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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 8
EM 11 DE DEZEMBRO DE 1919
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
António Marques das Neves Mantas
Sumário. - Abre a sessão com a presença de 62 Srs. Deputados. - Lê-se a acta, que se aprova sem discussão e com número regimental. Dá-se conta do expediente, e são admitidas proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno".
Antes da ordem do dia. - O Sr. Manuel Rocha deseja falar na presença dos Srs. Ministros das Colónias e Negócios Estrangeiros. - O Sr. Alves dos Santos apresenta um parecer sôbre o projecto de lei que dispensa depravas orais os estudantes das Faculdades de Direito, requerendo dispensa de Regimento para que entre em discussão no princípio da ordem do dia, É rejeitado, bem como outro requerimento do Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) para que essa discussão se faça antes da ordem do dia. - O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) deseja saber quando foi aprovada a criação duma freguesia no concelho da Horta, que hoje apareceu publicadas no "Diário do Govêrno". - O Sr. Tavares de Carvalho troca explicações com o Sr. Ministro da Agricultura (Lima Alves) sôbre o abastecimento e comércio do açúcar. - O Sr. Jorge Nunes troca explicações com o Sr. Ministro da Agricultura acêrca da reforma do seu Ministério. - O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) trata da situação de dois funcionários do extinto Ministério dos Abastecimentos, do açambarcamento do azeite e do estudo dalgumas estradas no distrito do faial. Respondem os Srs. Ministros da Agricultura e do Comércio (Ernesto Navarro). - O Sr. Costa ferreira requere, e é aprovado, que na sessão seguinte entre em discussão determinado parecer. - O Sr. Presidente presta esclarecimentos sôbre uma pregunta do Sr. Manuel José da Silva. - Entra na sala e toma assento o Sr. Alberto Alves da Cruz. - O Sr. Mem Verdial insta pela remessa de documentos que requereu. -Anuncia-se a constituição de diversas comissões parlamentares.
Ordem do dia. - Continua a interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sôbre uma compra de arroz em Espanha. O Sr. Júlio Martins, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso, seguindo-se o Sr. José de Almeida.
O Sr. Nóbrega Quintal reclama mais uma vês a presença do Sr. Ministro das Colónias.
Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) troca explicações com o Sr. Presidente do Ministério (Sá Cardoso) acêrca da aplicação das cotas das casas de jôgo no tempo do dezembrismo.
O Sr. Presidente lê os nomes dos Srs. Deputado" que constituem, as comissões de inquérito a quatro Ministérios.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte a hora regimental.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Comunicações. - Pedido. - Projecto de lei - Pareceres. - Requerimentos.
Abertura da sessão às 15 horas e 11 minutos.
Presentes à chamada 62 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Álvaro Pereira Guedes.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Godinho do Amaral.
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António Francisco Pereira.
António Joaquim Granjo.
António José Pereira.
António Marques das Neves Mantas.
António Pais Rovisco.
António Pires de Carvalho.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Cruz.
Domingos Frias do Sampaio e Melo.
Domingos Leite Pereira.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco José Pereira.
Francisco Pinto da Cunha Lial.
Jacinto de Freitas.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João do Ornelas da Silva.
João Salema.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
João Xavier Camarate Campos.
José Garcia da Costa.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Maria do Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva.
Manuel José da Silva.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Verdial.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Raúl António Tamagnini de Miranda Barbosa.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso de Macedo.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lôbo de Aboim Inglês.
António Maria da Silva.
António do Paiva Gomes.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Rebêlo Arruda.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco de Sousa Dias.
Henrique Ferreira de Oliveira Brás.
Hermano José de Medeiros.
Jaime da Cunha Coelho.
João Gonçalves.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António da Costa Júnior.
José Domingos dos Santos.
José Gregório de Almeida.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da Cruz.
Júlio do Patrocínio Martins.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Luís de Ornelas Nóbrega Quintal.
Manuel Alegre.
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Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel José Fernandes Costa.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Raúl Lelo Portela.
Tomás do Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Xavier da Silva.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Álvaro Dias Pereira.
Albino Vieira da Rocha.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amílcar da Silva Ramada Curto.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Bastos Pereira.
António Carlos Ribeiro da Silva.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.
António Maria Pereira Júnior.
António dos Santos Graça.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cotrim da Silva Garcês.
Francisco José Martins Morgado.
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Henriques Pinheiro.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Lopes Soares.
João Luís Ricardo.
João Ribeiro Gomes.
Joaquim Aires Lopes de Carvalho.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Maria de Vilhena Barbosa de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Júlio César de Andrade Freire.
Leonardo José Coimbra.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Nuno Simões.
Orlando Alberto Marçal.
Vítor José de Deus de Macedo Pinto.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Às 15 horas procede-se à chamada.
O Sr. Presidente (às 15 horas e 11 minutos): - Responderam à chamada 62 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
Foi lida e aprovada a acta sem discussão.
Lê-se o seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Domingos Rosado, dois dias.
Do Sr. Pedro Pita, quatro meses.
Concedidos.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegrama
Barcelos. - Alunos Escola Primária Superior Barcelos, reunidos sua totalidade, solicitam V. Exa. sua valiosa cooperação para não ser aprovada proposta emenda artigo 15.° do decreto n.° 5:787-A, contra qual lavram seu protesto.- Presidente Academia, Mário Ferreira.
Para a Secretaria.
Petição
Do Sr. José Branco, sargento ajudante de infantaria n.° 2, pedindo a promoção a alferes.
Para a Secretaria.
Para a comissão de guerra.
Ofícios
Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei que considera supranumerário, desde a promoção até passar à reserva ou reforma, o coronel Manuel António Coelho Zilhão.
Para a Secretaria.
Para a comissão de guerra.
Do Ministério do Interior, enviando cópia da acta de apresentação de candidaturas pelo círculo n.° 9 (Porto) e do ofício do governador civil do Pôrto, que acompanhou a aludida acta.
Para a Secretaria.
Para a comissão de verificação de poderes.
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Do mesmo Ministério, enviando vários livros requisitados pelo Sr. António dos Santos Graça.
Para a Secretaria.
Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no "Diário do Govêrno".
Propostas de lei
Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, autorizando o Govêrno a elevar à categoria do embaixada a legação portuguesa em Londres.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
Do mesmo Sr. Ministro, determinando que a legação portuguesa em Washington seja gerida por um Ministro do 1.ª classe.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
Dos Srs. Ministros do Interior e das Finanças, abrindo um crédito extraordinário de 100.000$ para continuação dos socorros aos povos da Ilha de S. Miguel.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para a comissão de finanças.
Dos Srs. Ministros da Justiça e das Finanças, concedendo uma gratificação de 40$ mensais ao funcionário da alfândega encarregado de receber as reclamações relativas à carga dos navios ex-alemães.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para a comissão de finanças.
Do Sr. Ministro das Finanças, isentando a Sociedade do Teatro de S. Carlos, durante os cinco anos do contrato com o Govêrno, de todos os encargos tributários que possam vir a onerá-la.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para a comissão de finanças.
Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aumentando de 28 contos a verba do capítulo 2.°, artigo 20.° do orçamento dêste Ministério para 1919-1920.
Para a Secretaria.
Admitida.
Para as comissões de finanças e do orçamento conjuntamente.
Antes da Ordem do dia
O Sr. Manuel da Rocha: - Desejando usar da palavra na presença dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Colónias, e não estando presentes êstes Srs. Ministros, espero, para usar dela, a comparência de S. Exas.
O orador não reviu.
O Sr. Alves dos Santos: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer da comissão de instrução superior sôbre um projecto relativo aos estudantes de Direito da Universidade de Coimbra, e tendente a legalizar a situação que lhes foi criada pelo despacho ministerial do 20 de Março de 1919.
Como eu entendo que é extremamente conveniente arrumar do vez esta questão, eu ouso pedir a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre se permite que êle entre em discussão no princípio da ordem do dia, com dispensa das formalidades regimentais, visto que o parecer não se encontra ainda impresso.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento do Sr. Alves dos Santos, queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) (sôbre o modo de votar): - Eu sou daqueles que reclamam sempre para que seja respeitado o espaço de tempo marcado para antes da ordem do dia, mas a verdade é esta: os trabalhos antes da ordem do dia não ficariam prejudicados se...
O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença? Eu lembro a V. Exa. que está usando da palavra sôbre o modo de votar.
O Sr. Abílio Marçal (sôbre o modo de votar): - Desejo saber se o parecer já está ou não impresso.
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O Sr. Presidente: - Não está.
O Orador: - Nesse caso, o que se pede é a imediata discussão de um projecto com dispensa do Regimento. Sendo assim, nós não podemos aprovar o requerimento de S. Exa.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, é rejeitado o requerimento do Sr. Alves dos Santos.
O Sr. Sousa Varela: - Requeiro a contraprova.
Peita a contraprova, é novamente rejeitado.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) - V. Exa. pode-me informar se o Sr. Ministro da Instrução Pública vem hoje à sessão?
O Sr. Presidente: - Não posso informar V. Exa.; no entanto vou procurar saber se S. Exa. se encontra na Câmara.
O Orador: - Apareceu hoje no Diário do Govêrno uma lei com o n.° 920, criando uma freguesia na Ilha das Flores, no concelho da Horta. Desejava saber quando foi discutida e votada essa lei no Parlamento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não posso igualmente informar V. Exa. Vou, porêm, procurar informações na Secretaria, de forma a poder satisfazer o seu pedido.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: - Eu desejava saber, Sr. Presidente, se o Sr. Ministro da Agricultura me podia elucidar sôbre se nós temos ou não açúcar suficiente para o abastecimento do País.
Por informações que tenho, sei que estão chegando ramas bastantes e a Casa Hornung já não refina mais açúcar, por não ter onde o armazenar. Ora, eu pregunto a S. Exa. qual a razão por que se não põe à venda êsse açúcar e só está ou não disposto a tornar livre o comércio.
Eu aponto a V. Exa. os inconvenientes da liberdade de comércio dêsse género. O agravamento dos câmbios não consente que o açúcar estrangeiro possa concorrer em condições de preço com o nosso açú-colonial, porque êste tem o benefício de não pagar senão 50 por cento de direitos; não pagar tambêm os 50 por cento em ouro; tendo, alem disso, as vantagens nos transportes em navios portugueses. No dia em que se permitisse a liberdade de comércio do açúcar, as casas coloniais produtoras aumentariam sensívelmente os seus preços, de forma a equipará-los aos preços estrangeiros.
Julgo de grande vantagem a liberdade de comércio do açúcar dentro do País, embora sujeito à fiscalização dos respectivos corpos, a fim de evitar o espectáculo pouco edificante do comércio das guias, que se têm adquirido com luvas de 1.000$ e mais...
O Sr. Mem Verdial: - Uma grande pouca vergonha é o que isso é!
O Orador: - Se o Sr. Ministro da Agricultura me der a honra de responder às preguntas concretas que acabo de lhe fazer, eu terei muito prazer em o ouvir, certo como estou de que S. Exa. nos dará a esperança de vermos terminar em breve as bichas do açúcar pela abundância dêsse produto no mercado.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Folgo muito em que o ilustre Deputado Sr. Tavares de Carvalho queira saber qual a situação em que se encontra actualmente o País relativamente ao abastecimento de açúcar, e folgo muito, por que isso me proporciona ensejo de tocar na questão com toda a oportunidade.
Efectivamente acabamos de passar por uma das crises mais graves relativamente ao abastecimento dêsse género, visto que por completo se esgotaram as reservas então armazenadas.
Há cêrca de quinze dias, porêm, começaram a chegar as ramas em abundância, e hoje existem nas refinarias grandes quantidades de açúcar refinado, que vão ser distribuídas pelo País, não se compreendendo, por isso, o facto de termos ainda bichas para a aquisição dêsse género.
Ainda assim, devo dizer, no período em que a crise do açúcar chegou ao seu auge, foram distribuídos ao comércio 410:000 quilogramas, a diversas unidades
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da guarda republicana 10:000 e tantos quilogramas, à Assistência 10:000 quilogramas, aos hospitais civis 9:525 quilogramas,, à Cadeia Nacional 900 quilogramas, às farmácias, que tanto se têm queixado, 14:000 quilogramas, a instituições de previdência 3:300 quilogramas, a cooperativas, hotéis, restaurantes, botequins, etc... 12:000 quilogramas, a colégios e escolas 31:315 quilogramas, ao Campo Entrincheirado 4:000 quilogramas e ainda a outras instituições na totalidade de 502:427 quilogramas.
Lisboa tem. uma população bastante superior. Suponhamos que tem 900:000 habitantes, há, pois, um déficit importante em relação às diárias, do género, mas não tam grande como se supunha, pois nós tivemos, a impressão de que êsse déficit não seria superior a um têrço ou um quarto, mas quási a totalidade, pois não houve açúcar em Lisboa na última semana, nem nos primeiros dias da actual semanas.
Quere dizer, pouco depois de se receberem as ramas o de se estar a distribuir, porque estamos distribuindo açúcar em cêrca de 500 nácar, por dia, sacas do 75 quilogramas, já encontramos açúcar em muito maior quantidade do que aquele que devia existir pela capitação.
Hoje, amanhã e sábado nós esperamos distribuir açúcar, não direi 500 sacas por dia, mas cêrca de 1:000.
E, pois açúcar suficiente para 2 milhões e 500 mil pessoas.
Vejam V. Exas., em presença dêstes números, se dalguma maneira se explica o facto de haver ainda as bichas!
Êste açúcar é ao preço da tabela é claro. As bicham têm naturalmente de desaparecer e hão-de de desaparecer.
Era face dêstes números, estou convencido de que se ainda hoje existem as bichas é por uma espécie de indústria.
Há muitas pessoas que não têm outros recursos e vão para ali, às vezes com a família completa, para receber cada um o seu quilograma de açúcar, pagando-o à tabela para depois o negociarem por fora a outro preço mais elevado. E tanto assim é que as caras que se vêem nessas bichas são quási sempre as mesmas todos os dias.
Há, portanto, um tanto ou quanto, para não dizer muito, de exploração.
Estou convencido de que todos nós poderemos fazer as nossas filhos agora para a festa da família.
Quanto à situação extra-Lisboa, devo dizer que é um pouco diferente.
Ainda não posso dizer que há abundância, ainda rareia o açúcar nas províncias. Mas as cousas estão muito bem dispostas.
Tenho estado a receber pedidos das diferentes câmaras municipais, segundo instruções da Direcção Geral do Comércio Agrícola, o agora não pomos dificuldades algumas no deferimento a essas câmaras.
Tenho aqui uma lista de várias câmaras, em número do duzentos, cujo pedido foi deferido.
Surgiram outras dificuldades agora, a dos transportes do açúcar para a província. Só para o Pôrto quero enviar, no prazo dêstes dez dias, uma quantidade de açúcar para reforçar algumas reservas provenientes da importação directa do estrangeiro.
Tive ocasião de pedir ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações que interviesse junto da Companhia dos Caminhos do Ferro para mandar trinta vagões ou sejam 300:000 quilogramas do açúcar.
O Sr. Ernesto Navarro (Ministro do Comércio e Comunicações): - Dei hoje ordem para serem formados dois comboios especiais para o Pôrto.
O Orador: - Vêem, portanto, V. Exas. que o Govêrno faz o mais que pode para que esta crise da carência do açúcar deixe de existir.
V. Exa. notou que as fábricas de açúcar estão abarrotadas de rama e que, com certeza, êsse açúcar é para o abastecimento.
Mas, certamente, êsse açúcar é o destinado às câmaras municipais, sendo transportado para diversos pontos.
Não posso estar a dispor dêsse açúcar, porque amanhã tenho de abastecer as câmaras municipais, o que ficou claramente estabelecido pela respectiva direcção geral.
São os corpos administrativos que devem fiscalizar o cumprimento da lei.
Parecia-me bom uma direcção fiscalizadora, para obstar às dificuldades provenientes que as Câmaras têm de mandarem fazer o pagamento.
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Naturalmente há a dificuldade de arranjar os transportes.
O Sr. Tavares de Carvalho referiu-se tambêm ao escândalo das guias de trânsito, que eram negociadas a contos de réis.
A Câmara já hoje deve ter uma impressão muito diferente.
O escândalo das senhas já desapareceu, por terem desaparecido as senhas.
Hoje há uma nota, que tem que ficar na escrituração da própria Companhia.
Não se pode dar o facto da mesma guia de trânsito servir para diferentes despachos do Caminho de Ferro.
Não quero dizer que o mal esteja completamente remediado.
Fazia-me lembrar aquele processo dos que vão roubando e passando o roubo duns para os outros, não se sabendo assim quais são os roubadores.
Devo dizer que considero êste problema do açúcar um dos problemas resolvidos. Procurarei no entanto, se o não estiver completamente, facilitar a sua solução.
Creio ter respondido a todos os pontos versados pelo Sr. Tavares de Carvalho.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: como V. Exa. sabe, foi rejeitada nesta Casa do Parlamentos uma proposta do Govêrno, na qual êste desejava que lhes fossem dadas atribuições para reformar os Ministérios das Finanças, da Agricultura e do Comércio, em virtude de se ter o extinto o Ministério dos Abastecimentos. Essa proposta foi, porêm, ressuscitada no Senado e obteve aprovação. Como se dava a circunstância de o Parlamento funcionar apenas por algumas horas, e V. Exa. sabe o que se passa nas últimas, horas do funcionamento das Câmaras, o barulho não consentia que se apreciasse devidamente qualquer proposta o u emenda lida na Mesa, e sucedeu que tendo nós rejeitado essa proposta, no dia seguinte sem a mais pequena discussão, sem relutância do nenhuma espécie, esta Câmara aprovou-a tambêm.
Sem que esta disposição deixo de ser legal, uma vez que em segunda leitura a proposta foi aprovada nesta Câmara, ela não deve dar aos Ministros, especificadamente ao Sr. Ministro da Agricultura, a fôrça moral suficiente para reformarem os seus Ministérios, pois a faze-lo vão contra a vontade expressa desta Câmara.
Entendo que a êste respeito me devo dirigir ao Sr. Ministro da Agricultura, certo de que o faço apenas para dar a S. Exa. o ensejo de por forma clara e insofismável responder a esta Câmara qualquer cousa sôbre o assunto, dando a conhecer ao mesmo tempo ao País que de nenhuma forma pensa, em fazer uma reforma do seu Ministério.
Eu sou o primeiro, neste lugar e neste momento, a render as minhas homenagens ao Sr. Ministro de Agricultura, porque S. Exa., que está armado da respectiva autorização desde 17 de Setembro e apesar de, com certeza, ter sido instado com mil e uma solicitações, ainda não mostrou desejos de reorganizar o Ministério a seu cargo.
O assunto tem vindo sendo de há muito tratado nos jornais, e a idea não seria aventada se não houvesse um fundamento sério para isso. O último jornal que se ocupou do assunto foi a República.
E, que, de facto, há quem receio, não eu, porque, como disse, aguardo do Sr. Ministro da Agricultura uma resposta que nos tranquilize e que é extramamente fácil de dar, que não se tendo servido da autorização para reformar o seu Ministério no interregno parlamentar não pensa tambêm agora servir-se dela quando o Parlamento se encontra aberto. Há quem receie, pelo menos aqueles que têm interêsses morais e materiais ligados ao assunto, que a reorganização do Ministério se efective. Torna-se por isso indispensável que S. Exa. se pronuncio a êste respeito.
O Ministério dos Abastecimentos extinguiu-se, o S. Exa., embora lutando com dificuldades, tem sabido distribuir pelo seu Ministério os funcionários vindos daquele, e até agora para fazer a acomodação ainda se não viu na necessidade do modificar estruturalmente o Ministério da Agricultura, reconhecendo-se daí que não se torna absolutamente indispensável nem urgente proceder à reorganização dessa secretaria do Estado.
O Ministério da Agricultura mal tinha começado, pode dizer-se, a roer codeas
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duras; não se compreende, portanto que sejam já condenados alguns serviços dês-se Ministério, sem se verificar se, na rialidade, são impeditivos do regular funcionamento dêle.
Mal resulta sempre de se encararem os serviços não propriamente pela sua natureza, mas pelas conveniências, ou vaidade dos homens encarregados de apresentar planos de reorganização de Ministérios.
Ainda ontem li uma notícia em que se pensa o m. extinguir a Direcção Geral de Hidráulica Agrícola.
Efectivamente, se nós hoje mio tivéssemos necessidade de dar o máximo desenvolvimento a todas as especialidades, não carecíamos de uma hidráulica agrícola, como não carecíamos do uma hidráulica industrial, mas apenas de uma hidráulica geral, com secções respeitantes a cada uma das especialidades.
Se, porêm, o critério do quem confecciona as reorganizações é para que termine a hidráulica agrícola por que existe uma Repartição de Hidráulica no Ministério do Comércio, a boa lógica leva-nos tambêm a concluir que a Direcção Geral de Estatística Agrícola deve desaparecer por dever fazer parte integrante de Estatística Geral do Ministério das Finanças, da qual seria apenas uma secção.
E então o que diriamos de uma Direcção Geral da Fiscalização?
Suponhamos que quem confecciona o diploma de reorganização, é o director geral da estatística agrícola - mera hipótese -, o então evidentemente pretenderá dar maior desenvolvimento a esta especialidade.
O Sr. Ministro da Agricultura que é um ilustre ornamento do corpo docente do Instituto Superior de Agronomia, não desconhece a luta existente entre as classes de engenheiros agrónomos e veterinários, quando se trata de zootecnia.
Se, porventura, um veterinário fôr encarregado amanhã de estudar a reforma do Ministério da Agricultura, na melhor das intenções, certamente, não deixará por mãos alheias a defesa dos seus interêsses absolutamente legítimos; o mesmo acontecerá certamente com o engenheiro agrónomo se lhe forem atribuídas idênticas funções.
Que fazer, então?
Esperar, estudar e depois proceder, mas aqui, no Parlamento.
E extremamente melindroso remodelar-se um Ministério que tem apenas dois anos de existência, sem que êle tenha ainda dado provas suficientes para indicar o que deve eliminar-se e o que, por ser deficiente, precisa de maior desenvolvimento.
E porque está o Parlamento funcionando e essa atribuição foi dada ao Govêrno num momento de confusão nesta sala - porquanto o Parlamento a votou em segunda leitura, tendo-a rejeitado na véspera, certo como estou de que V. Exa. il tem sabido até hoje resistir a todas as solicitações e pedidos que lhe tem sido feitos e que envolvem menos respeito pela Lei, ou pela Justiça, ou espero apenas que S. Exa. nos diga aquilo que eu estou quási a advinhar que nos vem dizer, isto é: que ainda que reconheça que o Ministério da Agricultura tem necessidade de ser remodelado num ou noutro serviço, não o fará senão depois desta Câmara se pronunciar a êsse respeito.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Sr. Presidente: efectivamente por urna lei saída do Parlamento, o Ministro da Agricultura está autorizado a reorganizar os serviços do seu Ministério.
V. Exa. sabe perfeitamente quais os motivos por que se deu ao Govêrno essa concessão.
O Ministério da Agricultura, não é hoje o mesmo Ministério que era ontem.
O Ministério da Agricultura é hoje a resultante da soma de dois Ministérios, e portanto V. Exa. na sua lúcida inteligência, não pode deixar de verificar a necessidade que há em modificar a organização dos serviços do Ministério da Agricultura, por forma a poderem ficar integrados nele serviços que eram de natureza bastante diferente daqueles que incumbem particularmente ao meu Ministério.
Essa autorização, diz o Sr. Jorge Nunes que foi pedida pelo Govêrno.
Naturalmente V. Exa. recorda-se melhor do que eu, mas eu tenho a idea, que na proposta do Govêrno não se pedia qualquer autorização.
Suponha que a proposta nesse sentido vem de fora, limitando-se o Govêrno á
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aceitá-la como uma necessidade, para se poder realizar a encorporação dos dois Ministérios.
V. Exa., Sr. Jorge Nanes, parecia querer atribuir ao Parlamento o acto de ter votado um artigo sem pleno conhecimento.
Eu não quero dizer isso do Parlamento, porque estou absolutamente convencido de que cie, quando vota as suas leis, vota com conhecimento de causa e com consciência.
Seja porêm como fôr, o caso é que tenho uma autorização parlamentar.
Eu não posso ainda hoje dizer a V. Exa. quais são os âmbitos em que usarei dessa autorização; em todo o caso devo declarar a V. Exa. que justamente para honrar o Congresso, que me deu essa autorização, tomarei as medidas necessárias para reorganizar os serviços exactamente no espírito em que essa autorização me foi dada.
Só poderei garantir a V. Exa. que ao usar dela o farei, olhando apenas aos interêsses dos serviços e principalmente à necessidade proveniente da reunião dos dois Ministérios.
V. Exa. parece ter já uma certa preocupação, por lho ter chegado o boato de que, por motivo de qualquer disposição, se possam levantar conflitos entre algumas classes.
Posso afirmar a V. Exa. que nunca levantarei conflitos entre classes, a não ser que essas classes queiram ver causas para conflitos, onde elas não existem.
V. Exa. referiu-se concretamente a duas classes, & dos médicos veterinários e à dos engenheiros agrónomos.
Eu tentarei tanto quanto possível nobilitar a classe dos médicos veterinários, como a dos engenheiros agrónomos.
Conflitos entre estas duas classes, não devem suscitar-se por motivo de qualquer disposição que porventura possa haver da parte do Ministro da Agricultura.
Feitas estas declarações, restar-me há, nos termos da autorização que me foi concedida, dar conta ao Parlamento do uso que dela fizer.
Tenho dito.
O discurso na integra, e substituindo o extracto, será publicado quando o orador restituir, revistas, as notas taquigrafias que lhe foram enviadas.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se me autoriza a usar da palavra para fazer algumas observações ao Sr. Ministro da Agricultura.
Foi autorizado.
O Sr. Jorge Nunes: - Sr. Presidente: agradecendo a gentileza que a Câmara acaba de dispensar-me, eu serei muito breve nas minhas observações.
A resposta que me foi dada pelo Sr. Ministro da Agricultura não me satisfez completamente.
Atribuindo às palavras de S. Exa. o valor próprio, eu não devo já concluir da sua afirmação que S. Exa. usará da autorização que o Parlamento lhe conferiu no sentido de fazer uma reorganização do seu Ministério.
Dizendo S. Exa. que para honrar o Congresso usará das atribuições que lhe foram concedidas, e simplesmente nesse ponto de vista, eu então permito-me lembrar a S. Exa. que o Govêrno foi autorizado a distribuir pelos três Ministérios o pessoal do extinto Ministério dos Abastecimentos, mas podendo o Ministro da Agricultura reorganizar os seus serviços sem qualquer aumento de despesa nem de pessoal e coordená-los com os que competem àquele Ministério, dando contas ao Parlamento do uso que fizer desta autorização.
Como S. Exa. vê, esta reorganização do seu Ministério é, pode dizer-se, muito restrita, e dirá respeito apenas aos serviços que tenham de modificar-se de harmonia com as disposições desta lei, que consistem em acomodar-se naquele Ministério uma parte do pessoal do Ministério dos Abastecimentos.
Havendo, como S. Exa. sabe, no Ministério da Agricultura duas categorias de pessoal - o pessoal administrativo e o pessoal técnico - indo S. Exa. fazer apenas o aproveitamento do pessoal administrativo do extinto Ministério dos Abastecimentos, S. Exa. terá de ver-se forçado a modificar os serviços para acomodar o pessoal administrativo e não o pessoal técnico, porque desta natureza, não foi adquirir nenhum pessoal no Ministério dos Abastecimentos. De forma que o Sr. Ministro da Agricultura, aproveitando o pessoal administrativo, só necessita modificar
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alguns serviços do seu Ministério, apenas sôbre um ponto de vista.
Nestas condições, uma vez que respondeu que não excederia a autorização do Parlamento e antes procuraria honrá-la usando dela, mas só dentro do espírito do respectivo artigo de lei, S. Exa. não vai organizar, certamente, serviços de natureza técnica. Vai apenas, portanto, modificar serviços administrativos e a seu respeito, pela declaração de S. Exa., fico absolutamente certo de que a sua tarefa se restringirá a adaptar, dispor e distribuir o pessoal administrativo, deixando intactos os serviços de natureza técnica. Assim, sim, doutra forma suponho que não procederá.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Perdoe-me o Sr. Ministro da Agricultura. S. Exa. já deve estar fatigado de responder a tantos Deputados, mas tenho de chamar a atenção de V. Exa., para um assunto que já versei nesta Câmara.
Trata-se da situação de dois funcionários do Ministério dos Abastecimentos, fazendo parte do quadro do funcionalismo do Ministério da Agricultura, e que estavam em comissão naquele Ministério.
Ora a lei n.° 862, que extinguiu o Ministério dos Abastecimentos, diz no artigo 8.° - que não é demais citar:
"São dadas por findas todas as comissões de serviço no Ministério dos Abastecimentos...".
Ora na primeira repartição do comércio continuam desempenhando funções de chefes dois funcionários do quadro do Ministério da Agricultura: um chefe de armazém e outro tesoureiro do Ministério da Agricultura.
Há dias tive a honra de chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para esto assunto, e tive o prazer de constatar que S. Exa. estava nas melhores disposições de tomar as medidas necessárias.
Mas tal não aconteceu.
A qualquer Deputado não é legítimo esperar do Govêrno uma maior actividade do que são capazes as suas fôrças, mas, o que todos nós, representantes da nação, temos direito, é de exigir do Govêrno o cumprimento e execução da lei.
O Sr. Ministro da Agricultura não pode alegar ignorância do caso.
Chega agora ao meu conhecimento que nenhumas providências foram tomadas no sentido de respeitar a lei, no que vamos mal.
De novo chamo a atenção de S Exa. para êste assunto, esperando que o Sr. Ministro não deixará de tomar as providências precisas para que êsses funcionários sejam restituídos aos primitivos lugares.
Não é só o artigo 8.° da lei n.° 862 que inibo ossos funcionários do continuarem na mesma situação, mas tambêm o decreto n.° 170, que organizou o Ministério dos Abastecimentos, que não permite que no mesmo quadro possam existir funcionários em diferente situação.
Já que estou no uso da palavra, chamo a atenção do. Sr. Ministro da Agricultura para um assunto que reclama urgentes providências, se porventura o Govêrno ainda as não tomou.
Trata-se do azeite, que tem vindo aumentando de preço, o estamos na contingência de vir a alcançar preço tal que seja. inacessível às classes pobres.
Só o azeite é um género de primeira necessidade, é absolutamente indispensável que o Govêrno tome providências para que no comércio do azeito não suceda o mesmo que com outros géneros.
Chega ao meu conhecimento, o que porventura o Govêrno não ignora - que em vários distritos do Alentejo, como no de Évora, andam indivíduos que não tenho dúvida em classificar de açambarcadores delegados de casas bancárias de Lisboa, a fazerem compras em globo de azeite.
Não sei quais as providências que porventura vai tomar o Govêrno.
Chamo a atenção do Sr. Ministro para êste assunto, na certeza de que tomará as providências necessárias.
Já que estou no uso da palavra, chamo ainda a atenção do Sr. Ministro, do Comércio para a situação verdadeiramente lamentável em que se encontram as estradas na Ilha do Pico, por onde se faz o comércio da cidade da Horta com o porto da vila da Madalena, que liga a vila das Lajes, e a que serve de ligação à vila de S. Roque.
Cumpre-me tambêm mostrar ao Sr. Ministro do Comércio a vantagem que há
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em se tomarem as providências precisas para que a estrada n.° 20 seja reparada, e nisso há a maior vantagem, a fim de que as comunicações entre as vilas da Madalena, S. Roque e das Lajes se façam em melhores condições.
Mais ainda. Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio - embora compreenda que os seus afazeres não podem prestar atenção a todos os casos - a respeito dêste assunto, esperando que não deixará de tomar as providências necessárias.
Foi feito um projecto de estrada entre as vilas de S. Roque e das Lajes, que encurta a distância entre os dois portos de mar.
Há cêrca de vinte anos que isto foi, e até hoje não se conseguiu uma dotação para essa estrada.
Desejo salientar um facto que pode ser na aparência secundário, mas que no fundo é do capital importância.
O distrito da Horta não foi atacado pela febre da autonomia, apesar de ter sido um dos mais desamparados da assistência do Poder Central. Estou convencido de que o Sr. Ministro do Comércio não deixará que continue êste estado de cousas, dando ao povo do distrito da Horta o que êle merece, pois é necessário pôr cobro à sua situação, tomando as providências necessárias.
É preciso que os portos da ilha do Pico, S. Roque, Lajes e Madalena sejam dotados convenientemente, a fim de que possam corresponder às funções que lhe estão destinadas.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lima Alves (Ministro da Agricultura): - Em poucas palavras vou responder ao Sr. Manuel José da Silva. S. Exa. referiu-se à situação no Ministério da Agricultura de dois funcionários a que já aludira numa outra sessão. Nessa sessão eu disse que estava convencido de que êsses dois funcionários deviam encontrar-se na situação legal.
Pela muita consideração que me mereceram as observações de S. Exa., eu informei-me de novo a respeito da situação dêsses funcionários, e o que soube fixou-me na convicção de que êles estão na situação que lhes compete. O tesoureiro, que fora mandado regressar ao Ministério da Agricultura, está desempenhando as suas respectivas funções nesse Ministério. O outro funcionário - chefe dos celeiros - está desempenhando êsse seu cargo. Emfim, um e outro estão onde legalmente devem estar.
Preguntou ainda S. Exa. quais são as providências que o Govêrno conta adoptar para evitar o sucessivo aumento do preço do azeite. Encarreguei as instâncias oficiais competentes de estudar o preço razoável pelo qual deve ser pago o azeite na sua origem. Uma vez estudado êsse preço, eu terei os meios suficientes para fixá-lo, e se a Câmara der ao Govêrno, com a lei sôbre os açambarcadores, a fôrça necessária para êle poder providenciar por forma enérgica, doa a quem doer, o Govêrno providenciará.
O Sr. Manuel José da Silva: - As palavras de S. Exa. levam-me ao convencimento de que o Govêrno julga ser da responsabilidade da Câmara o facto de não se ter votado ainda a lei sôbre os açambarcadores. Essa responsabilidade cabe ao Govêrno. Se o Govêrno viesse aqui dizer que necessitava desta ou daquela medida legislativa, no sentido de reprimir os abusos dos açambarcadores, a Câmara por certo não se negaria a conceder ao Govêrno a lei de que êle precisasse.
O Orador: - Não veja S. Exa. no que eu disse a mais leve censura ao procedimento desta Câmara. Do modo nenhum pretendo fazer uma censura. Sei bem que as propostas do Govêrno trazidas aqui têm de seguir os seus devidos trâmites, e que a Câmara as aprecia na altura em que o possa fazer.
Não vai tambêm nas minhas observações a mínima idea de declinar responsabilidades. Apenas quero significar a esperança de que o Govêrno se verá, depois dessa lei votada, habilitado para proceder contra os açambarcadores, e fazer a afirmação, que aqui desejo produzir, de que o Govêrno, em tendo os elementos para poder proceder energicamente e com rigor, procederá com rigor e energia.
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Nada mais tenho a dizer.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Manuel José da Silva não reviu o seu "àparte".
O Sr. Ernesto Navarro (Ministro do Comércio e Comunicações): - Pedi a palavra para em breves palavras responder ao Sr. Manuel José da Silva.
Tomei na melhor atenção as considerações que S. Exa. produziu, o vou providenciar no sentido de satisfazer as justas reclamações apresentadas por S. Exa.
Quanto ao assunto do projecto de estradas, a que tambêm S. Exa. se referiu, cumpre-me declarar que estou aguardando as informações que já mandei recolher sôbre o caso, para saber se o respectivo estudo está em condições de ser executado, a fim de ordenar o seguimento das obras competentes.
O orador não reviu.
O Sr. Costa Ferreira: - Desejo falar na presença do Sr. Ministro das Finanças; como, porêm, S. Exa. não se encontra nesta sala, eu peço a V. Exa. que me conserve inscrito para quando S. Exa. aqui compareça.
Aproveito no emtanto êste ensejo para solicitar de V. Exa., Sr. Presidente, o favor de se dignar fazer uma consulta à Câmara, no sentido de se saber se ela consente que amanhã, antes da ordem do dia, se discuta o parecer n.° 255, que já está impresso e já foi distribuído.
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção do Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Respondendo à pregunta que V. Exa. há pouco me dirigiu, cumpro-me informá-lo de que a lei n.° 915 foi publicada de harmonia com o artigo 32.° da Constituição.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Agradeço a V. Exa.
O Sr. Marques de Azevedo: - Em nome da comissão de redacção, envio para a Mesa uma comunicação.
Vai adiante é publicada.
O Sr. Presidente: - Encontra-se nos Passos Perdidos o Sr. Alves da Cruz. Convido para introduzirem S. Exa. nesta sala os Srs. Alberto Jordão, Alves dos Santos, Vergílio Costa e Ladislau Batalha.
Entrou na sala o Sr. Alves da Cruz, acompanhado dos seus introdutores, e, dirigindo-se à Mesa, cumprimentou o Sr. Presidente e tomou assento.
O Sr. Mem Verdial (para interrogar a Mesa): - Desejo saber quando me poderá ser fornecida a nota que solicitei em 20 de Junho último, pelos diversos Ministérios, sôbre a legislação que regula as escolas que estão dependentes dêsses mesmos Ministérios.
Do Ministério da Guerra já recebi uma comunicação, mas ela vem em tal desordem...
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - V. Exa. tem a palavra para interrogar a Mesa. Já formulou a sua pregunta, à qual não posso dar qualquer resposta satisfatória.
Convido, pois, V. Exa. a enviar para a Mesa, por escrito, a sua pregunta, a fim de a poder transmitir aos diversos Ministérios a que respeite.
Vai entrar-se na ordem do dia.
S. Exa. não reviu.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão da interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Júlio Martins.
O Sr. Júlio Martins: - Entrando na sessão de ontem, no debate que se está travando a propósito da interpelação feita pelo Sr. Brito Camacho, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sôbre a questão do arroz, e não tendo podido concluir o meu discurso, eu interrompi as conside-
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rações que vinha desenvolvendo, se bem me recordo, em relação ao que se havia passado em Março de 1917.
Sr. Presidente: é em 22 de Março de 1917 que a questão se inicia, propriamente, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. É pelo menos essa a data inicial da documentação que foi fornecida ao meu exame.
Em 22 de Março de 1917 a comissão dos abastecimentos oficiou ao Sr. director geral dos Negócios Comerciais e Consulares sôbre o assunto.
Sr. Presidente: como se vê da leitura que fiz, neste documento indicavam-se nítida e precisamente, ao Ministro de Portugal em Madrid, os termos em que devia ser fornecido o dinheiro. Devia aquela entidade fiscalizar por meio de agentes da sua confiança, devia ver se o arroz era de boa qualidade e se ficaria ou não em Lisboa pelo preço de $26.
Não sei se esta comunicação chegou a ser feita ao nosso Ministro em Madrid.
Das considerações feitas pelo Sr. Brito Camacho parece que sim.
Estamos, pois, Sr. Presidente, à data de 22 de Março de 1917, em que o Ministério dos Negócios Estrangeiros, superior hierárquico da nossa Legação em Madrid, tem conhecimento dos termos em que o côntrole vai ser feito, e, portanto, das cláusulas do respectivo contrato - o contínuo a chamar-lhe contrato -, que é assinado em 16 de Março de 1917.
Mas há outro ofício, o de 24 de Marcho do mesmo ano, para o qual o Sr. Brito Camacho chamou a atenção da Câmara, enviado pela Direcção Geral da Fazenda Pública à nossa Legação em Madrid, segundo o que consta do extracto do que aqui foi feito pelo Sr. Brito Camacho.
Sr. Presidente: êste documento é do conhecimento absoluto da nossa Legação em Madrid. São postos, portanto, 300 e tantos contos, à ordem do nosso Ministro de Portugal em Madrid, para que êle pague os transportes e pague o frete.
Fixe a Câmara os termos dêste ofício, que é do conhecimento da nossa Legação de Madrid, e que se refere precisamente a êstes pontos.
Diz o Sr. Brito Camacho que há uma contradição entre o ofício de 22 de Março e a ordem da Direcção da Fazenda Pública de 24 de Março.
Parece que não há um grande antagonismo, pois que esta ordem completa estabelece os termos nos quais a legação de Madrid devia não só fiscalizar a operação, como pagar nos termos respectivos.
Dizia para pagar e dar o dinheiro a Reis, que era o encarregado de comprar o arroz em condições que o colocasse em Lisboa a $26. Êstes são os factos.
Mas vamos admitir á observação do Sr. Brito Camacho de que houve antagonismo nestas ordens.
Pregunto então se o nosso representante em Madrid, com umas ordens contraditórias no seu entender e no do Sr. Brito Camacho, podia continuar a operação sôbre o arroz, sabendo que as ordens eram contraditórias, não se lembrando de pregunta ao seu superior hierárquico, o Ministério dós Negócios Estrangeiros, qual era a ordem que devia seguir na compra do arroz!
Chamo a atenção da Câmara, e pregunto se isto não ocorria à mentalidade mais restrita de qualquer caixeiro de mercearia, e se não devia ocorrer à alta mentalidade dum representante de altas funções diplomáticas em Madrid ?!
Mas vamos adiante.
Estamos a 24 de Março e a nossa legação tinha a ordem expressa que lhe fora enviada.
Chegamos a 27 de Março, e a 27 de Março o dôssier que aqui tenho afirma a existência dum telegrama de Madrid para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, dizendo que não se pode contar com o favor das sobretaxas.
Mas é extraordinário que o Sr. Augusto de Vasconcelos em Madrid não soubesse que a exportação de arroz era até o dia 27 do Março, conforme a ríal ordem.
A nossa legação em Madrid não podia desconhecer êste facto, mas manda êsse telegrama relativo a não ter alcançado a exportação com as sobretaxas de favor!
Quando a legação de Madrid sabia que a exportação acabara, como podia querer continuar uma operação que seria só uma operação de candonga?!
Não, Sr. Presidente, a nossa legação em Madrid é muda; a nossa legação em Madrid está queda, está silenciosa sôbre o assunto, em 27, no próprio dia em que
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termina a concessão da exportação do arroz!
Mas vamos adiante. O espanhol estava em Espanha tratando do negócio do arroz para Portugal, e quando é que na documentação oficial nós temos conhecimento de que o encarregado da compra do arroz realiza a sua primeira operação sôbre essa mercadoria?
E no dia 28 de Março de 1917. É o que está documentado oficialmente, e nós não podemos estar a fazer história sôbre conversas particulares, mas sim, sôbre o dossier que aqui se encontra. E no dia 28 de Março de 1917. Neste dia apresenta-se Casimiro Reis no vice-consulado de Portugal, dizendo que vai ali para que o cônsul lhe certifique uma compra de arroz que fez, e o vice-cônsul declarar-lhe que não lhe certifica nada, sendo necessário para o fazer que compareça perante êle o negociante com quem o negócio se fez. Assim sucede nesse dia à noite, e o vice-cônsul lavra o seguinte certificado: "Pinaña declara que vendeu a Reis 1:500 toneladas de arroz, das quais 180:000 quilos vão já a caminho de Lisboa, e o restante seguirá por via Vigo". O vice-cônsul, porêm, passando o certificado, declara que o faz só em conformidade com o que dizem os declarantes, e, querendo precaver-se mais, afirma que só lavrará o certificado definitivo no dia em que estiver em sou poder o arroz, e êle vir se êle é de boa qualidade. Isto sucede no dia 28 de Março! Neste dia vão já a caminho de Lisboa 180:000 quilogramas de arroz! E pregunta-se se dêste facto tinha conhecimento a nossa legação de Madrid? Não, senhor. Mas o cônsul dá conhecimento dêsse facto ao nosso Ministro em Madrid, contando-lhe mais as precauções que tomou sôbre o assunto. Conhece então o que se passou a legação de Madrid. E é com data de 30 de Março de 1917 que existe no Ministério dos Negócios Estrangeiros um telegrama em que o Sr. Augusto de Vasconcelos diz que se apresentou lá Casimiro Reis com uma factura de 690:000 pesetas para a compra de arroz. Efectivamente o dinheiro não estava ainda na legação de Madrid, porque em 4 de Abril o Sr. Augusto de Vasconcelos mandou dizer em telegrama que não tinham ainda chegado os fundos, e que, se não chegassem a tempo, nos arriscávamos a perder o resto da remessa de arroz. Eu pregunto: que conhecimento de factos tinha a nossa legação em Madrid para afirmar que perdíamos o resto da remessa de arroz, se romessa alguma tinha vindo ainda para Portugal? Resulta êste telegrama do conhecimento que a legação de Madrid tinha do certificado passado pelo vice-cônsul em 28 de Março de 1917? Parece que não porque, olhando ainda para a documentação do assunto, nós encontramos um documento que é interessantíssimo, e que por isso vou ler à Câmara. E um ofício dirigido pelo espanhol Reis ao Sr. presidente da comissão dos abastecimentos, em que o próprio espanhol reconhece que o Govêrno Português deu imediatamente ordens para a abertura do crédito, e é ainda êle próprio a dar a explicação, aliás muito lógica, da não chegada do dinheiro.
Sr. Presidente: então, pela leitura dêste documento, pelas considerações que eu fiz, tem razão a observação do Sr. Brito Camacho, e a que fez alguêm mais tarde, - e eu reservo-me para êste caso - de que a operação do arroz se não realizou pelo facto do não envio do crédito de Portugal para o espanhol? Parece-me que não.
Em 5 de Abril, efectivamente, não existia crédito aberto ainda, em Madrid; mas em 4 de Abril o Sr. Augusto de Vasconcelos pedia o dinheiro, para não perdermos o resto da remessa, e em 5 de Abril, em comunicação ao presidente da comissão de abastecimentos, afirma-se que a operação do arroz se realizava e que parte dêle já estava a caminho de Lisboa.
E ou não um compromisso do espanhol para a realização da operação?
Tem ou não a nossa legação em Madrid, que controlou a operação, responsabilidades, pelo menos, sôbre a maneira desleixada como decorreu o negócio do arroz? (Apoiados).
Mas o crédito chega em 9 de Abril, e no dia 11 há um telegrama do espanhol, dizendo que o seu correspondente recebeu fundos e, mais, que fará o negócio atendendo à sua barateza.
Veja V. Exa., Sr. Presidente, se têm razão aqueles que dizem que o negócio do espanhol terminou pelo facto do Go-
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vêrno Português não lhe ter mandado fundos a tempo. (Apoiados).
Por conseqùência, em 11 de Abril a comissão de abastecimentos manda uma comunicação para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, dizendo que o crédito foi aberto à ordem do nosso Ministro em Madrid, e que o arroz devia vir à consignação do presidente da Secção das Subsistências Públicas. Esta comunicação não a devia ignorar a nossa legação em Madrid, porque, segundo documentos oficiais, foi do seu conhecimento.
Êste telegrama, de 13 de Abril de 1917, marca, por assim dizer, uma étape de silêncio no Ministério dos Negócios Estrangeiros porque lá nada se sabia sôbre o negócio.
Em 2 de Junho o presidente da comissão das subsistências públicas manda um ofício ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a preguntar pelo arroz, a preguntar se o Ministro de Portugal em Madrid comprou realmente o arroz, se o mandou para Portugal e a quem vinha consignado, visto que no ofício de 2 de Abril se diz que êsse arroz tinha vindo consignado ao presidente da comissão das subsistências públicas.
Realmente os créditos chegam a Madrid no dia 9 de Abril, mas dá-se uma circunstância, é que neste tempo a França veio a Espanha e fez um preço ao arroz muitíssimo superior àquele pelo qual o espanhol se tinha comprometido a trazê-lo para Portugal, e então começa a germinar na cabeça do espanhol um plano para a realização do seu negócio.
Diz êle que, pela sua influência no negócio em que tinham sossobrado altas individualidades espanholas, em que tinham sossobrado dois grandes embaixadores, pediu a Espanha que lhe dêsse um perimis de 4:000 toneladas, entregando a Portugal 1:500 toneladas e dando à França 2:500 toneladas, 4 E como realizava o negócio? Duma certa forma e eu direi como.
Como é que o espanhol quere realizar a exportação das 4:000 toneladas de arroz?
Arranjando um navio patrício da matrícula de Bilbau e fazendo uma arribada forçada a Lisboa onde entregará o arroz.
O que é certo é que esta combinação não se realizou porque, afirma o espanhol, o vapor foi metido no fundo por dois barcos da esquadra alemã, e nós ficámos sem o arroz que vinha a caminho de Lisboa e sem aquele que já cá estava.
Isto passava-se em Espanha sem conhecimento algum do Ministério dos Negócios Estrangeiros nem das estações oficiais, até que, repito, em 2 de Junho se pregunta se o arroz está comprado, se o Sr. Augusto de Vasconcelos o enviou à comissão das subsistências públicas.
Como respondeu o Sr. Augusto de Vasconcelos?
Que nem o Govêrno, nem a comissão das subsistências públicas lhe mandaram outra indicação a não ser que se enviasse o arroz.
Sr. Presidente: não compreendo êste telegrama da Sr. Augusto de Vasconcelos.
Existe uma carta de Reys ao Sr. Augusto de Vasconcelos, datada de 15 de Junho de 1917, em que pede o resto do dinheiro, e não sabemos qual é o resto do dinheiro, visto que o espanhol nessa altura fala em 15 contos. Essa carta, juntamente com outra documentação, foi entregue à consideração do Sr. Ministro do Trabalho de então, o Sr. Lima Basto, que, depois de ter examinado o processo e respectivas peças, expediu um ofício, datado de 3 de Julho de 1917, que passo a ler, e que deve merecer toda a atenção da Câmara.
Sr. Presidente, acho êste ofício extremamente interessante.
Então quatro meses depois de se ter realizado um contrato para aquisição de arroz, que faz grande falta no País, quatro meses depois não se sabe no Ministério dos Negócios Estrangeiros,- não se sabe no Ministério do Trabalho em que circunstâncias se encontra o negócio, não se sabe se o arroz está comprado, não se sabe qual a quantidade de arroz comprado; sabe-se apenas que há dinheiro entregue ao espanhol, que há 316 contos fora dos cofres do Estado e não se sabe se êsse dinheiro teve a aplicação devida!
Não se sabia nada, Sr. Presidente!
Como correm os negócios da nossa administração pública? Como correm os negócios da alimentação do povo? Como corre o património que é de nós todos?
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Não é tudo isto extraordinário?
Não revela tudo isto o caos em que se encontra a administração pública, e beis assim que a nossa Legação de Madrid estava dentro ao negócio perfeitamente às escoras, sem detalhes nenhuns para fiscalizar essa operação?
E vêm então dizer que levantamos campanhas de moralidade para favorecer os nossos amigos?
Não, Sr. Presidente. O nosso fito é mais alto; é que esta documentação vem provar o caos completo dos negócios públicos em Portugal, o de há muito que se levanta o brado da nossa indignação, p ara que se não façam negócios como êste. Oxalá, os nossos ministros e encarregados de negócios fiscalizem de futuro melhor, e não pela maneira desleixada como esta questão o foi.
Sr. Presidente, vê-se, por êste telegrama da Legação em Madrid,, que ela em Madrid não sabia se as operações estavam ultimadas; ela, segundo as ordens emanadas das repartições de Portugal, só deveria entregar o dinheiro mediante conhecimentos de embarque, quando tivesse a absoluta certeza de que o arroz ora um negócio arrumado, e que viria para. Portugal, Mas o Sr. Augusto de Vasconcelos enviou o resto do dinheiro, para quê?
Eu irei a essas contas, e é muito interessante o comentário que sôbre êsse facto farei; mas, vamos adiante, para não complicar a questão.
Sr. Presidente, passados dias é o Sr. Augusto de Vasconcelos quem dê motu próprio envia para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 31 de Junho, a seguinte telegrama:
"Casimiro Reis, cumprindo ordens do Govêrno Português, suspendeu as suas operações, vai caminho de Lisboa, e são razoáveis os seus. propósitos".
Casimiro Reis vem a Lisboa, mas julga V. Exa. que êle se dirigiu ao Ministro do Trabalho ou à secção das Subsistências. Públicas, para tratar do seu contrato?
Não, Sr. Presidente.
Dirigiu-se, a mais alto; Casimiro Réis está na alta.
Casimiro Reis, traz uma carta do Sr. Augusto de Vasconcelos, e é introduzido, no Paço de Belêm, perante o Sr. Bernardino Machado, então Presidente da República.
Naturalmente, o Sr. Augusto de Vasconcelos, homem muito culto, quiz armonizar o negócio do arroz com os termos da Constituição, visto que é o Sr. Presidente da República o encarregado dos negócios estrangeiros.
Mas, eu não sei nem quero saber o que se passou, o que se conversou no Paço de Belêm, entre o enviado plenipotenciário do arroz e o Sr. Presidente da República, visto que quero cingir-me apenas aos exactos termos da documentação que me foi fornecida.
Realizou elo algum novo contrato? Casimiro Reis pela conversa que teve no Paço de Belêm com o Sr. Ministro da Trabalho, que lhe foi apresentado pelo Sr. Presidente da República, realizou algum documento em que porventura se pudesse escudar para não enviar o arroz?
Sr. Presidente, eu não sei o que lá se passou, mas, já à imprensa veio o Ministro de então, Sr. Lima Basto, afirmar no Século que durante o seu consulado se não realizou qualquer contrato com espanhóis para a compra de arroz.
Vamos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, o, após quatro longos meses, nada se sabia sôbre o assunto. Em 31 de Junho, data última do telegrama em que o Sr. Augusto de Vasconcelos informava o Govêrno da República Portuguesa que Casimiro Reis vinha a, Lisboa, nada se sabia. O mais completo silêncio, o mais absoluto vácuo sôbre a questão do arroz.
Que se importavam êles que o povo rebentasse de fome, se à sua alimentação só proviesse do arroz de Espanha?
Até que, em 28 de Novembro, o Sr. Augusta de Vasconcelos apresentou um telegrama no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que pároco uma vitória da carreira diplomática de S. Exa.
O telegrama caiu como uma bomba; oficiou-se ao Ministério do Trabalho a preguntar de que arroz se tratava; êste telegrafou ao Sr. Augusto de Vasconcelos, e êste Sr. respondeu, que se tratava do arroz do Reis, e dizendo mais, que estava tudo solucionado para ser o arroz enviado para Portugal, que convinha não dizer nada por causa dós submarinas. Isto em 4 de Dezembro.
Mas, passou-se Dezembro, passou-se Janeiro, passou-se quási Fevereiro, e só em 28 dêste mesmo mês; é que realmente
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veio um telegrama assinado pelo Sr. Augusto de Vasconcelos, pelo qual se vê que só em 28 de Fevereiro se alcançava a permissão da exportação de 2:000 toneladas das 4:000 ou 8:000 a que o Sr. Dr. Brito Camacho se referiu.
Realmente parece que o Govêrno Espanhol permitiu a exportação de 2:000 toneladas, mas nos seguintes termos: a exportação devia ser feita pelo vice-cônsul de Portugal em Valença, ou então à ordem de qualquer delegado de confiança que a legação designasse.
Sr. Presidente, porque não veio o arroz?
Não sabemos.
Não sabemos, Sr. Presidente!
Há uma carta interessante de Casimiro Reis, já em 8 de Maio, ao Sr. Egas Moniz, que é muito curiosa.
Trata-se das já referidas 4:000 toneladas, das quais 1:500 vinham para Portugal e 2:500 iam para França.
O negócio era outro, porque Reis, vendo que ali o preço era diferente do alcançado em Portugal, talvez êle o pudesse fazer, mas faltavam os transportes, e, por conseqùência, ficávamos sem transportes, e esqueceu-me referir êste promenor, que era indispensável.
Nessa altura, o Govêrno Espanhol foi substituído por outro, que proibiu a exportação inteiramente, e isto deu em resultado o triunfo do Sr. Augusto de Vasconcelos, quando diz que alcançou a exportação.
Mas, Sr. Presidente, Casimiro Reis, em 8 de Maio, escreve uma carta ao Sr. Egas Moniz, e então os seus termos já são um pouco fora da norma, porque êle começa a interpretar o negócio doutro modo.
Diz que tem permitida a exportação de 4:000 toneladas, mas Casimiro Reis fala ainda da probabilidade de poder exportar mais algumas toneladas.
Diz que tencionava mandar para França 1:500 toneladas e para Portugal 500 toneladas somente.
Sr. Presidente: não eram os termos do seu contrato.
Parece que não havia autorização para em 8 de Março fazer a exportação das citadas toneladas, mas o espanhol fala doutro número de toneladas das referidas no telegrama já citado; fala das 4:000 toneladas.
Da arribada forçada nada vemos.
Mas esclarece mais, e o espanhol nesta altura não só vem pedir 21:367 pesetas da diferença do câmbio do dia em que fez o contrato e de entrada do dinheiro no Crédit Lyonnais, mas ainda mais.
Alêm disso, o espanhol ainda tinha mais despesas a realizar, mas viria a Lisboa depois, e tudo se passaria bem, entre homens honestos como nós somos.
Sr. Presidente: o negócio do arroz começa a impressionar, e diz-se que o Presidente da República, Sidónio Pais, quis saber do que se tratava.
Efectivamente, há uma exposição em que se faz ao Sr. Sidónio Pais a descrição do assunto, dizendo-se que talvez o negócio do arroz se possa resolver, considerando Casimiro Reis como agente do Govêrno de Portugal.
O Sr. Sidónio Pais não se conforma, e assim há um despacho transmitido em telegrama do Sr. Egas Moniz, em Abril.
O orador lê um telegrama do Sr. Sidónio Pais ao nosso Ministro em Espanha:
Sr. Presidente: naturalmente o Ministro de Portugal em Madrid tratou do assunto.
Em 11 de Abril envia nova carta ao Sr. Egas Moniz. Esta carta é curiosa, e a Câmara por ela ficará muito esclarecida.
Chamo a atenção da Câmara.
O Reis, neste momento, considera o seu primitivo contrato nulo, quando é êle próprio que sai fora dos termos em que estava permitida a exportação do arroz em Espanha, e compromete-se, por meio de ofício aos Ministros dos Abastecimentos e do Trabalho, a realizar a operação e informando-se em 11 de Abril.
O preço da mercadoria, que era de 45 pesetas para 100 quilogramas, é agora hoje muito mais elevado.
Em 11 de Abril, Reis tinha comprado apenas 1:000 toneladas.
O Sr. António Maria da Silva: - Mas tinha recebido dinheiro para 1:500 toneladas.
O Orador: - Pedia novo prazo, para ver se podia formular uma outra proposta.
Agora vejam V. Exas., porque é extraordinário que o Reis trabalha em Espanha, em França e em Portugal, em negócio que vem para Portugal!
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Notem V. Exas.: é por conseqùência em 11 de Abril que Reis diz que é absolutamente impossível realizar a operação nos termos do seu primitivo contrato. Pede que o Govêrno lhe marque um prazo de oito dias para ver se pode formular uma nova proposta, dizendo que lhe é quásí inteiramente impossível realizá-la antes.
Nesta altura estava Reis com 308.000$ nos bolsos e em vez do arroz ter vindo para Portugal, estão apenas compradas 1000 toneladas. Não se sabe a quem são consignadas estas toneladas; não se sabe qual a qualidade do arroz que só comprou.
Casimiro Reis tem em seu poder não só 308.000$, mas tambêm 258.000$ que o Sr. Augusto de Vasconcelos entregou sem factura de compra ou qualquer documento comprovativo em como o Heis tinha e tem 308.000$ em seu poder!
Vejamos qual é o documento comprovativo que a legação de Madrid apresentou para se justificar da sua entrega. É o documento do 21 do Julho de 1917. Em 21 de Julho de 1917, no vice-consulado do Portugal em Valência lavrou-se o seguinte:
"Recebi do Ministro de Portugal em Madrid 649,421,50 pesetas, importância dessa factura, para seu pagamento".
Por conseqùência são 649,421,50 pesetas, para pagamento desta factura e mais 578,10 pesetas que perfazem um total de 650:000 pesetas, orçamento feito provisoriamente.
Sr. Presidente: há uma factura definitiva pela qual se pagaram 649,421,50 pesetas; há uma factura provisória, para a qnal se dão mais ainda 578:000 pesetas.
Não se completou a factura provisória, e a legação de Madrid tinha de pagar por uma factura definitiva e não por uma factura provisória.
Mas há mais. No próprio recibo; alêm destas 258.000 pesetas, há a restante quantia que o Govêrno entregou à Legação de Madrid para comprar o arroz, conforme o despacho ministerial. Entregou ainda 258.000 pesetas sem factura absolutamente nenhuma; entregou 578.00$ pesetas sem documento nenhum comprovativo do arroz estar adquirido.
Se um caixeiro do comércio tivesse assinado um documento desta natureza, o mais que lhe acontecia era ser despedido, pelo patrão. (Apoiados).
Isto pelo que diz respeito à legação de Madrid.
O Sr. Augusto de Vasconcelos enviou 650.000 pesetas das quais se poderão justificar apenas 649.900, visto que quinhentas e tantas não se sabe para onde foram, dizendo-se simplesmente no recibo que foram para completar uma factura provisória, quando, em verdade, pagava uma factura definitiva.
O espanhol diz que tem no Banco de Valência 320.000 pesetas. E somando as 258.000 pesetas com as 650.000 pesetas dão o crédito dos 316.000$ ou 908.000 pesetas.
Mas, pregunto eu ao Govêrno: Centrou realmente em Madrid, após 22 de Junho de 1917, a quantia de 258.000 pesetas que Reis entregou, segundo seu telegrama, ao Ministro de Portugal em Madrid?
Pela documentação, eu ouso afirmar que não. Ao dossier desta questão existo a conta dos fundos de Reis; tirada BUI 19 de Abril do 1919, tendo, nesta data, em seu poder todo o dinheiro que foi enviado para a Legação de Madrid.
Entregava-se a Reis por meio do recibo que acabei de ler todo o dinheiro que a Legação tinha à sua disposição. Telegrafou Reis dizendo que tinha recebido 258.000 pesetas e que entregara na Legação de Madrid a conta definitiva em 19 de Abril de 1919.
E a conta definitiva demonstra que o dinheiro está absolutamente na bôlsa de Reis, únicamente pela compra de 1.000' toneladas de arroz, sem frete, sem seguro de guerra, sem seguro marítimo, sem nada e sem se saber realmente em Junho se o arroz lá existia.
Foi preciso que em Setembro o encarregado dos negócios de Portugal se vestisse de espanhol para ir verificar se o arroz existia nos entrepostos de Valência.
Que côntrole realizou a Legação de Madrid. Que fiscalização realizava essa Legação? Como é que ela sabia como o negócio corria?
Afirma-se que realmente existo o arroz. Afirmou-o o Reis e afirmou-o o Sr. Vasco Quevedo. Mas a afirmação do Sr. Quevedo condiz com a quantidade do arroz do que trata os documentos? Não!
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O Sr. Vasco Quevedo fez um inquérito rigoroso e averiguou que se encontraram lá umas sete mil e tantas sacas de arroz!
Mas então estão lá 7.000 sacas de arroz o como lá fica não se paga.
Mas disse mais o Sr. Brito Camacho uma cousa, que é extraordinário que o diga sendo um espírito tam esclarecido.
Diz que seria dado por sinal de 500 toneladas.
A aceitar por boas as contas do Sr. Brito Camacho, e eu quero-as dar por boas, vai ver a Câmara as conclusões a tirar.
Se devem estar na Legação de Madrid, segundo o telegrama referido, 258:000 pesetas, temos de ver quantas estão na mão do espanhol.
Essas pesetas ao câmbio dão 17 contos e 400 e tantos mil réis.
Por conseqùência há ainda 72.384$ que devem estar na mão de alguêm.
Mas vamos à conta porque quero que a Câmara faça justiça, vendo que não me afasto da estrita argumentação.
Estas contas, como são feitas na Legação de Madrid, devem estar certas, e faltam ainda 5.000 pesetas.
Êste documento é passado na Legação de Madrid e passou para o Ministério dos . Estrangeiros, onde se tirou cópia.
Pode ser êrro da minha parte, irei conferir e se houver êrro, eu o emendarei, mas, até agora assim considero a conta.
Realmente, o dinheiro era todo para as referidas, toneladas de arroz, e nós nesta altura não sabemos a quantidade de arroz que deve estar em Valência, e o que sabemos é que o dinheiro continua a estar nos bolsos do espanhol, que se realmente jogou na bôlsa deve ter feito bom negócio.
É então esta urna questão que não tem nenhuma importância, de que o Parlamento não deve tratar, pelo qual o interêsse público não deve existir?! Não, Sr. Presidente! Isto é a demonstração completa do desleixo a que chegou a administração pública.
Então o Parlamento não deve tratar dêste grave assunto e desconsidera-se porque deixa correr à matroca os interêsses do Estado?!
Trocam-se vários àpartes.
Sr. Presidente: vamos agora a um ponto que me parece de extraordinária importância.
Há um momento em que Beis treme perante o Govêrno Português, há um momento em que Reis chama em seu auxílio o seu mano Cipriano. Êsse mano Cipriano tambêm já entra numa documentação em 17 do Abril, afirmando ao Sr. Freire de Andrade que o arroz está carregado e pedindo a S. Exa. que obtenha do Govêrno Português o enxerto da exportação de madeiras que queria fazer.
O mano Cipriano vem em auxílio de Casimiro Reis.
Reis faz a proposta porque, diz êle, é uma esplêndida proposta e, se o Govêrno não acoitar, terá de ir para os tribunais e seu irmão tem assegurado que ganha a questão dentro dos tribunais. Porquê? Não sabemos, mas vamos sabê-lo!
Sr. Presidente: em certa altura o Ministro dos Abastecimentos manda dizer para a Legação de Portugal que, havendo sido permitida a exportação de duas mil toneladas de arroz em Março e estando correndo o tempo, Visto que se estava já, se bem me lembro, em Junho, devia fazer a remessa do artigo. Casimiro Reis, êle que em 8 e 11 de Março de 1918 falava já ao Sr. Egas Moniz um pouco de papo - permita-se-me o plebeísmo - estremece em 30 de Junho e manda cá Legação de Portugal um ofício em que diz que o Govêrno Espanhol vai proibir a exportação do arroz, que êle, Reis, quis ressalvar as suas responsabilidades, que tem o arroz colocado no entreposto de Valência e que, embora esteja glaciado, não se responsabiliza por êle desde que passem os primeiros calores. Vem, por conseqùência, Reis pedir ao Ministro de Portugal que diga ao Govêrno Português que se compromete a trazer para Portugal duas mil toneladas de arroz - já não falo em quatro mil - sendo, dessas duas mil, mil e quinhentas ao preço do seu contrato antigo e quinhentas para o comércio livre de Portugal, pedindo ainda que lhe dêem a resposta no prazo de oito dias, para que possa combinar e realizar a transacção.
Êste despacho é transmitido para o Govêrno Português e, realmente, há uma ordem em 24 de Junho que manda aceitar o negócio de Reis. Não sei por que o negócio se não fez, mas é curioso que Reis fala assim a querer ressalvar responsabilidades e a responsabilizar-se pela
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exportação de mil e quinhentas toneladas ao preço antigo, não falando já nas quatro mil, nas percas dos seus negócios, nas variações do câmbio.
Isto passou-se - e eu peço a especial atenção da Câmara para o que vou afirmar - em 20 de Junho de 1918, mas, acidentalmente, o Ministro de Portugal em Londres, que é o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos, passa por Madrid, e que faz o espanhol? Envia ao Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos uma carta com a exposição do assunto, para que S. Exa. confirme ou não confirme, para que faça a apreciação que entender e dó a sua opinião sôbre essa carta. E o que faz agora o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos?
Lê a carta de Reis, certamente medita, certamente vê as responsabilidades gravíssimas em que incorre fazendo a sua rubrica nessa carta, mas o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos confirma tudo o que Reis diz, o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos rubrica e o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos acrescenta!
Vamos a ler, Sr. Presidente, êsse documento e vai em espanhol, embora a Câmara me tenha que desculpar de eu não sabor ler muito bem essa língua.
Sr. Presidente: lido êste documento, eu não quero tirar conclusões, mas ou pregunto ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, que me fala em nome do Govêrno, que me fala em nome do dossier que me foi fornecido pelo seu Ministério: quem deu autorização à nossa Legação em Madrid para dar como nulo um contrato assinado com o Govêrno para fazer um outro com Reis em condições absolutamente ruinosas para o bem do País? (Apoiados).
Então, Sr. Presidente, a Legação de Madrid, sem ordem do Govêrno, sem ordem do Ministro dos Estrangeiros, sem ordem de ninguêm, vai assinar um contrato novo, dando ao espanhol uma base para que se precate em relação ao andamento da transacção?! Há ou não há uma responsabilidade tremenda na assinatura dêste documento em que o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos declara que concorda com tudo e que entrega o dinheiro sem nada, absolutamente nada? O Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos que sabia que só se devia entregar o dinheiro mediante os conhecimentos, mediante o frete, mediante os seguros marítimos e de guerra, êle que devia ter mandado o arroz consignado, como lhe ordenava o Govêrno a que devia obedecer, ao Presidente da comissão das subsistências públicas, êle que entrega o dinheiro sem o mais pequeno conhecimento, no desleixo mais absoluto, na ignorância mais crassa; êle, que não contente com a figura que fez, de desgraçada incompetência, através do estendal desta documentação, indo até, por motu próprio, já fora da Legação de Madrid, incidentalmente de passagem nessa cidade, rubricar uma carta que o Reis lhe entregou, ainda vai lançar sôbre o Govêrno Português, nos termos da sua resposta, as responsabilidade de não cumprimento do contrato! E isto quando à face da documentação o próprio Reis, em 5 de Abril de 1917 dizia que o arroz já devia estar em Lisboa, quando, o próprio Sr. Augusto de Vasconcelos afirma que parte da remessa já vem a caminho!
Pois é com conhecimento dêstes factos que a nossa Legação de Madrid assina semelhante documento, sem que lho trema a mão!
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Augusto de Vasconcelos ainda diz mais, e nos termos do que diz, ou pregunto ao Ministro dos Estrangeiros à ordem de quem está consignado o, arroz, nos entrepostos de Valência: A ordem do Govêrno ou à ordem de Reis?
Eu afirmo que êste arroz está consignado à ordem de Reis.
O arroz esteve uma vez para ser embarcado em nome do vice-cônsul, mas Reis opôs-se dizendo que não podia seguir visto que os documentos não iam passados em seu nome.
Êste documento é espantoso, é enorme, demonstra a falta de conhecimento da situação de Ministro plenipotenciário do país junto de qualquer legação.
Não sabemos se todos os negócios que correm pelas chancelarias estrangeiras são tratados com o mesmo cuidado dêste. Eu pasmo e eu estremeço como Deputado e como português ao pensar no péssimo concerto em que porventura estarão as nossas embaixadas e legações.
Daqui afirmo a toda a gente, àqueles que me dizem que é inútil gastarmos o nosso tempo no Parlamento com estas
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questões, que a República ganha e muito se prestigia, expondo perante o público o descalabro da nossa administração, a incompetência dos nossos homens e o desleixo do funcionalismo, para ver se conseguimos arrancar a esta raça qualidades que lhe são nativas embora não estejam patentes, de forma a que a República se engrandeça e continue a viver amada, pura e honesta e grande no coração de todos aqueles que bem a sentem, que bem a amam, que bem a querem prestigiar. (Apoiados).
Sr. Presidente: êste documento é monstruoso.
Reis, que em 20 de Julho falou já a querer fugir às suas responsabilidades, depois de munido dêste documento começou a falar doutra forma, chamando o Govêrno à responsabilidade do contrato.
Anda tudo ao desbarato. Não se sabe nada e ainda hoje o meu Govêrno, o Govêrno do meu país não sabe qual a quantidade de arroz que existe em Valência e o estado em que êle só encontra.
Mas vejamos agora as conseqùências que podem advir dêste documento assinado pelo nosso Ministro em Madrid sem que para isso tivesse qualquer autorização, apenas por seu motu próprio.
Consultaram-se advogados espanhóis dos meus ilustres, consultou-se Salmeron e quere V. Exa. saber, quere a Câmara saber, quere o país saber qual a opinião da jurisprudência espanhola sôbre êsse infeliz e desgraçado documento?
Eu vou ler, e pelas afirmações de Reis, pelos telegramas trocados, pela correspondência havida, verifica-se que emquanto ao princípio, até 20 de Junho, era Reis quem tremia, depois dessa data, depois da leviandade, da rapaziada diplomática cometida pelo nosso Ministro em Madrid, é a nossa legação na capital espanhola, é o Sr. Augusto de Vasconcelos que têm de se submeter às exigências de Reis.
Eu não quero cansar por mais tempo a atenção desta Câmara. Pus, é certo, uma paixão grande neste assunto; não foi, porêm a vulgar paixão dos homens, mas a paixão dos factos. E que eu quero chamar a atenção do meu país para o descalabro em que caminham as cousas públicas.
E um mal? Não, não é um mal. É o propósito de atingir alguêm pessoalmente?
Tambêm não.
É apenas para mostrar um exemplo que nos deve servir de dura lição e para que exijam inteiras e completas responsabilidades a quem não soube ou não quis cumprir o seu dever. Nem só assume responsabilidades quem rouba dinheiro; há tambêm responsabilidades pelos excessos praticados no uso de atribuições concedidas a funcionários.
Eu pregunto o que sucederia a qualquer empregado de qualquer casa comercial, a qualquer pequeno funcionário público, que sem conhecimento dos seus superiores hierárquicos, fizesse qualquer acto de responsabilidade como o que realizou a nossa legação de Madrid!
Eu pregunto qual seria a sanção a aplicar.
A sanção seria, pelo menos, a suspensão; a sanção seria, pelo menos, a demissão, a sanção seria, pelo menos, o apuramento das responsabilidades.
Sr. Presidente: a República não pode ter funcionários, por mais altas que sejam as suas funções, que por seu alvedrio resolvam como entendem, com espanhóis ou sem espanhóis, os interêsses do País.
Agora dirijo-me ao Govêrno, em especial ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Quero que S. Exa. mo diga se efectivamente a nossa legação em Madrid tem hoje em seu poder, o dinheiro. Quero saber se realmente o arroz existe nos entrepostos de Valência; qual a quantidade e a quem está consignado. Quero saber se o dinheiro foi entregue a Casimiro Reis. Quero, em nome da República, em nome dos interêsses da nação, que a questão se resolva e que o País receba o dinheiro ou o arroz.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Nóbrega Quintal.
O Sr. Nóbrega Quintal: - Sabe V. Exa. o interêsse que eu tenho em ver aqui o Sr. Ministro das Colónias. Tenho de refe-
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rir-me a vários assuntos que reputo interessantes, para os quais pretendo chamar a atenção de S. Exa.
Várias vezes que tem sido dada a palavra, mas tenho desistido de usar dela, visto S. Exa. o Sr. Ministro das Colónias não vir a esta Câmara.
Desejo, pois, que V. Exa., Sr. Presidente, me informe sôbre se o Sr. Ministro das Colónias está em Lisboa é se tenciona ou não comparecer nesta casa do Parlamento.
O Sr. Carlos Olavo: - V. Exa. está fora do Regimento, fazendo essas preguntas à Presidência.
O Orador: - V. Exa. não é o Presidente e, portanto, não tem o direito de me chamar à ordem.
O Sr. Presidente: - V. Exa. reclama a presença do Sr. Ministro das Colónias na sessão de hoje?
O Orador: - Desejava que S. Exa. viesse amanha antes da ordem do dia.
V. Exa. fez saber ontem ao Sr. Ministro que eu desejava interpolá-lo?
O Sr. Presidente: - Sim, senhor.
O Orador: - Espero que S. Exa. venha amanhã, antes da ordem do dia.
O orador não reviu.
O Sr. José de Almeida: - Sr. Presidente: para nós, socialistas, a questão que vem sendo tratada é muito e muito simples e tam simples que a isto se resume: o Estado desembolsou há três anos 316 contos para uma compra de arroz e êsse arroz ainda não entrou em Portugal.
O Sr. Júlio Martins fez há pouco uma argumentação cerrada sôbre o facto que se discute, tendo apresentado argumentos e discutido documentos.
Não resta dúvida de que há aqui um delito, e eu não lhe quero pôr õ nome que me vem agora aos lábios. Quem o praticou? É preciso que as instâncias competentes averiguem quem foi o delinquente e que êle seja punido, para honra da República e prestígio de todos nós.
Foi brilhante, sem dúvida, a exposição do Sr. Júlio Martins, mas não é debaixo da sugestão da sua palavra fluente que eu falo tambêm. E a, Sr. Presidente, que vim para aqui pelo mando dos humildes, pelo mando do povo, tenho o direito e cumpre-me o dever de zelar em todos os casos e em todos os momentos a aplicação dos dinheiros públicos (Apoiados), e o facto que se deu, numa ocasião tam angustiosa para a nacionalidade portuguesa, quando a nossa população se via a braços com inúmeras dificuldades, requere uma investigação rigorosa e a correspondente punição.
Para nós, não nos importa que as pessoas envolvidas no caso sejam ou não categorizadas; para nós, embora tenhamos em muita conta a palavra, a pessoa e o valor do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, pouco importa a declaração de S. Exa. sôbre a honorabilidade do Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos.
O que queremos que se conheça é se, efectivamente, o Sr. Dr. Augusto de Vasconcelos algum delito cometeu, porque, tendo-o cometido, tem de por êle ser punido. E caso para, parafraseando o dizer popular, se observa que são todos muito honrados, mas que o arroz ainda cá não está.
Lamento, Sr. Presidente, e muito sinceramente, a atitude do Sr. Brito Camacho nesta questão.
Tenho o máximo respeito por S. Exa., pelas suas qualidades pessoais e de homem público, pelo seu talento tantas e tantas vezes manifestado, mas S. Exa. nesta questão está em terreno falso.
Eu, Sr. Presidente, na Câmara Municipal de Lisboa não tive dúvida ainda há poucos dias, quando feita lima sindicância que atingia um indivíduo que há meses era meu correligionário, não tive dúvida em votar a sua demissão. Era assim que eu queria que todos os homens da nossa terra, que têm responsabilidades e ligações com a administração pública, procedessem em todos os momentos. E preciso que assim se proceda. E preciso que as nossas ligações partidárias se ponham de parte quando se levanta uma questão de moralidade.
Aqueles que não cumpriram o seu dever, devem ser punidos, devem ser condenados, e não há cousa alguma, não há argumento algum que possa invalidar a decisão que devemos tomar.
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O Sr. Brito Camacho: - Que tem isso com a minha atitude?
O Orador: - A atitude do Sr. Brito Camacho foi de defesa do homem que no meu entender é culpado.
O Sr. Brito Camacho: - Prove.
O Orador: - Eu direi a V. Exa.
Fez-se um contrato pelo Ministério das Subsistências com um indivíduo de nacionalidade espanhola, para que nos fornecesse uma determinada porção de arroz.
Devo dizer nesta altura que ali vejo o terreno falso em que o Sr. Brito Camacho se colocou, querendo tirar responsabilidades a quem, segundo a minha forma de ver, as tem completas.
Assim, veio S. Exa. dizer que para essa operação inicial tinham faltado as condições legais; e tinham faltado aquelas condições que podiam defender essa operação, que êsse contrato não tinha testemunhas, não tinha caução. Ora, sabe S. Exa. muito bem e não posso admitir a sua ignorância neste assunto - que em comércio se fazem contratos duma forma muito especial.
O Sr. Brito Camacho: - O que se torna necessário demonstrar é que o Sr. Augusto de Vasconcelos é culpado.
O Orador: - Tenha V. Exa. paciência de me ouvir até o fim.
O Sr. Brito Camacho: - Quando se faz uma acusação, prova-se logo.
O Orador: - Dizia eu, Sr. Presidente, que efectivamente se celebrou um contrato, porque o acto que o praticou tem todas essas condições em direito comercial, e tanto assim é que a nossa legislação comercial, quando define o papel dos tribunais comerciais, indica claramente que são tribunais comerciais.
O Sr. Brito Camacho: - Mas isso é em relação a contratos do Estado ou a contratos de particulares.
O Orador: - E um acto comercial. Sr. Presidente: o Sr. Júlio Martins apresentou à Câmara documentos que a meu ver provam a negligência, quanto mais não seja, do Sr. Augusto de Vasconcelos. Se S. Exa. não tivesse ainda indicação dos poderes do Estado para fazer esta operação em determinadas circunstâncias, a S. Exa. impunha-se, como um simples acto de raciocínio, fazer essa operação com todas as cautelas.
Foi com essas cautelas que S. Exa. não fez essa operação, porque entregou quantias importantes sem que, efectivamente, a mercadoria equivalente estivesse já garantida, isto é, a caminho de Portugal ou em via disso. E disse o Sr. Júlio Martins que êsse acto deslustraria um simples membro da família comercial, e assim é, no meu entender.
S. Exa. pagou quantias avultadas em tropa de simples facturas, e não se diga que essa operação poder-se-ia fazer duma única forma, porquanto, dêsse modo, teríamos de admitir que o Estado estava num papel de inferioridade perante um simples comerciante. Êste, realmente, requisitando mercadoria do estrangeiro, não a paga senão em troca dos conhecimentos da mercadoria exportada.
Ora o Estado Português devia merecer, e com- certeza merece a êsse espanhol, e a todos os indivíduos sejam do que nacionalidade forem, a maior consideração, tanto mais que os interêsses dêsse espanhol não eram prejudicados.
Portanto, aqui tem o Sr. Brito Camacho a razão por que eu entendo que o Sr. Augusto de Vasconcelos, procedeu com negligência nesta questão, e porque entendo que êle é responsável: Realmente não devia proceder pela forma como procedeu; devia acautelar melhor os interêsses do Estado.
Sr. Presidente: resumindo e terminando, porque esta questão já vai longe e a Câmara está suficientemente esclarecida, eu direi que a minoria socialista vota a moção de ordem do Sr. Júlio Martins, porque a entende necessária, pois que é preciso que as responsabilidades se apurem e que tudo se esclareça. E se, efectivamente, se provar que o Sr. Augusto de Vasconcelos culpa alguma teve no assunto, S. Exa. terá então direito de nos aparecer de fronte erguida, pois que a sua responsabilidade foi liquidada.
E preciso, realmente, que tudo se esclareça para honra de todos nós e do
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próprio Sr. Augusto de Vasconcelos, bem como é necessário que nos compenetremos, duma vez para sempre, que se necessita de muito cuidado com os dinheiros do Estado e que a República só anda bem zelande os seus interêsses, porque só assim merecerá a confiança que lhe falta dos elementos populares. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O Sr. Brito Camacho: - Muito mal, digo eu.
O Sr. José de Almeida: - Terminei bem, em meu entender, e isso me basta. (Apoiados).
O orador não reviu nem o Sr. Camacho reviu os seus "àpartes".
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Sr. Presidente: eu terei de resumir as considerações que tinha a fazer atendendo a que o Regimento me marca o espaço diminuto de 5 minutos para usar da palavra antes de se encerrar a sessão, mas não quero deixar do aproveitar a presença do Sr. Presidente do Ministério com receio de que S. Exa., amanhã e nos dias seguintes, adoeça, como adoeceu ontem, cousa que eu muito lamento, para tratar duma questão que eu reputo importantíssima.
Viu o Sr. Presidente do Ministério votado nesta Câmara, e com certeza vê-lo há votada dentro em breve no Senado, um aumento de 15.000$ da verba para sindicâncias e inquéritos.
Eu, a admitir como boas as afirmações feitas por S. Exa. nesta Câmara, de que, para satisfazer as despesas já feitas com sindicâncias e inquéritos são necessários apenas 8.000$, consèquentemente verifico que fica uma margem de 7.000$ .para sindicâncias e inquéritos a realizar no futuro.
Ora eu recebi há dias pelo Ministério do Interior documentos que, certamente, S. Exa. não ignora, e que eu preciso denunciar à Câmara, a fim de que se tomem as providências precisas para que casos dêstes não fiquem no silêncio.
Eu pedi que, pelo Ministério do Interior, me fôsse fornecida uma nota detalhada das receitas cobradas, pela polícia, das casas de jôgo durante o dezembrismo.
Pedi mais uma nota de qual a aplicação dessas importâncias, e, com espanto meu, recebi do Ministério do Interior uma comunicação.
Foi-me tambêm fornecida, gostosamente o declaro, uma nota das importâncias recebidas pelo actual governador civil, o meu ilustre amigo Sr. Prestes Salgueiro, e qual tinha sido a sua aplicação.
Aproveito a ocasião para prestar a S. Exa. o preito da minha muita homenagem, porquanto se demonstra, com a documentação que me foi fornecida, que S. Exa. não descura a sua principal função.
No relatório que me enviaram, eu, Sr. Presidente, concluo, à vol d'oiseau, que as importâncias recebidas das casas de jôgo, descontando as que não funcionaram durante algum tempo, por vários motivos, e as que se encerraram, oscilam entre 10 e 17 contos, o que dá a quantia de 115.350$, cobrados de 30 de Março a 30 do Setembro.
Eu tinha ouvido dizer em toda a parte que a administração do dezembrismo foi ruinosíssima para o País, mas até o presente não tinha provas, aceitando como boas essas informações. Mas eu tenho aqui, me parece, os elementos precisos para pôr à face do País um acontecimento grave passado no tempo do dezembrismo, demonstrando quanto a sua administração foi ruinosíssima para o País.
Vê-se que foi cobrada, durante o tempo do dezembrismo, dessas casas a quantia de 217.500$ pela polícia de Lisboa, mas o que se não sabe é para onde esta importância foi. Isso é que não se sabe.
E V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, que tem 7.000$ para inquéritos e sindicâncias, muito bem andará em mandar proceder a um inquérito para se averiguar qual o destino daquele dinheiro.
V. Exa. terá ocasião de pôr à face do País um acto de moralidade, devendo os seus responsáveis, que são os indivíduos que estiveram na polícia por essa ocasião, serem chamados à responsabilidade.
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V. Exa. prestará um óptimo serviço à República e ao País mandando averiguar o caso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Jordão: - Pedi a palavra para comunicar a V. Exa. que já se encontra constituída a comissão de finanças, sendo escolhido para presidente o Sr. Álvaro de Castro e para secretário o Sr. Pina Lopes.
O Sr. Sá Cardoso (Presidente do Ministério e Ministro do Interior): - Em resposta ao Sr. Manuel José da Silva, devo dizer a S. Exa. que me limitei a mandar os documentos pedidos; mas, em vista das afirmações que ouvi, eu não tenho dúvidas em seguir o conselho de V. Exa.
Apenas a dúvida que tenho neste momento, é se será mais conveniente nomear nova comissão ou alargar o âmbito da outra, que actualmente está fazendo a sindicância à polícia de Lisboa; mas em qualquer dos casos tratarei de pôr a questão a claro.
Parece-me que algumas destas casas de jôgo funcionaram durante êsse período. Outras encerraram-se.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): - Chame V. Exa. os donos dessas casas de jôgo; peca-lhes os dados e decerto V. Exa. terá ocasião de constatar o que eu disse.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vou ler os nomes dos membros desta Câmara que fazem parte das comissões de inquérito aos Ministérios:
Abastecimentos:
Queiroz Vaz Guedes, Aníbal Lúcio de Azevedo, Velhinho Correia, António Granjo, Alves dos Santos, Pais Ho visco e António Francisco Pereira.
Colónias:
Domingos Frias, Domingos Cruz, Paiva Gomes, Manuel Rocha, Hermano de Medeiros, Cunha Lial e Ladislau Batalha.
Guerra:
João Aguas, Pinto da Fonseca, Pereira Bastos, Sampaio Maía, Hermano de Medeiros, Vergílio Costa e Manuel José da Silva (Porto).
Estrangeiros:
Álvaro de Castro, António Maria da Silva, Barbosa de Magalhães, Afonso de Melo, António Mantas, Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) e Costa Júnior.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, à hora regimental. A ordem é a seguinte:
Antes da ordem do dia: Parecer n.° 255, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 5:000 contos e o dar-lhe a aplicação mencionada no § único do artigo 196.° do decreto n.° 3:766, de 10 de Maio de 1919.
Ordem do dia:
Interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros;
Interpelação do Sr. Mesquita Carvalho ao Sr. Ministro do Comércio;
Projecto de lei n.° 219-A, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo de 5:405.842$13, para pagamento da dívida do Estado à Câmara Municipal de Lisboa;
Parecer n.° 118, que reorganiza a secretaria da Presidência da República e fixa os vencimentos dos seus empregados;
Parecer n.° 212, que reorganiza a Casa da Moeda e Papel Selado.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Comunicações
Do Sr. António Marques de Azevedo, participando que se constituiu a comissão de redacção, sendo seu presidente o Sr. Eduardo de Sousa, e secretário o participante.
Para a Secretaria.
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26 Diário da Câmara dos Deputados
Exmo. Sr. Presidente. - Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que se acha instalada a comissão do finanças, tendo escolhido para presidente o Sr. Álvaro de Castro e para secretário o Sr. Pina Lopes.
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1919. - O Deputado, membro da comissão de finanças, Alberto Jordão.
Para a Secretaria.
Exmo. Sr. - Comunico a V. Exa. que se instalou a comissão de ensino especial e técnico, tendo escolhido o Sr. Aboim Inglês para presidente e a mim para secretário.
10 de Dezembro de 1919. - O Deputado, Mem Tinoco Verdial.
Para a Secretaria.
Pedido
Pede-se a convocação da comissão de administração pública para amanhã, 12, às 14 horas. - O Presidente, Abílio Marçal.
Para a Secretaria.
Projecto de lei
Do Sr. Alves dos Santos, concedendo a diuturnidade de serviço aos funcionários da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
Para a Secretaria.
Para o "Diário do Govêrno".
Pareceres
Da comissão de instrução superior, sôbre o projecto de lei n.° 213-A, do Sr. Hermano de Medeiros, dispensando das provas orais, quando tenham sido aprovados nas escritas, os alunos das Faculdades de Direito que requereram exames de Estado em 1918.
Para a Secretaria.
Imprima-se.
Da comissão de pescarias sôbre a proposta de lei n.º 106-F, do Sr. Ministro da Marinha, criando em Aveiro um porto de biologia marítima.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de pescarias, sôbre o projecto de lei n.° 111-H, do Sr. Costa Júnior, permitindo o uso da designado canhão na pesca de cetáceos (baleia, cachalote).
Imprima-se.
Requerimentos
Requeiro que, pelos Ministérios a cargo dos quais estejam quaisquer estabelecimentos de educação ou ensino, me seja fornecida nota completa de toda a legislação, actualmente em vigor, que se relacione com a organização e funcionamento dos referidos estabelecimentos. Renovo assim o requerimento que fiz em 25 de Junho do ano corrente, o que me foi satisfeito apenas pelo Ministério da Agricultura e duma forma incompleta o deu feituosa pelo Ministério da Guerra, desejando por isto que êste último Ministério me forneça os esclarecimentos completos que pedi.
Câmara dos Deputados, 11 de Dezembro de 1919. - Mem Tinoco Verdial.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja satisfeito, com urgência, o meu requerimento de 20 de Outubro do 1919, em que partia informações de quem sejam os administradores, por parte do Govêrno, junto à Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela, com sede em Lisboa, com a data das suas nomeações e importância dos respectivos vencimentos.
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1919. - Eduardo de Sousa.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças e Direcção Geral da Estatística, me sejam enviados, com urgência, todos os elementos estatísticos publicados e referentes ao arquipélago dos Açores.
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1919. - Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Expeça-se.
Requeiro que, pelos Ministérios das Colónias e dos Negócios Estrangeiros) me sejam fornecidos os originais (ou cópias completas) dos processos e mais documentos existentes naqueles Ministérios e se refiram ao caso conhecido sob o nome de Itália e Angola, debatido em toda a imprensa mundial, e a que deu origem um
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Sessao de 11 de Dezembro de 1919 27
artigo publicado no jornal francês Le temps de 6 de Junho de 1919.
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1919. - Plínio Silva.
Expeça-se.
Requeiro, com a maior urgência, que, pelo Ministério do Interior, me seja fornecido, para consulta, o processo de inquérito à "Leva da Morte".
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1919. - Nóbrega Quintal.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida uma nota dos maiores compradores de letras pagáveis em Portugal à Agência Financial do Rio de Janeiro, e outra nota dos câmbios a que foram compradas, devendo estas notas referir-se ao tempo que vai de 1 de Outubro até esta data.
Lisboa, 11 de Dezembro de 1919. - João Gonçalves.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
O REDACTOR - Sérgio de Castro.