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REPUBLICA «T PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSJLO 3ST.0 71

EM 28 DE ABRIL DE 1920

Presidente o Ei."" Sr, Alfredo Ernesto de Sá Cardoso

Secretários os Bx,mo" Srs,

j Ballasar de Almeida Teixeira ) António Marques das Neves Mantas

Sumário.— Abre-se a gestão com a presença de 39 Srs. Deputados.

É lida a acta da sessão anterior.

Procedendo-se à segunda chamada, verifica-se a presença de titi Srs. Deputados, e em seyuida o Sr. Presidente, declarando acharem-se presentes 66 Srs. Deputados, põe a acta em discussão.

E aprovada a acta.

Dá-se conta do expediente.

E admitida à discussão uma proposta de lei.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Orlando Marcai chama a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o facto de ter sido reintegrado o chefe da estação postal de Vila Nova de Fczcoa, implicado no movimento monárquico do norte, em Janeiro do ano transacto.

Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Lúcio de Azevedo}.

O Sr. Ministro da Guerra (Estêvão Aguas) manda para a Mesa algumas propostas de lei, para as quais pede uryência. É concedida.

O Sr. Presidente anuncia que vai submeter à votação da Câmara o Requerimento feito na sessão anterior, pelo Sr. Álvaro de Castro, para entrar em discussão o parecer n.° 3&V.

Usa da palavra sobre o modo de votar o Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).

O Sr. Presidente dá explicações à Câmara.

O Sr. Eduardo de Sousa usa da palavra sobre o modo de votar.

A Câmara aprova a interpretação dada pelo Sr. Presidente ao requerimento do Sr. Álvaro de Castro.

O Sr. Presidente do Ministério (António Maria Baptista) dá à Câmara os esclarecimentos que na última sessão lhe foram pedidos pelo Sr. Álvaro de Castro sobre a demissão do comandante da guarda republicana do Porto.

Usa da palavra para explicações o Sr. Álvaro de Castro.

lèesponde-lhe o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. António Maria da /Silva usa da palavra explicações.

O Sr. Presidente eonsulta a Câmara sobro um

pedido do Sr.'Afonso d'e Macedo para usar da palavra sobre um negócio- urgente.

A Câmara reconhece a uryência, e o Sr. Afonso de Macedo ocupa-se da situação dos sargentos do exército e da armada em face da carestia das subsistência.8.

Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério, Voltam a usar da palavra os Srs. Afonso de Macedo e Presidente do Ministério.

Ordem do dia.— (Interpelação do Sr. Costa Júnior ao Sr. Ministro da Agricultura).

Usa da palavra o Sr. Júlio Martins.

O Sr. Queiroz Vaa Guedes (em nome da comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos}, dá largas explicações à Câmara sobre a acção da mesma comissão.

O Sr. Cunha Liai envia para a Mesa um requerimento.

O Sr. Presidente declara que o requerimento contêm matéria inconstitucional na sua última parte, julgando que só deve submeter à deliberação da Câmara a primeira parte do mesmo requerimento.

Usa da palavra para explicações o Sr. Cunha Liai.

O Sr. Ferreira da Rocha envia para a Meta um requerimento.

Lido na Mesa, é aprovada a urgência, e dispensa do Regimento para o projecto de lei apresentado pelo Sr. Ferreira da Éocha no seu requerimento.

É prorrogada a sessão, a requerimento do Sr. António Mantas, até ser votado o projecto de lei do Sr. Ferreira da Rocha, que entra em discussão.

Usa da palavra o Sr. Brito Camacho.

Tendo-se suscitado \<_.m mesma='mesma' que='que' sessão.='sessão.' camacho='camacho' aprovado='aprovado' uma='uma' pelo='pelo' brito='brito' se='se' por='por' comunicação='comunicação' até='até' sessão='sessão' presidente='presidente' produzido='produzido' resolva.='resolva.' a='a' sendo='sendo' é='é' incidente='incidente' sr.='sr.' requere='requere' o='o' p='p' eeja='eeja' interrompida='interrompida' feita='feita'>

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Diário da Câmara do» Deputado*

para a Mesa uma moção. Lida na Mesa, é admitida.

Usa seguidamente da palavra o Sr. Ferreira da Bocha.

O Sr. Mesquita Carvalho, usando da palavra sobre a ordem, manda para a Mesa a sua moção. Lida na Mesa, é admitida.

O Sr. Estêvão Pimentel usa da palavra para explicações.

O Sr. Presidente interrompe os trabalhos por hora e meia.

Reaberta a sessão, usam da palavra para explicações os Srs. Orlando Marcai, Nuno Simões e Queirós Vás Guedes.

Voltam a usar da palavra os Srs. Nuno Simões e Queiroz Vaz Guedes.

O Sr. Nóbregà Quintal, usando da palavra sobre a ordem, manda para a Mesa uma moção. Li-• da na Mesa, e admitida.

Usa da palavra sôbrt a ordem o Sr. Álvaro de Castro, que manda para a Mesa a sua moção e um aditamento à proposta do Sr. Brito Cama~ cho. São lidos na .Vleaa e admitidos.

Usam da pvlavra para explicações os Srs. Presidente do Ministério, Cunha Liai, Queiroz' Vaz Guedes e Júlio Martins.

O Sr. António Maria da Silva, que usa em seguida da palavra sobre a ordem, manda para a Mesa a sua moção, que é admitida.

Segue-se no uso da palavra o Sr. Mem Verdial, que envia para a Mesa a sua moção É admitida.

Usam em seguida da palavra os Srs. José de Almeida, Leio Portela ç Dias da Silva.

Esgotada a inscrição, o >r. Nóbre

E rejeitado este requerimento em prova e con-. traprova.

U Sr. Sá Pereira requere a prioridade para a moção do Sr. António Maria da Silva.

Usam da palavra sobre o modo de votar os Srs. Júlio Martins, Leio Portela, Cunha Liai, Queirós Vau Gruedes e António Maria da Silva.

Lida na Mssa a moção do Sr. António Maria da Silva, é aprovado o requerimento do Sr. Sá Pereira. Procedendo-se à contraprova, requerida pelo Sr. Briio Camacho, o S. Presidente anuncia que rejeitaram o requerimento 32 Srs. Deputados e aprovaram 31, não havendo, portanto, número legal para uma deliberação da Câmara, e manda proceder à chamada.

Verificada a presença de 67 Srs. Deputados, re-pete-ae a contraprova, quê dá em resultado Q empate da votação.

O Sr. Presidente, anunciando que a votação terá de repetir-se na sessão seguinte, encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 14 horas e 60 mi nutos. Presentes à chamada 66 Srs» Deputado?»

São os seguintes:

Afonso de Macedo.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso. Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa. Álvaro Pereira Guedes. Aníbal Lúcio de Azevedo. António Albino de Carvalho Mourfio. António Albino Marques de Azevedo. António Augusto Tavares Ferreira. António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

António da Costa Ferreira. António Dias. António Francisco Pereira. António Lobo de Aboim Inglês. António Marques das Neves . Mantas. António de Paiva G-omes. António Pires de Carvalho. António dos Santos Graça. Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso. Augusto Pires do Vale. Baltasar de Almeida Teixeira. Constando Arnaldo de Carvalho. Custódio Martins de Paiva. Diogo Pacheco de Amorim. Domingos Frias de Sampaio e Melo. Eduardo Alfredo de Sousa. Evaristo Laís das Neves Ferreira de

Francisco José Pereira. 1 Jacinto de Freitas.

Jaime da Cunha Coelho.

João Cardoso Moniz Bacelar.

Jo&o Estêvão Águas.

JoÉió José da Conceição Canioesas.

João de Orneias da Silva.

Joflo Salema.

Jo&o Xavier Camarate Campos.

José António da Costa Júnior.

José Gomes Carvalho de Sousa Varela.

José Grfgório de Almeida.

José Mendes Nunes Loureiro,

José Monteiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis.

José Rodrigues Braga.

Júlio do Patrocínio Martins.

Ladislau Estêvão da Silva Batalha.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel José da Silva.

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Sessão de 38 de Abril de 1920

Mariano Martins.

Maximiano Maria de Azevedo Faria.

Mem Tinoco Vcrdial.

Miguol Augusto Alves Ferreira.

Orlando Alberto Marcai.

Pedro Gois Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de SanfAna e Silva.

Rodrigo Pimenta Massapina.

Vasco Guedes de Vasconcelos.

Ventura Malkoiro Reimão.

Viriato Gomes da Fonseca.

Xavier da Silva.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Acácio António Camacho Lopes Cardoso,

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.

Álvaro Xavier de Castro,

António da Costa Godinho do Amaral.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António José Pereira.

António Maria da Silva.

Augusto Dias da Silva.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.

Custódio Maldonado de Freitas.

Domingos Cruz.

Estêvão da Cunha Pimentel.

Francisco da Cunha Rego Chaves.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco José de Meneses Fernandes Costa.

Francisco de Pina Esteves Lopes. . Francisco Pinto da Cunha Liai.

Hélder Armando dos Santos Ribeiro.

Herinano José de Medeiros.

Jaime Já lio de Sonsa.

Joiio Gonçalves.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Brandão.

Josó Domingues dos Santos.

Josó Maria de Vilhena Barbosa de Magalhães o

Júlio Augusto da Cruz.

Júlio César de Andrade Froire.

Luís do Orneias Nóbrega Quintal»

Manuel Eduardo da Cosia Fragoso»

Nano Simões.

J&a&l Lolo Portela,.

Vasco Borges.

Vergílio da Conceição Costa.

Não compareceram os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marcai.

Adolfo Mário Salgueiro Cunha.

Afonso Augusto da Costa.

Alberto Álvaro Dias Pereira. -

Alberto Ferreira Vidal,

Albino Pinto da Fonseca.

Albino Vieira da Rocha.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Amílcar da Silva Ramada Curto.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maial

Antão Fernandes de Carvalho.

António Aresta Branco.

António Bastos Pereira.

António Carlos Ribeiro d$ Silva.

António Germano Guedes Ribeiro d» Carvalho.

António Joaquim Granjo.

António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

Amónio Maria Pereira Júnior.

António Pais Rovisco.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Rebelo Arruda.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Domingos Leite Pereira.

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Francisco Alberto da Costa Cabral.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cotrim da Silva Garcês.

Francisco da Giuz.

Francisco Josó Martins Morgado.

Francisco Luís Tavares.

Francisco Manuel Couceiro da Costa.

Francisco de Sousa Dias.

Henrique Ferreira de Olivpira Brás.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

Jaime de Andrade Vilares.

Jaime Daniel Leote do Rego.

João Heíiriques Pinheiro.

João Lopes Soares.

João Poreira Bastos.

João Ribeiro Gomes.

Joaquim Aires Lopes de Carvalho.

Joaquim José do Oliveira,

Joaquim líiboiro de Carvalho.

Jorge de Vasconcelos Nunes o

José Garcia da Costa-

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Leonardo José Coimbra.

Liberato Damião Ribeiro Pinto.

Lino Pinto Gonçalves Marinha.

Manuel Alegre.

Manuel José Fernandes Costa.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

Tomás de Sousa Rosa.

Vítor José de Deus de Macedo Pinto.

Vitorino Elenriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Às 14 horas e 45 minutos principiou a fazer-se a primeira chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 39 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Eram 14 horas e õõ minutos. Foi lida a acta 'da sessão anterior.

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à segunda chamada. Eram 15 horas. Procedeu-se à segunda chamada.

O Sr. Presidente:—Estão presentes 66 Srs. Deputados.

Foi aprovada a acta e deu-se conta do seguinte

Expediente

Pedidos de licença

Do Sr. Leonardo Coimbra, três meses. Para a Secretaria. Concedido. Comunique-se.

Para a comissão de infracções e foi" tas.

Do Sr. António Dias, dois dias, a contar do dia 29 do corrente.

Para a Secretaria.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Sr. Albino Pinto da Fonseca, informando que o seu- estado de saúdo não permite comparecer às sessões por alguns dias.

Para a Secretaria.

Para a comissão de infracções e faltas.

Diário da Câmara dos Deputados

Oficio

Do presidente da Direcção da Sociedade Nacional de Belas Artes, enviando 60 bilhetes de convite, destinados aos representantes do País e empregados superiores do Congresso para assistirem à inauguração da 17.a' Exposição de Belas Artes, em l de Maio próximo.

Para a Secretaria.

Requerimento

De Albino Maria de Figueiredo, primeiro sargento de reserva, pedindo a promoção ao posto de sargento ajudante, e que se lhe conte a antiguidade no pôs-to desde 28 de Janeiro de 1908.

Para a Secretaria.

Para a comissão de guerra.

Admissão Foi admitida à discussão a seguinte

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros da Guerra e Fi-naaças, reforçando com 40.000)51 a verba de 20.000$ destinada à alimentação de 280 alunos do Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar.

Foi admitida.

Para as comissões de finanças e Orçamento, conjuntamente.

Antes da ordem do dia

• O Sr. Orlando Marcai: — Chamo a atenção de S. Ex.a o Sr. Ministro do Comércio para o assunto de que vou tratar, que me parece ser de importância, porque se trata duma questão de justiça e alta moralidade republicana.

Devo já declarar que, reconhecendo no Sr. Ministro do Comércio altas qualidades de cidadão e de republicano, eu confio nessas qualidades para que S. Ex.a, com a energia que também lhe reconheço, ponha de lado tudo quanto possa embaraçar a. sua acção.

Para que S. Ex.a possa tomar perfeito conhecimento do assunto, eu recordo algumas minúcias.

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Sessão de 28 de Abril de 1920

grafo-postal de Vila Nova de Fozcoa era acusado de ser um agente especial de Paiva Couceiro a quem, telegráficamente, comunicava o movimento das tropas republicanas.

Em qualquer outro país, depois de saírem vencedoras as tropas republicanas, este homem seria imediatamente fusilado; mas em Portugal ôste homem, mercê da protecção escandalosa que lhe dispensam, foi reintegrado.

Fui eu que organizei o processo dôsse traidor à República, na minha qualidade de chefe da Repartição da Justiça Militar da 2.a divisão. Conheço, portanto, o processo.

Quando o- general Pedroso de Lima prendeu o traidor e o enviou para Viseu apareceu em Fozcoa um terceiro oficiai dos correios, republicano de velha guarda, Sr- Abílio Angusto Soares, que tendo estado preso no Éden, sabendo que a República ainda era defendida em Fozcoa, apresentou-se aos republicanos disposto a defender o regime.

Foi posto como chefe da estação telegráfica, que, como V. Ex.as sabem, é uma das mais importantes do país.

Em alturas de Dezembro ou talvez mesmo em Janeiro do corrente ano, o conspirador foi reintegrado; e, caso estranho, foi suspenso e nessa situação ainda se encontra, o republicano Abílio Soares, sem se saber ainda porquê.

Eu já requeri a esta Câmara os documentos que serviram de base a essa sindicância.

Até hoje não recebi esses documentos; consta-me, porém, que nem sequer um processo há levantado contra esse funcionário, nem mesmo por motivo disciplinar. Nada há, mas o que há ó que tendo ele sabido cumprir o seu dever e tendo indicado às altas esferas, quando o obrigaram a entregar a estação telégra-postal ao traidor reintegrado, o quilate desse indivíduo, concitou contra si as más vontades dos maus e pretensos republicanos; e foi por isso que ele foi demitido.

Por todas estas razões é que eu ousei levantar a minha voz wiu defesa desse republicano perseguido, esperando das altas qualidades de republicano de V. Ex.a que justiça lhe seja feita.

Tonho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Lúcio de Azevedo): —Sr. Presidente: começo por agradecer muito penhorado as palavras amáveis do Sr. Deputado interpelai!te, porquanto só a bondade de S. Ex.a as pode justificar. (Não apoiados). Seguidamente, seja-me lícito afirmar que ouvi com toda a atenção as considerações de S. Bx.a, e desconhecendo, não só em detalho mas duma maneira completa, o processo de que se trata, vou dedicar-lhe toda a minha atenção.

Não posso, pois, dizer qual será a minha atitude sobre o processo, mas vou colher todos os elementos para bem me informar, e sendo certo que não existe qualquer processo contra o funcionário aludido, esteja o Sr. Orlando Marcai certo de que o mandarei reintegrar imedia-mente, sem que, no entanto, me dispense de chamar a mim o processo de reintegração desse mau funcionário que V. Ex.a apontou. E estando na minha mão o fazer justiça; se me convencer de que ó um indivíduo prejudicial à República, tenha V. Ex.a a certeza de que o afastarei imediatamente do serviço, indo até a demissão se tanto for necessário.

O orador não reviu.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O Sr. Ministro da Guerra (Estêvão Aguas): — Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar à consideração e es-, tudo da Câmara algumas propostas de lei referentes à minha pasta.

Uma delas tende a estabelecer o direito de reparação dada polo Estado aos inválidos da guerra e do serviço militar. É um princípio que não está ainda assente na nossa legislação, mas que consta já da legislação dos países aliados, que em maior amplitude do' que a que eu agora proponho têm prevenido a situação crítica em que esses defensores do país para o bem comum se podem encontrar.

As nossas circunstâncias financeiras não nos permitem que demos uma grande amplitude a esse princípio.

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í)iârio da Câmara dos Deputados

A outra proposta que apresento é a que se refere aos inválidos e bem assim aos oficiais quê morreram em campanha.

A outra proposta refere-se aos oficiais que foram condecorados, os quais, segundo o decreto de 10 de Maio do 1919, têm de pagar os direitos sobre essas medalhas, o que não acho justo.

A outra proposta refero-se às enfermeiras que foi necessário nomear durante o período da guerra. Estando fechado o quadro e não sendo justo que as mandemos agora para casa, parece-me de toda a justiça que O quadro fique constituído por aquelas que existem, podendo o Mi-nistário dá Guerra dispensar algumas por outros Ministérios.

Para todas estas propostas, Sr. Presidente, e.u peç'õ urgência.

Tenho dito.

O orador não reviu.

\.

Ó Sr. Presidente: — O Sr. Ministro da Guerra acaba de mandar para a Mesa seis propostas de lei, para as quais pede urgência.

Os Srs. Deputados que concedem a urgência pedida tenham a bondado do se levantar.

Foi concedida.

O Si*. Presidente: — Na sessão passada o Sr t Álvaro de Castro requereu que entrasse em discussão, sem prejuizo da ordem do dia, o parecer n.° 389, referente ao registo predial.

Eu creio que, interpretando bem o requerimento do Sr. Álvaro de Castro, devo marcar para ordem do dia esse parecer logo que sejam retirados os dois que nela estão actualmente.

O Sr. Manuel José 'da Silva (Oliveira de Azeméis): — Sr. Presidente: eu pedi a palavra para declarar que não posso estar do acordo com ôsse requerimento, porquanto no curto prazo marcado para antes da ordem do dia, e que é destinado a vários assuntos, não só pode discutir um projecto da importância daquele que se pretende discutir.

Eu entendo que não ó em õ, 10 ou 15 minutos, isto é, de ânimo leve, que se pode discutir um projecto como Ôsse, dos conservadores de registo predial. í

Que esse projecto seja marcado para a segunda parte da ordem do dia está muito bem; porém, para antes da ordem não concordo.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente:—O que eu vejo ó que V. Ex.:i não interpretou bem o sentido das minhas palavras.

O que eu disse foi que esse projecto deve ser marcado para ordem do dia logo que sejam retirados dois que se encontram actualmente na ordena.

Vou pôr à votação.

O Sr. Eduardo de Sousa (sobre o modo de votar): — Concordo plenamente com as considerações feitas por V. Ex.a, mas peço que em primeiro lugar ponha â discussão o projecto n.° 253, visto que V. Ex.a já declarou que ôle entraria em discussão logo que algum dos que ocupam a atenção da Câmara saisse da discussão.

fez-se a votação. Foi aprovado.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Sr. Presidente: por motivo de serviço público não pude estar presente aqui na sessão de ontem. Portanto, só agora posso responder às considerações do Sr. Álvaro de Castro, que me foram comunicadas peio Sr. Ministro do Comércio.

Referiu-se S. Ex.a à saída do Sr. coronel Lereno da guarda republicana, manifestando a sua impressão, que era a de que o facto provinha duma perseguição.

A Câmara compreende quanto ó me-indroso tratar de questões destas em ré* ação a camaradas nossos.

A questão é essencialmente moral.

O Sr. Lereno saiu da guarda republicana por se ter afastado dos princípios da moralidade e da disciplina, frequentando casas de jogo, contraindo dívidas que não podia pagar.

Houve para euiu aquele oficial uma tal ou qual tolerância em não lhe ser aplicado imediatamente o regulamento disciplinar, porque ele havia prometido ao Sr. coronel Vieira da Rocha que ia regenerar-se. Foi aquele senhor que influiu para que o Sr. Lereno entrasse na guarda republicana..

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Sessão de 28 de Abril de 1920

se dispunha a entrar no caminho da regeneração. Tenho aqui os documentos relativos ao caso, que apresento ao Sr. Álvaro de Castro, a quem peço que me dispense o exibi-los aqui em público.

Não houve perseguição alguma. Mesmo S. Ex.a o Sr. comandante da guarda republicana é uma pessoa incapaz de exercer perseguições, nem mesmo por política. JLJ um republicano dedicadíssimo, mas afastado de quaisquer parcialidades políticas. Não faz política no exercício das suas funções, apenas cumpre a soa missão como militar. O procedimento havido para com o Sr. Lereno, foi o que devia ter sido em defesa da dignidade e prestígio da familia militar.

O Sr. Álvaro de Castro: —Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Presidente do Ministério as explicações que acaba de prestar com respeito ao incidente que levantei a propósito da demissão, aliás pedida, pelo tenente coronel Lereno, de comandante da guarda republicana do Porto. Não tenho conhecimento das condições disciplinares que deram lugar a S. Ex.a ser chamado a Lisboa.

Estou vagamente informado de que o Sr. Presidente do Ministério está um pouco em erro quanto às circunstâncias que se deram na demissão deste oficial. Não me refiro ao processo disciplinar que tenho aqui presente, porquanto ele não me interessa grandemente.

Este caso reveste uma gravidade muito notável para a qual não deixarei de chamar a atenção da Câmara, principalmente pelas responsabilidades que me cabem como defensor de princípios que foram manifestamente prostergados e calcados por quem não tinha o direito de o fazer.

Naturalmente o Sr. Ministro do Interior não tem conhecimento destes factos; mas, se o tiver as responsabilidades são também suas.

Aos oficiais da guarda republicana do Porto foi enviado um questionário do qual constam preguntas que nem mesmo no tempo do dezèmbrismo se fizeram acerca de oficiais.

O referido oíkial foi esperar o Sr. Ba Cardoso, presidente efectivo da actual Câmara dos Deputados :

O Deputado Álvaro de Castro tem uma situação insignificante (não apoiados^ uaas

já foi Ministro da República e nSo é muito que um oficial republicano possa ir dele despedir, sem receio das iras gõvefnati-vas. (Muitos apoiados).

Uma voz: — j Isto é demais !

O Orador: — Já V. Ex.a vê quanto me interessa o processo disciplinar contra o tenente-coronel Lereno.

Só se pode manifestar quem for democrático.

O Sr. Júlio Martins:

os democráticos. Muitos apartes.

Isto ó só para

O Orador: — Se eu tivesse nesta hora a responsabilidade ligada a actos do Governo, afastar me ia logo, como já ò fiz, por Causa de processos idênticos. (Muitos apoiados).

Devo dizer a V. Ex.a que muitos funcionários civis que se manifestaram abertamente ao meu lado, já foram ameaçados . . .

: — Isto é espantoso.

O Orador: — Sr. Presidente: é necessário trazer ao Parlamento factos que ele desconhece, para o Sr. Presidente do Ministério lhe dar remédio, se puder e os seus correligionários o deixarem.

Não posso deixar de me referir 'com mágoa a estes e outros factos.

v. Ex.a imagina que está fora de todas às regras de direito e procede como muito bem entende. . .

Vários apartes.

{Apoiadas}.

O Orador: — Brevemente apresentarei factos mais graves e significativos.

(Apartes).

Eu mostrarei pelo habeas corpus da Constituição que o Sr. Presidente do Ministério não poderia praticar o acto que praticou soltando os presos. (Diversos apartes).

Uma vOis : — Já oidónio Pais fez o ares* mo.

(Vários apartes),

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nho o máximo respeito e consideração por V. Ex.a, mas o facto é que V. Ex.a não tinha o direito de fazer isso. . (Muitos apoiados).

O Sr. Presidente do Ministério e Minis-ro do Interior (António Maria Baptista):— V. Ex.a está enganado. Eu não mandei soltar ninguém; apenas mandei pôr fora das prisões quem não tinha cadastro.

(Vários apartes).

O Orador:—Para terminar, direi a S. Ex.a o Presidente do Ministério que quem assina a nota contendo os quesitos a que há pouco me referi, li, é o Sr. tenente-co- ronel Liai de Magalhães.

Felicito-me por ver que o Sr. Coronel Liai de Magalhães se encontra absolutamente integrado na República, constituindo uma das colunas da sua sustentação.

Não são portanto as minhas palavras de menoscabo pela atitude de agora assumida por S. Ex.a

Não deixarei porém de- significar que quando o Governo, ou os seus agentes exercem perseguições contra aqueles que têm estado sêiuprõ indefectívelmentô, ao lado da República, a criatura que serve para levar -a cabo essas perseguições, é o Sr. Coronel Liai de Magalhães, que aliás teve com muito prazer no seu boné de infantaria n.° 29, a coroa da Traulitânia.

Mais nada.

O discurso será publicado na integra quando . o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Sr. Presidente: o Sr. Deputado e meu ilustre amigo o Sr. Álvaro de Castro acaba de formular um novo ataque que classificado de político pode ser contra o Governo a que presido.

Com toda a lialdado respondi a S. Ex.a sobre o caso de que havia tratado o Sr. Lereno.

Pela forma que a Câmara viu.

Aproveitando o assunto para formular um ataque ao Governo.

Friso isto para que a Câmara faça justiça a quem de direito.

Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Álvaro de Castro:—As minhas palavras só poderão constituir um ataque a V. Ex.a, se o Governo defender a doutrina que eu apontei.

O Orador: — Qual doutrina?

O Sr. Álvaro de Castro:—A dos quesitos.

O Orador.—Não estou referindo-me a isso.

Estou a frisar que V. Ex.a me fez uma pregunta à ,qual eu hoje respondi e que seguidamente V. Ex.a volta a falar, para formular um novo ataque.

Vozes:—Não apoiado.

O Orador:—Daqui não podemos sair por mais não apoiados que dêem.

S. Ex.a o Sr. Álvaro de Castro com as palavras feriu-se a si próprio e feriu o seu passado.

S. Ex.a no dezpmbrismo não andou às claras, mas sim às ocultas, de casa em casa.

O Sr. Álvaro de Castro:—Está V. Ex.a absolutamente enganado. Andei bem às claras. Toda a gente o sabe.

O Orador:—Por conveniência política certamente eu fui encontrar V. Ex.a oculto em várias casas, onde se conspirava. Agora não tem tido necessidade de andar escondido.

O Sr. Álvaro de Castro:—Lá chegaremos.

O Orador:—Não chega.

E muito apressado nas suas conclusões.

S^ V. Ex.a quisesse usar de lialdade política no assunto, limitar-se-ia a expor os factos e a preguntar se eu tinha deles conhecimento.

Eu responderia logo: sim ou não.

Se respondesse sim, então V. Ex.a carregava.

Eu depois me defenderia.

Falou. S. Ex.a nas iras do Governo.

(jQupm .tem estado sujeito às iras do Governo ?

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Sessão de 28 de Abril de 1920

'S. Ex.a forçou a nota.

E porque a forçou o ataque caiu sobre si próprio o não foi atingir o alvo.

Afirmou S. Ex.a que o Sr. Magalhães era um sustentáculo da Kepública; da República será, mas dos partidos ou de determinado partido não é, porque o Governo não admite parcialidades políticas no exercício das funções militares. (Apoiados).

O que porem não compreendo ó o epíteto de monárquico que se pretende lançar sobre esse oficial que esteve preso durante o sidonismo e que se bateu valentemente pela República contra a monarquia.

O Sr. Álvaro de Castro':—Eu não fiz insinuações: apontei factos que V. Ex.a não pode desmentir.

O Orador:—Eu tenho o dever de defender aqui o Sr. Tenente-coronel Magalhães, das acusações que lhe sào feitas, não como político militante neste ou naquele partido, mas da acusação de monárquico que lhe ó feita.

Já o disse e repito-o, não pode ser monárquico um homem que esteve preso durante o dezembrismo e que no momento das lutas decisivas se colocou incendido--' nalmente ao lado da República.

Todavia eu vou mandar sindicar.

Se dessa sindicância se apurar que o Sr. Magalhães prevaricou, eu serei inexorável no cumprimento da justiça.

'Referiu-se ainda S. Ex.a, e com a mesma infelicidade, ao pretendido facto de eu ter ido ao governo civil soltar determinados presos.

Eu fui do facto ao governo civil por que tinha recebido aviso°s de que os pre-s,os se encontravam em péssimas condições nos calabouços onde se encontravam.

Visitei Gsses calabouços e verifiquei que realmente as suas condições eram detestáveis.

Encontrei doidos cobertos de parasitas, encontrei as prostitutas em franca camaradagem e rapazes juntos com homens.

,; Em face de tam miserável situação, que tinha eu a fazer?

O Sr. Júlio Martins :—Demitir as auto-lidados,. (Apoiados).

O Orador:—Eu não podia ir tam longe, j V. Ex.a vai muito depressa!

Aquilo que naturalmente mandei fazer.

Mandei cadastrar os presos que o.jião estavam e soltar imediatamente os indivíduos- a respeito dos quais não houvesse provas.

Mandei sair os presos porque na realidade as prisões não se fizeram senão para ensinamento, não para incitar ao crime.

Um acto destes, desta natureza, já trouxe para mim a classificação de Sidónio.

,; Sabem o que sucedeu? Já todos os doidos, apesar de se dizer que nãe havia alojamentos no Manicómio Bombarda, lá estão internados. As crianças j á estão separadas dos maiores.

As prisões estão saneadas.

Se isto é ser Sidónio, eu honro-me então muito de ser Sidónio. Quero chamar a atenção da Câmara para o facto de faltar um mês para Junho.

Não há medidas de finanças, não há nada do orçamento discutido.

A responsabilidade fica à Câmara de ainda não estarem discutidos todos os projectos e medidas.

(jPregunto 'à Câmara se prefere tratar assuntos doutra natureza?

Respondi claramente que ia tratar de proceder, sindicando.

Não posso fazer mais nada.

O Sr. Lopes Cardoso : —V. Ex.a desconhece o assunto. Então está bem.

O Orador:—Respondi claramente : vou mandar proceder.

O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente : o Sr. Álvaro de Castro trouxe a este Parlamento a divulgação dum facto, e sua estranheza por ter sido transferido do comando que exercia o Sr. tenente--coronel Lereno.

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. Não negamos ao Poder Executivo o direito de colocar os oficiais ou os civis; mas.no que estarei em desacordo é acerca do facto divulgado a esta Câmara pelo Sr. Álvaro de Castro: alguém permitir-se indagar, no exercício dum cargo, se um oficial ó ou não filiado neste ou naquele partido. (Apoiados).

Em nome do meu partido, devo dizer que não pode ser senão esta a nossa opinião : repelir absolutamente esses processos. (Apoiados).

Mal irá à República se precisássemos de proceder por essa forma.

Lamento profundamente que o Sr. Álvaro de Castro, que muito respeito pela sua situação, e quo por largo tempo pertenceu ao Partido Republicano Português a que me honro de pertencer, viesse dizer aqui que os seus adversários não puniam delitos dessa natureza.

Deputados do Partido Republicano Português não podem dar outra sanção senão a de repulsa a esses actos.

Folgo imens-o com a resposta do Sr. Presidente do Ministério.

Não esperava outra resposta de S- Ex.a, em vista do seu passado.

O Sr. Presidente do Ministério disse que ia indagar e punir quem tivesse praticado qualquer delito.

São estas as explicações que era nome dôste lado da Cânmra tenho a dar.

Todos os meus correligionários não costumam usar doutros processos, embora um ou outro elemento se possa desmandar.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente: —Tendo o Sr. Afonso de Macedo pedido a palavra para um negócio urgente, tratar da ajuda de custo de vida aos sargentos de terra e mar, para o que pede a comparência do Sr. Presidente do Ministério, consulto a Câmara, sobre s"e considera urgente, o negócio, tanto mais quo é a hora de SÁ pas-> sar à ordem do dia. A Câmara aprova.

O Sr. Afonso de Macedo (em negócio urgente): — Chamo a atenção do ilustre Presidente do Ministério para o seguinte:

Conhece S. Ex.a a acção patriótica e republicana dos sargentos do nosso exér-

Diário da Câmara dos Deputado*

cito de terra e mar. Ainda'no último movimento grevista dos funcionários do Estado o Sr. Presidente do Ministério encontrou nos sargentos de Mafra os melhores auxiliares para ajudarem o Governo a debelar a greve dos correios e telégrafos.

S. Ex.a que tem um glorioso passado de republicano, conhece qual foi a brilhante acção dos sargentos do exército e da armada em 5 de Outubro de 1910. ' Sabe também o Sr. António Maria Baptista que os mesmos sargentos do exército e da armada sempre defenderam heroicamente a República, como ainda ultimamente se viu na escalada sublime de Monsanto.

Chamo, portanto, a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a forma como está sendo concedida a ajuda de custo de vida aos sargentos de terra e mar, o que não está em harmonia com o prestígio do próprio exército.

A ajuda de custo de vida é dada nuns regimentos por uma forma e noutros por outra.

Há unidades que recebem 40$ e outras que percebem 20$. Isto é incompreensí-vel_ e ilegal.

Os vencimentos das praças de pré são constituídos por pré, 'gratificações, ajuda de custo, alimentação e fardamento. Ora, sucede o seguinte:

É que da forma como foi interpretado, por algumas unidades, o decreto de ajuda de custo de vida, os sargentos recebem numas unidades 20$ e em outras 50$.

Se o decreto n.° 5:570 diz expressamente como é constituído o venciaento dos sargentos, pregunto se eles de íacto têm ou não direito à totalidade da ajuda de custo de vida.

Mas há ainda o lado moral.

Um sargento em Lisboa ganha pouco mais ou menos 2$ diários. Esta classe, que não tem 8 horas de trabalho, que está sujeita a tudo que os Governos lhe impõem, eneontra-se muito abaixo da classe dos serventes das escolas primárias, que não têm responsabilidade, nenhuma e que percebem 85)$ mensais!

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prontos a manter a ordem e a defender a República, j Só se lembram dos sargentos nas horas de perigo para as instituições! Mais nada.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Sr. Presidente: acabei de .ouvir o meu ilustre amigo, Dr. Afonso de Macedo ...

0_ Sr. Afonso de Macedo: — Doutor, não sou! É favor de V. Ex.a Talvez que um dia ainda venha a ser....

O Orador: — Acompanho S. Ex.a na defesa calorosa que fez dos sargentos do exército português, com todfo o calor e expressão da minha alma. E ela verdadeira, é ela cheia de razão, de justiça. Ninguém mais do que eu estima a classe dos sargentos, ninguém mais do que eu lhe tem da$o provas de consideração e de dedicação, apresentando essa classe como exemplo vivo quer no trabalho militar, quer na defesa da República. Não posso, portanto, admitir que alguém, seja quem íôr, duvide da minha alta consideração pela classe dos sargentos.

O Sr. Afonso de Macedo sabe perfeitamente as circunstâncias económicas em que o país se encontra. O Governo, na publicação do decroto silbre as ajudas de custo de vida, tinha de adoptar o sistema mais económico.

Nem todos os funcionários do Estado foram abrangidos pelo decreto. Será isto injustiça? Não.

Nesta hora os verdadeiros republicanos alguns sacrifícios devem fazer pela República.

A verdade é que, entre nós, o sargento vem para constituir família,-ao passo que nos outros países o sargento prepara-se para a constituir. O segundo sargento poderá ganhar o que S. Ex.a disse, mas o primeiro sargento ganha muito mais. Primeiros sargentos há que, com todas as gratificações, recebem mais do que um alferes. .

Se déssemos aos sargentos 40$ de ajuda de custo da vida, ficariam com mais do que os oficiais, e é bom, ó mesmo indispensável na vida militar, arranjar as cousas do forma que fiquem ressalvadas

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As outras gratificações que foram dadas aos sargentos, concederam-se-lhes em virtude da greve dos empregados públicos, assentando-se nos princípios, que esta Câmara aceitou, duma proposta apresentada pelo Governo que antecedeu Q meu.

E preciso não perder de vista, também, que as classes inactivas não receberam nem um centavo para a ajuda de custo de vida, assim como os adidos, e se nós tomássemos este facto para chegarmos a uma conclusão, teríamos de concordar que muitas injustiças se praticaram.

Este Governo tomou conta do Poder numa situação económica que era a mais deplorável que pode imaginar-se. Toda a gente dizia que Portugal não podia salvar-se, que tinha chegado aos seus últimos dias.

Tivemos de resolver essas questões todas sobre o joelho, sem o auxílio dum único empregado público, e o qup tivemos em vista foi resolver a greve dos te-légrafo-postais e funcionários públicos, conforme tacitamente nos era indicado pelo Parlamento, que tinha aceitado a proposta dos 40$ a cada empregado, indistintamente.

Depois impressionava-me que essas classes que estavam em actividade do serviço, às quais se estava a pedir o concurso para defesa da ordem ficassem absolutamente esquecidas.

Evidentemonto que n3o. Havemos de estabelecer de futuro uma regra equitativa para tudo e para todos, dontro dos limites das nossas forças económicas.

V. Ex.a, Sr. Afonso do Macedo, não está no Governo. Este ó que tem a responsabilidade da administração pública e a incumbência de olhar por todos os di-nhciros do Estado. Apresentaremos o nosso orçamento e então, depois de ver as receitas e as despesas, organizaremos o saneamento financeiro.

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mantendo-se ela sempre na ordem e na j disciplina, defendendo a República nos momentos mais perigosos. (Maitos apoiados).

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Afonso de Macedo (para explicações}:— Ouvi com toda a atenção as pá lavras do Sr. Presidente do Ministério e lamento profundamente discordar em absoluto do critério de S. Es.a, relativamente aos sargentos de armada.

O decreto 5:570 declara duma forma terminante quais são os vencimentos dos sargentos.

• Ora paiece-me Oque os sargentos têm direito a receber o mesmo que recebem todos os funcionários públicos.

Disse o Sr. Presidente do Ministério e meu querido amigo uma cousa que me deixou deveras surpreendido. Quero referir-me ao facto de S. Ex.a ter declarado que era necessário separa.r um pouco a hierarquia entre oficiais e sargentos. Eu lamento que esse critério não tivesse sido seguido para com as diversas repartições públicas, onde, ao passo que os directores gerais ganham 3.600$ anuais, os contínuos ganham 85$ mensais, isto é, não existe a verdadeira- proporção entre estes ordenados.

Acresce ainda, e eu apelo para a sinceridade republicana de S.Ex.a o facto de . que nas repartições públicas não se fez ainda aquela selecção que seria para desejar num regime republicano, e emquanto os sargentos estão sempre dispostos a defender a Eepública, nós encontramos nas repartições do Estado, sem produzirem absolutamente nada e a perceberem os 40$ de ajudas de custo, indivíduos que não são republicanos. Ainda ontem ouvi aqui acusaçõos a um ex-Ministro que re-

inte°Tnii í) rhfiffí dos tratdit.Ki.rmt ílo Pfirto.

£2 - - —----,,-

Isto é uma vergonha.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que era necessário poupar um pouco, por que a verba orçamental não chegava para todos. Eu desejava que se tivessem visto as cousas antes do decreto sair, para serem abrangidos todos na mesma proporção.

Não julgue o Sr. Presidente do Ministério que eu quero tirar destes factos

qualquer efeito político. O que me dói, à minha alma de republicano, é ver autênticos monárquicos nas repartições públicas. Indivíduos que, a par das suas ideas políticas contra o regime, nada produzem têm ajuda de custo de 40$, ao passo que os sargentos, que ainda há dias, quando os empregados públicos se declaravam em greve ofereciam ao Sr. Presidente do Ministério os seus serviços para debelarem essa mesma greve, não têm iguais vantagens.

A classe dos sargentos, Sr. Presidente, está neste momento com os olhos em V. Ex.a e no seu Governo, para ver o que V. Ex.a resolve fazer em favor deles.

Sr. Presidente, terminando apenas peço ao Sr. António Maria Baptista, como Presidente do Ministério, que dê as suas ordens no sentido de serem envidas circulares a todas as unidades para que seja cumprido o decreto n.° 6:475 mantendo-se para os sargentos os 40$ paja ajuda de custo de vida a mesma que é dada a todos os funcionários públicos. _

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista) :— Sr. Presidente: ouvi com toda atenção as considerações apresentadas pelo ilustre Deputado Sr. Afonse de Macedo, a favor da classe dos sargentos; mas devo declarar que continuo a sustentar a minha opinião sobre o assunto.

Sr. Presidente : se efectivamente se fez a injustiça de conceder esses 40$ a que V. Ex.a se referiu, a culpa foi do" Parlamento, se bem que eu não deseje por forma nenhuma censurá-lo; mas a verdade é esta, por isso que concedendo os 40$ a todos os empregados lhes reconheceu assim o direito à greve, que eles não tinham em face da lei.

Repito, roconheceu-lhes o direito à greve que a lei não reconhecia aos funcionários do Estado,

O que eu posso garantir a V. Ex.a ó que um sargento ajudante^vence cerca de 128$.

O Sr. Afonso de Macedo : — Eu peço licença para dizer a V. Ex.a que isso não é assim.

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Se assim não fosse ou não viria di-zê-lo para o Parlamento.

O Orador:—V. Ex.a está enganado, um sargento ajudante ganha cerca de 128$, isto conforme me é dito também pelo Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Afonso de Macedo: —V. Ex.a há--de permitir que lhe diga que não ó assim.

Um sargento ajudante ganha oitenta e tantos escudos como já afirmei.

O Orador:—V. Ex.a está enganado, ' havendo ainda uma pequena diferença de Lisboa para a província, e noto V. Ex.a que há alferes que ganham apenas 35$.

Pode V. Ex.a estar corto de que o Governo está estudando o assunto e em breve deverá trazer ao Parlamento um projecto regulando este caso.

Projecto de lei por projecta de lei, é melhor que se traga aqui aquele que regulamenta definitivamente a questão.

O Sr. Afonso de Macedo : — Mas não se trata dum projecto de lei e apenas duma simples circular.

O Orador: — Eu não posso-por uma circular aumentar as despesas do Estado em milhares do contos; e as necessidades das praças não são tarn grandes que não possam esperar algum tempo até que se resolva a questão definitivamente. E aí é que elas podem mostrar o seu amor à República.

O Sr. Afonso de Macedo :— j Os que são republicanos já o mostraram!

O Orador:—Eu sei bem os que são republicanos e os que não o são.

Há bastantes republicanos, mas infelizmente também há monárquicos.

E quando se faz o benefício dum ace-leramento de promoções, infelizmente ele vai cair em muitos monárquicos e em poucos republicanos. (Apoiados].

De modo que, Sr. Presidente, é preciso regulamentar a questão de maneira que não se vá alterar a disciplina e se fique numa proporção que sempre se tem respeitado e seguido no exército, que é a proporção hierárquica.

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O Sr. Afonso de Macedo :—£ Mas porque não se fez o mesmo para com os funcionários civis?

O Orador: — O Governo publicou um, decreto em ditadura, para acabar com uma situação anormal, mas cingindo-se a uma base que lhe apresentaram e que já tinha sido indicada pelo Parlamento.

Eu por mim. direi: sargentos do exército português, eu sofri como nenhum de vós sofreu, e nunca pedi nada à República.

O Sr. Afonso de Macedo:—j Mas eles não podem viver - hoje com o que ganham !

O Orador:—Isso é motivado muitas vezes pelo seguinte: os sargentos muitas vezes contraem encargos de família, antes .de o poderem fazer.

Eu posso citar a V. Ex.a muitos casos que nos .mostram que os sargentos do exército „ vivem hoje em situação muito melhor e mais desafogada do que viviam os sargentos antigamente, e em todo o caso eles foram sempre o símbolo da lial-dade, do valor e da disciplina.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem do dia. . Os Sr. Deputados que tein documentos a enviar para a Mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ORDEM DO DIA

Continuação da interpelação do Sr. Costa Júnior ao Sr. Ministro da Agricultara

O Sr. Júlio Martins:—Sr. Presidente: ea não queria entrar mais na discussão deste assunto, tanto mais que já tinha feito as minhas considerações, mas vejo--me obrigado a isso em virtude de várias considerações que se fizeram no decorrer do debate.

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reclamações da opinião pública, mas única e simplesmente porque havendo um déficit de trigo e dificuldades enormes na sua aquisição, queria seguir o mesmo caminho que a França e a Espanha tinham seguido, estava eu longe de imaginar que o Sr. Ministro da Agricultura, estando ainda em debate uma questão desta natureza, não se tendo votado qualquer moção a expressar o pensamento da Câmara, S. Ex.a com soberano desprezo do Parlamento, não fazendo absolutamente 'caso nenhum das indicações parlamentares, fundamentado na lei n.° 933, de que já fez uso e abuso, o Sr. Ministro da Agricultura na sua soberania, o Sr. Ministro da Agricultura, sem respeito nenhum pelo Parlamento, do qual é delegado, resolveria.

O Sr. Ministro da Agricultura resolveu a questão do pão duma maneira desgraçada.

Então o Sr. Ministro declara que a moagem não pode trabalhar honestamente dentro duma cota que lhe dá a lucro de $02 por quilograma, e o Sr. Ministro da Agricultura continua a ter a moagem nas mesmas condições de desonestidade? (Apoiados).

í Então o Sr. Ministro da Agricultura, sem que o debate sobre a questão do pão esteja encerrado, sem o Parlamento ter indicado o que havia a fazer, sem querer ouvir os conhecimentos que os Srs. Deputados podiam ministrar sobre o assunto, publica novo decreto em condições que representam a condenação da moagem ?

^Sem estar fechado o Parlamento, sem ele se ter ainda pronunciado, cònsente-se que um Ministro se sobreponha à vontade e soberania do Parlamento, contra a lei e todas as indicações?

Pela lei n.° 933 resolveu a questão dos azeites duma maneira infeliz, mas este género não apareço à venda; pela lei n.° 933 resolveu a questão do pão, publicando um decreto da sua autoria.

4 Abdicou o Parlamento das suas funções?

Criara os dois tipos de pão e, de repente, publica um novo decreto, estabelecendo apenas una tipo de pão que é mal feito.

porque é mal feito?

Diário tta Câmara dos Deputados

Declarou o Sr. Ministro da Agricultura que se estavam fazendo habilidades com as farinhas.

Porém, diz-se que o pão é mal feito por indicação superior que manda misturar sêmeas além do que é legal.

O Sr. Ministro resolveu contra a lei.

O Governo colocou o Parlamento numa situação deprimente, obrigando-o a aceitar tudo que o Sr. Ministro da Agricultura quiser ou outro qualquer Ministro.

Sr. Presidente: S. Ex.a o Sr. Ministro da Agricultura não procedeu com a devida correcção, visto que se sobrepôs ao Parlamento.

^ Porque não trouxe aqui uma proposta de lei sobre o assunto?

Aqui ela seria discutida. Se S. Ex.a sabe muito, nós com ele aprenderíamos quando o assunto se discutisse.

Sr. Presidente: em nome do grupo que represento desde já declaro que, a continuar o Governo neste caminho' de desprezo pelo Parlamento, nós abandonaremos os trabalhos da Câmara, visto que não nos prestamos a, comédias. (Apoiados).

Temos todo o respeito pelo Poder Executivo, mas é preciso que também o Poder Executivo tenha toda a consideração pelas nossas funções de legisladores.

Quando tiver ensejo de realizar uma interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura, sobre a sua política geral de sub-sistências, veremos se o Governo tem algumas ideas concretas a tal respeito ou se tem antes agido com completo desconhecimento do que seja o assunto das subsistências públicas.

Estamos a viver de produtos tabelados, que não aparecem, embora os jornais digam, diariamente, que estão chegando a Lisboa vagões carregados com tais e tais géneros alimentícios.

E tal a situação, que o próprio Governo vende géneros aos comerciantes por certos preços 6 depois fá-los tabelar por preços inferiores. . Isto não é política económica. Isto só pode ser política de popularidade momentânea, política de ruína que há-de trazer-nos as mais graves perturbações.

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ÍJesaào de 28 de Abril de 1920

Sei que está preso um moageiro à ordem do Sr. Ministro da Agricultura. Não seremos nós quem entrave a acção de S. Ex.a no sentido de ser rigoroso contra todos os traficantes deste País. • ,

Também se afirma que os próprios moageiros estão a receber ordens do Ministério da Agricultura para fabricar pão que não corresponde ao diagrama que a lei marca.

Se isto é verdade, se os poderes públicos se associam às falcatruas da moagem, então não devem ser só os agentes desta que devem ir para a cadeia. Para ela devem ir todos os responsáveis destes casos.

Nós estamos a defender princípios de justiça.

O Grupo Parlamentar Popular não é serventuário de qualquer casta. Se as camadas populares amanhã se levantarem injustamente contra o existente, o Grupo Parlamentar Popular não as acom-panha.

Se amanhã nós víssemos que as classes conservadoras tinham razão nos seus protestos, nós as defenderíamos, porque a nossa função é defender os princípios de justiça.

Queremos o prestígio do poder, mas para isso é necessário que ele não se sobreponha à lei.

As minhas considerações ficam como um protesto pela maneira arbitrária como o Governo procedeu.

j Se o Parlamento continua com esta insensibilidade os senhores verão o final desta obra!

Eu chamei a atenção de V. Ex.a, não apenas para estes factos, mas também para um outro que é dá mais grave importância.

O Parlamento, depois' das declarações do Sr. Queiroz Vaz Guedes, não pode continuar na situação em que se encontra.

S. Ex.% com a alta responsabilidade de presidente da comissão de inquérito ao Ministério das Subsistências, veio lan-çar sobre o Parlamento uma suspeição rio tal natureza que é preciso, para honra de nós todos, aclarar.

vS. Ex.a afirmou que, na questão da moagem, lá se encontram nomes do Deputados. E que uma farinha, quo foi vendida à guarda republicana, tinha sido

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vendida por menos preço a outra entidade.

Nós precisamos saber os nomes desses Deputados.

Vozes: —Venham os nomes; esclareça--se tudo!

O Orador: — Essa comissão tinha um dever a cumprir: ou colhia as provas de culpabilidade desses Deputados e pedia à Câmara a suspensão das suas imuni-dades e os ouvia, ou não encontrava provas e não vinha ao Parlamento da República levantar uma questão desta natureza.

Na questão do arroz, disse o Sr. Queiroz Vaz Guedes que ela não ia para diante sem se apurar o que há de verdade acSrca das mulas que o espanhol comprou.

4Então Sr. Presidente, é desta forma que trabalha a comissão?

Sr. Presidente:

E, Sr. Presidente, uma comissão de inquérito que não traz ao Parlamento as indicações, senão forçadamente, em virtude das circunstâncias, é essa mesma comissão que anda sempre com notas oficiosas; até a respeito de dois Ministros da República que, porventura, se encontram incriminados, ela se permitiu dar a sua opinião.

Falou o Sr. Vaz Guedes na Constituição dum. Alto Tribunal, constituído por esta Câmara, mas o quo é absolutamente indispensável é que V. Ex.a nos. traga os nomes, as culpas e as provas de acusação. (Apoiados).

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Diário da Câmara dos Deputados

mento, que envolve a Política, que envolve a Eepública e que envolve o País.

Sr. Presidente: sejam quem forem, os eus nomes que sejam trazidos aqui, porque quero saber quem são os políticos que se encontram nos cofres íortes da moagem, para de lá serem arrancados pelas orelhas e expostos perante o País.

Deixemo-nos de suspeições vagas que envolvam o prestígio do Parlamento e digam-se os nomes dos culpados, se os há.

Venha tudo, absolutamente tudo.

Queremos ver qual foi a acção da comissão de inquérito ao Ministério das Subsistências, qual o seu critério e quais os crimes que devem ser -atribuídos aos Deputados a que V. Ex.a vagamente se referiu.

A comissão há-de responder e eu digo ao Parlamento do m^u País, que, em-quanto este assunto não estiver inteiramente esclarecido, paira sobre todos nós uma atmosfera de suspeição.

Tenho dito.

O discurso será publicado na Integra, revisto pelo orador, quando devolver as notas taquigráficas que lhe f oram enviadas.

Sr. João Gonçalves.

O Sr. Vaz Guedes: — Eu tinha pedido a palavra; e como Presidente da comissão parece que devo ter preferência no uso dela.

O Sr. João Gonçalves : — É melhor falar primeiro o Sr. Vaz Guedes.

O Sr. Presidente:—Tem então V. Ex.a a palavra.

O Sr. Vaz Guedes: — Sr. Presidente: chamado hoje à responsabilidàdes das afirmações que proferi na última sessão em •que usei da palavra, como presidente da comissão de inquérito ao Ministério dos .Abastecimentos, apresso-me em vir dar à Câmara as explicações imediatas e cabais que entendo, ela está no pleno uso do seu direito exigir.

A comissão parlamentar de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos podia entender que a Câmara dando-lhe uma confiança inéxgotável, ia honrando-se no seu procedimento, tacitamente sancionando o que ela ia fazendo.

Ora, Sr. Presidente, tinha ficado assente que os incriminados à medida que fossem averiguadas as suas responsabilidàdes, iriam sendo enviados ao Poder Judicial com a indicação das irregularidades praticadas, que embora não. constassem do Código Penal, merecessem reparos ou reprovação, por serem julgados atentatórios da boa moral.

Disse no começo das minhas considerações que vários assuntos se destacam no inquérito, como seja o processo do arroz, 'e o relativo a dois Ministros que foram enviados ao tribunal.

Com relação ao- processo do arroz, a questão foi aqui largamente debatida, e francamente, não sei o que significa, o que disse o Sr. Júlio Martins meu prezado amigo e colega, quando se referiu ao mandato imperativo da comissão.

O Sr. Júlio Martins;—V. Ex.a disse há pouco que a questão tinha sido aqui largamente debatida; mas o que V. Ex.a devia ter feito era estudá-la bem, examinando todos" os documentos e dar a sua opinião sobre a matéria criminal, se porventura ela se encontrasse . . .

O Orador: — Ora muito bem, mas Sr. Júlio Martins, falemos claro.

Estudada já a questão estava; e não sei para que mandar a questão novamente para a comissão para ela estudar.

Mas, estudar o quê?

O Sr. Júlio Martins: — 4Mas V. Ex.a agora é que defende essa doutrina?

0 Orador: — Eu peço ao Sr. Júlio Martins que quando me quiser interromper o faça por partes porque eu vou explicando-me.

1 Então V. Ex.as não sabem que a in vestigação é secreta?

Trocam-se apartes.

O Orador: — Assim.não posso falar. i Parece que V." Ex.as não querem que ou fale!

O que é certo é que a comissão não foi de parecer —no que respeita à questão do arroz— que existisse matéria criminal, mas encontrou matéria de culpa ou negligência.

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bilidade criminal de Reis era necessário proceder a investigações. Portanto, a comissão precisava de colher informações a fim de o poder enviar para o tribunal.

A comissão podia ainda empregar todos os seus esforços para que o arroz fosse entregue, e para esse efeito era necessário entabolar negociações diplomáticas.

Ora, o que era necessário é que a Câmara constituída em alto tribunal resolvesse o assunto, pois que há duas correntes de opinião: uma, aquela que a comissão representa, é de que apenas existo negligência, e outra é que se enviem para juízo todos os culpados.

O Sr. Júlio Martins: —

O Orador: — A Câmara resolveu, sem o protesto de V. Ex.a, que a comissão fizesse um relatório final.

Interrupção do $r. Manuel José da Silva' (Oliveira de .Azeméis).

O Sr. Júlio Martins:—V. Ex.a, com a sua autoridade de presidente, traria à Câmara os relatórios parciais, ou então traria o relatório final.

O Orador : —Eu não posso discutir esse assunto.

Eu posso apelar para o testemunho de vários Srs. Deputados que estavam presentes.

Eu não tenho dúvida em esclarecer um caso especial. Há crimes que são praticadas sem fim criminoso.

Eu devo dizer a V. Ex.a que a comissão é delegada da Câmara a composta de dedicados republicanos.

A comissão teve dúvidas, e pela minha parte não queria mais tarde dar uma gafe apontando corno criminoso um indivíduo que tinha praticado determinado acto sem intenção criminosa.

Uma voz: — V. Ex.a o que tinha a fazer era vir à Câmara e apresentar o relatório, e não haver contemplação por ninguém.

O Orador: — Se na comissão houvesse unanimidade, estava bem; mas não suce-dou assim»

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O Sr. Júlio Martins: — O que eu estranhei foi o facto de V. Ex.a vir lançar uma suspeita sobre o Parlamento. (Apoiados).

O Orador: — Está, portanto,-explicado o motivo por que a comissão de inquérito, não vem, como o Sr. Júlio Martins pretende, apodar-so de julgadora, que essas funções não quisemos sobre nós porque somos uma instância de investigação, mas entendemos, pelo mengs, com a responsabilidade jurídica dalguns membros da comissão, que era conveniente ao mesmo tempo que reconhecemos não haver intenção criminosa dalguns Ministros da República declarar que excepcionalíssi-mamente esse requisito era dispensado para tal fim. Como'este procedimento não mereceu a aprovação dalguns membros da Câmara, necessariamente conclui-se que acerca do acto praticado-por esses Srs. Ministros pode haver uma divergência de opiniões que justificam absolutamente a constituição da • Câmara em alto tribunal.

O Sr. Júlio Martins:—Não é nada disso.

Nós só temos de esperar que os tribunais se pronunciem. Na apreciação dos factos praticados por esses Srs. Ministros, V. Ex.as encontraram matéria criminal. Mandaram-os para os tribunais; esperemos que os tribunais se pronunciem.

O Orador: — Mas então como critica V. Ex.a que nós tenhamos dito não haver intenção criminosa!

O Sr, Júlio Martins: —Nós simplesmente chamámos a atenção para a disparidade de critérios. Para os Ministros da República tiveram medo que a opinião pública lançasse sobre eles uma suspeição; para o Parlamento V. Ex.a diz que há Deputados que porventura estão incluídos nes-vsas tranquibérnias, lançando uma suspeição sobre toda a Câmara.

O Orador: —V. Ex.a mais uma vez está a justificar a constituição do alto tribunal.

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nados, faziam o seu relatório, vinham à Câmara pedir a suspensão de imunidadés parlamentares para que esses Deputados respondessem, mas com a prova na mão, não com suspeições.

Ó Orador:—Evitemos os diálogos.

Não faça V. Ex.a afirmações tais que não correspondem à verdade, porque a comissão não teve medo da opinião pública, apenas a guiou o critério de fazer justiça; e fique V. Ex.a conhecendo que há írregularidades que ou são crimes ou podem não ser, conforme a interpretação dada ou a dar ao Código Penal.

V. Ex.a vai ver.

Há, por exemplo, na Câmara um Sr. Deputado que faz parte duma sociedade, creio que de comissões e consignações.

A comissão encontrou um ofício dessa sociedade, dirigido à câmara da Figueira, oferecendo a sua intervenção para a aquisição e fornecimento de cereais àquela câmara.'

O Sr. Júlio Martins1: — Fomos nós que levantámos a questão. Queremos por isso que ela vá até o fim.

O Orador : —Em favor dessa mesma fir" ma fez-se uma distribuição de farinha em quantidade avultada, ao preço de $38, quando à guarda republicana estava sendo fornecida à razão de $51.

Essa farinha era de primeira e destinada ao fabrico de massas e bolachas.

V. Ex.as compreendem bem a situação desagradável em que se encontrou a comissão de inquérito perante estes factos, e os motivos que a" levaram a apresentar o caso à apreciação do Parlamento ...

O Sr. Júlio Martins-—V. Ex,as não tinham que submeter o ca'so à apreciação deste Parlamento.

Se esses factos eram verdadeiros não tinham outra cousa a fazer se não mandar para a cadeia as pessoas que neles se achavam envolvidas ; o contrário é tornarem-se seus cúmplices.

De resto, não se compreende que só agora se lembrem de narrar esses factos à Câmara.

O Orador: —Eu já tive ocasião de mostrar este ofício da câmara da Figueira a vários Srs. Deputados...

Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Júlio Martins: — £ Mas que procedimento é este da comissão de inquérito, delegada da Câmara, que mostra os documentos relativos a questões duma gravidade espantosa a meia dúzia de Deputados amigos e não à Câmara, como lhe compete ?

O Orador: — A Câmara avaliará como essa comissão tem trabalhado.

Venha V. Ex.a para este lugar ...

O Sr. Júlio Martins: — Se lá estivesse e encontrasse algum Deputado envolvido em quaisquer negócios escuros fazia um dossier e trazia-o a esta Câmara.

O Orador: — Contra o Senador Sr. Ernesto Navarro levantou-se uma acusação grave por parte do Sr. Júlio Gonzaga dos Anjos.

Essa acusação, que já em tempos tinha aparecido publicada na Capital, e foi oficialmente reproduzida perante a comissão de inquérito por esse indivíduo, sustentava que o Ministro dos'Abastecimentos tinha lançado um despacho ilegal em favor da Fábrica Esperança.

O Sr- Anjos, afirmando que esse despacho era ilegal, entendia que se devia proceder à apreensão da farinha, mas reconhecia que esse despacho estava tara bem feito que seria difícil consegui-lo ...

Todavia, como o Sr. Ministro no despacho tinha declarado que a venda da farinha seria feita para fora da Lisboa e concelhos limítrofes, e tendo os fiscais encontrado uma venda feita num dos depósitos em que a farinha se achava para uma das fábricas de bolachas, imediatamente tinham mandado apreender toda a farinha, uma vez que, nos termos da lei, no caso duma apreensão, toda a partida de farinha, embora estivesse em diversos armazéns, devia ser apreendida.

Que se tinham movido empenhes, indicações, quási pressões, para que a apreensão não fosse mantida.

Que tinha ido um Deputado ter com ele para se informar do motivo por que se tinha feito a apreensão e para solicitar o levantamento.

Que lhe parecia que em todo esse negócio havia interesses grandes.

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Sessão de 28 de Abril de Í02Ò

O Deputado interveio, segundo consta em todos os depoimentos, para que o despacho fosse dado.

Esse Deputado foi o Sr. Estêvão Pi-mentel.

Em seguida, levando o processo debaixo do braço, o Sr. Estêvão Pimentel dirigiu-se ao Ministro que lavrou o despacho mandando levantar a apreensão, excepto naquela farinha que tinha sido apreendida no armazém que a vendia para Lisboa.

No seu depoimento o Sr. Ministro diz — como o tinha dito já numa carta—que aparecera perante si um Deputado, doublé de advogado e possivelmente de comerciante, a exigir que o despacho não fosse mantido porque o resto da moagem era prejudicado.

Esse Deputado, que para penetrar com mais facilidade no gabinete do Ministro apresentara o seu cartão, mostrou-se como advogado na questão ...

Não tendo conseguido o despacho, por fim ameaça o Ministro dum castigo imediato, duma campanha na imprensa. . .

O Sr. Júlio Martins:--Quem é esse. Deputado ?

O Orador: — O Sr. Nuno Simões. O Sr. Júlio Martins: — Foi ouvido?

O Orador: — Foi chamado ou será. V. Ex.a já tem dito que achava interessante a discussão na Câmara.

A comissão parlamentar encarregada de organizar os processos, se tivesse os elementos todos, completaria a prova. E então traria perante a Câmara, em sessão plena ou em tribunal, os processos devidamente instruídos.

Mas há mais ainda: cousa de carácter gravíssimo,

O Sr. Júlio Martins: —V. Ex.a, quanto-ao primeiro caso da Figueira, não citou o nome do Deputado.

O Orador: — É um Deputado de nome Marinha, Ainda não foi ouvido e só ali constou a irregularidade há quatro dias.

V. Ex.as provocam-me a dizer os nomes.

Defino o meu procedimento. Deve constituir-se o tribunal © mais nada»

Í9

O Sr. Sousa Varela: — Foi bom esse esclarecimento.

O Orador: — Outro é o Sr. Deputado Orlando Marcai. Tem acusações graves na comissão.

Essas acusações podem dizer-se referentes à delegação do norte.

Em virtude dessas queixas foi nomeado um sindicante; o Sr. capitão Pala.

Pouco depois recebeu o presidente da comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos uma acusação contra o sindicante.

Pouco depois chegava ao meu poder, por intermédio do Sr. Deputado e meu amigo Jorge Nunes, uma queixa do Sr. Mourão do Norte contra o Sr. capitão Pala.

Essa queixa íundaya-se em duas cartas, depoimentos absolutamente semelhantes, de dois comerciantes que pretenderam obter o açúcar.

Isto foi ao tempo de ser Ministro dos Abastecimentos o Sr. Lima Alves.

Diz se, à volta desse açúcar, que o Sr. Ministro, em primitivo despacho, determinara que fosse entregue à delegação para fazer a distribuição e que os comerciantes queriam quê lhes fosse entregue directamente para comerciarem; à volta disso, diz-se nesses dois depoimentos confirmados por cartas, que se ofereceram três vagões de açúcar que o Sr. Cunha Liai tinha à sua disposição.

0 Sr. Cunha Liai:—V. Ex.a dá-me licença?

Eu sabia, porque essas cousas transpiram, que havia um documento contra rnim, e porque o sabia é que eu gritei aqni que queria que tudo se esclarecesse e tudo viesse a lume. (Apoiados).

A honra dum homem vale para algumas criaturas tanto, que esses homens? que disseram que ornaram dizer que o Sr. Cunha Liai tinha à sua disposição três vagões de açúcar, até hoje não se deram pressa em provar essa -acusação.

1 Tem de se apurar toda a verdade l E aqueles que não souberam salvaguardar a honra de cada um de nós, que lha entregámos nas suas mãos, hão-de responder porante mim, pelo menos, por esse facto. (Apoiados),

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O Orador: — Eu correspondo a tanta gentileza da parte de V. Ex.a, dizendo--Ihe que não só eu, mas a comissão toda, entendeu tam absolutamente falha de qualquer fundamento semelhante porcaria de referência, que V. Ex.a era admitido amanhã, de braços abertos, na comissão, a trabalhar conjuntamente connosco.

O Sr. Júlio Martins: — Mas ficava o diz-se!...

O Sr. Cunha Liai: — j A opinião .da comissão vale muito para mim,"~mas mais vale a opinião do meu País!

O Orador: —

O Sr. Cunha Liai: — Queria que me ouvissem! Queria que há três meses não houvesse um português em Portugal qne duvidasse de que o Sr. Cunha Liai tinha tido três vagões de açúcar à 'sua disposição, sem estar metido na cadeia.

Primeiro responderei como Deputado, se o Parlamento se constituir em tribunal, mas depois, lá fora, exigirei como homem, satisfações à minha honra.

Nós, quando nomeámos a comissão de inquérito, entregámos-lhe a nossa honra, e V. Ex.as não a souberam salvaguardar bem.

O Orador: — No Porto é que este in quérito devia correr. Ele veio relativaa mente há muito pouco tempo. V. Es. não'poderia, pois, ter outro desejo mais santo, para salvaguardar a sua dignidade, do que o atestado que era passado pela comissão.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — j Então V. Bx.a não tinha o direito de vir para aqui com isso!

Vozes: — Ora essa!

O Orador: —

O Sr. Júlio Martins: —i Mas V. Ex.a devia dizer o que disse mais cedo!

O Orador: — ;E há muita gente que dirá que ainda agora ó cedo de mais! •.

Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Aboim Inglês: — j Já avançámos muito para não sabermos tudo!

Vozes: — Queremos saber tudo, tudo l

O Orador: — Outra acusação que há é contra o Sr. João Pinheiro.

Sr. Presidente: o Sr. João Pinheiro ó acusado de ter mandado lavrar o despacho verbal para o crédito dos 580 contos a favor da firma Rosa Cabral, Limitada, porém, nega o facto.

E igualmente acusado de ter assinado um decreto feito pela moagem; porêmj nega igualmente este facto e o chefe da Repartição continua a afirmar que o Sr. director geral não podia deixar de fazer o despacho.

Felizmente, Sr. Presidente, a firma Rosa Cabral, Limitada, entregou os objectos, e foi esta firma, conforme já disse a V. Ex.as, que mais tarde, isto é, na ocasião da liquidação, disse que lhe era indiferente que a liquidação se não fizesse por isso que já tinha recebido o dinheiro.

Já tive também ocasião de dizer à Câmara como só foz a distribuição dossa farinha vinda pelo vapor Dondo, e que foi à guarda republicana a $51, à Manutenção Militar a $43, a-vários particulares a $38 e à Companhia Nacional de Moagens a $27.

Creio, pois, que a Câmara já está suficientemente elucidada sobre este assunto.

O Sr. Júlio Martins:—V. Ex-.a falou .ainda agora num advogado, haverá mais algum.

E necessário que venha tudo ao Parlamento.

O Orador: — Eu devo dizer que o Sr. António Fonseca interveio no assunto como advogado da Companhia Esperança.

O Sr. António Fonseca : —Eu vou declarar à Câmara que intervim no assunto apenas para que o processo fôss,e enviado para o tribunal das, transgressões, pois que era a única maneira que tinha de exercer a minha função.

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petência para isso nem poder resolver o assunto.

Foi esta a única intervenção que tive no Assunto e mais nada.

O Orador: — Ouvi com a máxima atenção as observações feitas pelo Sr. António Fonseca, isto é, qual a intervenção que S. Ex.a teve no assunto, o que aliás não ó novo para mim por isso que S. Ex.a já particularmente mo tinha dito.

De resto, Sr. Presidente, creio que tenho feito um bom serviço, desejando que a questão se ventile num tribunal que possa apreciar o assunto, por isso que o Poder Legislativo está acima de todos os poderes, não podendo por isso sair do Parlamento leis imorais.

O Sr. Cunha Liai:—Pedi a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. João Gonçalves.

O Sr. Cunha Liai: — Pedi a palavra para um requerimento.

Requeiro que a interpelação do Sr. Costa Júnior seja interrompida, a fim da Câmara resolver, se'deve constituir-se em alto tribunal.

O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Cunha Liai que redija o sen requerimento. Pausa.

O Sr. Cunha Liai: — Mando para a Mesa o seguinte

Requerimento

Kequeremos que se abra sobre as declarações do Sr. Vaz Guedes uma inscrição especial e que a Câmara funcione em sessão permanente até o momento em que se decida se se devem ou não levantar ae imunidades aos Deputados incriminados e propor ao Congresso que ele se constis tua em alto tribunal.

Sala das Sessões, em 28 de Abril de 1920.7— Júlio Martins—Cunha Liai.

O. Sr. Presidente : — Não posso submeter à apreciação da Câmara o requerimento do Sr. Cunha Liai, por o julgar matéria inconstitucional.

S. Ex.a requere que a Câmara funcione em sessão permanente, ato o momento de

decidir, se deve, ou não suspender as imunidades parlamentares a alguns Srs. Deputados incriminados.

Não me consta que na Constituição haja qualquer disposição acerca da suspensão das imunidades parlamentares, assim como não há nenhuma disposição que estabeleça a constituição da Câmara em alto tribunal.

De maneira que eu, julgando inconstitucional a última parte do requerimento do Sr. Cunha Liai, apenas vou pôr à votação da Câmara a parte do requerimento, em que S. Ex.a deseja que se abra inscrição especial, sobre se a Câmara deve funcionar em sessão permanente.

O Sr. Cunha Liai: — Esta questão não pode ficar em aberto.

Não sei qual a fórmula legal que se deve seguir.

A Câmara tem de pronunciar-se em face das declarações do Sr. Queiroz Vaz Guedes.

Há três meses que se produziu essa declaração dum factotum, talvez pago pelo Partido Democrático, de que eu tinha negócios com açúcar, e não ó chamado; outras pessoas a quem o disse não são são chamadas, eu não sou chamado, dei-xando-so sobre a minha cabeça, como sobre a cabeça de outros Deputados, essa acusação tremenda a respeito do qual direi que se provasse que eu tinha feito esse oferecimento era eu que me justiçava a mim próprio dando dois tiros na cabeça. Não precisava doutro castigo.

Resolvam a questão como quiserem; eu quero hoje sair daqui com a impressão de que a Câmara está disposta a mandar vir imediatamente os depoimentos que estão no Ministério dos Abastecimentos porque eu não quero viver mais um dia sob essa suspeição. Se o não conseguir, renuncio, espontaneamente, porque não preciso estar aqui para me justificar, irei lá para fora dizor quem são os representantes da nação porque também quero fazer as minhas a,cusaçpes.

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Diário da Câmara dos Deputado»

JLL

cora própria com essa acusação para nos alar a boca, não o conseguirá; porque então arrogando-me a qualidade de representante do povo irei lá para fora definir a casta daqueles que querem governar eternamente e que quando lhes • aparece pela frente uma criatura inteligente lhe querem esmagar a cabeça.

Sr. Presidente: há-de hoje ser decidido se sim ou não temos o direito de continuar a ser representantes uo país. . •

Venha para aqui o processo.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O-Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: crente de que não há forma de evitar que esta Câmara se constitua em A!ÍO Tribunal . . .

O Sr. Presidente . — É anti-constitu-cional.

^,0 Orador: — Peço a V. Ex.a que me ouça até o fim.

Não havendo maneira de evitar que se constitua a Câmara em Alto Tribunal, re-queiro-a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre se concede urgência e dispensa do Regimento para a, discussão dum projecto de lei que vou mandar para a Mesa, redigido nos seguintes termos:

Projecto de alteração à Constituição . da Repúblioa

Artigo 1.° O Congresso da República poderá funcionar como Alto Tribunal para julgar os seus membros que forem acusados de crimes praticados no exercício das suas funções.

Art. 2.° A disposição do artigo anterior será inserta na Constituição da República em aditamento ao artigo 18.° da Constituição.—Ferreira da Rocha.

O Sr. Presidente: — O Sr. Manuel Ferreira da Rocha requereu para que entrasse em discussão com urgência e dispensa do Regimento um projecto de alteração à Constituição que se vai ler.

Foi lido na Mesa.

Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento,

O Sr. António Mantas: — Requeiro a prorrogação da sessão até terminar a discussão do projecto.

Foi aprovado o requerimento, entrando o projecto em discussão na generalidade.

O Sr. Brito Camacho: — Sr. Presidente: também me parece que ficava mal à Câmara e desprestigiava a República continuar esta sessão sem se ter adoptado qualquer procedimento que lá fora significasse, por uma forma iniludível, a disposição em que nós estamjs de apurar todas as res,ponsabilidades, em termos que a República seja um regime que se possa olhar, se não com simpatia pelo menos com respeito. (Muitos apoiados}.

A Câmara não pode continuar a sua sessão de hoje, sem adoptar um procedi-meuto que nos conduza a este resultado: que o País veja que perante irregularidà-des denunciadas, e porventura amanhã, provadas, a Câmara sobrepondo-se a todas as sentimentalidades de camaradagem e a toda a sentimentalidade afectiva porventura por velhos e queridos companheiros, coloque acima de tudo isso o indispensável prestígio da República. •

Vozes: — Muito bem.

O Orador:—Exactamente porque as circunstâncias são graves e o momento ó difícil, nós precisamos demonstrar íjue temos sobre nós próprios o sentimento de controle.

Quere dizer, temos que resolver este assunto com a maior calma e serenidade.

Nós estamos em presença duma exposição verbal, e exactamente por ser verbal foi foita uma espécie de improvização que talvez nem o próprio expositor poderá dela assumir inteira e completa responsabilidade.

Evidentemente que sobre o fundo dos factos expostos pelo Sr. Queiroz Vaz Guedes, em nome da comissão, suponho que não haverá dúvidas; mas tal detalhe, tal informação, tal miúda circunstância pode ser apenas o fruto dum a improvização que amanhã num relatório feito no remanso do seu gabinete, o seu autor teria de. modificar, restringir ou ampliar ou talvez eliminá-la por completo.

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Que mais não fosse e como base de discussão cada um de nós precisava—pelo menos, eu preciso — de conhecer todas as peças do processo e não conhece nenhuma (Apoiadosj, precisava de conhecer o respectivo libelo e esse ó um relatório da comissão, não constando que ela sequer o tenha elaborado. (Apoiados).

Parece-me, Sr. Presidente, que a deliberação que nós deveríamos tomar, e dava satisfação a todos, porque nos colocava bem com a opinião pública, suspeitosa menos pelo que porventura se foz do que pelo que aqui temos dito, seria, antes de mais nada, fazer enviar para a Câmara, para estudo e análise de cada um de nós, o- processo que já esteja organizado e um relatório tam circunstanciado quanto a comissão o pudesse fazer em vinte e quatro horas, acompanhando esse processo.

Então sim, Sr. Presidente, então teríamos já uma base de estudo; teríamos já elementos para apreciar se seria necessário o constituir o Congresso em tribunal de justiça, não para funcionar nos termos do projecto de lei mandado para a Mesa pelo meu amigo Sr. Manuel Ferreira da Kocha, projecto que não aprovarei porque sempre recusarei o meu voto a todo aquele que tente ou que pretenda roubar ao foro comum, criminosos de direito comum, mas para sabermos até que ponto estamos moralmente obrigados a mandar para os tribunais já constituídos, •e não a constituir, os indivíduos cuja delinquência for rigorosa e devidamente provada.

Isto acho eu que a Câmara deve fazer, •mas parece-me também.que por emquan-to não podo ela fazer mais nada. E neste sentido mandarei para a Mesa uma moção que ainda não acabei de redigir, porque supunha que me não seria dada a palavra em primeiro lugar.

Não quero todavia terminar as minhas considerações sem repetir hoje, à distância não sei de quantos anos, palavras que nesta mesma Câmara e parece me quê dôste mesmo lugar eu tive ocasião de pronunciar quando se levantavam campanhas de moralidade contra qualificados homens da República.

Sr. Presidente: sou dos que entendem que um rogimo se na'o prestigia, se não autoriza, quando servo para cubrir criminosos» (Muitos apoiados}.

Nós vimos o que a monarquia ganhou nunca sujeitando à acção dos tribunais, indivíduos que no desempenho de funções oficiais praticavam qualificados crimes, e nós vemos como a República Francesa, não deixando nunca impunes os criminosos chamados políticos, tem conseguido impor-se como regime de moral e de justiça a todas as nações do mundo.

Foi há anos o caso do Panamá, em que ajustiçafrancosanão hesitou perante o nome então mais glorioso da França, e ó agora o caso de Caillaux, que na política do seu país representou um papel de destaque, não sendo nela, pelo menos no seu aspecto intelectual, porque do aspecto moral não me ocuparei agora, um subalterno qualquer.

Caillaux esteve três anos preso, suportou um julgamento e embora lhe tivesse sido dada como expiada a pena, não deixou de ser castigado.

i É assim que se prestigia iim regime! (Apoiados).

Sr. Presidente: é assim que se desprestigia um regime.

Toda esta tempestade que se levantou neste Parlamento, vai ter lá fora uma grande repercursão e uma onda de certa gravidade que nem nós apreciamos aqui dentro.

Não imagina V. Ex.a como questões desta ordem desprestigiam não só os indivíduos, como o próprio regime.

Os indivíduos ficam e o regime desprestigia-se. (Apoiados).

Lamento que questões como estas, venham para o Parlamento.

O Sr. Presidente:—V. Ex.a dá-me licença ?

Sinal de assentimento do orador.

O Sr. Presidente: — Estando os Srs. jornalistas- a fumar, mandei-os advertir de que o não podiam fazer. Recebi como resposta que não deixavam de fumar em-quanto os Srs. Deputados fumassem.

Vozes : — Ora . . Diversos apartes.

ora

O Sr. Pi-tísiuBnce: — Mandando saber quem tinha dado essa resposta, foi dito que era a imprensa toda.

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Continua no uso da palavra o Sr. Brito Camacho.

O Orador: — Não, agora não devo falar. Por nossa honra, por nossa dignidade, não devo falar, pois num assunto de tamanha gravidado não devemos falar na ausência da ^imprensa, para que não se levante a suspeita de que não queremos que se saiba lá fora o que dizemos,

V. Ex.a podia fazer por se avistar com a imprensa e estabelecer-se uma plataforma honrosa para todos, e nós continuaremos nos nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Eu não costumo ser tratado assim, e portanto não me encarrego disso.

A Câmara tem dois vice-Presidentes e portanto algum deles poderá tratar do assunto.

Interrompo a sessão.

Eram 18-horas e 00minutos.

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

tiram 19 horas e 16 minutos.

O Sr. Presidente: — Tenho o prazer de comunicar à Câmara dos Srs. Deputados que depois de uma troca de explicações entre mim e os representantes da imprensa se chegou à conclusão de que tinha havido um equivoco, que se liquidou satisfatoriamente para todos.

Das declarações feitas pelo imprensa resultou que a imprensa j-ulgava que a sessão estava interrompida.

Aceito estas explicações com inteira honra para todos, e não tenho dúvida em mandar novamente a imprensa ocupar os seus lugares; e V. Ex.a Sr. Brito Camacho, pode, querendo, continuar no uso da palavra.

O Sr. Brito Camacho: — Sr. Presidente : congratulo-me pela solução que o conflito teve, que de resto eu esperava, pois'não era fácil acreditar que da parte da imprensa houvesse qualquer propósito de criar uma situação conflituosa para com a Câmara, tanto mais quanto é certo que a Câmara e cada um de nós individualmente têm manifestado sempre pelos representantes da imprensa a consideração que pessoalmente merecem e que a instituição impõe.

Sr. Presidente: eu estava no fim das minhas considerações 'quando se deu o ncidente, por motivo do qual eu não cheguei a mandar para a Mesa, como faço agora, a minha moção, que é redigida nos seguintes termos:

Moção

A Camará, reconhecendo a necessidade de se apurarem as responsabilidades que possam competir a membros do Congresso nos factos expostos pelo presidente da comissão de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, resolve que a mesma comissão remeta para a Mesa todos as peças do seu dossier que contenham referências a membros do Congresso,, e um relatório, tara circunstanciadamente quanto possível, sobre a matéria, devendo fazer-se esta remessa dentro de quarenta ,e oito horas.— O Deputado, Brito Camacho.

foi admitida.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente : desfio declarar a V. Ex.a e à

tj

Câmara que rejeito na generalidade o projecto de lei que se discute; estava mesmo resolvido a rejeitá-lo no momento em que o apresentei.

Eu entendo que não deve tirar-se ao Poder Judicial o direito de julgar os crimes ou delitos dos cidadãos portugueses quer eles sejam ou não membros do Congresso da Kepública.

Entendo que uma assemblea politica da natureza desta jamais terá aquele conhecimento das regras do direito, indispensável para julgar e dar o seu veredictum duma maneira perfeitamente em harmonia com os basilares princípios em que assenta a justiça regulada pelas leis.

Não creio que aos tribunais possa tirar-se a faculdade de julgarem os crimes pelo facto de serem praticados pelos congressistas, ainda mesmo aqueles crimes que possam tor um carácter meramente político, quando deles se não possa excluir a natureza de crimes comuns.

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e de psicologia possoal, nós sentíamos que era absolutamente indispensável que recaísse uma discussão sobre esta idea, visto que das palavras do Sr. Cunha Liai transparecia bem o pensamento de que a Câmara, fatalmente, havia de pronunciar--se neste sentido.

- Era urgente que os discursos pronunciados pelos leaders dos vários partidos mostrassem claramente a incom7eniência de tal tribunal para defender ou julgar crimes.

Justificada assim a razão por que mandei para a Mesa o meu projecto de lei, entendo que justificado está também o motivo por que o rejeito.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: —

O Orador : — Não Senhor.

O Sr. Mesquita Carvalho: — Sr. Presi-. dente: de harmonia com o Regimento mando para a Mesa a minha moção, que é concebida nos seguintes termos:

Moção

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que não deve alterar-se o sistema estabelecido na Constituição da República de, em caso algum, o Congresso ter atribuições de tribunal de facto ou de direito, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, 28 de Abril de 1920.—Luís de Mesquita Carvalho.

Não está no meu propósito fazer censuras a ninguém e muito menos a um ilustre membro desta casa, por quem tenho muita estima e a mais alta consideração ; mas, parece, salvo melhor juízo, que talvez fossem inconvenientes, na oportunidade apenas, as declarações que aqui ouvimos ao Sr. Queiroz Vaz Guedes.

E eu considero-as inoportunas porque, vindo nesto momento trazer-se à Câmara a revelação de que há membros do Congresso quo presuntivamente estão envolvidos em responsabilidade criminal, S. Ex.a antecipou-se a divulgar, pela sua palavra oral, aquilo de quo a Câmara só poderia ter conhecimento legal e constitucional poios meios que a própria Cons- j titulçíio assegu7'a. 8o assim não fosse, j todo Gsío debate era inútil,, i

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Se a comissão, à qual, mais uma vez, repito, não tenho o intuito de fazer qualquer espécie de censura,, simplesmente discordando do seu proceder, se a respectiva comissão, como lho cumpria e como não podia deixar de o fazer, tivesse procedido relativamente aos membros do Congresso, que julgou, no .seu alto critório, envolvidos em responsabilidade, tivesse tido para com eles o mesmo procedimento que teve para com os outros indivíduos, que igualmente julgo^ incursos em responsabilidades e não como parlamentares, nada haveria a estranhar-lhe.

O seu dever, o seu único dever que lhe estava imposto pelos princípios constitucionais e pela própria lei que a criou, que é a lei de 9 de Dezembro do ano passado, a soa obrigação -única era redigir a noja de culpa e remetê-la ao respectivo juiz de investigação criminal para que este, se encontrasse .condições para a pronúncia, oficiasse para a- Câmara ou para o Senado pedindo autorização para que o processo seguisse. Era este o caminho legal e constitucional.

Desta irregularidade, que não posso nem quero classificar o facto doutro modo, desta irregularidade que se justifica talvez num excessivo melindre, num excessivo escrúpulo por parte da respectiva comissão em se pronunciar acerca dos seus pares, resultou o grave inconveniente, o gravíssimo inconveniente, desta discussão prematura, da qual, qualquer que seja a" resolução tomada pelo Parlamento, sairá, pelo menos, o tremendo inconveniente de se poder dizer desde já e de se poder averiguar mais tarde que se pretendeu exercer, sem que esse fosse o propósito de ninguém, qualquer coacção sobre os tribunais que hão-de austeramente pronunciar-se com o' rigor devido.

Infelizmente, Sr. Presidente, deu-se este lamentável incidente, e eu digo sinceramente a V. Ex.a e à Câmara que não sei, não vejo, qual seja a solução a que possa chegar-se.

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pública, que nessa parte foi tam cautelosa, tam meticulosa, que nem para ps membros do Parlamento, nem para os Ministros e'nem sequer para o Chefe do Estado reconhece ao Congresso o direito de alto tribunal, uma medida para avaliar das suspeitas que caem sobre vários membros do Parlamento.

O Sr. Cunha Liai (interrompendo)'.— V. Ex.a dá-me licença? Parece que das palavras de V. Ex.a se pode depreender uma afirmação, que ó grave, para os indicados pelo Sr. Vaz Guedes.

Parece, como disse, que Oles se querem subtrair à jurisdição dos tribunais ordinários. Não ô isso, foi o contrário.

Pelas palavras do Sr. Vaz Guedes vê -se bem que nem de irrogularidades se trata quanto a mim, e que, por consequência, náo podia ser enviado para os tribunais comuns.

Por consequência o que pedia era que se constituísse um alto tribunal para se averiguar das responsabilidades, a fim de que o caso fique perfeitamente esclarecido.

Não ó fugir.

O Orador: —Eu sou incapaz de pretender colocar mal seja quem for, e muito menos homens que 'estão sentados a meu lado, exercendo o mais alto poder da fie-pública. Não.

O que eu quero, o que desejo para honra desses próprios homens é que não s.e adopte qualquer medida que possa ser interpretada pela opinião pública como um pretexto para se eximirem às respec-' tivas responsabilidades.

É isto que V. Ex.a .deve reconhecer e até agradecer.

Tendo .de ser posto .de parte esse projecto do lei, eu não posso aceitar, nem concordar, com a' doutrina da proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Brito Camacho.

Não posso concordar, e agora .estas minhas palavras são em resposta ao aparte .de V. Ex.a. As declarações do Sr. Vaz Gue.des são de que, pelas investiga-.ções ã que a comissão procedeu, há apenas umas referências vagas e que não dão motivo para esse procedimento.

Se assim ó, eu repito e insisto^em di-_zer que a comissão ij.ão tem que vacilai',

Diário da Câmara dos Deputado»

e que tem de proceder para com eles da mesma forma porque procedeu para com outros, nos termos da lei- de 9 de Dezembro de 1919.

E por isso que não posso concordar com a proposta do Sr. Brito Camacho, porque ela só teria o inconveniente de não permitir que se fizesse juízo completo sobre a questão. Iríamos necessariamente fazer pressão sobre os tribunais, pressão que não podemos, evidentemente, fazer. Ao Parlamento apenas assistem dois direitos, e esses deve ele rejvindicá--los: um o de verificar, quando lhe for pedida a autorização a que se refere o artigo 18.° da Constituição, se o processo deve seguir desde logo e se o julgamento se deve efectuar imediatamente ou deve ser suspenso ato que o arguido deixe de exercer as suas funções parlamentares; o outro o de exigir as responsabilidades de natureza moral e política à comissão su.a representante e delegada quando ela der por findo» o seu mandato, e apresentar o relatório que é obrigada, por lei, a apresentar. Mas até Já...

O Sr. Cunha Liai; — Podem-se dar todas AR navalhadas...

O Orador-:- -V* 'Ex.a pode qaeixar-se de tcdas as aavalhadas que, porventura, lhe pretendam vibrar, mas o .que não pode é justificar um processo que seria a mais tremenda das navalhadas que poderiam ser vibradas não a um homem, mas à própria instituição parlamentar.

Vozes:—Não apoiado l

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de 28 de Abril de 1920

mento dessas responsabilidades, limitando-nos, tam somente, a aguardar que os tribunais respectivos nos solicitem autorização constitucional para então sobre eles nos pronunciarmos.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

É Lida e admitida a moção.

O Sr. Estêvão Pimentel: — Tinha pedido licença a esta Câmara, e estava preparando as minhas cousas para partir para fora por motivo de saúde, quando fui informado de que o meu nome tinha sido citado nesta asseinblea a propósito de negócios escuros sobre os quais recaía a investigação da Comissão de Inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, e apontados na sessão de hoje pelo Sr. Queiroz Vaz Guedes, presidente da referida comissão.

Afirmou S Ex.a, segundo posso depreender das rápidas informações que me foram dadas, que eu tinha pretendido arrancar do então Ministro dos Abastecimentos um despacho favorável a uma certa companhia de moagem.

O Sr. Vaz. Guedes: — Eu não disse arrancar. O que eu disse foi: — «Tendo-lhe S. Ex.a promovido o despacho do Ministro num determinado sentido, e tendo depois solicitado a informação do inspctor da fiscalização sobre o levantamento dos selos».

O Oradpr: — Muito serenamente, porque o caso requore muita serenidade.

Amigos meus preguntaram-me se eu conhecia alguém no Ministério dos Abas-? tecimentos, porquanto esses meus amigos, donos duma fábrica de .moagem, querendo importar uma quantidade de farinha, precisavam que ao seu requerimento fosse dado despacho rápido, favorável ou não, para importarem a farinha ou mandarem o barco embora. Eu disse--Ihes quo conhecia nesse Ministério o chefe do Gabinete do Ministro, Sr. Acrísio Canas Mendes, um antigo condiscípulo. Não tive dúvida alguma em ir junto des-so meu amigo dizer-lho, pouco mais ou menos, o seguinte ;

a Olha lá: jjpodofl conseguir que o Ministro despacho ránlda^omí^, QHI qual-

quer sentido, favorável ou nS0, um requerimento sobre tal cousa?».

Então o Sr. Acrísio Canas Mendes disse-me :

— «Deixa ficar; logo vou-ao Ministro e mostro-lhe o requerimento».

No dia seguinte fui ao Ministério dos Abastecimentos saber o resultado, e o Sr. Acrísio Mendes declarou-me que o Ministro despachara o requerimento.

Por consequência, não me avistei com o Ministro e apenas com o chefe do Gabinete, o que é normal, o que é corrente. O Ministro despachou favoravelmente e os meus amigos começaram a tirar a farinha do barco para a Alfândega. Quatro ou cinco dias depois, a meio da descarga, o Sr. Ministro do Comércio chamou o requerimento outra vez a si e deu o despacho por não feito até nova resolução. Então os meus amigos procuraram-me aflitos e falaram-me nestes termos:

«A nova ordem do Ministro acarreta grave prejuízo para nós, porque nos obriga a pagar as esta.dias, e não é legítimo nem justo que isto se íaça. O que o Ministro pode fazer é permitir que continue a descarga para a Alfândega, ficando a farinha à ordem do. Governo até que se decida qualquer cousa».

Dirigi-me então ao Sr. Ernesto Navarro, Ministro do Comércio, e fui-lhe dizer isso mesmo: que .não era justo sustar a descarga, que acarretava prejuízos enormes e que seria conveniente tirar a farinha toda para a Alfândoga. O Sr. Ernesto Navarro compreendeu a justiça do pedido e consentiu .que a'farinha descarregasse. Passados não sei quantos dias, permitia S. Ex.a que fosse vendida a farinha, ,o que se fez, e a certa altura fez--se a sua apreensão em vista nfto sei de quê.

Vou dizer a V. Ex.a qual a minha intervenção* junto do chefe do fiscalização.

Era precisa a concessão, e fui ter com o meu amigo Canas Mendes.

A farinha, é preciso dizer, foi parte apreendida, parte não, segundojdespacho do Ministro.

Fui podir a osso meu amigo para que na parte que não estava apreendida, fosse rapidamente retirada»

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Sr. António Fonseca, pedir ao Sr. Lima Alves e ao Sr. Sá Cardoso, presidente do Ministério de então, o favor de enviar esse procssso ao tribunal, visto não haver ordem alguma para isso há muito tempo já.

Fiz esse pedido várias vezes. Feito isto, nunca mais soube cousa alguma, senão quando me disseram que o tribunal tinha ordenado que fosse a farinha entregue aos donos. • Aqui está, pois, a minha intervenção.

Estranhável é qu3 o Sr. Queiroz Vaz Guedes que aqui há quinze dias atrás me disse nesta Câmara que eu precisava ser o ávido sobre o caso, e, tendo eu respondido que, estava pronto e me dissesse o dia e Jiora em que havia de ir para dizer o que fosse preciso, S. Ex.a me disse que seria chamado por intermédio da Câmara . . .

O Sr. Queiroz Vaz Guedes: — Disse que esperasse a ocasião oportuna para fazer o seu depoimento, que será reduzido a auto.

o

O Orador:— V. Ex.a disse-me que eu seria lá chamado por intermédio da Cá-, mara dos Deputados . . .

O Sr. Queiroz Vaz Guedes:—Isso é confusão do V. Ex.a Tinha pedido a todos os seus colegas para se dirigirem lá.

O Orador: — Isso não tem importância alguma. O que.é certo é que, tendo o Sr. Vaz Guedes dito que eu havia de ser ouvido sobre o assunto, S. Ex.a veio aqui referir-se a esse caso, sem que, como presidente da comissão me tivesse ouvido, (Apoiados], e sobre acusações que não sei quais sejam, veio aqui fazer insinuações sobre casos acerca dos quais não me ouviu, como era seu dever.

O fár. Queiroz Vaz Guedes: —Eu não vim fazer insinuações. Não pus a ninguém suquer a qualidade de praticar ôsses crimes, .porque então a comissão tinha mandado os acusados para o tribunal.

'V. Ex.a não diga issol

V. Ex.a, tendo-me provocado para que dissesse tudo o que sabia, eu entendi por melhor dizer o que sabia, acrescentando que não estavam, provadas as acusações

Diário da Câmara dos Deputados

que se faziam a membros desta Câmara, acusações que eu tinha a certeza que eram insinuações gratuitas apenas.

Eu creio que a situação de nós todos era muito pior, depois de provocado por V. Ex.as a dizer tudo, não dizendo nada, do que dizer estas cousas, que de resto, não estão provados.

O Orador: — O que não faz sentido, entretanto, é que tendo o dever de me ouvir, V. Ex.a se referisse ao meu nome sem que tivesse averiguado a verdade, sem que me tivesse ouvido, sem que me tivesse posto, até, em confronto com as pessoas que me acusaram. (Apoiados).

Era melhor que V. Ex.a me tivesse ouvido primeiro, em lugar de vir dizer para aqui que havia um Deputado, que era eu, que estava envolvido nos negócios da farinha. /

O Sr.. Cunha Liai:—V. Ex.a dá-me licença ?

Veja a Câmara em/que pode estar ar- c riscada a República. E o caso de eu só por acaso não ter sido Ministro da República, e o Sr. Vaz Guedes que sabia que o seu leader me queria para Ministro j unto de si, S. Ex.a sabendo que havia quaisquer acusações contra mim, deixava que , eu fosse Ministro sem dizer ao seu leader: esse homem não pode entrar para o Ministério porque impendem graves acusações contra ele.

O Sr. Queiroz Vaz Guedes: — É mais uma razão para mostrar que eu não estava convencido de que V. Ex.a estivesse envolvido, menos honestamente, no caso do açúcar, Eu garanto a V. Ex.a que toda a comissão entendia que V. Ex.a não estava culpado no caso, sendo da minha opinião.

Mas V. Ex.as quiseram saber tudo e forçaram-me assim a falar antes de tempo. Era muito melhor que V. Ex.as tivessem esperado pelo relatório, final da comissão, fazendo justiça a todos com os seus atestados do que se passasse o que se está passando.

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O Sr. Queiroz Vaz Guedes: — Foi logo, e mais cedo do que V. Ex.a julga será ouvido sobre o assunto..

O Orador: — Sr. Presidente: concluindo as minhas considerações sobre esta célebre questão das farinhas, eu devo dizer que me vejo envolvido no assunto, se bem que não conhecesse o Ministro de então, pois só tive ocasião de conhecer pessoalmente o Sr. Ernesto Navarro quando fui ao seu gabinete para lhe pedir que não fizesse uma injustiça.

Nunca mais me avistei com S. Ex.?, tendo apenas pedido depois aos Srs. Ministro da Agricultura e Presidente do Ministério para que mandassem o processo para o tribunal, o que devia ter sido no prazo de 24 a 48 horas e foi-o depois de um mês, tendo por fim sido absolvidos.

Foi esta única e exclusivamente a intervenção que tive no assunto e nada mais.

Concluindo, Sr. Presidente, direi que o meu desejo é que a Câmara se arvore em tribunal a fim de que se possam esclarecer estes assuntos para bem do Parlamento e da República. i 0

Vozes:—Muito bem.

O discurso na integra, revisto pelo orador, será publicado quando forem devolvidas, revistas, as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente:—Como ainda estão muitos oradores inscritos sobre o assunto que se debate, vou interromper a sessão por hora e meia, devendo, portanto, recomeçaram os trabalhos as 21 horas e 30 minutos.

Está interrompida a sessão.

Eram 20 horas.

ÀS 22 horas e 10 minutos o Sr. Presidente declara reaberta a sessão.

O Sr. Orlando Marcai: —Foi com justificada estranheza e irreprimível assombro, Sr. Presidente, que vi o m'eu humilde nome i envolvido na extraordinária leviandade j como é esta questão ora trazida à Câmara j pelo Sr. Queiroz Vaz Guedes. [

Sinto e compreendo os intuitos de quem ; pretende aniquilar adversários com a im- j prudência a que lamentavelmente assis- j timos e que prometo castigar implacável- ' mente em todos os campos com a energia ' que me dará o meu orgulho ofendido e !

não- porque considere a minha dignidade apoucada pela investida das torpezas anónimas, mas quero assegurar, com franqueza e verdade, que estimo deveras que os acontecimentos sejam propícios, de molde a serena c seguramente ir de encontro à calúnia, a fim de a desmascarar e estrangular de vez.

. Sendo eu, Sr. Presidente, por temperamento e convicção um espírito combativo, dissecando tudo quanto possa afectar a moral republicana, que deve ser límpida e desembaciada, não perdoando faltas ou incorrecções a quem assume as tremendas responsabilidades de orientar e fiscalizar a boa marcha dos negócios públicos, conseqúentemente não admito, seja a quem for, .mal intencionado ou leviano, mentecapto ou malsinador, confusões com a minha personalidade.

Sr. Presidente: há talvez quinze dias fui procurado nesta sala pelo Sr. Vaz Guedes, que sempre pareceu ter demonstrado por mini e pelas minhas debilitadas qualidades intelectuais um carinho afectivo, que espontaneamente me informou ter chegado à comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos qualquer cousa a meu respeito que ele próprio classificou de leves insinuações, e como eu, legítima e naturalmente me alvoroçasse em protesto, prometendo desde logo relegar a provável infâmia ao campo onde pudesse decisivamente ser julgiida, o mesmo Sr. Vaz Guedes, entre sorridente e cheio de confiança me tranquilizou, garantindo-mo que nada havia que pudesse macular a minha dignidade impoluta.

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mim feitos nesfa casa e onde, na verdade, se notava, como révanche, a insídia velada de quem não tendo coragem para abertamente atestar factos, miseravelmente se encobre na sombra enodoada da presum-çâo.

Desprezei a imbecilidade, mas reflecti desde logo que assim como a pedrada do «gavroche» de esquina que, para conseguir a impunidade, se escoa pela viela ao alcance de seus pressurosos passos, serve (lê gáudio às multidões mal-educadas, também a presente insinuação, apesar de partir dum inimigo confesso e ser classificada de impotente e sem valor, poderia ser aproveitada pelos lacraus venenosos que infelizmente se nos deparam na áspera trajectória da vida política para um en-, rêdo próprio a macular as .melhores intenções.

Depois do exame, avaliando do alto da minha serenidade, da minha experiência jurídica, do meu próprio interesse, a investida grotesca do justiçado delegado dos abastecimentos do norte, achei lógica e razoável a conclusão do Sr. Vaz Quedes, que atentamente me está ouvindo, de que se tratava apenas duma insinuação tam cfébil que não merecia sequer um reparo, visto que nada se demonstrava de positivo e de concreto, a não ser o esvur-mar da baba incolor do batráquio que jamais pode atingir ou salpicar.

Ora, é necessário, Sr. Presidente, fazer um relato minucioso do que comigo se deu, retrogradar um pouco na minha existência política, para que a Câmara que com profundo recolhimento me está ouvindo, consideração esta que jamais se varrerá da miníia memória, viva e comovidamente agradecida, para se reconhecer donde e do quem parte essa covarde arremetida, sobre a qual, segundo se diz, tem girado uma torva campanha que há tempos se vem arrastando, com torpeza e abjecção, pelos sujos meandros de bo tequim de má nota, ondo os rufias das honras impolutas bolsam dichotes soezes e esfaqueiam caracteres e pelas esquinas enodoadas onde os sem profissão, capazes das mais criminosas aventuras, urdom a teia em que pretendem envolver energias indomáveis.

Inúmeros e galhardos camaradas, aí-mas cristalinas e puros corações, apreciando as minhas paupérrimas qualidades

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através o cadinho inflamado da sua infinita generosidade, e avantajando benevolamente os meus humílimos esforços pelo engrandecimento do ideal republicano, tiveram a carinhosa lembrança de propor a minha candidatura pelo círculo 'que apa-gadamente aqui represento. (Não apoiados).

Disputava essa eleição o Sr. Dr. Brito Guimarães, nessa altura Ministro da República, que foi estrondosamente derrotado, tam somente porque o eleitorado me preferiu, apesar, do aludido ex-Minis-tro ter como porta-estendarte da sua candidatura Ranuiro Bastos Mourão, já delegado dos abastecimentos em todo o norte, e que segundo se afirmou pública e notó-rtamente, a ponto de.ser vascolejado pela imprensa, andara por toda a .parte implorando votos sobre a promessa da prodigalidade dos géneros a seu cargo e ameaçando as entidades, que com nobreza lhos recusavam, de não abastecer as popula:

A ante-sonhada espectativa do mencionado delegado das subsistências, que julgava tripudiar em*terreno conquistado, levava-o a afoutamente garantir ao Sr. Dr. Brito Guimarães e ao Governo a vitória certa, na antecipada certeza de pagar assim ao desvelado protector a dourada benesse que a piedade rescendente da sua alma generosa lho havia ofertado.

Porém os fados foram-lhe intensamente cruéis e ficou aniquilado perante a batalha que ingloriosamente travou com os pioneiros ,da minha eleição, espirítos brilhantes, mocidades floridas e bizarras, dos que com mais grandeza, honra e heroicidade se têm batido pelas sagradas e sangrentas* causas da liberdade, na defesa desta República estremecida, à qual têm dado o melhor do seu afecto, do seu sacrifício, do seu entusiasmo sempre cantante e sempre fresco.

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como se os povos estivessem ainda sujeitos à escravidão de eras passadas ou pudessem porventura tolerar o arreganho de quem, sendo serviçal, lhes regateava os géneros como se de esmola se tratasse. . •

Tamanho vulto atingiu o caso, que se decidiu encarregai um sindicante para avaliar da verdade e da justiça das reclamações. A comissão parlamentar de inquérito, sem a mínima intervenção da minha pessoa, escolheu para esse encargo o Sr. capitão de artilharia José Alíredo de Paula, militar brioso, arrojado e valente, dos mais ardentes e destemidos defensores do ideal republicano, espírito culto e correcto, (ie consciência nobre e límpida, carácter inquebrantável e impoluto que plenas garantias dava de imparcialidade na apreciação dos factos alegados.

Mas porque coincidia ser esse honrado oficial meu dedicado amigo pessoals porque,, muito estimo as suas belas qualidades, tive a surpresa de, uns dias após ser abordado, nos Passos Perdidos, por alguém das minhas relações do Porto, que vindo na companhia de Ramiro Mourão, de quem nessa altura se afastou, me procurou convencer da necessidade de evitar a ida do sindicante, habilidosa e hipocritamente insuflando a ameaça de que, no caso contrário, lançariam a publico alguma cousa que mal colocaria o sindicante e a mim considerado seu protector.

Repeli com energia e desassombro a° melífluâ investida do procurador de via reduzida e reptei-o a que esclarecesse ali mesmo as suas palavras afrontosas, para as quais nesse momento tanto desejei testemunhas, garantindo-lhe que nada tivera com a nomeação do sindicante, o que ora absolutamente verdadeiro, mas que daí em diante, atendendo à obra cobarde que andavam urdindo na sombra, não me .arrecearia em toda a parte defender a sua indicação e exigir que imediatamente procedesse à sindicância.

Nessa tarde, pelos corredores da Câmara, os vários sequazes do delegado dos abastecimentos do rtorto,, pretender;)™ criar uma atmosfera prejudicial ao referido e honesto capitão PauL-i, até junto dos membros da comissão do inquérito, (pie tantas aíencOes Hieb deram, iniciando o ataque eoni onzenicos o atropelos, pró-

clamando-o inimigo de Ramiro Mourão, e liquidando, como argumento decisivo, que este, pela sua categoria, não se conformava em ser sindicado pelo mencionado e nobre oficial a quem apelidavam de incompetente.

A guisa de aparte direi, Sr. Presidente, que o capitão Paula ó na verdade incapaz de enferretar a sua farda o os seus galões, atendendo a pedidos que revistam improbidades, incompetente para abafar escândalos que devam vir à. supuração para um castigo severo'e nestas condições não serve àqueles que .têm andado como escalracho daninho da sociedade portuguesa sugando a seiva das energias criadoras para se engrandecerem.

Mas volvendo ao assunto e reatando o fio da exposição.

Retiraram os apregoadores da moralidade, sem levarem a certeza de terem inutilizado a sindicância, e não tardou a aparecer no seio da comissão de inquérito a já referida nota do delegado dos abastecimentos, Ramiro Mourão, que em síntese, entre outras cousas de importância mínima, diz que eu indicara para inquirir de seus actos considerados menos corre-tos uma individualidade acusada de parcial, com o fim exclusivo de ir /regularizar um determinado assunto do subsistên-cias e que pelas estreitas relações de amizade entre nós tudo poderia levar à sus-peição de que eu, igualmente teria interesse íntimo e directo no respectivo caso que só tinha existência no cérebro embaciado do funcionário cheio de pavor.

Era a resposta aos meus discursos de combate nesta Câmara, acerca do não cumprimento dos seus deveres e ainda a premeditada vingança ao infundado patrocínio que se me imputava.

^Mas há nessa aludida nota, ou em qualquer peça existente na comissão de inquérito, algum facto concreto apontado, qualquer afirmação que possa porventura menoscabar a minha dignidade?

£ Existe algum elemento de prova que conduza o espírito de alguCm a concluir

i que ou deva ser tornado responsável?

j ; Apareceu por acaso o mínimo indício de me haver imiscuído em actos indecorosos pelos quais possa ser taxado do cul-

Ipado?

i Ningnfan o notou o assim nào eoneebo

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e leviana referência aqui feita ao rnea nome, quando é certo que o próprio Sr. Vaz Guedes não há muito, sorridente e" confiado, parecendo ter espelhada na fisionomia uma onda de satisfação e no olhar uma sincera simpatia, me afirmava num gesto cordial, que socegasse pois essa insinuação era inteiramente despida de valor.

Ora, Sr. Presidente, a referida nota vem acompanhada de duas cartas dactilografadas, com a assinatura de dois industriais portuenses, adredes a patentear a honestidade de Ramiro Mourão, e que mais parecem ser da sua autoria, visto deixarem transparecer em suas linhas gerais, aquelas vagas, imprecisas e indeterminadas considerações a que me referi já, que atabalhoadamente emaranham na intenção de deixarem ao espírito dos le-dores interpretações variadas, sem res-ponsabilidades de afirmativas, mas que se podem deduzir, se de má fé forem apreciadas, onde se faz referência talvez com propósitos reservados à minha intervenção como advogado num assunto jurídico que ó digno de esclarecimento.

Tenho de continuar a ser minacioso, embora seja enfadonho para V. Ex.as e muito pese a mim próprio.

Há oito meses aproximadamente foi-me pedida a cooperação de homem de leis para um determinado caso profissional, que aceitei após a cuidadosa análise e consciente estudo das'normas legais que o regulavam e me não deixaram dúvidas de espécie alguma das razões e dos direitos qiíe cabiam aos meus constituintes, que na verdade eram iniludíveis e completos.

Ora, antes de mais nada, devo declarar com rasgada afoiteza, que é somente pela alta- e significativa consideração que pela Câmara nutro que explico este ponto, não admitindo sequer aos levianos autores de confusões demonstrativas de má intenção que interfiram nos casos em que profissionalmente intervenho desde o momento em que não ligue, como aliás -sucedeu, o meu nome de político ao alevan-tado e independente mester de advogado sem peias nem embaraços.

A nossa missão de juristas é a defesa dos interesses sagrados dos constituintes e não conheço, nem prevejo qualquer incompatibilidade entre a actual situação de

político e a profissão de advogado, nem pessoa alguma a sentiu nos anais parlamentares, sabendo-se que altas figuras que aqui tiveram assento e outras que ainda o têm, simultaneamente as exerceram e exercem, sem reparos inoportunos e impertinentes- dos acanhados de inteligência.

Agora se me servisse da minha influência de Deputado para alcançar a mercê ou favor, contrariando a lei num assunto forense que aos meus cuidados fosse entregue, então conçebia-se e justificava-se a estranheza e até o relego às respqnsa-bilidades inerentes.

Porém tal não sucedeu, como vão apreciar, não por palavras minhas, mas pela palavra, clara e honrada, dum dos interessados, fi quem me dirigi após o aviso, que reputei cordial do Sr. Vaz Guedes, a que já aludi, e que se apressou a responder--mo em carta registada, cujas passagens elucidativas vou ler à Câmara:

«Mirandela, 20 de Abril.— Pede-me que lhe faça a história do malfadado assunto em que me meti com negociantes do Porto. Creio não me ter ainda esquecido do que se passou, o que aliás é'na-lurai, ern face dos prejuízos que tive.

«Eu, Carlos Pereira e João de Oliveira, réfinaclores de açúcar, adquirimos na Companhia Agrícola do Cazengo género da marca C. A. C. que vinha em trânsito de Loanda para Lisboa pelo vapor Zaire.

«Era esta compra feita pelos refinado-res em harmonia com a lei quo regulava o comércio dos açúcares, mas chegado este a essa cidade e como na repartição não houvesse conhecimento da compra, estava para ser rateado pelos manuais daí, quando avisados nos entendemos com várias entidades.

«Era necessário requerer circunstanciadamente, fundamentar a reclamação à face da lei, e assim tive de procurar um advogado que me tratasse do assunto.

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Com esse deferimento era autorizada a transferência da Alfândega de Lisboa para a do Porto do açúcar a que venho aludindo e sem efeito o rateio do mesmo.

aNo Porto o delegado dos abastecimentos do norte levantou dificuldades que sempre classifiquei do ilegais e fui a Lisboa munir-me de documentos precisos para provar o direito que nos assistia. Regressei com ôsses documentos, mas o mesmo delegado criou novos obstáculos. Voltei a Lisboa e novamente destruí esses obstáculos. Destas vezes não estava o doutor nessa cidade, e se a memória me não atraiçoa tinha vindo ao norte defender um seu constituinte.

«Removidos esses obstáculos apresentei-me no Porto com os documentos, mas caímos das nuvens porque o Sr. Delegado ainda se não conformou. Tinha-se movido intriga. Resolvemos ir a Lisboa falar com o Sr. Ministro. Julguei que o doutor ainda estivesse no norte, mas quando chegávamos às arcadas do Ministério vi o doutor acompanhado do Sr. Manuel Alves Pinto, de Avintes. e do capitão Paula.

«Expus-lhe a situação, pedindo-lhe a interferência no assunto mais uma vez como advogado. O doutor respondeu que, tendo de ir ao gabinete do Ministro tratar de assuntos da junta da freguesia, representada ali pelo Sr. Alves Pinto, lá s.e informava do que se passava. Fomos e entrámos no gabinete do Sr. Ministro. O doutor primeiramente expôs o assunto do Avintes e depois o nosso.

Com espanto meu e seu, S. Ex.a o Ministro referiu-se- com descontentamento a um misterioso banquete que os interessados tinham realizado, banquete em que bebemos à saúde dele Ministro pelo despacho dado. Repudiei, como ainda hoje repudio, tam grande- intriga, e recordo-me perfeitamente do que se passou comigo. O doutor; com aquela altivez que sempre lhe reconheci, com aquele carácter nobre e alevantado de que é dotado, voltou-se para o Sr. Ministro e disse: «que estava ali somente como advogado, mas que se desinteressava pelo assunto, deixando de o ser, tal qual lho apresentavam».

Ouviu a Câmara atentamente a leitura da carta do Correia de Almeida, que reproduz com precisão o que se passou, observando nitidamente que intervim num caso perfeitamente legal, que obteve um

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despacho de deferimento à sombra da legislação aplicável, sem favor de espécie alguma, e que se não foi mantido foi tam somente devido ao melindre do respectivo Ministro, que eu próprio reconheci, respeitei e com ele solidarizei, afastando-mé dali com a declaração, expressa de que relegava de vez o assunto, apesar de ainda hoje ter a convicção de que o despacho era o único verdadeiro em conformidade com o estatuto jurídico que o regulava e que por consequência não ofendia direitos -nem interesses de terceiro ou do próprio Estado.

Todos notaram qual a minha intervenção clara o nítida em semelhante caso, limitando-me a redigir um requerimento, que não subscrevi, pois que era assinado pelos interessados, que o apresentaram ao Sr. Ministro, sem que porventura eu, em qualquer momento, a ele me dirigisse, usando da minha provável influência política para o alcance do objectivo que dizia respeito aos meus constituintes.

Eu quero, portanto, preguntar aos homens honrados do meu país, a quem o facciosismo da seita naô obseca os sentidos nem 'empana as virtudes, como dum tam simples, claro e explícito assunto, que nada tem de ver com a comissão de inquérito nem com o Parlamento, se faz tábua rasa para se confundirem evidentes intuitos ?

E também desejo verberar o procedimento de quem se avantajou ousadamente a fazer referências em absoluto gratuitas sem ouvir, como lhe competia, para esclarecimento perfeito, antes de emitir opinião errónea, o Sr. Lima Alves, ex-Ministro da Agricultura,1 que é a honra personificada, carácter de português de lei, verdadeiro e intransigente no cumprimento dos seus deveres cívicos e nada ocultaria para bem da justiça e do direito, nesta hora arrastados pelo lodaçal da miséria mais aviltante.

Viram, pois, V. Ex.as a que se resumiu a minha intervenção no assunto -e como ela foi desvirtuada a ponto de causar riso pela infantilidade da urdidura, se não fosse digna da maior repulsa, visto tor-se pretendido confundir em caso de moralidade.

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Eu repeliria indignadamente o patrocínio de qualquer cousa que poderia redundar em acto indecoroso. Sei o-que devo a mina próprio, ao meu passado de lutas perigosas,.mas de honestidade estóica, ks minhas afirmações de puritanismo, ao meu futuro.

Prezo em demasia a minha profissão para não resvalar na mercancia, e só in-tervenho por meio dela quando a lei haja de ser cumprida com nobreza.'

Doutro modo, eu, paladino de todas as justiças agravadas, defensor tle todos os direitos menosprezados, sentir-me-ia apoucado na minha intransigência de princípios que jamais debilitei e que sempre tenho elevado no escudo das minhas convicções sinceras, porque são imensamente honradas. (Muitos apoiados).

O Sr. Cunha Liai:—As pessoas que tam levianamente salpicam a honra alheia continuam a ser correligionários de homens que, sendo directores do companhias e Ministros, aumentaram as tarifas. . .

O Sr. Mariano Martins: — Quando se faz uma aui mação dessas não se íaz por uma forma vaga, diz-s e claramente quem é!

O Sr. Cunha Liai: — eu diga?

ÍLx.a quere que

O Sr. Mariano Martins : — Diga, diga.

O Sr. Cunha Liai : — É o Sr. Ministro do Comércio, que aumentou as tarifas do Caminho de Ferro Sintra-Oeeano.

O Sr. Mariano Martins : — É uma acusação í

O Orador : — Sr. Presidente: o meu admirado camarada Cunha Liai foi, como sempre, eloquente. Estamos na verdade assistindo ao desencadear duma temerosa e absorvente onda de lama que lá fora é amassada por mãos criminosas e alimentada por peitos vis e cujo reflexo, por. leviandade que é mester repelir energicamente, veio até este ambiente; sem se atender a que ela não nos atinge porque a justiça dos homens de honra se há-de impor, mas que fatalmente há-de servir para aviltar o regime, quando as línguas viperinas dos adversários sem pejo e com maldade

Diário da Câmara dos Deputados

a aproveitarem para insidiosos e traiçoeiros fins políticos. (Apoiados*).

Sr. Presidente: os homens públicos devem ser, para a vitória plena doa destinos desta terra estremecida, estruturalmente bons, ponderados e correctos, armados daquelas límpidas virtudes que caracterizaram nossos próceres em remotas épocas, na perfeita administração da justiça e nos liais combates pela verdade. (Apoiados).

Por mais que a paixão ruim perfure os corações mesquinhos, por maior cegueira que empane os olhos onde vibram a inveja e o ódio e.onde somente deve flambar a mais pura claridade, êssos homens devem procurar arrepiar caminho, conseguir moldar seus ímpetos destruidores, atingindo a clareira da seriedade, para que estas débacles desastrosas se não repitam para vergonha eterna duma raça.

Lançou o Sr. Vaz Gruedes o meu nome a esmo sem que pessoa alguma conseguisse apreender os motivos da referência de que eu voluntariamente preveni a Câmara, iii' certo que o não cobriu de acusações, nem demonstrou que eu tivesse praticado um acto menos correcto, mas tanto bastará para que amanhã, por esse país fora, essa aluvião miserável de impenitentes adversários gozem as delícias dum apetecido escândalo.

Como todos os lutadores que jamais voltaram a face aos perigos e às más intenções e que serenamente atravessam a esplanada luzida da verdade, eu tenho criado em minha volta, em lugares onde tenho evangelizado a pura doutrina democrática, inclusive na minha própria terra, más vontades que não se apagam facilmente.

Estou a ver, neste momento, o riso de triunfo, ainda que efémero, desses constipados de inteligência para quem sempre foi o meu mais profundo despreso, e erguerem-se grasnidos de contentamento com esgares de idiotia, estafando-se a bolsar imbecilidades pelos soalheiros da má língua, como só porventura, pobres .e desgraçados, a minha dignidade fosse irmã da que possuem para se considerar arroxeada pela crápula.

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tolos, porque andam com a justiça e esfa jamais empalideceu perante as torpezas dos tartufos.

Os meus passos continuarão a ser decisivos na vasta planície da vida, apesar cfos embaraços que tentem impedi-los, e por mais atropelos e vaias que as almas pequeninas semeiem em meu redor imperturbavelmente seguirei até a meta onde o meu espírito sonhou descobrir a perfeição.

Tenho tenacidade, sinto em mim energias criadoras que não é fácil, domarem, a minha consciência está tranquila e nenhum reBate agourento a desalenta, palpita-me no coração uma clara mocidade e não serão as vozes desordenadas ou os gestos siamescos dos pobres de espírito que me farão volver a fronte para dar atenção às suas investidas de pigmeus.

Não, nem todos são dignos do nosso, reparo, porque a nossa repulsa por eles deve ser absoluta. (Apoiados}.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Vaz Guedes, será, como já disse, o primeire a reconhecer e por consequência a penitenciar-se do tremendo erro cometido. Ou não leu com a devida atenção o que capciosamente se escreveu a meu respeito e foi enviado à comia são ou dou-lhe variada interpretação, do contrário notaria à evidência a ínanidade dos imprecisos termos do memorandum que, aliás, já classificou de insinuações sem valor.

Efectivamente, se em qualquer tribunal fosse presente semelhante arguição, muito mal colocado ficaria quem a aduzisse sem a revestir de elementos concludentes de prova. A já referida nota é acompanhada de duas cartas dos também já mencionados refinadores que somente alegam que tendo-me encarregado "da defesa dos seus direitos, a uma certa altura, quando dos explicados melindres do Ministro, Sr. Lima Alves, me desinteressei em absoluto da sua causa, abandonando-os p'or completo.

os, por hipótese, que o deai-dos meus eo&iàtiíiiiiiitos rovosíia à í

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face da lei, matéria incriminável. era o dever da comissão de inquérito, cujo por ta-voz ó o Sr. Vaz Guedes? Em minha humilde opinião, visto que não tinha sido alcançado e, nessas condições, o delito não se praticara, transformando-se, portanto, em tentativa, era averiguar se eu demonstrara a intenção de cooperar na fraude, se a houvesse, mas só haveria, nesse caso, o direito de se declinarem responsabilidades quando o corpo de delito estivesse organizado e lavrado o último termo de pronúncia.

Agora, antes do caso esclarecido, ante» mesmo cie se ouvir o acusado e as testemunhas essenciais, é na verdade assaz fora de propósito e das normas e praxes em direito conhecidas, colidindo até com os princípios da correcção que se devem manter entre pessoas da mesma categoria social e política.

Vejam os ilustres Deputados com que facilidade se confundem e complicam os casos mais simples e insignificantes, emaranhando, neles nomes de criaturas que souberam sempre distinguir a virtude do mal, tentando envolvê-los numa abjecta atmosfera de suspeição que, para honra nossa, felizmente, há-de ser completa-mente desfeita na hora própria e noutro campo de acção que não é o presente.

Ah! Sr. Presidente, é neste momento e nesta noite que proclamo caliginosa para a consciência daqueles que pretendem liquidar dôsse modo adversários, que eu, do alto do meu orgulho, num grito que é uma. rajada de verdade, onde se espelham nitidamente a altivez e o dever, lanço o desafio sincero, s"eja & quem for, aos inimigos mais preversos, àqueles que pretendem tolher-we os passosf a quo não tergiversem e a que me provem em qual- . quer tribunal da opinião pública que recebi a mais insignificante benesse a troco de favores políticos ou que com menos dignidade prestasse os meus esforços de advogado, mester que tenho exercido snmpre legítima, nobre e honradamente. (Muitos apoiados),

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Há muitos anos que ando empenhado numa luta de esforço e de sacrifício por via deàpa condição, que como estudante não consegui abafar ou amortecer a minha qualidade de republicano, impoudo--me à afectividade de condiscípulos e à consideração de professores, e transitando para a vida prática, mais cheia de res-ponsabilidades, -ainda me não fez transviar do caminho do dever (Apoiados).

Filho de gonto humilde, formando-me muito uovo, há dez anos levo a minha assistência a vários tribunais do meu país, tendo ganho quantiosas somas que em grande parte à política tenho dado ou que ela me tem subvertido. Desta nada mais quero alôm do que for legítimo, mas não pOsso permitir que por via dela seja a quem for, modesto ou graduado, se pretenda magoar a minha susceptibilidade, malsinar as minhas intenções ou menospresar as minhas virtudes, porque, nesse caso, em todos os lugares me hei--de desafrontar, embora tenha de contundir, esfarrapar, agindo com as violências da leoa atacada no fojo em doíesa da prole ameaçada.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — É natural a revolta que me invade o íntimo, não compreendendo demais o intuito desta imprevidência que a originou. Se -por um lado a aprecio como. um produto de inconsciência, de perturbação momentânea de sentidos, há instantes que a considero como o resultado de maldade, porque o meu raciocínio não atinge nitidamente a sua explicação.

Por mais exíguas e embaciadas que sejam as faculdades intelectuais de qualquer pessoa, por mais d.ébil que seja a sua argúcia, por maior que seja a sua ignorância em matéria jurídica não se justifica facilmente que se apregoe a existência de matéria incriminável quando ela não resulte à face dos elementos de prova que os autos devem fornecer. (Apoiados).

Cônscio dos meus deveres cívicos, Sr. Presidente, das minhas obrigações de político, com pesadas responsabilidades duma persistente evangelização de doutrinas puritanas, era cujos limites não cabia a mais leve falia, não admitindo qualquer justificação para os arredios do caminho do ca- '

Diário da Câmara dos Deputados

valheirismo, eu não procuro concitar misericórdia ou piedade do Parlamento, ou dos homens honestos que, porventura, lá fora, sintam os ecos desta revoada de protesto inflamado que ó bem a expressão máxima da minha sinceridade, mixto de mágoa e de arrebatamento que me hão-de mover para a desforra.

Não! não procuro isso, porque prescindo da generosidade de quem quer, visto os meus actos não terem desmentido nunca as minhas palavras claras, na plena certeza de que a minha consciência pode estar tranquila, porque o meu nome há-de continuar limpo. (Apoiados).

Se aparecerem provas cabais de faltas cometidas, se houver delitos, eu assumirei inteiramente as responsabilidades que deles me advierem.

E cabe agora, no âmbito desta exposição declarar >que não concordo com a . proposta apresentada por uni ilustre colega para que o Parlamento se transforme e funcione como supremo tribunal de honra.

Homem de leis, cidadão cioso dos direitos que lhe são inerentes, mas repudiando disparidades como jurista impenitente, eu sou dos quo mais tenazmente combatem excepções e privilégios. Se me antecipei a esto sucinto relato de factos e à sua análise e explicação, foi tam somente para que se não pudesse inferir, neste país onde o bando dos malidccentes tripudia e conturba, do meu silêncio a confissão para eles tácita dessas, aliás, vagas e imprecisas insinuações já classificadas e pela especial deferência que nutro pelos que têm assento nesta Câmara, inteiramente credores destas notas elucidativas.

Provindo do povo, haste débil desse tronco sagrado donde despontam as con coes da vitalidade duma raça que semdi-pre e heroicamente se nobilitou, abjuro os preconceitos e privilégios que caracterizam as castas. Como os mais obscuros aldeãos da_ minha região, aclimatados à medida natural da iguíildade em direitos

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urge justiçar, com energia e decisão, os : que pretenderam enegrecer a honestidade j de quem, desde o berço, através do calor dos beijos maternos e dos proverbiais ensinamentos de seu pai, modesto mas probo, se acostumou, aos ditames da honra e do pundonor. (Apoiados}.

Porém, se a hora da satisfação não soar, se por via desta imprudência prosseguir a campanha deletéria através do silêncio de quem a originou, se me convencer de que querem tripudiar sobre a minha insuficiência física, ainda sinto que o braço não amortecerá para afastar do vez, embora por um gesto violento, quem não soube respeitar melindres e carácter.

Sr. Presidente : a justiça é clara e imutável e à sua sombra me acolho com garantia. Aguardo com serenidade e confiança a sua palavra de desagravo, ou então surgirá a sombra trágica da vindita e de castigo que poderá levar à escura cela penitenciária, é çerlo, mas determinará o movimento próprio dum homem que altivamente arreda da sua honra o escarro ultrajante e vil.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado por todos os lados da Câmara.

O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente : tinha ontem submetido h Câmara um pedido de dez dias de licença para tratar de negócios particulares, que me fora satisfeito, quando hoje fui surpreendido na casa do jornal que estou organizando, pela notícia de. que o parlamentar, meu correligionário, Sr. Queiroz Vaz Guedes, presidente da comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos, tinha afirmado nesta Câmara que eu era um criminoso.

Estranho? e formidáveis crimes deviam ser e iniludíveis as suas provas, para que um homem, que era meu 'correligionário o mou amigo, atirasse o mor. nome para ' o campo das especulações políticas (Míd-iou apoiados), dando pasto a todus as

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.campanhas com que só vem pretendendo criminosamente atacar a honra da República e o prestígio do Parlamento. (Muitos apoiado.s).

O Sr. Cunha Liai: — É o caso de repetir aquela frase já pronunciada neste Parlamento, «de que muito pouco presa a honra própria quem tam levianamente trata da honra alheia».

O Orador: — E eu, que tinha pedido trinta dias de licença, aqui estou, pondo de parte os meus negócios particulares, pondo de parte o meu jornal, pondo de parte, emfim, aquilo que reputo mais caro para o meu futuro e para as minhas legítimas ambições.

Aqui estou com absoluta serenidade e tam absoluta que venho pedir a V. Ex.a para convidar o Sr. Queiroz Vaz Guedes a repetir uma por uma todas as palavras que, na sessão da tarde, pronunciou a meu respeito e a declarar em que qualidade as pronunciou: se como presidente da comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, ou apenas com a sua responsabilidade individual de parlamentar.

Não, Sr. Presidente, não» há-de ser impunemente que quem quere que seja (Muitos apoiados) venha a esta Câmara fazer afirmações da gravidade daquelas .que me disseram ter sido pronunciadas, sem qualquer documentação ou prova, pelo Sr. Vaz Guedes. (Apoiados).

Sr. Presidente: há dias o Sr. Queiroz Vaz Guedes, presidente da comissão parlamentar de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos que tem, como todos sabem, funções latas e secretas de Juízo de Investigação, disse-me que no inquérito a que essa comissão estava procedendo se me faziam referências, e ontem novamente me falou para mo dizer que essa acusação me tinha sido feita pelo Sr. Ernesto Navarro, antigo Ministro, que, acusado de qualquer ilegalidade, em vez de se defender, se deu a fazer acusações.

Hoje fizeram-se aqui afirmações que directamente mo dizem respeito e que eu não ouvi por não estar presente»

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Diário da Câmara do$ Deputado*

O Sr. Queiroz Vaz Guedes: — Não era

necessária a iatimativá formal do Sr. Nuno Simões para que eu repetisse uma por uma as palavras que na sessão da tarde pronunciei sobre o assunto, porque — fiqire-o S. Ex.a sabendo — eu preso tanto a dignidade alheia como a minha própria. O convite, porém, em forma de ameaça, não o aceito.

S. Ex.a fez bem em dizer que eu lhe afirmara haver referências à sua pessoa; disse a verdade/

Não se trata duma questão trazida por mim ao Parlamento. Ainda ontem pedi a alguôm que iôsse à comissão de inquérito antes de me convidar a fazer declarações do que lá houvesse e se apreciasse bem a oportunidade das minhas declarações.

O Sr. Júlio Martins (interrompendo): — Naturalmente, S. Ex.a quere fazer referência a uma conversa' particular, à qual não aludi quando esta tarde usei da palavra.

Tendo-se feito a afirmação de que havia Deputados envolvidos nos escândalos da moagem, eu disse a S. Ex.a qne tinha de levantar a. questão no Parlamento'para não recaírem suspeições vagas sobre os seus membros.

Convidou-me então S. Ex.a a ir juntamente com o Sr. Cunha Liai ao Ministério dos Abastecimentos, a, fim de se examinar o processo e verificar se, por.ven tura, havia gravidade de tal natureza qua aconselhasse a necessidade de se pedir a constituição dum alto tribunal.

Eespondi a S. Ex.a que não ia a essa comissão, e acrescentei que, desde que S. Ex,a tinha trazido a questão ao Parlamento, S. Ex.a é que a havia «de defender.

Eu é que não queria averiguar particularmente da interferência de membros do Parlamento em qualquer negócio da moagem ou outro para porventura se não tirarem ilações diversas.

Estivesse lá quem estivesse, estivesse lá meu pai, de quem bastante, saudade tenho por ter sido sempre um homem honrado e honesto, e qae me ensinou os princípios da sua honestidade e' da sua, honradez.

A comissão, que tinha funções de julgar, que fizesse cair sobre .os culpados a sanção penal. S. Ex.% desde

a suspeição sobre membros do Parlamento, tinha o imprescindível dever de trazer aqui provas completas.

Estamos ato hoje nestas circunstâncias; é que se esta questão não fosse levantada como foi, sobre o Parlamento da Repúr blica caíam gravíssimas suspeitas, visto que havia uma comissão de inquérito que não procedia à.acareação dos acusados e que não tinha a coragem de vir ao Parlamento trazer as provas acusatórias dos culpados.

Á responsabilidade aos Deputados incriminados há-de ser .exigida, sejam eles quem forem.

O Orador: — Por consequência não fui eu quem trouxe a questão ao Parlamento.

Quanto à afirmação feita pelo Sr. Júlio Martins do que a comissão de inquérito não procedo à acareação dos Deputados,* é menos verdadeira. Se S. Ex.a quere ser o juiz da oportunidade, dê mandado de despejo à comissão.

O Sr. Júlio Martins : — Mas entSo não viesse lançar suspeitas sobre 'os membros do Parlamento.

O Orador: — V. Ex.a está fora de toda a verdade.

Interrupções do Sr. Júlio Martins.

^V. Ex.K quere í&lar em meu lugar? Fale; eu £edó-lho, Fale V, Ex.a, que parece querer ser dono do Parlamento para mandar. Mandei Assim parece.

o

O Sr. Júlio Martins: —V. Ex.a é que me autorizou a interrompê-lo. Não quero ordens de V. Ex.a nem de ninguém.

O Orador: — Nós todos temos iguais direitos. Agora sou eu que falo. (Apoiados). V..Ex.a ouve a e eu con-tinuo.

Repito, sou eu quem fala.

O Sr. Presidente: — Peço a V. Ex.a se dirija à presidência para evitar interrupções.

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Mas o parágrafo da lei determinava .que assim se fizesse, e. . . Interrupções f apartes.

O Sr. Presidente: --Peço a V. Ex.a

se não dirija aos Srs. Deputados para evitar interrupções.

O Orador : — Se V. Ex.a dá licença eu continuo.

Novas interrupções.

O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Deputado o favor de não continuar as suas considerações sem que os Sra. Deputados ocupem os seus lugares. (Apoiados).

Peço deixam íalar o orador ao iiale-rfisse de todos nós.

Tenha V. Ex.a a bondade de continuar.

O Orador: — Estava dizendo que tinha dito ao Sr. N«ao Simões que havia de ser chamado à comissão de inquérito para ,depor. Mas eu quero fazer a declaração categórica: Nunca aqui eu representei nem represento nenhuma acusação pessoal. Estou absolutamente fora de qualquer discussão pessoal. (Apoiados).

: — Muito bem.

O Orador : — Porei uma questão pessoal como aquela que pode competir a um juiz que julgue um processo com a autoridade ..com que intervém nele.

Convidado a fazer declarações acerca vdo ,que havia que pudesse, conspurcar não direi, mas simplesmente ferir alguns Srs. Deputados, eu hoje declarei tudo, s fi-lo .como republicano, porque entendo que assim não se pode acrescentar mais .nada. JE o que eu disse aqui disse-o na minha qualidade de presidente .da comissão parlamentar de inquérito, delegada desta Câmara, à qual expus .com a devi-ílá Q natural reserva que os factos me impunham, aquilo que se passava.

Eu encontrei ontem à noite o Sr. Nuno Simões, a quem declarei que. bem contra meu desejo, teria naturalmente de ouvir as declarações de S. Ex.a relativamente a um caso sobro guo recaíam as investigações da referida comissão. Isto foi o (jue s© passou com R. Ex.a, G mais nada,

Relativamente ao caso do Sr, Gonzaga dor. Anjos, eu já tive ocasião do oxpor à

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Câmara os factos que com ele se relacionavam.

Tendo chegado ao Tejo um navio com um carregamento de farinha a Fábrica Esperança requereu para se proceder ao despacho dessa farinha. O Sr. Ministro dos Abastecimentos deu efectivamente Osse despacho, mas no sentido de que essa ííirinha fosse vendida fora de Lisboa e concelhos limítrofes.

Essa farinha foi então recolhida nos diferentes armazéns dessa fábrica, começando mais tarde a ser desviada para uma padaria de Lisboa. Logo que houve conhecimento deste facto maadou-se pro-ced^r à sua apreensão, apreensão que parece devia ter sido feita apenas da farinha que §e tentava subtrair, e não de toda, como entendeu a fiscalização.

O motivo alegado pelo inspector era o de vender contra o despacho, e o Sr. Ministro despachou de novo, ordenando o levantamento dos selos de toda a farinha, excepto daquela que estava nos armazéns e cuja venda se estava fazendo ilicitamente.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro foi ouvido e o Sr. Ernesto Navarro justificou o seu despacho, dizendo que havia procedido dentro da lei que mandou levantar os selos e toda a farinha.

A moagem veio reclamar, indo ao seu gabinete o Sr. Nuno Simões, defensor dos interesses da moagem em geral.

É isto, pouco mais ou menos, o que se passou, por isso que não posso ter tudo na memória.

Disse que havia sido procurado no seu gabinete pelo referido advogado, .não como Deputado, mas sim como advogado de comerciantes, defendendo os seus negócios.

Isto, Sr. Presidente, é absolutamente a verdade.

Eu, Sr. Presidente, já disse, e torno a repeti-lo, que, perante uma comissão constituída em alto tribunal, eu estou pronto a ser não um acusador, mas sim uni simples esclarecedor, dizendo aquilo que tenho a dizer, não me importando com políticos.

Direi tndo quanto for de justiça, que é a justiça republicana.

Tenho dito.

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O Sr. Nuno Simões : — Sr. Presidente: felizmente para o Sr. Vaz Guedes, para mim e para o Paris monto, pelas declarações que acabo de ouvir, vejo que não passam do campo das insinuações as re-íerências ao meu nome.

Sr. Presidente: do todo o longo relato do Sr. Vaz Guedes só uma cousa se conclui contra mim: que tratei junto dum Ministro de demonstrar-lhe que ele errara com determinado acto que praticou. Porque dos nomes a que o Sr. Vaz Guedes se referiu conheço apenas os Deputados acusados e o Ministro acusador. Não conheço nem nenhumas relações tive nunca com o acusador do Ministro. E este, que é um político de nomeada, se não tem sido chamado a justificar-se das acusações que lhe -fizeram, teria calado o meu crime de o haver procurado para manter junto dele um ponto de vista jurídico que ainda agora sustento e sobre o qual foi consultada pelo meu acusador a Procuradoria da República e está correndo um recurso no Supremo Tribunal.

De facto encontrei-me com o Sr. Ernesto Navarro, mas não para o ameaçar com campanhas de imprensa, que não tinha, e que quando vier a tê-la, a não se utilizarei para campanhas injustas ou di-famatórias contra quem quer que seja, não a terei também para calar a crítica justa e imparcial da incompetência dos dirigentes, por vezes bein mais prejudicial para o país do que a sua falta de zôlo administrativo.

Encontrei-me com o Sr. Ernesto Navarro, mas, felizmente para a República, para o Parlamento e para mim, nunca falei sozinho com S. Ex.a

Quis um feliz, acaso que o fizesse sempre diante de parlamentares dignos de respeito, alguns ocupando até as mais altas situações na República e com cujo testemunho o Sr. Ernesto Navarro não pode deixar de contar para o final apuramento da verdade.

Não falei ao Sr. Ernesto Navarro em* nada que não fosse digno de tratar-se com o mais honrado Ministro da República. O Sr. Navarro errou. Limitei-me a demonstrar-lho com a lei na mão.' Se me excedesse nas minhas palavras e faltasse à cortesia que lhe devia, a obrigação dele era ter-me posto fora.

Diário da Câmara dos Deputados

Se assim não procedeu, como Ministro e como homem, é porque a minha atitude de aviso ou de reparo o não merecia.

Julgo-me no direito de honradamente tratar Junto dos Ministros do meu país de todas as questões de administração pública em que haja interesses legítimos em jogo.

Apareçam os princípios de direito ou de moral que mo proíbam. Venha a primeira prova de que alguma vez tratasse dalgum caso que não fosse legal e legítimo.

Por certo o Sr. Ernestro Navarro há-de invocar o testemunho das personalidades que junto de mim estiveram no momento em que com S. Ex.a discuti o ponto de direito — e só isso — não podendo sequer dizer que; o fiz como advogado, visto que apenas conversei com S. Ex.a e em nenhum documento ou conversa invoquei essa qualidade.

Seja, porém, como for, tam sereno eu estava quando o Sr. Vaz Guedes me avisou, pela primeira vez, e ontem, ao ouvir dizer^quem era o meu acusador, como agora ao escutar o relato feito pelo Sr, Presidente da comissão de inquérito, relato de factos que eu desconhecia, e referindo se a algumas pessoas que também não conheço, e que não podem dizer que me conhecem. Essa serenidade manda dizer que'ío Sr. Vaz Guedes que, acima de todas as qualidades que há pouco enumerei, é também homem 'de leis, muito mal avisado andou quando, convencido, como declarou, de que se tratava de insinuações merecedoras do seu desprêso, veio envolver o meu nome em questões, em campanhas, em coisas, como S. Ex.a disse, que poderiam, de facto, afectar a honra do Parlamento e até a minha honorabilidade pessoal.

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vem aqui atirar nomes para a publicidade com os argumentos que S. Ex.a referiu, argumentos que classificou até, quanto a uma parte de referências pessoais, argumentos que só aqui devia ter trazido com autorização da comissão de inquérito, com provas, com conclusões, e não como o fez, porque, por maior que seja o seu amor à República, dosafio-o a que tenha por ela maior respeito do que eu.

Não, Sr. Presidente! O Sr. Vaz Guedes andou muito mal.

Classifiquem como quiserem, politicamente, o seu acto, mas, moralmente, ele não foi dos que honram S. Ex.a Não o pode honrar de maneira nenhuma, porque, além de cometer uma inconfidência como presidente da comissão de inquérito, o Sr. Vaz Guedes, sabendo que as afirmações que se faziam eram dignas do seu desprêso, como aqui declarou, não teve dúvida em vir atirar para aqui, perante o país, porque é para todo o país que nós falamos, os nomes de pessoas que são, pelo menos, tam dignas de respeito como S. Ex.a

Sr. Presidente: no meu caso particularíssimo, visto que o meu acusador ou comentador não tem aqui assento, houve declarações que ainda não tiveram de ser confirmadas perante mim. Não sei se o Sr. Ernesto Navarro apresentou testemunhas a respeito dos factos apontados. Ignoro se foram ouvidas. E se o foram, ingoro o que disseram.

. Com a consciência tranquila, inteiramente tranquila, de que'posso continuar a ocupar, com dignidade, o meu lugar de Deputado,, com a consciência de que nas acusações ou referências do Sr. Ernesto Navarro, não há nada que me fira na minha dignidade'pessoal ou política, termino as minhas considerações. Lastimo que os cargos da República, como o que desempenha o Sr. Queiroz Vaz Guedes, estejam entregues a pessoas que tam precipitada e impudentemente procedem.

Não duvido da honra de S. Ex.a — tenho muito respeito pela honra alheia — não duvido das intenções do S. Ex.a, mas porque não há só deveres de honra, há também deveres de cortesia o de trato a que se não deve Miar, S. Es.a não tinha o direito do, como presidente da comissão do inquérito, vir aqui fazor acusações som provas, © envolver numa confusão destas

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indivíduos que S. Ex.a próprio reconhece serem vítimas de insinuações torpes, como quero crer, apesar de tudo, que ao próprio Sr. Navarro suceda. Tenho dito.

O Sr. Queiroz Vaz Guedes : — O Sr. Nu-

no Simões colocou-me na necessidade de mais uma vez ter de usar da palavra.

Sr. Presidente: desde que eu declarei que sou absolutamente impessoal nas acusações que não faço, apesar do Sr. Nuno Simões dizer que eu as fiz, as referências à minha pessoa têm de acabar. A maneira de julgar o presidente da comissão de inquérito, ó dentro da comissão. Se a comissão não tem confiança no seu presidente, substitua-o. Se a Câmara não tem confiança na comissão, substitua-a.

Por mais que queiram dar a esta questão o aspecto de partidarismo, eu tenho que o repelir. (Apoiados).

4 Porque se não faz essa referência e outras numa moção de desconfiança para a comissão?

Apesar de tudo quanto se tem dito, eu mantenho a força da minha consciência e minha moral para poder livremente fazer o juízo dos outros. Ainda não estou arrependido de ter posto a questão nos termos em que foi posta, j pois estou convencido de que do debate todos poderão sair ilibados e ilibada esta Câmara!

Com respeito a delicadezas, eu devo dizer que em virtude dessa cartilha, não aceito lições de ninguém.

Eu tive a delicadeza, e o dever, de comunicar a todos qualquer assunto que lhe dissesse respeito e ainda ontem encontrei o Sr. Nuno Simões e lhe comuniquei o que se tinha passado e as naturais consequências desse facto. • Creio que assim cumpri o meu dever.

Termino, por agora, as minhas considerações.

O discurso será ^publicado na integra quando o orador haja devolvido, revistas, as notas taquigráficas.

O ,Sr. Nóbrega Quintal:—Mando para a Mesa a seguinte moção. Leu.

Moção

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extinto Ministério dos Abastecimentos não deve enviar somente ao Parlamento as pecas do processo que só refiram aos Deputados porventura incrimiaadòs, mas todas as peças do mesmo processo.

Sala das sessões, 26 de Abril de 1929.— O Deputado, Nobrega do Quental.

Sento-se bem que a República'atravessa lima hora grave, porventura, a hora grave da sua história política. Não porque contra ela, como nas horas trágicas de Monsanto, só ergam as armas dos seus inimigos, mas porque uma onda de lama ameaça subvertô-la.

E são talvez aqueles que mais respon-sabilidades tem nos escândalos que tom vindo macular a República que hoje pretendem atirar lama, aos punhados .sobre os homens do regime que querem à custa 4e todos os esforços vô Ia saneada, purificada e engrandecida.

A República, para se manter, precisa do fazer entrar na cadeia todos os criminosos, pertençam a que política perten-corbm.

Já que alguma cousa, neste momento, atinge mais do que a honra dos homens porque atinge a própria honra da República, ó preciso que tudo se esclareça que tudo se apure.

Eu concordo com a moção do Sr. Brito Camacho que marca o prazo de 48 horas para a comissão do inquérito trazer a osta Câmara todas as peças do processo que se referem aos Deputados incriminados; mas a minha moção ó um aditamento à moção de S. -Ex.a Eu pretendo ir mais longe, eu entendo que devem vir para esta Câmara as peças do processo referentes sejam a quem for.

Sr. Presidente: acho que a República atravessa realmente uma crise grave da qual aliás há-do suir mais prestigiada porque confio na justiça.

A República não pode ser apenas a abstracção UUB princípios. Todos os homens do Governo e que exercem os ínais altos cargos na República devem estar acima de todas as suspeitas.

Quem prevaricou deve ser castigado som clemência para que a República não seconfunda corn quaisquer criminosos que porventura a sirvam.

Nestes termos, pareco-mo que o Sr. Bri-t,o Camacho será o primeiro a concordar

Diário da Cumpra dot

com o meu aditamento, que tenho a honra de mandar para a Mesa, Leu-se e foi admitida.

O Sr. Álvaro de Castro: — Mando para a Mesa a minha

Moção de ordem

A Câmara considerando que só aos tribunais comuns compete o julgamento de presumidos delinquentes ;

Considerando que os delitos e crimes são, nos termos da Constituição, fixados por lei anterior ;

Considerando que a Câmara abrindo debate político sobre o relatório da comissão só poderá remeter o assunto rà apreciação das entidades competentes continua na ordem da noite. — Álvaro de Castro.

Sr. Presidente;- se, houvesse de falar no projecto do ferreira da Rocha para o combater, bastaria unicamente mostrar à Câmara, a sua incapacidade de se transformar em tribunal para crimes comuns,

Isto era o suficiente pára o projecto ser rtjeitado.-

O Sr. Brito Camacho apresentou uma proposta no sentido de virem a esta Câmara os documentos e relatório da comissão de inquérito para a Câmara se pronunciar sobre ôles.

Seria manifestamente absurdo, porque nós não poderíamos aplicar sanção alguma aos actos que de facto sejam criminosos.

É um mero trabalho de produzir palavras, e. às vezes, palavras bastante ingratas e porventura sempre chocantes, dentro da Câmara. E nenhum' outro resultado se tiraria. .

Como, por6m, eu não quero que pareça ser minha intenção obstar a que a Câmara tome conhecimento desses documentos e do relatório da comissão de inquérito, mando para a Mesa um aditamento à moção do ilustre Deputado Sr. Brito Camacho, consignado nos seguintes termos :

Aditamento

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O que eu prevejo é que a discussão vui ser larga sobre Osses assuntos.

Ett sei que o Sr. Presidente da comissão de inquérito declarou que os actos que sle atribuem aos vários Deputados visados não podem ser considerados crimes à face da legislação actual e o Parlamento teria de fazer nova legislação penal pata considerar esses actos como crimes. Seria pavoroáo que o Parlamento estabelecesse uma doutrina dessas sem que sofresse imediatamente uma contestação severa. (Apoiados).

| O que seria da vida política dum país que estabelecesse que a Câmara dos Deputados podia dam momento para o outro transformar um acto em crime, quando anteriormente o não era!

Imagine V. Ex.fl, Sr. Presidente, as consequências que daí resultariam e quo tremendas maldições cairiam sobre nós se . destruíssemos o que tem constituído até lioje uma das bases da civilização dos povos. (Apoiados).

Eu não posso considerar o papel do Sr. Presidente da comissão de inquérito senão como o de um juiz de investigação que não está autorizado a produzir quaisquer declarações com respeito àg investigações que Sé estão fazendo. (Apoiados).

Eu bem sei que S. Ex.a foi multas vezes instado nesta Câmara para fazer declarações. Infelizmente creio que já tinhíi feito acusações a vários Deputados.

Vi, com desgosto, que S. Êx.a fizesse repetidamente a citação de vários nomes q lie ficarão em suspenso na opinião pública, com acusações mais1 ou menos graves e que infelizmente não poderão tam cedo libertar se delas, pois só mais tarde, num julgamento regular, poderão ilibar-se de qualquer culpa.

Eu não sou daquele? que acusam o Sr. Queiroz V az Guedes de procurar fazer iima obra de verrina ou propriamente de ataque político a pessoas que não são seus correligionários; faço-lhe a justiça de crer que as suas considerações foram ditadas por um sentimento de justiça, julgando que era Gsse o seu papei. (Apoiados).

Eu desejaria que a Câmara afirmasse bein alto o seu desejo de quo os processos que tivoásom do ser organizados em resultado das investigações da comissão do inquérito, seguissem os seus trâmites som quo a Uámara perturbasse os sous trabalhos.

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Eu creio que à Câmara a comissão de inquérito actual merece a confiança necessária para prosseguir nossos trabalhos ; nós não lha recusaremos. Não seria mesmo nesta altura, em quo se abriu um debate sobre a atitude do presidente da comissão de inquérito, que seria legítimo e lógico derrubar essa comissão; bem ao contrário, desejarei que ela continue à frente da investigação dos inquéritos ao extinto Ministério dos Abastecimentos, que todos os processos vão sendo remetidos parn juízo e que posteriormente a Câmara, depois de finalizado esse trabalho, possa avaliar se o trabalho foi ou não perfeita- mente executado. A Câmara dirá se efectivamente cumpriu o mandato que lhe foi conferido e se o cumpriu com lialdade, mas só na altura ern que terminou Gsse mandato, porque não haverá ninguém nesta Câmara que- assuma a responsabilidade de derrubar uma comissão de inquérito ordenado por esta Câmara, se efectivamente a Câmara durante os trabalhos procurar por todos os moios desprestigiá-la.

É necessário afirmar, e eu, por mim, sou o primeiro a afirmá-lo, que dentro desta Câmara não considero senão colegas com a perfeita honorabilidade para o desempenho da função que todos somos chamados aqui a desempenhar, e só depois desse julgamento poderei de faíto deixar de os considerar à altura do desempenho das suas missões.

E, Sr. Presidente, como dalgitma maneira alguns colegas manifestaram o receio de que esta sessão, que tem sido de facto agitada, seja dalguma maneira des-presíigiosa para a República e possa até produzir, como já ouvi dizer, o anátema de condenação sobre esta Câmara, para que ela desapareça por qualquer processo, eu tenho a declarar que a Câmara está a tempo, porque a não prejudicam as agitações naturais, quo só representam a necessidade e desejo do conhecimento da verdade, está a tempo, repito, de, com uma resolução perfeitamente justa e constitucional , se prestigiar perante o país, demonstrando quo é competente e está possuída do todos os princípios quo a tornam do facto respeitável perante o pais e perante u República.

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procura encontrar o verdadeiro caminho da verdade e da justiça, se lhe abrisse um abismo para ela desaparecer.

Confio em que, reentrando todos na no.ssa serenidade de legisladores,-produziremos uma obra que se imporá pela sua justiça, pela sua firmeza e pela sua perfeita harmonia com os princípios democráticos.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Sr. Presidente: tendo-me constado que um Sr. Deputado fizera referências ao Sr. Ministro do Comércio, tenho a declarar que S. Ex.a não se encontra em Lisboa, por motivo de serviço público, esperando, contudo, assistir à sessão de amanhã, a fim de responder a essas referências.

O Sr. Cunha Liai (para explicações):— Sr. Presidente: mais uma vez repito qne esta questão tem dois aspectos, moral e político.

Há políticos privilegiados dentro da Kepública e políticos não privilegiados dentro da República. Há políticos que podem cometer actos extraordinários, quo ninguém duvida da sua honorabilidade; há outros -em que esses actos são ogo alcunhados duma desonestidade evidente.

Falemos do primeiro caso.

Foi trazida aqui a questão do arroz, que representa a maior prova de incom' petência que um homem, no exercício do seu alto cargo, pode dar ao país. Pois nós, quando nos referimos. a esse ^homem, que connosco faz parte do Congresso da República, tivemos sempre o cuidado, ao referirmo-nos a esse facto, de abstrair por completo qualquer pensamento de desonestidade, na execução do mesmo acto. Isto representa a correcção.

A comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos VPÍO aqui dizer, por exemplo, que tinha conhecimento de factos que ela reputava incursos em determinados artigos do Código Penal, e que tinha enviado para o tribunal dois ex-

Diàrio da Câmara dos Deputados

Ministros da República, contra os quais nenhum ódio pessoal tenho, e que são os Srs. Jorge Nunes e Brito Guimarães.

Respeitando muito os melindres de consciência dessas altas individualidades, a comissão julgou do seu dever publicar nos jornais um lava-culpas, que só os tribunais deviam passar.

Tal era o melindre e o cuidado que havia em indicação de tal natureza.

Mas há mais.

O Sr. Jorge Nunes, por exemplo : era administrador delegado da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, por conta do Estado, quando veio para o Ministério, e, só passados muitos dias, é que o País teve conhecimento de que S. Ex.a ú-nha pedidox a demissão do sou lugar, de forma que neste espaço de tempo, qualquer questão que tivesse de ser resolvida com o pessoal dessa companhia, tanto podia ser tratada por S. Ex.a na qualidade de administrador, como na qualidade' de Ministro'do Comércio.

Ninguém protestou contra isso, porque todos supuseram a sua honorabilidade pessoal acima de qualquer suspeição.

Mas há mais ainda.

Na vigência do actual Ministro do Comércio, que ora director da Companhia Cintra-Oceano, foi esta autorizada por quem de direito, a aumentaras suas tarifas ao dobro, mas ninguém pôde dizer que o Sr. Ministro do Comércio cometeu um acto desonesto.

E se o1 regime de srspeições é este, se pelo facto de um galego de esquina, empurrado pelo meu merceeiro, ir afirmar um dia a uma comissão de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos, que eu tinha cometido actos desonestos, o meu nome foi incriminado, ,; porque se não há-de citar o do Sr. Ministro do Comércio?

E j€ que estou no uso da palavra, permita-me V. Ex.a, Sr. Presidente e permi-tá-me a Câmara que eu manifeste o meu desgosto mais profundo, pela maneira como esta questão tem sido colocada.

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de inquérito ao Ministério dos Abastecimentos, veio para aqui denunciar actos, que podem emporcalhar, emquanto não forem esclarecidas essas suspeições, a honra de vários indivíduos que têm assento nesta casa.

Se, pelo mesmo processo, eu quiser amanhã desfazer-me politicamente do Sr. Álvaro de Castro, ou do Sr. António Maria da Silva, ou do Sr. Brito Camacho, pago o dois ou trôs moços de esquina para irem perante a comissão parlamentar de inquérito, produzir idênticas afirmações àquelas que outros moços de fretes fizeram a respeito de criaturas que nem por serem mais humildes do que elas são menos honradas e menos honestas.

i Como S. Ex.as sofreriam então horrivelmente a dor de verem o seu nome abocanhado por indivíduos sem escrúpulos e sentiriam bem viva a revolta dos seus sentimentos feridos naquilo que eles têm de mais sagrado!

Mas ai, Sr. Presidente! do nome que tem a infelicidade de ser um dia salpicado pela lama vil da .calúnia.

A mancha é difícil de tirar, nias eu por mim juro que não sairei daqui sem que ela seja lavada e bem lavada.

j»Sem dúvida o Sr. Vaz Quedas exorbitou £ Se S. Ex.a tinha razões para mandar para os tribunais as criaturas cujos nomes citou, porque o não fez?

^Porque preferiu S. Ex.a vir a esta Câmara fazer acusações vagas, insinuações injustificáveis?

O procedimento do Sr. Queiroz .Vaz Guedes é verdadeiramente inqualificável. É preciso, porém, que esta questão se liquide, ou amarrando o Sr. Vaz Guedes para todo o sempre ao pelourinho das tremendas responsabilidades das suas insinuações, ou expulsando desta Câmara os acusadop de prevaricação, se prevaricação houve, mas procedendo de forma a que o caso fique na memória de todos para exemplo daqueles que amanhã tentem porventura, lançar sobre a honorabilidade alheia um labéu de infâmia, ou uma calúnia vil.

Não mo venham entretanto com habilidades jurídicas.

Em questões de honra não há direito. O mal que o Sr* Vaz Guedes fez, já o n£io pode S. Ex.n remediar,,

Oito w^ exemlo o nome do Sr» Antó-

nio Maria da Silva, que, sendo um homem intransigentemente honesto, um homem que quando foi para a cadeia mandado pelo despotismo, não tinha talvez dinheiro para pagar a cama do hospital, foi uma vítima de calúnias, porque os jornais se fizerain eco dessa calúnias.

Embora sem fundamento, houve hoje um homem que citou os nossos nomes.

Não!

A Câmara tem de pronunciar-se entre nós e o Sr. Vaz Guedes, tem de dizer só S. Ex.a cometeu, não digo uni crimo, mas uma falta ao mais sagrado dos deveres para com a República, porque S. Ex.a colocou-se ao lado dos inimigos dft República que sempre a têm procurado emporcalhar e anavalhar.

S. Ex.a tentou hoje desprestigiar os homens que em defesa da República tem exposto a sua vida.

Quem íalou hoje aqui, quem lançou suspeitas sobre membros do Parlamento; não foi o partidário do Partido Republicano Português, foi sim o partidário do Simão Laboreiro ou do Fernando de Sousa.

Mas se me vier um juiz do alto da sil& jurisprudência embrulhar a minha honra, em papéis de direito, eu não o consenti-

rei.

A Câmara é que há-de dizer se há ou não uma acusação de facto, feita pelo presidente da comissão de inquérito.

A Câmara tem de dizer com aquela serenidade augusta da justiça, se o Sr. Queiroz Vaz Guedes procedeu mal contra- a República, procedeu mal contra, a consciência colectiva da Câmara.

O discurso será publicado na Íntegra^ revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquiyrájicas que lhe foram enviadas.

O Sr. Queirqg Vaz Guedes (para explicações) :—Sr, Presidente; mais nmti vez sou chamado a responder pelo acto pratiquei.

Continua a haver confusão esquilo que se afirma a meu respeito.

Continua a haver o.nnfusEo sobro os actos praticados pela comissão de inquérito. '

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Até lá ninguém tem o direito de dizer à comissão de inquérito que ela pronuncia veriditam, nem sequer de caracter moral, sobre quem quer que seja.

A comissão de inquérito sempre interpretou os seus poderes por.forma a que nem competência tem para pronunciar, mas quere para si a responsabilidade, quando haja de enviar-se os culpados para JUÍZO.'

Sobre os nomes hoje aqui pronunciados, a comissão não manifestou^ o seu parecer de que eram culpados, apenas deixou melhor colocados aqueles que estavam sendo mal apreciados nos botequins e às esquinas.

Não .ó preciso que a comissão seja indiscreta. Pela parte que me toca digo a :V. Ex.a que não ó fácil; mas basta que as testemunhas sejam as que se disse, para imediatamente haver conhecimento duma suspeição lançada.

É de tal maneira criterioso o nosso procedimento que garanto a V. Ex.a e à Câmara, que era do meu agrado trazer aqui um relatório final da comissão.

A Gamara havia de tomar conhecimento do que aparecesse contra qualquer dos seus membros e, fosse quem fosse à comissão, ele não deixaria de ser trazido ao papel.

Há sempre testemunhas que são contrárias, em todos os processos.

Mas seria próprio da acuidade de espírito da comissão distinguir o que fosse verdadeiro do falso, e não dar, sequer, foros de tribunal ao que não os tem.

Por isso, as minhas palavras, se'bem que não, provam, significaram bem que só em alguns casos apareceram possivelmente,, porventura, irregularidades.

(jComo é que. se pode atribuir a mim esse facto, quando tive o cuidado de informar todos das indicações do que é preciso ter em conta como atenuante?

^Como é que posso ser acusado deter critérios diferentes?

Declaro em absoluto que concordo com as considerações do Sr. Álvaro de Castro a esse respeito, e julgo bem que não poderá haver comissões do inquérito que tenham de trabalhar sob uma' pressão> constante da Câmara.

Porque, afinal, dalguns dos lados da Câmara, é que eu vi faltar-se ao cumprimento do seu dever, porque depois de

Diário da Câmara dos Deputados

ter declarado que desejava ouvir, esquece-se do que declarou.

Uma voz:—Exigiram-na peremptoriamente. (Apoiaàos)^

O Orador: — Não tinha, é rudimentar, o direito de trazer aqui depoimento algum emquanto se investigava: seria perigoso. Isto é lógico.

E todavia a pressão foi de tal ordem que eu, sabendo que se não tratava de crimes, achei mais favorável trazer aqui os facto°s, do que ideixá-los sem os revelar.

Demais eu declarei já a todos os meus colegas que me consideraria feliz no dia em que pudesse abandonar o lugar que ocupo na comissão parlamentar de inquérito. E se, por acaso, algum grupo da Câmara entende que a minha permanência nessa comissão não é conveniente, eu não hesitarei no caminho a seguir... ^

O discurso será pablicado na integra, quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

O Sr. Manuel José da Silva: — j Não .apoiado! Emquanto só não fizer um apuramento completo de todos us facto» por V. Ex.a trazidos a esta Câmara, V. Ex.a deve considérar-se amarrado a todas as siias responsabilidades.

O Sr. Júlio Martins: — Muito serenamente acaba a Câmara de ouvir í ao Sr. Vaz Gruedes a afirmação de que só provocado como foi, poderia fazer as acusações graves que todos nós ouvimos.

Relembremos, pois, os factos para os colocarmos na sua devida altura e tirarmos deles devidas e acertadas conclusões.

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essa comissão para ela se pronunciar, nós víamos passar o tempo sem que o país saiba até hoje o que se apurou dessas responsabilidades e onde param os 300 e tantos contos que o Estado desembolsou.

Então o Sr. Queiroz Vaz Guedes usando da palavra para dar explicações sobre o caso a que eu me tinha referido, afirmou que a comissão de inquérito não tinha ainda tratado da questão do arroz por causa duma questão de mulas que a referida comissão reputava importantíssima. Foi nesta altura que S. Ex.a afirmou que havia Deputados que estavam envolvidos em negócios sobre os quais recaíam as investigações dessa comissão.

A Câmara que atente bem na questão como ela foi posta. E pregunto :

Eu, Sr. Presidente, acho que foi de toda a conveniência o debate que se tem travado sobre o assunto para o mesmo se esclarecer, por isso que para mim todos os homens são bons até prevaricarem. (Apoiados).

£ O que seria, Sr. Presidente, do Parlamento, o que seria da Eepública, se nós quiséssemos aqui encobrir amigos pessoais ou políticos? (Apoiados).

Eu, Sr. Presidente, disse particularmente ao Sr. Vaz. Guedes que tinha feito no Parlamento acusações graves, que havia lançado uma acusação sobre o Parlamento da República, que havia de agradar aos inimigos da própria República, pois que hayia envolvido o Parlamento inteiro com as acusações que tinha feito, e disse-lho mais que necessário era que S» Ex.a, visto ter posto a questão nesse pó, viesse ao Parlamento esclarecer o assunto para prestígio do próprio Parlamento e de todos os parlamentares sôbr©

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a cabeça dos quais fica o peso dessas suspeições.

Disse-lhe que, visto ter começado, necessário era que fosse «té o fim. (Apoiados).

S. Ex.a disse-me então que fosse eu, com o Sr. Cunha Liai, ao Ministério dos Abastecimentos para examinarmos ali os documentos que lá existem e vermos então a conveniência que havia em trazer o assunto a um alto tribunal.

Eu disse-lhe então que não iria ao Ministério dos Abastecimentos, que não o faria, nem o devia fazer.

V. Ex.a, como presidente que ó dessa comissão de inquérito, é que tem a obrigação de trazer à Câmara tudo quanto há-sobre o assunto.

Não tinha, Sr. Presidente, de ir lá, esteja lá quem estiver, amigos ou não amigos, por isso que não encubro responsabilidades sejam elas de quem forem. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu devo declarar que se o meu maior amigo estivesse envolvido num caso desses eu seria o próprio que lhe abriria as portas da cadeia para o meter lá dentro.

,jMas, Sr. Presidente, a que vinha o convite do Sr. Vaz Guedes para eu ir à comissão de inquérito com o Sr. Cunha Liai ver a responsabilidade dos Deputados que lá se encontram?

O Sr. Cunha Liai: — É preciso que se diga tudo e eu devo dizer que o Sr. Vaz Guedes, falando com um amigo meu Deputado, lhe disse o seguinte:

«O Cunha Liai tem lá umas cousas, mas sem importância».

O Orador: — S. Ex.a disse «alguns Deputados», e então mais convencido fiquei de que era preciso liquidar-se a questão.

Há tempos a esta parte tem-se- feito uma campanha cavilosa de calúnias a certos homens sem haver a coragem de lhes fazer essa acusação directamente sobre os actos criminosos que, porventura, tenham sido realizados.

"Hl necessário ter coragem.

S. Ex.a não foi provocado a trazer ao Parlamento essas asusações; fê-lo por expontaneidade.

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migos do regime que a aproveitarão contra o próprio regime.

A respeitabilidade é de S. Ex»a por que cometeu uma leviandade que não tinha de cometer*

Pertencendo eu a uma comissão de inquérito e vendo que colegas e amigos meus tinham o sou nome envolvido em acusações dessa ordem, procuraria esses Deputados, chamá-los-ia e dar-lhes-ia cdnta do que se passava.

Chamaria a consideração da comissão para o facto de ser abandalhada a honra do quem quere que.fosse.

Se me convencesse de que havia provas, então era do meu dever moral vir ao Parlamento, com as provas concretas do crime, e dizer:

«Não podemos mais ter no nosso seio homens contra os quais existem provas concretas de crimes realizados contra a República».

(Apoiados).

Maá tambGm pelo respeito ao Estado, aos meus colegas, à República, se aparecessem na comissão acusações, cuja base fosse falsa, viria também ao Parlamento dizer que tais acusações não tinham razão áe ser e que era preciso dar até solidariedade aos que eram anavalhados pelos inimigos da República. [Apoiados],

Não seria um jurista, mas era um homem amante do meu País.

£ Assim, pregunto, depois de S. Ex.a ter atirado a afirmação, sem dizer os nomes, de que havia Deputados envolvidos nas tranquibórnias das farinhas, seria má esta sessão do Parlamento?

Não. O regime sofria mais trazendo-se suspeições a todos, em que todos eram feridos, porque isso iria implicar com a honestidade e honra de todos nós.

Mas, Sr. Presidente, como representante- do Grupo Parlamentar Popular-, declaro que não quero que o Sr. V az Guedes saia da comissão de inquérito; em-quanto não se resolver a situação dos Deputados, S. Ex«a há-de lá estar. Resolvida que seja essa situação, nós teremos sobre o procedimento de S. Ex.a a sanção que mais se armonize com os interesses da República e com o prestígio do Parlamento.

O discurso na, integra, revisto pelo orador, Será publicado guando forem devolvidas as notas taguigráficas.

Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. António Maria da Silva:—Em obediência às praxes regimentais mando para a Mesa a minha moção:

«Á Câmara, reconhecendo que se deve dar inteiro cumprimento às disposições da-lei n.° 916, continua na ordem da noite.

Sala das Sessões, 28 de Abril de 1920.— António Maria da Silva».

Sr. Presidente: há questões verdadeiramente mal fadadas^ e diz o povo, na sua linguagem simplista} que há dias aziagos. Eu convenço-me que o de hoje é um dôsses.

Tem-se arrastado nesta casa do Parlamento uma larga discussão referente às declarações feitas pelo Sr. Queiroz V az Guedes, presidente da Comissão de Inquérito ao Ministério das Subsistências. Numa questão desta natureza, Sr. Presidente, disse o Sr* Brito Camacho que devia haver toda a ponderação e serenidade, e por não ter havido essa ponderação e essa serenidade é que nós vemos na imprensa referências a actos da Comissão de Inquérito ao Ministério dos Abastecimentos, envolvendo-se pessoas que pertencem ao Congresso da República.

O Parlamento devia aguardar serenamente o veredictum da comissão de inquérito. A não sairmos da irredutibilidade em que a questão foi posta, dificilmente poderemos cumprir em absoluto o nosso dever.

O Sr. Cunha Liai, pessoa que eu muito estimo e considero, diz que, dada a circunstância de terem sido feitas, aqui, referências à sua individualidade, a Câmara deverá constituir-se imediatamente em tribunal, a fim de ultimar esta questão, porque a sua honra não podia ser envolvida em preceitos constitucionais ou cm preceitos legais ordinários, porque a sua honra não podia ficar sujeita à insinuação de .quem quer que fosse .durante algum prazo de tempo. Concordando com os intuitos da moção apresentada pelo Sr. Brito Camacho e com as considerações do Sr. Álvaro de Castro, não posso deixar de declarar que nos afastamos do verdadeiro caminho a seguir, que é o que marca a lei n.° 916 e o Código Penai.

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desviando-o dos tribunais, a quem de direito pertence o julgamento dos crimes que se averíguem.

Nenhum dos membros desta casa do Parlamento deixará de ficar com a sua honra inteiramente ilibada, pois nenhuma das palavras proferidas os afectou, nem à Kepública.

O Sr. Queiroz Vaz Guedes não produziu 'nenhuma acusação; apenas fez um relato de factos que chegaram ao seu conhecimento.

Vi que S. Ex.a teve um cuidado extremo, pois, através das suas palavras, afirmou que, em sua consciência, estava convencido de que nenhuma das acusações tinha razão de ser, mas, porque tinha uma situação singular, não podia deixar no escuro as acusações que se faziam.

Todos nós sabemos que as palavras proferidas por S. Ex.a foram só depois de muito instado, quási compelido, que S. Ex.a as pronunciou, pois não podia ficar calado em face de tal intimativa.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis), (interrompendo): — £ Quem foi que compeliu S. Ex.a ontem a referir-se fio incidente?

O Orador: — Já por mais duma vez, quapdo aqui se tom ventilado questões sobre a comissão de inquérito, eu .tenho afirmado a conveniência de se esperar que tudo se apurasse, para que depois, no fim, não se dissesse que nós nos queríamos antepor ao juízo da comissão.

Á propósito da questão do arroz, eu também estava convencido de que as mulas nada tinham, que ver com o arroz, e que seria um equívoco de S. Ex.a; mas, depois das informações que nós ouvimos, convencido estou de que alguma importância ôsse caso tem com aqueles que S. Ex.a referiu.

A propósito dessas declarações, que nada, absolutamente nada, tinham com todos aqueles trabalhos a que se tinha dado a comissão do inquérito, pelo menos até pnttto, pretendeu-se, se bem com-preonduu u Sr. Vaz Guedes, que S.. Ex.a dissesse alguma cousa sobre Ossos trabalhos, e V. Ex.a viu bem quo isso foi feito em termos tais, e até com a justa revolta do criaturas que só diziam atingidas, que Ho Jíx.a, para não tier eoiiíúdoríulo como

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capaz de insinuar que havia pessoas comprometidas, e que não tinha coragem de declarar quem essas pessoas eram, teve que falar, jdile teve o defeito das suas próprias qualidades e, não sendo obrigado a procurar particularmente qualquer Deputado inculpado, mas verificando, em sua consciência, que os factos apontados não eram delituosos...

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis), (interrompendo): — <_ à='à' que='que' de='de' a='a' consciência='consciência' su='su' bastante='bastante' homem='homem' é='é' ex.a='ex.a' muito='muito' respondeu='respondeu' pregunta='pregunta' o='o' p='p' segura='segura' claramente='claramente' ilustrado='ilustrado' inteligente='inteligente' formulei='formulei' v.='v.' também='também' tem='tem'>

O Orador:—V. Ex.a vai ouvir ares posta que vou dar às suas palavras.

Quer o Sr. Júlio Martins, quer V. Ex.a, pediram ao Sr. Vaz Guedes que dissesse absolutamente tudo quanto conhecia como membro da comissão de inquérito, ou então a memória ou o ouvido me atraiçoaram.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Creio que as duas cousas.

O Orador; —Então peço a Y. Ex.a que escl.reça o meu equívoco.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — O Sr. Júlio Martins e o Sr. Manuel João da Silva pão poderiam incitar o Sr. Queiroz Vaz Guedes, a que dissesse tudo sem que primeiro S. Ex.a principiasse a dizer alguma cousa.

O que eu pedi a V. Ex.a foi que dissesse qual o Deputado ou Deputados que insistiram junto do Sr. Vaz Guedes no sentido de fazer a declaração que fez, de que algum ou alguns Deputados estavam comprometidos, na questão dos abastecimentos.

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tava convencido da honorabilidade dessas pessoas, e, de contrário, não se compreenderia o seu gesto.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): —

O Orador:—Assim, dialogando, não chegaremos a apurar cousa nenhuma, e, demais, é desnecessário V. Ex.a fazer preguntàs a que antecipadamente sabe que não poderei responder.

Já ouvi dizer por mais duma vez, não só ao Sr. Vaz Guedes, mas também ao Sr. Júlio Martins, que não só foi convidado o Sr. Júlio Martins como igualmente o Sr. Cunha Liai. A referência deste facto tem sido feita, como digo, mais de uma vez, e desnecessário é repeti-la.' O que V. Ex.a, Sr. Presidente, e todos os Srs. Deputades podem ver nó acto do Sr. Vaz Guedes é uma grande lialdade da pairte de S. Ex.a em relação às pessoas citadas, porque nada me pode convencer de que o Sr. Vaz Guedes fosse

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medíocreménte inteligente — tam pouco criterioso, que fosse entregar a criaturas que estivessem incriminadas uma arma dessa natureza.

Analisemos com todo o cuidado esta questão, não percamos a cabeça.

Não podemos voltar a arma contra o Sr. Vaz Guedes, não podemos nunca reconhecer o Sr. Vaz Guedes como réu.

Já vi mais de uma vez, e com desgosto, tratar mal dos actos da comissão de inquérito.

Eu digo que, quando da questão do dezembrismo, me quiseram anavalhar, mas não se anavalha quem quer. O tempo foi a melhor forma de cicatrizar, e foi e melhor juiz e eu não fiquei enlameado, mas ficaram babujados os homens que me quiseram ferir.

O projecto do Sr. Ferreira da Rocha não foi ainda apreciado pela Câmara,, mas eu entendo que ele não deve ser aprovado.

É um erro nós irmos julgar membros do Parlamento, emquanto que outros, com os mesmos crimes, eram julgados por tribunais comuns, só por não terem assento no Parlamento.

É uma questão de ordem moral que aqui sé debate, e o Parlamento não pode ser juiz, por isso que os políticos apaixonam-se e não podem cabalmente desempenhar-se dessa nobre, mas dura, missão de julgar.

Deixem-me mesmo dizer-lhes, com toda a franqueza, que nem mesmo concordo com o facto do Parlamento ser tribunal de investigação, porque mais tarde ou mais cedo haviam, de dar-se inconfidências.

Outro aspecto que eu queria recordar à Câmara, aspecto que tem muita importância, é o seguinte : Imaginem V. Ex.as, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nós substituíamos a comissão de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, i

Formulando a hipótese de que nesta Câmara, havia quem assim .pensasse, calculem V. Ex.as o efeito • moral que tal facto lá fora produziria!

Haveria logo quem dissesse que nós não queríamos esta comissão, porque, bem ou mal, os factos que foram.trazidos ao domínio público podiam suscitar certas críticas.

Bem ou mal, os factos foram trazidos ao domínio do público e analisados por todos.

Seria bom que fôssemos cautelosos, para-não haver mais desgostos.

A imprensa não explorará o caso, agravando as pessoas que foram atingidas. Desde que assim é, e desejando liquidar com honra este assunto, esperamos que a comissão de inquérito apresente o resultado dos seus trabalhos, dando-lhe o tempo suficiente para o fazer. Ela não demorará os seus trabalhos.

Sobre a comissão pesa uma grande responsabilidade. Desde que a questão foi trazida ao Parlamento não pode s^,r derirnida sem que ela complete os seuso trabalhos. E este o melhor caminho. Es-íou convencido de que com serenidade poderemos averiguar tudo.

Faço votos para que não surjam novos desgostos e para que a República não sofra na sua. intangibilidade dignificadora.

É admitiaa a moção do Sr. António Maria da Silva.

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O Sr. Mera Verdial: — Começarei por ler a seguinte moção que mando para a Mesa:

Moção de ordem

Considerando que os crimes de responsabilidade, de que trata o artigo 55.° da Constituição da Eepública, sãc apreciados e julgados pelo Poder Judicial, nos termos da lei n.° 266, de 27 de Julho de 1914;

Considerando que qualquer membro do Congresso pode ser processado e pronunciado criminalmente, e neste caso, e nos termos do artigo 18.° da Constituição, poderá ser suspenso das suas funções pela Câmara respectiva;

Considerando que ao Poder Judicial deve caber a apreciação de todos os crimes, quer eles sejam praticados por membros do Congresso ou por outros quaisquer cidadãos:

A Câmara dos Deputados emite o voto de que seja mantida a doutrina da Constituição da Eepública, no que respeita à apreciação e julgamento de quaisquer crimes.— O Deputado, Mem Verdial.

Parece-me — e com estas palavras não quero censurar as' pessoas que intervieram no debate que ocupou a atenção da Câmara ato o momento — que o caminho que temos trilhado só servirá para prestar um mau serviço às instituições e ao Parlamento.

Desde que neste caso está envolvida a honra dalguns parlamentares e tomámos tanto calor, não devemos reclamar que seja esta própria assemblea que se manifeste num caso destes.

,íComo exigir que nós próprios nos manifestemos ?

Não compreendo que se possa esclarecer, senão para julgar, e não compreendo que julguemos num tumultuar de paixões.

,;Se não se lavra o veredictum dos criminosos, se não se pretende lavrar a pena que hão-de cumprir, para que ó tanto depoimento, para que é tanto esmiuçar de factos?

De resto, desde o princípio os factos não se apresentam de molde a merecerem tanto calor.

^ Para que havemos de, por nossas próprias mãos, avolumar o que devia ter morrido à nascença?

l Para que havemos nós próprios dar a

impressão de que damos importância às informações infundadas que aparecem?

A comissão de inquérito foi nomeada com atribuições próprias de tribunal de investigação e se as investigações ainda não estão concluídas, não se compreende que se reclame para que tudo seja posto já em pratos limpos.

Desculpe-me V. Ex.a' que eu tenha a pretensão de querer matar a questão, e acho que ela fica bem morta desde que este Parlamento não discuta mais o caso e se limite a dizer à comissão que continue e que não venha mais nenhuma vez dizer para aqui quais têm sido os seus trabalhos.

Em meu entender a comissão, para bem desempenhar a sua missão, deve conservar-se calada até o fim. Mas, se esta é, creio, a opinião da Câmara, não devemos provocar que ela faça o contrário, vindo para aqui violentar o seu presidente a íazer declarações que não devem ser feitas sem que as investigações estejam concluídas.

Não se justifica doutra maneira que a obra da comissão continue desde que não seja nestas condições.

Mas vejamos um outro aspecto da questão e que me parece quê ó de ponderar.

Se a dúvida foi lançada sobre os Deputados, o ninguém pode evitar que ela continue a correr, decerto não poderemos evitar também que amanhã lá fora se diga que a comissão parlamentar não averiguou convenientemente das respon-sabilidades dos indivíduos que fazem parte desta Câmara.

Melhor seria, Sr. Presidente, visto a questão encontrar-se neste pé, que não fosse uma comissão desta Câmara quem investigasse, mas sim uma outra comissão, um tribunal, um júri ou outra entidade que não pertencessse ao Parlamento, isto em virtude de ser dentro- do próprio seio desta assemblea que as suspeições se levantam; é um Senador que acusa um Deputado, ó um Deputado que acusa um Ministro e um Deputado que acusa outro Deputado, otc.

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Más o que é certo ó que o País há-de ver que desta assemblea sai acusada a própria cdmissâo que há-de investigar das acusações.

Aparte que não se ouviu.

O Parlamento de facto não íoi acusado, não será acusado, não poderá provar-se nenhuma acusação contra ele, inas não é também ao Parlamento que cabem funções de justiça.

O Parlamento, sendo um poder do Estado, o Poder Legislativo, deve deixar ao outro poder do Estado, o Poder Judicial, o julgar de qualquer acto dos seus membros e, de resto, a Constituição da Repú-blica estabelece, no seu artigo Õ5.°/ que os membros do Poder Executivo devem s"er julgados pelos crimes considerados de responsabilidade, como são.

E há uma lei, n.° 266, de Julho de 1914, que diz que estes crimes são julgados pelos tribunais ordinários.

^Comó devemos, portanto, pretender que os crimes praticados por qualquer membro do Congresso sejam julgados peld Poder Legislativo?

Verifica-se, no emtanto, que não há na Constituição Política, da República Portuguesa sanção suficiente para os criminosos que, porventura, sejam Deputados ou Senadores, e digo não há sanção suficiente porque, se algum for condenado, logo que cumpra a pena, ou talvez mesmo antes de a cumprir, poderá ter assento nesta Câmara, poderá continuar a ser Deputado, poderá continuar a legislar, ele que está sob a alçada da lei.

Acho bem que o Deputado caia sob a alçada da lei, mas que para se desafrontar possa estar no Parlamento, se o crime, porém, é daqueles incluídos no projecto de lei mandado para a Mesa pelo Sr. Ferreira da Rocha, isto é, daqueles que são praticados no exercício das suas funções, não 'se justifica que na Constituição da Eépúbíica não haja sanção para tais criminosos.

Aos membros do Poder Executivo, que praticarem crimes de responsabilidade, aplicar-se há a doutrina do parágrafo do ajtigo 55.°,

O que seria necessário nesta ocasião em que um debate largo se trava sobre 'possíveis crimes cie representantes da nação, era estabelecer imediatamente que se algum, fosse julgado e condenado hão pu-

Diário da Câmara dos Deputados

desse reassumir o seu lugar no Congresso da República, e que esta modificação da Constituição se fizesse a tempo de não se dizer que se ia aplicar essa doutrina com retroactividade; iríamos nesta hora em que se levantiim suspeições prevenir e mostrar ao país que a Câmara dos Deputados, admitindo a hipótese de que mais cedo ou mais tarde possa haver no seu seio um criminoso, tenta obstar a que esse criminoso volte a reassumir o seu lugar.

Relativamente ao caso de hoje já não é, infelizmente, tempo de prevenir, mas oxalá o seja de remediar, muito embora a calúnia fosse lançada, a calúnia que no dizer dum escritor francês é como o carvão que, quando não queima, suja.

Creio bem — e esse convencimento me leva a não me alongar em mais considerações— que não está no espírito da Câmara o constit-uir-se em alto tribunal e que ela negará o seu voto à proposta apresentada pelo Sr. Ferreira da Rocha. Devo, porém, declarar que insistirei para que se reveja a Constituição neste pontg, aproveitando o caso de hoje, para que duma vez para sempre se estabeleça o princípio de se não criar uma comissão parlamentar para investigação de crimes praticados por membros desta Câmara, â fim de evitar a repetição de actos que, como os de hoje, só servem para desprestigiar a República. A investigação e julgamento desses crimes devem ser feitos por tribunais ordinários, reservando-se este Parlamento apenas o direito de verificar se esses crimes são crimes de responsabilidade, para poder aplicar a doutrina constitucional aplicável aos membros do Poder Executivo.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. José de Almeida: — Para que acertadas resoluções se tomem, é indispensável que sensatas reflexões se produzam.

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Sessão de 28 de Abril de 1920

levado a afirmar que não havia poder algum que pudesse sobrepor-se ao seu direito de reclamar que o seu nome fosse completamente ilibado das responsabilida-des que lhe foram atribuídas. Se eu estivesse nas condições de S. Ex.a não teria procedido doutra forma. Mas nós outros, estranhos à questão, temos de reflectir antes de nos pronunciarmos, e essa reflexão indica-nos que nós não podemos proceder assim.

Há um único poder a dentro deste país a quem compete julgar: é o Poder Judicial. Não vamos, portanto, nós, estabele cer mais uma vez a confusão de poderes. Coloquemo-nos nos nossos lugares, e só assim poderemos prestigiar a Eepública. Os meus princípios socialistas não podem admitir por forma alguma que o meu voto sancione o projecto de lei apreseutado pelo Sr. Ferreira da Kocha. Entendo que ' todos os cidadãos são iguais perante a lei.

Humildes ou grandes, sábios ou ignorantes, seja uma ou outra a sua situação, todos eles têm na lei geral do país a mesma consideração, todos eles têm de ser julgados pela mesma forma. E não será nunca uma boa assemblea para julgar a assemblea parlamentar.

Já aqui se disse— e disse-se com muita verdade — que esta assemblea constituída por políticos, é constituída por paixões. £ E assim como havíamos nós de julgar com imparcialidade, se às vezes as paixões poderiam nos julgamentos estar acima da reflexão serena que devem ter todos os julgadores?

Eu que faço parte duma minoria dentro desta casa do Parlamento, não quereria também por forma alguma sujeitar os meus actos, sujeitar a honra da minha vida a grupos, que poderiam ter sobre o meu a superioridade numérica.

Não posso, como socialista^ aprovar esse projecto de lei.

Já uma vez, num momento grave para a vida do regime, chamado, como representante do Partido . Socialista a dar o parecer deste sobre certa crise política, eu disse a algumas individualidades políticas com quem me encontrei, quo ou, •adversário intransigente da organização social em que vivemos, não rejubilava por forma nenhuma com o espectáculo quo os ropnblicancs estavam oíVr^rudo,

^^ora mesmo, que ;m poderia aicgr-íii:- i

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-me com o que se vem passando a dentro da sociedade portuguesa, não o faço, e simplesmente direi a V. Ex.a e à Câmara que quero a punição de todos os delinquentes, que quero castigo exemplar para todos aqueles que prevaricaram, estejam onde es tiverem e sejam quem forem. Se dentro do meu próprio Partido houver alguém qu£ tenha enxovalhado o seu no' me e a sua honra, eu, primeiro do que todos, pedirei ao Parlamento, ou onde quer que seja, a sua rigorosa punição-

Que a comissão parlamentar de inquérito continue, pois, nos seus trabalhos, mas que o faça inteiramente livre de quaisquer pressões, de fornia a que completa e recta justiça se execute.

Só assim poderemos honrar e prestigiar as instituições parlamentares, enno-brecer e alevantar o regime e servir o país.

Tenho dito.

O Sr. Leio Portela: —A hora já vai adiantada e, por isso, soxei bróve.

Pedi a palavra, Sr. Presidente, para explicar o meu voto sobro o projecto do meu ilustre colega, o Sr. Ferreira da Kocha.

Eu declaro que, em minha consciência, reprovo a doutrina desse projecto, porquanto ela se^ão compadece com o meu espírito de /urisía nem com as minhas convicções de político que não podem admitir quâ uma assemblea essencialmente política como o Congresso possa, em matéria de crimes, funcionar como tribunal. Com esta reprovação eu não quero, todavia, coarctar o direito de defesa àqueles que neste Parlamento foram denunciados ou de embaraçar a acção daqueles cujos nomes foram hoje citados nesta Câ-jaara pelo presidente da comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos e desejam ver esclarecida uma situação decerto pouco agradável para a sua qualidade de homens honestos.

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um incidente que em nada pode prestigiar o bom nome deste Parlamento. Lamento que S. Ex.a assim tivesse procedido, porquanto tendo essa comissão funções de investigação criminal essencialmente secretas, S. Ex.a não tinha o direito de vir a esta Qâmara denunciar o que lá se passara. (Apoiados).' E lamento tanto mais quanto é certo que eu vejo atingidos homens que à República têm dado o melhor do seu esforço e que da Kepública são figuras prestigiantes.

No decorrer das afirmações feitas pelo Sr. Queiroz Vaz Quedes,. falou S. Ex.a no norne do Sr. António Granjo a propósito dum inquérito a que essa comissão estava procedendo relativamente a um negócio 0.9 farinhas entre uma casa de Lisboa e * Câmara Municipal da Figueira.

Disse S. Ex.a que nesse negócio se encontrava envolvido o Deputado Sr. Lino Pinto, que pertence ao Partido Liberal, e que por dever àe lialdade entregou esse processo ao Sr. António Granjo,, pessoa que por sua vez fomulou um parecer no sentido de quo não considerava incriminado esse Sr. Deputado.

Em aparte ao Sr.- Queiroz Vaz Guedes, eu preguntei se a.comissão de inquérito havia concordado com tal parecer.

A discussão, porém, agitcu-se e o assunto não foi esclarecido. 'Peço, pois, ao Sr. Queiroz Vaz Guedes, o obséquio de nos esclarecer sobre essa referencia ao Sr. António Granjo que se me afigura descabida.

O Sr. Queiroz Vaz Guedes: — Eu disse que a comissão tinha perfilhado inteiramente a declaração do Sr. António Granjo. A responsabilidade é tanta de S. Ex.a como de toda a comissão.

O Orador:—Posto isto, Sr. Presidente, vou concluir, declarando que não dou o meu voto ao projecto apresentado pelo Sr. Ferreira da Rocha.

Desejaria que a Câmara aguardasse o relato final da comissão de inquérito para fazer depois a discussão ampla sobre o relatório que essa comissão apresentasse.

Tenho dito.

O discurso será publicado, na integra, quando o orador haja devolvido as notas taguigráficas.

t)iàrio da Câmara dós Deputados

1 O Sr. Júlio Martins:—Assim os Deputados visados não podem aqui ficar, 1 nem nós ficaremos.

O Sr. Augusto Dias da Silva: — Sr.

Presidente: se não fosse o grande amor que tenho à República, aproveitaria a situação criada neste momento a dentro desta casa do Parlamento, 'para formular considerações que me levassem a conclusões políticas proveitosas para o meu partido.

Não faço isso, Sr. Presidente, pela razão que apontei e ainda porque não quoro fazer a vontade à intriga reaccionária que, de certo modo, parece ter invadido a Câmara dos Deputados em que nos encontramos.

Não quero, repito, fazer a vontade a essa intriga reaccionária a mesma que teve a habilidade de unir S. Ex.as a'um Governo tremendamente reaccionário.

Vozes: — Não apoiado.

Orador:—Digam à vontade não apoiado porque isso não influi na minha maneira de ver, nem tampouco diminui a veracidade das asserções que faço.

Os factos são mais eloquentes do que tudo quanto aqui se diga, com apoiados ou sem eles, e os factos mostram, a toda a gente que desapaixonadamente queira ver as cousas políticas do nosso país, que o Governo nega todo um passado republicano.

Vozes:—Não apoiado.

O Orador: — Sim senhor. Não apoiado porque o Governo só pretende esmagar as classes proletárias.

^ Exigiu já o Parlamento, que o Governe algumít cousa fizesse para ser suavi-saàa a situação des?as classes?

trocam-se apartes e estabelecem-se diálogos.

O Sr, Presidente: — Peço a V. Ex.a o obséqvdo de dirigir-se para a presidência.

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Sessão de 28 de Abril de 1930

Essa intriga reaccionária levou este Parlamento a colocar-se em contradição com os- princípios democráticos.

Ainda há pouco o Sr. Álvaro de Castro patenteou bem essa contradição, dizendo que este Parlamento jamais teria o direito de votar uma lei de excepção com efeito retroactivo, porque isso seria a negação dos direitos individuais, e nós vimos que o Parlamento, obedecendo à mesma intriga reacionária, votou a lei de excepção no sentido de somente .aproveitar aos operários . . .

O Sr. Ferreira da Rocha: para eles.

Então é boa

O Orador: — A Câmara bem compreende. Aproveita-lhes em sentido negativo.

Trouxemos ao Parlamento uma lei de excepção para esmagar as classes trabalhadoras, com a agravante dessa lei ter efeito retroactivo.

Int irrupções.

Em vez de levantarmos o Parlamento, estamos a abocanhá-lo . . .

Interrupções.

Vejo que o Grupo Parlamentar Popular levanta questões, com o fim de poder falar de si, para que a imprensa lhe faça alusões.

Apartes.

Por isso dirige ataques ao Governo, imputando-lhe responsabilidades, por tudo quanto a moagem faz, pelos actos menos correctos que ela tem praticado.

Devido ao Grupo Parlamentar Popular, o Parlamento tem perdido tempo com questões de lana caprina, com politiquices.

fiísos.

Termino, declarando que não dou o meu voto ao projecto apresentado.

O discurso será publicado na integra guando o orador restituir as notas taqui-grájicas.

O Sr. Presidente:—Vai fazer-se a vo-

0 Sr. Nóbrega Quintal (para um requerimento) : —Requeiro a prioridade para a moçãx) do Sr. Brito Camacho, votando-se em seguida a que ou apresentei e o adi= tamenío do Sr. Álvaro de Castro.

Fui rejeitado.

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O Sr. Nóbrega Quintal: — Requeiro a contraprova.

Feita a contraprova, ficou confirmada a rejeição.

O Sr. Sá Pereira: — Requeiro a prioridade para a moção apresentada pelo Sr. António Maria da Silva.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Sá Pereira.

O Sr. Júlio Martins '(sobre o modo de votar) : — Estranho que a Câmara não tivesse aceitado o parecer que daqui lhe apresentámos.

Nós estamos aqui para que todos fiquem bem colocados.

Não podemos sair daqui, deixando em suspenso as insinuações que para aqui foram trazidas, e que recaem sobre Deputados.

Não abuse a maioria numa questão de moralidade, do seu número.

O Sr. Leio Portela: — Parece-me que a Câmara não interpretou bem as minhas palavras de há pouco.

Eu quis traduzir o meu pensamento com toda a clareza, mas, não o consegui, por insuficiência minha. O que eu entendo é que a questão não devia ter sido trazida para aqui, sem que houvesse o relatório final da comissão de inquérito; mas desde que a trouxeram para cá, ela deveria ser ventilada- com toda a lialdade, visto que os Srs. Deputados visados têm toda a razão em querer que a questão seja devidamente esclarecida. Nesta conformidade, peço a V. Ex.a o favor demandar ler a moção do Sr. António Maria da Silva, a fim de que a Câmara possa saber bem o que vota e como deve votar. Agora não poderemos aguardar pura e simplesmente o resultado final do inquérito.

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Que depressa, e bem depressa, se apure tudo e todas as responsabilidade».

Se a ma;oria SQ opuser ao breve esclarecimento deste incidente, eu, se não renunciar, não entrarei nesta sala ato que tudo se apure, mas irei lá para fora j unto do povo explicar a minha atitude.

O Sr. Queiroz Vaz Guedes: — Seja qual for a moção que a Câmara vote, ou de hoje em diante não me retirarei do Ministério dos Abastecimentos, senão para me alimentar e ali estarei até que tudo se apure.

Ali esperarei os depoimentos dos Srs. Deputados e no mais curto espaço de tempo eu trarei à Câmara o resultado de tudo, porque eu, como todos desejo também ver eselarecid,o este incidente.

O Sr. António Maria da Silva: — O requerimento feito pelo Sr. Sá Pereira não tem outro intuito que não seja o que expressamente traduz.

Não» há intenções reservadas, eu fui bem expresso e claro nas minhas considerações.

Ao Sr. Queiroz Vaz Guedes já tinha eu dito que a comissão de inquérito não pode dormir um sogundo sequer emquanto não completar os seus trabalhos, porque, se já tinha obrigação de o fazer, com maior soma de razão agora tenho o direito de lho dizer, visto que, depois do que aqui sé passou, hão pode já ter sossego nenhum de nós, que não aponas os visados. Simplesmente, Sr. Presidente, eu não posso concordar com que se prebenda transformar a Câmara em juiz. Isso é que não posso tolerar, porque quem tem de derimir o pleito são os tribunais.

Calcule V. Ex.a, Sr. Presidente, que os documentos voem para a Câmara, e a isso me não oponho eu. Eles terão, porém, que voltar p;ira quem de diroito. que- é a comissão de inquérito, porque não dou a ninguém, o direito de converter a Câmara num tribunal de investigação. A Câmara delegou e não podemos retirar essa delegacia sob pena de nos sujeitarmos a todas as suspeições.

Pode a Câmara querer detalhes, pode querer ver os depoimentos escritos para averiguar se houve da parte do Sr. Vaz Guedes, não digo qualquer propósito de

Diário da Câmara dos Deputados

falsear o sentido do que foi declarado, mas qualquer falha de memória ou erro 'de interpretação. Isto, porém, não será para voltarmos aqui numa larga questão sob o ponto de vista político e moral. Esses documentos terão de voltar para a comissão e não devemos arripiar caminho porque só essa comissão pode mandar os criminosos para os tribunais. De contrária, estarmo-nos-íamos a substituir aos tribunais e isso não pode ser, para dignidade do Parlamento e até das pessoas inculpadas. (Apoiados],

Tenho dito.

É lida a moção do Sr. António Maria da Silva.

O Sr. Sá Pereira:—Reqneiro que seja concedida a prioridade para a moção do Sr. António Maria da Silva.

É aprovado.

O Sr. Brito Camacho: — Requeiro a contraprova.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: —Estão de pé 32 Srs. Deputados e sentados 31. Nau há, pois, número. para se fazer a votação. Vai proceder-se à chamada.

Procede-se à chamada.

Responderam os Si^s,: .

• Afonso de Macedo.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Pereira Guedes.

Álvaro Xavier de Castro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

António da Costa Ferreira.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Francisco Pereira.

António Maria da Silva.

António Marques das Neves Mantas.

António de Paiva Gomes.

António Pires de Carvalho.

António dos Santos Graça.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

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Stssllo de 28 de Abril de Í920

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Seve-rino.

Constâncio Arnaldo de Carvalho.

'Custódio Maldonado de Freitas.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos Cruz.

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Estêvão da Cunha Pimentel.

Francisco da Cunha Rego Chaves.

Francisco José Pereira.

Francisco de Pina Esteves Lopes.

Francisco Pinto da Cunha Liai.

Jaime da Cunha Coelho.

João Estêvão Águas.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Ricardo.

João Maria Santiago Gouveia Lobo Prezado.

João de Orneias da Silva.

João Salema.

João Teixeira de Queiroz Vaz Gue-de.s

João Xavier Camarate Campos.

Josò Domingos dos Santos.

José Grogório de Almeida.

José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.

José-'Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis.

Júlio Augusto da Cruz.

Júlio do Patrocínio Martins.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís de Orneias Nóbrega Quintal.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel José da Silva.

Manuel José 'da Silva.

Mariano Martins.

Mem Tinoco Verdial.

Nuno Simões.

Pedro Gois Pita.

Pedro Januário do Valo Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Raul Leio Portela.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

O Sr. Presidente:—Estão presentes Vai repetir-se a con-

a contraprova.

O Sr. Presidente: — Está empatada a votação, tendo que se repetir amanhã, em conformidade com os §§ 1.° a3.° do artigo 119.»

A próxima sessão é amanhã com a mesma ordem do dia.

Eram 2 horas e 46 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Requerimentos

Requeiro que pelo Ministério do Comércio me seja permitido consultar os processos referentes à reforma forçada, do professor Paulo Marcelino Dias de Freitas, do Instituto Industrial e Comercial do Porto e à compra do prédio da Rua de S. Lázaro, na mesma cidade, onde foi instalada a Escola Superior de Comércio.

Requeiro também que pelo mesmo Ministério me seja enviada com toda a urgência, nota detalhada das despesas feitas com a sindicância de que derivou a reforma do mencionado professor Paulo Marcelino.

Sala das Sessões, 28 de Abril de 1920.— Eduardo de Sousa.

Para a Secretaria.

Expeça-se.

Requeiro, pelo Ministério do Interior, me soja enviada, com urgência, cópia dos quesitos, com data de 26 de Abril de 1920 e assinados pelo tenente-coronel Manuel Liai do Magalhães, entregues aos aficiais da, guarda republicana do Porto, assim como a cópia das respostas de todos os oficiais. Os quesitos referem-se no seu quesito terceiro à recepção e despedida no Porto do Sr. Álvaro de Castro.

f Sala das Sessões, 28 de Abril de 1920.— Álvaro de Castro.

Para a Secretaria.

Expeça-se.

Requeiro que mo seja fornecido o livro Estatística de pescas marítimas, de 1918, publicado pelo Ministério da Marinha.

Sala das Sessões da Câmara, 28 de Abril de 1920.— António dos Santos Graça.

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Diário da Câmara doa Deputados

Propostas de lei

Do Sr. Ministro da Guerra, mandando cessar a admissão do pessoal feminino de enfermagem no exército, é mantendo às actuais enfermeiras militares designados direitos e deveres.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de guerra.

Para o «.Diário do Governo».

Do mesmo Sr. Ministro, dispensando do pagamento do imposto de registo, a que se refere o decreto n.° 5:633, de 10 de Maio de 1919, os agraciados com qualquer dos graus das Ordens de Cristo e S. Tiago da Espada.

Aprovada a urgência.

Para a comisxão de guerra. '

Para o a Diário do Governo».

Do Sr. Ministro da Guerra, promovendo, por distinção, ao posto de tenente, o alferes de cavalaria Álvaro Damião Dias, e contando-lhe a antiguidade do posto desde 18 de Agosto de 1915.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de guerra.

Paru O «Diáriú dú GútiêruO».

Do mesmo Sr. Ministro, estabelecendo pensões suplementares para os militares

que se invalidaram na defesa da Pátria ou no cumprimento dos deveres militares.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de guerra.

Para o « Diário do Governo».

Pareceres

Da comissão de finanças, sobre o projecto de lei n.° 276-A, que autoriza o Governo a criar, com designados encargos, uma corporação denominada «Junta Autónoma do Porto e Barra da Figueira da Foz».

Para a Secretaria.

Imprima-se.

Da comissão de administração pública, sobre o projecto de lei n.° 382-A, que autoriza o Governo a remodelar os serviços da Exploração do Porto de Lisboa, em conformidade com designadas bases.

Para a Secretaria.

Para a comissão de obras públicas e minas.

Da comissão de instrução secundária, sobre o projecto de lei n.° 289-B, que permite a nomeação de candidatos do se-

__ ^ __w ^....^...l*^,^ VX ^ •»•« •Wk-WÍÍ-vP ~ ~

grupo dos liceus femininos. Para a Secretaria. Para a comissão de finanças.

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