqui preguntado, - e parece haver algumas dúvidas entre alguns membros desta Câmara - se os serviços que incumbem ao Ministério dos Abastecimentos transitam todos para os Ministérios da Agricultura, Comércio e Transportes e Finanças, ou se alguns dêsses serviços são extintos.
Devo declarar que transitam todos e que os funcionários nesses Ministérios devem ser aproveitados da melhor forma, de modo a serem úteis e não poderem merecer qualquer acusação mais ou menos grave.
Têm-se referido tambêm alguns Srs. Deputados à quási possibilidade de dentro de um único Ministério se introduzir, além do pessoal próprio, todo o pessoal do Ministério dos Abastecimentos.
Sob êste ponto de vista, será o Ministério da Agricultura o mais castigado.
O Sr. Brito Camacho: - Diz V. Exa. muito bem: o mais castigado!
O Orador: - O mais castigado, numericamente, é claro, mas talvez, se as cousas correrem como eu desejo, êste Ministério, por isso mesmo, seja o mais favorecido.
O Ministério da Agricultura é novo e de recente data, tem ainda muito que produzir, e felizmente eu veja que no Parlamento há essa idea, pois ainda hoje o Sr. Jorge Nunes fez um apoio para que se ponham em prática todas as medidas de fomento que possam trazer-nos o desenvolvimento e a riqueza agrícolas.
O Ministério da Agricultura, sendo um Ministério novo, os seus serviços ainda não estão na perfeição desejada e há um deles, que é o serviço de estatística agrícola, que há muitos anos é uma aspiração do país e da agronomia. É realmente uma vergonha haver estatísticas agrícolas de todos os países do mundo excepto do nosso, onde êsses dados faltam quási por completo.
Ora a estatística agrícola não poderá ser um facto em quanto o Estado não ti-
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ver o pessoal necessário para a executar e êsse pessoal, pelo menos, nos primeiros dez anos, tem de ser bastante numeroso.
Assim, neste caso pode bem dizer-se que à quelque chose malheut est bon.
O Ministério da Agricultura, recebendo essa aluvião do empregados vindos do Ministério dos Abastecimentos, enquadrando-os com o seu pessoal próprio, fazendo-os percorrer todo o país, encarregando-os de colherem os dados para a estatística agrícola nos diversos concelhos do país, conseguirá resolver o que, como já disse, há muito representa uma aspiração nacional.
Além disso, com êste facto consegue-se uma economia indirecta, pois eu estava realmente na necessidade de hoje ou amanhã trazer ao Parlamento uma proposta pedindo autorização para criar um pessoal especial para êstes Serviços estatísticos.
O Sr. Brito Camacho: - Esses serviços estão criados desde 1911.
O Orador: - O que não está é criada verba orçamental para êles e assim o Ministério da Agricultura podia vir pedir dezenas e dezenas de contos para êsses mesmos serviços, e desta forma, tendo já verba inscrita no orçamento, as despesas não são aumentadas.
O Sr. Brito Camacho, no seu discurso de ontem, cheio de bom sonso e competência, como sempre, começou por censusar o Govêrno por ter apresentado um projecto da importância dêste, sem o ter feito preceder do respectivo relatório elucidativo.
O Sr. Brito Camacho: Fiz apenas um simples reparo.
O Orador: - Apesar de S. Exa. fazer apenas um reparo, ca vejo-mo obrigado a explicar as razões por que o Govêrno assim procedeu. Do resto, já a elas mo referi.
O Govêrno entendeu não dever explanar-se num relatório, exactamente porque supôs ter, com esta proposta de lei, satisfeito uma exigência pública e substituiu êsse relatório por tudo quanto se dizia lá por fora, por tudo quanto a imprensa dizia e entendeu mais prudente, talvez não fundamentar com factos o objectivo que o levou a elaborar a referida proposta, para que o Diário das Câmaras não pudesse em determinado momento aparecer com um documento que não honraria a República.
O Sr. Brito Camacho: - Protesto contra as palavras de V. Exa. Tudo quanto seja encobrir os crimes que se praticam na República é comprometê-la e prejudicá-la, porque denota cumplicidade com êsses crimes.
O Orador: - Não se trata de ocultar crimes, porque eu entendo que ainda não está demonstrado quê houvesse crimes.
Estou absolutamente convencido de que existem faltas e grandes faltas de competência e o Govêrno não quere ocultar crimes, quere simplesmente trazê-los a publico quando êles estiverem legalmente e judicialmente demonstrados.
Exactamente por isso, o Govêrno não se opõe de maneira alguma, antes aceita com entusiasmo a nomeação da comissão para fazer o inquérito.
Essa comissão há-de dar o seu parecer e, quando se verificar que houve crimes, então o Govêrno não os abafará.
Há até um certo número de inquéritos que foram feitos e pelos quais se demonstra a culpabilidade dalguns, funcionários que vão ser punidos.
Estou convencido de que mais delinquentes haverá e que serão igualmente punidos.
Quando as faltas se demonstrem, o Govêrno procederá como deve proceder um Govêrno que quere prestigiar a República.
Preguntou o Sr. Brito Camacho qual seria a situação dos celeiros municipais.
Como S. Exa. sabe, os celeiros municipais têm uma autonomia administrativa, mas com fiscalização directamente dependente do Ministério dos Abastecimentos.
Êsse assunto está regularizado por um decreto do actual Ministro do Comércio, que fez saber que todos os celeiros municipais que liquidassem com o Estado as suas contas continuariam a estar na mesma situação do ano passado, os que não liquidassem honradamente ás suas contas não seriam auxiliados pelo Estado.
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Parece-me uma resolução sôbre todos os pontos justa, e nessas condições os celeiros que cumprirem os seus deveres nada sofrem.
Não posso dizer à Câmara qual o resultado da liquidação do ano passado, que deve ter-se leito até 31 do mês que findou.
O que posso afirmar é que o Estado adiantou aos celeiros municipais cêrca de 5.500 contos.
Já estão liquidados, parece-me, 3.569 contos, havendo uma diferença ainda contra o Estado de 1.931 contos.
A organização dos celeiros municipais nada perde em ser transferida dum Ministério para outro.
Preguntou-se ainda, a propósito dos celeiros municipais, se, dado o caso que passassem todos os celeiros para o Ministério da Agricultura, a sua organização e funcionamento seriam idênticos.
Quanto aos celeiros municipais deixarão de existir, disso pode V. Exa. estar certo, aqueles a quem V. Exa. classificou do contrabandistas.
A lei há-de ser cumprida para todos com o maior rigor e a maior igualdade.
Preguntou ainda S. Exa. o que vai ser o serviço dos transportes.
É um assunto sôbre o qual não poderei dar informações muito precisas, porque êle está mais intimamente ligado à pasta do Comércio cujo titular, infelizmente, não se encontra presente.
De resto, suponho que o ilustre Deputado deve saber que está nomeada uma comissão, a fim de estudar a melhor forma de se aproveitar, a bem do país a tonelagem, quer dos navios que já temos, quer dos que foram requisitados aos alemães e nos venham a pertencer.
Essa comissão tem trabalhado tendo já entregue um relatório ao Sr. Ministro do Comércio, não podendo comtudo dizer se êsse relatório tem a aprovação do Sr. Ministro.
É êste um assunto ainda pendente; em todo o caso estou convencido de que o Sr. Ministro do Comércio prestará a maior atenção a êsse relatório, e, nele porá a sua doutrina em prática, ou resolverá como entender, desde que verifique que da sua doutrina podem advir prejuízos para o Estado.
O Sr. Júlio Martins: - Mas ao menos V. Exa. podia dizer à Câmara o que a comissão propõe?
O Orador: - Sobre êsse assunto não posso dar informações detalhadas.
A Câmara pode conhecer melhor o assunto do que eu.
Sou uma criatura que neste momento vivo uma vida isolada.
Preguntou S. Exa., que se tenciona fazer das mercadorias dos navios alemães.
Há cêrca de dois meses que se está fazendo o arrolamento ou inventário dessas mercadorias.
Suponho que é intenção do Sr. Ministro do Comércio pôr em leilão aquelas mercadorias que na actualidade tem probabilidades de encontrar um bom preço na praça.
Devo ainda referir-me a outro caso apontado por S. Exa. e que classificou de escândalo das anilinas, dizendo que as anilinas, como matéria corante que são, terão sujado muitas mãos.
Posso garantir a S. Exa. que as anilinas que ainda escaparam não sujarão as mãos do nenhum funcionário dependente do respectivo Ministério.
Se porventura alguma nódoa de tinta cair sôbre algum dêsses funcionários, que ela se torne evidente, como é natural, visto que tinta é, podendo a Câmara estar certa de que as medidas do Govêrno hão-de ser consentâneas com o facto.
Suponho que foram êstes os esclarecimentos pedidos pelo Sr. Brito Camacho.
Para concluir, desejo ainda referir-me ao discurso aqui proferido pelo Sr. Jorge Nunes.
A respeito de todas as considerações de S. Exa., tenho apenas a fazer uma afirmação e é de que toda a sua obra que esteja, e é natural que toda esteja, em condições de poder utilizar ao fomento agrícola, mesmo ao fomento nacional, toda ela será posta em prática na medida do possível.
É uma afirmação genérica que faço, porque estou convencido de que S. Exa. não desejaria que eu percorresse a par e passo cada uma das medidas que constituem o que S. Exa. chama a sua obra.
Desde que faço esta afirmação, S. Exa. decerto me dispensará de dizer o meu
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modo de pensar sôbre cada uma dessas leis.
Tenho dito.
O discurso, revisto pelo orador, será publicado na integra quando forem devolvidas as notas taquigráficas.
O Sr. Joaquim Brandão: - Sr. Presidente: na altura que vai o debate já muito pouco há que dizer sôbre o assunto em discussão. Vários oradores se têm referido à questão tratando-a com elevação e conhecimento e portanto não serei eu quem traga a êste debate subsídios novos de estudo e apreciação.
Todavia, Sr. Presidente, como se trata duma questão que interessa inteiramente a todo o país, eu creio que faltaria a um indeclinável dever, se não emitisse sôbre ela a minha opinião, ainda que em breves palavras.
Sr. Presidente: não vi que à volta dêste debate se pretendesse fazer questão política quer da parte do Govêrno quer da parte dos grupos representados nesta Casa do Parlamento, e no emtanto, Sr. Presidente, eu não compreendo o motivo por que de entro os 38 projectos dados para ordem do dia nesta altura da sessão, se estabeleceu a prioridade para o que se discute, e que, quanto a mim, é talvez o de menos urgência. Assim é que numa discussão, que tudo fazia prever que fôsse demorada e ardente, se tem dispendido três dias de sessão que melhor aproveitados teriam sido em outros assuntos de maior alcance económico e de mais instante interêsse público.
Tenho ouvido dizer nesta Câmara que o Ministério dos Abastecimentos é absolutamente desnecessário a até prejudicial, mas não vi ainda deduzir argumento algum que de tal assunto me convença.
A função dêste Ministério é no meu pensar hoje mais necessária do que nunca, pois nós vemos que apesar da guerra ter terminado e haver maiores facilidades de abastecimentos, nós vemos os géneros de primeira necessidade encarecerem cada vez mais e até desapareceram completamente do mercado.
Sr. Presidente: tal facto não pode resultar senão do artifício, do açambarcamento: habilmente manejado, no intuito de se manter a alta dos preços e dar lugar à insaciável ganância dos que, sem consciência nem escrúpulo, Enriquecem à custa da miséria pública.
Falou-se aqui de irregularidades e até de crimes praticados pelos funcionários do Ministério que se pretende extinguir.
Não tenho elementos para destruir nem para confirmar tais afirmações.
Não compreendo porêm como se possam cometer crimes como os que foram apresentados nesta Câmara sem que o respectivo titular não os conhecesse e reprimisse convenientemente. (Apoiados).
Sr. Presidente: não vai nas minhas palavras censura para ninguêm, mas vai simplesmente o desejo de demonstrar que se nesse Ministério há funcionários que não cumprem o seu dever, não quer isso dizer que a função seja inútil e que o único remédio a adoptar seja extingui-lo.
Sr. Presidente: a função dêsse Ministério é indispensável neste momento, pois que a carestia da vida provocada por uma baixa especulação é cada vez maior.
Sou partidário da liberdade do comércio mas nunca o serei dos abusos que, à sombra de tal liberdade, se praticam todos os dias impunemente, e veja V. Exa. a que aqueles artigos para os quais não há condições nem tabelas, como por exemplo o vestuário e o calçado, não deixam de encarecer de dia para dia, não podendo atribuir-se êsse encarecimento aos inconvenientes e retraimentos provenientes da fiscalização do Estado.
É verdade que os géneros sujeitos a tabelas tambêm tem aumentado, mas estou certo de que com uma boa e séria fiscalização tal não sucederia.
O que era preciso era intensificar o esfôrço dos funcionários e fazer a sua selecção, para que a fiscalização não consentisse a especulação desenfreada que criminosamente se exerce.
Sr. Presidente: não pode haver ordem nas ruas quando há fome nos lares. Não pode haver ordem na rua quando não há sossêgo nos espíritos, quando não sabemos se no dia seguinte teremos com que alimentar nossos filhos.
Tem-se dito nesta Câmara que o Ministério dos Abastecimentos nunca exerceu a sua acção naquele sentido.
Realmente assim é.
Efectivamente, a missão do Ministério dos Abastecimentos não deve ser unicamente a de fiscalizador mas tambêm, e
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principalmente, a de regulador de preços, estabelecendo a concorrência è abastecendo até, se tanto fôr necessário, directamente o consumidor.
Experimentou-se, durante o período do dezembrismo, estabelecer alguns armazéns reguladores de preços, e se a experiência não frutificou foi porque êles eram em número insuficiente e, em regra, mal abastecidos e servidos. No em tanto, apesar disso, ainda alguns serviços prestaram.
Se o Estado estabelecesse casas e armazêns reguladores do preços, abastecesse largamente o mercado, estimulando ao mesmo tempo a acção das cooperativas, populares de consumo nós veríamos que os abusos que agora se cometem seriam modificados com a intervenção benéfica do Poder Central.
Portanto, Sr. Presidente, o que me parecia melhor e mais consentâneo com a oportunidade, porque as condições de vida criadas pela guerra mundial são as mesmas senão piores, era dar a êsse Ministério atribuições mais largas, a fim de êle se poder desempenhar, com utilidade para o país, da missão para que foi criado.
Violentamente, dum só golpe, extinguir-se o Ministério dos Abastecimentos é, quanto a mim, em vez de prover de remédio o mal existente, antes preparar um mal ainda maior.
Tem-se, repito, falado muito das irregularidades cometidas por vários funcionários dêsse Ministério. Eu quem crer que tambêm lá há de haver funcionários que não tenham nenhuma responsabilidade nos erros que se praticaram, e, pretendendo-se fazer uma obra de saneamento, eu não compreendo como só vai extinguir as repartições onde se podem descobrir e encontrar, os elementos precisos para a acusação dos funcionários que prevaricaram e reabilitação dos que nenhuma culpa têm.
Será até um grave êrro que, havendo tantos empregados delinquentes daquele Ministério, os vamos dessiminar pelos outros Ministérios, estabelecendo uma promiscuidade que certamente irá prejudicar e contaminar as várias repartições do Estado.
Sr. Abílio Marçal: - O inquérito há de fazer a selecção do funcionalismo.
O Orador: - O inquérito hoje, coma existência dos arquivos, ainda poderia dar algum resultado, visto que hão-de estar reúnidos os elementos preciosos de acusações a alguns dêsses funcionários. Amanhã, porêm, dispersos êsses elementos; é uma pedra que caiu num poço e ninguêm pensará mais em tal inquérito, e os funcionários irão para outros Ministérios sem que de maneira nenhuma se lhes possa, fazer a análise das suas responsabilidades.
Sr. Presidente: travessou-se uma crise pavorosa no nosso país, uma crise angustiosa de miséria e de fome durante o período da guerra que assolou a Europa, e nós vimos com mágua que no nosso país, longe de se aproveitar êsse momento para, de alguma forma, conseguirmos fomentar a nossa riqueza o desenvolver os nossas indústrias, vimos que muito pouco ou quási nada se fez nêsse sentido. Eu hão quero acusar os Governos sómente, por essa falta. Os governos pouco podem quando não encontram à sua volta iniciativas e empreendimentos, e nós assistimos ao deplorável espectáculo do verificarmos que, ao passo que a especulação comercial era cada vez maior, a nossa acção industrial estagnou.
Àparte a indústria de conservas quer mais por fôrça das exigências externas do que propriamente pela iniciativa interna, tomou largo incremento, beneficiando bastante a nossa desgraçada situação cambial, quási pode afirmar-se que as nossas indústrias, em vez de progredir, retrogadaram. Ainda se pode argumentar com a falta de capitais, ainda se pode dizer que as condições da riqueza particular foram contrárias ao desenvolvimento de novas e proveitosas iniciativas, que por tal motivo necessitavam do auxílio do Estado.
Mas para as especulações desenfreadas de bolsa não faltou nunca o dinheiro. Vemos que para todos os negócios, de que podem, resultar lucros imediatos e fabulosos, não faltam recursos, mas para aquilo que pode de alguma maneira significar uma continuidade de esfôrços, uma assiduidade de acção, uma persistência, de trabalho raro é encontrar-se quem se disponha a abrir a bolsa, não quer dizer que não haja, honrosas e muito distintas excepções.
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Vimos que durante a guerra, ao passa que os nossos soldados provindo, em regra, das classes pobres, marchavam para a guerra, deixando atrás de si os filhos, as mulheres e as mães e olhando apenas para a honra e dignidade da sua Pátria e para a glória da sua bandeira, não olhando para trás, a pensar que ficavam em sua casa, ao abandono, aqueles para quem o seu braço era o único esteio, ao passo que êsses pobres marchavam para a guerra, quási que alegremente, vimos que as outras classes do pais, as abastadas, nenhuns sacrifícios faziam, para de alguma maneira corresponderem ao sacrifício enorme, feito pela Pátria, para satisfazer os seus compromissos de honra. (Apoiados).
E quando, de alguma maneira, se quis arrancar a essas classes qualquer cousa que representasse, emfim, uma pequena partilha nesses sacrifícios, uma compensação de serviços, quando, por exemplo, pelo Ministério das Finanças, foram publicados diplomas, não quero dizer que não houvesse erros nesses diplomas, que criavam uma contribuição de guerra, em que se colectavam objectos de luxo, vimos que todos aqueles, a quem essas contribuições podiam afectar, organizaram uma resistência de tal natureza que os governos a tiveram como invencível, até ao ponto de desistirem da execução daquelas leis. É porque dentro da sociedade portuguesa e em determinadas classes há uma grande dose de egoísmo que se manifesta sempre que a tais classes se pede sacrifícios. E é êsse egoísmo, talvez o que nesta hora mais clama contra o Ministério dos Abastecimentos, que é, afinal, para êle um espectro que amedronta a sua insaciável ambição. Contra os meus desejos de ser breve e conciso ia indo mais longe do que tencionava. Em todo o caso não quero terminar, sem dizer a V. Exa., sem dizer à Câmara, que me parece que a proposta de lei em discussão de maneira nenhuma remedeia o mal que se pretende debelar. Pelo contrário, quanto a mim, ela ainda vêm agravar êsse mal, tanto sob o ponto de vista moral, porque depois da extinção do Ministério é difícil apurar as responsabilidades dos delinquentes como sob o ponto de vista económico, porque entendo que desde que os especuladores e açambarcadores estejam livres do Ministério dos Abastecimentos e não pudessem ser mais perseguidos e o medo ainda até certo ponto guarda a vinha, quando estiverem completamente desembaraçados dêsse espectro, ainda mais atentarão contra a miséria do povo, ainda mais farão por tirar a maior soma de proventos, ainda maior: esfôrços empregarão para prolongar êste estado de cousas, à sombra do qual largas benesses têm colhido.
Parece-me, portanto, que na hora presente seria mais útil e prático modificar e organizar os serviços dêsse Ministério no sentido de lhe imprimir uma acção mais eficaz, visto que, como já disse, creio que êsse Ministério presentemente podia com mais utilidade e eficácia exercer a sua acção. Hoje há onde ir buscar géneros, há onde ir procurar os elementos com que abastecer os mercados e só há a lutar contra o artifício do especulador, mais fácil de combater certamente, do que a carência que existiu durante o período de guerra.
A existência dum organismo único que ligue todos os serviços que com os abastecimentos se prendem, como os de transportes terrestres e marítimos é para mim mais eficaz e útil do que a dispersão dêsses serviços que resultará da proposta de lei em discussão.
O Ministério dos Abastecimentos, pois, não tendo presentemente a combater as, especulações e os especuladores, imprimindo-se-lhe nova orientação e expurgando e dispensando os elementos maus que prejudicam a sua acção, podia e devia ser ainda no nosso país um elemento, útil, para o barateamento da vida. (Apoiados).
Posta assim, com a maior sinceridade e a maior franqueza a minha opinião, eu termino, dizendo a V. Exa. que folgarei, no emtanto, quer caso esta proposta de lei seja votada, ela satisfaça aos intuitos do Govêrno e que, ao contrário do que eu prevejo, ela traga alguns benefícios ao país e ao consumidor, até agora tão sacrificado e espoliado por especuladores sem consciência e sem patriotismo.
O Sr. Afonso de Macedo: - Eu não quero roubar muito tempo à Câmara, e se pedi a palavra foi simplesmente para constatar que foram confirmadas as gra-
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ves revelações que aqui apresentei acerca do Ministério dos Abastecimentos.
Eu ouvi o ilustre relator, sr. Abílio Marçal, expor nesta Câmara factos gravíssimos, e entendo que é de toda a justiça dizer-se, debatendo-se a questão do Ministério dos Abastecimentos, que a maior parte dêsses factos se deram no tempo do Dezembrismo.
Para honra da República, como muito bem disse o Sr. Abílio Marçal, é conveniente que todos os parlamentares tragam à Câmara questões de moralidade como esta, para que se castiguem, porque é dessa forma que a República se honra.
Eu li ontem nos jornais da noite as informações que deu a esta Câmara o Sr. Presidente do Ministério acerca do caso do feijão que eu aqui referi. S. Exa. disse que êsse feijão já não era aproveitável para o consumo, mas a mim parece-me que S. Exa. foi mal informado. A quantidade dêsse feijão, depositado no entreposto, é de 11:000 sacos, que na sua quási totalidade podem ainda ser aproveitados, pois só 35 sacos foram dados como inutilizados pelo subdelegado do saúde. Não digo que êsse feijão esteja no mesmo estado em que chegou, mas actualmente pode ainda ser aproveitado e por isso entendo que o Govêrno deve promover a sua venda, embora por um preço mais baixo.
Nem se aproveitam os legumes que estão nos armazéns, nem as sacas que os contêm, e o Sr. Ministro sabe perfeitamente que a sacaria atingiu um preço exorbitante.
Neste momento, quero referir-me à demora que tem havido por parte da comissão que inventaria as mercadorias alemãs. Parece que êsse inventário não terminará nunca. Já era tempo de ter acabado êsse inventário. A comissão é composta de 17 ou 18 membros que diáriamente trabalham duas horas para inventariar às vezes uma simples cousa que tem vários artigos e por isso gastam uma semana com o inventário dêsse artigo.
Chamo a atenção do Sr. Ministro para êste facto.
Entendo que qualquer que fôsse o destino a dar às diversas repartições do Ministério dos Abastecimentos, o Govêrno devia olhar para o seguinte:
A maior parte dos contratos que deram enormes prejuízos à República foram celebrados durante o dezembrismo e eu quero neste momento frisar que um célebre contrato para a aquisição de arroz - o mesmo a que se refere o Sr. Abílio Marçal - foi feito segundo a informação que tenho do próprio Ministério dos Abastecimentos, com entendimentos particulares com a pessoa que forneceu êsse mesmo cereal, para o dar a uma terceira pessoa. Felizmente o caso passou-se no tempo do dezembrismo.
Disse o Sr. Abílio Marçal que um funcionário recebera 300 contos para a compra do arroz o que êsse arroz nunca dera entrada no Ministério dos Abastecimentos, nem o justado fora embolsado dessa quantia.
Foi arroz. E V. Exa. talvez esqueça um outro caso que se deu com arroz: Tendo sido dado como inútil uma porção de arroz que se encontrava armazenado no Ministério dos Abastecimentos, por ser julgado incapaz para consumo, foi mais tardo vendido ao mesmo Ministério por entidades a quem êle tinha sido dado.
Eu não sei se V. Exas. conheciam êste facto.
O Sr. Jaime de Sousa: - E assombroso.
O Orador: - Factos desta ordem devem ser trazidos para a Câmara para honra e defesa do regime republicano.
Sr. Presidente: a Câmara está já suficientemente esclarecida e muito mais há-de estar quando tiver conhecimento de todos os factos que se têm passado no Ministério dos Abastecimentos, e por isso eu vou terminar, mas antes devo dizer que é absolutamente necessário que os indivíduos que prevaricaram respondam pelos seus crimes.
Quem sabe se muitos géneros foram inutilizados propositadamente na ocasião em que o povo não tinha que comer com o fim de entravar a marcha da República?!
Como já tive ocasião de dizer, dentro do Ministério dos Abastecimentos existem, de facto, autênticos republicanos, mas há tambêm alguns indivíduos que lá deram entrada à sombra do dezembrismo e que não podem de forma alguma merecer a confiança da República.
A comissão averiguará certamente as irregularidades que se cometeram, sendo
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de esperar que os seus autores as espiem na cadeia.
Tenho dito.
O Sr. Alberto Xavier: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o parecer sôbre as emendas introduzidas pelo Senado no projecto relativo à revisão constitucional, requerendo que êste parecer entre em discussão, com dispensa do Regimento, logo a seguir à votação na generalidade do projecto referente à extinção do Ministério dos Abastecimentos, que está em discussão.
O Sr. Presidente expõe à Câmara o requerimento do Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Costa Júnior: - Peço a palavra sôbre o modo de votar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Júnior.
O Sr. Costa Júnior (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: esta sessão está prorrogada de harmonia com uma resolução da Câmara, até se discutirem e votarem os projectos e pareceres indicados para a ordem do dia, mas única e exclusivamente para isso. Êsses projectos e pareceres eram 38 e o seu número foi depois aumentado para 43, aparecendo agora mais outro. Pregunto, pois, a V. Exa. se, depois de votada a prorrogação, houve alguma deliberação da Câmara que autorizasse o aumento do número de projectos e pareceres marcados para ordem do dia, esperando que V. Exa. terá a bondade do mandar ler o requerimento do Sr. Deputado António Fonseca para a prorrogação da sessão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Êsse requerimento foi feito verbalmente, não se encontrando, portanto, na Mesa.
O Sr. Costa Júnior: - Deve estar consignado na acta.
O Sr. Presidente: - A acta respectiva não se encontra na Mesa, mas vou mandá-la buscar.
É certo que a Câmara resolveu, sôbre um requerimento do Sr. Deputado António Fonseca, a prorrogação até se discutirem e votarem êsses projectos e pareceres. Isso é certo, simplesmente a Câmara, que é soberana, pode resolver aprovar o requerimento do Sr. Deputado Alberto Xavier. Desde que êste Sr. Deputado apresentou um requerimento, não tenho outra cousa a fazer senão pô-lo à votação da Câmara.
O Sr. Costa Júnior: - V. Exa. tem de pôr êsse requerimento à votação, mas se não fôr contrário ao disposto no Regimento.
O Sr. Presidente: - De resto, o requerimento do Sr. Deputado Alberto Xavier consigna apenas uma excepção para a reforma constitucional.
O Sr. Costa Júnior: - E quanto aos outros pareceres?
O Sr. Presidente: - Se o requerimento do Sr. Deputado Alberto Xavier fôr aprovado, será discutido o parecer sôbre a revisão constitucional, depois de votado na generalidade a proposta da extinção do Ministério dos Abastecimentos.
O Sr. Carlos Olavo (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: não acho que tenha qualquer dificuldade a resposta ao Sr. Deputado Costa Júnior. S. Exa. aludiu a uma disposição regimental que não existe. Aquela que naturalmente existe e que tem de ser rigorosamente aplicada por V. Exa., como Presidente da Câmara, consta do artigo 127.° da Regimento.
Não há absolutamente cousa nenhuma no Regimento - e, se há, S. Exa. deverá citá-lo - que diga que a Câmara não pode alterar a decisão tomada por votação de um requerimento anterior.
Efectivamente a Câmara votou a prorrogação até a votação dos projectos e pareceres mandados para ordem do dia, mas isso não quere dizer que se não possam incluir na ordem outros projectos ou pareceres reputados urgentes, como êste da revisão constitucional.
Em vista do que fica exposto, Sr. Presidente, não podem ser tomadas em consideração por V. Exa. as observações do Sr. Deputado Costa Júnior.
O orador não reviu.
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O Sr. Sá Pereira (sôbre o modo de votar): - Pedi a palavra simplesmente para dizer a V. Exa. que não vejo inconveniente em que o parecer mandado agora para a Mesa vá para a Imprensa Nacional e amanhã esteja aqui, já impresso, para ser distribuído. Acho isso mais lógico, tanto mais que tratando-se de um assunto de alto interêsse, todos os Srs. Deputados devem tomar dele o mais completo conhecimento.
O orador não reviu.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo (sôbre o modo de votar): - Pedi a palavra para dizer a V. Exa. e á Câmara que me parece contraproducente o requerimento do Sr. Deputado Alberto Xavier, pois estamos tratando de uma questão de alta moralidade que interessa não só a Câmara, mas a todo o País, e que tem de ser solucionada sem mais delongas.
Acusa-se o Ministério dos Abastecimentos de ter praticado gravíssimos crimes e antes de êsse assunto ter sido liquidado nenhum outro deve ser discutido.
O orador não reviu.
O Sr. Brito Camacho (para interrogar a Mesa): Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que me diga se não considera o parecer mandado para Mesa pelo Sr. Deputado Alberto Xavier compreendido na ordem do dia, por isso que a proposta da alteração é da ordem desde há muitos dias.
O requerimento era desnecessário e o que a V. Exa. compete é dar ou não preferência a essa proposta de revisão constitucional.
O Sr. Alberto Xavier (sôbre o modo de votar): - Desejo apenas esclarecer o Sr. Deputado Lúcio do Azevedo que parece ter querido dizer que o meu requerimento pretende arredar a discussão da proposta de lei sôbre a extinção do Ministério dos Abastecimentos. Se há questões graves em relação a êsse Ministério, não sou eu quem as quer arredar; no entanto, como, se a Câmara não concordar com as emendas do Senado, o projecto da revisão constitucional terá de ser submetido à apreciação do Congresso, entendo que êste assunto é da maior urgência.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal (sôbre o modo de votar): - Parece-me, Sr. Presidente, que o requerimento do Sr. Alberto Xavier vai até o ponto de prejudicar a nomeação duma comissão para proceder ao necessário inquérito ao Ministério dos Abastecimentos.
O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? A proposta de nomeação duma comissão de inquérito tem de ser votada quando se votar na generalidade o parecer n.° 38. Essa proposta não diz respeito a nenhum dos artigos do parecer, e, por consequência, não precisa esperar pela votação dêsses artigos na especialidade.
É aprovado o requerimento do Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Presidente: - Contínua em discussão o parecer n.° 28.
O Sr. Aboim Inglês: - Sr. Presidente: tinha pedido a palavra antes do meu querido amigo Sr. Jorge Nunes ter feito referência, às despretenciosas palavras que aqui proferi ante-ontem, e tinha-a pedido para declarar que em vista de o Sr. Orlando Marçal, ilustre parlamentar, me ter honrado com a inclusão do meu nome na comissão de inquérito que êle julga necessário fazer ao Ministério dos Abastecimentos, tenho a fazer à Câmara a declaração de que de forma nenhuma posso aceitar um tal cargo. Não é por me assustar o pertencer a uma comissão de inquérito, é porque estou convencido de que êsse inquérito não dará nenhum resultado e porque tambêm estou convencido de que êsse inquérito não faz falta. O Govêrno tem a fôrça necessária para proceder contra todos os que criminosamente se houveram no Ministério dos Abastecimentos. O Govêrno tem diante de si acusações tam concretas e tam nítidas que podem ser base suficiente para mandar proceder imediatamente a uma investigação criminal.
Entendo que não devo pertencer a essa comissão de inquérito, porque a julgo desnecessária.
Sr. Presidente: dito isto, e não querendo de forma alguma repetir as considerações que fiz no meu discurso de ante-ontem, devo, no emtanto, levantar a in-
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terpretação que, segundo disse o meu ilustre amigo Sr. Jorge Nunes, deu às palavras que proferi a respeito do Sr. Brito Guimarães. Não podia de forma alguma acusar de desonestidade uma pessoa por quem tenho o maior respeito e a maior consideração.
Ao fazer referência a actos desonestos que se praticaram no Ministério dos Abastecimentos não podia querer englobar a honestidade de S. Exa. o Ministro, homem por quem tenho, repito, a maior consideração e a quem dou o nome de amigo.
Isto não quere dizer que eu deixe de repetir que actos desonestos se têm praticado no Ministério dos Abastecimentos. E, se não sei como hei-de classificar o desaparecimento do original do decreto que fez a reorganização daquele Ministério, não posso de forma nenhuma julgar, que o Ministro tenha a culpa disso; mas não sei como hei-de classificar o acto pelo qual não se podem ver as nomeações que S. Exa. fez. O que sabemos é que ultimamente aparecem nomeados cento e tantos indivíduos, a mais do que a dotação daquele Ministério.
Como é que êsse acto se praticou? Não me pertence a mim, nem à Câmara averiguá-lo. É possível que venha a saber-se, mas não é a nós que pertence investigar.
Vou repetir o que disse a respeito do desaparecimento do Ministério dos Abastecimentos. Como medida isolada, a bem da economia nacional e a bem da moralidade, creio que pouco representa. Como medida isolada, a economia que isso nos traz são uns centos de contos. Mas já que temos a coragem de pretender fazer desaparecer um dos factores contrários ao desenvolvimento da nossa economia, porque não havemos de ter a coragem de atacar todos os outros casos para o seu desaparecimento?
Tenho ouvido aqui falar na conservação dêsse Ministério e na sua remodelação. Gostava que os advogados dessa doutrina me indicassem um único caso em que um serviço entregue àquele Ministério dêsse o resultado desejado. Não sei por culpa de quem, e devo notar que tenho amigos dentro dêsse Ministério, mas tambêm entendo que acima de tudo devemos pôr os interêsses do Estado.
Àpartes.
Com que direito havemos de deixar uma parte dêsse pessoal fora dos serviços e pôr outra parte em outros serviços?
Ou todos, ou nenhum. Há mesmo indivíduos que não estão nos quadros, e têm mais direitos a estar do que outros que a êles pertencem!
Sou de opinião que êsses indivíduos, que não têm direito a estar nos quadros, deviam ir para um quadro auxiliar, sem vencimento.
O Sr. Afonso de Macedo (interrompendo): - Mas há direitos adquiridos.
Àpartes.
O Orador: - Eu vou dizer a V. Exa. quais são êsses direitos adquiridos.
Quando se formou o Ministério dos Abastecimentos preguntou-se porque não pagavam êsses funcionários direitos de encarte e caixa de aposentações, e o Sr. Ministro respectivo disse que não pagavam e que os seus vencimentos deviam ser maiores que os dos funcionários dos outros Ministérios, porque aquele Ministério não seria bem um Ministério, mas mais uma casa comercial onde êsses indivíduos iriam prestar serviços emquanto fôsse necessário. Isto ficou estabelecido, e nestas condições para lá foram os indivíduos que lá estão.
Depois, quando o Sr. Brito Guimarães organizou o Ministério, não se criou uma situação definitiva, tendo-se, porém, aumentado o pessoal com cento e tantos novos empregados. Mas, Sr. Presidente, Bestamos nós em situação de desperdiçar dinheiro?
Há duas cousas que são inconciliáveis: o estado das nossas finanças e a maneira como atiramos dinheiro fora.
É preciso, porêm, não esquecer o quadro negro que pintei nesta Câmara e não retiro nenhumas palavras que então proferi porque, se continuamos o desgoverno em que temos vivido, o quadro negro que pintei ainda é pouco negro para corresponder à verdade, porque não sei como um país que tem poucas receitas só pensa em criar mais despesas.
Disse S. Exa. que eu apresentava êsse quadro negro, mas não apontava o modo de remediar o mal.
A isso devo responder que não sou um depósito de elixires para tantos males
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que afectam a nossa nacionalidade e que não é apenas com o concurso de um Deputado tam ignorante como eu que se podem resolver problemas tam graves.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Nós precisamos dos esfôrços de todos, mas precisamos tambêm duma coragem muito grande para bem dominar os nossos nervos e seguir a nossa consciência, dando remédio a todos os males do que sofremos.
Apontei algumas cousas que era preciso remediar, e mais uma vez repito que a medida do desaparecimento do Ministério dos Abastecimentos, só por si, não é nada.
Impõe-se absolutamente a revisão da obra das ditaduras desde 5 de Dezembro de 1917 para cá. (Apoiados).
Reveja-se tudo para que possamos saber se há alguns escândalos de data anterior a 5 de Dezembro.
É necessário que venham as questões de moralidade e que sôbre elas se façam luz e justiça. Doutra maneira a nossa nacionalidade não pode prevalecer.
Julgo absolutamente necessário o inquérito judicial porque, estou certo disso, êle há-de descobrir ainda mais alguma cousa, além do que já se sabe pelas acusações feitas, embora estas já sejam muitas e graves. Todavia, Sr. Presidente, confesso que tenho a impressão de que a maior parte dêsses factos irregulares não têm origem em qualquer acção criminosa, derivarão, por certo, do desleixo e da ignorância.
Sei de cousas que me dão motivo para assim supor, ou antes, acreditar. Vou fazer, uma citação para exemplo.
É o que se está passando com o açúcar.
O que é que concorre para que comamos o açúcar mais caro $12 em quilograma do que devia ser o seu custo?
Tam somente o desleixo a que foi votada a organização para se fazerem os primeiros contratos.
O Sr. Afonso de Macedo: - E os açambarcadores?
O Orador: - Verá que não são os açambarcadores, na maior parte dos casos, os culpados.
Trocam-se vários àpartes.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço a atenção da Câmara.
Pausa.
O Orador: - Quando surgiram as primeiras dificuldades no abastecimento de açúcares não existia o Ministério das Subsistências. Havia simplesmente uma comissão chamada de Subsistências, de que faziam parte várias entidades, e à qual, imerecidamente, eu tinha a honra do pertencer.
Nessa ocasião foi provocada uma falta artificial do artigo, que a breve trecho se tornava efectiva, visto que a Inglaterra começou fazendo grandes compras do género para abastecer os seus stocks de guerra. Começaram então as restrições.
Quanto a ruim, foi êste o primeiro passo errado dos muitos que se deram na questão das Subsistências. Se se tivesse seguido a orientação de se deixar o comércio livro para que os comerciantes se guerreassem uns aos outros, se o Estado não fôsse previdente, mas tosse simplesmente previdente, se em vez de estabelecer as restrições que levaram muita gente a comprar mais do que necessitava, aumentando assim a carestia da vida, o Govêrno tivesse trazido ao mercado quantidades dos diversos artigos para regular os preços, outra cousa seria a questão das Subsistências.
Apareceu um barco carregado de açúcar vindo de Cuba, oferecido com tal sabedoria e aceito com tal inconsciência que logo no dia imediato apareceu nos jornais a notícia - e todos podem compulsar os jornais dêsse tempo - onde se fazia a apologia da grande compra, chegando-se até a contar os direitos da Alfândega como ganho.
Foi o primeiro acto inábil de quem dirigia êsses serviços.
O açúcar era de tal natureza, era tam preto e tam cheio de terra, que, creio, ainda hoje existem em Lisboa sacos com açúcar que não foi possível vender!
E depois do Ministério dos Abastecimentos ter andado a bater a todas as portas que o salvassem do tal negócio...
O Sr. António Maria da Silva: - Em que data se deu êsse caso?
O Orador: - É já caso antigo.
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O Sr. António Maria da Silva: - Sim, não vá S. Exa. chamar terra às ramas que vieram de Cuba! Tem importância a data em que isso se deu!
O Orador: - Creio que era Ministro o Sr. Machado Santos.
Estamos sofrendo ainda as consequências das ramas de Cuba...
O Sr. António Maria da Silva: - Essas ramas não eram terra!
O Orador: - O que eu sei é que no fundo da chávena aparecia sempre um resíduo que nunca se dissolvia.
O Sr. António Maria da Silva: - O que pode ter sucedido é que alguns comerciantes trituraram as ramas e não as refinaram!
O Orador: - Os açúcares a que eu me referi, e não ramas, eram vendidos directamente ao público pelo Ministério. Mas o público negou-se a comprá-lo e o grande negócio transformou-se numa perda para o Estado de muitas dezenas de contos. Então foi-se oferecer o açúcar aos fabricantes e negociantes, que desde logo impuzeram a condição de vender o açúcar branco sem tabela. O resto sabem-no V. Exa. O açúcar branco passou-se a vender a 2$50 e a 3$ o quilograma, a que foi preciso pôr cobro.
Esta questão dos açúcares tem atravessado vários Ministérios, e, apesar da honradez e indiscútivel boa vontade dos Ministros, jamais deixaram de se sentir enleados em uma trama de que não são culpados.
O Sr. António Maria da Silva: - V. Exa. dá-me licença? É que tem havido, a propósito de abastecimentos, muitos crimes e têm-se acusado nos jornais muitos homens públicos, que mais tarde, às vezes, êsses mesmos jornais defendem. E ainda mais: tantos talentos passaram pelo Ministério dos Abastecimentos, e nunca nenhum averiguou porque, tendo-se comprado arroz em Espanha, êle até hoje ainda não apareceu.
O Orador: - Isso deve-se averiguar, não estamos aqui para outra cousa. Mas eu entendo que para isso não é preciso o inquérito parlamentar, justamente para não cairmos no mesmo que aconteceu aos outros, que é não se apurar nada.
O Sr. António Maria da Silva: - Talvez, se se sonegarem os documentos. Pois se êles até desaparecem dos arquivos, como aconteceu no Ministério dos Negócios Estrangeiros, há tempos!
O Orador: - Devia ser realmente uma cousa muito interessante um inquérito a todos os arquivos ministeriais, especialmente a um que V. Exa. citou, e que anda muito ligado ao Ministério dos Abastecimentos: é o dos Negócios Estrangeiros. Um inquérito a êsse arquivo dava, talvez, para se calarem muitas infâmias que se têm espalhado. Portanto, nós não devemos só tratar do Ministério dos Abastecimentos; faça-se um inquérito a todos os arquivos, principalmente no período momentoso da guerra. (Apoiados). Isso impõe-se a bem da República e do amor que temos pela nossa terra! (Apoiados). Façam-se tambêm não só economias quanto ao Ministério dos Abastecimentos, mas quanto aos outros Ministérios. Já aqui só disse que há repartições onde existem 50 empregados, que não tem carteiras, nem tinteiros, nem lugar. E como deve de haver moralidade numa repartição onde se mandam passear os empregados por não haver lugar, nem que fazer para eles?! (Apoiados).
Sr. Presidente: creio que no Ministério dos Abastecimentos há só uma repartição onde o expediente justifica a existência dos empregados. E mesmo êsse expediente é quási todo de telegramas, pois que num mês se expediram 270 telegramas!
O Sr. António Maria da Silva: - Há serviços da República que entendem que os telegramas são para os casos comuns da vida. Expedem-se ofícios completos, mesmo sem lhes faltarem o "Saúde e Fraternidade"!
O Orador: - É que nesses serviços há falta de orientação - permita-me V. Exa. que eu diga isto.
Aproveito esta ocasião para criticar essa orientação com desassombro, com
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patriotismo e com lialdade. Se os serviços do Estado, aqueles que podem trazer receita para a República, passam a estar hipotecados aos seus empregados, o que será do resto?
Como posso aceitar que, muna greve, toda uma classe se levantasse e pedisse, não só todas as suas receitas, mas ainda mais do que produzem? Creio que só em Portugal se dão êsses casos e já só deram duas vezes para desgraça da nossa terra.
O Sr. António Maria da Silva (interrompendo): - Sabe S. Exa. porque é que isso acontece? Porque anteriormente se elevaram a muito mais os vencimentos doutros funcionários do Estado.
O Orador - S. Exa. tem razão. Eu disse que era preciso cortar nos telégrafos e nos Caminhos de Ferro do Estado, porque foram êsses os primeiros que criaram essa situação. O Sr. Jorge Nunes foi quem teve do tomar semelhante medida obrigado pelas circunstâncias.
Se olharmos para a situação que se criou no Ministério das Finanças, com aquela reforma que é um pavor, porque é que não havemos do dar a todos os empregados públicos o direito de quererem colocar-se em igual nivel?
O Sr. Abílio Marçal (interrompendo): - Isso seria uma desgraça!
O orador: - S. Exa. está dando razão às tintas negras com que pintei êsse quadro. É preciso chamar às cousas pelos seus nomes; é preciso encarar a situação de frente e cortar onde se deve cortar. Temos de olhar para o Ministério da Instrução, onde as nomeações foram superiores aos lugares vagos que existiam.
Para a escola superior de Beja nomeou-se mais um professor, e, não havendo lá verba para lhe pagar, voltou para cá. Sabem porque foi essa anomalia? Tudo incúria, tudo desleixo! É que, para defesa da República, tinha sido suspenso há dois anos um professor que, por uma pena disciplinar, devia ter sido julgado. Mas passaram-se dois anos e o professor que o substituía não chegou a receber os seus honorários porque o Conselho Superior de Instrução não reuniu durante êsse tempo. É preciso acabar com isto. É preciso que entre uma aragem de moralidade que modifique isto, sob pena de desaparecermos! Há pouco tempo foram nomeados dois empregados para o mesmo lugar. De que serve estarmos a perder tempo em trazer êstes factos ao conhecimento da Câmara, se depois, sem respeito pelo Parlamento, se fazem novas nomeações?!
Nem só pelas muitas nomeações se deve fazer reparo. No tempo do dezembrismo criaram-se Ministérios que não são próprios dos nossos recursos financeiros. Assim constituíu-se o Ministério da Agricultura com nove Direcções Gerais e sendo certo que nós somos um país agrícola constatamos com desgosto que todos os agrónomos que existem em Portugal se encontram em Lisboa!
Pouca me importa criar à minha volta uma atmosfera de ódios e de malquerenças. Pessoalmente, reconheço que êsses agrónomos são pessoas honestas por quem eu tenho consideração e entre os quais conto alguns amigos íntimos; mas não venho a esta Câmara só não para agir de acordo com a minha consciência do patriota.
Nós teremos de encetar uma obra do moralização e somos forçados a concordar que não é das cousas que mais dignificam o país o Ministério da Agricultura com nove Direcções Gerais!
Eu entendo que era necessário criar uma comissão de homens bem intencionados, de todos os matizes políticos, para estudarem a forma de cortar cerce tudo quanto sobrecarrega inutilmente o Orçamento...
O Sr. Jorge Nunes disse que eu não tinha indicado remédio para êstes males, mas devo dizer que, se acidentalmente falei na irrigação do Alentejo, foi um apelo que fiz para que as sobras desta bacanal em que vivemos fossem empregues nalguma cousa de útil para as nossas finanças.
Não sou pessimista o creio que estamos ainda a tempo de nos curarmos desta enfermidade moral, mas o que é preciso é que não tenhamos sentimentalismos que nos inibam de cortar o que depaupera o nosso organismo económico.
Quando eu disse aqui há dias que daqui a alguns meses tínhamos a libra a
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30$ e a peseta a 1$, fiz à Câmara a pregunta que hoje se me oferece neste momento: Qual seria o rendimento da Casa Pia e de todas as instituições de caridade?
Com que se pagará ao exército e aos empregados públicos?
O ilustre Deputado Sr. Brito Camacho disse aqui uma grande verdade, qual foi a de que lhe parecia que em Portugal se não tomaria juízo senão quando deixássemos de pagar. E quando nós deixarmos de pagar ainda existirá Portugal? Não haverá nessa ocasião quem nos tire a nossa nacionalidade e a nossa independência?
Por isso é preciso dar remédio, emquanto remédio há a dar.
O Sr. Jorge Nunes ventilou hoje uma questão muito interessante e desculpe-me a Câmara de eu lhe roubar alguns minutos para a ela me referir, pois parece-me que se torna necessário estabelecer uma corrente de opinião parlamentar, já que não pode ser popular, em torno dos problemas que é preciso resolver imediatamente, porque deles pode depender ainda a salvação do país. (Apoiados).
Temos um problema importantíssimo que poderia estar já resolvido, mas não o está porque é nosso hábito complicar as questões mais simples. E em geral fala-se muito nos milhares de cavalos de fôrça das nossas quedas de água, energia essa que por emquanto apenas existe no papel, visto que, apesar de termos várias repartições de hidráulica, passam-se anos e anos sem que se chegue a qualquer resultado, não se sabendo cousa alguma sôbre quedas de água em Portugal.
Ainda que, porém, tais quedas de água existam, fica por isso resolvido o nosso problema industrial? Não, visto que a quantidade de cavalos de fôrça que temos seria insuficiente para as industrias que é absolutamente preciso que se desenvolvam no país.
Temos, tambêm, uma enorme riqueza que devemos salvar. Há sete anos que estou em Portugal e desde então tenho procurado conseguir a nacionalização dessa riqueza, porque entendo que ela tende a desnacionalizar-se. Refiro-me à indústria dos minérios ricos.
Existem no norte do país quantidades enormes de volfrâmio que hoje, na sua grande maioria, estão nas mãos dos estrangeiros. Uma pequena parte dos jazigos encontra-se em poder de portugueses e mesmo essa pequena parte, em vez de estar dividida por vários proprietários, pertence a poucos, tornando-se êstes assim açambarcadores de riquezas como os que açambarcam os géneros de alimentação.
Temos possibilidade de criar indústrias riquíssimas, mesmo em tempo de paz. Há a indústria dos aços e para essa estão destinadas as quedas de água que existem em Portugal. Mas, para Lisboa, para o sul, o desenvolvimento das nossas indústrias depende de uma condição que é preciso não esquecer: é imprescindível que se respeitem as leis, porque a falta de respeito por elas tem feito com que os capitais estrangeiros se retraiam. Como no caso das oleaginosas, as leis desfazem-se por simples telegramas e isto não pode continuar.
Possuímos no distrito de Leiria o carvão necessário para dar toda a fôrça motriz precisa em Lisboa, devendo-se apenas transportar fôrça em vez de transportar carvão.
Fiz uma tentativa para juntar tudo isso na mão de nacionais, porque tenho tido sempre esta preocupação, mas sabem V. Exas. qual foi o resultado? Os capitalistas, em vez de em tal empregarem os 8:000 contos que eram necessários, compraram bilhetes do Tesouro, que são tam rendosos que não permitem a concorrência da indústria.
O Sr. Jorge Nunes fez referência a uma sonda de seiscentos metros, e eu tenho conhecimento duma outra de trinta metros. Esta sonda tem dado a ganhar a um serralheiro para êle e para a família...
O Sr. Jorge Nunes: - A sonda que existe é de seiscentos metros.
O Orador: - Isso pouco importa... O que nós precisávamos era um sistema completo de irrigação em Portugal. Eu tencionava apresentar nesta Câmara um projecto nesse sentido.
Sr. Presidente: o que nós precisamos é trabalhar muito e com ordem. Hoje ninguêm pensa em trabalhar, a guerra trouxe uma moral nova, atira-se com o dinheiro como se êle não custasse a ganhar. É preciso saber dar o valor ao dinheiro.
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Eu creio que em dez anos nós teremos o nosso deficit cerealifero livre.
No meu projecto de irrigação eu entendo que deveria haver um canal que, partindo da cota mais alta do Guadiana, circundasse a serra de êssa e viesse até Cuba.
Houve já quem se oferecesse para êsses trabalhos, mas eu tenho medo dos espertos da nossa terra; tenho muito medo do caçador de concessões que anda aí a farejar onde é que pode meter um pedido de concessão, não para a explorar mas para a ir vender a um terceiro. Eu posso citar um exemplo. Há mais de vinte anos, estudando o rio Lima, vi a possibilidade de fazer ali uma queda de água. Tive ocasião de travar conhecimento com o administrador duma grande empresa mineira a quem indiquei que em tal ponto se podia estudar uma queda de água; êsse engenheiro encarregou outro engenheiro de fazer o respectivo estudo chegando-se à conclusão de que a queda de água não era suficiente para as necessidades da empresa... Mas, Sr. Presidente, qual não foi o meu espanto quando, passados anos, fui encontrar um pedido do queda de água no mesmo ponto, mas, sob outro nome?! Foi um dos tais espertos com os quais, como já disse, é necessário ter cuidado!
Sr. Presidente: não sou dos que julgam que a irrigação do Alentejo se pode fazer por via de canais. Com êste sistema pode-se irrigar muito pouco em Portugal.
Por canais, de rego directo quási que posso dizer a V. Exa. que não se pode irrigar nada, o que não quere dizer que não tenhamos de recorrer a êles como auxiliares...
Eu estou abusando da paciência da Câmara e por isso não me alongarei em considerações, mas devo dizer que há pontos de vista dos quais não podemos fugir.
Temos desprezado até hoje uma das maiores fontes de riqueza - a cortiça - o único produto que durante a guerra se não valorizou, quando é certo que se podia e devia ter valorizado extraordinariamente.
Êsse produto representa hoje uma riqueza de 6:000 a 7:000 contos em ouro, quando podia representar 30:000 a 40:000; e dava-se satisfação a uma classe que diz que se tem pensado mais nos exportadores de cortiça em bruto que propriamente nela.
No princípio da guerra, quando se começou a tratar da questão económica, eu fiz parte duma comissão inter-parlamentar, sem ser parlamentar (veja V. Exa. como são as cousas no nosso país) em que tive ocasião de fazer referência à questão das cortiças, lembrando a conveniência de a mesma ser tratada com carinho.
Nós exportamos principalmente cortiça em bruto. O país que importava mais cortiça nossa era a Alemanha. Importava-a em bruto e mandava-nos depois rolhas, tapetes, etc. Hamburgo era o porto onde se fazia a divisão da nossa cortiça, mas manipulada.
Quando estive na Polónia, tive ocasião de visitar uma fábrica de cortiça e, admirando-me do preço mínimo por que era vendido êsse produto, disse-me o director da fábrica, sorrindo: "Não só admire, porque a matéria prima custa-nos pouquíssimo. Êste produto vem-nos do Portugal quási dado. Há proprietários que ainda nos pagam para que lhe tiremos das propriedades".
Pois bem, não há melhor ocasião para remediar êste mal. A Alemanha foi vencida, e os contratos que existiam é como se não existissem.
A Inglaterra tem sido nos últimos anos uma grande importadora de cortiça, mas não o era de antes.
Nós exportamos mais do que a Espanha, França e Itália, mas não devemos esquecer que a Espanha, além de ser nossa mestra, é nossa concorrente.
Impunha-se uma entente entre os quatro países que mais produzem - Portugal, Espanha, França e Itália - para a valorização dêste produto.
Temos o pôrto de Lisboa; que é uma lindeza, e espaço bastante para fazermos quantas fábricas quisermos.
Sr. Presidente: eu tenho fé, tenho esperança que êste país com os recursos que tem ainda se há-de salvar, mas para isso é necessário que os homens públicos o administrem bem.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando devolver revistas, as notas taquigráficas.
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O Sr. Presidente: - A sessão está interrompida, continuando às 21 horas e 30 minutos.
Eram 19 horas e 11 minutos.
Sessão nocturna
O Sr. Presidente (às 22 horas): - Está reaberta a sessão.
Pausa.
O Sr. Pais Rovisco: - Sr. Presidente: Cheguei hoje de fora e unicamente pelos jornais tive conhecimento do que se tem passado na Câmara a respeito do Ministério dos Abastecimentos. Eu, que pertenço a êste lado da Câmara, donde saiu o actual Govêrno, fui um dos que nas reuniões do grupo democrático, quando se tratava de organizar Ministério, defenderam a formação de um Govêrno partidário. Mas, ao defender a formação de um governo partidário, não se imagine que eu estivesse decidido a dar o meu apoio a todos os actos do Govêrno que se formasse.
O partido a que pertenço possui tradições profundamente republicanas, e um programa que tem procurado defender e manter através de todas as contrariedades. Sempre que um Govêrno saia fora dos princípios traçados nesse programa, eu não me considero, todavia, obrigado a dar o meu apoio a êsse governo, porque não era eu que deixava de ser um republicano democrático, era o Ministro, ou os Ministros que não punham em execução o programa do meu partido.
Pôsto isto, que era absolutamente indispensável que dissesse, para que ninguêm visse nas minhas palavras que eu tinha abandonado o partido a que pertenço, começarei por dizer que as palavras que hoje li nos jornais me surpreenderam bastante por serem proferidas pelo Sr. Ministro dos Abastecimentos. Disse o Sr. Ministro que não tinha conhecimento de crime algum praticado pelos funcionários do Ministério dos Abastecimentos. Isso não é assim, e eu vou mais longe. Eu digo que o Sr. Ministro dos Abastecimentos está incurso no número 3 do artigo 23.° do Código Penal.
O Sr. Ministro dos Abastecimentos conhecia diversos criminosos e, além disso, o Sr. Ministro, que é director da Cooperativa Nacional...
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - V. Exa. está com certeza confundido. O Sr. Ministro dos Abastecimentos não assistiu à sessão, nem tem assistido pelo simples motivo de estar doente. Quem falou hoje e que fez declarações, mas não as que V. Exa. citou, fui eu, Ministro da Agricultura, que estava aqui neste lugar forçadamente, por virtude da doença do Sr. Ministro dos Abastecimentos.
O Orador: - Lamento não estar presente o Sr. Ministro dos Abastecimentos, mas certamente alguns representantes do Govêrno me responderão ao que vou dizer. É o seguinte: O Sr. Ministro dos Abastecimentos é director da Cooperativa Nacional. A Cooperativa Nacional comprou em Ponta Delgada, è casa Bensaúde, 150.000 quilogramas de açúcar ao preço de $50 cada quilograma e que se destinava a ser vendido era Lisboa, acrescido apenas do transporte.
Chegaram a Lisboa êsses 150:000 quilogramas de açúcar, e o director geral do Ministério das Subsistências, quando a cooperativa se propunha levantar êsse açúcar de que já tinha pago o respectivo sêlo para o poder levantar, mandou entregar o açúcar a uma casa comercial, à casa Jerónimo Martins & Filho, ao Chiado, que o vendeu ao preço de um escudo e sessenta centavos cada kilograma.
Há portanto um roubo de 160 contos, mas não se sabe ao certo se essa importância ficou unicamente nas mãos do comerciante do Chiado ou se foi tambêm algum dinheiro para as mãos do director geral.
O Sr. Ministro conhece isto. O Sr. Ministro sabe isto muito bem. O Sr. Ministro disse-me que sabia do caso. E o documento que aqui tenho foi-me fornecido por alguêm da confiança do Sr. Ministro.
Se o Sr. Ministro conhece o facto, como director da Cooperativa Nacional, de que um funcionário do Ministério dos Abastecimentos arrancou 150:000 quilogramas de açúcar a essa Cooperativa para serem vendidos a 1$60 o quilograma por um comerciante do Chiado, do que resultou um roubo de 160 contos, S. Exa. está incurso no n.° 3 do artigo 23.° do Código Penal.
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Nestas condições, e não sabendo como a discussão tem decorrido nesta casa do Parlamento, devo declarar que darei o meu voto a qualquer proposta do Govêrno ou de qualquer Sr. Deputado, que tenha por fim chamar à responsabilidade os criminosos remetendo-os para os tribunais e ilibar de qualquer suspeição os funcionários honestos que haja no Ministério dos Abastecimentos.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Sr. Presidente: O Sr. Pais Rovisco acaba de fazer uma acusação a um Ministro.
S. Exa. ignora que há uma proposta sôbre a Mesa para o nomeação duma comissão de inquérito. Essa comissão verificará com certeza todos os processos e não deixará de tomar conhecimento de todas as acusações que tenham sido feitas ou venham a sê-lo.
Estou absolutamente convencido de que o Sr. Ministro do Comércio e, interino, dos Abastecimentos, não recuará perante as suas responsabilidades, como absolutamente certo estou de que não são nenhumas. S. Exa., porém, dirá de sua justiça. (Apoiados).
Por minha parte, afirmo desde já, sem contudo conhecer os pormenores a que o Sr. Pais Rovisco se referiu, que o Sr. Ministro visado saberá ilibar-se de qualquer acusação, que tenha como injusta. (Apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Pais Rovisco: - Sr. Presidente: a acusação que eu fiz ao Sr. Ministro dos Abastecimentos fica de pé. Por isto: o Sr. Ministro apenas teve conhecimento de que no seu Ministério houve um funcionário que roubou 160 contos, só tinha um caminho legal e justo a seguir - era prendê-lo e remetê-lo aos tribunais.
S. Exa., porém, não o fez, e êsse funcionário continua a ser de confiança do Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Abastecimentos não pode destruir esta acusação, porque os dados que possuo foram-me fornecidos no gabinete de S. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Pena é que essas acusações não tivessem sido feitas na presença do próprio Sr. Ministro.
O Sr. João Gonçalves: - Serei breve, visto que não quero cansar a atenção da Câmara, tanto mais que ela já se encontra devidamente elucidada sôbre o assunto. Desde que se alvitrou a idea de se formar uma comissão que deverá fazer um rigoroso inquérito sôbre os assuntos graves que, aqui, têm sido apontados, eu declaro que aceito êsse alvitre.
Todavia, Sr. Presidente, eu preferia que o Govêrno fizesse as investigações necessárias, por meio das autoridades judiciais, entregando os criminosos aos tribunais.
Estamos num país em que tudo se malsina, em que se queimam os homens com toda a facilidade, e portanto, desde que se apresentou a ideia dessa comissão, eu não quero deixar de, a perfilhar.
Sr. Presidente: o Ministério dos Abastecimentos tem servido unicamente para queimar homens.
Não quero isto dizer que não possa haver ali algumas faltas e faltas graves que já foram apontadas nesta Câmara. Não serei eu que levante quaisquer embaraços a que se apure o que de verdade haja sôbre o assunto.
Eu digo tambêm com o Sr. Aboim Inglês que se há faltas por parte do Ministério dos Abastecimentos, é de crer que tambêm faltas existam da parte dos outros Ministérios, durante o período agitado da guerra. Não vemos, porém, a menor referência a êsse facto. Quanto não se poderia dizer a propósito de fornecimentos para o exército? Mas... neste país só se acerta por engano e as boas palavras só servem para rótulos de partidos e programas de Govêrno.
A todos os momentos oiço falar em moralização dos costumes administrativos, mas a verdade é que se continua na mesma bandalheira de sempre. Tem sido uma verdadeira orgia administrativa. Não sei como o país tem recursos para tanto.
Deve ser muito rico!
Sr. Presidente: com prazer eu veria o Govêrno ou a maioria tomar a iniciativa de propor que se tornasse extensiva a todos os Ministérios a revisão de lugares indispensáveis e desejaria que na próxima sessão legislativa se apresentasse
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um trabalho sôbre essa revisão para não prejudicar os que estavam nomeados, passando-se à situação de adidos com o vencimento de categoria e assim se iria normalizando a situação.
Sr. Presidente: passando à questão do Ministério dos Abastecimentos, devo dizer a V. Exa. que foi com entusiasmo que aceitei a formação dêsse Ministério, porque tocado de ideas socialistas, regosijei-me por ver que o Estado pretendia adquirir os géneros por melhor preço para depois os vender mais baratos.
Tive ocasião de, nesta Câmara, salientar, no tempo do último Govêrno presidido pelo Sr. Afonso Costa, que, por vezes, os géneros eram oferecidos pelo preço de X e mais tarde eram vendidos pelo preço de X mais tanto. Sei que aos governos foram oferecidas propostas para a compra de trigo em condições vantajosas, mas como as cotações que vinham de Londres eram inferiores, não se adquiriu êsse cercal e o resultado disto foi que podendo adquirir-se trigo a menos de $20 o farinha a $29, hoje temos de pagar pelo dôbro. O Estado veio provar à saciedade que não tem aptidões para poder comprar e abastecer o país.
Contaram-me, e para êste ponto chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, que, actualmente, no Ministério dos Abastecimentos parte das suas secções não funciona, está morta.
O movimento do Ministério dos Abastecimentos está muito reduzido. Antigamente podia calcular-se uma média de 600 ofícios, hoje anda por 200. Parte do pessoal não tem que fazer, dorme.
A autonomia dêsse Ministério, já não é a mesma que antigamente, hoje a situação mudou e o Parlamento tem de intervir.
O Estado não tem sabido comprar, pois êsse Ministério não deixa comprar um particular mais barato, como tive ocasião de verificar.
Muitas vezes chegaram a vender-se por conta do Ministério dos Abastecimentos produtos já avariados!
O Sr. Eduardo de Sousa: - E porque é que não se exercia a fiscalização sanitária? Entra o Sr. Presidente do Ministério.
O Orador: - Ainda bem que chega o Sr. Presidente do Ministério para ouvir as minhas considerações sôbre o Ministério dos Abastecimentos.
Tenho ouvido lá fora muita cousa sôbre o Ministério dos abastecimentos.
Tinha eu dito, Sr. Presidente do Ministério, que o movimento do Ministério dos Abastecimentos está muito reduzido; os empregados dormem entregues a uma verdadeira ociosidade.
O número de ofícios, cuja média era de 600, passou a ser de 200.
Êsse Ministério teve vida autónoma, hoje precisa da autorização parlamentar.
Todas as suas funções estão cerceadas.
Também eu disse, Sr. Presidente do Ministério, que o Estado não sabe ser comerciante, não sabe comprar nem vender.
Aqui tem-se falado muito em feijão, e permitam-me V. Exas. a frase: já me sinto empaturrado com tanto feijão!
Houve uma enorme porção de feijão avariado, que mandaram deitar ao mar, tendo ainda de fazer despesa para isso, quando o podiam ter vendido ao guano!
O Sr. Eduardo de Sousa: - Se o quisessem para adubo...
Em vez disso, talvez fôsse para a alimentação.
O Orador: - Já que falei em adubo, lembro-me agora dum caso em que uma firma comercial vendia adubos mais baratos que a União Fabril, mas logo esta companhia baixou o preço.
Não foi isso para beneficiar o público, mas por causa da concorrência.
O Estado tambêm podia fazer concorrência, mas não soube fazê-la; deixemos pois isso para os municípios.
É impossível fixar um preço uniforme de venda para os artigos do norte, do centro e do sul do país, visto que o custo da mão de obra difere muito de região para região.
Sr. Presidente: quanto a transportes marítimos, é minha opinião que o Estado deve evitar tanto quanto possível que fossem das suas mãos para a de entidades particulares.
O fretamento de navios tem dado largos lucros e eu entendo que o Estado, que é pobre, deve aproveitá-los.
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Há tambêm toda a conveniência em que êsses serviços fiquem a cargo do Estado, pois que do facto de ficarem na posse de qualquer entidade particular podem resultar inconvenientes, visto que essa entidade, olhando mais aos seus interêsses do que aos do país, poderia, em dado momento, desviar os transportes de carga dos géneros de primeira necessidade, o que seria grave.
Sr. Presidente: fala-se muito em valorizar as nossas riquezas, em dar aproveitamento a todos os incultos, mas a verdade é que de prático nada aparece.
Algum trabalho que eu apresentei, traduzido em projectos do fomento da riqueza pública, foi dormir o sono dos esquecidos nas comissões respectivas.
Perdi o meu tempo, é o termo.
Relativamente à proposta sôbre a Companhia das Lezírias, posso constatar que o Estado, á data em que a fiz, se tivesse realizado a competente operação, ganharia mais de 1:000 contos.
As comissões desta casa do Parlamento deveriam estudar os assuntos de finanças e de fomento, a fim de nos apresentarem depois o resultado concreto dêsse seu estudo, a ver se assim, o de acordo com o Govêrno, levávamos a nossa cruz ao Calvário.
Relativamente ainda à diminuição de despesas, eu gostaria de ver que se fazia uma revisão do funcionalismo necessário em todos os Ministérios, para depois se realizar essa medida justa: a equiparação dos vencimentos e a melhoria das ajudas de custo.
O que está é uma vergonha!
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Sr. Presidente; não era minha intenção tomar a palavra neste debate, tendo deixado ao Sr. Ministro da Agricultura o encargo de, em nome do Sr. Ministro do Comércio, que se encontra doente, defender a extinção do Ministério dos Abastecimentos.
Mas, tendo entrado há pouco na Câmara no momento em que o Sr. João Gonçalves, aproveitando a minha entrada, me pedia alguns esclarecimentos, eu, sem a preocupação de querer trazer ao debate pontos novos, tantos têm sido os oradores que nele têm tomado parte, pedi a palavra para dalguma forma poder acentuar um ponto que julgo essencial: o que levou o Govêrno a pedir a extinção do Ministério dos Abastecimentos foi o terem cessado as funções dêsse Ministério. É o que me proponho demonstrar. Antes, porém, devo dizer que o Govêrno não apresentou relatório para esta proposta porque, quando assumiu as cadeiras do Poder, encontrou na opinião pública uma tal fôrça para a extinção do referido Ministério que julgou desnecessário tal relatório.
Eu ouvi dizer aqui na Câmara que o Govêrno tinha medo dos inquéritos e, à sombra disso, pediu-se que se fizessem mais uns cinco.
O Govêrno não pediu êste nem os outros; mas se a Câmara entender que a outros Ministérios se deve estender o inquérito, naturalmente para fazer luz sôbre qualquer ponto escuro, não será o Govêrno que lhe diga que não o faça.
O Govêrno não teme os inquéritos, e tanto os não, terno que, tendo o Sr. Ministro do Comércio, ao assumir interinamente a pasta das Subsistências, tido conhecimento de que algumas sindicâncias haviam sido feitas, procurou saber o estado em que elas se encontravam.
Julgo inconveniente dizer à Câmara as razões que levaram o Sr. Ministro do Comércio a informar-se do resultado dessas sindicâncias. Mas foi procurá-las e sôbre cinco encontrou culpabilidade, relegando-as para o Poder Judicial.
Provado fica que o Govêrno não tem medo das sindicâncias, nem dos escândalos.
O que se tem dito nesta Câmara, só por si, justificava a extinção do Ministério dos Abastecimentos. Assim pensa o Govêrno e, ao apresentar a proposta, disse que dela fazia uma questão aberta, aceitando, como é seu dever, a colaboração do Parlamento para aperfeiçoar o projecto.
V. Exas. sabem que os celeiros municipais estão a cargo do Ministério dos Abastecimentos, mas os celeiros municipais tanto podem estar a cargo do Ministério dos Abastecimentos como de qualquer outro Ministério.
Êles são autónomos, vivem absolutamente à vontade, mas, em todo o caso
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estão marcados como pertencendo ao Ministério dos Abastecimentos.
O que encontrou o Sr. Ministro do Comércio? Encontrou um deficit de 4:500 contos.
Trocam-se àpartes.
O Orador: - E o que sucedia com os celeiros municipais sucede tambêm com os transportes marítimos. Êstes tem perfeita autonomia. O Ministério dos Abastecimentos não manda absolutamente nada nos transportes marítimos.
O Govêrno não tinha, nem tem o que se chama uma idea absolutamente precisa sôbre o caso dos navios, para isso nomeou uma comissão de estudo que o habilite a formular um plano completo que traria à Câmara; mas, se V. Exa. se compromete a estudar e a votar já uma lei sôbre transportes marítimos, garanto que no próximo sábado pode ser aqui presente uma proposta fazendo o Govêrno a respeito dela o mesmo que fez sôbre a proposta dos abastecimentos, considerando-a, no fundo, uma questão do Govêrno mas, na forma de a redigir, uma questão aberta.
Pregunta-se qual o número de funcionários que tem o Ministério dos Abastecimentos.
Posso simplesmente dizer que tem um número avultado de empregados e, ainda ultimamente, as diferentes direcções e repartições oficiaram ao Sr. Ministro respectivo dizendo que podiam dispensar grande parte do seu pessoal.
Houve secções e repartições que chegaram a afirmar que podiam dispensar um têrço dos seus empregados, houve uma que dispensava metade, outra que dispensava todo o pessoal porque não tinha serviço a dar-lhe, houve, porém, outra, a da fiscalização, que declarou que precisava de todo o pessoal o não só fez essa declaração mas justificou-a.
A razão que levou os Srs. chefes de secção a dizer que dispensavam o pessoal é simples: é que hoje não há géneros racionados. O regime do livre comércio está em execução e o que ainda há são apenas alguns géneros cujos preços máximos se acham fixados em tabela.
Antigamente, havia muitos géneros que tinham de ser racionados e isto dava em resultado que durante um ano entravam no Ministério dos Abastecimentos cêrca de 25:000 ofícios, o que dava uma média diária de cêrca de 600 ofícios. Sabem V. Exas. qual é hoje essa média? É de menos da décima parte. E assim está explicado que os chefes de secção venham dizer que não precisam dos seus funcionários. Mas não é só por isto.
Sabem V. Exas. que, posteriormente à criação do Ministério dos Abastecimentos, se criou o Ministério da Agricultura cuja função é produzir e em grande abundância, com método, com ordem, para espalhar os géneros por todo o País. Ora eu pregunto: se o comércio é livre, se hoje não há nada racionado, se apenas há preços fixados para um limitado número de géneros, se temos o Ministério da Agricultura, ao qual o dos Abastecimentos recorre quando precisa saber preços e qualidades, porque não há-de o Ministério da Agricultura ficar com uma função que é hoje a única que ainda poderia ter o dos Abastecimentos? Se o Ministério da Agricultura existe e é êle quem produz, por que não sé lhe há-de dar a fiscalização, que é o único serviço que ainda subsiste para justificar o Ministério dos Abastecimentos? Passe-se para lá a fiscalização e estou certo de que ela será exercida com maior vantagem e intensidade.
O Ministério dos Abastecimentos - e aqui termino a minha pequena exposição - foi um Ministério de ocasião, foi um Ministério criado num momento excepcional, e, porque assim foi, quando êle se criou teve ao seu dispor leis especiais, porquanto os governos de então tinham todos ao seu dispor uma autorização parlamentar que permitia ao Ministério dos Abastecimentos exercer a sua acção a tempo e horas, criteriosamente, se quisesse e pudesse. Um género precisa ter um determinado preço ou ser racionado e êsse Ministério, só por si, sem pedir licença a ninguêm, fixava-lho ou racionava-o, e fazia tudo isto com leis suas, com decretos seus, no momento oportuno, justificando-se assim a sua acção. Hoje, porém, a sua função desapareceu por completo.
Se ainda existisse a autorização parlamentar que, à sombra da guerra, permitia fazer variadíssimas cousas - e era desnecessário o Parlamento retirá-la, por-
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que eu já declarei que não quereria usar dela - o Ministério dos Abastecimentos poderia, por exemplo, alterar o preço da batata.
Êsse preço, todavia, está fixado por lei e, nas actuais circunstâncias, sendo preciso alterá-lo, tornar-se há necessário que O Ministério traga ao Parlamento uma proposta de lei nesse sentido.
Findo as minhas considerações, preguntando a V. Exas. se com funções tam restritas, únicamente de fiscalização, se deve manter o Ministério dos Abastecimentos.
O que há a fazer é extinguir êsse Ministério e passar os serviços da fiscalização, contabilidade e transportes para outros Ministérios; é por isso que no final do projecto se pede autorização para modificar a organização dos Ministérios das Finanças, Comércio e Agricultura.
Tenho dito.
O discurso na íntegra, revisto pelo orador, publicar-se há quando S. Exa. devolver as notas taquigráficas.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Encontrava-me presente quando o Sr. Pais Rovisco formulou as suas acusações contra o Sr. Ministro dos Abastecimentos; entendi do meu dever dirigir-me imediatamente a casa de S. Exa., visto que S. Exa. se encontra doente, e ser-lhe impossível comparecer nesta Câmara, para que dêsse as explicações que devia a si próprio, e não à Câmara porque essa desde logo se manifestou no sentido de considerar que S. Exa. tinha procedido honestamente, (apoiados), e S Exa. deu-me as informações que vou expor à Câmara.
O Sr. Ernesto Navarro, Ministro dos Abastecimentos, é, efectivamente, director da Cooperativa Nacional há mais de um ano. Essa cooperativa formou-se em Junho do ano passado, serve 500 a 600 sócios, e tem apenas relações restritas a êsses sócios. O Sr. Ernesto Navarro foi reeleito pela confiança que a êsses sócios mereceu em Agosto do ano findo, e como director dessa cooperativa entabolou relações com a casa Bensaúde para a compra de 150:000 kilogramas de açúcar. A casa Bensaúde que tinha êsse açúcar em Lisboa há seis meses, comprometeu-se a fornecer-lho...
Uma voz: - Não o podia fazer, porque já não lhe pertencia.
O Orador: - Não sei, mas isso nada importa para o caso, porque se alguêm tem de ver com êle é a casa Bensaúde e o Sr. Ministro dos Abastecimentos e não o meu colega, Sr. Ernesto Navarro, director da Cooperativa Nacional.
Obtido o fornecimento da casa Bensaúde a $50 fora da Alfândega, a Cooperativa Nacional fez o seu requerimento ao Ministério dos Abastecimentos, que lhe deferiu, pagando depois, para saída da Alfândega, um depósito do 1.800$.
O Sr. Pais Rovisco: - Foram 1.600$.
O Orador: - Talvez, mas em todo o caso importância inferior a 2.000$, e quando ia para levantar o açúcar o Ministério dos Abastecimentos não deixou. Por qualquer medida governamental, de que o Sr. Ernesto Navarro não só recorda, êsse açúcar foi entregue a várias casas, que depois o venderam a 1$60 e a 1$80.
O Ministro era, então, o Sr. Cruz de Azevedo. E o Sr. Ernesto Navarro, tendo chegado a ocupar a cadeira de Ministro dos Abastecimentos, poderia, se não tivesse a maior das isenções e o maior escrúpulo moral, perseguir os causadores dos prejuízos que a Cooperativa Nacional, de que era director, sofrera. Mas S. Exa. só demonstrou isenção e escrúpulo não usando ou abusando do seu lugar para investigar dos culpados, exigir-lhes responsabilidades e aplicar-lhes o devido correctivo.
O Sr. Pais Rovisco, lançando sôbre o Sr. Ministro dos Abastecimentos uma acusação e incluindo-o no artigo 23.° do Código Penal, andou precipitado, porque esse artigo não tem a mais pequena aplicação.
Ao tempo o director geral dos abastecimentos não era o Sr. Pereira Coelho e basta para o demonstrar ler o Diário do Govêrno, 2.ª série, a p. 335, em que vêm os decretos de exoneração de director geral das subsistências do cidadão Benjamim de Maia Loureiro e de nomeação para o mesmo cargo do Sr. Jorge Botelho Moniz.
Creio, pois, que, com o que acabo de expor, a Câmara não foi precipitada na
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manifestação que fez ao Sr. Ernesto Navarro colocando-o muito acima de qualquer acusação como a que infelizmente se produziu na Câmara. (Muitos apoiados).
O orador não reviu.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Sr. Presidente: devo uma explicação à Câmara: Se há pouco, quando falei, não me referi ao acontecimento, foi porque não estava presente na sala quando o Sr. Pais Rovisco fez a acusação ao Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Jorge Nunes: - Desejava que o Sr. Ministro das Finanças me informasse se a Cooperativa Nacional exerce realmente o comércio ou sê se limita a fornecer os seus sócios. É importante saber-se; porque 150 toneladas para uma cooperativa que tem 500 ou 600 sócios, acho um , consumo exagerado de açúcar; a menos que S. Exa. me diga que a cooperativa fornece Lisboa e o resto do país.
Desejava, mais, que S. Exa. me esclarecesse sôbre se o ofício dirigido pela Cooperativa Nacional ao Ministério dos Abastecimentos, em que pedia licença para poder adquirir determinada quantidade de açúcar, se dizia que êsse açúcar pertencia à Casa Bensaúde.
Se de facto o açúcar da Casa Bensaúde tinha sido requisitado pelo Ministério dos Abastecimentos, essa oferta de 50 centavos o quilograma não podia invocar-se para justificar o permis, porque a firma estava vendendo uma cousa que não era sua, e o Ministério podia ter andado bem negando o permis.
O orador não reviu.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - A Cooperativa Nacional, segundo estou informado, fornece exclusivamente os seus sócios.
O Sr. Pais Rovisco (para explicações): - Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças veio responder à acusação que eu fiz ao Sr. Ministro do Comércio, mas parece-me que S. Exa. não foi muito feliz. Já que o Sr. Ministro das Subsistências me obriga a falar pelo que mandou dizer a esta Câmara eu direi então tudo.
Tenho aqui um papel que está escrito pelo Chefe do Gabinete do Sr. Ministro das Subsistências; é a letra de S. Exa. como se pode verificar. Neste papel, que ponho à disposição da Mesa e da Câmara, é S. Exa. quem diz, não que a cooperativa tivesse requisitado ao Ministério das Subsistências que lhe fôsse entregue o açúcar, mas que a cooperativa comprou à Casa Bensaúde, de Ponta Delgada, êsses 150:000 quilogramas de açúcar e o próprio Sr. Ministro das Subsistências, quando lhe foi presente êste papel, o confirmou.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Eu não disse que o director da Cooperativa Nacional tivesse requisitado os 150.000 quilogramas de açúcar ao Ministério dos Abastecimentos, o que eu disse foi que o director da Cooperativa Nacional tinha entabolado negociações com a Casa Bensaúde e esta lhe respondeu que vendia êsse açúcar a 50 centavos o quilograma pôsto fora da alfândega.
O Orador: - O que fica de pé é que a cooperativa negociou directamente e não por intermédio do Ministério das Subsistências. Estou a constatar factos e os factos são êstes.
E o Chefe do Gabinete do Sr. Ministro que diz que a Cooperativa Nacional comprou directamente à Casa Bensaúde os 150:000 quilogramas de açúcar ao preço de 50 centavos o quilograma, sendo êsse açúcar vendido em Lisboa pela casa Jerónimo Martins & Filho pelo preço de 1$60 centavos.
Fazendo-se as contas, verifica-se um lucro entre 150 a 160 contos, lucro que eu reputo de roubo, porque a casa Jerónimo Martins & Filho, ou por si só ou com mais alguêm do Ministério das Subsistências, tiveram um lucro que não é legítimo.
Trocam-se àpartes.
Vozes: - Mas que tem o Sr. Ernesto Navarro com isso?
O Orador: - Sr. Presidente: não me cega, como há pouco disse, a paixão partidária; a paixão partidária cega-me unicamente até o ponto em que eu entendo obrigação de defender os princípios do programa do meu partido. Não sou eu que
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estou traindo o meu partido, mas sim aquele ou aqueles que saem dêsses princípios.
Ouço um àparte aqui do lado, dizendo que o Sr. Ministro não tem responsabilidade alguma, e o Sr. Ministro das Finanças o disse tambêm, e que o n.° 3.° do artigo 23.° do Código Penal não lhe pode ser aplicado porque o director geral não é o mesmo.
S. Exa. não é formado em direito, não está habituado a aplicar as leis e...
Uma voz: - Mas entende-as.
O Orador: - Parece que não, porque nesse caso devia saber que o criminoso se vai buscar onde estiver. Não precisa estar no local A, B ou C; onde estiver lá se vai buscar.
Se o Ministro tinha de aplicar a lei, uma simples criança percebe isso, e não a aplicou, ficou incurso no artigo 23.° do Código Penal. O Ministro sabe quem é que mandou sair o açúcar, e não podia ser outra pessoa senão o director geral, mas quer fôsse êste, quer fôsse outro, o que é certo é que sé cometeu um crime, e desde que se cometeu um crime, o Ministro, quando muito, o que podia alegar era a prescrição, mas, no caso presente, esta não tinha aplicação.
Disse o Sr. Ministro das Finanças que o Sr. Ministro dos Abastecimentos não classificava isto de crime.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Eu é que não o classifico.
O Orador: - Pouco importa que seja V. Exa. ou o Sr. Ministro dos Abastecimentos, porque em Portugal apenas há um poder encarregado de classificar os crimes e aplicar as penas do Código: é o Poder Judicial.
O Ministro, desde que soube que alguêm tinha infringido a lei, tinha apenas que remeter ao Poder Judicial êsse alguêm para que êste averiguasse se houve crime ou não, e havendo-o, aplicar as penas do Código.
O que está neste papel, que eu ponho à disposição da Câmara, é escrito pelo punho do chefe do gabinete do Sr. Ministro dos Abastecimentos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: - Estranho é que nesta Câmara se produzam acusações, que parecem à primeira vista ter gravidade, como a que produziu o Sr. Pais Rovisco, e que sejam feitas, permita-me S. Exa. que lhe diga, de ânimo leve, sem ser devidamente ponderadas, acusando um homem que ocupa as cadeiras do poder e que actualmente aqui não se encontra por estar doente...
Êste caso não é de hoje; êste caso data de há já muitos meses, e bem poderia o Sr. Pais Rovisco ter produzido esta acusação há mais tempo. Infelizmente aproveitou a ocasião em que S. Exa. está doente e impossibilitado de produzir a sua defesa para dalguma maneira deixar cair sôbre o público uma acusação que não fere só um Ministro da República, mas a própria República. (Apoiados).
Mas está demonstrado bem claramente, pela exposição do Sr. Ministro das Finanças, que o Sr. Ministro, interino, dos Abastecimentos não tem responsabilidade alguma nos factos que o Sr. Pais Rovisco acaba de relatar, senão aquela que resulta de ser director duma cooperativa, mas que só os sócios dela lha podem pedir.
Até mesmo o artigo do Código Penal que o Sr. Pais Rovisco, advogado, citou, não tem aplicação absolutamente nenhuma ao caso, nem mesmo que o Sr. Ministro dos Abastecimentos, interino, tivesse, de facto, responsabilidades. E lamentável é que se produzam assim acusações que são logo aqui destruídas pela base, mas que, dalguma maneira, permanecem escritas como reprodução das palavras dum Deputado desta Câmara. (Apoiados).
Sr. Presidente: eu creio que o caso está inteiramente esclarecido e que não carece de mais palavra alguma de defesa o Sr. Ministro dos Abastecimentos, o qual pode vir tranquilo a esta Câmara para receber os aplausos, de todos nós pela sua honesta gerência no Ministério dos Abastecimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem. Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Alves dos Santos: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra na sessão diurna, não para tratar própriamente do as-
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sunto em discussão, mas para me referir a uma notícia publicada no jornal O Século e que dalgum modo se relaciona com o assunto, notícia que traz o título "A política e os partidos" e o sub-título "A descriminação de responsabilidades dos abusos praticados no Ministério dos Abastecimentos".
Sr. Presidente: eu tenho a máxima consideração pela imprensa do meu país e a de todo o mundo. Sei que a imprensa é o principal órgão da opinião pública e que são importantíssimos os serviços que a imprensa tem prestado. Mas isto não me impede de confessar que a imprensa, muitas vezes mal informada, desorienta, em vez de orientar a opinião pública, como é sua missão.
Assim, a notícia a que me referi, e que O Século lançou para público, merece os meus mais veementes protestos em meu nome e no da minoria evolucionista desta Câmara. (Apoiados).
Nós nunca nos opusemos ao inquérito ao Ministério dos Abastecimentos.
Parece que não está um representante do Século na galeria dos jornalistas e que nos não ouve!
Sr. Presidente: está na Mesa uma proposta minha que exige - exige é o termo! - êsse inquérito que é a verdade pura, doa a quem doer. De resto, isto foi afirmado por mim, a plenos pulmões, e é extraordinário que um jornal de Lisboa publique esta notícia.
Repito: tenho a máxima consideração pela imprensa, mas quando ela publica artigos desta natureza, ela é digna da maior repulsa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra após o incidente do Sr. Pais Rovisco o quando S. Exa., enfática e sentenciosamente, ao terminar as suas considerações, dizia: "fica feita a denúncia dum crime e a acusação dum criminoso".
Eu queria, apenas, dizer a S. Exa. que ficava feita somente a denúncia dum facto, porque a honestidade pessoal do Sr. Ministro do Comércio, interino dos Abastecimentos, reconhecida por esta Câmara, que por êle têm a máxima consideração, está acima, muito acima das acusações do Sr. Pais Rovisco (Apoiados), com o mesmo direito e o mesmo fundamento com que S. Exa. se julga acima de todas as acusações que lhe têm sido feitas fora desta Câmara.
As acusações feitas ao chefe de gabinete do Sr. Ministro dos Abastecimentos caem absolutamente pela base.
Quem está nesta Câmara conhece a honradez, a lialdade dêsse chefe de gabinete, o Sr. Ramos da Costa, que já muitas vezes ocupou êsse lugar e foi nosso colega nesta Câmara.
Ninguém será capaz de afirmar que, estando êsse senhor a trabalhar com um Ministro, seja capaz de vir cá para fora dizer o que lá se tinha passado.
O acto fica apenas com o Sr. Pais Rovisco porque a Câmara não é solidária com êle.
O orador não reviu.
O Sr Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - Há pouco, quando falei, esqueceu-me êste detalhe: o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações e interino dos Abastecimentos lembra-se perfeitamente de no seu gabinete, se ter tratado dessa questão do açúcar, em conversa, estando presente o Sr. Pais Rovisco. Portanto, o Sr. chefe de gabinete, quando tal notícia deu, não cometeu uma inconfidência, visto que o assunto tinha sido tratado em comum com o Sr. Pais Rovisco.
O orador não reviu.
O Sr. Pais Rovisco: - Pedi a palavra unicamente para responder ao Sr. Abílio Marçal. S. Exa. disse que eu fiz acusações ao chefe de gabinete do Ministro. Eu não fiz acusação alguma, e S. Exa. deve ter-se enganado.
Eu apenas disse que êste papel me foi fornecido pelo chefe de gabinete do Ministro. Não sei que acusações haja feito, pois, a êsse senhor. Eu disse tambêm, e S. Exa., se estivesse atento, teria reparado que o chefe de gabinete do Ministro me autorizou a fazer uso do que aqui está escrito, e acrescentei tambêm, se não estou em êrro, que o Ministro me tinha dito, no seu gabinete, que o que aqui estava escrito era a verdade.
Portanto, não se trata duma inconfidência, nem da parte do chefe de gabinete do Ministro, nem da minha.
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Não tenho dúvida em dizê-lo: se eu soubesse que em verdade qualquer funcionário da República não tinha aquele zelo que devia ter, e que a República lhe deve merecer, eu não me consideraria obrigado a calar uma cousa menos séria e menos digna que por acaso se passasse a dentro dêsse Ministério.
Respondo agora à última parte do discurso do Sr. Abílio Marçal. Eu não preciso que nos meus actos tenha alguêm ao meu lado para me defender, para partilhar as minhas ideas o para partilhar as minhas opiniões. Basta que eu esteja bem com a minha consciência e a razão esteja Comigo para eu ficar satisfeito. Além disso, costumo sempre assumir a responsabilidade dos meus actos.
Creio, pois, ter respondido à última parte do discurso do Sr. Abílio Marçal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - V. Exa. levantou acusações contra um membro dêste Govêrno.
O Sr. Abílio Marçal, relator dêste projecto, já respondeu a V. Exa., dizendo que o Sr. Ministro, interino, dos Abastecimentos estava acima de qualquer suspeita. (Apoiados).
A lialdade do Sr. Ministro do Comércio, a sua honorabilidade, o seu recto proceder dentro do Govêrno põem-no a coberto de qualquer denúncia. E esta palavra "denúncia" não é descabida, porque V. Exa., numa parte do seu discurso, disse: "Aqui fica a denúncia". V. Exa. classificou o próprio acto, eu vou apenas discuti-lo.
Na resposta que o Sr. Álvaro de Castro, ilustre leader do Partido Democrático, deu a V. Exa., disse que não havia crime.
V. Exa. disse que, sendo magistrado, reconhecia haver um crime. Não há, insistiu o ilustre jurisconsulto, figura de alto valor moral, que é o leader da maioria a que V. Exa. pertence. Eu digo a V. Exa. tambêm que é com mágua que dêste lugar vejo surgir uma denúncia sôbre um crime que não é provado. Eu, a quem está confiada a mais alta magistratura judicial do país, sinto que essa denúncia seja feita por um magistrado, que é Deputado, com a responsabilidade do lugar que ocupa, fazendo-se eco de calúnias que lá fora se têm levantado sôbre os homens públicos da República. (Apoiados). Eu sei o que são suspeições; eu sei como elas se levantam a cada passo; eu sei como elas se enredam e são trazidas a esta Câmara, infelizmente, por pessoas que tinham obrigação de dignificar o Parlamento. (Apoiados).
Sr. Presidente: o lugar que ocupo obriga-me a ter calma, e farei o possível por mantê-la; mas o ser Ministro não impede de ser homem, e eu sinto-me imensamente maguado por ver ofendido por um ilustre representante desta casa um membro do Gabinete de que faço parte. (Apoiados).
Sr. Presidente: não me parece que nesta questão dos abastecimentos, que tam adulterada tem sido, não sei se bem, se mal, haverá algum membro do Govêrno que não tenha sido particularmente visado. Devo dizer a V. Exa. aqui, muito sinceramente, o que se passou no primeiro dia em que na declaração ministerial o Sr. Presidente do Ministério afirmou que o Govêrno desejava extinguir o Ministério dos Abastecimentos. Disse então o Sr. Presidente do Ministério que, querendo o Govêrno fazer uma política alevantada e nacional, tinha auscultado a opinião pública, e ela queria que fôsse extinto êsse Ministério. Dar plena satisfação à opinião republicana é o que o Govêrno pretendeu fazer com esta proposta de lei trazendo-a à Câmara. Podia ter-se enganado, mas crê ter satisfeito uma aspiração republicana. (Apoiados). Pois nesse mesmo dia, a uma pessoa de confiança do meu Gabinete, constou que lá fora se dizia que era eu, o Ministro da Justiça, que desejava a extinção do Ministério dos Abastecimentos, porque tinha um irmão no Pôrto, dono duma importante mercearia, que queria fazer fortuna. E toda a gente sabe que eu tenho um único irmão, que é magistrado e que não pertence, e com aquela qualidade não podia pertencer, ao comércio. Pois disse-se isso, apesar de eu não ter ingerência nos negócios duma pasta que desconheço.
Houve tambêm alguêm que trouxe a esta Câmara, cousa que mão ignóbil fabricou, um papel em que se diziam as maiores infâmias do Sr. Presidente do Ministério, e em que pretendeu propalar-se ainda que o Ministro da Justiça, como
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auditor do contencioso fiscal, tinha defendido muitos processos dos açambarcadores e que tinha proposto uma amnistia para êsses açambarcadores. Ainda bem que eu tenho êste ensejo para, não como juiz, porque nessa qualidade só aos tribunais superiores tenho de dar conta dos meus actos, mas como Ministro da Justiça, explicar a minha atitude à Câmara.
Sôbre êste caso, é preciso que se diga o seguinte: houve um decreto - e desculpará V. Exa. a minha exaltação que me impede de eu precisar datas - houve um decreto que no momento em que o Contencioso Fiscal estava assoberbado com processos, sendo até preciso chamar mais pessoal para que os serviços corressem com regularidade, que confiou ao tribunal aduaneiro a instrução e julgamento dos delitos e transgressões previstos nos decretos, portarias, editais e avisos que formam a monstruosa legislação do Ministério dos Abastecimentos, inspirada nos atrabiliários e negativos princípios do Dezembrismo.
Nessa ocasião caiu-nos em cima uma quantidade enorme de processos iniciados, precipitada e tumultuáriamente, sem se atender às conveniências da aplicação da justiça, nem à necessidade de punir os açambarcadores.
É claro que imediatamente todo o serviço do Contencioso Fiscal, moroso e complicado, pois admite sempre a instrução contraditória, se tornou quási impossível.
Tinha eu por colega um magistrado distintíssimo, o Dr. António Marcelino Durão, que há pouco fez uma sindicância pelo Ministério do Interior e a respeito da qual publicou um relatório que é mais um título da sua alta competência e da sua firmeza republicana.
Pois êsse funcionário e eu dividimos entre nós todos os processos, trabalhámos aturadamente dia a dia e nós que devíamos sair da alfândega às 16 horas, nunca de lá saímos antes das 18, mas mesmo assim não havia possibilidade de fazer todo o serviço, porque os processos se multiplicavam e porque, diga-se a verdade, embora dos à fiscalização dos abastecimentos, não eram processos regulares de quem quer e punir verdadeiros delinquentes, mas nascidos apenas da ganância daqueles, que organizados em grupo, percorriam os estabelecimentos da cidade, assaltando tudo e todos, conservando as suas vítimas presas no governo civil dois e três dias, até pagarem as multas, cuja quarta parte lhes pertencia.
Se se quiser ver o que tudo isso foi, os processos estão de pé.
Havia criaturas arrancadas ao leito às 2 horas da madrugada por factos que se diziam ter sido praticados três e quatro dias antes e a pretexto de delitos que a lei pune com multa!
Mas era precisa a coacção para arrecadar de pronto as multas no interêsse particular do denunciante e daí as violências!
Os magistrados não as sancionavam, mandavam restituir à liberdade os perseguidos, daí o ódio dos beleguins...
Há pois uma imputação a fazer aos magistrados do Contencioso Fiscal: é que no momento em que a lei era espesinhada, nessa noite tenebrosa em que os maiores crimes tiveram o apoio de tantos que a República ainda não puniu, êles souberam respeitar as garantias individuais e velar por êles. (Apoiados).
Na época tormentosa que atravessámos e em que os auditores do Contencioso Fiscal eram reconhecidos como republicanos, com filiação nos partidos constitucionais, não houve ensejo para os esbirros de Sidónio Pais, que os havia de todas as cores, nos promoverem sindicância e nos tirarem os nossos cubicados cargos.
Todos os processos que passavam pelo Contencioso Fiscal tinham de ser revistos por um tribunal superior, porque sempre que um processo arquivado pelo auditor é de valor superior a 300$, tem de ser revisto e os acórdãos dos tribunais dependem da homologação do Ministro.
Pois nunca um Ministro dezembrista se negou a homologar um só dos nossos acórdãos.
Aqui tem V. Exa. como se faz a história!
Quanto a dizer-se que nós tínhamos feito uma anistia para certos indivíduos, é de notar que fomos solicitados por um Ministro para dizer quais eram as leis que estavam em vigor, porque no Ministério dos Abastecimentos nunca quiseram saber qual era a legislação vigente, mas
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quais os processos que poderiam dar maior número de multas, para sugarem e vexarem todos os republicanos que lhes caíam na mão.
Em vista dessa incumbência, tendo sido decretada a liberdade de comércio, foi elaborado, não por mim, mas em conferência plena dos auditores de 1.ª instância e do da 2.ª um projecto para simplificar o serviço, em que se declaravam quais os processos que deviam ser arquivados.
Aqui tem V. Exa., como as cousas se passaram.
Mas, quanto à honestidade de certos funcionários da fiscalização do Ministério dos Abastecimentos, ocorre-me ainda:
Um dia, dois fiscais entraram numa mercearia e convenceram o proprietário de que subira o preço legal de determinado género e êles mesmo emendaram na conformidade que indicaram o preço do género que estava designado na tabela exposta e, significativa coincidência, horas depois visitavam a mercearia outros fiscais que se deram pressa em autoar e prender o negociante, por ter na tabela preços excessivos.
Faça-se, pois, um rigoroso inquérito e apurem-se responsabilidades.
Sr. Presidente: o Sr. Pais Rovisco, foi acusado num jornal, por um juiz, de querer 40 contos para seu irmão, de mão beijada.
Essa acusação foi feita publicamente, referia-se a um processo pendente no Ministério dos Abastecimentos, e dela tem S. Exa. de defender-se; pois, ainda ninguêm nesta Câmara levantou êsse caso, apezar de o acusador ser um magistrado, e bem se andou no Parlamento não reproduzindo a imputação desde que não aparecera acompanhada de provas.
E, comtudo, no Ministério dos Abastecimentos existe um processo em que se discute o direito de um irmão do ilustre Sr. Deputado interpelante à indemnização por aquela quantia.
Vozes: - Inquérito, inquérito.
O Orador: - Sr. Presidente: foi com verdadeira alegria que vi de todos os lados da Câmara correrem em defesa da honra de quem está inocente e igual contentamento experimentarei quando o ilustre Deputado interpelante desfizer a suspeita, que a seu respeito surgiu na imprensa e que, incidentalmente, veio a êste debate.
O Sr. Pais Rovisco: - Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar do assunto a que se referiu o Sr. Ministro da Justiça.
Há pouco mais de um ano, Sr. Presidente, logo após a eleição de Sidónio Pais para Presidente da República, porque um republicano do Alentejo, chamado Artur Pais Rovisco, votou contra essa eleição e andou fazendo propaganda de abstenção, os monárquicos do Portalegre exigiram do então governador civil do distrito que aquele moageiro no concelho de Avis fôsse castigado pela ousadia de andar fazendo tal propaganda republicana. Efectivamente assim aconteceu. Um dia, o administrador do concelho de Avis, com trinta soldados da guarda republicana, foi à fábrica de Artur Pais Rovisco e apreendeu todo o trigo e toda a farinha que lá existiam, e que estavam vendidas ao Govêrno.
O moageiro Artur Pais Rovisco foi intimado a encerrar a fábrica, a não laborar. A farinha apreendida foi para a administração do concelho do Avis, onde se encontra já podre.
O trigo existente na fábrica foi entregue a outro moageiro da região, não só por preço inferior àquele por que o referido moageiro o tinha vendido ao Grovêrno, mas ainda por preço inferior àquele por que êle o tinha comprado.
Artur Pais Rovisco veio para Lisboa e convidou para seu advogado o Sr. Joaquim Pedro Martins, que instaurou o processo no Ministério das Subsistências. O processo seguiu os seus trâmites e o então Ministro das Subsistências mandou ao concelho de Avis um sindicante, que era monárquico, e, portanto, inimigo político de Artur Pais Rovisco. Êsse monárquico chama-se Manuel de Bragança, primo de D. Manuel de Bragança. Basta o nome para a Câmara ver que se trata dum monárquico.
Êsse monárquico, que era um homem justo, fez a sua sindicância e concluiu o seu relatório, que está no Ministério das Subsistências junto ao processo, onde pode ser consultado, dizendo que Artur Pais Rovisco tinha tido um prejuízo de 35 a 40.000$.s
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Feito o processo era face da sindicância e do relatório, não era sôbre êle dado despacho, apesar das instâncias do advogado, Sr. Pedro Martins. Passou-se tempo e um belo dia o Sr. Pedro Martins vai ao Ministério e ali lhe dizem que o processo tinha desaparecido!
Reclamámos, dissemos que íamos participar o caso superiormente, e então o Director Geral do Ministério das Subsistências acabou por dizer: "Venham por cá daqui a três ou quatro dias, que eu mandarei averiguar onde está o processo". Voltámos depois lá e êle tinha aparecido, mas sem o relatório do sindicante, a peça principal do processo. Pedimos então ao Director Geral que solicitasse ao Ministro que fizesse nova sindicância ou que ordenasse ao sindicante que apresentasse novo relatório, caso ainda tivesse os apontamentos em seu poder. Assim sucedeu. Oficiaram ao Sr. Manuel de Bragança para apresentar novo relatório, e êle apresentou-o, mas o Ministro não se dignava despachar. Passado muito tempo voltámos lá para que o caso se resolvesse, e o processo tinha desaparecido novamente. (Riso).
Ameaçámos o Director Geral de que íamos apresentar queixa em juízo, e o processo torna a aparecer! (Riso).
Já na vigência do actual Govêrno eu tornei a ir ao Ministério das Subsistências para saber em que altura estava o processo, e, como o Director Geral voltasse a dizer que o processo tinha desaparecido, fui dar parte do sucedido ao actual Sr. Ministro das Subsistências:
"Sr. Ministro, disse eu, é responsável pelo processo quem o tinha à sua guarda, e, como o processo estava à guarda do Director Geral do Ministério das Subsistências, venho requerer verbalmente a prisão dêsse funcionário".
O Director Geral era, sem dúvida, o responsável pelo desaparecimento do processo, tanto mais que êle se não podia reconstituir porque tinha apensos documentos que se não podiam obter mais. Desaparecendo o processo, desaparecia a base jurídica.
O Sr. Ministro prometeu que ia tratar do caso, mas tudo continuava no mesmo pé. Por mais de uma vez requeri a prisão do Director Geral, e só depois de dizer ao Sr. Ministro que não podia suportar um crime de tal natureza, e que iria para a imprensa ventilar o caso e obrigar o Sr. Ministro a intervir, só então é que o processo aparece, e aparece com o despacho.
Já êste Govêrno tinha um mês de existência!
O Sr. Ministro daquele lugar chamou-me e disse-me: "aqui está o processo, o processo estava em casa do ex-Ministro." Tinha o despacho, mas via-se que a tinta era fresca. O meu colega sr. Orlando Marçal teve ocasião de verificar isso.
Êste é um caso único, um Ministro, que não o é há mais dum mês, lavra um despacho!
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - Êsse despacho era assinado por algum dos Srs. Ministros?
O Orador: - Eu já disse que estava relatando os factos como se passaram. O processo está lá e pode-se verificar o que digo se isto é verdade ou não.
Uma vez fui ao Ministério e preguntei onde era o gabinete do Sr. juiz Almeida Azevedo, indicaram-me e fui lá, fiz-me anunciar, dizendo que estava ali um advogado que lhe precisava falar. Foi a primeira e única vez que vi o juiz Almeida Azevedo.
Não tenho tido outra interferência no processo, assim como o Sr. Pedro Martins que foi advogado e a quem meu irmão pagou.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - O Sr. Almeida Azevedo fez uma acusação.
O Orador: - O juiz Hoche não fez insinuações apenas à minha pessoa, mas fê-las tambêm a propósito do actual Sr. Ministro da Justiça, e do seu antecessor, Sr. António Granjo, que, segundo me consta, já deu a devida resposta.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - Quando há dias o Sr. António Granjo discutiu aqui a sua atitude como Ministro, eu fui o primeiro a declarar que o que S. Exa. tinha feito, relativamente ao juiz Almeida Azevedo, era o mais justo possível.
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O Orador: - V. Exa. está a embaralhar a questão. Eu não estou a dizer que o Sr. António Granjo não tivesse procedido com a lei na mão e em conformidade com as suas altas qualidades de grande republicano e homem de bem. O que eu disse e repito é que o Sr. juiz Almeida Azevedo lançou acusações, não só sôbre mim, mas tambêm sôbre o actual Sr. Ministro da Justiça e o seu antecessor. É diferente.
Se eu não respondi lá fora, na imprensa, a essa suspeição que o juiz Hoche lançou a meu respeito, foi pela simples razão do que, no dia em que essa arguição me foi feita, ou tive de ir ao Alentejo assistir ao casamento de meu irmão, regressando só hoje, e estando habilitado a responder a semelhante insinuação.
Disse o Sr. Ministro da Justiça que na acusação que eu fiz não houve crime, mas apenas denúncia.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - Eu disse simplesmente que o Sr. Deputado tinha afirmado, e muito bem, que não houve crime. V. Exa. é que classificou o seu acto e não eu.
De resto, ninguêm nesta Câmara terá nunca de queixar-se de qualquer incorrecção que ou cometa para com qualquer Sr. Deputado.
O Orador: - O que eu disse foi: aqui ficam os factos e aqui fica dito que houve um funcionário do Ministério dos Abastecimentos que mandou entregar o açúcar a uma entidade, que ganhou 150 a 160 contos, lucro que eu reputo um roubo.
Disse S. Exa. que não houve crime. Não sei como S. Exa., que é um distinto magistrado, pelo menos e quanto mais não seja está à frente da magistratura judicial do país - fez essa afirmação. Os factos são participados ao Poder Judicial podendo ser participados por um simples requerimento, mas os elementos de prova são, os autos levantados nas administrações dos concelhos ou entidades competentes. No entanto qualquer queixa pode ir para juízo sem êsses elementos e basta um simples requerimento, denunciando um crime ao Poder Judicial e indicando testemunhas, para que imediatamente se peçam responsabilidades ao participante, se a participação fôr falsa, ou se castigue o criminoso com as penas marcadas na lei, se a queixa é verdadeira.
Eu não aproveitei - e com isto não pretendo dirigir-me ao Sr. Ministro da Justiça - a ausência do Sr. Ministro das Subsistências, para vir aqui dizer o que disse há pouco.
Eu sou incapaz de atacar pelas costas. Ataco sempre de frente e quem há pouco se abalançou a fazer uma afirmação dessas sabe muito bem que eu ataco de frente e nunca na sombra, não costumando jamais fazer insinuações a alguêm.
Êsse indivíduo que fez tal afirmação já uma vez, pele menos, me encontrou o sabe muito bem da forma decidida como eu fui e sabe muito bem que nem todos estavam decididos como eu estava.
Nesta Câmara há alguêm que sabe perfeitamente como os factos se passaram. E um caso estranho ao debate e eu não quero aqui tratá-lo; todavia, se a isso me obrigarem, não tenho dúvida em o fazer.
Portanto, eu, que nunca ataquei pelas costas, que ataco sempre de frente, não podia escolher a ausência do Sr. Ministro das Subsistências para dizer o que disse.
Se aproveitei esta oportunidade foi porque estava em discussão a proposta de extinção do Ministério dos Abastecimentos, sendo o momento propício para eu tratar dêste caso.
Não tive culpa do Sr. Ministro se encontrar, infelizmente, doente, mas não podia deixar fugir esta ocasião, a única que eu tinha, para fazer acusações a mais funcionários e pedir que os bons fiquem completamente limpos da sujidade que os rodeava. Foi esta a razão e o motivo da minha conduta.
Pôsto isto, nada mais tenho a dizer, porque parece-me ter respondido a tudo quanto o Sr. Ministro da Justiça disse.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A sessão continua às 14 horas.
Está suspensa a sessão.
A ordem do dia é a seguinte:
Parecer n.° 28.
Emendas do Senado ao parecer n.° 8.
Parecer n.° 8 e todos os outros da ordem de hoje.
Eram 0 horas e 16 minutos.
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Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, autorizando o Govêrno a mandar restituir aos contribuintes do concelho de Chaves as importâncias que a mais lhes foram lançadas no ano de 1918 por ter ficado excedida em 25 por cento a percentagem extraordinária para subvenção aos professores primários.
Para o "Diário do Govêrno".
Projectos de lei
Do Sr. Sousa Varela e mais dez Srs. Deputadas, desanexando da freguesia de Almoster, concelho de Santarém, o lugar da Póvoa da Izenta.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Vergílio Costa, promovendo a tenentes, contando-lhes a antiguidade de 30 de Maio de 1919, os alferes das diferentes armas e serviços que até 28 de Junho, data da assinatura da Paz, tenham dois anos de permanência neste pôsto.
Para o "Diário do Govêrno".
Parecer
Da comissão de finanças, sôbre a proposta de lei n.° 101-N, do Sr. Ministro das Finanças, organizando o quadro dos tesoureiros da Fazenda Pública e fixando-lhes os respectivos vencimentos.
Imprima-se com urgência.
Ofícios
Do Senado, remetendo as alterações ali introduzidas à proposta de lei n.° 18, que fixa o máximo de vencimentos dos funcionários, que determina os vencimentos de aposentação, criando novas subvenções e determinando a forma do reembolso de adiantamentos.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Do Senado, remetendo as alterações introduzidas ali à proposta de lei n.° 120, que abona pensões auxiliares aos funcionários civis e empregados aposentados.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Do Senado, remetendo a proposta de lei ali aprovada que concede à viúva e filhos de Artur Caldeira Scévola a pensão anual de 1.080$.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
QUARTA PARTE
O Sr. Presidente: - Estão presentes 24 Srs. Deputados. Está reaberta a sessão.
Reabriu a sessão às 16 horas e 15 minutos.
O Sr. Ladislau Batalha: - Sr. Presidente: eu tenho por assim dizer a obrigação moral para com esta Câmara e para com o público de dizer alguma cousa sôbre o assunto que está em discussão. Dada a gravidade dêste assunto, certamente o maior depois da questão da dissolução, eu não posso deixar de lamentar que fôsse presente à discussão precisamente quando todos se estão preparando para se retirar. A supressão dum Ministério é assunto tam grande que não pode de modo nenhum resolver-se de ânimo leve; e acerca da extinção do Ministério dos Abastecimentos cumpre dizer alguma cousa dêste lado da Câmara, pelo menos, trazer a esta sala o critério socialista.
Em verdade toda a preocupação que se nota na sociedade portuguesa e na região administrativa resulta da marcha dos negócios públicos terem obedecido sempre mais a interêsses da nevropatia política do que aos interêsses propriamente nacionais que, em verdade, são os últimos a considerar-se.
Abastecimento não é função dos Govêrnos; sobretudo em Portugal tem de ser logicamente função das Câmaras Municipais.
Desde que o Ministério dos Abastecimentos foi criado, e sobretudo pelos termos e bases em que êle se criou, eu previ que não daria nunca resultado. E os factos demonstraram à evidência que êsses resultados não foram benéficos. Se alguma cousa porventura dele tem saído útil, fica por assim dizer abafado diante dos males que dele tambêm têm saído e dos quais já aqui se fez perfeita revelação.
Eu tinha necessidade de entrar neste assunto porque êle é, por assim dizer,
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uma sequência lógica da interpelação que realizei sôbre a carestia da vida.
Vim eu tratando dos interêsses directamente pessoais do proletariado, do povo; vim aqui fazer revelações dos males que se passavam. Surge o problema que está em discussão e mostra-se à saciedade dentro desta Câmara que os males que se dão de baixo partem de cima. E emquanto eu me limitei a apresentar os prejuízos pequeninos, insignificantes, que individualmente vão a cada um, vieram à Câmara revelações de que isso era simplesmente a consequência lógica das grandes prevaricações que partem do alto, à sombra do Ministério dos Abastecimentos.
Portanto, isto é uma continuação da questão da carestia da vida.
Eu disse que o mal fundamental provinha exactamente de nós não nos integrarmos nas tradições, e, por isso mesmo que estamos fora delas, andamos à mercê, sempre num descalabro contínuo.
Se formos ver desde as origens, desde os fundamentos da nacionacidade portuguesa, encontramos sempre o regime de foraleiro. Ainda mesmo com o advento dos primeiros réis, encontramos o contrato bi-lateral, em que mediante a condição, mediante o pago de tomarem por chefe êsses reis, os mesmos reis reconheciam direitos o regalias.
Como estou numa assemblea erudita, todos sabem que o regime de foraleiro é onde primitivamente se consignou a regulação da questão das Subsistências.
Se a monarquia se afastou quanto possível de toda a corrente tradicional para se manter na conservação dos seus foros realengos, à República incumbia ter procurado integrar-se nas tradições nacionais. Não o tem feito, e é a razão porque, a nove anos de existência, continua a lutar com dificuldades, continua a ver-se descalabros por toda a parte.
Um fôro que está fora da sua integração histórica é fôro condenado ou, pelo menos, ameaçado.
A tradição foraleira buscou por todas as formas libertar-se do poder rial, a ponto de, em D. Manuel, a pretexto de unificação de moeda, chamar a si todos os forais fez uma refundição dessas cousas todas; e foi então que começaram a aparecer as ordenações e a pôr-se um pouco de parte essa tradição que era de cidades livres.
Se há país onde a forma federativa coubesse e fôsse bem aceita, é Portugal, que tem por excelência tradições de cidade livre, ligadas pelos beatérios contra as quais tambêm o poder realengo fez todo o esfôrço.
Respeitar essas tradições que a monarquia procurou obliterar, era a missão republicana com o seu advento.
Não há dúvida que encontrou o sistema camarário, e não pode acabar com êsse regime por ser tradicionalista, por ser a continuação das velhas cidades livros mudando de nome.
Ainda pouco antes da República, os republicanos que foram acérrimos na questão da instrução e que pleitiaram pela autonomia camarária, celebraram no Barreiro uma espécie de pequeno congresso de representantes das câmaras.
Tive a honra de assistir a êsse congresso juntamente com o pai do nosso ilustre Deputado Jorge Nunes, que tambêm nele tomou parte e tambêm pleitou pela autonomia das câmaras o pela federação ou liga camarária. Eram as aspirações republicanas a procurarem integrar-se.
Foi pelo menos até o reinado de D. Manuel que houve essa autonomia, depois foi posta de parte, por forma que nós hoje estamos sofrendo as consequências, sendo muito difícil a solução dêste problema. Não podendo nós investir as Câmaras Municipais desta função, criámos o Ministério dos Abastecimentos. Ora a guerra acabou, pelo menos convencionalmente, mas os seus efeitos estão-se produzindo e por consequência a função do Ministério dos Abastecimentos ainda não findou. Agora funcionários houve que não cumpriram lialmente a sua missão, e a esta Câmara veio um verdadeiro sudário, um escândalo, como se diria em França, uma exposição de factos verdadeiramente vergonhosos para nós e para quem nos escuta.
As funções estavam deslocadas, pois elas pertenciam às câmaras municipais, mas já que estão postas no Ministério dos Abastecimentos, fiquem aí.
Confesso que não percebo; quando a situação se está a agravar, quando a carestia da vida continua, é que se vai
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suprimir o Ministério dos Abastecimentos.
Sr. Presidente: é esta uma questão tam grave que não se pode resolver de ânimo leve; ninguêm deve estranhar que esta discussão ainda se prorrogue, pois muito há a dizer sôbre ela.
Sr. Presidente: apesar de todos os ilustres oradores, e que têm apresentado muitos argumentos, êles não têm passado duma demonstração de erros que alguns dos funcionários dêsse Ministério cometeram. Houve prevaricação; é facto, mas isso não basta para que nós votemos no sentido da extinção dêsse Ministério; é preciso mais alguma cousa.
O Sr. Brito Camacho, num discurso que fez, disse que o Sr. Presidente do Ministério, na sua declaração ministerial, propunha a supressão do Ministério dos Abastecimentos, mas não nos dizia claramente qual o destino, qual a orientação a dar a todas as dependências dêsse Ministério.
O Sr. Abílio Marçal: - Passam para os outros Ministérios, assim como passaram dos outros Ministérios para êste.
O Orador: - Nesse caso maior extensão da prevaricação. Vamos diluir a prevaricação por todos os Ministérios.
O Sr. Abílio Marçal: - A maior parte dos celeiros correspondeu à sua missão. Prestaram grandes serviços.
O Orador: - Agora o Govêrno põe a questão e solicita o remédio.
Há aqui dois assuntos a considerar.
Um, o desaparecimento ou continuação do Ministério dos Abastecimentos. Outro, inquérito ou não inquérito.
Uma voz: - Ser ou não ser.
O Orador: - É verdade.
To be or not to be is the question. Ser ou não ser, eis a questão.
Sr. Presidente: a supressão do Ministério dos Abastecimentos, votada neste momento de ânimo leve, constituirá um grave compromisso para o Parlamento, perante o país.
É preciso ter em atenção que o inverno está aproximando-se, e cada vez é maior a ameaça da carestia da vida. Já aqui indiquei que do ano passado até hoje a carestia da vida agravou-se em mais de 72 por cento.
Sr. Presidente: estou certo que só não poderia haver qualquer hesitação em se votar a extinção do Ministério dos Abastecimentos, se o Sr. Presidente do Ministério nos declarasse, sob sua palavra de honra, que o Govêrno se encontra em condições de garantir o abastecimento público durante o inverno que vai seguir-se.
Desde que o Govêrno não faça tal declaração, eu, pelo menos, não votarei a supressão do referido Ministério.
Na explanação dos casos graves que, dizem, têm sido dados naquele Ministério, já se chegou à tentativa de atingir o próprio Ministro dos Abastecimentos.
Sr. Presidente: perante casos desta ordem temos de tomar medidas rigorosas que não devem ser limitadas à nomeação duma comissão de inquérito. Não compreendo que o Govêrno venha delegar no Parlamento uma função que lhe pertence.
Mas... há tanta cousa que a gente não compreende! Assim é, pois, que tambêm não se explica que os indivíduos acusados não se tivessem considerado já suspensos até que os seus actos fossem julgados. Temos aqui o caso suscitado pelas obras do Rossio, em que a comissão administrativa, vendo-se em cheque, pôs nas mãos do seu presidente o pedido de demissão colectiva. Chama-se a isto proceder com dignidade.
O Sr. Domingos Cruz: - Mas como poderão proceder com dignidade aqueles que praticam actos indignos?
O Orador: - A respeito dos casos de crime aqui referidos eu elaborei uma moção que mandarei para a Mesa.
Insisto em dizer que o Govêrno não deve declinar no Parlamento actos que devem ser da exclusiva responsabilidade dele. Vê-se que o Govêrno, apesar de já contar três moções de confiança, dadas pela maioria da Câmara, hesita em arcar com as responsabilidades das investigações sôbre os crimes que se deram num determinado Ministério.
É certo que se pode morrer por falta de água e que tambêm se pode morrer afogado, mas eu posso receiar que êste
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Govêrno morra afogado não em água, mas em tanta confiança que esta Câmara parece dar-lhe.
No meu entender, a questão resolve-se com a minha moção, que vou mandar para a Mesa e diz o seguinte:
Moção
A Câmara, ouvidas as repreensíveis incriminações aduzidas em desfavor do pessoal do Ministério dos Abastecimentos, com o intuito de salvar a dignidade dos atingidos de suspeita e para manter integral o prestígio da República Portuguesa perante a opinião pública, sem a qual as instituições vigentes nunca conseguirão consolidar-se, com grave risco de regresso a situações reaccionárias já condenadas pelas modernas correntes de orientação política, convida o Govêrno a suspender todos os funcionários do Ministério dos Abastecimentos, sem distinção de categorias, sôbre os quais recaiam as suspeições, e a proceder a investigações imediatas para a reintegração dos que provem a sua honestidade e inocência, com reembolso dos seus ordenados vencidos durante o tempo de suspensão, devendo haver procedimento judicial contra os criminosos e culpados.
E continua em ordem do dia. - O Deputado, Ladislau Batalha.
Admitida.
Por consequência termino, dizendo, primeiro, que a resolução acerca do pessoal está exposta na minha moção: segundo, que o Ministério dos Abastecimentos está irrevogávelmente mal colocado, mas que não pode ser suprimido, irreflectidamente. A Câmara não pode, porém, hesitar, desde que o Govêrno venha pela voz do seu Presidente declarar que está perfeitamente prevenido para todas as eventualidades do abastecimento no próximo inverno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pais Rovisco: - Sr. Presidente: tenho pela imprensa o máximo respeito e a maior consideração, e quando outras razões não tivesse para isso, ligam-me relações de amizade a alguns representantes da imprensa que estão na sua tribuna nesta Câmara e que foram meus companheiros, nas escolas.
Mas porque tenho pela imprensa o maior respeito e a maior consideração, não posso deixar passar, sem lavrar o meu mais veemente protesto uma notícia que num jornal de hoje.
Como representante da Nação, e tambêm dentro do programa do meu partido, eu vim dizer ao meu país o que pensava sôbre o Ministério dos Abastecimentos.
O que eu disse foi fielmente reproduzido por toda a imprensa de Lisboa, excepto um jornal.
Êsse jornal parece que não tem nesta Câmara um representante porque em certa altura diz que "segundo informações que lhe foram prestadas..."
Não sei o fim com que se deram informações falsas a êsse jornal, pois dizem essas informações que eu afirmara na última sessão, que o Sr. Ministro dos Abastecimentos era responsável numas irregularidades que tinham dado lucros de 150 contos.
Isso não foi o que eu disse.
O que eu disse foi claramente, que o Sr. Ministro dos Abastecimentos conhecia perfeitamente alguêm que tinha adquirido 150:000 quilogramas de açúcar ao preço do $50 o quilograma e o havia vendido a 1$60.
O jornal a que me refiro é A Vitória.
Lavro contra esta insinuação o meu protesto, por não ser verdadeira, prestando o meu respeito e a minha homenagem ao resto da imprensa de Lisboa que traduziu com verdade o que aqui se passou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: o Govêrno apresentou já há tempo a esta Câmara uma proposta para a supressão do Ministério dos Abastecimentos, e na sua declaração ministerial já o prometera.
Àpartes.
Pois apesar de se dizer há muito tempo que o Ministério dos Abastecimentos não só não correspondia aos fins para que fora criado, mas era pelo contrário um dos motivos do agravamento da carestia da vida, eu confesso que, embora muitas vezes ouvisse referências a êsses factos, nunca as acreditei. Mas com profundo pe-
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zar devo declarar a V. Exa. que o que se dizia lá fora a respeito da maneira como corriam os serviços daquele Ministério estava longe de ser um pálido reflexo do desmembramento e do desleixo que agora se verifica existir numa Secretaria de Estado.
Sr. Presidente: o Ministério dos Abastecimentos foi criado pelo motivo dos graves embaraços que tinham surgido na vida da população, mercê da guerra, e foi criado com o intuito de evitar que, nessa situação anormal, os especuladores pudessem tornar mais difícil do que já era a vida das populações.
Pois, Sr. Presidente, temos hoje que constatar que esse Ministério parece ter sido instituído, não para fiscalizar os desmandos que se quisessem cometer, mas para, de comum acordo com os açambarcadores, tornar mais difícil a vida da população.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. que a questão é sumamente gravo, havendo razão de sobejo para que o Povo não tolere um tal estado de cousas. Não se admite que uma instituição que foi criada para beneficiar as classes populares tam mal compreendesse a função que tinha a desempenhar agravando extraordinariamente a situação económica das mesmas classes.
Justamente numa quadra em que não havia géneros para consumo, verifica-se agora, por declarações feitas nesta Câmara pelo ilustre relator do projecto em discussão, que se desperdiçaram milhares de toneladas de farinha e grandes porções de carne, peixe e outros géneros indispensáveis à vida.
Sr. Presidente: um semelhante atentado não pode ficar impune, para que a administração republicana dê provas perante o país de que em cousa alguma se confunde com o que foi a administração monárquica.
Os funcionários do Estado, a cargo de quem estava a defesa da vida das populações, mancomunaram-se com os açambarcadores para tornar mais difícil a mesma vida.
Está proposta a nomeação duma comissão para proceder a um rigoroso inquérito. Oxalá não suceda desta vez o que muitas vezes tem sucedido, não se alcançando o resultado que se pretende.
E preciso fazer o inquérito e que dele resulte serem metidos na cadeia os autores dos crimes que aqui têm sido citados.
Eu já ouvi dizer que no Ministério dos Abastecimentos não havia propriamente crimes, mas sim desleixos.
Eu pregunto a V. Exa. se não será um crime a prática de actos que resulta para a população a perda de muitos géneros indispensáveis para a sua alimentação.
O Estado não pode ter ao seu serviço empregados que por desleixo, inaptidão prejudicam o Tesouro. Se êles não tiverem dinheiro para pagar os prejuízos que acarretaram ao Estado que vão para a Cadeia Central pagar com os ossos. A República precisa chamar à responsabilidade êsses funcionários.
Diz-se que, embora seja nomeada uma comissão de inquérito, nada se apurará.
É preciso que o Govêrno desminta com factos êsses boatos.
Se êsses actos se praticaram, é preciso chamar à responsabilidade, castigando severamente êsses funcionários.
É preciso que os funcionários públicos que não zelam os interêsses do Estado, sofram graves consequências pelas faltas cometidas ou menos dedicação ao serviço.
O que se tem passado com o Ministério dos Abastecimentos, é o descrédito do funcionalismo público que não dá ao Estado um trabalho útil, profícuo e honesto que tinha obrigação de dar.
Ainda não há muito tempo que nesta casa do Parlamento, ao apresentar ao Sr. Ministro das Finanças e Orçamente Geral do Estado afirmou que 28 por cento das receitas do Estado são gastas nos serviços públicos, para sustentar o pessoal.
Isto não pode ser, porque traz o descrédito e despretígio para a República e por isso não pode consentir-se.
O funcionalismo público tem a obrigação de zelar pelo bom nome da República, a fim de que ela se imponha ao respeito e consideração de todos.
A carestia da vida é uma questão grave, porque ela pode trazer amanhã graves consequências. A carestia da vida não cessa, como parecia dever ter cessado ao terminar a guerra. Aumenta todos os dias de uma maneira pavorosa.
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Todos os dias os jornais noticiam aumentos de salários, porque a verdade é esta, ninguêm já sabe como há-de viver.
Não há salários, ou ordenados que cheguem, absorvidos pela ganância dos especuladores.
É uma questão que não pode continuar.
O Govêrno tem de olhar para esta elevação constante da vida, senão amanhã podem dar-se colisões em todo o território português que porão em grave risco a tranquilidade pública.
Sr. Presidente: o Ministério dos Abastecimentos com êste pessoal ou com outro já não será bem aceite pelo público, que não espera nada de útil dêsse Ministério.
Sr. Presidente: impõe-se uma medida de larga iniciativa e essa medida pertence ao Govêrno, mas essa medida é necessário que se adopte.
A cidade de Lisboa, está quási sem géneros para o seu abastecimento. A carne que estava a 1$ já aumentou $10 e tudo é assim: uns géneros desaparecem, outros estão mais caros. Não há razão para os géneros estarem mais caros, nem para faltar a carne, pois no nosso arquipélago temos bois suficientes para abastecer não só Lisboa, mas todo o país.
Sr. Presidente: esta questão das subsistências tem de ser resolvida por uma vez, castigue-se quem deve ser, mas energicamente, para prestígio da República que é o símbolo da Pátria.
O Sr. Abílio Marçal, ilustre relator do projecto que se discute, disse-nos que o Crédito Predial, caso escandaloso passado no tempo da monarquia, era uma brincadeira, um episódio, ao pé dêstes escândalos.
Peço licença a S. Exa. para dizer que não estou de acordo.
O caso, verdadeiramente escandaloso, do Crédito Predial foi mais grave do que êste, e assim o mostrámos nós ao país, pois era um caso de alta moralidade, que demonstra como era feita a administração pública no tempo da monarquia.
Sr. Presidente: é preciso que nos deixemos de sentimentalidades e se castigue rigorosamente quem prevaricou; nisto vai o bom nome da República, o seu prestígio, a sua honradez.
Sr. Presidente: faça-se já o inquérito, mas sôbre aqueles que recaiem suspeitas exerça-se a vigilância, até mesmo a prisão, para não fugirem.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: - Estamos, creio eu, no final do projecto relativo à extinção do Ministério dos Abastecimentos, e ontem notou-se nesta casa do Parlamento que esta discussão, após a votação na generalidade, fôsse interrompida para dar lugar à discussão das emendas que o Senado apresentou ao projecto da Constituição.
Sr. Presidente: desde já o digo, não estou do acordo com semelhante idea. Admira-me mais ainda que a Câmara tomasse tal resolução.
Não pode ser semelhante cousa, para honra desta Câmara e do regime político em que vivemos.
Diz-se que estamos em frente de disposições legais, e que são leis da República todas aquelas que não são derrogadas, e que continuam a ser leis da República as que foram promulgadas antes do Ministério Relvas.
Sendo esta uma lei da República, que até êste momento temos de respeitar, pregunto: Se um artigo que se inscreve numa lei desta categoria permite ao Ministro prover em primeira nomeação as vagas dêste Ministério, se isto se pode incluir nesse princípio legal, como podem criaturas sem folha corrida, para serem funcionários públicos, serem nomeados?
O Ministro pode, na criação dum Ministério, nomear quem entenda, por urgência de serviço público, mas o que se não pode admitir é que os nomeados sejam pessoas com processos burocráticos intoleráveis, que não tenham idoneidade moral e intelectual.
Pode admitir-se que um funcionário público na segunda-feira tenha toda a idoneidade, mesmo que tivesse praticado crimes, e que na terça-feira já não tenha êsses requisitos?
Pregunto se, depois desta proposta de lei ser convertida em lei, continuam recebendo os proventos do cofre do Estado os indivíduos atingidos pelas graves revelações feitas nesta Câmara, e que no Ministério não têm nada que fazer?
De propósito votei o adiamento da discussão do parecer da revisão constitucional, mas salvaguardando o meu voto, pa-
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ra que não fôsse a solução menos digna do meu carácter; por isso votei, mas reservei-me o direito de dizer a V. Exa. e à Câmara que ela não podia fechar sem ter feito uma cousa que no momento é mais vantajosa do que votar o projecto.
Estou já à espera da reedição de toda essa campanha que em tempo se fez contra mim.
Quando foi da constituição do Ministério do Trabalho tinha tambêm um artigo naquele sentido, mas o artigo merecera a aprovação do Parlamento. Quere dizer, eu tinha já a minha responsabilidade ligada com a aprovação quási unânime dos votos das duas Câmaras. Ainda assim permitiu-me êsse artigo nomear quem quis, sem limite, apenas com o limite que me impunha a honorabilidade de quem ocupa uma cadeira de Ministro.
Não nomeei ninguêm que não satisfizesse ás condições legais. Mais tarde, nesse torvo período do dezembrismo, a criatura, que era conhecida nos jornais pelo sobriquet de capitão de cavalos, quis ir indagar da respeitabilidade que tinha presidido às nomeações.
Pois, Sr. Presidente, pediu a folha corrida a todos, pediu as habilitações a todos e verificou, com honra minha, que quási todos tinham mais habilitações do que aquelas que a lei exigia. Até para empregos de categoria mínima como, por exemplo, os escriturários do Ministério do Trabalho, nomeei indivíduos que têm mais habilitações do que hoje se exige para primeiros oficiais e para chefes de repartição. Percorra V. Exa. a lista de todos êsses funcionários e verá quem é que dentro da República tem sempre harmonizado as palavras com os factos. Raras vezes tenho encontrado nos meus antagonistas políticos a autoridade sequer para me discutirem quanto mais para me verberarem.
Êstes factos levam algum tempo a narrar à Câmara, mas essa narração não é em pura perda.
Estou habituado, na política, às cousas mais estravagantes e, por isso, quis chamar a atenção da Câmara para que, amanhã, com uma competência fantástica, alguêm não se permita a liberdade de dizer: agora, que já cá temos a dissolução, a especialidade fica para depois.
Podem agremiar-se, de repente, alguns indivíduos, podem agenciar-se os meios de publicidade, mas para êsses indivíduos há sempre uma justiça emanente. Os homens não são realmente iguais.
Lamento, Sr. Presidente, que não esteja presente o Sr. Aboim Inglês, porque é para mim sempre doloroso referir-me a pessoas que estão ausentes.
Sr. Presidente: já aqui foi dito por mim, em várias sessões, que temos que administrar e que essa administração deve ser subordinada a um plano geral e não fazermos obra episódica.
O Sr. Aboim Inglês aconselhou vários meios, mas ainda tambêm de carácter episódico.
Não tenho horror a nenhuma classe e tenho por todas igual respeito, e tambêm entendo que num país não se vive de lutas de classes, mas realmente não chego a saber bem qual o significado verdadeiro da expressão "forças vivas".
Não sei! São homens ricos? São industriais? Serão agricultores? Serão comerciantes? Não sei.
Sei que há criaturas que trabalham e são proveitosas ao seu país porque produzem e que há outros que tambêm produzem, mas são contra o seu país, e são elementos não proveitosos, é todos querem ser fôrças vivas. Não entendo!
Eu entendo uma agricultura, um comércio florescente, e compreendo a existência dum certo número de homens que, embora se enriqueçam comerciando, façam a felicidade do país; mas que contrariem a colectividade e estejam sempre do lado da ditadura e do egoísmo, êsses não podem merecer a minha consideração.
Infelizmente, eu tenho de confessar que muitos daqueles que se chamam as "forças vivas" são inimigos da República eu noto que essas, "forças vivas" são constituídas por criaturas que são fácilmente acomodatícias.
Nas interrupções que fiz ao Sr. Aboim Inglês frisei vários factos que êle, com a nobreza do seu carácter, confessou que eram irregulares, mas que não derivavam das funções do Ministério dos Abastecimentos actual.
Muitos dos actos praticados pelos homens que têm tido ingerência nesses assuntos têm sido condenados na imprensa, numa verdadeira campanha.
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Disse o Sr. Aboim Inglês que se devia ter deixado o comércio lutar entre si.
Isso podia-se permitir num país diferente do nosso, com outra educação e outros hábitos.
A verdade é que se deve preguntar se, no momento crítico da guerra, alguêm teria o direito de enriquecer à custa da miséria alheia.
Eu quereria que alguns dêsses cultores das "fôrças vivas" me dissessem; eu quereria que alguns dêsses cultores se lembrassem de obter receita exactamente nos proventos mal adquiridos do tanta gente.
Quando Ministro do Trabalho, disse muitas vezes nesta Câmara, numa luta extraordinária que levou uma série de dias, que o comércio, a indústria e a agricultura tinham o direito de ser mais do que um distribuidor dos produtos que possuíssem ou agenciassem.
Divergiu-se muito, mas, cousa curiosa, pediu-se ao Ministro dêsse tempo que comprimisse os açambarcadores. Chamaram-se as classes e nesse tempo não havia Ministro dos Abastecimentos, havia uma comissão onde ponderava o que se chama as "fôrças vivas". E curioso era que, na maior parte dos casos, se tratava de saber se tal ou qual classe podia ganhar mais ou menos.
É fácil, Sr. Presidente, pretender desvirtuar as nossas intenções, é fácil vir dizer que o Parlamento não tem razão de ser, que devemos entregar isso às fôrças vivas, aos homens de competência. É certo que em alguns países se entregaram êsses serviços a homens de competência, mas deram-lhes os meios para êles poderem agir, o que não sucede em Portugal.
E sabe V. Exa., Sr. Presidente, porquê? Porque sempre a política se meteu de permeio.
Não há maneira de administrar o país, não há maneira de fazer uma obra proveitosa, não há maneira de comprimir um orçamento ou arranjar medidas que obviem aos inconvenientes derivados daquela página sangrenta que apresentou o Sr. Ministro das Finanças, sem os políticos estarem de acordo. Mas alguns políticos não estão de acordo senão quando pensam pela sua cabeça.
Era natural que muitas pessoas que têm pregado no país e têm mostrado os seus elixires, de há muito tivessem encontrado na terra portuguesa muita gente que lhes levasse à urna o seu voto.
Não há o direito de dizer que o Partido Republicano Português não se tem importado com a administração dos dinheiros públicos.
Percorra V. Exa. a história política desde as Constituintes, veja os Ministros que têm passado por aquelas cadeiras e verificará, talvez, que um grande número, não direi o máximo, cabe a pessoas que não estavam filiadas no Partido Republicano Português.
Desejo que êsse inquérito se faça, não só ao Ministério dos Abastecimentos, mas a todos os outros.
Verifica-se por isto que os homens são quási todos da mesma massa. Uns com mais energia, outros com menos energia, uns mais cuidadosos com os dinheiros públicos, outros menos - embora isto desagrade a alguns dos seus correligionários.
A carestia da vida tem um aspecto curioso. Uma classe grita que à vida está cara e que outra já tem mais e que por isso tem direito a aumento de vencimento. Depois vem outras, dizendo que há desigualdade de vencimentos. Essas gritam tambêm e o desnivelamento do Tesouro é cada vez maior; a vida é cada vez mais embaraçosa; a administração publica é cada vez mais difícil; mas alguêm importa-se com isso? O que importa é saber o partido que há-de ocupar aquelas cadeiras. Com o resto ninguêm se importa.
Apelei mais uma vez para os camaradas dos outros partidos para arranjarem um plano de administração política, com soluções tambêm para os problemas financeiros e económicos. Responderam-me que essa obra só se podia realizar com sete ou oito Fuschinis; de maneira que nunca mais se ajustou, pelo menos, por uma forma digna.
Compreende-se que os homens do mesmo partido são mais estreitos em conceder solidariedade.
Mas, se damos êste triste exemplo aos inimigos da República de não nos entendermos nestas duas partes fundamentais - a parte financeira e económica do país - não tem razão de existir o princípio político que sempre defendi.
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Pregunto: Para que serve estar no poder, ou ser Deputado? Tenho autoridade para falar assim.
Nunca trouxe projectos de lei que não tivesse o prazer de os ver convertidos em lei, mesmo quando não era Ministro. Porque se não faz isso? Para que vem desacreditar o sistema político, pelo qual tenho dado a vida tantas vezes?
Não é essa a forma de o acreditar.
Apresentou o meu querido amigo o Sr. Abílio Marçal uma proposta para a nomeação duma comissão.
Sr. Presidente: eu afirmo desde já a V. Exa. que dou o meu pleno voto a esta proposta, entendendo, porem, que, para que ela seja verdadeiramente exequível, se torna necessário que o projecto seja votado na especialidade. Não temos necessidade alguma dêsse Ministério que, como V. Exas. sabem, foi criado por causa do amuo duma determinada criatura. Meteu-se para êsse Ministério toda a gente que aparecia, e eu, que, quando fui Ministro, tinha deixado nos cofres públicos mais de 300.000$ de receitas, devido às economias que me julguei obrigado a fazer em face da guerra, tive a infelicidade de constatar que pouco tempo lá se demoraram pelos esbanjamentos que se deram. Não houve comissão que se não inventasse, não houve criatura que se não nomeasse para lugares dos mais rendosos.
Até se inventou uma comissão especial que no próprio Ministério era conhecida pelo nome de "comissão de vigarismo político". E de então para cá, tendo-se legislado muito, mas com poucas inovações, eu fui extraordinariamente vingado. Não houve nome que me não chamassem; não houve infâmia que não produzissem contra mim, e eu inteiramente descansado, porque sabia que havia de chegar o meu dia. É claro que essas infâmias eram sempre anónimas, nunca se sabia donde partiam.
Se eu quisesse responder a essas criaturas, se pretendesse imitá-las, talvez as tivesse suplantado, porque muitas cousas teria de dizer, mas não ficaria bem com a minha consciência, toda dada à bondade, por entender que nada ganhávamos com retaliações. Foi essa arma que mais contribuiu para a queda, da monarquia.
Recordam-se V. Exas. da campanha extraordinária que se levantou a propósito da legislação por mim promulgada!
Lembro-me de que muitas vezes, em Conselho de Ministros, eu dizia: "que pena tenho que o Parlamento não esteja sempre reunido. Que, tristeza eu tenho de usar de autorizações".
Infelizmente, porêm, não se deu assim. A maior parte do tempo em que fui Ministro tive a infelicidade de ver o Parlamento fechado.
Quando aqui apresentei a chamada lei das subsistências eu fiz disso uma questão aberta; não fiz questão de nenhum dos seus artigos. Só queria que o Parlamento colaborasse comigo irmãmente, a fim de fazermos uma obra proveitosa. Não tive, porém, quem satisfizesse o meu desejo. Alguém no Senado atacou extraordinariamente a minha proposta e, quando, dias depois, êsse alguêm era meu colega no Ministério, vendo que as contrariedades surgiam de momento a momento, sendo necessário aplaná-las rápidamente, êsse alguêm dizia-me: "Efectivamente é mais fácil criticar na cadeira de Senador do que resolver na bancada ministerial. Você tem realmente razão".
Assim foi, Sr. Presidente, que tudo esqueci. Esqueci toda essa campanha que me fizeram, não fiquei com ressentimento algum contra essas criaturas que me apontaram faltas que muitas delas tinham cometido.
Triste política esta, que mais duma vez nos tem levado a esta situação.
Eu espero pela forma como foi posta a questão do Ministério dos Abastecimentos que ela seja resolvida com honra para nós todos.
Sr. Presidente: o meu desejo é desmascarar muitos políticos, que são mais tartufos do que políticos.
Sr. Presidente: se o inquérito se fizer nas condições em que deve ser feito, havemos de ver a isenção de muitos que se dizem que são as fôrças vivas.
Eu sempre fui atacado porque há poucos como eu que tenham a coragem de atacar êsses tartufos.
Eu tenho a recordação do que foi essa célebre negociação para a aquisição de matérias primas para a confecção de latas para conservas, e todos sabem como se fez essa campanha em articulados nos
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jornais; tenho bem á idea do que foi essa campanha.
Eu lembro-me do que se dizia na imprensa, que era preciso cortar a cabeça dos que defendiam a nossa intervenção na guerra, e lembro-me dessa campanha deletéria e pertinaz dos jornais da capital que, apesar dos espaços em branco, publicavam aquilo que lhes davam licença para publicar e não devia ser consentido.
Àpartes.
Tudo isto não é segredo para ninguêm, e lembro êstes factos a propósito do Ministério dos Abastecimentos porque êsse Ministério está ligado a tudo que diz respeito à nossa política da guerra.
Dizia muito bem ontem o Sr. Brito Camacho, em resposta a um àparte que lhe fiz, notando que o inquérito havia de averiguar toda a verdade a êsse respeito, dizia muito bem S. Exa. que muitas criaturas com êsse inquérito haviam talvez de perder a posição que hoje têm, e eu dei apoiados.
S. Exa. tem toda a razão, porque decerto haveria, com êsse inquérito bem feito, criaturas que ficariam liquidadas para sempre, se é possível liquidar moralmente de vez alguêm no nosso País.
Zangou-se alguêm porque no Parlamento fora afirmado por quem para isso certamente tinha razões, que Sidónio Pais era germanófilo.
Isso deu ensejo para se fazer um escândalo num jornal por êsse facto.
Eu entendo que andou muito bem quem assim procedeu.
A moagem foi um dos meus maiores inimigos, pois foi nela que eu vibrei o maior golpe. Quem é que se atrevia aqui nesta Câmara a chamar-lhe o que eu lhe chamei?
Disse tudo o que era verdadeiro, apontei todos os factos criminosos, até o roubo, pois se provou que o Estado estava sendo roubado impunemente.
Sr. Presidente: se Sidónio Pais não era germanófilo, os seus actos mostraram bem o contrário, pois nem respeitou o compromisso que havia de mandar tropas para França, não dando assim garantias de vida e êsse organismo que se tinha formado, e aceitou a cooperação duma política abjecta e hedionda.
Se êste homem não era um germanófilo, era um traidor. (Apoiados)
Era traidor, tanto mais que se aliou com os peiores inimigos da República para conseguir essa revolução, êsse acto abjecto, êsse movimento que enlutou a história da nossa nacionalidade.
Eu sabia que êle conspirava, e entendia que melhor era a forma de prevenir do que remediar. Não quiseram assim. Foi muito mais custoso para o Estado, e se podem pagar os estragos dos assaltos e saques, as vidas daqueles que heroicamente se bateram é que não têm indemnização possível.
É preciso que encetemos a obra redentora de administração pública. É uma obra de conjunto. Todos devem colaborar nela. Sendo assim, e havendo ainda no país muitas fontes de riqueza a explorar, eu pregunto se se poderá realizar em vinte e quatro horas um plano, que deve ser vasto, de ressurgimento nacional. Não. Serão necessários alguns anos. O Parlamento terá um grande papel nessa acção, mas se nos dividirmos era lutas estéreis de política nós não conseguiremos fazer qualquer cousa de útil e a República irá para o abismo.
Cada um de nós não será um Messias. Devemo-nos unir uns aos outros para produzir trabalho útil e fecundo a favor da grande obra da salvação da Pátria e da República. Se assim fizermos bem mereceremos do país. Se não o fizermos tornar-nos hemos os principais culpados da sua ruína.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Está encerrada a discussão.
O Sr. Nuno Simões: - Peço a V. Exa. que me informe se a Mesa recebeu alguns telegramas das câmaras do Douro sôbre o projecto de lei que está na ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Estão sôbre a Mesa alguns telegramas nesse sentido.
O Sr. Nuno Simões (para explicações): - Sr. Presidente: quero fazer notar à Câmara que êsses telegramas são da máxima importância, não porque se refiram a um projecto que é da minha iniciativa, mas porque mostram bem quanto necessária e urgente é a aprovação dele.
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Em Novembro tem de começar a fazer-se a fiscalização dos vinhos do Pôrto. Se assim não suceder, o Douro corre risco de ver perdido todo o seu esfôrço a favor duma das principais fontes de riqueza nacional. Estou certo que a Câmara não dará por findos os seus trabalhos sem que tenha sido votado êste projecto de lei, que se reporta a um produto de exportação que representa hoje a maior verba da nossa balança económica.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Sr. Presidente: tomo a palavra para juntar as minhas instâncias às que foram feitas pelo Sr. Nuno Simões. É de grande necessidade que a Câmara vote o projecto de lei n.° 55, visto que se refere a assunto da máxima importância para a economia nacional.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.
A proposta de lei n.º 38 a que se refere o parecer n.° 33, aprovada há dias nesta Câmara, vem da Imprensa com um engano de redacção no artigo 1.º
Foi êrro tipográfico fazer-se aqui a citação do § único; deve ser § 1.º Peço à Câmara que autorize a Mesa a ordenar a devida rectificação.
Foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se na generalidade o parecer n.° 28.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se as moções.
Leu-se na Mesa a moção do Sr. Orlando Marçal.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se.
O Sr. Brito Camacho (para interrogar a Mesa): - E simplesmente para fazer esta pregunta, por intermédio da Mesa, aos autores das propostas: Uma comissão eleita nos termos da proposta do Sr. Orlando Marçal, ou doutro Sr. Deputado, fica com poderes judiciários de modo a poder interrogar testemunhas, a poder entrar quando quiser nas repartições públicas, a poder intimar indivíduos de qualquer categoria, em suma com poderes que a habilitem a bem cumprir o seu mandato?
O Sr. Abílio Marçal: - Eu tinha pedido a V. Exa. a palavra para um requerimento. Eu desejava requerer que se consultasse a Câmara sôbre a prioridade para a votação da moção do Sr. Nuno Simões e prioridade para a votação da minha proposta.
O Sr. António Fonseca: - O que V. Exa. mandou em primeiro lugar para a Mesa é uma proposta de resolução, e não uma moção. E, regimentalmente, as moções são as primeiras a votar-se.
O Sr. Presidente: - Efectivamente o Regimento assim o determina no artigo 115.°, e se porventura se leu em primeiro lugar a proposta do Sr. Orlando Marçal, foi por equívoco, derivado dêste Sr. Deputado ter classificado a proposta de moção.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Abílio Marçal.
Leu-se na Mesa a moção do Sr. Nuno Simões. Foi aprovada.
Leu-se na Mesa a moção do Sr. Alves dos Santos. Foi rejeitada.
O Sr. Afonso de Macedo: - Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, deu o mesmo resultado.
Leu se na Mesa a moção do Sr. Eduardo de Sousa. Foi aprovada.
Ficaram prejudicadas as moções dos Srs. Augusto Dias da Silva e Ladislau Batalha.
Leu-se na Mesa a proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se.
O Sr. Brito Camacho: - Ainda se não respondeu à minha pregunta. Eu queria saber se a comissão ficava com poderes judiciários. Recordo-me de que certa vez, a propósito da nomeação duma comissão de inquérito, o Sr. Afonso Costa, jurisconsulto e professor de Direito, propôs um aditamento para que à comissão fossem dados poderes judiciários. E como não sei se há alguma disposição legal nesse sentido, insisto na minha pregunta.
O Sr. Abílio Marçal: - Ao fazer a minha proposta era meu intuito, sem dú-
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vida, que a comissão de inquérito ficasse com todos os poderes para levar a cabo com completo êxito todo a sua missão, e essa missão não pode levar-se a cabo sem que lhe sejam conferidos os poderes necessários, não só para punir quem tiver delinquido, mas para afastar os empregados que possam constituir um embaraço para exercício dessa mesma missão.
Eu creio, respondendo ao Sr. Brito Camacho, que a minha proposta está redigida em termos que exprimem bem o meu modo do ver sôbre o assunto, visto que dá à comissão todos os meios do que ela carecer para o sou completo êxito, mas se o Sr. Brito Camacho, ou qualquer outro membro desta Câmara, entender que êsses poderes devem ser dados por uma forma expressa e categórica, nenhuma dúvida tenho em apresentar um aditamento neste sentido.
O Sr. António Fonseca: - Sr. Presidente: a pregunta do Sr. Brito Camacho precisa realmente duma resposta, mas parece-me que uma simples interpretação não é bastante para servir de explicação.
O que se me afigurava melhor era, ou consignar-se que a comissão tem expressamente os poderes a que o Sr. Brito Camacho se referiu, ou então autorizar-se o Sr. Deputado, autor da proposta, a substituí-la por outra mais clara.
Foi autorizado o Sr. Abílio Marçal a fazer um aditamento à sua proposta.
Aprovada a proposta - com aditamento - do Sr. Abílio Marçal, é prejudicada a do Sr. Orlando Marçal.
O aditamento é o seguinte:
Proposta
Aditamento à minha proposta: Nos poderes conferidos à comissão indicam-se os de instrução criminal e entrega dos criminosos ao Poder Judicial que lhe prestara todo o auxílio bem como as autoridades policiais, e os de suspensão de todos, os funcionários a quem julgue dever aplicar essa penalidade ou medida preventiva. - Abílio Marçal.
O Sr. Abílio Marçal (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que se continui na discussão, na especialidade, dêste projecto, até final.
O Sr. Brito Camacho (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: parece-me que sem malsinar as intenções de ninguêm, se poderá supor que dum lado da Câmara existe o propósito de não discutir a reforma constitucional, alongando a discussão do Ministério dos Abastecimentos.
Não tenho a pretensão de intervir de forma a remover esta dificuldade, mas apenas me anima o desejo de dizer francamente à Câmara o que entendo a êste respeito.
E minha convicção que se a Câmara proceder de maneira a que não vote a reforma constitucional, ou a vote sofismada, essa reforma que não se fez com votos far-se há com tiros.
Sôbre isto não tenho dúvida nenhuma, porque responde por estas palavras a vontade do país. É necessário considerarmos que se não votarmos nós a dissolução, outros nos virão impô-la, com argumentos a que só não pode resistir.
Dito isto, eu desinteresso-mo por completo, não apenas do projecto dos abastecimentos, mas de todos os trabalhos da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva (sobre o modo de votar): - Eu não entendo a razão que levou o Sr. Brito Camacho a não querer que se prossiga na discussão do projecto que está pendente.
Diz S. Exa. que é esta uma maneira de evitar que se discutam as emendas do Senado, relativamente à reforma constitucional. Não atinjo qual a relação existente entre a discussão do referido projecto dos abastecimentos e a não votação das emendas da reforma constitucional.
Que direito tem S. Exa. para fazer uma afirmação dêste quilate? Qual o direito que tem S. Exa. para lançar insinuações sôbre o procedimento dêste lado da Câmara? É esta a fórmula que S. Exa. usa para pacificar a família portuguesa?
Eu afirmo que ninguêm sairá daqui sem que o princípio da dissolução esteja votado.
Não, queremos tiros mas tambêm não queremos ser vexados. Não somos nós que nos temos enganado; nós queremos a união entre a família republicana, mas é indispensável que os outros nos respei-
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tem, e havemos de conquistar êsse respeito dê por onde der.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: fui realmente o autor do requerimento para se prosseguir na discussão dêste projecto porque entendo que a sua votação é absolutamente necessária para prestígio da República. Os factos têm-se agravado e ainda ontem aqui se levantaram questões em que uma onda de lama chegou até as cadeiras do Ministério.
A situação tende a agravar-se o que faz com que eu não possa ceder perante a ameaça de quaisquer tiros. Eu já saí daqui uma vez corrido a tiro pelos amigos do Sr. Brito Camacho, mas não quero sair hoje a tiro por encobrir um acto de imoralidade.
Sr. Presidente: todos os regimes estão sujeitos a actos de imoralidade e corrupção, o que se impõe é evitá-los.
Quando eu vi fazer um requerimento para que se votasse nesta Câmara a dissolução parlamentar eu supus na minha ingenuidade que o parecer da comissão fôsse feito em conformidade com o do Senado, mas qual não foi o meu espanto quando vi que êsse parecer abria um conflito com o Senado. Ora é um caso desta ordem? que se pretende votar de afogadilho.
Podem vir os tiros, mas o que eu digo é que se torna absolutamente necessário discutir até o fim a questão de moralidade de que nos temos estado a ocupar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: não tinha intenção de usar da palavra, mas, como o Sr. Abílio Marçal disse que o parecer da comissão, assinado por mim como presidente, tinha aberto um conflito com o Senado...
O Sr. Abílio Marçal: - Conflito de ordem jurídica.
O Orador: - Não conheço no parecer da comissão de revisão constitucional uma palavra sequer que possa ferir o Senado ou qualquer membro dêste Parlamento ainda que tenha o espírito jurídico mais severo.
Estranho e lamento que um Sr. Deputado, e Deputado da maioria, acusasse a comissão de revisão constitucional a que pertenço, e a que pertencem Deputados da maioria, de criar com êsse parecer e com as suas palavras um conflito com o Senado. S. Exa. falou com tal exaltação e gesticulação que parecia querer esmagar as criaturas que tinham tido a audácia de ter a sua opinião e firmá-la com o seu nome.
Tenho o maior respeito e consideração pelo Senado, mas, como Deputado e como parlamentar, tenho o direito de discordar da sua opinião e de contra ela votar, porque está mesmo êsse direito consignado na Constituição da República Portuguesa.
Lamentei e lamento que êste incidente se tivesse levantado, embora, me pareça, tem pequeno vulto, porque todos tem tempo e oportunidade, pelas suas palavras e pelos seus actos, de se colocarem diante do país de maneira que êle os saiba apreciar nas suas intenções e os saiba apreciar na obra útil, necessária e oportuna que tem de se fazer não só no campo político, e é essa agora a hipótese, tratando-se de revisão constitucional, mas no campo económico e financeiro.
Não tinha nem tenho pressa em fazer novas declarações sôbre a questão constitucional, porque já as fiz, nem agora tinha a intenção de pronunciar quaisquer palavras que perante o povo português, perante a Nação, me colocassem ao lado daqueles que querem já a discussão constitucional ou dos que a não querem.
Mas, como a questão tem pouca importância, eu creio que se pode continuar na discussão da extinção do Ministério dos Abastecimentos. Creio, repito, que a discussão não pode ir muito longe, mas se ela se prolongar o país saberá observar aqueles que querem, não já retardar os trabalhos parlamentares, mas, talvez, evitar a discussão da revisão constitucional.
Votarei, de facto, para que se continue na discussão da extinção do Ministério dos Abastecimentos, na certeza de que essa discussão não poderá ir além da sessão da noite.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Abilio Marçal: - Eu tenho pelo Sr. Dr. Álvaro de Castro muita consideração e uma grande admiração.
Dentro desta Câmara e a propósito dêstes acontecimentos eu ainda ontem fiz mais uma vez a S. Exa. a afirmação da consideração que me merece. E tendo pedido a palavra para êste requerimento eu dirigi-me a S. Exa. a pedir-lhe autorização para o fazer.
Por consequência, e porque nunca tive nem tenho o desejo do desconsiderar S. Exa., estranho que assim se interpretassem tam mal os meus intuitos.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Abílio Marçal.
Leu-se na Mesa o n.° 1.° do artigo 28.°, que foi aprovado sem discussão.
Foi lido o artigo 2.° e pôsto à discussão:
O Sr. Eduardo de Sousa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de emenda, para que as palavras são transferidos sejam substituídas pelas palavras são removidos.
Parece-me melhor a escolha dêste vocábulo, porque cheguei à conclusão de que aquilo não é um Ministério, mas uma autêntica montureira dos abastecimentos e transportes.
Não quero dizer com isto que todo o funcionalismo dessa montureira deva ser por igual avaliado pelo mesmo padrão.
Não. Já o ilustre Deputado Sr. Jorge Nunes leu à Câmara um documento assinado por alguns funcionários dêsse Ministério - 10 por cento da totalidade - pedindo o inquérito de que aqui se falou.
Sr. Presidente: desde 5 de Outubro para cá tem-se feito uma intensa campanha para o aproveitamento das competências e selecção dos competentes. O resultado, porém, tem-se visto, e êste Ministério é um verdadeiro caleidoscópio para essa apreciação. Afigura-se-me, portanto, que se tem feito uma autêntica chantage com os termos competência e competente; visto que não atribuem êste significado à capacidade técnica, moral ou intelectual, mas simplesmente se entende por competente aquele que exerce a struggle for life recorrendo a todos os meios, quer à violência quer à intriga, numa rivalidade doentia de ocupar os mais altos cargos do país.
Estas são as competências que temos visto assinalarem-se neste como nos outros Ministérios.
Sr. Presidente: parecem-me bastantes estas considerações para justificar a modificação que eu proponho a êste artigo e que a Câmara aceitará como entender.
O orador não reviu.
Foi admitida e aprovada esta proposta de emenda.
A Câmara aprovou o artigo 2.°, salva a emenda.
Entra em discussão o artigo 3.°
O Sr. Abílio Marçal: - Mando para a Mesa duas, propostas de emenda ao artigo 3.°
São as seguintes:
Proponho que no artigo 3.° se eliminem as seguintes palavras "Direcção Geral dos serviços e comércio agrícola". - Abílio Marçal.
Proponho que no artigo 3.° se eliminem as palavras "Direcção dos Serviços Agrícolas". - Abílio Marçal.
Admitiria e aprovada.
Aprovado o artigo 3.°, salvas as emendas.
Foi pôsto em discussão o artigo 4.º
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 4.°
É a seguinte:
Artigo 4.° Passando os das mercadorias dos navios ex-alemães, suas arrematações e vendas com o respectivo pessoal a funcionar junto dos serviços da exploração do pôrto de Lisboa.
a) As mercadorias dos navios ex-alemães existentes no Pôrto ficarão adstritas à alfândega daquela cidade. - Nuno Simões.
Admitida.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: envio para a Mesa uma proposta de emenda, chamando para ela a atenção do Sr. relator.
É a seguinte:
Artigo 4.° Substituir no artigo 4.° as palavras "a funcionar junto do pôrto de Lisboa" por "para o Ministério". - Jorge Nunes.
Admitida.
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O Sr. Abílio Marçal: - Declaro, em nome da comissão, que aceito a emenda proposta pelo Sr. Nuno Simões.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: não compreendo bem qual a razão por que o Sr. relator dá a preferência à proposta do Sr. Nuno Simões, visto que ela pede que não estejam subordinadas à Exploração do pôrto de Lisboa as mercadorias dos navios que são adstritos à barra do Pôrto. É exactamente para evitar essa confusão que eu mando a minha proposta para a Mesa, reforçando a do Sr. Nuno Simões.
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se autoriza que eu retire da Mesa a minha emenda, visto concordar inteiramente com a do Sr. Jorge Nunes.
S. Exa. foi autorizado a retirar a sua proposta de emenda.
Foi aprovada a proposta do Sr. Jorge Nunes e o artigo 4.°, salva a emenda.
Entrou em discussão o artigo 5.°
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 5.°
Admitida e aprovada.
A Câmara aprovou o artigo 5.° salva a emenda.
Aprovado o artigo 6.°
Foi pôsto em discussão o artigo 7.°
O Sr. Afonso de Macedo: - Mando para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 7.°
É a seguinte:
Proponho que ao artigo 7.°, no final, se aditem as seguintes palavras: "depois de visados pela comissão de inquérito parlamentar". - O Deputado, Afonso de Macedo.
Rejeitada.
Rejeitada em contraprova requerida pelo Sr. Deputado apresentante.
Entrou em discussão o artigo 8.°
O Sr. Abílio Marçal: - Mando para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 8.°
Admitida e aprovada.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar um aditamento ao artigo 8.°
É o seguinte:
Artigo 8.°:
Acrescentar a êste o seguinte: "sendo-lhes pagas as gratificações a que legalmente tinham direito, emquanto desempenhavam as suas funções no Ministério dos Abastecimentos". - O Deputado, Jorge Nunes.
O Sr. Abílio Marçal: - Aceito o aditamento do Sr. Jorge Nunes com a pequena alteração de ficar sendo o § único do artigo.
Aprovado o artigo 8.° salvas as emendas.
Foi aprovado o artigo 9.°, e entrou em discussão o artigo 10.°
O Sr. Abílio Marçal: - Mando para a Mesa uma emenda, que é mais de revisão de imprensa do que propriamente de matéria.
Admitida e aprovada.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que ao artigo 10.° entre a palavras: "extinto" e "inspector" substituir "e" por "e do". - O Deputado, Abílio Marçal.
O Sr. Costa Júnior: - Mando para a Mesa uma proposta de substituição.
É a seguinte:
Artigo 10.°:
Suprimir as palavras: "e o inspector de celeiros e seu adjunto". - O Deputado, Costa Júnior.
O Sr. Presidente: - A proposta de V. Exa. está prejudicada com a aprovação do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Costa Júnior: - Então eu retiro-a, se a Câmara me consente.
Autorizado.
Aprovado o artigo 10. °, salva a emenda.
Foi pôsto em discussão o artigo 11°
O Sr. Costa Júnior: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar à consideração da Câmara duas propostas sôbre o artigo 11.°, atendendo a que os lugares
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a que êste artigo se refere só servem para fazer despesa ao Estado, sem que nenhuma utilidade tragam.
Admitida e aprovada.
São as seguintes:
Artigo 11.°:
§ 2.° Os lugares de inspector de celeiros e o seu adjunto são suprimidos. - O Deputado, Costa Júnior.
Artigo 11.°:
Eliminar as palavras: "o inspector de celeiros e o seu adjunto transitam para o Ministério das Finanças. - O Deputado, Costa Júnior.
Foi aprovado, sem discussão, o artigo 12.º
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 13.°
Lê-se na Mesa a seguinte proposta de substituição:
Que o artigo 13.° seja substituído por: "Logo que o Govêrno tenha procedido à classificação o distribuição de todo o pessoal ao serviço do Ministério dos Abastecimentos - atribuição que lhe é conferida por esta lei - de harmonia com o quadro de distribuição de pessoal, suas atribuições e vencimentos do decreto n.° 5:787-G, todos os funcionários que excedam êsses quadros serão considerados adidos, na efectividade de serviço, com os vencimentos que recebiam à data da publicação desta lei. - O Deputado, Jorge Nunes.
O Sr. Vergilio Costa: - Sr. Presidente: eu entendo que êste artigo não pode ser aprovado tal como está redigido e eu peço para êle a especial atenção da Câmara.
A aprovação do artigo 13.° vai lançar na miséria muitas famílias, além de representar uma preterição de direitos adquiridos dos funcionários que foram nomeados nas mesmas condições de todos os outros.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - Mas fora dos quadros.
O Orador: - Foram nomeados por decreto e encartados, pois fazem, como todos os outros, os seus descontos para a Caixa de Aposentações e pagam o seu imposto de rendimento.
E depois, Sr. Presidente, V. Exa. e a Câmara sabem que a distribuição do pessoal no Ministério dos Abastecimentos não obedeceu a um critério justo, foi feita muito ad hoc. Há pessoal adido que tem mais tempo no Ministério do que muito pessoal que está na efectividade do serviço. De maneira que entendo que a Câmara deve aprovar a proposta de substituição do Sr. Jorge Nunes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: - O artigo da proposta em discussão contêm a mesma doutrina que a proposta do Sr. Jorge Nunes. Certamente que o Ministro não vai despedir empregados que tenham direitos adquiridos.
O Sr. Jorge Nunes: - Por meio de decretos nomearam-se indivíduos que não estão no quadro e que são considerados como adidos, porque quando se fez essa classificação não se atendeu à competência. Fui uma questão de palpite.
Neste momento o Sr. Ministro vai com o seu critério, tambêm por simpatia pessoal ou política, dizer os que devem ficar e os que vão para a rua.
Os que foram admitidos e que estão no quadro podem não ser os mais antigos e os mais competentes.
Pregunto: onde está o artigo suficientemente claro para dar satisfação ao que se contêm na minha proposta?
Pregunto a V. Exa. se não há aqui a fobia aos funcionários do Ministério dos Abastecimentos?
Se vamos fazer um trabalho justo e honesto, porque o que não fôr isto é um trabalho desonesto, pregunto se não há necessidade de modificar êste artigo de forma a garantir a todos os mesmos direitos?
Eu já sei o que sucedia se, porventura, se não estabelecesse êste princípio: é que amanhã seriam dispensados todos aqueles que não conviessem, não ao serviço, mas a quem politicamente dirigia essa instituição.
Sabemos o que isso é.
Portanto não é sem o meu mais veemente protesto que isso se fará.
O orador não reviu.
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O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: o caso, em toda a simplicidade, parece-me ser êste.
O Ministério dos Abastecimentos tem actualmente 711 empregados; os quadros dêsse Ministério estão, como se costuma dizer, a abarrotar, mas, além dos quadros, organizados com uma grande largueza, há 87 empregados que não têm quadro nem repartição e que pertencem ao Ministério dos Abastecimentos.
Como se fez isto? Da seguinte maneira:
Fez-se primeiro a nomeação dos 711 empregados; feita essa nomeação, alongaram-se os quadros, tanto quanto possível, começando-se então a distribuir êsse pessoal por todos os quadros.
Disse o Sr. Jorge Nunes que nessa distribuição, feita ou por palpite ou por influências políticas de qualquer ordem, se não respeitaram direitos de cada um e ficaram adidos funcionários que já deviam pertencer aos quadros e vice-versa.
Mas a aprovação da proposta do Sr. Jorge Nunes daria em resultado que êsses 87 funcionários, que lá existiam, a mais, ficariam reconhecidos como funcionários do Estado na disponibilidade, mas vencendo como se estivessem em exercício.
Dizia eu, portanto, que se devia deixar o artigo como está porque quando o Ministro lá chegasse e, pondo em execução esta lei, começasse a fazer uma revisão e mandasse para a rua alguns empregados que tivessem direitos adquiridos, êsses empregados poderiam recorrer aos tribunais, ao passo que nós agora, admitindo-os e dando-os como bons funcionários, íamos misturar os que tinham direitos adquiridos com os que os não tinham.
O Ministério dos Abastecimentos, já sobrecarregado com um quadro enorme de funcionários, ficaria ainda com um stock de 87 funcionários considerados em disponibilidade, mas como se estivessem em exercício.
Como relator não posso dar o meu apoio a essa proposta.
Parece-me que a disposição da proposta ministerial é mais de aceitar do que a da proposta do Sr. Jorge Nunes.
O orador não reviu.
O Sr. Nóbrega do Quintal: - Ninguém tem o direito de duvidar da boa fé com que aqui falo. Estava inscrito na generalidade do projecto e desisti da palavra para que não se dissesse que eu queria, por intuitos de baixa política, fazer obstrucionismo, mas a disposição do artigo 13.° obriga-me a usar da palavra para declarar que concordo com a proposta do Sr. Jorge Nunes.
Há, da parte de muita gente, uma espécie de fobia contra os funcionários do Ministério dos Abastecimentos. Eu não tenho de defender êsses funcionários e muito menos os açambarcadores que desejam a extinção dêsse Ministério, pois nesta questão não olho a interêsses, mas simplesmente à justiça. Os funcionários do Ministério dos Abastecimentos foram nomeados por um decreto com fôrça de lei, decreto que tem a mesma fôrça legal do que outros que nomearam outros funcionários, como os do Ministério da Instrução.
O Sr. Abílio Marçal, para justificar a sua declaração de que negava o seu voto à proposta do Sr. Jorge Nunes, disse que os funcionários do Ministério dos Abastecimentos eram tantos que aquele Ministério estava a abarrotar; mas isso não sucede só ali, dá-se em todos os Ministérios. Os abusos que, segundo se diz, se praticaram naquele Ministério, e eu estou convencido de que não se praticaram nem durante nem depois da gerência do. Sr. Brito Guimarães, de maneira alguma justificam a sua extinção.
Eu conheço a maior parte dos funcionários que foram nomeados pelo Sr. Brito Guimarães, e devo dizer a V. Exa. que êsse Ministro, apesar de ser um marechal do Unionismo, foi de tal isenção que a maior parte dêsses funcionários são democráticos. Os escândalos que nesse Ministério se praticaram são do tempo do dezembrismo, e é um lamentável equívoco que se tem feito, o supor-se que foram praticados pelos funcionários nomeados pelo Sr. Brito Guimarães.
É necessário que a discussão corra de maneira a não parecer que temos a fobia contra êsses empregados, alguns dos quais são bons republicanos. Êsses funcionários foram nomeados por decreto que tem juridicamente a mesma importância, o mesmo valor que os decretos que fizeram nomeações para outros Ministérios. (Apoiados).
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O Sr. Presidente: - V. Exa. quere terminar o seu discurso, ou ficar com a palavra reservada?
O Orador: - Termino as minhas considerações. Entendo, como o Sr. Jorge Nunes, que êsses funcionários devem ficar com os seus direitos completamente garantidos.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: - Pregunto a V. Exa. se continua a discussão além das 19 horas.
Parecia me mais conveniente prosseguir a sessão o interromper-se depois.
Requeiro que consulte a Câmara nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Devo dizer que tenho noutros dias interrompido a sessão às 19 horas, para começar às 21 e 30, porque tenho cedido a instâncias de Srs. Deputados que assim o desejam.
Todavia hoje, se os Sr. Deputados entendem que a sessão devo continuar, não tenho que me opor. A Câmara é que decide.
O Sr. Abílio Marçal: - O meu propósito era continuar-se na discussão do parecer até se votar.
O Sr. Presidente: - Nesse caso continua a discussão do parecer.
O Sr. Joaquim Brandão: - O que se pretende fazer é uma obra de profunda injustiça, tanto mais que a Câmara deve proceder de harmonia com o parágrafo 1.° do artigo.
Sr. Presidente: isto está em absoluto e profundo desacordo com a lei de 14 de Julho de 1913.
Sr. Presidente: desde que tem havido um espírito tam benévolo em favor dêstes empregados não se compreende que para outros que estão em situação inferior, não se proceda de igual forma.
Portanto se a Câmara votar o artigo 13.°, tal como está redigido, faz uma obra de grande injustiça.
Disse.
Desistem da palavra seguidamente os Srs. Jorge Nunes, Vergílio Costa e Nóbrega do Quintal.
Foi aprovado o artigo 13.°
Foi rejeitada a proposta do Sr. Francisco José Pereira.
Foi aprovada a proposta do Sr. Jorge Nunes.
Entrou em discussão o artigo 14.°
O Sr. Nuno Simões: - Acho escusada esta base do n.° 3.° porque vai de encontro à categoria que êles tiveram de oficiais.
Àpartes.
O Sr. Abílio Marçal: - Não tem essa categoria e por isso se tirou a palavra inferior.
Foi aprovada a emenda da comissão.
Foi aprovado o artigo 14.° salvo a emenda.
Entrou em discussão o artigo 15.°
O Sr. Vergílio Costa: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa uma proposta de eliminação do artigo 15.° que diz o seguinte:
Proponho que seja eliminado o artigo 15.°
Sala das Sessões, em 5 de Setembro de 1919. - Vergílio Costa.
V. Exa., Sr. Presidente, compreende que êste quadro tenha carácter transitório.
Compreende-se que as vagas dadas na classes mais baixas, como terceiros oficiais, não sejam providas, mas cortar o futuro aos outros funcionários é inadmissível. (Apoiados).
As vagas que se deram nas classes acima devem ser providas pelas classes imediatamente inferiores. Isto é que é lógico.
Nestes termos entendo que o artigo 15.° deve ser eliminado e neste sentido mando para a Mesa a minha proposta.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: só quero dizer que não posso concordar com a proposta que acaba de ser apresentada, pois que toda a gente sabe qual a organização do pessoal dêste Ministério. Estar a Câmara a estabelecer garantias que não têem um sólido fundamento, parece-me impróprio, e portanto o artigo deve ser votado tal como está no projecto.
Tenho dito.
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O Sr. Jorge Nunes: - Só quero dizer ao Sr. relator que me parece muito vaga a maneira de dizer exarada neste artigo. Vejo aqui realmente um propósito de boa administração, que é não preencher as vagas modernas, mas é necessário proceder com justiça.
Não se diz aqui nada sôbre outros serviços, como os de transportes e abastecimentos.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer a V. Exa. que o artigo só se refere aos quadros especiais que se criaram no Ministério dos Abastecimentos pelas necessidades da carestia da vida.
O Sr. Nóbrega Quintal: - Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta.
Compreendo que não se preencham as vagas de terceiros oficiais, que são reservadas aos funcionários do Ministério dos Abastecimentos; a verdade, porém, é que não é justo que êsses indivíduos, só porque tiveram a desdita de pertencer a êsse Ministério, nunca mais passem de terceiros oficiais.
Eu chamo, pois, a atenção do Sr. relator para a minha proposta de substituição, que é a seguinte:
Proponho que o artigo 15.° fique assim redigido:
"As vagas que venham a dar-se nos quadros especiais serão preenchidas, segundo os termos da lei geral, pelos funcionários da classe imediatamente inferior, excepto os da classe de terceiros oficiais, cujos lugares serão extintos quando vagarem".
Sala das Sessões, em 5 de Setembro de 1919. - Nóbrega Quintal.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: eu sei bem os embaraços que a contabilidade pública cria aos Ministros sôbre a interpretação rigorosa de qualquer texto legal e por isso eu mando para a Mesa uma proposta redigindo melhor e aclarando em matéria que se discute.
Admitida.
Foi rejeitada a proposta do Sr. Vergílio Costa e aprovada a do Sr. Abílio Marçal, em seguida aprovou-se o artigo 15.° salva a emenda, ficando prejudicada a proposta do Sr. Nóbrega do Quintal.
A proposta do Sr. Abílio Marçal é a seguinte:
Proposta
Proponho que no artigo 15.° se faça a seguinte alteração: entre as palavras "quadros especiais" e "seja qual for" introduzir as seguintes palavras: "a que se refere esta lei". - Abílio Marçal.
Entrou em discussão o artigo 16.º
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de substituição.
Admitida e aprovada.
É a seguinte:
Proponho que no artigo 16.° se substitua "corporações administrativas" por "corpos administrativos". - Abílio Marçal.
Aprovado o artigo 16.° salva a emenda.
Entrou em discussão o artigo 17.°
O Sr. Abílio Marçal: - Envio para a Mesa uma emenda a êste artigo.
É a seguinte:
Proponho que ao artigo 17.° se acrescentem as seguintes palavras "exceptuando o do gabinete que passa para o da agricultura". - Abílio Marçal.
Admitida, foi aprovada assim como o artigo 17.° salva a emenda.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 18.°
O Sr. Abílio Marçal: - Mando para a Mesa uma substituição ao artigo 18.°
É a seguinte:
Proponho que o artigo 18.° seja assim substituído:
Art. 18.° São transferidas para orçamentos propostas orçamentais dos Ministérios das Finanças, de Comércio e Comunicações e da Agricultura os saldos das verbas consignadas no orçamento decretado para o ano económico de 1918-1919 e proposta orçamental para 1919-1920, do Ministério dos Abastecimentos e Transportes, destinados aos diversos serviços que para aquele Ministério são transferidos incluindo nos citados saldos da verba destinada à 2.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Pública a fim de lhe continuar a ser aplicada como remu-
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neração do serviço que lhe é incumbido pelo artigo 7.° - Abílio Marçal.
Admitida e aprovada.
Foi rejeitado o artigo 18.°
O Sr. Presidente: - Está em discussão juntamente com a proposta do Sr. Vergílio Costa o artigo 19.°
Leu-se na Mesa a proposta do Sr. Vergílio Costa.
É a seguinte:
Proposta de emenda
Art. 19.° Ficam autorizados os Ministros da Agricultura, do Comércio e Comunicações e o das Finanças a promover a colocação do pessoal servindo actualmente o Ministério dos Abastecimentos, por forma a tornar proveitoso para o Estado os serviços dêsse funcionalismo e por forma a não prejudicar, alterando, os serviços dêsses Ministérios. - Vergílio Costa.
O Sr. Jorge Nunes: - Mando para a Mesa uma proposta do substituição ao artigo 19.°
É a seguinte:
Proposta de substituição
Proponho que se substitua o artigo 19.° por:
Fica o Govêrno autorizado a distribuir pelos Ministérios da Agricultura, do Comércio e Comunicações e das Finanças, conforme as suas aptidões e necessidades do serviço, e de harmonia com as disposições desta lei, os funcionários do extinto Ministério dos Abastecimentos. - Jorge Nunes.
Admitida.
O Sr. Vergílio Costa: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se autoriza que eu retire a minha proposta, visto concordar inteiramente com a proposta apresentada pelo Sr. Jorge Nunes.
Autorizado.
O Sr. Abílio Marçal: - A comissão aceita a proposta do Sr. Jorge Nunes.
Foi aprovada a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Jorge Nunes, e rejeitado o artigo 19.º
O Sr. Jorge Nunes: - Houve um lapso na elaboração dêste projecto, pois esqueceu-se de se lhe pôr o artigo "fica revogada a legislação em contrário". Nessas circunstâncias, mando uma proposta para a Mesa, a fim de que lhe seja aditado êste mesmo artigo.
Foi aprovada, depois de admitida, esta proposta de aditamento.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: mando para a Mesa dois artigos novos.
Proposta
Artigo 20.° E autorizado o Govêrno a tomar até 2 de Dezembro próximo as medidas que as circunstâncias exigirem no sentido de estabelecer ou suprimir qualquer restrição à liberdade de comércio e de trânsito dos géneros de primeira necessidade, ou de modificar as disposições legais relativas à importação e exportação de quaisquer artigos, quando daí resulte manifesta vantagem para a economia nacional, sem prejuízo das necessidades do País.
§ único. O Govêrno dará ao Parlamento conta do uso que fizer das autorizações que este artigo lhe confere. - Abílio Marçal.
Proposta
Proponho o seguinte artigo novo:
Artigo 21.° Fica revogada a legislação em contrário. - Abílio Marçal.
Admitida.
Foram aprovados os artigos 20.° e 21.° (novos).
O Sr. Lino Silva: - Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Aprovado.
O Sr. Presidente: - A sessão continua às 22 horas.
Estão interrompidos os trabalhos.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Reabertura da sessão
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 37 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o parecer sôbre as emendas do Senado ao projecto constitucional.
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Leu-se. É o seguinte:
Senhores Deputados. - Tendo o projecto de lei constitucional, aprovado nesta Câmara, e o qual modifica as atribuições do Presidente da República, sofrido algumas emendas importantes no Senado, nos termos do artigo 33.° da Constituição baixou a esta Câmara, a fim desta aceitar ou não as mesmas emendas.
Eis as modificações introduzidas no referido projecto pelo Senado:
No n.° 1.° do artigo 1.°, onde estava "Nomear o Presidente do Ministério e os Ministros", se alterou, substituindo estas expressões pelas seguintes: "Nomear os Ministros".
No n.° 4.° do mesmo artigo 1.° foi acrescentada, entre as palavras "nomear" e "transferir", a palavra "reintegrar".
O n.° 5.° do referido artigo 1.° transformou-se, mudando-se as expressões "de acordo com as informações e os votos do Poder Legislativo", por estas: "sem prejuízo das atribuições do Poder Legislativo".
O § único do n.° 8.° do citado artigo 1.° foi suprimido.
O texto do n.° 10.° do aludido artigo foi acrescentado com mais estas expressões: "mediante prévia consulta do Conselho Parlamentar", e votaram-se mais quatro parágrafos novos. O 1.°, em que se fixa, de 18 o número de membros do Congresso que hão-de constituir o Conselho Parlamentar, e em que se estabelece a seguinte proporção para a representação de todas as correntes de opinião: 4 membros do Congresso elegerão 1; 5 a 15, 2; 16 a 45, 3; 46 a 90, 4; 90 por diante, 5.
No § 2.° se diz que êsse Conselho será presidido pelo Presidente do Congresso, que será incumbido de transmitir ao Chefe do Estado as opiniões do Conselho.
No § 3.° se declara que o Conselho Parlamentar fica dissolvido de pleno direito logo que termine o seu mandato o Congresso que o elegeu. E no § 4.° se estatui a época em que será eleito o novo Conselho Parlamentar.
Com êstes quatro parágrafos novos, o § 1.° do projecto passou, com as emendas do Senado, a ser o § 5.°, onde se introduziu uma alteração em que as expressões "dentro dos sessenta imediatos" fossem substituídas por estas: adentro dos quarenta imediatos".
O § 2.° do projecto passou a ser, pelo trabalho do Senado, o § 6.°, em que foram acrescentadas no começo as expressões a as eleições serão efectuadas pela lei eleitoral em vigor ao tempo da dissolução".
Os §§ 3.° e 4.° do projecto aprovado nesta Câmara foram suprimidos.
Todos os outros parágrafos e artigos do projecto foram mantidos pelo Senado.
Eis em resumo as alterações que o Senado introduziu no texto, votado nesta Câmara, do projecto de lei constitucional sôbre as atribuições do Presidente da República.
A vossa comissão de revisão constitucional reconhece que convêm emitir o seu parecer, sôbre as emendas do Senado, com brevidade e concisão, abstendo-se de largos desenvolvimentos que de certo embaraçariam o debate parlamentar neste momento, em que a Câmara se encontra fatigada por um trabalho intenso dêstes últimos dias numa época sobremaneira quente, e mostra desejos manifestos de interromper o seu funcionamento. Por isso muito concreta e rápidamente dirá que é de opinião que deva ser mantida a redacção do n.° 1.° do artigo 1.° do projecto aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados.
Quanto à emenda feita pelo Senado ao n.° 4.° do referido artigo do projecto, a comissão entende que deve ser aceite.
Com referência à modificação realizada na redacção do n.° 5.°, não pode ser aceite. O Senado, com a sua emenda, restabeleceu a redacção tal como se encontra no texto da Constituição. Ora êste texto foi uma cópia duma disposição idêntica duma Constituição presidencialista, a brasileira. A redacção do n.° 5.° do artigo 1.° do projecto aprovado na Câmara dos Deputados é mais conforme ao regime parlamentar.
O Senado suprimiu o § único do n.° 8.° do referido artigo 1.° do projecto, com o que a comissão concorda.
A comissão, porém, não pode aceitar as modificações do Senado ao n.° 10.° do artigo 1.° do projecto da Câmara, pelas quais se cria um Conselho Parlamentar para ser ouvido previamente pelo Chefe do Estado.
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É que em direito constitucional, a faculdade de dissolução é uma prerrogativa do Poder Executivo, uma espécie de contrapartida ao direito do Poder Legislativo, abrir crises ministeriais e destituir o Presidente da República. Pode conceber-se que o Chefe do Estado seja obrigado a ouvir previamente a opinião de quaisquer personalidades ou de qualquer corpo electivo, mas o que é incompreensível é que o Presidente da República, titular do Poder Executivo, podendo ser destituído pelo Congresso, seja forçado a consultar previamente uma delegação do mesmo Congresso, quando é contra este que a dissolução se institui, e quando a dissolução, em regime parlamentar, é um meio eficaz de estabelecer o equilíbrio necessário quando um conflito insolúvel se produz entre o Govêrno e o Parlamento. Acresce que o Senado estabelece uma organização do Conselho Parlamentar em condições tais, que os seus resultados, sôbre serem, eneficazes, poderão tambêm ser embaraçosos para o perfeito exercício do direito de dissolução por parte do Poder Executivo.
Por isso a vossa comissão entende que devem ser rejeitadas todas as emendas do Senado, que criam o conselho parlamentar, estabeleço a sua composição, competência e duração.
O Senado modificou a redacção do § 1.° do artigo 10.° do projecto aprovado na Câmara dos Deputados.
A vossa comissão é de opinião que não deve ser aceite esta emenda que reduziu a quarenta dias o prazo dentro do qual se deverão efectuar as eleições. O Senado alterou tambêm a redacção do § 2.° do n.° 10.°, do artigo 1.° do projecto votado na Câmara dos Deputados, entende a comissão que deve ser aceite.
O Senado suprimiu os §§ 3.° e 4.° do texto votado primitivamente na Câmara dos Deputados.
A comissão é de opinião que não pode deixar de ser aprovada a supressão, porquanto uma deliberação em contrário teria por resultado manter-se a disposição do § 3.° do projecto, que provocou, quando aprovada, viva celeuma pelo facto de ter sido estatuído que a dissolução se não realisaría sem que as câmaras legislativas funcionassem em 120 dias de sessão legislativa ordinária.
Eis o que pensa a vossa comissão de revisão constitucional, sôbre o trabalho do Senado.
Sala das Sessões, 4 de Setembro de 1919. - Álvaro de Castro - João Pereira Bastos - Eduardo de Sousa - Luís de Mesquita Carvalho (com restrições) - Alves dos Santos - Jorge Nunes - Francisco Cruz - Manuel José da Silva (com restrições) - F. G. Velhinho Correia (com declarações) - António de Paiva Gomes (com declarações) - Nuno Simões - João Xavier Camarote Campos (com declarações) - Alberto Xavier, relator.
O Sr. Abílio Marçal: - Como V. Exa. sabe e sabe a Câmara, na sessão da manhã votámos para que se constituísse uma comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos, dando-lhe os mais amplos poderes que chegam à instrução criminal.
Parece-me urgente e de necessidade que essa comissão ficasse assim constituída:
Dois membros do cada partido da Câmara.
Um Sr. Deputado do Partido Centrista.
Um independente.
Um presidente da escolha de V. Exa.
Parece-me da maior urgência que esta comissão se constitua rápidamente.
Peço a V. Exa. que neste sentido empregue as suas diligências, de maneira a constituir-se desde já a comissão.
O Sr. Presidente: - O Sr. Vergílio Costa, deseja ocupar-se em negócio urgente da aplicação dos 3:000 contos, ultimamente aqui votados para a manutenção da ordem pública.
Foi aprovado.
O Sr. Vergílio da Costa: - Sr. Presidente: peço a atenção do Sr. Ministro das finanças.
Sr. Presidente: pedi a palavra para formular ao Govêrno por intermédio do Sr. Ministro das Finanças, esta pregunta:
O Govêrno pensa em distrair da verba de 3:000 contos alguma quantia para acudir ao deficit da Companhia Portuguesa de Caminhos de Ferro?
Pensa em modificar as tarifas dos caminhos de ferro?
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Peço a V. Exa. para que estas minhas preguntas fiquem registadas na acta.
O orador não reviu.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - As preguntas feitas pelo ilustre Deputado Sr. Vergílio da Costa, tenho a responder o seguinte: o Govêrno não pensa nem jamais pensou, distrair da verba de 3:000 contos, qualquer quantia para o deficit da Companhia dos Caminhos de Ferro.
À segunda pregunta, isto é, se o Govêrno pensa modificar as tarifas, não correndo o assunto pela minha pasta, não posso dar uma resposta concreta ao ilustre Deputado.
Posso declarar, porém, que em qualquer caso, o Govêrno nunca deixará de acautelar os interêsses do país, visto que a questão das tarifas está ligada a vários problemas dos mais importantes da nossa vida social.
Portanto se o Govêrno tiver necessidade de mexer nas tarifas, fá-lo há dentro das atribuições que competem ao Poder Executivo.
Evidentemente que para exercer essas atribuições o Govêrno teria de vir ao Parlamento pedir a devida autorização.
Não sendo da minha pasta a questão das tarifas, não posso dar a S. Exa. uma resposta formal sôbre se se pensa ou não nessa modificação, mas amanhã á poderei esclarecer S. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Vergílio Costa: - Agradeço e registo as declarações de S. Exa.
O Sr. Orlando Marçal (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara para que seja imediatamente sujeito à discussão o projecto de lei respeitante à região duriense.
O Sr. Presidente: - Eu vou pôr à votação o requerimento de S. Exa., mas devo lembrar que a Câmara resolveu discutir o parecer da comissão de revisão constitucional sôbre as emendas introduzidas pelo Senado, logo após a votação do projecto de lei que extinguiu o Ministério dos Abastecimentos.
É claro que a Câmara é soberana e pode agora deliberar outra cousa.
O Sr. Orlando Marçal: - Trata-se duma medida de salvação pública!
Essa medida está no espírito de toda a Câmara e, por consequência, a discussão e votação não levarão mais do que um quarto de hora!
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 171, sôbre o projecto de lei que estabelece uma taxa de imposto sôbre a saída de vinhos da região do Douro, como requereu o Sr. Orlando Marçal.
Foi aprovado o requerimento.
O Sr. Álvaro Guedes (para interrogar a Mesa): - Desejo preguntar a V. Exa. onde pára uma proposta que eu apresentei, e foi publicada no Diário do Govêrno, de 19 de Julho, que tinha por fim estabelecer mais equidade na distribuição dos vencimentos dos funcionários públicos e acabar com o sistema de emolumentos.
Trata-se de uma proposta que podia até trazer economia para o país e facilitar a diminuição do deficit orçamental.
Pedia pois, a V. Exa., a fineza de me informar onde se encontra essa proposta e submetê-la o mais brevemente possível à votação da Câmara.
O Sr. Presidente: - Só pela Secretaria poderei informar S. Exa. sôbre a pregunta que me faz.
O Sr. Evaristo de Carvalho (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que a seguir ao parecer n.° 171 entre em discussão o parecer n.° 77, dado para ordem do dia.
Assim se resolveu.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça) (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. que a seguir ao parecer n.° 77, entre em discussão o parecer n.° 96.
Assim se resolveu.
O Sr. Plínio Silva (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa. que a seguir ao parecer n.° 96, entre em discussão o parecer n.° 143.
Assim se resolveu.
O Sr. Eduardo de Sousa (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro
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a V. Exa. que, em seguida ao parecer n.° 143, entrem em discussão as emendas do Senado ao projecto de revisão constitucional! (Risos).
O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: eu pedia a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre se permite que, depois de discutidos os pareceres já apontados, sejam discutidos os pareceres n.ºs 125, 27, 150, 114, 67, 112 e 163.
Pôsto o requerimento à votação foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer n.° 120, com as emendas vindas do Senado.
As alterações do Senado são as seguintes:
Art. 3.°, § 4.°:
Quando se dê o caso de haver acumulação de pensões do montepio e a totalidade das suas importâncias fôr inferior ou igual a 700$ anuais, deverá ser aplicada a essa totalidade a doutrina dêste artigo o sons parágrafos.
Aprovado.
Art 6.°:
Para ocorrer ao pagamento da despesa resultante do disposto nos artigos 1.° e 5.° desta lei, cuja execução se retrotrairá a 1 de Julho de 1919, é reforçada a verba inscrita no capítulo IV, artigo 20.° do Orçamento do Ministério das Finanças, para o ano económico de 1919-1920, com a quantia de 30.000$ e inscrito no capítulo XXIV, artigo 94.°, despesa extraordinária do mesmo Orçamento a quantia de 675.000$, ficando o Govêrno autorizado desde já a aplicar mensalmente a duodécima parte destas verbas, ordenando-se as respectivas despesas com aquelas classificações orçamentais.
Aprovado.
Para o Sr. Presidente da República.
O Sr. António Fonseca: - É para dizer a V. Exa. que a comissão de finanças concorda inteiramente com as emendas introduzidas no Senado, que de resto não passam de simples correcções introduzidas na numeração dos artigos, visto que introduzindo-se um novo artigo há a necessidade de alterar a numeração dos artigos seguintes.
Êste é um projecto que pode considerar-se como não tendo sofrido emendas no Senado.
Por isso a comissão de finanças está inteiramente de acordo.
O Sr. Rêgo Chaves (Ministro das Finanças): - É para declarar que concordo com as emendas vindas do Senado.
Pôsto à votação foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão o parecer n.° 171.
O Sr. Nuno Simões: - Mando para a Mesa a seguinte proposta:
"3.° A fornecer à lavoura duriense aguardente nacional". - Nuno Simões.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Pôsto à votação foram tambêm aprovados os artigos do projecto, sem discussão.
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: ou pedia a V. Exa. que consultasse a Câmara sôbre se devia entrar imediatamente em discussão a questão constitucional, e depois discutir-se então os projectos que estão na Mesa, já dados para ordem do dia.
Parece-me que era isto que se devia ter feito, mas que por qualquer circunstância não se fez.
Posto à votação o requerimento foi aprovado.
O Sr. Orlando Marçal: - Pedia a V. Exa. que consultasse a Câmara sôbre se ela dispensava da última redacção o projecto que acaba de ser aprovado.
Pôsto à votação o requerimento foi aprovado.
O Sr. Francisco José Pereira: - Sr. Presidente: eu requeria a V. Exa. que, em seguida à discussão dos projectos que a Câmara aprovou que fossem agora discutidos, se entrasse na discussão dos seguintes: 117, 126 e 156, e que já estão dados para ordem do dia.
O Sr. Abílio Marçal: - Eu não me oponho a que o requerimento do Sr. Francisco José Pereira seja aprovado, mas parece-me que se não devia votar mais
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nenhum requerimento, emquanto o projecto da Constituição não estiver votado. Portanto, eu requeria a V. Exa. para que não fôsse pôsto à admissão qualquer requerimento nesse sentido.
O Sr. Presidente: - O Sr. Álvaro de Castro requereu, e a Câmara aprovou, que fôsse discutido em primeiro lugar o projecto da revisão da Constituição, e só então se entrasse na discussão dos outros projectos marcados para ordem do dia.
Fica, pois, estabelecido que entra imediatamente em discussão o projecto sôbre a revisão constitucional.
O Sr. Francisco José Pereira requereu que, depois de discutidos os projectos que a Câmara aprovou fossem discutidos, entre em discussão os n.ºs 117, 126 e 156. Os Srs. Deputados que aprovam êste requerimento têm a bondade de se levantar.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vão entrar em discussão as emendas do Senado ao projecto de lei sôbre a revisão constitucional.
Foi lido o n.° 1.° do artigo 1.°
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: pela leitura que ouvi fazer na Mesa o pela leitura que fiz nos jornais, a respeito do parecer do Senado, eu concluo que o Senado alterou profundamente o projecto de lei votado nesta Câmara, introduzindo nele matéria absolutamente nova.
Eu creio que a maior alteração ou inovação introduzida neste projecto, cujas emendas do Senado se discutem, se refere a criação dum conselho que se chama conselho parlamentar.
O Sr. Alberto Xavier: - V. Exa. dá-me licença? O que está em discussão é o n.° 1.° do artigo 1.°
O Orador: - Não estão em discussão as emendas do Senado na generalidade?
O Sr. Alberto Xavier: - Não, senhor; esta discussão não tem generalidade; e para que vamos antecipar uma discussão...
O Orador: - Eu supunha que estava em discussão todo o artigo 1.°, mas, como não é assim, reservo-me para fazer mais tarde as considerações que tencionava agora fazer.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se o n.° 1.° do Senado.
Foi rejeitado.
Em seguida foi rejeitado o n.° 4° do Senado, bem como o n.° 5.° do Senado, e confirmada a rejeição do Senado ao § único do artigo 1.º
Entram em discussão as emendas do Senado ao artigo 2.° e seus parágrafos.
O Sr. Abílio Marçal: - Sr. Presidente: neste artigo, que agora se discute, o Senado introduziu três alterações importantes. A primeira criando um Conselho chamado parlamentar, que tinha de ser consultado antes do Presidente da República decretar a dissolução do Parlamento. A segunda reduzindo a quarenta dias os sessenta que iam no projecto de lei da Câmara dos Deputados para o tempo que deve mediar entre a publicação do decreto da dissolução e o dia em que devem ser realizadas as novas eleições. E a terceira, e última alteração, substituindo de cento e vinte dias para cento e vinte sessões o período após do qual somente se pode decretar a dissolução.
Quanto à primeira alteração, parece-me que a doutrina do Senado é realmente a melhor, de maiores garantias o de maior justiça.
Os meus louvores, por isso, ao Senado que encarou êste problema debaixo do melhor ponto de vista. Em todo o caso, parece-me que uma pequena alteração deve ser feita a essa emenda do Senado, que julgo deve merecer a aprovação de todos porque reúne todas as opiniões.
Mando para a Mesa uma proposta em que essa alteração está fixada.
Relativamente à segunda alteração, parece-me que a doutrina do Senado tambêm é de aceitar porque me parece que um órgão da soberania nacional não pode estar sessenta dias sem funcionar. Mas a êsse respeito não apresento proposta alguma.
A terceira alteração refere-se aos cento e vinte dias de sessão parlamentar.
Deu-se uma má interpretação ou uma má redacção à minha proposta.
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Eu queria dizer que eram cento e vinte dias úteis de sessão parlamentar a partir do dia 2 de Dezembro.
O orador não reviu.
As propostas do Sr. Abílio Marçal são as seguintes:
Proponho que se aprove o § 3.° do projecto desta Câmara com a interpretação que o prazo de cento e vinte dias nele estipulado são cento e vinte dias, a contar do primeiro dia da sessão ordinária. - Abílio Marçal.
Proponho que o n.° 10.° do artigo 1.° seja aprovado com a seguinte alteração:
Substituir as palavras: "consulta do Conselho Parlamentar" por: "consulta dos Presidentes das Câmaras, os quais, por sua vez, ouvirão os diferentes grupos parlamentares". - Abílio Marçal.
O Sr. Eduardo de Sousa: - V. Exa. dá-me licença?
Devo explicar, em nome da comissão do redacção, que tinha conhecimento dessa rectificação que S. Exa. fez à sua proposta.
No emtanto como a comissão não pode alterar os textos, mas apenas fazer modificações, manteve à proposta de S. Exa.
O Sr. Plínio Silva: - Relativamente à proposta do Sr. Abílio Marçal parece-me que se podia adoptar a seguinte forma: era ficar escrito que seriam cento e vinte dias após o primeiro dia, de convocação de sessão ordinária. Êsse dia, para nós, corresponde a 2 de Dezembro.
Os cento e vinte dias, após o primeiro dia de convocação de sessão ordinária, seriam, para nós, em Abril, segundo o que está preceituado no projecto de lei em discussão.
Três meses depois da dissolução do Parlamento seriam feitas eleições e quinze dias após seria convocado o novo Congresso.
Parece me que êsse dia de convocação do Congresso seria o primeiro de sessão ordinária.
O Sr. Sá Pereira (interrompendo): - É uma sessão extraordinária.
O Orador: - Vou apresentar um exemplo.
Em 2 de Abril o actual Congresso pode ser dissolvido. Três meses depois podem fazer-se eleições.
Entendo que o primeiro dia de sessão ordinária não é o de 2 de Dezembro, mas sim aquele em que o Parlamento foi obrigado a reunir, à face do que preceitua a Constituição.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A Mesa não pode receber a proposta do Sr. Abílio Marçal, segundo o que dispõe o artigo 33.° da Constituição.
O Sr. António Fonseca: - Sr. Presidente: não desejo discutir a opinião da Mesa, mas devo declarar que já tive ocasião de, numa sessão legislativa anterior, sustentar doutrina precisamente contrária àquela que V. Exa. supõe ser a mais harmónica com os preceitos constitucionais.
A Constituição refere-se a emendas e não a matéria nova, sob pena de se colocar esta Câmara em condições de inferioridade em relação às discussões do Senado. Vou exemplificar.
Votou-se há dias um parecer relativo aos vencimentos dos funcionários públicos, que continha matéria relativa ao pagamento das prestações do empréstimo da Caixa Geral de Depósitos.
Suponhamos que a Câmara dos Deputados não tinha, na discussão dêsse parecer, incluído qualquer disposição relativa a esse pagamento de prestações.
Resultava daí esta cousa extraordinária: em sendo uma matéria completamente nova, absolutamente desconhecida, a Câmara dos Deputados só poderia aceitar ou rejeitar e nunca emendar. Como V. Exa. vê isto é impossível.
Sr. Presidente: para os efeitos constitucionais o problema não tem importância a não ser uma mera questão de formalidade e por isso eu entendo que a Câmara dos Deputados tem o direito de discutir e emendar todas as propostas novas do Senado desde que não tenham sido consideradas, como essa não foi.
Outra doutrina, creia V. Exa., não traz senão embaraços. Obriga-nos a recorrer à proposição duma nova lei, que é, com certeza o que vai acontecer, sem nenhuma
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espécie de vantagem, a não ser demorar mais o assunto.
Parece-me que a interpretação de V. Exa. não é a mais rigorosa.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A doutrina contida numa emenda apresentada por uma das Câmaras não é senão matéria nova dentro dêsse projecto de lei.
O Sr. António Fonseca: - Não senhor, nós aqui só aprovamos ou rejeitamos.
O Sr. Presidente: - Eu não posso estar a discutir, mas mantenho a minha opinião como a melhor.
O Sr. Álvaro de Castro: - Ao Congresso é que compete votar de harmonia com os preceitos constitucionais.
Depois desta proposta ser aprovada devo ser enviada ao Senado, e nós depois votaremos ou não essa interpretação.
O Sr. Abílio Marçal: - V. Exa. pode ter razão pensando que é uma emenda, mas o facto é que se trata dum projecto novo.
Por isso agora devemos discutir à nossa vontade, e não apenas rejeitar ou aprovar. Podemos tomar deliberações.
Em todo o caso aceito o ponto de vista do Sr. Álvaro de Castro.
Tenho dito.
É admitida a proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Presidente: - Declaro que a proposta do Sr. Abílio Marçal fica conjuntamente em discussão com o projecto de lei.
O Sr. Abílio Marçal: - O projecto de lei diz respeito aos 120 dias. O Senado acrescentou o § 2.°
É lida a proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Presidente: - Entendo que a proposta do Sr. Abílio Marçal não pode ser aceita na Mesa.
O Sr. Álvaro de Castro: - Tenho a mesma opinião de V. Exa. De facto no projecto de lei, vindo do Senado, não se faz nenhuma referência ao parágrafo introduzido por esta Câmara.
Estou de acôrdo que, por essa doutrina, não temos possibilidade, nesta Câmara, de votar senão até o artigo, visto que na proposição vinda do Senado não se encontra nenhuma mensão ao tal parágrafo. Evidentemente a Câmara dos Deputados não pode deixar de manter a sua votação anterior.
Por isso o que me parece mais conveniente é que V. Exa. ponha à votação da Câmara a eliminação do parágrafo feita pelo Senado.
O que veio do Senado englobou num parágrafo os três que haviam transitado da Câmara dos Deputados.
A aprovação pura e simples, ou a rejeição do parágrafo que veio do Senado não influi no parágrafo da Câmara dos Deputados. Portanto V. Exa. tem de pôr à votação a rejeição do parágrafo que foi da Câmara dos Deputados para o Senado.
Estou inteiramente de acordo com a opinião de V. Exa. O que há a fazer é não aprovar a eliminação que o Senado fez.
No Congresso se resolverá.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não posso submeter à votação da Câmara senão a rejeição do parágrafo que foi da Câmara dos Deputados para o Senado.
O Sr. Abílio Marçal: - O Senado eliminou alguns dêstes parágrafos e nós mantemos êsses parágrafos.
O Sr. Presidente: - Continuo a entender que a proposta do Sr. Abílio Marçal não pode ser admitida na Mesa.
O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. não admite a proposta, restitui-a ao Sr. Abílio Marçal e nós estamos em face duma rejeição do Senado.
O Sr. Abílio Marçal: - O que eu pretendo é que isto conste da acta, para interpretações futuras.
Ficaram prejudicados os §§ 1.°, 2.°, 3.° e 4.°, e foi aprovado o § 5.°
Foi aprovado o § 6.° do Senado.
O Sr. Abílio Marçal: - Requeiro a contraprova, visto que o parágrafo do Sena-
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do é a repetição dos artigos 2.° e 3.° da Câmara dos Deputados.
O Sr. Álvaro de Castro (sobre o modo devotar): - Pode ser que eu esteja enganado, mas parece-me que da rejeição do § 6.° do Senado não resulta a aprovação dos artigos 2.° e 3.° desta Câmara.
Creio, portanto, Sr. Presidente, que V. Exa. tem de pôr à votação, depois do § 6.° do Senado, o corpo dos artigos 2.° e 3.° da Câmara dos Deputados.
O Sr. Presidente: - O § 6.° do Senado não implica as resoluções da Câmara dos Deputados.
O Senado, aprovando o § 6.°, não anulou as disposições da Câmara dos Deputados.
O Sr. Abílio Marçal: - No projecto mandado para esta Câmara não está a revogação expressa do § 3.°, mas diz-se no parecer que é revogado o mesmo parágrafo, porque traz matéria nova.
O Sr. António Fonseca: - Sr. Presidente: parece-me que a questão é muito simples.
Da comparação entre a redacção enviada do Senado para a Câmara dos Deputados e a redacção da Câmara dos Deputados enviada para o Senado resulta que um determinado parágrafo foi eliminado totalmente.
Evidentemente que como se trata duma alteração, V. Exa. tem de propor a esta Câmara se aceita essa alteração. Ora qual é essa alteração? É a rejeição que o Senado fez, pura e simples, dum determinado parágrafo.
O Senado devia ter mencionado essa rejeição, visto que aceitou a doutrina dos outros parágrafos, dando-lhe nova redacção, mas, embora não o fizesse, a Câmara dos Deputados tem de se manifestar sôbre se concorda ou não com a rejeição do Senado.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: - Eu pedia a V. Exa., Sr. Presidente, que ficasse consignado na acta desta sessão que o ponto de vista desta Câmara, relativamente à matéria nova introduzida pelo Senado na proposição que se discute, não pode ser invocado nesta Câmara ou na outra a respeito de qualquer outro assunto que não seja constitucional. E nisso tinha V. Exa. razão, quando dizia há pouco que, admitido êste princípio, os projectos andariam duma Câmara para a outra, sem nunca se chegar a uma conclusão. Podia até transformar-se em uma arma política, a da pior espécie, para entravar toda a acção parlamentar.
Se esta Câmara dá agora esta interpretação, e é isso que é preciso que fique consignado, é porque; só trata do matéria constitucional, de que lhe cabe a iniciativa, e porque tem poderes constituintes.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: - V. Exa., Sr. Presidente, por favor, informa a Câmara do que fez o Senado das palavras votadas na Câmara dos Deputados.
O Sr. Presidente: - O Senado eliminou-as.
O Orador: - Portanto, V. Exa. tem do submeter à consideração desta Câmara se concorda ou não com a eliminação.
O Sr. Presidente: - O que eu tenho do submeter à votação da Câmara é o que veio do Senado. Se o documento não está completo não é minha a culpa.
O Sr. António Fonseca: - V. Exa. tem de pôr à votação não só todas as alterações feitas no Senado, o que constam dêsse documento, mas ainda as rejeições, embora nele não venham mencionadas.
O Sr. Presidente: - Neste documento tinham de vir indicados os pontos eliminados.
O Sr. António Fonseca: - Não tinham, de vir.
Nós só temos de nos pronunciar se aceitamos a eliminação ou não aceitamos. É a única forma.
O Sr. Presidente: - A Câmara, aprovando o § 2.°, aprovou a matéria que ali se contêm.
Parece-me que se pode pôr novamente á discussão o § 6.°
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O Sr. António Fonseca: - Nós temos de nos pronunciar sôbre a emenda, sôbre a eliminação. Não vem isso expresso, mas temos de nos pronunciar se aceitamos ou não. Tudo que fôr fora disto é inconstitucional.
Nós temos do nos pronunciar sôbre todas as alterações.
O Sr. Presidente: - O Senado aprovou o § 6.° o foi rejeitado o § 3.°
O Senado não fez referência à doutrina eliminada.
Aprovados o § 6.° do Senado, ficam rejeitados o 2.° e 3.°, pois que aquele não faz referência à doutrina eliminada.
No caso contrário, seria necessária, como há pouco disse, uma segunda redacção, cousa que nunca se fez.
O Sr. António Fonseca: - O que nunca se fez foi discutir-se no Senado, pelo processo de agora.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação as disposições dos §§ 2.° e 3.° da Câmara dos Deputados que foram eliminados no Senado. Declaro, porém, que o faço contra a minha maneira de ver.
Fez-se a votação ficando mantidos os §§ 2.° e 3.°
O Sr. Plínio Silva: - Requeiro que a sessão se prolongue até que sejam votados os projectos de lei que a Câmara já resolveu discutir.
O Sr. Presidente: - Não posso pôr à votação da Câmara o requerimento do Sr. Plínio da Silva, porque a sessão está prorrogada.
O Sr. António Fonseca: - Chamo a atenção da Câmara para a proposta que vou enviar para a Mesa e que é seguinte:
Proponho que nos termos do artigo 23.°, alínea f), da Constituição da República a Câmara dos Deputados tome a iniciativa da convocação do Congresso para resolver sôbre o adiamento da sessão legislativa.
Como V. Exa. sabe, é privativa da Câmara dos Deputados, segundo o que dispõe a Constituição, na alínea f) do artigo 23.°, a iniciativa da prorrogação e adiamento das sessões. O artigo 11.° estatu que as sessões de encerramento e abertura do Congresso se realizam no mesmo dia, devendo a prorrogação o aditamento, ser resolvido em sessão conjunta. Nestes termos, compete a esta Câmara tomar a iniciativa da reunião do Congresso que se efectuará no dia que, livremente, fôr designado pelo Presidente do Senado, que é o Presidente do Congresso em sessão conjunta. O Congresso depois resolverá sôbre o adiamento.
Parece-me que a minha proposta esta no espírito de todos, visto que nos achamos já fatigados e os trabalhos já não vão seguindo com a proficuidade que é para desejar. Espero, pois, que a Câmara aceite a minha proposta.
Foi lida na Mesa e entrou em discussão.
O Sr. Abílio Marçal: - Parece-me conveniente, desde que se trata duma proposta de adiamento e não de encerramento, que se faca a indicação da data...
O Sr. António Fonseca: - Mas nós não tratamos do adiamento. Isso pertence ao Congresso, em sessão conjunta, nos termos do artigo 11.° da Constituição.
A Câmara dos Deputados só vai tomar a iniciativa de solicitar essa sessão do Congresso.
O Sr. Abílio Marçal: - O que me parecia conveniente era que a proposta da Câmara dos Deputados fôsse redigida em termos precisos, e no Congresso ela se alteraria ou não.
O Sr. António Fonseca: - Não, senhor. Isso era contra a Constituição. A Câmara dos Deputados só toma a iniciativa. Mais nada.
O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: a proposta apresentada pelo Sr. António Fonseca para ser adiado o Congresso não tinha cabimento neste momento, pelas razões que passo a expor.
Tem-se acusado o Parlamento ou, por outra, tem-se acusado a Câmara dos Deputados, de não produzir quanto devia, de não fazer aquelas leis que devia fazer para corresponder às aspirações do país.
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Estranho, pois, Sr. Presidente, que em face desta acusação feita ao Parlamento, haja a coragem de se propor o seu adiamento, deixando por votar uma imensidade de projectos de lei, dalguns dos quais necessita o Govêrno para levar a bom termo os negócios do país, conforme declarou o Sr. Presidente do Ministério nesta casa do Parlamento.
Não é isto motivo forte para que se prorroguem por mais alguns dias os trabalhos das Câmaras?
(Não apoiados). (Apoiados).
O Sr. Carlos Olavo: - V. Exa. fala em nome do Govêrno? Com que autoridade?
O Orador: - Eu não falo em nome do Govêrno...
O Sr. António Fonseca: - V. Exa. está a esgrimir contra moinhos de ventos! Onde está na minha proposta indicado o dia em que principia o adiamento dos trabalhos parlamentares? No Congresso é que se há-de tomar isso em consideração. E V. Exa. até poderá propor que o adiamento principie em Outubro!
O Orador: - Eu desde já vou propor um aditamento à proposta do Sr. António Fonseca, fixando...
O Sr. António Fonseca: - Não o pode fazer! É inconstitucional!
O Orador: - Pois então, apresentá-la hei no Congresso e defenderei a idea de que o Parlamento não deve interromper por modo nenhum os seus trabalhos neste momento, sem que se votem vários projectos de lei que estão há bastante tempo dados para ordem do dia.
E uma declaração de voto que eu faço, exactamente para de alguma maneira explicar a minha atitude nesta Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguêm inscrito; vai votar-se a proposta do Sr. António Fonseca.
Foi aprovada.
O Sr. Estêvão Pimentel: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à contraprova.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: - Rejeitaram a proposta 6 Srs. Deputados, e aprovaram-na 40. Não há número, visto que o quorum é de 49 Srs. Deputados. Vai proceder-se à chamada.
Procede-se à chamada.
Respondem os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Álvaro Pereira Guedes.
Álvaro Xavier do Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pires de Carvalho.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José Pereira.
Jacinto de Freitas.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
João Xavier Camarate Campos.
José Domingues dos Santos.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marçal.
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Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio da Conceição Costa.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 44 Srs. Deputados. A próxima sessão é hoje às 14 horas, com a seguinte ordem do dia.
Parecer n.° 8 (pertence) - Que altera vários artigos da Constituição.
Parecer n.° 77 - Que passa para o cargo do Estado os lanços de estrada municipal entre as Fontainhas e Malhadas, concelho de Miranda do Douro.
Parecer n.° 96 - Que cria em Bragança uma escola industrial.
Parecer n.° 143 - Que autoriza o Govêrno a adquirir toda a farinha de 1.ª qualidade, existente nos celeiros dos distritos de Évora e Portalegre.
Emendas do Senado ao parecer n.° 18.
Parecer n.° 125 - Que autoriza a Câmara do Coimbra a lançar um imposto sôbre as companhias de seguros para melhoria dos serviços dos incêndios.
Parecer n.° 27 - Que autoriza a Câmara Municipal de Beja a cobrar até um milavo por cada quilograma de todos os legumes e cereais para várias desposas.
Parecer n.° 150 - Que prorroga por mais 24 meses o prazo para a Câmara Municipal de Alenquer submeter à aprovação do Govêrno os estudos do caminho de ferro já autorizado.
Parecer n.° 114 - Que cria uma escola elementar de comércio e indústria em Silves.
Parecer n.° 67 - Que concede a pensão anual de 360$00 a cada um dos cidadãos João Lucas Fernandes e José Marques do Carmo Catarino.
Parecer n.° 112 - Que aumenta em 100.000$00 anuais a dotação da junta geral do distrito de Ponta Delgada.
Parecer n.° 63 - Que estabelece uma nova época de exames dos liceus em Outubro próximo.
Parecer n.° 158 - Que autoriza a Câmara Municipal de Loures a contrair um empréstimo até a quantia de 100.000$00 para a drenagem, de terrenos situados no seu concelho.
Parecer n.° 38 - Que reorganiza a Escola Industrial de Campos Melo, da Covilhã.
Parecer n.° 129 - Que estatui quanto aos crimes previstos e punidos na lei de 30 de Abril de 1912.
Parecer n.° 117 - Que prevê definitivamente os actuais notárias interinos em 6 anos de funções.
Parecer n.° 126 - Que cria a freguesia de Val Cortumes no concelho de Alcanena.
Parecer n.° 156 - Que leva a 100 por cento o adicional sôbre o imposto de especialidades farmacêuticas.
Pareceres n.°s 32, 73, 81, 90, 91, 116, 97, 65, 108, 90, 33, 55, 66, 46, 64, 45, 134, 136, 58, 137, 119, 155 (Constitucional) 71, 120, 56, 127 e 92 que estão já na ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Era l hora e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, substituindo o artigo 5.° do decreto n.° 5:613, de 10 de Maio de 1919.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Pareceres
Da Comissão Administrativa do Congresso da República sôbre a proposta de lei n.° 89-A do Senado, que dá a categoria de terceiros oficiais aos porteiros da sala e chefes dos contínuos do Congresso.
A imprimir.
Da comissão de legislação civil e comercial sôbre o projecto de lei n.° 2-E, do Sr. Godinho do Amaral, mandando nomear definitivamente para os lugares que ocupam os oficiais do registo civil, nomeados provisoriamente nos termos da lei de 10 de Julho de 1912.
Imprima-se.
Requerimentos
Do Sr. Tomás de Sousa Rosa, em nome da comissão de guerra, pedindo, pelo respectivo Ministério, vários esclarecimentos.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
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Requeiro que sejam fornecidos pelo arquivo da Câmara dos Deputados;
a) Um exemplar das "propostas de fazenda" de Mariano de Carvalho;
b) Um exemplar das "propostas de fazenda" de Teixeira de Sousa. - Jaime de Sousa.
Para a Secretaria.
A informar.
O Sr. António Maria da Silva pediu para que seja inserto na acta que as suas votações na interpretação dada, durante esta sessão, pelas deliberações da Câmara dos Deputados se podem referir a deliberações tomadas sôbre matéria constitucional por câmaras com poderes constituintes.
Para a acta.
OS REDACTORES:
Sérgio de Castro.
Avelino de Almeida.
Herculano Nunes.