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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 4
EM 5 DE DEZEMBRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
António Marques das Neves Mantas
Sumário. - Abre a sessão com a presença de 65 Srs. Deputados. Lê-se a acta, que é aprovada sem discussão, com número regimental. - Dá-se conta do expediente.
São admitidas proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno".
Antes da ordem do dia. - São proclamados Deputados eleitos por Cabo Verde os cidadãos Henrique Vieira de Vasconcelos e Viriato Gomes da Fonseca. - O Sr. Ministro da Marinha (Rocha e Cunha) manda para a Mesa uma proposta de lei. - O Sr. Pais Rovisco troca explicações com o Sr. Presidente acêrca de uma nota de interpelação. - O Sr. Campos Melo pede a comparência dos Srs. Ministros do Interior e da Guerra. - O Sr. Nóbrega Quintal formula preguntas acêrca dos processes eleitorais de Timor e Angola. Responde o Sr. Presidente. - O Sr. Paiva Games pede providências impeditivas da exportação dos barbados americanos.- O Sr. Vergilio Costa trata da necessidade de se desenvolverem as comunicações ferroviárias, referindo-se especialmente aos ramais de Estremos a Portalegre e de Vila Viçosa a Elvas. Responde o Sr. Ministro da Marinha, que informará das considerações feitas o seu colega, do Comércio. - O Sr. Pais Rovisco pregunta se o Sr. Presidente do Ministério assistirá à sessão, respondendo afirmativamente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Melo Barreto). - O Sr. Nóbrega Quintal nota a ausência do Sr. Ministro das Colónias, que tambêm, segundo lhe consta, não comparece no seu Ministério trata da situação do conservador do registo predial de Tondela e do desconto que se está fazendo ao batalhão de marinha, que foi ao norte, pelo adiantamento que recebeu. Respondem os Srs. Ministros da Marinha e da Justiça (Lopes Cardoso). - É introduzido na sala e toma assento o Sr. Viriato da Fonseca, eleito por Cabo Verde.- É rejeitado o negócio urgente requerido pelo Sr. Pais Rovisco para trocar explicações com o Sr. Presidente do Ministério sôbre ordem pública, preguntando a êste respeito o Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) quando é que o chefe do Govêrno se apresenta na Câmara para, assistir a um largo debate sôbre o assunto. Declara o Sr. Presidente do Ministério que nada tem a responder, pois que nenhuma pregunta lhe foi directamente dirigida. - O Sr. Campos Melo trate, de factos militares referentes à Covilhã. Responde o Sr. Presidente do Ministério, que tambêm manda para a Mesa dois projectos de lei, sendo reconhecida a urgência para aquele que abre um crédito destinado à aldeia portuguesa em França,- Em negócio urgente o Sr. Joaquim Brandão trata do boato de que o Govêrno Inglês se opõe à entrega dos navios ex-alemães que estão sendo explorados pela casa Furness. Responde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeirou que não tem fundamento tal boato.
Ordem, do dia. - Eleição das comissões de instrução superior, instrução superior e técnica, de instrução secundária, de instrução primária, de legislação criminal, de orçamento, de caminhos de ferro, de obras públicas e minas, de agricultura e do Regimento.
O Sr. Presidente do Ministério presta informações sôbre uma representação, injuriosa para indeterminados parlamentares e acêrca duma bomba que na cidade do Pôrto foi arremessada contra republicanos.
Realiza-se a interpelação ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sôbre uma compra de arroz em Espanha, ficando o orador com a palavra reservada.
Encerra-se a Cessão, marcando-se a imediata para o dia 8, à hora regimental.
Documentos mandados para a Mesa. - Comunicação. - Notas de interpelação. - Pedido. - Projectos e propostas de lei. - Pareceres. - Requerimento.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada 71 Srs. Deputados,
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São os seguintes:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Francisco Pereira.
António Joaquim Granjo.
António José Pereira.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Diogo Pacheco do Amorim.
Domingos Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Cotrim da Silva Garcês.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco José Pereira.
Henrique Ferreira de Oliveira Brás.
Jacinto de Freitas.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Aguas.
João Henriques Pinheiro.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Ribeiro Gomes.
João Xavier Camarate Campos.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingos dos Santos.
José Gomes Carvalho de Sousa.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
Júlio Augusto da Cruz.
Júlio do Patrocínio Martins.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Vordial.
Orlando Alberto Marçal.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Vergílio da Conceição Costa.
Ventura Malheiro Reimão.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso do Macedo.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Pereira Guedes.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
Álvaro Xavier de Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lôbo de Aboim Inglês.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Pires do. Vale.
Augusto Rebêlo Arruda.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco da Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco de Sousa Dias.
Hermano José de Medeiros.
João Gonçalves.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
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Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António da Costa Júnior.
José Gregório de Almeida.
José Rodrigues Braga.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Líberato Damião Ribeiro Pinto.
Líno Pinto Gonçalves Marinha.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Albino Vieira da Rocha.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Bastos Pereira.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Maria Pereira Júnior.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique de Vieira de Vasconcelos.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João José da Conceição Camoesas.
João Lopes Soares.
João Pereira Bastos.
José Garcia da Costa.
José Maria de Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Júlio César de Andrade Freire.
Leonardo José Coimbra.
Manuel Alegre.
Manuel José Fernandes Costa.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Nuno Simões.
Raúl António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Raúl Lelo Portela.
Tomás de Sousa Rosa.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Xavier da Silva.
As 15 e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta. Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está em discussão a acta.
Foi aprovada a acta sem reclamação.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Acórdão
Da segunda comissão de verificação de poderes, validando a eleição e proclamando Deputado pelo círculo n.° 44, Cabo Verde os cidadãos Henrique Vieira de Vasconcelos e Viriato Gomes da Fonseca, que são proclamados.
Para a Secretaria.
Pedidos de licença
Do Sr. Bastos Pereira, quinze dias.
Do Sr. Alfredo de Sousa, trinta dias.
Do Sr. António Pires de Carvalho, trinta dias.
Concedidas.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Oficio
Do Conselho Superior de Finanças, enviando relações dos créditos especiais e extraordinários anotados e visados no período de 24 de Maio a 30 de Novembro de 1919.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
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Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno":
Projectos de lei
Dos Srs. Alves dos Santos, Afonso do Melo e João Bacelar, considerando distrital a estrada municipal da Lousa à Sandoeira ou Vila Flor, comum aos concelhos de Lousa e Miranda do Corvo.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. José Monteiro, permitindo a nomeação de candidatos do sexo masculino para professores da disciplina que constitui o IX Grupo (desenho) nos liceus femininos.
Para a Secretaria.
Admitido.
Para a comissão de instrução secundária.
Antes da ordem do dia
É lido na Mesa um acórdão do tribunal da segunda comissão de verificação de poderes.
São proclamados deputados os Srs. Henrique de Vasconcelos e Viriato da Fonseca.
O Sr. Rocha e Cunha (Ministro da Marinha): - Mando para a Mesa uma proposta de lei, organizando as escolas de marinha mercante.
Vai adiante por extracto.
O Sr. Pais Rovisco (para interrogar a Mesa): - Ainda não são decorridos dois dias que V. Exa. ouviu da boca do nosso leader palavras de louvor.
É que nós não regateamos fazer justiça a quem dela tem direito, mas o que é certo tambêm é que não abdicamos dos Direitos que nos assistem e da consideração que nos é devida.
Assim, tendo ontem pedido a palavra para interrogar a Mesa sôbre se nela se encontrava alguma nota de interpelação ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, S. Exa. me respondeu negativamnete.
Qual porêm não é o meu espanto, quando hoje vejo marcada uma interpelação ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros!
Desejava saber se ontem já se encontrava na Mesa essa nota de interpelação.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Quando V. Exa. ontem pediu a palavra para interrogar a Mesa, julguei que se referia a qualquer nota de interpelação enviada ontem mesmo, e não àquela que hoje está em ordem do dia.
Se V. Exa. tivesse especificado, eu ter-lhe-ia dito que essa nota de interpelação já estivera dada para ordem numa das sessões da passada sessão legislativa.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Campos Melo: - Desejava ver presente os Sr. Ministro da Guerra ou do Interior, a fim de tratar um assunto urgente.
V. Exa. sabe dizer-me se S. Exa. se encontra na Câmara ou se nem vem à sessão?
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Eu não sei se S. Exa. vem à sessão, mas vou mandar telefonar, preguntando-lhes se estão presentes à sessão de hoje.
O orador não reviu.
O Sr. Nóbrega Quintal (para interrogar a Mesa): - Desejava saber se na Mesa consta alguma cousa sôbre a eleição de Timor.
O Sr. Presidente: - Sôbre a eleição de Timor não existe na Mesa nenhum documento.
O Orador: - Desejava tambêm saber se há alguma cousa sôbre a eleição de Angola.
O Sr. Presidente: - Faltam apenas algumas formalidades, que mandei pedir ao Ministério das Colónias, e logo que as receba, enviá-las-hei à comissão de verificação de poderes.
O Sr. Quintal não reviu, nem foram revistas pelo Exmo. Presidente as suas informações.
O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: eu ontem, como declarei a V. Exa., tinha
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pedido a palavra para versar o mesmo assunto que o Sr. João Salema queria tratar em negócio urgente: a exportação dos barbados americanos. Hoje, só desejo reforçar as considerações feitas por aquele meu ilustre colega.
Trata-se efectivamente dum caso delicado. O vinho atingiu um preço assustador, e se porventura o Govêrno consente na exportação do barbado americano, êste faltará nas regiões que o necessitam, o que provocará ainda uma maior alta nos preços dos vinhos, pois não se fazendo o plantio,. diminuirá sensivelmente a produção.
Peço, portanto, ao Sr. Ministro da Justiça a especial fineza de junto do seu respectivo colega tomar as medidas que o caso requere.
O orador não reviu.
O Sr. Vergilio Costa: - Sr. Presidente: desejaria bastante que o assunto de que me Arou ocupar fôsse ouvido pelo Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, mas como é difícil visionar S. Exa. antes da ordem do dia, peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes a fineza de transmitir a S. Exa. as considerações que vou fazer.
A quando da discussão do Ministério dos Abastecimentos, tive ocasião de me referir a êste assunto: rede de comunicações. Há necessidade urgente e inadiável de se olhar atentamente para a nossa rede de comunicações, quer acelerada, quer ordinária, e para o estado de adiantamento em que se encontram alguns caminhos de ferro em construção.
Vou referir-me, especialmente, aos caminhos de ferro de Estremoz a Portalegre e de Vila Viçosa a Elvas.
Há perto de dois anos que as terraplenagens e obras de arte estão concluídas numa extensão de 25 quilómetros, isto é, desde Estremoz até 5 quilómetros adiante de Sousel. Falta, simplesmente, agora, o assentamento da via. Não me consta, porêm, se a encomenda já foi ou não feita. Sei que antes da guerra êsse assunto foi tratado, e se a encomenda se fez certamente que caducou devido à guerra. Mas até agora não me consta, que se tivesse feito nova encomenda.
Nós temos carris que não são empreliados em outros caminhos do ferro em construção, como acontece no caminho de ferro de Évora a Reguengos. Pediu-se, em tempos, que alguns quilómetros de carris, que não se empregam por não estarem concluídas as terraplenagens e obras de arte, fossem transferidas para o caminho de ferro de Estremoz a Portalegre, mas êsse pedido não foi satisfeito. Consta-me agora que êsses carris vão ser transferidos para a linha do Sado. Ora, tendo nós 25 quilómetros, e em breve mais 10, de obras de arte e terraplanagens concluídas, não compreendo que não se tenham atendido os pedidos que insistentemente têm sido feitos ao Ministério do Comércio e Comunicações.
Trata-se duma região importantíssima, que se encontra absolutamente desprovida de comunicações. As estradas estão um horror e os caminhos de ferro estão como V. Exa. e a Câmara sabem.
Urge que êsse assentamento comece, se não já, pelo menos no comêço da Primavera. Até a data não me consta que a encomenda tivesse sido feita; mas, havendo noutros caminhos de ferro carris que não são empregados por falta de trabalho, e sendo o assentamento dessa linha tam urgente, não se compreendo que êles sejam transferidos para a linha do Sado em manifesto detrimento da linha de Estremoz a Portalegre, que continua à espera, que os poderes públicos se interessem de vez pela sua sorte.
Sôbre o caminho de ferro de Vila Viçosa a Elvas assentou-se ultimamente em se proceder ao estudo da sua directriz, mas até agora nada se fez, de forma que a grande aspiração dos povos que a reclamam não tem sido satisfeita.
V. Exas. calculara, decerto, as imensas vantagens que adviriam para os caminhos de ferro do Estado da construção da linha de Vila Viçosa a Elvas, sem que sejam necessárias largas divagações sôbre o assunto, pelo que me limito, por agora, a chamar para êle a atenção do Govêrno.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo Orador, quando restituir, revistas, as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Rocha e Cunha (Ministro da Marinha): - Simplesmente para declarar que transmitirei ao Sr. Ministro do Comércio as considerações que. o Sr. Virgílio Costa
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acaba de fazer e para as quais chamou a sua atenção.
O Sr. Pais Rovisco: - Eu desejava que V. Exa., Sr. Presidente, me informasse sôbre se o Sr. Presidente do Ministério vem hoje à Câmara.
O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Ministério não me comunicou se vinha ou não à sessão de hoje.
No entanto, eu vou procurar sabe-lo.
O Sr. Melo Barroto (Ministro dos Estrangeiros): - Posso afirmar a V. Exa. de que o Sr. Presidente do Ministério vem hoje à sessão.
Não foram revistos pelos oradores a pregunta e as respostas.
O Sr. Eduardo de Sousa: - Pedi a palavra para que V. Exa. me informe sôbre se o Sr. Ministro dos Estrangeiros se encontra habilitado a responder à pregunta que há dias lhe fiz nesta Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - No dia em que V. Exa. formulou a sua pregunta, o Sr. Ministro dos Estrangeiros não veio à sessão.
Na sessão seguinte comuniquei a S. Exa. essa pregunta, mas o Sr. Ministro disse-me que, dados os termos vagos em que o Sr. Deputado a havia formulado, não sabia ao que se referia.
Peço, pois, a V. Exa. o favor de precisar os ermos, da sua pregunta.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Eduardo de Souza: - Nesse caso peço a palavra, estando presente o Sr. Ministro dos Estrangeiros.
O Sr. Nóbrega Quintal: - Pedi a palavra, estando presentes o Sr. Presidente do Govêrno, o Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Ministro das Colónias e o Sr. Ministro da Meirinha.
Eu desejava- que o Sr. Presidente do Ministério, ou, na sua ausência, qualquer dos Srs. Ministros presentes, me dêsse notícias do Sr. Ministro das Colónias. S. Exa. não comparece nesta Câmara há já bastante tempo.
Tenho por S. Exa., pelo seu carácter, pelo seu republicanismo, pelas suas altas qualidades de homem , público, a maior consideração. Estou certo de que toda a Câmara tem por S. Exa. grande respeito e grande consideração, mas como ainda não veio a exoneração de S. Exa. no Diário do Govêrno, julgo que S. Exa. continua a ser o Ministro das Colónias.
Estranho, pois que S. Exa. não compareça às sessões desta Câmara, nem tam pouco no Ministério, como me consta.
Obséquio seria, pois, que qualquer dos Srs. Ministros presentes me dissesse se de facto ainda é, ou não é, Ministro das Colónias o ilustre oficial da armada, Sr. Rodrigues Gaspar.
Agora chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça.
Consta-me que se movem altas influências para ser reintegrado no lugar do conservador do registo predial de Tondela o bacharel Costa Dias.
Ora eu indico à Câmara a situação política dêste Senhor.
Filiou-se no Partido Republicano Liberal e é hoje, em Tondela, o chefe político daquele partido.
Foi exonerado do seu lugar logo após o período da traulitania, por estar implicado ao movimento revolucionário que se dou contra a República em Janeiro dêste ano.
Peço para o caso a atenção do Sr. Ministro da Justiça o, pelo que conheço de S. Exa., estou certo de que não reintegrará tal indivíduo.
Tem S. Exa. por seu lado a lei, a justiça da República e a sua grande autoridade para não permitir que tal se faça. Não precisa, pois, de escudar-se em alguêm; mas se de tal se carecesse, podia escudar-se bem no grande e ilustre cidadão, intemerato e ardente republicano, o Sr. António Granjo. Foi o Sr. António Gr anjo, hoje leader do Partido Republicano Liberal, que, quando Ministro da Justiça, exonerou o Sr. Costa Dias devido às grandes culpas que lhe encontrou no movimento da traulitânia.
Estou certo de que o Sr. Ministro me vai dizer que j amais reintegrará êsse trauliteiro.
Permita-me agora V. Exa. que eu passo a dirigir-me ao Sr. Ministro da Marinha. Desejava que o Sr. Ministro da Marinha ia e informasse se do facto, como vi em alguns jornais, estão sendo descontadas
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aos marinheiros, que em defeza da República foram ao Norte e a Monsanto, as míseras quantias que então receberam.
Êsses marinheiros receberam uma determinada quantia, como ajuda de custo pela campanha no norte e nas terras de Monsanto, que não era para ser descontada.
Consta-me, porêm, que hoje, passadas essas horas tormentosas, em que os marinheiros foram tam precisos e em que, porventura, salvaram a nossa República, a burocracia torcida do Ministério da Marinha, a velha burocracia que está nesse Ministério como se encontra instalada em todos os Ministérios e que esteve miseravelmente encolhida na hora de perigo de Monsanto, quis tirar das pobres algibeiras miseráveis dos marinheiros os tristes cobros que lhe lhe foram adeantados.
O Sr. Ministro da Marinha para honra da Marinha, para honra da República, para honra da farda que veste, não deve consentir que assim se procure exercer semelhante vingança sôbre êsses defensores da República.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo Orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Rocha e Cunha (Ministro da Marinha): - Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as considerações do Sr. Nóbrega Quintal, e devo dizer que as afirmações de S. Exa. não são perfeitamente exactas.
Quando as fôrças partiram para o Norte, foram abonadas às praças determinadas quantias, pois que pela pressa com que partiam, não podiam receber os vencimentos de oficiais e praças.
Receberam essas quantias como adiantamentos, pois que pelas leis da contabilidade não lhes podia ser abonada qualquer outra quantia.
O Sr. Ministro da Marinha, da época, mandou descontar essas quantias recebidas, tendo todos êles recebido integralmente os seus vencimentos normais.
Foi apenas um adiantamento que êles receberam e o Sr. Ministro da Marinha não fez mais que cumprir as leis da contabilidade para serem descontadas as quantias que tinham de o ser, pois não se podia fazer doutra maneira.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso (Ministro da Justiça): - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao Sr. Nóbrega Quintal, que não existe no meu Ministério requerimento para a reintegração do Sr. Costa Dias.
A propósito dêste assunto, devo dizer que, há dias, um funcionário separado por hostilidade ao regime requereu a sua reintegração e eu mandei ouvir a Procuradoria Geral da República, que foi de parecer que o processo que o desligara do serviço não admitia revisão, doutrina inteiramente conforme com a minha opinião.
O Sr. Júlio Martins (interrompendo): - Mas V. Exa. não necessitava consultar a Procuradoria Geral da República, tanto mais que já tinha a sua opinião formada.
Àpartes.
O Orador: - Tratando-se da resolução de caso que a lei expressamente não previra, entendo que a Procuradoria Geral da República devia ser ouvida, tanto mais que no processo a que me refiro se cometeu irregularidade grave.
Apartes.
Se V. Exa., Sr. Júlio Martins, e os outros Srs. Deputados quiserem, é mais conveniente estarem atentos e depois de eu falar usarem de palavra.
O Sr. Júlio Martins: - Isso não pode ser uma censura para mim, porque pedi a V. Exa. licença para o interromper.
O Orador: - Já dei todos os esclarecimentos que me foram pedidos.
A Procuradoria Geral da República é uma estância do consulta, à qual se pede conselho sempre que há dúvidas sôbre a interpretação das leis.
Julgo, pois, ter respondido ao Sr. Nóbrega Quintal.
O Sr. Presidente: - Encontra-se na Sala dos Passos Perdidos o Sr. Viriato da Fonseca.
Convido os Srs. Nunes Loureiro, Custódio Paiva, Júlio Cruz, Nóbrega Quin-
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tal e Ladislau Batalha a introduzirem S. Exa. na sala das sessões.
Deu ingresso na sala o Sr. Viriato da Fonseca e tomou assento.
O Sr. Presidente: - O Sr. Pais Rovisco pediu a palavra para um negócio urgente, estando presente o Sr. Presidente do Ministério. Quer e S. Exa. tratar da questão de ordem pública.
Consulto a Câmara sôbre se considera de urgência êste assunto.
Foi rejeitada a urgência.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
Proceda-se à contagem.
O Sr. Presidente: - Aprovaram a urgência 36 Srs. Deputados e rejeitaram-na 45.
Está, portanto, rejeitada.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: a atitude da maioria desta casa do Parlamento, rejeitando a urgência para uma questão de ordem pública, leva-me a tirar a conclusão de que êsse procedimento foi uma indicação feita pelo Govêrno; isto é, o Govêrno não reconhece a necessidade desta Câmara tratar do momentoso assunto.
O Sr. Presidente (interrompendo): - Peço a V. Exa. que formule a sua pregunta à Mesa.
O Orador: - Desejo, por intermédio de V. Exa., preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se êle está disposto a vir assistir nesta Câmara a um largo debate sôbre ordem pública.
O Sr. Presidente: - Não posso responder a V. Exa. nos termos em que V. Exa. deseja.
A Mesa não pode servir de intermediária a preguntas que podem ser feitas directamente aos Srs. Ministros.
O Orador: - É que eu não podia falar sem não inscrever e formular a pregunta que fiz ao Sr. Presidente do Ministério.
Foi essa a razão por que pedi a palavra para interrogar a Mesa.
O orador não reviu, nem pelo Exmo. Presidente foram revistas as suas declarações.
O Sr. Presidente do Ministério (Sá Cardoso) declarou que não tem a responder a preguntas que lhe não foram directamente dirigidas.
O Sr. Campos Melo: - Sr. Presidente: Pedi há pouco a V. Exa. para solicitar dos Srs. Ministros do Interior e da Guerra para virem hoje à Câmara, pois desejava tratar dum assunto, que reputo grave, na presença dos referidos Ministros. Não vejo, porêm, presente o titular da pasta da Guerra, mas somente o Sr. Ministro do Interior, a quem solicito a atenção e peço para transmitir ao seu colega as considerações que vou fazer.
Sr. Presidente: não desejando levantar nesta casa do Parlamento uma questão irritante, eu, particularmente, avisei S. Exa. o Sr. Presidente de Ministros e Ministro do Interior do que a manter-se a transferência do tenente Godinho para o regimento de infantaria n.° 21, aquartelado na Covilhã, poderia o facto acarretar sérias conseqùências, e talvez mesmo graves alterações da ordem pública, e isto, Sr. Presidente, porque 6sto oficial havia sido o lugar-tenente dessa figura quixotesca, Teófilo Duarte, por ocasião do bombardeamento levado a efeito por êsse doido na Covilhã.
S. Exa. o Presidente do Ministério não deu atenção ao meu aviso, e infelizmente não me enganei, pois acabo de receber um telegrama, no qual me participam que, logo que chegou, êsse tenente Godinho foi pedir explicações ao digno administrador do concelho e em seguida desfechou-lhe um tiro de pistola, que, por felicidade, não feriu aquela autoridade.
Razão tinha eu, Sr. Presidente, em chamar a atenção do Sr. Ministro, pois que êste vil atentado pode muito bem ser o início de graves perturbações, de que V. Exa., Sr. Ministro do Interior, não quere, sem dúvida, tomar a responsabilidade, e vai imediatamente ordenar as providências necessárias para que justiça seja feita, ao mesmo tempo que conseguirá do Sr. Ministro da Guerra a transferência do oficial.
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Eu lamento, Sr. Presidente, êste desagradável incidente, tanto mais que se trata duma autoridade digna de todo o respeito e consideração, alêm de que José Vicente Barata é um autêntico republicano, que pela República tem padecido sofrimentos e privações de toda a ordem.
Mas, Sr. Presidente, parece que em Portugal só os inimigos da República têm protecção, e haja em vista o que acaba de se dar. Alêm disso estranho deveras que o Sr. Ministro da Guerra tam levianamente fôsse colocar na Covilhã uma criatura que fez parte da coluna que bombardeou aquela cidade, e que, segundo se afirma, foi quem indicou os edifícios que deviam ser bombardeados.
Repito, Sr. Presidente, é indispensável transferir desde já o tenente Godinho, pois a sua permanência no 21 é uma ofensa à opinião socialista e republicana que se não pode tolerar por princípio algum.
Não tenho, porêm, esperança que cousa alguma se venha a conseguir, pois que, Sr. Presidente, tendo na sessão de 9 de Outubro último feito aqui revelações importantes e reclamado contra a forma como procede o presidente da Câmara Municipal da Covilhã, até o presente nada o Sr. Presidente do Ministério se dignou fazer.
Hoje poderia aqui relatar factos muito graves e tam importantes que receio tolher a acção da justiça, por isso me limito a solicitar do Sr. Presidente do Ministério para conferenciar com o Sr. Ministro do Trabalho, a quem particularmente relatei os factos a que estou fazendo alusão.
Termino, Sr. Presidente, esperando não ter de voltar ao assunto, a não ser para felicitar o Govêrno pelas medidas tomadas.
O Sr. Ramada Curto (para interrogar a Mesa): - Desejava a presença do Sr. Ministro do Comércio para tratar do aumento do preço do carvão.
Já na sessão anterior tinha pedido a palavra para me referir a êsse assunto.
Pode V. Exa. informar-me da razão por que não me foi concedida a palavra?
O Sr. Presidente: - Peço a V. Exa. que mande por escrito para a Mesa o assunto que, em negócio urgente, deseja tratar.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Respondendo às preguntas que me foram feitas pelo Sr. Campos Melo, eu devo dizer a S. Exa. que, embora não esteja presente o Sr. Ministro da Guerra, posso dar as informações que me pediu.
Um oficial, o tenente Godinho, ultimamente transferido para a Covilhã, agrediu o administrador do concelho e disparou sôbre êste um tiro, que, felizmente, não lhe acertou. Êste oficial fazia parte da coluna do tenente Teófilo Duarte quando foi bombardeada a Covilhã.
Ao Ministério da Guerra chegou o pedido de transferência dêste oficial para a Covilhã e chegou por indicação de que em Leiria não havia alojamentos para mais oficiais.
O Ministério da Guerra transferiu êste oficial para a Covilhã sem indagar quem êle era, partindo do princípio de que se êle podia estar em Leiria, tambêm podia ir para a Covilhã.
Avisado aqui pelo Sr. Campos Melo, falei para o Ministério da Guerra directamente com o chefe de gabinete para que êsse oficial fôsse transferido.
Não chegou, porem, a tempo de evitar o conflito que se deu.
O oficial, Sr. Godinho, procurou obter satisfação do administrador do concelho.
Não sei como ia acompanhado.
S. Exa. leu telegramas.
O Sr. Campos Melo: - O tesoureiro de finanças é irmão do oficial.
O Orador: - Ignorava êsse facto. Agora estão aqui os elementos para se poder fazer alguma cousa com respeito ao caso.
Um oficial tanto pode prestar serviço numa parte como noutra.
Neste momento está entregue às autoridades militares.
Mas já está transferido.
Quanto à Câmara Municipal da Covilhã, devo declarar que não está averiguado facto algum que autorize a sua dissolução.
Pode, como qualquer outra, ser dissolvida, quer seja monárquica ou republicana, desde que se ponha fora da lei.
Não hesito um momento; o caso é ter elementos precisos para proceder.
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O Sr. Campos Melo: - Não peço a dissolução da Câmara a V. Exa.
Mande averiguar êsses factos. Não quero que proceda contra a lei: investigue, nada mais.
O Orador: - Tive conhecimento de que tinha havido irregularidades. Mas mandei averiguar.
O caso não é de natureza a poder intervir o Ministério do Interior, dada a autonomia das câmaras municipais.
O Govêrno não podia pois intervir. O funcionário pode protestar contra o facto.
Havendo qualquer maneira do Poder Executivo intervir, intervim.
Interrupção do Sr. Campos Melo.
V. Exa. pode comunicar se tem elementos.
Interrupção do Sr. Campos Melo.
V. Exa. não me comunicou o que sabe e, ninguêm mo dizendo, fico ignorando absolutamente o que se passa e em condições de nada poder fazer.
Permita V. Exa., Sr. Presidente, que, desde que estou no uso da palavra, mande para a Mesa dois projectos de lei.
Um é sôbre os emolumentos dos funcionários, para que sejam distribuídos do mesmo modo.
Outro e para podermos comemorar por alguma forma a entrada de Portugal na guerra.
Sabem V. Exas. que se formou em todo o País, pela iniciativa de Leal da Câmara, um movimento destinado a perpetuar em França a entrada de Portugal na grande guerra por uma forma permanente e duradoura.
Portugal colocou-se ao lado dos exércitos franceses o ingleses, aí combatendo, e é justo e necessário que nas terras de França, onde tantos portugueses perderam a vida, fique perpetuada a nossa passagem.
A melhor maneira de o fazer, constituindo ao mesmo tempo uma constante propaganda de Portugal, é realmente a construção duma aldeia com todas as características das nossas.
A idea foi bem recebida por todo o País e há até no estrangeiro quem, não tendo entrado na guerra, pensou imitá-la.
Formou-se, por iniciativa do Sr. Lial da Câmara, uma grande comissão que procurou angariar no País e no Brasil os meios necessários para levar a cabo êsse empreendimento.
Procurado por S. Exa., depois de estar organizada a grande comissão, e solicitado o auxílio do Govêrno, pareceu-me que a idea era simpática e, mais do que isso, patriótica porque, alêm de tudo, procurava construir um cemitério na aldeia portuguesa, para onde deviam ir os restos mortais daqueles que pagaram com a vida a entrada de Portugal na grande guerra. (Apoiados).
O Govêrno julgou patriótica a idea e julgou conveniente que o Pais contribuísse para a construção dessa aldeia.
Por essa razão só formulou a proposta de lei que eu tenho a honra de mandar para a Mesa, pela qual o Govêrno fica autorizado a contribuir com 100 contos para a construção da aldeia portuguesa.
O Sr. Ramada Curto: - V. Exa. dá-me licença?
A aldeia portuguesa a construir em França é com todos os caraterísticos da aldeia portuguesa?
O Orador: - Sim, senhor. A aldeia é construída por duas maneiras: uma parte dela é construída por iniciativa da comissão, a outra por particulares, devendo, no emtanto, a construção obedecer aos característicos da aldeia portuguesa.
O Sr. Ramada Curto: - Isto é, casas sem cubagem de ar, acanhadas; famílias em promiscuidade com animais, etc., pois que êsse é que é o característico da aldeia portuguesa. E se assim é, eu voto contra a proposta de V. Exa.; mas se é uma aldeia arejada e limpa, com todas as condições modernas higiénicas, é uma cousa muito bonita, mas não é portuguesa.
O Orador: - V. Exa. faz parte dessa comissão, e essa comissão que lhe agradeça a maneira como V. Exa. defende os seus interêsses nesta casa do Parlamento.
O Sr. Ramada Curto: - Exactamente porque não concordo com as suas ideas, é que ainda não fui a nenhuma reunião. O País não tem dinheiro para luxos!...
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O Orador: - Mas V. Exa. vote contra a minha proposta, e eu fico simplesmente satisfeito apresentando-a à consideração da Câmara. (Apoiados).
De resto, não são seis ou sete Deputados socialistas que constituem a maioria da Câmara. (Apoiados).
Trocam-se àpartes.
O Orador: - Sr. Presidente: o Sr. Ramada Curto a propósito dêste assunto, que eu reputo patriótico, veio fazer uma blague.
O Sr. Ramada Curto: - Não apoiado.
O Orador: - Porque eu não vejo necessidade de fazer a aldeia portuguesa em França com as deficiências que V. Exa. apontou.
O Sr. Brito Camacho: - E nem todas são assim. (Apoiados).
O Orador: - Mas as que o Sr. Ramada Curto conhece são todas assim. E, entretanto, mesmo que assim sejam, não se diferençam muito das aldeias francesas, particularmente na parte da Flandres, apesar da fama de higiénicas que elas têm. Na parte que eu conheço, eu posso dizer...
Interrupções.
O que eu posso dizer a V. Exa. é que nas aldeias da França por onde andei, as casas que habitei todas elas estavam bem sujas; às portas era tanto estrume que nos atolávamos até os joelhos.
Devo dizer que tambêm estive na frente, como o podem atestar os oficiais de artilharia que aqui estão, (Apoiados) mas o meu lugar era junto ao quartel general; nunca ninguêm teve necessidade de lembrar-me quando devia aparecer junto das minhas batarias.
Devo dizer tambêm que na Flandres, até nas próprias cidades, no interior das casas é uma esterqueira.
O Sr. Ramada Curto: - E quanto custa?
O Orador: - Custa, isto é, está orçado em 450 contos, eu peço à Câmara 100. A Câmara resolverá como entender. Eu compreendo que V. Exa. vota contra esta proposta, e compreendo que haja outros portugueses, os que não quiseram ir para a guerra, que votem contra, mas afirmo a V. Exa. que todos aqueles Deputados que estiveram em França votarão com as lágrimas nos olhos êste projecto. (Apoiados).
Afirmo a V. Exa. que todos nós que fomos a França votamos com prazer êste projecto, (apoiados) votamos com muita honra. (Apoiados).
Requeiro urgência.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Ramada Curto: - Eu votaria com prazer 450 contos para bairros pobres.
O Sr. Ladislau Batalha: - Eu votaria com prazer 450 contos para extinguir o analfabetismo.
Posta à votação a urgência do projecto do Sr. Presidente do Ministério, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - O Sr. Joaquim Brandão pediu a palavra para um negócio urgente. O negócio urgente é tratar do seguinte: da entrega dos navios ex-alemães que estavam alugados em Inglaterra.
Foi reconhecida a urgência.
O Sr. Joaquim Brandão: - Sr. Presidente: de entre as atoardas que ultimamente têm sido postas em circulação, certamente no propósito de alarmar o espírito público e promover o desprestígio do regime, nos últimos dias insistentemente corre de que por parte do Govêrno Inglês tem havido impedimentos ou condicionamentos à entrega dos navios ex-alemães que pertencem ao Estado Português e que estão actualmente sendo explorados pela casa Furness.
Esta questão interessa grandemente ao País, não só pelo lado material, visto tratar-se do maior valor que conquistámos pelo enorme sacrifício que fizemos intervindo na guerra ao lado da nossa aliada, como tambêm pelo que importa ao brio e crédito nacionais, que ficariam bem gravemente afectados se tal atoarda tivesse qualquer vislumbre de veracidade.
Peço, por isso, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para dizer ao País,
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por intermédio desta Câmara, o que realmente há sôbre o assunto a que me refino. Aguardo a resposta de S. Exa., esperando que ela seja de molde a tranquilizar por completo o espírito público, bem justamente preocupado por tal motivo.
O Sr. Melo Barreto (Ministro dos Estrangeiros): - Agradeço ao Sr. Joaquim Brandão o ensejo que me proporciona, com a sua pregunta, para opor o mais categórico desmentido ao boato, que se tem feito correr, de que há quaisquer dificuldades com a Inglaterra, no tocante à restituição dos navios ex-alemães. O governo sabe, com efeito, que se procura dar foros de veracidade a essa atoarda tendenciosa. Sei, mesmo, que já se tentou espalhar que a Inglaterra tornaria a devolução dos navios, dependente do critério que, em Portugal, se adoptasse quanto à futura exploração da frota mercante. Não estranhe, pois, a Câmara que eu aproveite a oportunidade fornecida pela pregunta do Sr. Joaquim Brandão para ligar os dois boatos absurdos, desmentindo-os, da maneira mais terminante, com as, seguintes declarações:
1.ª É absolutamente falso que tenham surgido quaisquer dificuldades com a Inglaterra, relativamente aos navios que lhe cedemos, em 1916, para acudir às deficiências de tonelagem da Gran-Bretanha e das outras nações aliadas;
2.ª Desses navios, a Inglaterra restituiu já dois: Fernão Veloso, de 5.100 toneladas, e o Figueira, de 2.160. Restam, em seu poder, dezoito navios, cinco dos quais de passageiros, o Peniche, o Trás-os-Montes, o Pangim, o Machico e o Porto, e treze de carga, o Amarante, o Cunene, o Nazaré, o Sines, o Faro, o Sacavêm, o Inhambane, o Esposende, o S. Tiago, o Santo Antão, o Gaia, o S. Vicente e o flores, que serão restituídos à medida que forem terminando as suas viagens, de que possam ser dispensados de serviços ainda dependentes da guerra. Dois dêles sê-lo hão muito brevemente, segundo comunicação oficial que recebi.
3.ª Portugal, no pleno uso da sua soberania, utilizará, como lhe aprouver, os seus navios, sem que os propósitos do Govêrno a tal respeito, sôbre os quais o Parlamento terá de pronunciar-se em breve, influam, de qualquer modo, nas resoluções do Govêrno Inglês, quanto à restituição dêsses barcos.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Brandão: - É para agradecer a resposta do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com a qual muito folguei na minha qualidade de português.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papéis a enviar para a Mesa, podem fazê-lo.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição de comissões, dadas para ordem do dia.
Interrompo a sessão por um quarto de hora, para os Srs. Deputados formularem as suas listas.
Eram 16 e 45 minutos.
Reabertura da sessão às 17 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Responderam os Srs.:
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Dias.
António Francisco Pereira.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
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António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Granjo.
António José Pereira
António Lôbo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António de Paiva Gomes.
António Pires de Carvalho.
António dos Santos Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebêlo Arruda.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Cruz.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Cotrim da Silva Garcez.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sousa Dias.
Henrique Ferreira de Oliveira Brás.
Hermano José de Medeiros.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Aguas.
João Henriques Pinheiro.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António da Costa Júnior.
José Domingos dos Santos.
José Garcia da Costa.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da Cruz.
Júlio do Patrocínio Martins.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Pino Pinto Gonçalves Marinha.
Luís Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Verdial.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Sá Pereira e Jacinto de Freitas.
O Sr. Pedro Pita: - Pedi a palavra para comunicar a V. Exa. que estão constituídas as comissões de legislação civil e administração pública, sendo escolhidos para presidentes, respectivamente os Srs. Barbosa de Magalhães e Abílio Marçal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para realizar a sua interpelação, o Sr. Deputado Brito Camacho.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: a Câmara sabe as condições em que eu mandei para a Mesa a nota de interpelação que hoje se realiza.
O Sr. Presidente: - Sr. Dr. Brito Camacho, o Sr. Presidente do Ministério tinha pedido a palavra, se V. Exa. dá licença.
O Sr. Brito Camacho: - Sim, senhor.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Pedi a palavra para fazer uma comunicação à
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Câmara: há dias fui interpelado a propósito de um telegrama que tinha sido enviado para o Ministério da Agricultura, no qual se faziam acusações a vários parlamentares.
Eu disse, então, que tinha mandado proceder a averiguações, que se estão ainda efectuando; comtudo devo dizer que têm sido ouvidas várias pessoas para se descobrir quem foram os signatários da representação referida, e espero em breve trazer à Câmara, ou a confissão de que as acusações são falsas, ou a comunicação dos nomes das pessoas a que se referem.
Aproveito a ocasião do estar com o uso da palavra, para fazer uma outra comunicação.
Refiro-me a um acontecimento que se deu no Pôrto, o qual foi o lançamento de uma bomba sôbre cinco pessoas; ao contrário do que se tem passado das outras vozes, a bomba foi lançada contra republicanos, na Rua do Freixo, quando vinham de dopor num processo contra monárquicos.
Dois dos atingidos recolheram ao hospital em estado perigoso; a autoridade mandou proceder a um inquérito, o apesar de não ter ainda os fios da meada, tem todavia indícios apreciáveis para descobrir quem foram os autores do atentado.
Como é costume, sempre que se dá qualquer alteração de ordem pública, no Pôrto, o Govêrno é interrogado e increpado por causa da atmosfera demagógica que há no Pôrto.
Confesso que espero hoje ser tambêm interrogado.
Das outras vezes foram monárquicos agredidos e sempre houve nesta Câmara quem falasse; desta vez foram agredidos republicanos e como ninguêm se levantou a protestar, não quero eu deixar de narrar à Câmara o que se passou.
O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: dizia eu há pouco que a Câmara sabe, em que condições mandei para a Mesa uma nota de interpelação que hoje se realiza.
Esta nota foi enviada há quinze dias, não se tendo ela realizado até hoje por motivos inteiramente alheios à minha vontade, por motivos alheios à vontade do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que desde logo se declarou habilitado a responder-me, e independentemente da vontade do Sr. Presidente da Câmara que a marcou o mais rápidamente possível.
Sabe a Câmara que foi dito lá fora, numa reunião pública, que um sub marechal do Partido Republicano Liberal, a que tenho a honra de pertencer, negociara em trigo por conta do Estado e tinha realizado lucros fabulosos; que o mesmo marechal tinha recebido centenares de contos do Estado para comprar arroz em Espanha, e que até a data, não tinha entregado o arroz nem restituído o dinheiro.
Fez-se a denúncia, que cremos verdadeira ou presumível, mas não só indicou o nome do presumido ou verdadeiro criminoso; e assim, Sr. Presidente, sôbre todos os homens de um partido, ficou pairando uma suspeição desonrosa.
Por êsse motivo e por que urgia liquidar responsabilidades nesta Câmara, foi levantado incidente, e eu escuso de rememorar o que então se passou.
Devo dizer que me reporto para estas referências n um jornal onde encontrei o mais largo estrato da, conferência e onde a denúncia dêstes crimes, verdadeiros ou presumidos, foi feita.
Sigo o relato de O Grito do Povo, por ser aquele que de todos os jornais me pareceu o mais completo; não será o mais exacto ou fiel, mas era o mais extenso.
Na ocasião em que foi levantado o incidente na Câmara, eu não pude presumir quem seria o sub-marechal do Partido Republicano Liberal que tinha comprado trigos por conta do Estado, que os tinha vendido ao Estado, realizando nessa operação lucros fabulosos.
E por isso na minha nota de interpelação, eu apenas me referi ao caso do arroz.
Mas V. Exa. compreende, e a Câmara me relevará que eu do caso dos trigos, muito incidentalmente me ocupe, por êle ter um aspecto político e um aspecto moral que muito importa-a dignidade dos homens que pertencem ao Partido Republicano Liberal.
Fui informado, já fora da Câmara, de que a pessoa visada no caso dos trigos era o Sr. Carlos Alberto Codina Júnior.
Não encontrei êste nome no relato de nenhum jornal, nem mesmo no que o publicou mais desenvolvido; mas foi-mo dito
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que o Sr. Codina Júnior era a pessoa visada no caso da compra dos trigos.
Eu desejaria saber, Sr. Presidente, se nesta Câmara há meia dúzia de pessoas, tirando os antigos unionistas, que conheçam o Sr. Carlos Alberto Madureira Codina Júnior.
Êste homem político, cujos actos incorrectos podem deslustrar um partido, estou convencido que não há meia dúzia de pessoas que o conheçam.
Modesto funcionário público, desde 1904, pelas informações que tenho, o Sr. Codina nunca teve como político um nome de relevo, e no Partido em que sempre militou, que era a União Republicana, nunca teve uma situação de destaque.
No entretanto, foi-lhe dada a categoria de sub-Marechal, conforme o relato que vou seguindo, em termos que o seu acto incorrecto, o acto que lhe atribuíam, pudesse ser lançado à responsabilidade do Partido Republicano Liberal, em que hoje o Sr. Codina se encontra.
Sr. Presidente: com honras de marechal, ou apenas com as divisas de cabo, o que é preciso saber, é se realmente êste homem praticou o acto incorrecto que lhe atribuem.
O Partido Republicano Liberal não dá nem dará nunca a sua solidariedade àquele dos seus marechais que tenha, ou como homem ou como político, um procedimento indigno (Apoiados), mas tambêm nunca enjeitará a sua solidariedade com o mais modesto dos seus militantes emquanto se não provar que êle a não merece.
Sr. Presidente: em Outubro de 1918 o Sr. Ministro dos Abastecimentos contratou com o Sr. Drolhe o fornecimento de trigo adquirido no Alentejo, pôsto em Lisboa à razão de $22, abonando-se para desposas várias $08, o que dava para venda em Lisboa o preço de $30.
O contrato, bem ou mal feito, e devo supor que os contratos feitos por êsse Ministério são mal feitos, deve encontrar-se hoje em qualquer das repartições para onde transitaram os serviços daquele extinto Ministério.
O Sr. Codina foi convidado a ir ao Alentejo, distrito de Évora, não como delegado do Govêrno, não como agente dêsse Ministério, mas como agente do Sr. Drolhe, mediante percentagem de lucros, adquirir o trigo que lá houvesse disponível e quisessem vender.
Pediu uma licença de 10 ou 12 dias na sua repartição, e foi para o distrito de Évora comprar trigo.
Não foi, repito, como agente do Govêrno, nem do Ministério dos Abastecimentos, como vi num jornal, em que dizia que o Sr. Codina tinha ido para o Alentejo comprar trigo à razão de 150$ por mês.
O Sr. Afonso de Macedo (interrompendo): - V. Exa. leu em algum jornal êsse nome?
O Orador: - Vi que êsse agente tinha ido para o Alentejo com 150$ por mês.
Se porventura o Sr. Codina era visado na questão do trigo, a Câmara vê como essa afirmação era absolutamente inexacta.
O Sr. Codina é funcionário do Ministério das Finanças, e estava no seu pleno direito de pedir uma licença na sua repartição para tratar dum negócio lícito.
Certo é que, indo para Évora comprar trigo, ou porque não o houvesse, ou porque não o quisessem vender, nem um quilograma de trigo veio para Lisboa.
O então Ministro dos Abastecimentos, que era o Sr. Cruz Azevedo, anulou o contrato que o Sr. Drolhe tinha feito com o Ministério das Finanças, e tendo-lhe exigido, nos termos dêsse contrato, o pagamento do trigo adquirido por um outro agente no distrito de Portalegre, recusou-se a pagar mais do que o preço da tabela. O Sr. Drolhe recebeu a quantia que lhe quiseram pagar, deixando ficar uma reclamação para o resto, pois recebeu apenas por conta do que lhe era devido.
Mais tarde, em virtude da reclamação do Sr. Drolhe por motivo da anulação do seu contrato, o Ministro dos Abastecimentos, tendo consultado a Repartição Geral de Contabilidade e ouvido o consultor jurídico do Ministério, e sendo as duas consultas conformes, mandou pagar ao Sr. Drolhe, nos termos do seu contrato. E então sucedeu que o Sr. Codina, que nada tinha recebido para ir ao Alentejo nas suas diligências de comprar trigo, recebeu não sei quanto, que não podia ser, porque não foi, uma percentagem de lucros, pois não realizou compras,
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mas uma indemnização dos gastos que tinha feito. Passou-se isto em Outubro de 1913, e o Sr. Codina, que não era funcionário do Ministério dos Abastecimentos, mas do Ministério das Finanças, foi apenas o agente da compra dos trigos que não comprou. Foi só mais tarde, em Maio, quando todo o negócio do trigo estava fechado, que o Sr. Codina foi convidado para chefe do gabinete do Sr. Brito Guimarães, e, em Junho, nomeado inspector dos celeiros municipais, em comissão, que rápidamente acabou como a Câmara sabe, regressando então êsse funcionário ao seu modesto lugar no Ministério das Finanças.
Êste é o caso dos trigos. Todas as minhas considerações resultarão, porêm, inúteis se não fôr o Sr. Codina o atingido pelas acusações feitas na conferência a que me referi no início do meu discurso. Mas só é realmente o Sr. Codina, a Câmara não vê com surpresa a promoção dêste modesto funcionário a marechal.
Verifico que êle de facto não tem categoria política para comprometer um Partido, mas reconheço tambêm como a Câmara deve reconhecer, que tudo quanto expus, e que consta de documentos, prova bem que esto funcionário, embora modesto, é um funcionário hábil e é um cidadão honrado.
A Câmara vê que o Partido Republicano Liberal podia dar-lhe a êle, como a tantos outros, sôbre os quais nenhuma acusação pesa, a sua inteira e devida solidariedade. (Apoiados).
Sr. Presidente: êste foi o caso do trigo, e não fazia êle parte da minha interpelação, mas a Câmara, que vê que se trata duma questão de alta moralidade, que se trata não apenas de um ou dois homens, mas, nos termos em que a questão foi posta, de todo um Partido, de toda a sua honorabilidade, a Câmara compreende e desculpa que eu, no objecto principal da minha interpelação, enxertasse êste caso mínimo da compra de trigos.
Vejamos agora a questão do arroz.
A êste respeito eu não poderia ter dúvidas sôbre quem era a pessoa visada, porque o sabia perfeitamente, e tanto que no meu jornal, e por mais duma vez, eu fiz alusão a êsse caso. Por mais duma vez eu pedi na Luta que se liquidasse a questão do arroz.
De resto, e segundo ò relato do Grito do Povo, ao ser enunciado em reunião pública p negócio do arroz, vozes gritaram: "É o Sr. Augusto de Vasconcelos".
De facto era êste senhor o Ministro de Portugal em Espanha quando se tratou do negócio do arroz.
Sr. Presidente: desta vez coube bem ao visado a categoria que se lhe atribui de marechal, porque, não apenas pelos seus merecimentos próprios, que tem muitos, mas pela situação bem merecida que tem ocupado dentro da República, Presidente do Ministério, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro plenipotenciário em Espanha e Inglaterra, elo tem, na verdade, a categoria suficiente para ser tratado de marechal.
Pois, Sr. Presidente, o Sr. Augusto de Vasconcelos era realmente o Ministro de Portugal em Madrid quando se efectuou o negócio do arroz e foi êle desta vez, falo duma forma afirmativa, foi êle o visado na conferência pública a que me venho de referir.
Devo dizer que pratiquei um êrro de facto quando escrevi na minha nota do interpelação que a compra se fizera no dezembrismo. Realmente o dezembrismo encontrou na sua herança política o negócio do arroz, e como não soube, não quis ou não pôde resolvê-lo, deixou-o tambêm na sua herança política para os que vieram depois, tendo sido iniciado em Março de 1917, segundo os documentos.
Vejamos então, Sr. Presidente, o que foi, o que tem sido, é que é e quere-me parecer que continuará a ser o negócio do arroz.
Em Março de 1917 um espanhol de nome Casimiro Reis fez à comissão de abastecimentos, que era então presidida pelo Sr. Freire de Andrade, uma proposta para o fornecimento de 1:500 toneladas de arroz, adquirido em Espanha, nas condições que constam do respectivo contrato, o qual se encontra no processo que V. Exas. podem consultar e que está no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
A comissão do abastecimentos deu parecer favorável à proposta de Casimiro Reis, e o Ministro conformou-se com êsse parecer. Simplesmente a proposta era feita em papel comum, e entendeu-se de pois que devia ser renovada, mas em pa-
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pel selado. Se V. Exas. quiserem consultar e confrontar as duas propostas verão que elas são a mesma, só com esta diferença. : a primeira, com data de 13 de Março, é em papel comum, e a outra é em papel selado, mas em ambas elas o respectivo Ministro, que era então o Sr. António Maria da Silva, lançou o seu despacho favorável ao parecer da comissão. Nos termos dessa proposta, o espanhol Casimiro Reis oferecia ao Govêrno Português 1:500 toneladas de arroz, adquirido em Espanha, pagando êle o arroz, o seguro, a armazenagem que porventura houvesse, a carga que necessáriamente se teria de fazer e o frete marítimo, visto que estava excluída a hipótese de o arroz ser transportado por terra, fazendo ainda outras pequenas despesas de ordem comercial, e só não se responsabilizando pelo pagamento da sobretaxa que o Govêrno Espanhol impusesse.
O Sr. Júlio Martins: - É ainda duvidoso se êle se não responsabiliza pelo pagamento da sobretaxa.
O Orador: - Para mim, que li a proposta ou côntrole - como lhe queiram chamar - não se me oferece dúvida nenhuma, e eu peço para que êle seja lido, ou eu mesmo terei ocasião de o ler, o espanhol de facto estabelece a sobretaxa. Tirando essa despesa, todas as demais êle as fazia nos termos que determinou a comissão de abastecimentos. O arroz era pôsto em Lisboa ao preço de $26 o quilograma.
O que é certo é que a comissão de abastecimentos deu o seu parecer, com o qual se conformou o Sr. Ministro, então o Sr. António Maria da Silva.
Encontram-se no processo a que já me referi as duas propostas de Casimiro Reis, e em ambas elas se encontra tambêm o parecer da comissão e o despacho do respectivo Ministro, conformando-se com êsse parecer. Não há testemunhas, não há abonador, não há caução, e eu pregunto se havia o direito de contar com a lialdade do espanhol.
Como instrumento de contraste, não há outros documentos alôni da proposta do espanhol e o despacho do Ministro.
Êste contrato - e eu creio que êle se pode chamar um contracto nos termos do Código Civil - para êle se fazer o nosso Ministro em Espanha não foi ouvido em cousa alguma. O Ministro em Espanha não teve nenhuma espécie de responsabilidade.
Trata-se dum negócio iniciado em Lisboa, reduzido a termos jurídicos em Lisboa, sem a consulta do Ministro português em Espanha.
Êste ponto é incontroverso. Fica desde já estabelecido.
Sr. Presidente: não leio à Câmara, para a não cansar, porque de mais a mais a minha interpelação faz-se era condições muito singulares, porque se faz já tarde e no decorrer da sessão; para não cansar a Câmara, repito, não leio e tenho pena de o não poder fazer porque nem todos os Sr s. Deputados tem vagar e paciência para ir aos Ministérios consultar documentos mínimos, quanto mais desta importância; não leio toda a proposta para V. Exa. verem como de facto ela não era no decorrer dos contratos um contrato, e como de facto, era apenas a efectivação de contratos.
Foi feita em termos em que o espanhol não se colocou como contratante, mas na qualidade de agente do Govêrno Português para adquirir arroz em Espanha.
Leio algumas palavras do que vem nessa proposta e V. Exas. verão, e verão sobretudo os homens versados nessa matéria, que algumas vezes em documentos desta natureza, em contratos entre particulares e o Estado se escreveram palavras como às que no contrato se mostram.
O Sr. Júlio Martins: - Até já dá conselhos sôbre requisições...
O Orador: - Tal foi a proposta a que respeita o despacho ministerial.
Pregunto, se assim foi, essa proposta não dá realmente para Casimiro Reis a qualidade de agente que vai colaborar sem lucros, generosamente, com o Govêrno Português, quando se lhe atribui a qualidade de contratante sem condições.
Não queria lucros, diz aquele grande patriota.
Vejam V. Exas. se por todos os dizeres da proposta do Sr. Casimiro Reis,
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proposta sôbre a qual foi feito o parecer; favorável da comissão de abastecimentos e lançado o despacho ministerial, se por tudo essa proposta não tem de ser considerada, não como proposta de contrato, mas apenas como homem que se propõe, sendo aceita, a ser agente do Govêrno Português em Espanha para aquisição de arroz.
Sr. Presidente: êste homem, que não queria lucros como o escrevia na proposta em que se lançou o despacho ministerial, que não queria comissão, porque isso escreveu, êsse homem, que até, vejam V. Exas., foi agradecer a generosidade, o favor do Govêrno Português, êste espanhol foi a Valência como agente do Govêrno Português, como delegado da comissão dos abastecimentos, para comprar 1.500 toneladas de arroz, nos termos que êle chamava, primeiro, seu contrato, e mais tarde, com mais precisão de linguagem, o seu orçamento.
Quem se dêsse ao trabalho de ler toda a documentação que a êste respeito há no Ministério dos Estrangeiros, que S. Exa. o Sr. Ministro pôs à disposição da Câmara, pelo que só merece louvores, há-de ter encontrado o documento em que Casimiro Reis, rectificando a sua primitiva linguagem, chama à sua proposta, o seu orçamento, e de facto nada mais é do que um orçamento.
Sr. Presidente: por certo ocorre a toda a gente preguntar como é que o Estado, como é que o Ministério dos Abastecimentos, contrata com o primeiro espanhol que lhe aparece v a oferecer um arroz que não tem, mas que diz ir adquirir, como é que vai contratar com um homem nestas condições, sem rodear o seu contrato das mais rigorosas e indispensáveis garantias.
Como?
Razão haveria, então, para que o Govêrno tivesse em Casimiro Reis uma grande, uma quási ilimitada confiança, visto como para a execução do seu contrato, não lhe exigia nenhuma espécie de garantias, e já quando todas as garantias que oferece o Código Civil, não eram aplicadas ao caso de Casimiro Reis que nem tinha erros, para vender, nem tam pouco onde cair morto.
Uma voz: - Talvez tenha hoje.
O Orador: - É que êste espanhol não apareceu no Ministério dos Abastecimentos, caido do céu.
Êste espanhol já era sofrivelmente conhecido dos governantes portugueses.
Eu digo para aquela parte da Câmara, que não consultou o processo relativo a êste negócio, porque aqueles que o consultaram nele encontraram documentos bastantes que certificam que Casimiro Reis, de facto, não era um homem desconhecido para os Govêrnos de Portugal.
Em 1914, já depois de declarada a guerra, o Govêrno Português, entendia que devia adquirir em Espanha 300 cavalos o 300 muares. Fés o neu contrato para aquisição dêste gado, e como êle não podia sair de Espanha senão duma forma um bocadinho irregular, e tam irregular que seria necessária uma lubrificação nas engrenagens burocratas, para tornar mais suaves os atritos, o homem escolhido para introduzir em Portugal os 300 cavalos e as 300 muares, que o Govêrno adquiriu, foi exactamente o homem do arroz: foi Casimiro Reis.
Êsses animais eram adquiridos por 1.250 pesetas por cabeça. Está V. Exa. a ver que êste negócio, sem ser precisamente do montante atingido pelo do arroz, porque lhe fica inferior em duas centenas de pesetas, era, em todo o caso, de 750 mil pesetas que ao cambio do então...
O Sr. António Maria da Silva: - Em que data foi isso?
O Orador: - Foi em Dezembro de 1914.
Sr. Presidente: todos nós sabemos como algumas vezes se tem de recorrer a processos menos regulares para se fazer, mesmo em nome dum Govêrno, um determinado comércio entre dois países; e, como não são positivamente os agentes oficiais que, encarnando uma parte da autoridade, encarnam tambêm uma parte da responsabilidade do seu país, os mais idóneos para esta espécie de contrabando, então, nestas condições, escolhem-se os Casimiros Reis, que não faltam nunca e aparecem sempre em todas estas oportunidades. O certo é que para o negócio dos 1:200 animais, que havia necessidade
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de introduzir em Portugal, o agente de confiança do Govêrno Português foi o Sr. Casimiro.
Era então Ministro de Portugal em Espanha o Sr. Augusto de Vasconcelos, £ e quere V. Exa. ver como decorreu êsse negócio das muares, em que teve de interferir, como Ministro de Portugal, o Sr. Augusto de Vasconcelos, e em que interveio como agente o Sr. Casimiro Reis? Basta ler um ofício do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que era então o Sr. Augusto Soares, como já, tive ocasião de dizer, para a Câmara ver como decorreu êsse negócio importante para o Estado - importante pela quantia de que se tratava.
A respectiva documentação encontra-se nos ofícios trocados entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros em Portugal, o Sr. Augusto Soares, e o nosso representante em Madrid, o Sr. Augusto de Vasconcelos.
O Ministro entendia que o gado devia ser pago em Portugal. Pois nós estivemos a ficar sem o dinheiro, sem 750:000 pesetas, pois o gado ficava retido na fronteira pelos carabineiros, que não tinham recebido a indispensável espórtula para terem a miopia favorável nestes casos.
Note V. Exa. que o mesmo homem que em 1914 entendia que o gado devia ser pago em Lisboa, em 1917 tinha a mesma opinião com relação ao arroz.
O negócio foi feito sem audiência ou consulta prévia do Ministro de Portugal em Espanha.
Isto é um facto absolutamente insofismável.
Sr. Presidente: num àparte feito há poucos minutos pareceu-me ter ouvido dizer que Casimiro Reis já era conhecido em Portugal muito antes do negócio do arroz ou do negócio das muares. De facto, e pelos documentos que tive ocasião de ler, e que se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros permitir V. Exas. poderão consultar, se prova que Casimiro Reis já ora conhecido dos Govêrnos portugueses antes do negócio das muares, e era da mais absoluta confiança. Era de absoluta confiança na questão vital para a Espanha quando da guerra, e da maior importância na política internacional.
As naturais reservas que o assunto me impõe, impedem-me de ser mais explícito, mas aqui afirmo, sem receio de desmentido, porque há documentação de que êsse espanhol andou envolvido no Ministério dos Negócios Estrangeiros em assuntos da maior importância, dando direito a ser tido para o futuro como um homem de quem se pode confiar; e, nestas negociações, sôbre assunto de tamanha monta, não entra o Ministro de Portugal em Madrid, de modo que sem. que isso talvez justifique a confiança que o Govêrno Português depositou em Casimiro Reis, encontra-se no emtanto tudo explicado.
Já antes mesmo do facto a que aludo, apenas da forma que me impõe o sentimento das conveniências, êste espanhol tinha entabelado negociações com o Govêrno de Portugal, entregando documentos que V. Exas. poderão ver no Ministério dos Negócios Estrangeiros se, provavelmente, o respectivo Ministro entender que nisso não há qualquer espécie de inconveniente interno ou internacional.
A Câmara agora, depois de tudo que venho relatando, e só tenho relatado aquilo que não sofre desmentido, vê como fácilmente êste espanhol encontrava acolhimento favorável no, Ministério das Subsistências quando se apresentou numa hora de crise, oferecendo o arroz que não existia aqui, mas em Espanha.
O despacho ministerial, a que há pouco me referi, lançado nas duas propostas de Casimiro Reis, era redigido da seguinte forma:
"Concordo com o parecer da comissão e oficie-se ao Sr. Ministro das Finanças, pedindo a abertura dum crédito de 360.000$ à ordem do Ministro de Portugal em Madrid".
Êste foi o despacho textual.
O Sr. António Maria da Silva (interrompendo): - Já que V. Exa. lê o despacho, seria interessante que lesse igualmente o parecer da comissão.
O Orador: - Não o tenho aqui.
O Sr. António Maria da Silva: - Eu tenho-o e posso ler.
O Orador: - Nesse tempo o respectivo Ministério não se chamava, dos Abasteci-
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mentos. Os abastecimentos estavam no Ministério do Trabalho. Êsse assunto corria por uma comissão, a que presidia o Sr. Freire de Andrade e de que fazia parte tambêm o Sr. Carlos Gomes.
O Sr. António Maria da Silva: - V. Exa. dá-me licença; o que era interessante era que V. Exa. lesse o ofício enviado para o Ministério das Finanças, e o ofício que o Sr. Freire de Andrade mandou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Orador: - Lá chegaremos;
Eu já tinha dito que a comissão do abastecimentos tinha feito os seus cálculos, e que o arroz tinha de ser adquirido por um preço tal que pudesse ser vendido a $26 e quando li agora o despacho do respectivo Ministro, não omitindo nada, eu disse que era lançado sôbre o parecer da comissão.
O Sr. António Maria da Silva: - V. Exa. disse há pouco que, naturalmente era sôbre o parecer da comissão.
Naturalmente era.
O Orador: - Perdão, afirmei.
Sr. Presidente: êste despacho tem a data de 16 do Março, e uma rial ordem, ou seja uma portaria publicada em Espanha, autorizava a exportação do arroz até 20:000 toneladas, mas só durante quinze dias. Porém, o espanhol, um bocadinho mais avisado do que as nossas estações oficiais, ao fazer a sua proposta declarou, que se deveria proceder com urgência, porque o tempo de exportação estava determinado, e ainda porque o preço podia subir, os câmbios agravarem-se e tornar os transportes mais precários.
Em 16 de Março fez-se, o que continuarei a chamar contrato, entre o Ministério do Trabalho e Casimiro Reis, e a exportação em Espanha só estava permitida até o dia 27.
Isto quere dizer, que o Govêrno tinha de habilitar Casimiro Reis com os fundos indispensáveis para adquirir o arroz e exportá-lo até o dia 27.
QuereV. Exa. Sr. Presidente, quere a Câmara saber quando é que a agência do Crédit Lyonnais em Madrid recebeu ordem para pagar, ao Ministro de Portugal 316 contos, para êle por sua vez dar a Casimiro Reis, à medida que fôsse adquirindo o arroz?
Em 9 de Abril é que a referida agência recebeu ordem para comunicar à nossa Legação que tinha a seu crédito a importância de 316 contos!
Àpartes.
O Orador: - A verdade é que sendo feito o contrato em 16 de Março, terminando a exportação em Espanha em 27 de Março, a agência do Crédit Lyonnais só recebeu a ordem de pôr à disposição do Ministro em Madrid a quantia de 316 contos no dia 9 do Abril.
Entretanto, mais diligente que os nossos governantes, o espanhol apresentava--se na Legação de Madrid e pedia dinheiro nos termos do seu contrato.
O Sr. Júlio Martins: - Em 30 de Março quando a exportação estava proibida em Espanha!...
O Orador: - Parece que sendo êste contrato feito no Ministério do Trabalho, e visto ter-se resolvido que o Ministro de Portugal em Madrid fôsse o encarregado de pagar o arroz à medida que êle fôsse sendo adquirido, não era apenas natural, mas era indispensável, que o toxto do contrato lhe fôsse comunicado.
Pois sucedeu que o Ministro de Portugal em Madrid nunca teve conhecimento dêsse contrato!
Suponho eu que o Govêrno, por intermédio do Ministério dos Abastecimentos teria de comunicar imediatamente ao nosso Ministro em Madrid êsse contrato, e comunicá-lo nos termos em que êle teria de ser executado. Pois sucedeu êste caso absurdo, êste caso quási inverosímil: o Ministro em Madrid, tendo aberto em seu favor um crédito de 316 contos, e tendo-se lançado sôbre êle as responsabilidades de fiscalizar e adquirir arroz, somente soube que êsse contrato estava feito quando o outro contratante lhe foi pedir dinheiro!
Vem tudo isto para que a Câmara veja como se tratam negócios desta monta, e como êles constituem faltas de ordem administrativa a que não seria ilegítimo dar - um nome violento - mas que é indispensável denunciar, por que êles trazem o grande mal, o quási irremediável mal
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da nossa administração - de desleixo ou incompetência.
Isto dizia a Direcção Geral da Fazenda Pública - copiei textualmente dos documentos -, mas no dia 22 de Março, isto é, dois dias antes, a comissão de abastecimentos tinha-se dirigido ao director geral dos negócios consulares e comerciais nos termos que vou comentar.
Se algumas dúvidas pudesse haver de que o Ministro não tinha sido ouvido ab initio neste negócio, bastariam as palavras do presidente da comissão de abastecimentos para as tirar a quem honestamente as tivesse.
Sr. Presidente: como V. Exa. vê há, por um lado, a Direcção Geral da Fazenda Pública a dirigir-se. ao Ministro em Madrid, dizendo-lhe que devia pagar o arroz à, medida que fôsse sendo adquirido.
Adquirido por quem? Evidentemente que pelo agente de Portugal em Espanha para comprar o artigo. Por outro lado, há o ofício da comissão de abastecimentos para que o Ministro se encarregasse de fiscalizar a compra do arroz e o pagar aos vendedores por um preço que permitisse a sua venda em Lisboa ao preço de $26.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, como tudo isto é desordenado, caótico e inteiramente absurdo!
Pagar à medida que fôsse sendo adquirido era a indicação para pagar ao agente do Govêrno para a compra; pagar aos vendedores? o que quere dizer?
Quem tinha de pagar não era, o Ministro, mas Casimiro Reis, nos termos do contrato efectuado.
Era então ao Ministro que, neste ofício da comissão de abastecimentos, se dizia que fiscalizasse a compra, visse a qualidade do arroz e regulasse o preço de modo que o artigo em Lisboa se pudesse vender a $26.
V. Exas. estão vendo como isto era infantil e absurdo aos olhos dos menos qualificados!
O Sr. Presidente: - Está a dar a hora de se encerrar a sessão. V. Exa. deseja concluir o seu discurso ou prefere ficar cem a palavra reservada?
O Orador: - Lamento não poder agora concluir as manhas considerações, mas, como não posso deixar de as completar, peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a próxima sessão.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os "àpartes" não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se o resultado das eleições.
[Ver valores da tabela na imagem]
Comissão do Orçamento:
A. Marçal (eleito)
A. M. Silva (eleito)
A. F. Fonseca (eleito)
A. Nobre (eleito)
D. Frias (eleito)
Camarate Campos (eleito)
Jaime de Sousa (eleito)
Jaime Vilares (eleito)
Mariano Martins (eleito)
N. Simões (eleito)
Paiva Manso (eleito)
Pina Lopes (eleito)
Aresta Branco (eleito)
F. F. Costa (eleito)
Joaquim Carvalho (eleito)
Jacinto de Freitas (eleito)
A. Melo
J. Pinheiro (eleito)
Listas brancas, 21.
Comissão de caminhos de ferro:
António Maria da Silva (eleito)
Bartolomeu Severino (eleito)
Custódio Paiva (eleito)
Godinho do Amaral (eleito)
Jaime de Sousa (eleito)
Paiva Manso (eleito)
Aresta Branco (eleito)
Jorge Nunes (eleito)
Francisco Cruz (eleito)
Listas brancas, 22.
Comissão de instrução, especial e técnica:
Alberto Ferreira Vidal (eleito)
Costa Cabral (eleito)
Jaime Vilares (eleito)
Mem Verdial (eleito)
Paiva Manso (eleito)
Tamagnini Barbosa (eleito)
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[Ver valores da tabela na imagem]
Manuel Fernandes Costa (eleito)
Aboim Inglês (eleito)
Sampaio e Maia (eleito)
Lino Pinto
João de O. da Silva
Listas brancas, 20.
Comissão de instrução superior:
Augusto Nobre (eleito)
Barbosa de Magalhães (eleito)
Costa Cabral (eleito)
Liberato Pinto (eleito)
Lúcio dos Santos (eleito)
Mem Verdial (eleito)
Alves dos Santos (eleito)
M. Fernandes Costa (eleito)
Hermano de Medeiros (eleito)
Alberto Dias Pereira
Listas brancas, 19.
Comissão do Regimento:
António Dias (eleito)
B. Teixeira (eleito)
E. Carvalho (eleito)
João Camoesas (eleito)
Manuel Fragoso (eleito)
Nunes Loureiro (eleito)
Alves dos Santos (eleito)
António Mantas (eleito)
Sousa Dias (eleito)
Listas brancas, 21.
Comissão de legislação criminal:
A. Guedes (eleito)
A. Dias (eleito)
A. Arruda (eleito)
C. Olavo (eleito)
Salgueiro Cunha (eleito)
Maximiano Faria (eleita)
João Bacelar (eleito)
L. Pinto (eleito)
F. Garcez (eleito)
Acácio Lopes Cardoso
Orlando Marçal
Listas brancas, 21.
Comissão de instrução secundária:
Alberto Jordão (eleito)
Alberto Vidal (eleito)
Lúcio dos Santos (eleito)
Costa Cabral (eleito)
Leonardo Coimbra (eleito)
Baltasar Teixeira (eleito)
António José Pereira (eleito)
Júlio Cruz (eleito)
Carvalho Mourão (eleito)
Pacheco de Amorim
Lúcio de Azevedo
Listas brancas, 21.
Comissão, de agricultura:
A. de Sousa (eleito)
J. L. Ricardo (eleito)
J. Camoesas (eleito)
José Monteiro (eleito)
J. Salema (eleito)
Plínio Silva (eleito)
Sousa Amarela (eleito)
Jorge Nunes (eleito)
Macedo Pinto (eleito)
Listas brancas; 20.
Comissão de obras públicas e minas:
Aníbal Lúcio do Azevedo (eleito)
Evaristo de Carvalho (eleito)
Jaime Vilares (eleito)
Lúcio dos Santos (eleito)
Plínio Silva (aleito)
Vasco Borges (eleito)
Francisco Fernandes Costa
Júlio Cruz (eleito)
Aboim Inglês (eleito)
Listas brancas, 22.
Comissão de instrução, primária:
Marques de Azevedo (eleito)
Tavares Ferreira (eleito)
Baltasar Teixeira (eleito)
Bartolomeu Severino (eleito)
Jaime Vilares (eleito)
Marcos Leitão (eleito)
Carvalho Mourão (eleito)
Eduardo de Sousa (eleito)
Henrique Brás (eleito)
Listas brancas, 22.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão no dia 8 do corrente, com a seguinte ordem do dia:
Eleição das comissões de correios e telégrafos, infracções e faltas, pescarias, saúde e assistência, estatística, recruta-
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mento, petições, negócios estrangeiros, previdência social, negócios eclesiásticos.
Interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro dos Estrangeiros.
Eram 19 horas e ô minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Comunicação
O Sr. Pedro Pita comunica estarem instaladas as comissões de legislação civil e comercial o de administração pública, tendo escolhido para presidentes, respectivamente os Srs. Barbosa de Magalhães e Abílio Marçal e para secretários, o próprio comunicante.
Para a Secretaria.
Nota de interpelação
Declaro que pretendo interpelar, com urgência, o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações acêrca da portaria de 26 de Novembro do corrente ano, publicada, em rectificação, no Diário do Govêrnou.0 281, de 3 de Dezembro, 2.ª série, à qual manda pagar determinados vencimentos ao capitão-tenente Albano Augusto de Portugal Durão, vencimentos que lhe considera devidos pelo exercício do cargo de Cargo de administrador delegado da Administração dos Transportes Marítimos.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 5 de Dezembro de 1919. - Luís de Mesquita Carvalho.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Pedido
Do Sr. Pedro Pita, em nome da comissão de legislação civil e comercial, pedindo lhe sejam fornecidos 9 exemplares do Diário do Govêrno n.° 132.
Para a Secretaria.
Para a comissão administrativa.
Projectos de lei
Do Sr. Orlando Marçal, eliminando o artigo 3.° do decreto n.° 4.663, de 13 de Julho de 1918 sôbre matéria e promoções.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Paiva Manso, autorizando o Govêrno a contrair um empréstimo até 200.000$ para construção de edifícios, mobiliário e material de ensino para as escolas: Industrial Faria Guimarães e preparatória Mousinho da Silveira, ambas do Pôrto.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Angelo Sampaio Maia, dispensando da apresentação e defeza de tese aos alunos do Curso Superior de Agronomia para completar o seu curso.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Marinha, organizando a Escola de Marinha Mercante.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Ministro do Interior, sôbre a distribuição dos emolumentos percebidos pela Polícia Civil do Pôrto.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
De todo o Ministério, abrindo no Ministério das Finanças a favor do Comité Executivo da "Aldeia Portuguesa" um crédito de 100.000$ que será pago por uma só vez.
Para a Secretaria.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
Para o "Diário do Govêrno".
Pareceres
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre a proposta dêlein.°202-D do Sr. Ministro da Justiça estabelecendo classes para os lugares de contadores, escrivães e oficiais de diligências das comarcas, regulando o preenchimento de vagas e melhorando-lhes a situação.
Para a Secretaria.
Imprima-se com urgência.
Da comissão de finanças sôbre o n.° 76 da comissão de guerra, tornando extensivas ao segundo sargento José Francisco, as vantagens consignadas na lei n.° 786 de 24 de Agosto do 1917.
Para a Secretaria.
Imprima-se.
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24 Diário da Câmara dos Deputados
Requerimentos
Requeiro que pelo Ministério do Interior e Comando da Polícia de Lisboa, me sejam enviados, com a maior urgência os seguintes elementos:
1.° Número de clubs ou casas de jôgo, nas respectivas sedes, nomes dos directores, suas profissões anteriores e actuais e quaisquer outros antecedentes.
2.° Qual a importância que cada um dêsses clubs ou casas de jôgo pagam suas instalações mensalmente.
3.° Sendo possível, saber quanto custaram as adaptações das respectivas casas para o fim a que estão destinadas.
4.° Averiguar se, nas respectivas sociedades, há capitais de indivíduos extranhos ao jôgo, isto é, se comerciantes capitalistas ou industriais, são associados, com os gerentes das casas de tavolagem.
5.° Nota nominal de todos os indivíduos empregados no jôgo, sua identidade, filiação e naturalidade.
6.° Número das pessoas de família que cada um dêles tem a seu cargo.
7.° Profissão anterior dêsses indivíduos e quaisquer outros antecedentes.
8.° Nota nominal de quaisquer outros indivíduos que não sendo profissionais do jôgo têm contudo como único sustentáculo as casas de tavolagem.
9.° Quaisquer outros esclarecimentos que sirvam de elementos de estudo para a discussão do projecto da regulamentação do jôgo.
Sala das Sessões, aos 5 do Dezembro de 1919. - António Mantas.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
O REDACTOR - Sérgio de Castro.