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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
3sT. 6B
EM 20 DE ABRIL DE 1920
Presidente o Ex,mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex,mos Srs,
Baltasar de Almeida Teixeira Anlónlo Marques das Neves Manias
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 33 Srs. Deputados, lê-se a acta, que se aprova quando há número regimental. Dàrse conta do ex-
O Sr.. Malheiro Reimão ocupa-se da forma por que são feitos os pedidos de comparência dos Srs. Deputados noa tribunais. O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Ayeméis) trata do mesmo assunto.
AUtes da ordem do dia. — O Sr. Eduardo de Sousa pede que se discuta o parecer sobre o pedido de renúncia dos Srs. Afonso Costa e Norton de Matos. O' Sr. Presidente consulta a Câmara sobre se entende que esse parecer seja dado para ordem do dia logo que haja vaga. Aprovado.
O Sr. Hermano de Medeiros pregunta pelo destino de duas notas de interpelação que, mandou para a Mesa. O Sr. Presidente responde que foram entregues.
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis) irala da necessidade duma época extraordinária de exame* nas Faculdades de Direito e do caso duma sindicância a um professor de Beja.
O Sr. Albino dj, Fonseca pede autorização para que uma comissão parlamentar, de inquérito saia em serviço.
O Sr. Ministro da Instraçâo (Vasco Borges) .responde ao Sr. Manuel José da Silva.
O Sr. Júlio Martins pede que o assunto da interpelação do Sr. Costa Júnior seja o único a debater-se na ordem do dia. Consultada a Câmara, é aprovado.
O Sr. Malheiro Reimão reqúere que seja marcado o orçamento da guerra para ordem do dia da sexsão -imediata. Sobro, o modo de votar, têm a palavra os Srs. António Maria da Silva e Vasco de Vasconcelos. O requerimento é rejeitado.
Ordem do dia. — Prossegue a discussão do assunto da interpelação do Sr. Costa Júnior : opro-blcma do' pão. Usam da palavra os Srs. Cunha, Liai e Ministro do, Agricultura (João Luís Ri-fíardo), que fica com ela reservada.
O Sr. Alberto Jordão manda para a Mesa vá rios pareceres.
Antes de se encerrar a sessão.— O fir. Augusto Dias Silva, reserva-se para tratar no dia seguinte da questão da liberdade de imprensa.
O Sr. Afonso de Melo ocupa-se de casos ocorridos em Tondela, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista).
O Sr. Manuel José da Silva renova um pedido de documentos.
O Sr. Afonso de Macedo usa dapalavra acerca da forma por que é distribuída a ajuda de custo da vida aos sargentos. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 14 horas e 3õ minutos.
Presentes à chamada — 69 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marcai.
Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa.
António Albino do Carvalho .Mourao.
António Augusto Tavares Ferreira.
António da Costa Ferreira.
António da Costa Gbdinko do AmaraL
António Dias»
António Francisco Pereira»
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Diário da Câmara doa Deputados
António José Pereira:
António Marques das Neves Mantas.
António do Paiva Gomos.
António Pirós de Carvalho.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pereira Nobre.
Bíiltasar de Almeida Teixeira.
Constftucio Arnaldo de Carvalho.
Domingos Cruz.
Domingos Frias de Sampaio e Melo.
Diogo Pacheco do Amorim.
Eduardo Alfredo de Sousa.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco' José" Pereira.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Francisco Pinto da Cunha Liai.
Horniano José de Medeiros.
Jaime da Cunha Coalho. . João Cardoso Moniz Bacelar. .
JoFlo José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
J OãoN dos Orneias da Silva.
JoHo Xavier Camarate Campos.
Joaquim Brandão.
José António-da Costa Júnior.
José Maria de Campos Melo.
Josó Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
José de Oliveira Ferreira Diniz.
José Rodrigues Braga.
Júlio Augusto da' Cruz.
Júlio César de Andrade Freire.
Júlio do Patrocínio Martins.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
LLIÍS de Orneias Nóbrega Quintal.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva.
Manuel José da Silva.
Mariano Martins. ' Maximiauo Maria ^ie Azevedo Faria.
Miguel Augusto Alves Ferreira. .
Orlando Alberto Marcai.
Pedro Gois Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Qctávio do Saut'Ana e Silv/i.
Raul António Tamagniui de =Mirai) da J3arbosa.
Rodrigo Pimenta Massapina.
Vasco Guedes de Vasconcelos.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca. Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Granjo.
António -Maria da Silva.
Augusto Dias da Silva.
Bartolomeu dos-Mártires' Sousa Severino.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Helder Armando d.os Santos Ribeiro.
Henrique Vieira do Vasconcelos.
Jacinto do Freitas.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João Gonçalves.
João Luís Ricardo.
João Maria Santiago Gouveia Lobo Presado.
João Pereira Bastos.-'
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Domingnes dos Santos.
José Maria do ViUiena Barbosa Magalhães.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel do Brito Camacho. . •
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Nuno Simões.
Tomás do Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Xavier da Silva.
JVao compareceram à sessão os Srs.:
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de 20 de Abril de 1920
Antão Fernandes do Carvalho.
António Aresta Branco.
António Bastos Pereira. 7
António. Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Carlos Ribeiro da Silva. !^ António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
António Joaquim Machado do Lago Cerqneira.
António Lobo de Aboim Inglês.
António Maria Pereira Júnior.
António Pais Rovisco.
António dos Santos Graça.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Augu&to Robêlo Arruda. •
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado do Freitas.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
EstôvHo da Cunha Pimentel.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Coelho do Amaral Reis. „ Francisco Cotrim da Silva Garcês.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rego Chaves. •
Francisco Josó Martins Morgado.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco de Sous.a Dias.
Henrique Ferreira do Oliveira Brás.
Jaime do Andrade Vilares.
Jaimo Daniel Looto do Rego.
João líonriqnes Pinheiro.
João Lopes Soares.
João Ribeiro Gomes.
Joa"o Salema.
Joaquim Aires Lopes do Carvalho.
Joaquim Josó de Oliveira.
Jorge de Vasconcelos Nunes. . José Garcia da Costa.
José Gomes Carvalho de Sousa Varela.
José Gregório de Almeida.
José Meados Ribeiro Norton de Matos,
Leonardo José Coimbra.
Liberato Damião'Ribeiro Pinto.
Lino Pinto Gonçalves Marinha»
Manuel Alegro.
Manuel José Fernandes Costa.
Mem Tinoco Vordial.
Eaúl Leio Portela.
Vítc? Josó do Dons do Mac
Pelas 14 horas e 40 minutos principiou a fazer-se a primeira chamada.
O Sr. Presidente:—Estão presentes 33 Srs. Deputados. Está aberta -a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente : —Vai ler-se a acta. Foi lida a acta.
O Sr. Presidente: — Está em discussão^ a acta.
As 15 horas- procede-se à segunda chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Eram 15 horas e, 10 minutos.
Foi aprovada a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Maximiáno A. Faria, seis dias.
Do Sr. Angelo Sampaio Maia, quinze dias. •
Do Sr. Álvaro Guedes, cinco dias.
Do Sr. Estêvão Pimentel, sessenta dias.
Do Sr. Jaime Leote do Rego, sessenta dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Alberto Jordão, um dia.
Do Sr. Cainarate do Campos, um dia.
Concedido. .
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. José Gr'egório de Almeida, parte do doenti!.
Parei a comissão de infracções e faltas.
Òe três vítimas do atentado dinamitista da Rua Augusta, pedindo para os Srs. Deputados visitarem os feridos antes de votarem o projecto pendente.
Para a tiwefaria.
Do presidente da comissão executiva de Ponta Delgada, pedindo a aprovação do projecto melhorando os vencimentos ! -dos pilotos do porto daquela cir;vre=
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Diário da Câmara dos Deputados
Do Congresso do Partido Eepublicano Português, convidando o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados a iniciar os seus trabalhos.
Para a Secretaria.
Representação
De representantes de várias empresas, pedindo a revogação do decreto n.° 6:470.
Para a Secretaria.
Para, a.- comissão de comércio e indústria.
Ofícios ;
Do Sr. Ministro das Finanças, remetendo cópias dos decretos n.os 6:464, 6:472, 6:473, 6:474, 6:481,- 6:482, 6:488, 6:490, 6:491, 6:489, 6:497, 6:498, 6:499, 6:501 e 6:503, publicados no Diário do Governo, de 23, 26, 29, 30 . de Março e l do corrente.
Para a Secretaria.
Para a comissão de jinancas.
Do Sr. Ministro dns 'Finanças, satisfazendo o requerido pelo Sr. Diogo Pacheco de Amorirn em 4 de Março úl-
•tímn^
Para a Secretaria.
Do Senado, devolvendo, com altera-. coes, a proposta de lei n.° 3-Y, que concede indemnizações aos que durante a rebelião monárquica sofreram prejuízos em suas pessoas e bens.
Para a Secretaria.
Para as comissões de legislação civil-e comercial.
Do director da polícia de investigação criminal de Lisboa, comunicando que foi pedida a comparência, hoje, no quartel general da l.a divisão do exercito, do Sr. Manuel José da Silva.
Para a Secretaria.
Prejudicado.
Do Sr. Francisco Nóbrega Quintal, agradecendo o voto de sentimento proposto e aprovado nesta Câmara pelo falecimento do Sr. Luís de Orneias Pinto Coelho.
Para a Secretaria,
Do Ministério da Guerra, enviando notas das alterações à prop.osta orçamental
do mesmo Ministério para o ano de 1920— 1921. .
Para a Secretaria.
Para a comissão do orçamento.
Do mesmo Ministério, enviando um mapa de oficiais médicos, em satisfação ao requerido pelo Sr. Alberto Cruz.
Para a -Secretaria.
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pedindo indicação dos nomes dos representantes do Parlamento português na reunião cia Conferência Interparlamentar de Comércio, .'que só realizará em Paris om 4 de Maio próximo.
Para a Secretaria.
Admissões
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Justiça, estabelecendo os vencimentos dos magistrados judiciais e do Ministério Público.
Para a Secretaria.
Admitido.
Para a comissão de legislação civil e
çfivnot^/iífi l
Do Sr. Ministro da Agricultura, desdobrando a 6.a circunscrição florestal ^e criando uma nova circunscrição no Funchal, que se denominará 8.a circunscrição florestal.
Para a Secretaria.
Admitido. ,
Para a comissão de agricultura.
O Sr. Malheiro Reimão : — Pedi a, palavra'para protestar contra a forma como se estão fazendo os pedidos de comparência dos Srs. Deputados nos tribunais. A forma taxativa como se determina o dia e hora da comparência, parece-me que é atentatória das regalias e direitos dos Deputados.
Protesto, pois, contra este facto.
O orador não reviu.
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Sessão de SÓ de Abril de 1920
mara conceda a licença — isso é impraticável, porque já passa muito dessa hora. Peço, pois, quo outrD dia seja marcado.
O orador não reviu.
Antes da ordem do dia
O Sr. Eduardo de Sousa (para interrogar a Mesa):—Desejava saber se V. Ex.a acha conveniência em que se discuta antes da ordem dtf dia o parecer n.° 353, da comissão do infracções e faltas, e que se refere ao pedido de renúncia dos seus diplomas de Deputados dos Srs. Norton de Matos e Afonso Costa.
Esse parecer foi distribuído há tempo e onde se conclui que a comissão não.entende que seja aceita a renúncia. Convinha que, em vez de todos os dias se estar a fazer a chamada desses Srs. Deputados, que renunciaram,' se discuta o parecer que regulariza a sua situação.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tenho por costume não pôr na ordem do dia nenhum projecto .ou parecer sem que outro lhe tenha dado vaga. Nestas condições, consulto a Câmara sobre se permite que entro na ordem do dia o parecer n.° 353, logo que haja vaga.
É aprovado.
O Sr. Hermano de Medeiros (para invocar o Regimento): — Desejava saber se V. Ex.a prefere os pedidos de palavra para interrogar a Mesa aos pedidos para invocar o Regimento.
O Sr. Presidente : — Sempre me tenho cingido às preferências estabelecidas no Regimento.
: — Faço esta pregunta porque V. Ex.a acaba de conceder a palavra para interrogar a Mesa a um Sr. -Deputado, tendo eu primeiro pedido a'palavra para invocar o Regimento. \
O assunto que do.sejo tratar é o seguinte :
Em Novembro e Dezembro do ano pretérito, enviei para a Mesa duas notas de interpolarão, uma ao Sr. Ministro da Instrução o outra ao Sr. Ministro do Traba-1:o; ;u>diiriu sabor ao é ncccspírío ré-
novar o pedido ou se o que está continua a valer, visto estarmos na mesma legislatura.
No segundo caso, rogo a V. Ex.a a fineza do, junto dos Srs. Ministros, insistir para que eles se dCem por habilitados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Informo V. Ex.a de que as notas de interpelação seguiram o seu destino. Quanto ao pedido de V. Ex.a, toma-lo hei na devida consideração.
..O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira do Azeméis): — Sr. Presidente: há dias tive a honra de apresentar nesta Câmara um projecto de lei concedendo uma época extraordinária de exames para.as faculdades- de direito das Universidades de Coimbra e Lisboa.
A Câmara reconheceu a urgência para esse projecto, pois a comissão de instrução superior até hoje ainda não reuniu para dar^ parecer sobre ele.
Os prejuízos são grandes para esses alunos, e eu vejo-me forçado; bem contra a minha vontade, a pedir a urgência e dispensa do Regimento, pois o' ano lectivo já vai adiantado c o projecto deixa deter oportunidade. " '
Chamo a atenção de V. Ex.a, como Presidente da Câmara, para este assunto.
Há bastante tempo que pedi, pelo Ministério da Instrução Pública, documentos que não me foram fornecidos, e já no Senado se têm feito protestos contra a maneira por que o Ministério da Instrução Pública resolve com o silêncio estes pedidos.
Preciso duns documentos para completo esclarecimento da verdadeira bacanal que tem sido o Ministério da Instrução Pública.
Pedi também documentos para o caso ilegal da nomeação duma professora para uma escola primária superior da Horta, mas, ato hoje, não me foram fornecidos, sabendo somente que essa professora ó diplomada pela Escola Normal.
Isto só não basta, ó muitíssimo pouco.
O Sr. Ministro da Instrução Pública disse há dias, nesta Câmara, que ia fazer entrar na moralidade? o Ministério da Instrução Pública.
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Aguardo os actos de V. Ex.a, .convencido de que eles não desmentirão as suas palavras, apesar dalguns, já depois de que V. Éx.a é Ministro, atraiçoarem claramente as suas palavras. Aguardo, no . emtanto, repito, os actos de V. Ex.a para ..melhor pronunciar-me.
Tive há dias conhecimento dum caso, verdadeiramente extraordinário, que vou revelar à Câmara, e no qual o Sr. Ministro da Instrução Pública representou o seu papel, não o papel que lhe competiria harmónico'com o seu cargo de Ministro, mas um papel que lhe foi imposto por camarilhas políticas, o que não é admissível de forma alguma.
Trata-se do caso que eu vou relatar à Câmara:
Em Beja, a imprensa local ou determinado órgão da imprensa fez acusações concretas acerca da idoneidade moral de determinado professor da Escola Primário Superior de Beja.
Essas acusações correram público, e o que ó certo é que ao Sr. Ministro da Instrução Pública foi dirigido um requerimento pelo professor visado, que, por
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uma sindicância aos seus actos.
Como ó de prever, o Sr. Ministro da Instrução Pública imediatamente providenciou, de maneira que foi nomeado sindicante uni professei5- do Liceu de Beja, que é um dos professores mais distintos do nosso corpo docente de ensino oficial, professor que no Ministério da Instrução Pública todos sabem ser dos mais distintos, o Sr. G-abriel Baptista Sirnas. para averiguar das acusações concretas dirigi-gidas ao referido padre professor.
Esse professor sindicante, ao ter conhecimento de que fora indicado o seu nome para uma-tam alta missão de confiança, dirigiu-se a Lisboa pedindo escusa de tal incumbência, porquanto ôsse professor tendo sido há dias transferido para um liceu das ilhas, estava disposto a permanecer na metrópole pouco mais tempo do que falta para o fim do ano lectivo e não queria arranjar inimizades que são sempre a resultante das sindicâncias.
Instado, porém, aceitou 6sse encargo e procurou o director do jornal que tinha feito as referidas acusações concretas e que diziam respeito ao facto do professor arguido ter chamado uma ou várias alu-
Diário da Câmara dos Deputados
nas à sacristia a fim de lhes explicar determinados pontos da matéria e ainda para lhes ensinar alguns pontos da lição.
O director do jornal indicou imediatamente três testemunhas para confirmarem a veracidade da sua afirmação. Quando isto sucedia, com grande espanto seu, o sindicante recebeu .um telegrama do Sr. Ministro da Instrução Pública convidando-o a vir'imediatamente a Lisboa.
A política de Beja, pôr intermédio dos seus elementos de valor, tinha feito sentir a necessidade de não ser esse professor quem fizesse a sindicância, alegando que ele era monárquico.
Eu, com as responsab ilida dês que cabem a um nome que nada vale, tendo, todavia, apenas o valor de ser o dum republicano, afirmo que se trata dum republicano da velha guarda, que não precisa de atestados de republicanismo passados por qualquer chafarica política, onde os homens que mandam hoje são os mesmos que mandavam no tempo da monarquia.
Quando Osse professor viu a falta de confiança e solidariedade que o Ministério da Instrução Pública nele depositava,
A política de Beja, que eu 'não p.osso discriminar qual seja, fez insistência junto do Sr. Ministro da Instrução Pública no sentido do que fosse nomeado um sindicante diferente daquele.
Se outra cousa isto não significasse,, era, pelo menos, iima prova de desconfiança no próprio Ministro.
Das afirmações que a imprensa de Beja tem feito conclui-se que o indivíduo a sindicar é acusado de crimes, verdadeiros crimes, crimes como padre, e esses a Igreja os julgará, e crimes como professor, e esses não podem passar despercebidos ao Sr. Ministro da Instrução Pública.
Estou convencido-de que S. Ex.a.providenciará no sentido de ser nomeado um sindicante idóneo. E estou disposto, como V. Ex.a vê, a seguir este e outros casos similares com- o carinho com que eles merecem sor seguidos porque, se não se podem absolver criminosos, não se podem também condenar inocentes, se; porventura, eles existem.
Tenho dito.
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Sessão de 20 de Abril de 1920
O Sr. Albino dá Fonseca (por parte da comissão de inquérito aos bairros sociais):— Sr. Presidente: peço a Y. Ex.a que consulte a Câmara sobre se autoriza que esta comissão possa ir durante a sessão fazer os serviços que tinha determinado para hoje e de qne se não pôde desempenhar ames da hora marcada para a sessão funcionar.
Foi autorizado.
O Sr. Ministro da Instrução Pública
(Vasco Borges): — Sr. Presidente: é para dizer ao Sr. Manuel José da Silva, o começando pelas palavras que S. Ex.a proferiu, que nunca essa espécie de fiscalização que S. Ex\a se propõe executar junto de mini poderá redundar senão em meu benefício, porquanto S. Ex.!l jamais ine encontrará num acto menos correcto.
E neste caso de sindicância ao professor de Beja, de que se trata, não há nenhuma incorrecção.
O Sr. professor Simas, do quem tenho as melhores informações, e de quem não tenho dados para não considerar republicano (Apoiados), só não continuou n'a sindicância para que foi nomeado porque não quis.
Eu seria incapaz para com uma pessoa que tenho na melhor conta o consideração do cometer uma incorrecção, e não.a cometi para com o professor^ S imas. E certo que o chamei a Lisboa para lhe expor o que só passava, mas disse-lhe que, se S. Ex.a quisesse, continuaria a fazer a sindicância.
O Sr. Manuel José dá Silva:—V. Ex.a dá-me licença?"
Quanto ao facto do V. Ex.a chamar a Lisboa o professor Sr. Simas, as minhas palavras estão fora da verdade?
O Orador:—Não senhor. Mas também, é verdade, o V. Ex.a não o ignora, que eu usei para com o professor Sr. Simas da máxima correcção, dizendo-lhe que, se 6le quisesse continuar na sindicância, eu não nomearia outro sindicante.
Uma vos : — Mas então, para que ó que V. Ex.a o chamou a Lisboa?
O Orar!r>^: — Ohamei-o ? Lfisboa par.i oxniir o que era .conveniente que o professor Sr. Simas soubesse o que se dizia em Beja, mas não fiz sobre ele nenhuma espécie de pressão. O professor Sr. Sinias abandonou a sindicância porque o quis fazer. Depois disso o que posso afirmar a Y. Ex.a é que'preferiria que a sindicância se não fizesse, a nomear para ela alguém que não dê completas garantias de lá ir apenas apurar a verdade, sem contemplações ou transigências de qualquer espécie, para colocar bem quem esteja mal colocado. (Apoiados). Eu empregarei, no enxtanto, todos os meios para que a sindicância se faça, e, a realizar-se, há-de ser por quem me mereça confiança e vá esclarecer á verdade, doa a quem doer. Pelo que diz respeito ao 'pedido de documentos, devo dizer que o facto a que S. Ex.a se referiu não é da minha responsabilidade. Vou, porém, dar imediatas providências para que ele se não repita, de forma que os pedidos de requerimentos feitos pelos membros do Parlamento sejam satisfeitos com a máxima brevidade. O orador não reviu. O Sr. Presidente : —Vai passar-se à ordem do dia. Os Srs. Deputados que têiii papéis a enviarem para a Mesa podem fazê-lo. O Sr. António Fonseca : — O Sr. Presidente :—A inscrição de hoje é a que fica para amanhã. O Sr. Júlio Martins (para invocar o Regimento) : — Seria talvez de grande con-veniOncia para evitar que as questões pendentes desta Câmara se eternizassem, que o assunto da interpelação do Sr. Costa Júnior fosse o único a debater na ordem do dia. Nesse sentido eu pedia a V. Ex.a para se pronunciar. O Sr. Presidente; — Eu vou consultar a Câmara sobre o alvitre de Y. Ex.a Consultada a Câmara foi aprovado.
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não vejo presente o Sr. Ministro'da Agricultura peço .a V. Ex.a, Sr. Presidente, para me informar se S. Ex.a se encontra ou não no edifício do Congresso'.
O Sr. Presidente:—S. Ex.a o Sr. Ministro da Agricultura não se encontra, efectivamente, no edifício do Congresso. Nestas -condições, vou dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos para antes da ordem do dia.
O Sr. Malheiro Reimão (para invocar o Regimento]: '•— Ao abrigo do artigo 74.° do Regimento e nomeadamente do seu § 2.° peço a V. Ex.a para marcar para ordem do dia de amanhã o parecer n.° 130 que esteve dado para ordem do dia há j á alguns meses, lembrando ao mesmo tempo, a necessidade inadiável de se discutirem, os orçamentos.
Nós vivemos ha perto de dois anos num regime de duodécimos, na mais completa subversão de princípios constitucionais. Jíi indispensável terminar duma vez para sempre com esse processo de expedientes de ocasião, entrando finalmente na normalidade constitucional.
Julgo mesmo que nos não ficaria mal marcarmos sessões nocturnas para a discussão dos orçamentos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Malheiro Reimão quere que seja marcado para ordem do dia do amanhã o Orçamento. Os Srs.-Deputados que aprovam esse requerimento queiram levantar-se ...
O Sr. António Maria da Silva: — Peço a palavra sobre o modo de votar.
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O Sr. Presidente:—V. Ex.a pediu a palavra sobre o modo de votar. Peço, por isso, a V. Ex.a para restringir quanto possível as suas considerações.
O Sr. António Maria da Silva:—V. Ex.a
garante Gsse procedimento em relação a todos os Deputados que pedirem a pala-ATra sobre o modo de votar?
O ,Sr. Presidente : — É já a segunda vez que nesta Câmara faço essa observação.
O'Sr. António Maria da Silva: — Diário da Câmara dos Deputados que daqni para o futuro retirará a palavra â qualquer Sr. Deputado que, tendo-a pedido sobre o modo de votar, não se restrinja a esse motivo? O Sr. Presidente:—Eu já disse que é a segunda vez que faço a advertência no sentido do que os oradores se cinjam ao assunto para que pedem a" palavra. O Sr. António Maria da Silva: — Pedi a palavra sobre o modo de votar, como presidente da comissão do Orçamento. Recomendo mais uma vez aos Srs. Deputados a quem foram distribuídos os diversos pareceres, quê apresentem com urgência os seus trabalhos. Alguns têm alegado que só vêem obrigados a fazer várias rectificações, por virtude do trabalhos apresentados pelos STS. Ministros das Finanças, inclusive o actual. - • Independentemente disto também há a circunstância de terem sido trazidas à Câmara'várias propostas que têin influência no Orçamento das receitas. Compreende-se, pois, que emquanto não esteja completam ente leito tudo o que se torna necessário para basear um trabalho definitivo, a comissão está inibida de apresentá-lo. Se fôssemos votar o requerimento do Sr. Reimão, nos termos ern que 6lo foi fe.ito, lançar-nos-iamos numa discussão desordenada e confusa. Tenho dito. O orador não reviu. O Sr. Vasco de Vasconcelos:—Acho interessantes e patrióticos os desejos manifestados pelo Sr. Malheiro Reimão, de que se discuta imediatamente o orçamento da Guerra, mas a verdade é que, se fôssemos fazer essa discussão sem termos o respectivo parecer sobre a lei de meios, embrenhar-nos-iamos num debate sem método, e grandes perturbações "adviriam para os nossos trabalhos. Pondere, pois, a Câmara nisto. O orador não reviu.
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Sessão 'de 20 de Abril de 1920
Os Srs. Deputados que aprovam que entre amanhã em discussão, sem o respectivo parecer, o orçamento da Guerra, queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está rejeitado.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente :— Tem a palavra sobre a ordem do dia o Sr. Cunha Liai.
O Sr. Cunha Liai:—Sr. Presidente: Declarei na última sessão que iria ocupar--me do problema da moagem e panificação, sob o ponto de vista doutrinário, para em seguida abordar o seu lado escandaloso o Q seja o que diz respeito às contravenções à lei, que têm sido feitas em todos os tempos e donde derivaram para a moagem e panificação receitas proibidas pela mesma lei.
Do inode como os Governos tem encarado o abastecimento do país, nesta matéria do pão, tem resultado para o Estado prejuízos que o Sr. Costa Júnior calcula' serem no actual ano" económico superiores a 40:000 contos.
O número ó exagerado e importa rectificá-lo.
O déficit de trigo previsto para 1919-1920, foi de 200:000 toneladas.
As últimas aquisições feitas no Ministério da Agricultura orçam por 60:000 toneladas, devendo nelas ter o Estado perdido cerca de 12:000 contos, à razão de j$21 por quilograma.
Havia já anteriormente sido feita a compra de 80:000'toneladas, em épocas e com preços e câmbios variados, podendo fixar-se som nos afastarmos muito da verdade, em cerca de $10 o preço médio por quilograma, o que faz elevar a qualquer cousa como 20:000 contos os prejuízos que para o Estado derivam dos contratos até hoje fixados por ele no decurso do actual ano económico.
Tem ainda o Estado um contrato de aquisição de 20:000 toneladas, dependente do confirmação do proponente, contrato em que o Estado devo perder uni pouco mais do que 4:000 contos.
Be as necessidades do país nos levarem a importar ainda as 40:000 toneladas de trigo qxio íuHu'u jpttru, o <_:oiupkMiienÍ p='p' d='d'>
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programa das 200:000, o Estado deverá perder, neste maravilhoso negócio do trigo, qualquer cousa como 30:000 contos,
0 que representa mais de i/í das receitas totais do Estado, no ano de 1919-1920.
Este é o regime actual—regime que representa da parte do Estado o ter estabelecido para o pão do trigo uma política que não segue de um modo geral em relação ao problema deis subsistências.
Perde o Estado dinheiro com as aquisições de trigo no intuito de baratear o pão.
,; Porque não faz o mesmo com a batata, com o arroz, em suma, com todos os géneros, que, sendo essenciais à vida, não são produzidos em quantidade que baste para as necessid/ides do consumo?
£ Porque não faz ainda o mesmo em relação ao carvão, cujo barateamento produziria uma baixa imediata .nos preços de todos os produtos das nossas indústrias ?
Mas esta protecção pode ainda ser encarada sob outros aspectos não menos interessantes.
Um terço talvez dos portugueses não se alimenta de pão do trigo, mas sim do • pão fabricado com farinha de milho ou de centeio.
Seja-me pois lícito, Sr. Presidente, pre-guntar à consciência dos que me escutam, se ó honesto, se é moral, se é decente, obrigar Gsses portugueses a concorrerem para o barateamento de um género que eles consideram como um objecto de luxo, por motivo duma longa tradição ancestral.
^Nãpserá de qualquer fornia uma reedição da escravatura, isto de obrigar dois milhões de portugueses a consumirem-se' num trabalho extenuante para que aos outros quatro milhões seja fornecido um pão mais barato ?
Porque, repare-se: mais de um quarto das contribuições de todos os cidadãos da nossa terra é, no actual ano económico, consumido nos prejuízos do negócio do trigo.
E, emquanto isto assim sucede, os Governos dir-ixam aumentar, sem limites, o preço do milho e do centeio, do modo que os consumidores do pão fabricado com farinha daqueles cereais, ou hão-de mudar o sou processo do alimentação, dando preferência ao pão de trigo, se a farinha deste chegar às diferentes localidades com a abundância suficionto, ou então liSo-dc co-
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O resultado desta política absurda é que o número de consumidores de pão de trigo, vai aumentando, dia a dia, ao passo que, em consequência ainda da mesma política, a produção de trigo nacional, como havemos de ver, tende a diminuir.
É que o regime actual, parecendo a continuação daquele que foi iniciado com a lei de Julho de 1899, é., de íacto, o inverso dele. Naquela data o trigo nacional não se podia produzir por preços equivalentes aos do estrangeiro. No intuito de proteger a nossa lavoura, estabeleceu-se para o trigo nacional um preço maior, só se permitindo a importação do trigo exótico, até ao que faltasse à nossa produção, para o complemento das necessidades nacionais.
Nas condições actuais, porém, o quilograma de trigo exótico fica-nos aqui por í540; ao passo quo o preço marcado à lavoura representa apenas cerca de metade daquela importância. E eis como uma lei do protecção se transformou numa lei de ataque à lavoura nacional.
Como os preços se acompanham sempre, dada a sua interdependência, con-
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um incitamento para alargar a área cultural do trigo. Antesj pelo contrário, se tem verificado a tendência para o abandono dessa cultura. O que tanto monta dizer quo na realidade o resultado paradoxal da politica do Governo, no tocante a este assunto, é, como já indicámos, o aumento do consumo do trigo e a diminuição da produção do mesmo género. E são estas e que] andas asneiras que explicam o estado deficitário dá nossa balança económica, o êxodo do nosso ouro e a mi-sória a que chegou o câmbio.
^Pois tíão valeria mais a pena prote-.ger a lavoura, alargando o preço e obrigando ao manifesto do trigo produzido ?f Hoje, cpin o manifesto facultativo, não se sabe qual o déficit real da nossa produção, pois o agricultor encontra sempre para o seu trigo preços muito mais convidativos do que aqueles quo os Governos, na .sua alta sapiência, resolvem marcar.
Assim, os deficits calculados pelos Ministros são aquelesi quo às conveniências da moagem importa indicar-lhes, porque a eles lhes faltam, sobre o assunto, os dados necessários para formarem uma opinião própria.
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Mas o mais triste é que isto não é a consequência dos governantes terem pensado em seguir uma política de governo, que, embora errada, obedecesse a uma convenção premeditada. Não ; isto tudo é obra do acaso e resulta apenas da incapacidade iniludível de Ministros milicianos. • Quando, em 1918, Machado Santos, que foi o nosso melhor Ministi o das Sub-sistências, tabelou o preço do trigo nacional, ele calculou-o de forma que o preço do trigo exótico, posto aqui, -lhe fosse sensivelmente inferior. A sua política era a verdadeira, a boa; o negócio dos trigos daria ao Estado lucros, em vez de prejuízos, e a lavoura nacional recebia a protecção necessária.. Mas sucede que, com o decorrer dos tempos, o preço do trigo exótico foi crescendo lá fora, emquanto a nossa moeda se ia progressivamente desvalorizando. E os Ministros que sucederam àquele não souberam acompanhar a evolução das cousas, o que explica que tenhamos caído nas circunstâncias actuais. Hoje não é fácil fazer voltar tudo bruscamente à'primeira forma. Há que conseguir primeiramente nmn Tno^hnviíi CíiTVihinl. O rlpnoís nrnvn-
car, neste capítulo, o regresso a uma política compatível com as necessidades do país, embora para isso seja preciso aumentar o preço do pão.
Logo no princípio do ano económico de 1919-1920 o Instituto de Koma proclamava aos quatro ventos que este ano haveria em todo o mundo uni drfitit de trigo.
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Mas há um outro ponto muito importante a considerer quando se encara a questão sob este aspecto. O preço do transporte da tonelada de trigo da Argentina para Lisboa deve regular por 170 xelins. Se os Transportes Marítimos mandarem um navio em lastro até a Argentina, e o fizerem vir de lá carregado de trigo, a despesa deve ser superior a 80 selins por tonelada, e reduzir-se há, de muito, se aparecer alguma carga para os portos da Argentina, ou mesmo para o Brasil. O Estado poderia, pois, economizar talvez 70$ por tonelada de trigo se se servisse dos seus navios, que hoje chegam e sobram para as necessidades nacionais.
j Quere dizer que o déficit do Estado nesta operação dos trigos.se poderia reduzir do melhor de 14:000 coutos! Com a vantagem ainda de se não entregarem à navegação, estrangeira 170.200:000 xelins, ou seja 1,700:000 libras, que vêm ainda a pesar mais na ncissa desequilibrada balança económica!
Mas, seja como for, por virtude da má política, dos erros e dos desvarios dos Governos, perdêm-se este-ano com as aquisições de trigo 30:000 contos, que o. povo sua e paga. Compreende-se, por isso, a alta questão de moralidade que representa isto de não consentir que, ao menos, nem um único centavo desses 30:000 contos seja desviado em proveito de qualquer entidade.
Se o assambareador rouba o povo, isso, que ó um crime, não é tam grave ainda como o seria se o Estado figurasse nesta operação como intermediário entre o assambarcador e.o consumidor. Pode o Estado permitir o crime por falta de competência e desmazelo. {Mas que o Estado leve a sua lorpiee ao ponto fantástico de sor ôle mesmo a entidade encarregada de lançar um y_éu sobre as manigâncias dos criminosos, e de as tornar mesmo possíveis, indicando-lhes, como único caminho, o da fraude, isso ó que excede tudo quanto a antiga musa canta!
Eis porque se torna necessário dar, neste País, aproveitando, o ensejo, nm alio exemplo de moralidade que marque uma nova orientação na nossa vida. K preciso que as receitas obtidas fora das condições da lei sejam arrecadadas pelo Ss-ííiilíí, cntiíL-ulo que íeiu suportado o:í en-eargor, do pão.
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Preguntei na soxta-feira passada ao Sr.-Ministro se havia alguma lei que permitisse ao Estado o fazer reverter para os cofres públicos o produto dessas receitas fr£iudulontas, e convidei-o, em caso negativo, a pensar no diploma legal que remedeie essa deficiência.
Não queira o Sr. Ministro, por um cómodo jugo de empurra, deixar a alguns dos legisladores o encargo de trazer aqui o projecto do lei respectivo. Lembremo--nos todos, Sr. Presidente,, de que aquele Ministro da Agricultura que se scuta naquelas cadeiras ó o mesmíssimo Ministro que nos pediu um mês de férias para poder legislar como -lhe desse na ministerial gana.
Passou, assim, um diploma de competência a si mesmo, que é preciso justificar de qualquer forma. Bem sei que, reconhecendo a insuficiência da sua própria obra, ele apela já para o Parlamento, a fim de que a obra seja corrigida. Deixemos lhe, porém, essa glória. Ele que proponha a forma legal de fazer reentrar nos cofres do Estado aquilo que foi roubado, só é que/ dentro das leis actuais, não existem meios do conseguir tal objectivo.-
Reconhece o Sr. Ministro a existência dum roubo qu£indo no relatório do decreto n.° 6:470 fala em «fraudes e ganâncias das indústrias de moagem e panificação». Alguém aparece a querer-lhe provar que há modo de apurar uma parto das receitas obtidas à custa 'dessas fraudes. Mas assiste a esse alguém o direito de pre-guntar ao Ministro o que é que ele fará para reaver o que se extorquiu contra as disposições da lei. Sem sanções ó inútil perder tempo, de modo que, a bem ou a mal, o Sr. Ministro, no decurso deste debate, há-de ser forçado a revelar o seu pensamento ou a confessar pelo seu silêncio que pretende lançar sobro a moagem o seu manto protector. A fórmula só pode ser uma: — Quem rouba deve pagar!
O Sr. Ministro João Luís Ricardo foi para o Ministério com a i doa do «tipo único de pão».
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Não pretende o Grupo Parlamentar Popular provocar a queda do Ministério, antes deseja grudá-lo às consequências da sua obra para que a opinião republicana se desiluda em presença dos disparates destes Ministros milicianos. Mas, com franqueza, Sr. Presidente, é-me impossível deixar de fazer sobressair o .quanto tem de ridículo e despropositado, na explicação dada pelo Sr. Ministro, a mudança da sua concepção.
^Pois fabricando o"pão só com farinha de trigo, não via Cie que o tipo de pão único deveria, por fas ou por nefas, ter um preço eornprendido entre o de l.a e o de 2.a qualidade, e, portanto, mais elevado do que o último?
O que estes homens aprendem nas cadeiras do Poder, Sr.' Presidente, é francamente extraordinário.
j Não me admiro de que, qualquer dia, ao serem chamados a ocupar aquelas cadeiras, peassem a frequentar qualquer escola nocturna a fim de aprenderem o a, bj c!
Mas o Sr. Min:stro não foi capaz de abranger o problema sob um aspecto mais consentâneo com os iutõrêssos da colectividade. Não encarou, por exemplo, a hipótese de misturar farinha de milho com a farinha de .trigo de modo a obter, simultaneamente, a redução do preço do pão e a diminuição do déficit do trigo, cousa que influi, dum modo sensí vel, no estado da nossa balança económica.
Fala-se em desenvolver a cultura do> trigo nos planaltos de Benguela e Huíla, o que é de louvar, mas não se pensa em aproveitar completamente todos os recursos em milho de que dispõem, desde já, as nossas colónias.
Ora. se há nesta questão qualquer cousa que sobreleve >ainda em importância às roubalheiras da moagem, é, com certeza, isto da rodnção das importações de trigo. Aí ficam atiradas a esmo estas idcas, que oxalá caiam em bom terreno e produzam os seus frutos, só bem que. por hábito, sejamos sempre propensos- a desconfiar das farturas.
Entramos agora no capítulo passional, que mais interessa o público, o das «fraudes da moagem».
Fcilando ontem a este respeito numa sessão no Centro Dr. António José de
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Almeida,'o Sr. Costa Júnior previu que «à volta deste as§unto se estivesse urdindo uma tremenda questão política para derrubar o Governo».
Se está alegação nos diz respeito, dir--Ihe hemos que ela resvala sobre nós sem nos atingir. Concedêrnos-lhc o santo des-dôm que nos merece. . O que doe ao ilustre Deputado é que não conhece a questão, coipo vou procurar demonstrar-lhe. . Os roubos que se fazem com o pão, Sr. Presidente, dividem-se em duas categorias :
l.a Os que se fazem propriamente dentro das fábricas de moíigern ;
2.a Os que-se fazem na panificação.
Os primeiros são possíveis mesmo com o tipo único de pão. Os segundos evitam--se completamente por esta forma.
A moagem, que hoje está ligada à panificação, como o está à indústria do íabrico da'bolacha è das massas, prevendo a possibilidade de ser arrastada na onda, associa-se aos gritos dos que pedem o tipo único de pão, certa como está de que, mais mês, menos mês, o relaxamento dos nossos costumes tudo fará voltar à primeira forma, permitindo-lhe o alargamento do seu campo de operações. Mas, repito, que ela «tem a antecipada certeza de que as fraudes, sendo reduzidas, não são evitadas pela criação do tipo único de pão».
Para perceber o mecanismo cias fraudes que a moagem faz por si só,'mesmo imaginando os seus destinos separados dos da panificação, vamos considerar um exemplo:
.Suponhamos que o Estado entrega à moagem 100 toneladas de trigo exótico para moer e que, levando as suas precauções até o limite máximo da exigência da entrega integral dos produtos derivados, força a moagem a dar-lhe, segundo o decreto n.° 6:470:-15 toneladas de farinha de l.a, 60 toneladas de farinha de 2.a, 25 toneladas de sêmeas.
Depois desta segurança, que parece a máxima, o Estado, triunfante, esfrega as mãos de contenle, com a plena certeza de que o decreto se cumpriu, quando, de facto, pode não ser assim.
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Suponhamos, pois, que ela comprou ] 100 toneladas de trigo nacional e as lotou com as 100 toneladas de trigo exótico fjue o Estado lhe havia entregado.
Segundo o decreto n.° 6:470, da moon-dja de 200 toneladas de trigo, provenientes da lota, deveriam resultar os produtos seguintes:
30 toneladas de farinha de l.a, 120 toneladas de farinha de 2.a, 50 toneladas de sêmeas; total 200 toneladas.
Ern lugar disso, a moagem, sabendo que se pode ir, sem exagOro, até uma extracção de 50 por cento de farinha de 1.% moe, por exemplo, segundo o diagrama seguinte:
50 por cento de farinha de l.a, 30 por cento de farinha de 2.a, 20 por cento de sêmeas.
" Adoptando este diagrama, os produtos colhidos por ele serão:
100 toneladas de farinha de l.a, 60 toneladas de farinha de 2.a, 40 toneladas de sêmeas.
O Estado, que ignora a entrada de 100 toneladas de trigo ^nacional nas fábricas, exige da moagem a entrega de 15 toneladas de farinha de l.a, 60 toneladas de 2.a e 25 toneladas do sêmeas.
Ficam disponíveis à moagem.: 85 toneladas de farinha de l.a o 15 toneladas de sêmeas.
Quere dizer: o trigo nacional, por virtude desta' manigância, como que aparece transformado nos seus produtos derivados, de maneira a só dar farinha de l.a à razão de 85 por cento, e sêmeas à razão de 15 por cento. Ora, pela lei, é considerado como ganho ilícito o que corresponde a 85 — 15 = 70 de farinha de l.a que deveria ser de 2.a Neste exemplo, o lucro, classificado de ilícito pela lei, foi 'de 70:000 vezes a diferença entre o preço de l quilograma de farinha de l.a e l quilograma de farinha de 2.a ou seja:
70:000 X (^8 — $2175) = 18.375$.
Há que deduzir o custo de 10 toneladas de sômeas, o que reduz o ganho a 18.375$ —1.200$ = 17.175$.
Vê V. Ex.a, Sr. Presidente, que ó a circunstância de ser livro o comércio dos trigos nacionais que permite todas estas operações do cavalheirismo do indústria.
Quero dizer: nas condições actuais da lei, c más i m o de íisi£0 nacional que no
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podo lotar com trigo exótico é uma quantidade igual a este mesmo trigo. E, desde que apareça trigo nacional à venda cm abundância, para permitir levar-a manigância ao-máximo,- a receita, classificada pela lei como ilícita é, por cada tonelada de trigo exótico, entregue às fábricas. 171$75.
É claro que este ganho tom iim limite proveniente da necessidade .de não deixar sem emprego a farinha de l.a fabricada. Admitindo que uma fiscalização rigorosa impede a possibilidade de mandar para as padarias farinha do l.a e de 2.% que não esteja nas proporções marcadas pela lei, resta o recurso de emprega-Ia no fabrico de bolacha, massas e no fornecimento das pastelarias. Informações, que tenho por seguras, dizem-me que é de 55 toneladas a extraòção diária de farinha feita pela moagem de Lisboa, para esse efeito. Não será. pois, exagerado computar em 70 toneladas o consumo diário de farinha, em todo o país, no fabrico de bolacha, massas e pastéis. Isto dá para a moagem a possibilidade dum lucro diário, classificado ilícito pela lei, do pelo menos:
70:000 X ($48 — $21,75) = 18.375$
E preciso deduzir a verba correspondente a uma diminuição de produção diária de 10 toneladas de sêmeas, o que reduz o ganho ilícito, mínimo, a
18.375$ —1.200$= 17.175$ por dia
Desprezamos até aqui a influência. da água misturada, que pode ir ato 5 por cento e que permite, portanto, elevar ainda iodas as verbas que calcularmos.
O lucro- ilícito mínimo anual é, pois, pelo decreto actual de
'17.175$ x 365 = 6.208.875$
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nunc^i moe fazendo unia extracção de menos de 40 por cento do farinha de l.a Esta informação tenho-a da fonte mais autorizada, Sr. Presidente.
Fica, pois, calculado o limite mínimo da fraude, no caso duma fiscalização apertada que tornasse impossível qualquer fraude na indústria da panificação, que, infelizmente, hoje está ligada indissoluvelmente a ela.
Repito, porque nunca é de mais acentuar estas cousas, que to"do o trigo nacional, que entra nas fábricas de moagem, aparece, como que por encanto, transformado em farinha de l.a e numa pequena quantidade de sêmeas. E chamo mais uma vez a atenção da Câmara, Sr. Presidente, para o facto de ser impossível evitar pela fiscalização o conhecimento da fraude. O Estado entrega tanto trigo e recebe, se o exigir, os produtos de farinação, como só o diagrama legal tivesse sido cumprido. Que me importa a mini, Sr."Presidente, que o legislador espertalhão tenha, no artigo 12.° do decreto n.° 6:470, estatuído que a as. fábricas do moagem do Lisboa e Pôrí.o ficam obrigadas a enviar, semanalmente, notas discriminativas da quantidade de trigo que lhes for distribuído, e das quantidades de sênieas e farinhas de dois tipos que produzirem e venderem com indicações do comprador» ? Que nie importa?
O legislador espertalhão esqueceu-se do trigo nacional e esqueceu-se, portanto, de instituir princípios que evitassem a confusão de resultados derivada da co--existência deste com o trigo exótico! São sempre assim os espertalhões ministeriais". Sr. Presidente: quanto ao exame directo das fábricas, surpreendendo a moagem em plena laboração, umas tantas voltas a um parafuso põe imediatamente a fábrica a trabalhar segando o diagrama -legal.
Mas, Sr. Presidente, não é só o legislador 'do decreto n.° 6:740 a cuufessar o conhecimento das fraudes da moagem. Ela declara, numa representação ao Ministro, que perde com a taxa actual, que é dada para a moenda dum quilograma de trigo, e que é sensivelmente a mesma que tem vigorado de 1918 até hoje. ^Não é isto a confissão plena de que ola roubou, além do que lhe dava a lei, pelo menos, mais -do que lhe era necessário
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para o complemento dos seus encargos? Mas a mesma moagem, não contente com isso, tem comprado trigo nacional por: preços: $03, $04 e $05 por quilograma superior aos da tabela. E, alem disso*, ainda lho foi possível distribuir um largo dividendo aos seus accionistas, tam largo que o valor das suas acções foi além do dobro do seu valor nominal.
O limite mínimo do roubo, «roubo», como tal classificado pela lei, pode, pois, «grosso modo», apontar-se como sendo a soma das três parcelas atrás citadas.
Supondo, pois," cumprida alei, no -tocante às quantidades de farinha, que, em relação ao trigo exótico, adquirido pelo Estado, a moagem tem de entregar à panificação, o roubo mínimo pode sempre derivar do ex.amo da escrita. Não há forma de ocultá-lo sem correr o risco de ir parar à cadeia por. contravenção do Código Penal.
Há-de se saber as quantidades do trigo entrado e as quantidades de farinha saída para a panificação, para o fabrico de bolacha, massas e pastelaria.
Forma de evitar esses roubos só há uma. mesmo o.om a criação do tipo único de pão. E proibir a entrada do trigo nacional em Lisboa e Porto e reservar o trigo exótico para as necessidades destes dois grandes agrupamentos de população. E, além disso, deve ainda elevar-se a extracção da farinha a 80 por cento.
Mas, dizia eu atrás,* Sr. Presidente, que os roubos se poderiam dar também na panificação. Imaginemos ainda o caso duma fiscalização tam rigorosa, como impossível.
A moagem distribuiria à panificação a farinha de l.a e a do 2.a na proporção de l para 4. Começa logo aqui a dificuldade dê fiscalizar;- dada a variabilidade do consumo, segundo se trata do bairros ricos ou-pobres,, o Ministro autoriza que para as diferentes padarias o consumo de farinhas não .obedeça àquela regra de proporções, embora no conjunto a proporcionalidade se mantenha.
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ou mesmo com uma certa frequência, a n3,o ser em períodos excepcionais, òm que, como na hora presente, os ânimos estão excitados. Basta dizer que em Lisboa se consomem, diariamente, mais de 165:000 pães, para se compreender a razão da minha afirmativa.
Tenho a certeza plena, Sr. Presidente, de que os dados que o Sr. Ministro tem em nião, enviados pela polícia, foram fornecidos pelos padeiros e não provieram duma observação directa.
A verificação da proporcionalidade do numero de sacas de farinha de l.a e de 2.a, saídas das fábricas, ainda se pode fazer. Mas; depois, nada impede o pa-deir.o de peneirar ligeiramente a farinha de segunda e aumentar-a percentagem de pão de l.a, completando por esta forma os roubos iniciados pela moagem. .
A criação do tipo de pão único soluciona o problema dos roubos da panificação, sem, como dissemos, e ó bom acentuar, impedir os da moagem. Nada impede, de facto, que do trigo não tenha sido retirada uma certa quantidade de farinha extra, de modo que o tipo de pão. único não seja o'resultado dum integral aproveitamento do trigo. Nada impede de levar a extracção do trigo mais longo do que o marcado na lei. Mas a forma de evitar os primeiros roubos foi já apontada.
Mortas, por este processo, jis duas formas de roubar mais importantes, restam ainda os processos secundários do roubo. A moagem, por exemplo, usa misturar com a farinha de trigo, outras farinhas, como a farinha de mandioca, para não citar outras.
E isto aparente nas ocasiões em que o pão aparece extraordinariamente alvo, com o que se regozijam grandemente os consumidores. Há que proibir, por isso, em absoluto, a entrada na moagem de quaisquer produtos panificáveis, sem conhecimento prévio do GrovOrno, sob pena das mais graves sanções penais.
Para, de certo modo, limitar os ofeiíos prejudiciais do actual regime monopolista; há quo proibir quo entrem no rateio do trigo exótico as fábricas que estejam paradas mais do quo um certo número do ílias no auo.
AÍ. inoa^íMp foni inúmera íVVlt :i3 pura- ] d-.-,ú tono o ano e nue fíírr.rari1 (orno eui í
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elaboração para o efeito de receberem o trigo imporiado pelo Estado. Acabe-se, duma vez para sempre, com esta burla.
E, apontados, assim, os aspectos mais curiosos, alguns deles inéditos, da questão, volto à fórmula única qne há para a solução deste problema: «Quem rouba deve pagar».
Apure-se a parte quo é apurável do roubo. O exame à escrita permite o cômputo do mínimo desse roubo. Vamos para isso. Mas qualquer inquérito é desnecessário, uma vez que se não estabeleça previamente qual o castigo que se deve dar aos prevaricadores. Teve o Sr. Ministro da Agricultura dois dias para pensar no caso. Chegou a sua hora de falar. Elo vai responder-me, sob pena do seu silencio o amarrar para todo o sempre 'à moagem. Fale o Sr- Ministro e não se esqueça de que a fórmula ó só esta: «Quem rouba
pagar»
Poderá alguém prcguntar-me a razão da minha sanha contra a moagem. O quo pretendo — preguntarão aqueles que em tudo querem ver interesses mesquinhos e vis.
De cabeça bem levantada, eu responderei a. estes mudos interrogatórios, que eu leio nos olhos de muitos : pretendo que neste país, de hoje em diante, as leis se façam para se cumprir, e pretendo quo se cortem a um polvo, que tudo pretendia absorver na sociedade portuguesa, alguns dos. seus tentáculos.
De facto, a guerra permitiu, com o auxílio da fraude, reunir nas mãos da moagem capitais disponíveis enormes. A pouco e pouco, esses homens começaram a alargar o seu campo de operações. Eles são hoje senhores, entre outras cousas, do seguinte :
Moagem, panificação, indústria da bolacha e fabrico de massas, energia hidráulica, minas de carvão, metalurgia, indústria do fiação, etc.
O seu poder torna-se estranho, compram jornais políticos o não políticos, o manobram assim, à vontade, as consciências públicas. Políticos altamente cotados. indigitados para os m ais altos cargos dentro da Eópubliea, são conhecidos poios nmleques de moagem; são -sorvos atontou às ordens dor. donos.
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portaria que elevou a 100 por cento a sobretaxa sobre as tarifas ferroviárias. Os contratos bancários alteram-se à vontade do freguês. Os tentáculos do polvo, atravessando o Oceano, querem ir já até" a África.
É preciso que as iniciativas se desenvolvam, mas dentro da lei, e sem que a sociedade sirva apenas para rodilha cm que altos magnates da finança esfreguem as botas olímpicas. Porque o Parlamento soltou gritos do independência perante a escandalosíssima negociata dos navios, queriam já fabricar um Parlamento à sua imagem e semelhança.
Reajamos, pois, contra o polvo. Ele que pague o que devo para assim se mostrar que elo não é omnipotente, e que não é capaz de comprar-nos.
A fórmula, repito -mais uma vez, é: «Quem rouba deve pagar».
O Sr. Alberto Jordão : — Mando para a Mesa vários pareceres.
O Sr. Ministro da Agricultura (João Luís Ricardo):^—Ouvi com a maior atenção us cuHMtleraçues íerias pelo Sr. Cunha Liai. Começo por responder a S. Ex.a pela parte final do seu discurso.
S. Ex.a não foz um discurso de ataque ao Governo, mas sim à competência dalguns Ministros e, muito especicilmente, à competência do Ministro da, Agricultura. Essa competência ó maior em outros homens que não no,s que se sentam nestas cadeiras.
S. Ex.a sabe muito bem que eu vim para ôste lugar, não porque mo indicasse um partido, nem por vaidade, para armar à popularidade, mas porque alguém me disse para vir ocupar este lugar visto eu ter proposto os meios de desenvolver o fomento agrícola.
S. Ex.a fez-nie justiça dizendo que eu era um homem honesto. Pode S. Ex.a estar certo de que defenderei com honestidade os interesses do Tesouro e os do País.
Agora, respondendo à prcgunta concreta de S. Ex.a e à interrupção do Sr. Júlio Martins: eu disse noutro dia que procedia conforme as leis e esperava que o Parlamento me habilitasse com elas. Eu disse que entendia que o inquérito fosse largo.
Interrupção do Sr. Cunha Liai.
O Orador : — Não quero aqui trazer a nota des-agradável do que o Ministro não poderá confiar na acção dos funcionários púbJicos, mas S. Ex.a sabe quanto é difícil fazer um. inquérito dessa ordem por elementos burocráticos; acima de tudo isso deve estar o Paiiameato.
O Parlamento nomeou uma comissão de inquérito paramentar' à questão dos abastecimentos porque julgou que só os parlamentares poderiam actuar nesse inquérito. Eu posso garantir a S. Ex.a que, desde que ess'a comissão de inquérito demonstre que houve roubos é os seus quantitativos, se não tiver nas leis em vigor jneio de fazer reentrar esse dinheiro nos cofres públicos, eu virei aqui ao Parlamento para que ele me habilite com a legislação suficiente para que -tal se consiga.
Poderá S. Ex.a dizer -me que isso não basta; mas o que eu posso garantir é que, emquanío estiver nesta cadeira, o meu propósito é este, sendo minha convicção que, se aqui não estiver o tempo bastante para que essa comissão dê o seu parecer, o meu sucessor há-de com cer-
teza seguir o
S. Ex.a pôs bem a questão; é unia questão de moralidade, e a República só se pode dignificar pondo primeiro as questões de moralidade.
Como S. Ex-as sabem, a moagem pra tica fraudes que são difíceis de evitar, algumas das quais são desconhecidas de S. Ex.a o de mini, visto que a lei n.° 960 tinha saído há muito pouco tempo do Parlamento e, portanto, ela não é da responsabilidade do Ministro da Agricultura, mas sim do Parlamento.
O Sr. Cunha Liai': — Eu não estava no Parlamento quando foi aprovada essa lei.
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obrigados a vendê-la actualmente. Eu tenho-lhes respondido, invariavelmente, que não tenho nada que vor com isso, visto que os não tinha impelido a fazer compras de trigo por preços superiores aos fixados por lei.
Há efectivamente uma certa existência do trigo nacional que está assambarcado pelo lavrador, que procura por todas as formas furtar-se aos preços da tabela. Para conseguir fazer o arrolamento desse trigo 'tenho eu empregado todos os esforços. tendo enviado para dois distritos do Alentejo um grupo de fiscais e até varejo, o dado as providências necessárias para evitar que esse trigo fosse drenado para qualquer outra parte, para o que dei ordem para todos os distritos para se impedir a saída de qualquer quantidade de trigo sem ser acompanhada da respectiva guia de trânsito.
E certo que o comércio de trigos é livre, e que a lei mo não autorizava a tomar semelhante procedimento, mas, perante a necessidade de arrancar esse trigo das mãos dos lavradores gananciosos, eu não hesitei e julgo ter cumprido o meu dever.
O Sr. Brito Camacho: — O que ora preciso era arrancar as orelhas a alguns administradores.
O Orador : — Têm-so praticados os actos mais criminosos nesta questão de^tran-'sacgão de trigos e seus transportes. Eu sói que há trigo que ó enviado para o Algarve e daí para Espanha, que nos tem levado tudo, mesmo aquilo de que não necessita. Encontrei -me, porém, em face de factos consumados, dos quais não tenho a monor responsabilidade.
Eu quero realmente saber qual a quantidade do trigo, não para distribuir em Lisboa, mas para a provi ncia?/ porque há distritos, como por exemplo, Évora, que sofrem a falta de farinhas.
Já que V. Ex.as mo chamam a terreno, ou não posso deixar de tornar pública a informação que particularmente dei ao Sr. Ounha Liai. Estou aqui para dizer a verdade ao país.
A farinha que estou dando a comer em Lisboa ó unia reserva de 3 milhões de l.a e l milhão de 2.a
Só tal só não fizesse, Lisboíi estaria
^o:n pFio: isto porque não (•Ii(\(iior
um vagão com carregamento de trigo que devia entrar em 30 do Março, e só chegará a 2õ deste mês.
A dificuldade tem sido por se considerarem como concelhos limítrofes de Lisboa Vila Franca do Xira, Cezimbra, Sintra e Cascais.
Querem V. Ex.RS saber ?
Tenho recebido de Vila Franca de Xira constantes pedidos de farinha; pois uma entidade do Porto pediu guias para transporte de farinha para o Porto! Essa farinha foi apreendida.
Interrupção do Sr. Manuel José da Silva.
O Orador: — As povoações limítrofes são fixadas pela lei n.° 960, o essa tenho-a eu aplicado.
Desde quo estou na pasta da Agricultura as ilhas têm sido abastecidas na medida do possível, mas o quo eu não posso é fazer trigo nem farinha das pedras da calçada. O trigo quo ou possa adquirir agora não vem este mês, podendo vir talvez daqui a mês o meio, trabalhando eu deste modo para que quem vier a ocupar o meu lugar não encontro situações difíceis de resolver.
,0 Sr. Cunha Liai fez as suas considerações como ataque, parecendo querer dar a impressão de que .o actual Governo ó o responsável por estas cousas. Fez S. Ex.a o seu ataque de política geral, mas encaremos as cousas como são e há--de reconhecer-se que o Ministro da Agricultura não tem qualquer responsabilidade, esforçando-se antes por remediar situações quo encontrou, isto não pela incompetência dos homens, mas sim filhas das desagradáveis circunstâncias que se apresentaram em muitas ocasiões.
O que o Sr. Cunha Liai trouxe à tela da discussão como um fenómeno extraordinário foi simplesmente — e é importante — a candonga quo a moagem faz do trigo nacional com-o exótico, visto que, tendo a liberdade de meter o trigo nacional e não havendo controle para esse trigo, o diagrama só tem fiscalização para o exótico.
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Perguntará o Sr. Cunha Liai por que razão, alterando on certos artigos, não alterei tudo. Não é, porem, minha intenção atacar o probloma da moagem em toda a sua complexidade. Esporava ter de tratar do assunto no Parlamento, porque, se. algum Sr. Deputado o não levantasse, lovantá-lo-ia eu, para mostrar a necessidade do o estudar cuidadosamente, não para armar à popularidade, que pouco me importa, porque só há para mim um juiz—a minha consciência.
Estou na hora om que jnlgo que sairei daqui mal com Deus e com o Diabo, parque aqueles cujos interesses estou prejudicando não me podem tragar e o povo ainda se não sente bem, ainda é arrastado a muitas situações de combate, fazendo com que o Ministro tenha as maiores dificuldades.
Não foi para armar à popularidade que fiz -baixar o preço do pão, nem jamais disse que ia para o Ministério da Agricultura resolvido á adoptar um só tipo do pão. O Sr. Cunha Liai não encontra esta afirmação nem em reuniões nem em jornais. . •
Pode S. Ex.a procurar a colecção de todos 'os jornais, desde os de menor circulação, até os da maior circulação, que -n~io encontrará esta afirmação feita por mim em lugar algum; ,o que eu disse,é que i-i disposto a estudar o problema do tipo. do pão único, com o fim de evitar a má qualidade e a pequena quantidade do pão de segunda.
Na primeira hora não pensei em baixar
o preço do pão, mas sim consegui-lo do
' melhor qualidade e em maior quantidade.
Pareceu-mo quo isto seria inak benéfico do que estabelecer uni tipo de pão único, tanto mais que pelo que diz respeito a fraudes entendo que elas não deixarão de ser as mesuras: pão mal cozido tanto se pode~fazer nos dois tipos do pão, como no único' tipo de pS.o, falta de pOso. In n to se pode dar num caso como noutro.
Podem preguntar-me : £ considerou o Sr.'Ministro da Agricultura a junção de centeio ou de qualquer outro cereal pani-ficávei?
Considerei, sim senhor, mas é que centeio não há quási nenhum no pais.
Considerei o caso da junção do milho, apesar de saber tyue o milho nacional existe em pequena quantidade, apesar do
saber que nesta época não poderemos adquirir milho cm África, em boas condições, porque estamos num final de colheita. Considerei tudo isso, mas verifiquei que era difícil fazer a junção do trigo coto milho, em Lisboa, porque, como S.N Ex.a decerto sabe, para se fazer um pão de trigo com milho é necessário trabalhar o milho aparte, trabalhar o trigo e depois juntá-los.
Alem disso não tenho a quantidade de milho necessária. „
Eu quando fui tomar posse do meu lugar, encontrei requisições de rnais de-500 vagões de milho'que não podiam ser satisfeitas, pois que o milho quando chegava ao Tejo vinha quási todo avariado.
Além disto encontravam-so no Tejo quatro barcos com trigo, que há dois meses aguardavam a sua descarga, sendo esse um dos meus primeiros actos, mas somente cerca da terça parte pôde ser aproveitada.
Não ó fácil trazer o milho do África, em condições vantajosas, em quanto o problema colonial não estiver resolvido, pois que V. Ex.as sabem que o caminho de ferro do Benguela não tcrn a capacidade precisa para o seu transporte para o litoral.
No !eintanto, devo dizer que o Sr. Ministro das Colónias brevemente trará ao Parlamento a questão dos caminhos de de forro de Anibaca, Mossâmedes o Ben: guela. pois que o não quis fazer durante o interregno parlamentar.
Com referência, ao trigo da Beira, na outra costa da África, eu tenho a dizer quo havia fechado um contrato para o fornecimento duma grande quantidade de milho, mas por virtude da grovo telégra-fo-postal, cfuando esse contrato ia ser confirmado, do lá responderam que, cm vista de terem passado uns vinte dias. tinham disposto dele aos italianos.
Eu bem sei quê podia .mandar requisitar todo o milho da Beira, mas V. Ex.as sabem que ele saía todo pela Rodésia e eu não tinha meio de o evitar.
No cmtanto estou a tratar do assunto, e espero fazer uma larga aquisição de milho e trigo em condições muito niais vantajosas do quo aquelas que os nossos importadores nos poderiam oferecer.
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tas delas não podem ser fiscalizadas com a devida -eficácia, a não ser que o moageiro a que V. Ex.a sé referiu diga qual o modo como elas são feitas.
O Sr. Cunha Liai:—Mas V. Ex.a está a referir-se a um moageiro em qae ninguém falou, e eu não posso consentir que V. Ex.a continue nessa ordem de ideas.
O Orador:—V. Ex.a disse à Câmara que tinha informações dum moageiro...
O.Sr. Cunha Liai:—Perdão, o que eu disse foi que tinha um documento que até mostrei ao Sr." Lima Alves, Senador. ..
O Orador:—Eu compreendi que V. Ex.a tinha obtido essa informação dum moageiro ... / ~ O documento que V. Ex.a aqui trouxe também eu'o tenho no meu gabinete.
O Sr. Cunha Liai:—Mas o que á preciso que fique assento é que eu não falei em moageiro í...
O Orador:—S. Ex.a deu à sua palavra de honra de que as afirmações que fazia nlo eram pura fantasia sua e pareceu-me depreender que lhe tinham sido fornecidas por um moageiro.
Mas se S, Ex.a me diz que não falou em moageiro não me referirei mais a ele.
O Sr. Júlio Martins:—j Se S. Ex.a quere avançar, avance!...
• O Orador: — | Não há considerações de ordem política ou "do qualquer outra ordem que me inibam de dizer o que eu entendo, que devo dizer!
O Sr. Júlio Martins:—j S. Ex.a está constanternonte nessa scie do moageiro!
:—Creio qne o Sr. Cunha Liai devo dar-se por satisfeito: desde que se não referiu ao moageiro, também eu me não referirei.
O papel que S. Ex.a tem em sou poder, taiubOm ou o tenho no meu gabinete, o nol~ -)vova a moagem qiu: r>£io pode ira-
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Reputo que não è excessivo por uma razão. A moagem não trabalha em pleno todo o ano por virtude de ter uma capacidade de produção maior que a capacidade de consumo. Tem, portanto, de limitar a'produção.
óQual é a solução do problema? É reduzir o número de fábricas.
j Actualmente temos umas 40 e tal fá-' bricas, mais do que as que possui a Espanha.!
O mal da panificação é haver muitas padarias, e eu entendo que deve reduzir--so o seu número.
Quando o Sr. Bernardino Machado foi Ministro das Obras Públicas, no tempo da monarquia, marcou- o limite das padarias, o que fez com que se levantasse o Carmo e a Trindade P
Alei ein vigor permite a-distribuição de trigo às fábricas matriculadas, e eu entendo que isto deve acabar.
O Sr. Júlio Martins:— O Orador:—Perdão! O Ministro da Agricultura actua],-quando tomou conta da sua pasta, foi., informado por um director geral de que havia um barco com 4:000 e tal toneladas de- trigo ò que se deviam às fabricas de rateio 2 ou 3 milhões de quilogramas. Preguntei -se todas essas fábricas estavam em laboração e respondou-se me-que algumas não estavam. Então mandei distribuir o trigo só a metade das fábricas que estavam laborando e, isso, mesmo, quatro dias depois, mandava-o recolher. O Sr. Presidente: — É a hora de.dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram para antes de se encerrar a sessão. O Orador: — Não posso deixar de responder ao Sr. Cunha Liai. Farei mais algumas considerações e amanhã continuarei. Qaanto à fraude da panificação, referiu-se o Sr. Cunha Liai creio que à po-neiração. Kssa nào se pode fazer porque o peneire deve ostar selado. O Sr. turíir, ai Í
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O Orador: — Não ouvi apontarem-me fraudes na panificação.
O Sr. Cunha Liai: -^-V. Ex.a, com o seu limite extremo, faz chegar-nos ao .ponto da falsificação pela mistura da l.a com • 2.a qualidade.
O Orador;—Eu posso fiscalizar isso.
Aludiu-se também à falta de pão. A polícia fez um víirejo às fábricas de moagem, mas logo se abasteceu toda a gente, e sobejaram 400 e tantos pães.
Esta fraude da moagem, disse-o S. Ex.a, é para dar mais pão d3 2.a qualidade, (? não é A*erdade?
O Sr. Cunha Liai: — Misturam uma parte de farinha, de l.a*corn a de 2.a e apenas fabricam l.a qualidade.
O Orador:—Podem fugir os lucros dentro dum limite escasso, mas se há pão de 2.a com fartura. . . dá para ir para fora de portas.
O Sr. Júlio Martins: — j Mas se todos dizem que o pão de 2.a falta!
Vejo isso todos os dias e o Sr. Ministro vem aqui e diz-no-s que há pão de 2.a com fartura.
O Orador: — Há sim, senhor. Há pão de 2«a, é a prova é que está saindo de Lisboa e está sendo apreendido, e tanto é assim que já se têm apanhado padeiros escondidos em escadas com sacas de pão vendendo-o a saloios, pelo que se .vê que o pão, não só chega, 'como abunda.
Peço, portanto, a-V. Ex.a, Sr. Presi-.dente, o obséquio sde me reservar a palavra para a sessão de amanhã. . O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando haja devolvido as notas taquigráftcas.
antes de se 'encerrar a sessão
O Sr. Dias da Silva: — Sr. Presidente:-como o assunto do que desejo tratar é de alto interesse para o prestígio da Repú-blica, rcscrvo-me para amanhã me ocupar dele em negócio urgente.
Trata-se, Sr. Presidente, do esmagamento da liberdade de imprensa.
O Sr. Afonso de Melo: — Sr. Presidente: já tive ocasião de particularmente ex-
por ao Sr. Presidente do Ministério o assunto que vou referir à Câmara.
S. Ex.a prometeu-me enteio que tomaria as providências precisas, e estou certo de que as tomou ; porém, as suas ordens não foram cumpridas.
O Sr. Presidente do Ministério, que tanta importância liga, e isso não lhe fica senão jbem,- e com isso se orgulha, ao facto de se fazer respeitar pelas autoridades suas subordinadas, vai decerto ficar admirado com o que vou narrar à Câmara, e que é precisamente, a verdade. ' .
.V. Ex.a deve saber que tendo sido marcadas as eleições gorais para renovação de todas as vereações municipais do país, a eleição se não pôde fazer com ré-' gularidado no concelho do Tondela, devido ao facto de na véspera da eleição terem arrombado a porta da secretaria da câmara* municipal, e do gabinete da secretaria Aterem, tirado os cadernos eleitorais, pelos quais no dia seguinte se devia fazer a chamada dos eleitores.
Não se sabe quem foram os audaciosos ê indignos .autores deste roubo, que, na verdade, envergonha a República.
De lastimar é, na verdade, Sr. Presidente, que factos destes se doem em plena República! Não se sabe ainda quais foram os autores do tal, atentado; no emtanto, o que é um í acto ó que no dia seguinte àquele em. que ele foi praticado, no dia em que s"e devia realizar a eleição, não compareceu junto da«s assem-bleas eleitorais um único adepto do Partido Democrático
Sr. Presidente: o que é ainda um facto c que a eleição não se realizou na data que estava marcada para todo o país, e que só veio a realizar-se há cerca de uni mês.
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paratório de novas eleições, cm que tudo foi posto em prática, desdo a promessa à ameaça.
Os elementos políticos que tinham promovido o furto dos cadernos eleitorais tiveram um largo período de sete ou oito meses para montarem a sua máquina eleitoral. A eleição fez-so há cerca de um mês, repetiu-se agora, com melhores condições de legalidade, e o Partido Liberal venceu por mais de 500 votos de maioria.
Pois, apesar disso, a câmara eleita nestes termos não conseguiu tomar posse. No dia em que a câmara eleita pela segunda vez se apresentou a tomar posse, o administrador do concelho pôs a guarda republicana à porta da câmara municipal, e, com um pretexto fútil, opôs-soa que a câmara eleita funcionasse.
V. Ex.a sabe que- os recursos em matéria eleitoral não têm efeito suspensivo, e só aos tribunais compete pronunciarem-se sobre se uma câmara pode ou não tomar conta do seu cargo. Houve, portanto, da parte do administrador do concelho uma flagrante violação dá lei, para a qual ou chamo a atenção de V. Ex.a e da Câmara, porque estou convencido de que não está no seu espírito sancionar esses actos de mesquinha poli-tiquice.
No dia 30 de Março fez V. Ex.9- expedir, creio que em virtude de eu ter falado no caso e o jornal A República a ele também se ter referido, nm telegrama, a que o governador civil deu uma espantosa resposta, imprópria dum país civilizado, em que vigora o regime republicano.
Pólos elementos adversos ao Partido Liberal foi intentado um recurso da eleição e a alguns dos vereadores eleitos foram assacadas incompatibilidades. A própria comissão administrativa que está em exercício intentou uma acção comercial contra alguns vereadores, para poderem alegar que os processos estavam om juízo c os vereadores eleitos não podiam tomar posso, por estarem em litígio com a câmara.
Sr. Presidente: os tribunais competentes já julgaram o feito. A justiça deste país, sobrepondo-se à inqualificável atitude dos díscolos de Tondela, mandou que a câmara eleita tomarão «)oHse do seu lu-
gar à frente da administração municipal daquele concelho. Pois, Sr. Presidente, correm novos boatos de que os mesmos díscolos, apoiados pelo administrador do concelho, tentarão impedir de novo, por meios desordeiros, a posse da vereação. Legitimamente reclamo a atenção do Sr. Ministro do Interior pa-ra estes factos, esperando que desta feita S. Ex.a será obedecido, quando ordenar que a lei se cumpra e a ordem se mantenha.
Tudo quanto não for isto é uma pos-torgação da lei, é uma violência, que V. Ex.a, Sr. Presidente._do Ministério, não quererá sancionar, porque eu creio que não estará no ânimo de V. Ex.a perfilhar uma atitude qu.e, por parte dos sequazes dum partido que V. Ex.a representa no Poder, se adoptou para com o Partido Liberal do concelho de Tondela.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista): — Sr. Presidente: à primeira parte das afirmações produzidas' pelo Sr. Afonso de Melo eu não posso responder porque não estava neste lugar" ao tempo em que. foi feito o 'recenseamento eleitoral e o próprio acto eleitoral, a que se referiu o Sr. Deputado, e ainda porque não conheço a questãq do> sen início.
Quanto à parte a que 'posso responder, porque é da responsabilidade da minha gerência, eu devo dizer o seguinte: o Sr. Deputado notou que, apenas eu tive informação do caso, mandei um telegrama ao Sr. governador civil de Viseu para que procedesse nos termos da lei. Esta autoridade respondcu-me, efectivamente, com um telegrama em que se dizia que o povo não deixava tomar posse à câmara eleita. Ora, em meu entender, o povo não pode ser juiz nestas questões; são os tribunais que*as resolvem.
O'Sr. Afonso de Melo: — j Eu posso informar V. Ex.a que o povo, a que se refere o telegrama, são seis indivíduos!...
O Orador: — Mas mesmo que fosse todo o povo do concelho, o povo, repito, não pode ser juiz nesta questão. E, por este motivo, eu mandei imediatamente proceder a um inquérito, do qual, porém, até hoje, não mo veio relatório.
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inquérito, acrescentando claramente que, nos termos da lei, a Câmara eleita tem de tomar posse. (Apoiados).
Sr.' Presidente: há um ponto no discurso do Sr. Afonso de Meío que eu não posso deixar passar em julgado.
Disse S. Ex.a que eu representava no poder o Partido -Democrático. Ora eu devo afirmar mais uma vez, perante a Câmara,' que o Governo' a que tenho a honra de pertencer =não í'az política partidária.
O Sr. Pedro Pita (interrompendo}'' — j Não tem leito outra cousa!. ..
O Orador: — O Grupo a que V. Bx.° pertence ó que queria fazer política partidária, mas, como eu não o consenti, daí o dizer V. Ex.a isso. (Risos), Eu quero manter todos os princípios de disciplina e do ordem, sem pender nem para um, nem para outro lado (Apoiados).."
O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis):—V. Éx.a dá-me licença?
; O Orador:—Eu não o podia demitir sem saber quais os resultados do inquérito a quo mandei proceder. (Apoiados). Quando eu vim para o -poder—devo dizê-lo— reiterei a minha confiança a todos os. governadores civis que estavam; nem sei, por isso, se alguns são do partido a.quo pertenço, mas isso não me dá cuidado, pois que, emquanto estiver no poder, não tenciono fazer política partidária. Só aceitei a demissão àqueles que alegavam falta de saúde para o desempenho do cargo, porque não lhes podia exigir o sacrifício da saúde. Para terminar, Sr. Presidente, 'o que posso afirmar é que eu vou proceder com toda a energia. Vários apartes. O Orador: — V. Ex.as podem interromper-mo à vontade, podem vir carradas de jurisconsultos o até as montanhas de Bragança que não me dão abalo. O Sr. Afonso de Melo:—V. Ex.a pode informar-se no Ministério da Justiça, onde terá todos os elementos que-provam a verdade das minhas palavras. A câmara eleita em Toridela não tem tomado posse porque o administrador do concelho não deixa. O Orador: — Fique V. Ex.a descansado que a lei há-de ser cumprida. O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Kenovo a V. Ex.a, Sr. Ministro da Agricultura, o pedido que fiz com relação ao pedido d3 documentos, pelo Ministério da Agricultara, documentos que nunca me mandaram.- O Sr. Ministro da Agricultura (João Luís Kicardo): — Esse pedido de documentos ainda não chegou às minhas mãos. O Orador: — Nem açúcar nem trigo tem ido para a Horta. Diálogo entre o orador e o Sr. Ministro da Agricultura. O Sr. Ministro da Agricultura (João Luís Kicardo): — Esse assunto já ficou tratado com os Srs. Senadores das ilhas. • O Sr. Afonso de Mar.p.do:— Podi a palavra porque desejava saber dó Sr. Mi-' nistro da Guerra o seguinte: Informam-me de que em algumas unidades do Lisboa há sargentos que recebem como ajuda de custo de vida 40$ e em outras unidades recebem 20$. Desejava apenas que S. Ex.a me dissesse qual é o decreto que regula'este assunto, pois não se compreende que uns recebam 40$ e outros 20$.- Era apenas isto que desejava saber. •- O Sr. Ministro da Guerra (Estêvão-Águas): — Devo dizter a V. Ex.3 que está bem claro e expresso no decreto que estabeleceu a-ajuda de custo de vida que a todos os militares, qualquer que fosse a sua graduação de sargento para cima, seriam dados 40$ em Lisboa e 30$ fora de Lisboa. Há, porém, um artigo neste decreto que diz1 que todo o militar que tenha alimentação, ou a receba em dinheiro, tem apenas 50 por cento da ajuda de custo a que se refere o artigo 1.°
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dade dos respectivos comandos, que, neste caso, estão exorbitando das suas funções. No emtanto, quando as contas forem para a repartição respectiva, que é a da Administração Militar, contas lhes serão pedidas por esses factos.
Tenho ,dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 21, às 14 horas, sendo a ordem do dia a seguinte:
Proposta de lei que estabelece a forma de julgamento para os fabricantes, portadores e detentores de bombas explosivas e outros. o
Interpelação do Sr. Costa Júnior ao Sr. Ministro da Agricultura.
Os restantes pareceres da ordem de hoje. • •
Eátá encerrada a sessão.
Eram 18 horas e ÔÕ minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de marinha, sobre o n.° 289-G, que organiza a Escola de Marinha Mercante.
Para a Secretaria.
Para a comissão de comércio e indústria.
Da comissão de negócios estrangeiros, sobre o -n.° 405-D, que cria o lugar de consultor jurídico do Ministério dos "Negócios Estrangeiros.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sobre o n.° 303-H, quo torna extensivo o disposto no artigo 5.° da lei n.° 863, do 29 do Agosto de 1919, aos auditores junto dos Tribunais Militares e a outros magistra-. dos junto do Ministério das Finanças.
Para a Secretaria.
Imprima-se.
Projecto de lei
Do Sr. José do Oliveira Porreira Bi-mã} fiutorijííiDdo o Govôruo ? reorganizar,
sob determinadas bases, a Secretaria do Ministério das Colónias. . Para a Secretaria. Para o- «Diário do Governo*. •
Notas de interpelação
Renovo a minha nota de interpelação de 12 de Fevereiro do ano corrente, ao Sr. Ministro da Instrução, sobre as sindi" câncias à Universidade do Porto.
Lisboa e Sala das Sessões da Câmara dos Doputades, 20 de Abril, de 1920.—O Deputado, Raul Tamagnini.
•Desejo interpelar o Ex.rao Ministro da Agricultura sobre as providências estabelecidas nos decretos n.08 6:407, 6:457 e 6:513, do corrente ano, e, conseqúente-mente, do indevido uso da faculdade estabelecida no artigo 27.° da Constituição Política da República Portuguesa numa das aludidas providências sobro preços e abastecimento de azeite no pais.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 19 de Abril de 1920.—O Deputado, Orlando Alberto Marcai.
Expeça-se.
Ex.mo Sr. Presidente.—Venho declarar a V. Ex.a que tendo anunciado uma interpolação ao Sr. Ministro do Trabalho em 24 de Novembro de 1916 e unia ou-"tra ao Sr. Midistro da Instrução em 3 de Dezembro de 1919, por ambas insto, rogando a V. Ex.a se digne providenciar de forma a que as possa realizar brevemente.
Sala das Sessões, 20 do Abril de 1920.— O Deputado, Ilermano de Medeiros.
Expeca-se.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, com a máxima urgência, me seja enviada cópia de toda a correspondência trocada entro a Companhia Nacional de Navegação e o Conselho de Administração da Marinha Mercauto Nacional, acerca do aumento de 100 por conto sobre as tarifas, que ultimamente foi- aprovado.
Lisboa, 20 de Abril de 1920.—O Deputado, Júlio Martins,
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Requeiro que, -pelo Ministério da Instrução, me seja fornecida/ com a maior urgência, -copia de todas as peças do processo, só processo existo, do provimento da vaga de professor da Escola Primária Superior da Horta (Açores), ocorrida por morte do professor Dr. Freitas Pimen-tol.
Lisboa, 12 de Abril de 1920.— O Deputado, Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério da Instrução, me seja fornecida, com a maior urgência, cópia da proposta apresentada a S. Ex.a o Sr. Ministro da Instrução pelo Conselho da Faculdade de Sciências da Universidade de Lisboa, pedindo o desdobramento em dois sub-grupos, um de Botânica e outro de Zoologia, do actual 2.° grupo (Sciências biológicas) da 3.a Secção (Sciências histórico-naturais) do
quadro geral das disciplinas da mesma Faculdade.
Requeiro mais mo seja fornecida nola dos pareceres, se porventura consulta foi feita, dos Conselhos das Faculdades de Sciências das ^Universidades de Coimbra e Porto.
^Requeiro mais me seja fornecida nota do número e nomes dos professores e assistentes pertencentes à 3.a Secção de cada uma das Faculdades de Sciências ; qual a sua situação anterior à publicação do decreto n.° 6:520, publicado no Diário do Governo de 9 de Abril de 1920, l.a série.— O Deputado, Manuel José da Silva (Oliveira, de Azeméis).
Para a Secretaria» i
Expeça-se.
De Henrique Ribeiro de-Almeida, coronel de infantaria do quadro de reserva, pedindo melhoria do situação.
Para a Secretaria.
Para a comissão de guerra.