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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
DST. 89
EM 27 DE MAIO DE 1920
Presidência do Ex.mo Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Baltasar de Almeida Teixeira
Secretários os Ex,mo< Srs,
Jacinto de Freitas
Sumário.— Abre a sessão com a presença de 36 Srs. Deputados. É lida a acta.— Procede-se à segunda chamada, a que respondem 64. Srs. Deputados. È aprovada a acta sem discussão.—Dá-se conta do expediente.
É admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Governo».
,
Antes da ordem do dia. — E proposto e aprovado um voto de sentimento pela morte do sogro do Sr. Mem Verdial.
O Sr. Presidente do Ministério (António Maria Baptista) apresenta uma proposta de lei sobre a compra de jtapel de impressão para a Imprensa Nacional. E votada a urgência.
Ê aprovada uma .proposta do Sr. Presidente para que, em vez de sessões nocturnas, as diurnas se prolonguem até às 20 horas.
É aprovado um projecto de lei vindo do Senado, considerando feriado nacional o próximo dia iO de Junho.
Entra em discussão o parecer n.° 437—autorizando a despender 5:215.871^79 pelas despesas excepcionais resultantes da guerra. Usam da palavra os Srs. Malheiro Reimão, Albino da Fonseca (relator}, Ministro da Guerra (Estêvão Aguas) e Ferreira da Rocha.
A discussão fica pendente.
Ordem do dia (primeira parte).—Entra em discussão a proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças sobre os chamados «lucros de guerra». Usa da palavra o Sr. Ferreira da Rocha, que manda para a Mesa uma moção, que é admitida.—O Sr. Ministro da Instrução (Vai»'.o Borges) mandapara a Mesa diversas propostas de lei.
O Sr. Álvaro de Castro (para explicações} refere-se a reunião dos «leaders» que os jornais noti" ciaram, com respeito à apreciação das propostas de finanças. Responde o Sr, Presidente do Ministério. Sobre o mesmo assunto usa da palavra o Sr. Brito Camacho.
Continuando a discutir-se a proposta sobre os lucros de guerra, usam da palavra os Srs. Dias
da Silva e Malheiro Reimão, ficando a discussão pendente.
Fazem-se substituições na comissão de obras públicas.
•Ordem do dia (segunda parte).— Continua a discutir-se o parecer n.° 384 — alterações na lei do divórcio. Usa da palavra o Sr. Sampaio e Maia.
Antes de se encerrar a sessão.'—O Sr
Álvaro de Castro refere-se a um documento que requereu pelo Ministério da Justiça.
O Sr. João Salema refere-se a uma notícia do diário «A Capital» sobre o destino de um empréstimo feito pelo Governo Inç/lês.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.— Última redacção.— Projectos de lei.— Propostas de lei.— Pareceres.
Abertura da sessão às 14 horas e 27 minutos.
Present'S à chamada 04 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
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Diário da Câmara dos Deputados
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino de Carvalho Mourão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Bastos Pereira.
António da Costa Ferreira.
António Francisco Pereira.
António José Pereira.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António dos Santos 'Graça.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Dias da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Augusto Rebolo Arruda.
Bàltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio Arnaldo de Carvalho.
Custódio Martins de Pava.
Domingos Cruz.
Eduardo Alfredo de Sousa;
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Francisco José Pereira.
Francisco de Pina Esteves Lopes.
Francisco de Sousa Dias.
Jacinto de Freitas.
Jaime da Cunha Coelho.
Jaime Júlio de,Sousa.
João Estêvão Aguas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Maria Santiago Gouveia Lobo Presado.
João de Orneias da Silva.
João Salema.
João Xavier Camarate Campos.
José Domingues dos Santos.
José Garcia da Costa.
José Gregório de Almeida.
José Maria de Campos Melo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Monteiro.
José de Oliveira Ferreira Dinis.
José Rodrigues Braga.
Ladislau Estêvão da Silva Batalha.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho,
Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel José da Silva (Porto).
Mariano Martins.
Pedro Gois Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Raul Leio Portela.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Acácio António Camacho Lopes Cardoso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Se-verinOi
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco José de Meneses Fernandes Costa.
João Gonçalves.
Joaquim Brandão.
José António da Costa Júnior.
Júlio Augusto da Cruz.
Marcos Círílo Lopes LoitãOí
Vasco Borges.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Adolfo Mário Salgueiro Cunha.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Macedo.
Afonso de Melo Pinto Veloso;
Albeítd Álvaro Dias Pereira.
Albino Vieira da Rocha.
Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Aresta Branco.
António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.
António Carlos Ribeiro da Silva*
António dá Costa Gòdinho do Amaral.
António Dias.
António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho*
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Joaquim Granjo.
António Joaquim Machado do Lago Cér^ueftá.
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Setsão de 27 de Maio de 1920
António Maria Pereira Júnior.
António Marques das Neves Mantas»
António Pais Rovisco.
António Pires de Carvalho'.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Vítor Cordeiro Rosado.
Estêvão da Cunha Pimentel.
Francisco Alberto da Costa Cabral.
Francisco Cotrim da Silva G ar cês.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rego Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia*
Francisco José Martins Morgado.
Francisco Luís Tavares.
Francisco Manuel Couceiro da Costa.
Francisco Pinto da Cunha Liai.
Helder Armando dos Santos Ribeiro.
Henrique Ferreira de Oliveira Brás.
Henrique Vieira de Vasconcelos.
Hermano José de Medeiros.
Jaime de Andrade Vilares.
Jaime Daniel Leote do Rego.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Henriques Pinheiro.
João José da Conceição Camoesás.
João Pereira Bastos. .
João Ribeiro Gomes.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Aires Lopes de Carvalho.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge dê Vasconcelos Nunes.
José Gomes Carvalho de Sousa-Varela.
José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Júlio César de Andrade Freire.
Júlio do Patrocínio Martins.
Leonardo José Coimbra.
Liberato Damião Ribeiro Pinto.
Lino Pinto Gonçalves Marinha.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís de Orneias Nóbrega Quintal.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).
Maximiano Maria de Azevedo Faria.
Mem Tinoco Verdial.
Miguel Augusto Alves Ferreira.
Nuno Sim5es.
Orlando Alberto Marcai.
Raul António Tamagnini de Miranda
go
ma.
Tomás de Sousa Rosa. Vasco Guedes de Vasconcelos. Vergílio da Conceição Costa. Vítor José de Deus de Macedo Pinto. Vitorino Henriques Godinho. Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Xavier da Silva.
Pelas 14 horas e 27 minutos, com a presença de 36 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.
Leu-se a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à segunda chamada.
Procedeu-se à segunda chamada a que responderam 64 Srs. Deputados.
Acta aprovada-.
Leu-se o seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Lino Pinto Gonçalves Marinha, 45 dias.
Do Sr. Ribeiro de Carvalho, 30 dias.
Do Sr. Maximiano Maria de Azevedo Faria, 30 dias, com princípio em 10 corrente. ,
Do Sr. Constâncio Arnaldo de Carvalho, dispensa da sessão nocturna de hoje.
Do Sr. João Camoesás, 3 dias.
Do Sr. Acácio Lopes Cardoso, à sessão nocturna.
Do Sr. Abílio Marcai, 6 dias.
Para a Secretaria.
Concedidas.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Justificação de faltas
Do Sr. Velhinho Correia. Do Sr. Godinho do Amaral. Para a Secretaria.
Para a comissão de infracções e f altas.
Representações
Dos habitantes de Évora, pedindo providências a fim de atenuar às dificuldades devidas à carestia de vida.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Da Câmara Municipal do Funchal, pedindo uma lei autorizando as câmaras municipais do distrito do Funchal a elevar até 2$ em cada quilograma o imposto 'sobre o tabaco.
Para.a Secretaria.
Para a comissão de administração pública.
Do Centro Comercial do Porto, apelando para o esclarecido critério e atenção da Câmara para que as propostas de finanças sejam coroadas de melhor êxito.
Para a Secretaria.
Para a comissão de finanças.
Ofícios
Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei n.° 60-A que mantêm em execução o decreto de 26 de Maio de 1911 que confere aos sargentos o direito de provimento em empregos públicos.
Para a Secretaria.
Para a comissão de guerra.
Do Ministério do Interior, acompanhando uma nota dos indivíduos presos nos assaltos às casas de batota, pedida pelo •Sr. António Mantas.
Para, a Secretaria.
Do presidente dá comissão organizadora do congresso das juntas gerais, enviando um bilhete'de identidade para o Ex.mo Sr. Presidente desta Câmara e pedindo a assistência de S. Ex.a à sessão inaugural a efectuar na câmara municipal às 14 horas de 30 do corrente.
Para a Secretaria.
Telegramas
Eepublicanos Lavradio rogam urgente .::provação^rprojecto que cria mesa eleitoral naquela freguesia. — Ludgero Cigu-rito* i . Para a. Secretaria.
Das juntas de freguesia do concelho de Penodono pedindo providências contra o procedimento gerente celeiro municipal que não prestou contas lucrativas transações feitas está utilizando proveito próprio avultados lucros 'provenientes mesmas transações.—Presidentes juntas freguesia Antas, Beselga, Castainso, Granja, Ourozinho, Penedono e Póvoa.
Para a Secretaria.
Penedono — Juntas de freguesia concelho de Penedono pedem providências tendentes evitar escândalo distribuição açúcar que está fazendo câmara, pois compondo-se concelho nove freguesias só duas estão boas graças câmara que lhes dá tanto açúcar como sete restantes.
Para a Secretaria.
Porto — Da junta freguesia Paranhos pedindo que seja marcado para ordem do dia projecto concedendo subsídio à Misericórdia do Porto a fim de poder acudir a grande número de doentes pobres que não podem ser atendidos por falta de verba.
Para a Secretaria.
Loures — Do presidente da Câmara Municipal de Loures agradecendo à Câmara dos Deputados a aprovação do projecto das Lezírias.
Para a Secretária.
Évora — 'Kepresentando emenda projecto acerca biblioteca referente instalação museu Évora justa aspiração toda a cidade venho em nome povo Évora rogar V.
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OUIA U. l J l Cl. O. JL\ 'O.HJ.CMJH./J.C
medida. — Presidente comissão executiva câmara municipal, Jorge Capinha. Para a Secretaria.
Porto — Da comissão executiva da j unta geral do distrito do Porto, solicitando aprovação projecto de lei Sr. Ministro Trabalho concedendo subsídio 250 contos à Misericórdia do Porto.
Para a Secretaria.
Admissões
Foi admitido o seguinte projecto de lei, já publicado no «.Diário do Governo»'.
Do Sr. Alfredo de Sousa, concedendo o direito de aposentação aos amanuenses e pessoal menor das escolas primárias superiores.
Admitido.
Para a comissão de instrução primária.
Antes da ordem do dia
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Sessão de 27 de Maio de 1920
na acta um voto de sentimento pela morte desse velho republicano, que se chamou Dionísio Ferreira dos Santos, e que se participe à família este testemunho de condolência.
S. Ex.a não reviu.
O Sr. Domingues dos Santos: — Sr. Pré sidente: como republicano do norte e em nome deste lado da Câmara, associo--me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a
Dionísio dos Santos foi um velho republicano, que muito sofreu no tempo da Monarquia, em «31 de Janeiro» principalmente; assim como muito sofreu no dezem-brismo, pois que esteve preso quatro meses pelo crime de ser republicano.
Dionísio dos 'Santos, velho de corpo, mas de alma republicana sempre jóven, nunca faltou à sua fé política.
Associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a
O orador não reviu.
O Sr. Eduardo de Sousa: —Associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pela morte de Dionísio Ferreira dos Santos, sogro do nosso colega Mem Ver-dial.
Dionísio dos Santos foi um denodado republicano, combatendo sempre a monarquia e tendo por isso sofrido bastante.
Fundou o jornal a República Portuguesa, em que colaboraram João Chagas e José Sampaio.
Dionísio dos Santos foi um dos presos j do Tribunal de Leixões. A sua vida ma- j teria! ficou arrasada, cheia de sacrifícios j e, privações. j
Fundou mais tarde outro jornal a que deu o título de A . . . Portuguesa.
Apesar da sua vida estar cheia de privações, conseguiu dar unia boa educação a seus filhos, sendo suas filhas professoras e seu filho, o Sr. Eduardo dos Santos Silva, um médico distinto, que na presidência da Câmara Municipal do Porto afirmou a sua lúcida inteligência e o seu espírito de democrata.
Dionísio dos Santos Silva foi uma das vítimas do dezembrfsmo, sofrendo sempre pela República, mas também mantendo sempre, íntegro, o sen sentimento republicano.
Eu não podia deixar do me associar ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a
O orador não reviu.
O Sr. Manuel José da Silva (Porto): — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome do Partido Socialista, me associar ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pela morte do Sr. Dionísio Ferreira dos Santos, sogro do ilustre Deputado o Sr. Mem Verdial.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro Guedes: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome do Partido da Reconstituição Nacional, me associar ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pela morte do sogro do ilustre Deputado Sr. Mem Verdial.
O orador não-reviu.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: não estando presente nenhum dos leaders do Partido Liberal í pedi a palavra em 'nome do mesmo partido para me associar ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pela morte do Sr. Dionísio Ferreira dos Santos, sogro do nosso ilustre colega nesta Câmara o Sr. Mem Verdial.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista):— Sr. Presidente: pedi a palavra para, em. nome do Governo me associar ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pela moj-te do Sr. Dionísio Ferreira dos Santos Silva.
Sr. Presidente: já que estou com a palavra, aproveito a ocasião para mandar para a Mesa uma proposta de lei que passo a ler e para a qual peço urgência. Refere-se à compra de papel de impressão para a Imprensa Nacional.
A proposta de lei vai adiante por extracto.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovada a minha proposta.
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Diário da Câmara dos Deputados
a Mesa, tenham a bondade de se levantarem.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente:—De todos os lados da Câmara me estão pedindo para não marcar sessões nocturnas, devido às dificuldades que actualmente existem nos transportes.
Nestas condições, eu entendo que o melhor seria, para não perdermos tempo, abrir as sessões^ às 14 horas, conforme preceitua o Regimento, e encerrá-las só às 20 horas.
Desta forma, teríamos cinco, horas de sessão.
Assim, a primeira chamada far-se há às 14 horas, e a segunda às 15, havendo uma hora para os assuntos de «antes da ordem do dia», e quatro horas para os assuntos da «ordem do dia».
Se a Câmara está de acordo com isto, eu procederei de conformidade.
S. Ex.a não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que até certo ponto não estou de acordo com o alvitre que V. Ex.a acaba de expor à Câmara, por isso que o expediente proposto não representa cinco horas efectivas de sessão.
Não posso, pois, estar de acordo com a opinião expendida por V. Ex.a
Desta maneira adiam-se constantemente os assuntos em ordem do dia e começados a discutir.
• Entendo que se devia dar uma sessão diurna com a duração proposta por V. •Ex.a e duas sessões nocturnas por semana.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente:—Devo dizer que à Mesa não importa haver sessões nocturnas.
Fiz esta proposta, porque de todos os lados da Câmara recebi pedidos, para não haver sessões nocturnas, por falta de eléctricos ; mas se houver reclamações consultarei, a Câmara.
/S. Ex.a não reviu.
O Sr. Alberto Cruz: — Não posso concordar em que não haja sessões nocturnas. •
Os assuntos marcados para ordem não devem s.er prejudicados por circunstância alguma.
Dizer-se, que por falta de eléctricos não pode haver sessões nocturnas, não é de aceitar, porquanto há quem, para vir aqui, faça maiores sacrifícios, pois vem em comboios.
Existem muitos meios de transporte como sejam automóveis, trens, etc-, para vir ao Congresso.
Portanto, protesto contra a falta de sessões nocturnas. Eu venho em comboio para o Parlamento e por isso posso falar com razão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente :—Visto que se levantam duas opiniões a favor das sessões nocturnas, vou consultar a Câmara.
Os srs, Deputados que entendem que a primeira chamada se faça às 14 horas e a segunda às 15, encerrando-se a sessão às 20 horas, tenham a bondade de se levantar.
Foi aprovado.
É aprovado sem discussão, sendo enviado à comissão de redacção o projecto de lei, vindo do Senado, considerando de feriado nacional o dia 10 do próximo mês de Junho.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se para entrar em discussão, o parecer n.° 437.
E o seguinte:
Parecer n.° 437
Senhores Deputados.— A vossa comissão de guerra, a quem foi presente a proposta d,e lei u.° 359-1, assinada pelos Srs. Ministros da Guerra e das Finanças, nada tem a produzir contra a mesma proposta, relegando-a por isso às comissões técnicas do orçamento e finanças.
Sala das Sessões, 11 de Fevereiro de 1920. — João Pereira Bastos — Júlio Cruz—Américo Olavo—José Rodrigues Braga— Tomás de Sousa Rosa—Malheiro Reimão —João Estêvão Águas, relator.
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Sdísfa «fo 27 d* M tada pelos Ministros da Guerra e Finanças, tem o fim de pagar despesas já realizadas em consequência do estado de guerra, do que resulta compromisso para o Estado que dele. necessita libertar-se sern demora, é de parecer que a referida proposta de lei merece a vossa aprovação. Sala das Sessões da comissão de orçamento, 30 de Abril de 1920.—António Maria da Silva—João de Orneias da Silva—Raul Leio Portela (com declarações)—Augusto de Paiva Manso—Camarote de Campos—Domingos Frias— João Camoesas—Jacinto de Freitas— Mariano Martins—Albino Pinto da Fonseca, relator. Senhores Deputados,— A vossa comissão de finanças examinou a proposta de lei n.° 359-1, e tendo ponderado que se trata de satisfazer compromissos tomados pelo Estado, saldar dívidas e ocorrer a inadiáveis despesas, dá-lhe a sua aquiescência. Sala das Sessões da comissão de finanças, 28 de Abril de 1920.—Álvaro de Castro —Mariano Martins —António Maria da Silva—Joaquim Brandão—Ma-Iheiro Reimao (com declarações)—Domingos Frias —António fonseca —Alberto Jordão, relator. Projecto de lei n.° 859-1 Senhores Deputados.—A passagem de um prolongado estado de guerra durante o qual se criaram novos serviços no exér- j cito e'se remodelaram outros, para o da l paz em que terá de subsistir, pelo menos temporariamente, a maior parte desses serviços, tornou deficiente o orçamento do Ministério da Guerra desde que se pretenda limitar a sua tabela de despesa aos moldes seguidos antes da guerra. E por isso que, 'desde que a lei n.° 837, de 30 de Junho, tentou encerrar a conta das «Despesas excepcionais resultantes da guerra», ama enorme perturbação se produziu em todos os órgãos administrativos do exército. Começaram a faltar as verbas por onde pudessem ser pagas muitas despesas já feitas até 30 de Junho, outras comprometidas por contratos celebrados e cujos efeitos terão de pesar no Orçamento durante boa parte do ano corrente, outras imprevistas e resultantes da estreiteza do orçamento ordinário, dentro do qual impossível é fazer caber o que até 30 de Junho era denominado «Despesas de guerra» e que de facto continuam a correr pelo ano económico presente, em intensidade "decrescente até que chegue à normalidade. E indispensável um orçamento suplementar, o que aliás está previsto no artigo 6,° da lei n.° 837, e para esse fim apresento esta proposta de lei: Art. 1.° É o Governo autorizado a despender pelo Ministério da Guerra e pelas «Despesas excepcionais resultantes da guerra», referentes ao ano económico de 1919-1920, a quantia de 5:215.871^79, assim discriminada: Designações Ao Conselho Administrativo do Arsenal do Exército Para aquisição de armazéns no sítio do Telhai, ao Poço do Bispo, para arrecadação do material de guerra recebido e a receber do Corpo Expedicionário Português • . • .... Despesa a fazer em França pela compra de 56:000 munições completas adquiridas por intervenção do Govôrno Francês, autorizada pelo Ex.mo Ministro da Guerra em 7 de Dezembro de 1916, com destino a peças de artilharia 7° M T R (2935250 francos) ..... Com' destino à Fábrica de Cheias para pagamento à Empresa de Minas e Indústrias do Cabo Mondego, por fornecimento que fez de 150:000 quilograroaç de carvão . .......... Soma e seaue ...... ....
Soma pardal
Soma total
Para construção de edifícios destinados à instalação do fabrico de
162.000^00
S"i
340.000^00
939.280^00
8.520£00
1:449.800^00
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Diário da Câmara dos Deputados
Designações
Soma parcial
Soma total
l:449.800sSOO
11 433^27
Idem, para pagamento a Joaquim Miranda & C.a, por fornecimento que fez em resultado de concurso público de 30 de Abril de 1919, 50 toneladas de chumbo ..... ........ ...
8.747$81
Idem, para pagamento à Companhia União Fabril de fornecimento que está fazendo em resultado de concurso público de 30 de Abril de 1919, 13o toneladas de ácido sulfúrico ...... . . ...
13 230$00
Para pagamento à Sociedade Industrial Asturiana (Oviedo), pelo •fornecimento de latão em tiras e copelas (959.876,4 pesetas) . . . . Para pagamento a D. Juaii Ballasteros, pelo fornecimento de espadas (109.723,30 pesetas) ....................
604.721^88 69.128^64
Para aquisição de novo material para as bandas de música dos regi~ mentos de infantaria n.06 4, 7, 22 e 24 para substituir o inutilizado ou extraviado no Corpo Expedicionário Português ........
4.512^50
Para reforço da verba orçamental para material da Fábrica de Braço de Prata, para aquisição de artigos de indemriidade de equipamento a que têm direito os oficiais, por falta destes artigos no
' 1.500#00
2:163.074^10
Ao Conselho Administrativo do Depósito Central de Fardamentos
Pagamento de fornecimentos por conta das despesas da guerra em Julho
Francisco José Ferreira, Sucessores ..... ... 52'311^84
Feruandes & C » ........... 1 354$37
Manuel A. Bebiano ................ 5 549$00
-
Fernando da Cruz & Filhos ............ 159$60
Brás & Irmão, Sucessores ...... . . . .' 5 561$49
Ferreira Sobrinho & C.a .......... . 14.987458
Nunes dos SauLuss & C.a ........... 97 429$54
Aníbal Neves, Limitada ....... . . 135 643$29
Augusto Duarte ......... . . . 5 425$39
Diogo da Silva, Limitada ....... ... . . 78 186$25
Santos Cruz & Oliveira, Limitada ..... . . . 74 250j$34
,
Amélia R. Machado . . ............. 98$00
470.956^69
Pagamento de fornecimentos em Agosto
Santos Cruz & Oliveira, Limitada . . . . , . 6484$29
Brás & Irmão, Sucessores .... ..... 25 624$82
Fernandes & C." ............ ' . . °. . 125$0(.)
Augusto Duarte ............ ; ..... 7 391$14
Dio^o da Silva, Limitada ...... . . . . 32 207$8õ
Nun°es dos Santos & C." .............. 74 488$22
Ferreira Sobrinho & C." ............ 4 89l$78
230.058^49
Pagamento de fornecimentos em Setembro
Francisco José Ferreira, Sucessores .......... 7 752$46
Fernandes & C.", Limitada ..... . . . 921$49
Ferreira Sobrinho & C.a .......... . . • 1().842$24
19.516$19
Pagamento de fornecimentos em Outubro
José M. Calado ................ 2016$00
Francisco José Ferreira, Sucessores. ..... . 26 547$92
Fernandes & C.a, Limitada. . ........ 116^12
Ferreira Sobrinho &Ca ............... 1 947$9â
79.813^00
Soma e seque ..........
800.344:537
2:163.074^10
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Sessão de 27 de Maio de 1920
r>esigj>açõos
Soma parcial
Soma total
800.344*37 101.398*39
*
260.940*39
2:163.074^10
1:162.683*15
443.766*00
150.000*00 SO.OOOíOO
72.480*00 343.700*00
Pagamento de fornecimentos em Novembro
Brás & Irmão, Sucessores .............. 70.493*46
Francisco Josó Ferreira Sucessores ........ 2íS 806*23
Ferreira Sobrinho & C " .............. 1.088*20
Pagamento de~fornecimentos em Dezembro
Brás & Irmão, Sucessores ............ 131.832*91
Fernandes & C.", Limitada ............. 5.964$25
Ferreira Sobrinho & C a .............. 11.076585
Augusto Duarte ......... . ....... 2.066á82
Dio^o da Silva, Limitada ..... . ....... 68.083^4.3
Aos conselhos administrativos das unidades e estabelecimentos militares
Para pagamento de importâncias gastas com diversas despesas a mais
372.900*00 70.866*00
Para excesso de despesas de iluminação por insuficiência da verba
Aos conselhos administrativos dos estabelecimentos militares
Para pagamento de subvenções a funcionários civis do Ministério da
A Inspecção Geral das Fortificações e Obras Militares
A 5.' Repartição da Direcção Geral dos Serviços Administrativos do Exército
Vencimentos d.p funcionários civis em serviço no Corpo Expcdiciouá-
48.000*00
480*00 6.000^00 18.000£00
Subvenção de campanha .a praças da guarda fiscal ao serviço do
Ao Conselho Administrativo do Ministério da' Guerra
86.500.^00 50.0(,0$00 40.000*00
150.000^00 10.000*00
7.200^00
Para aquisição de material e instalação de estações de telegrafia
Para pagamento de despesas feitas nos consulados, com convocações
Para pagamento às estações ielegráílucis e telefónicas por serviços
Para reforço da verba para despesas imprevistas e eventuais .... Para pagamento à Legação de Itália, indemnização pela requisição
Soma e seoue ....„„....
4:415.703^85
Página 10
10
Diário da Câmara dot Deputado*
DesignaçõoB
Soma parcial
Soma totnl
4:415.703^25
Ao Depósito Geral de Material de AquarteJaíBeatP Para pagamento de fornecimentos ooutratados pelas despesas da
33.877$Õ4
As unidade.8 que têm a seu cargo os postos de vigilância
10.000£0()
Á Escola de Condutores Militares de Automóveis
47 .000^00
Ao Hospital Veterinário Militar
Pa.ra pagamgiitp de débitos das unidades que receberam ferragem
544$34
Ao Conselho Administrativo do Quartel General Territorial do Corpo Expedicionário Português
Para pagamento à Direcção dos Transportes Marítimos, s,eu crédito
279 35J $49
Para pagamento dos débitos ao pessoal do Corpo Expedicionário Por-
150 000400
0
429.351 $49
Ao Parque Automóvel Militar
Pára consertos e entretenimento do material automóvel indispensável ao serviço dos estabelecimentos militares, som verba própria para ôfttft fltn durante o presente ano económico ...... «...
25(9 74Qj$OC
Ao Conselho Administrativo da Secretaria da. Guerra
Para indemnização da importância mandada pagar ao nosso adido .militar em Londres para pagamento de despeâa feita com a compra de metralhadoras e seu transporte para Portugal (£ 3:000), guia n.° 624, de 10 de Janeiro de 1920, da Direcção Geral da Fazenda Pública ............. t ..... j ,,....
49 655$17
1 '
Soma total. . .
5-215 871$79
,
Art. 2.° Fica. revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 6 de Fevereiro de 1920.— Os Ministros, Helder Ribeiro nío Fonseca.
-Antô-
O Sr. Malheiro Reimão :—-j Eis-me de novo a protestar contra o sucessivo aumento de'despesa!
5:215.871^79 è quanto, segundo dizem os pareceres, se tem de pagar por despesas já efectuadas em consequência do estado de guerra.
O que eu desejo saber é quem. autorizou tais despesas, e se os Ministros podem dispor do dinheiros que não estejam au-no Orçamento.
Imagine .V, J5x.a, Sr, Presidente, que no ano económico de 1919-1920, ainda se fizeram despesas excepcionais, resultantes' da guerra!
Em Dezembro passe.do, ainda os Srs. Ministros da Gruerra autorizou fornecimentos por conta de despesas de guerra!
j.Então isto é o que cada um quero?
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ao Poço do Bispo, com a qual a comissão não concordou, mas que vem aqui inscrita.
& um cúmulo !
; A comissão encarregada da aquisição destes armazéns, achou a verba exagera-díssima, e figura aqui!
É preciso que haja alguém que veja a situação deplorável em que nos encontramos.
jOntem 50:000 contos para o Arsenal, hoje 0:000 e tantos contos para despesas do guerra, relativas ao- ano passado!
jAcabou a guerra e ainda vamos comprar em França 56:000 munições, num total de 93~9:2SOé !
i Fez-se um fornecimento de 351:290 quilogramas de carvão sem haver verba no Orçamento.!
j Compra-se 50 toneladas de chumbo, 135 toneladas de ácido sulfúrico l
j C.ompra-se latão orn Espanha, na importância de 1:000 pesetas.!
j Não percebo nada! .
Na proposta do Sr. Ministro, consigna--se também uma infinidade de verbas relativas ao- Depósito Central de Fardamentos, que não se sabe o que é, porque esse estabelecimento tem uma vida especial, e se o Conselho Administrativo "adquiriu artigos em maior quantidade do que o devia fazer, bom seria chamá-lo à responsabilidade.
^0 que são os fornecimentos por conta das despesas de guerra?
As diversas despesas gastas pelos conselhos administrativos das unidades e estabelecimentos militares, também não percebo a que título aqui aparecem.
^Quem autorizou a exceder as dotações orçamentais ?
Se foi o Ministro, que ele se chame à responsabilidade, porque os .duodécimos não podem ser excedidos.
! Só para pagamento de subvenções a funcionários civis do Ministério da Guerra, aparecem aqui 150. 000$!
O exército tem todos os quadros excedidos, e apesar das organizações que se tem feito, ainda se gastam 150:000 contos!
j E para gratificação ao pessoal em serviço na 5.a Eepartição dos Serviços Administrativos, pede-se 18 contos I
II Como pQde ser isto só as gratificações estão proibidas por lei há muito
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jPara pagamento de despesas da guerra, ao Depósito de Material de Aquarte-lamento, pede-se 33 contos e tal !
j Não sei para quê !
O que sei ó que esse depósito têm estado a vender lençoes por um preço extraordinariamente baixo.
Tem-se vendido aos milhares, a particulares, para estes, por sua vez, fazerem explendidos negócios.
Tem-se vendido tudo.
Venderam-se artigos adquiridos para o Corpo Expedicionário Português, comple-tamcnte ao desbarato : ceroulas quo foram compradas aos Armazéns do Chiado por 2$50, têm sido vendidas por $20 e $30.
Uma voz : — ; Isso é simplesmente inacreditável !
O Orador: — j Vendem-se mantas, fronhas, lençóis, . e apesar desta aparente abundância, guarnições há em que os soldados não têm cobertores para se cobrirem !
Muito se poderia dizer, Sr. Presidente, sobre este assunto, mas eu não quero, porém, cançar a atenção da Câmara, tam convencido estou de que todas as observações serão inúteis e de que ela irá dar o seu - voto a esta proposta, dando mais uma vez ao País a impressão de que estamos a nadar, em dinheiro.
Vozes : — Muito bem. O orador nflo re.rà.u.
O Sr. Albino da Fonseca : — Como relator desta proposta eu tive o cuidado de não elaborar o respectivo parecer sem ir ao Ministério 'da Guerra consultar todos os documentos que se referem às -despesas nela mencionada.
Eu tive, então, o ensejo de constatar que realmente a maior parte dessas verbas, diziam respeito a despesas efectuadas durante o estado de guerra, e que deviam ser cobertas pela verba de Despesas extraordinárias resultantes da guerra».
Como foi suspenso o pagamento por essa razão, algumas verbas ficaram por satisfazer e são as que constam desta proposta.
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obras que foram iniciadas e quo tem'de se concluir, se o Estado não quiser ser prejudicado.
Se, porventura, há responsabilidades a liquidar, elas pertencem exclusivamente a quem ordenou essas despesas.
O que porem se não pode fazer é deixar de pagar o Estado a quem deve.
Isso soria intensificar ainda mais a campanha de descrédito que por parle do comercio vem. sendo feita contra o Estado.
A comissão entendeu, e muito bem, que tendo o Estado contraído determinados compromissos, tem de os satisfazer, sem prejuízo, é claro, das responsabilidades a que porventura possam ser chamados aqueles quo autorizaram essas despesas sem necessidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Estêvão Águas):—Não é da minha responsabilidade nenhuma das despesas que constam desta proposta.
Elas estão devidamente documentadas, e o Sr. relator do respectivo parecer, deu já todas as explicações que foram exigidas. '
Todavia desejo levautzir uma frase q'ue há pouco pronunciou o Sr. Malheiro Rei-mão, para que não possa ficar a impressão de que os soldados dalgumas guarnições não têm nem mantas nem lençoes para se cobrirem.
Se assim ó, eu não tenho conhecimento oficial desse facto, mas estou absolutamente convencido de que há exagero nessa afirmação.
Quanto' à venda de artigos que faziam parte do fornecimento do Corpo Expedicionário Português, eu devo informar «a Camará de que não se trata de lençoes novos, ou de mantas em bom estado, mas apenas de pedaços, quer duma quer doutra, que não podem ter aplicação alguma a não ser para trapos de limpeza.
O Sr. Malheiro Reimão (interrompendo}:— Sei quo há muitos civis que têm cobertores novos comprados no Depósito de Fardamentos.
O Orador:—As informações que tenho não dão razão a que se acredite nisso.
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O Sr. Malheiro Reimão: — Claro é que as informações oficiais hão-de justificar essas cousas que se fazem.
Quando foi da encorporação dos recrutas, em Viana do Castelo, houve uma epidemia. As praças estavam sem camas e sem cobertores.
É preciso que comecemos de facto a zelar oã interesses do Estado.
O que parece é que não se quero entrar no caminho das economias, pois ainda há pouco, quando da ida do Sr. Ministro da Guerra a Portalegre, foram utilizados nada mais, nada menos do que três automóveis.^ Par a quo?
O Orador:—V. Ex.a agora deriva para uni ataque à minha pessoa.
Não foram três automóveis; foram dois.
V. Ex.a está a contar com o do Sr. comandante da 7.a divisão, que tinha o direito de estar em Portalegre área do seii comando, por ocasião da visita oficial do Ministro.
Um dos que foram foi para mini. De certo que ninguém poderia pretender que eu não me utilizasse desse meio de transporte, tendo como tinha toda a neeessi-da^Je de representíir condignamente o alto magistrado da Nação.
Vim por Castelo de Vide para chegar mais cedo a Lisboa; de resto, se viesse por outra linha, não podia dispensar também o automóvei, a menos que S. Ex.a esteja-convencido de quo a estação de Portalegre é dentro da cidade e que eu devia ands.r a pé em todos os actos oficiais. A estação fica a 12 quilómetros.
O Sr. Malheiro Reimão : — «J E o terceiro ?
O Orador: — O outro, o segundo, e não terceiro, foi para os oficiais que me acompanhavam. Parece-me quo teí&o direito, como Ministro da Guerra, à devida representação.
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Tudo está justificado nos documentos qne estão na repartição competente. Tenho dito.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente : sejam de quem forem as responsa-bilidades, o facto é que esta proposta é para se pagarem despesas já feitas.
Saímos assim dos princípios constitucionais, dos princípios que caracterizam as repúblicas parlamentares.
Lova-se o Parlamento a sancionar despesas efectuadas e para as quais não havia autorização orçamental.
Mas há ainda novas despesas que não foram feitas e para as quais se pedem os necessários créditos.
^ Onde estão as alegações de facto que mostrem a -necessidade de tais despesas?
Não as encontramos nem no relatório da proposta, nem no parecer.
Interrupção do Sr. relator, que não se ouviu.
O Orador: — Supondo que são estas que o Sr. relator acaba de me indicar, as despesas novas, a verdade é que não há nenhuma justificação pela qual possamos ver que são absolutamente necessárias.
Nada mais.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Interrompo esta discussão, visto qne é a hora de se passar à ordem do dia.
Os Srs. Deputados que tenham quaisquer papéis para enviar para a Mesa, podem remetê-los.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: —Vai ler-se a proposta ministerial sobre os lucros de guerra.
O Sr. Mariano Martins (para um requerimento] : — Requeiro a dispensa da leitura, visto a proposta ter sido distribuída aos Srs. Deputados.
Foi aprovado.
O Sr. Presidentes—Está em discussão na generalidade.
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É a seguinte
Proposta de lei
As grandes despesas provenientes da guerra que Portugal o os demais países que nela intervieram, foram obrigados a fazer, liquidaram-se, em todos esses países, com as receitas provenientes do lançamento- do novos e pesados impostos, com as quantias realizadas à custa de grandes e importantes empréstimos e com os recursos provenientes dum inevitável aumento da circulação fiduciária.
Em Portugal, porém, as despesas da guerra foram feitas quási que exclusivamente à custa do papel-moeda.
Daí o extraordinário aumento da nossa circulação fiduciária, que, de há muito, excedeu os justos limites que correspondem, às necessidades, do País e às exigências do nosso movimento comercial.
A situação presente, se não ó trágica, é duma delicadeza e dum melindre que a todos se deve impor.
O remédio, ainda possível, a dentro das normas constitucionais, está no Parlamento, votmido os orçamentos o as medidas de finanças pendentes, que habilitem o Governo a fazer face aos perigos da hora presente.
Embaraçando tudo o todos, influindo, pesada e desastradamente, no custo da vida, dificultando, impossibilitando quási, as nossas relações externas, pelo agravamento sempro crescente dos nossos câmbios, causando, finalmente, uma perturbação grave em todas as manifestações da nossa vida económica e social, cujos efeitos se sentem funestos hoje e se pressentem terríveis amanhã, existe essa montanha de notas semi-desvalorizadas que é preciso reduzir, dalguina maneira, por uma razão superior de salvação pública.
Elas são, essas notas, para uns, uma aparência de riqueza que está muito aquém da realidade; para outros, uma aparência de bem-estar que, na verdade, é uma verdadeira ficção e à qual corresponde já um regime de privações; o ainda, para outros, a própria expressão da fome e da miséria com todos os seus horrores e com todas as suas funestas consequências.
Urge reduzir essa montanha do papoi semi-desvalorizado para tornar possível a vida em Portugal.
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vale a dizer que se fez com um imposto, económica e financeiramente o pior de to- -dos, lançado quási que exclusivamente sobre as classes mais modestas, mais pobres e necessitadas da nossa sociedade.
É o caso que quem tem muitas notas, muito papel-moeda, mesmo desvalorizado, suporta, sem dificuldades de maior, os terríveis efeitos da sua desvalorização: em vez de gastar 100, gasta 200, e como tem 200 para gastar, não sofre privações.
Mas quem tem pouco, quem tem para viver somente o seu simples ordenado ou salário, diminuído e desvalorizado dia a dia, £ que do privações c de sofrimentos não sofro, com essa desvalorização que se traduz na alta vertiginosa de preços de tudo quanto é necessário e indispensável à vida?
Do emprego quási exclusivo da circulação fiduciária para fazer face aos encargos provenientes da guerra, resultou ôste facto injusto e revoltante em Portugal: é que quem principalmente tem suportado o poso'da guerra não são os ricos, são os pobres.
Os ricos, com- a guerra aumentajam a sua riqueza, ao nmsmo tempo que os pobres com a guerra aumentaram a sua pobreza.
Rompeu-se o antigo'equilíbrio social e os efeitos dessa rotura podem ser funestos para todos. Tém-se pedido só a uns, em vez do se ter pedido a todos.
Fez-se só circulação fiduciária quando se deviam ter feito também impostos.
Deixo u-se aumentar' a miséria do maior número, provoniento do aumento da circulação fiduciária, ao mesmo tempo, que, em plena liberdade, sem peias nem encargos, aumentava vertiginosamente, e por vezes provocantemente, a riqueza dalguns.
Em Portugal não houve nem há impostos sobre Jucros de guerra; não houve nem há impostos sobre os aumentos de fortuna provenientes da guerra; quási não houve nem Lá agravamento dos antigos impostos pelo motivo da guerra, e isto tendo havido, como não podia deixar de haver, despesas extraordinárias e despesas avultadas que-resulta mm da guerra, às quais, dalgurna maneira, forçoso era e ó fazer face com receitas compensadoras.
Diário da Câmara dos Deputado
Ao inevitável aumento da circulação fiduciária devia ter correspondido o lançamento dê novos impostos que fizessem com que os novos ricos, os comerciantes e industriais improvisados e ad hoc que realizaram lucros e proventos desmarca-dos, participassem, na medida das suas faculdades, na liquidação dos pesados encargos do Estado.
Não se fez isso, e antes, a nossa inércia, em finanças da guerra, e o nosso recurso, quási inalterável, à circulação fiduciária, criou um ambiente especial e particularmente favorável à multiplicação dos novos ricos e ao aparecimento, quási mágico, de fortunas, muitas ;das quais ofendem até a consciência pública.
E ao mesmo tempo foram relegados para posições que roçam pela miséria muitos dos antigos remediados, muitos dos que dantes se contavam entre a classe média e que se podem considerar como' sendo os novos pobres de hoje.
A presente proposta visa, dentro do possível, a reparar essa grave série de injustiças. "Sobro os lucros, fortunas e maiores valias resulta ates da guerra, lança-se um imposto" extraordinário destinado, exclusivamente, a reduzir a circulação fiduciária, deixando-a dentro de limites que sejam comportáveis pela economia nacional.
Pretende-se assim valorizar a nossa moeda, com o que têin a lucrar, especialmente, as classes médias e as classes pobres e .menos abastadas, e com o que têm também muito a lucrar as. classes ricas, aquelas que têm de perder. Na maior valorização da expressão em numerário da sua restante fortuna encontram elas uma compensação dos sacrifícios que são inevitáveis, e com a tranquilidade social que se procura obter, por meio dum equilíbrio que actualmente não existe, encontram elas. uma garantia de continuidade das condições sociais, de hoje, que sem isso ninguém pode assegurar.
Tem também muito especialmente em vista a presente proposta acudir à nossa terrível situação cambial por uma forma, por um processo, que, por toda a parte, se reconhece ser seguro e eficaz. Procura-se, assim, tornar possível'o exercjcio do comércio externo indispensável à vida da Nação.
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Sest&o de S? dê Maio de 193&
Em harmonia, pois, com os votos mais autorizados e de atender na hora presente, e por uma razão superior de salvação pública, urge aprovar a presente proposta de lei.
Há uma lenda em Portugal, que é preciso combater, sobre a possibilidade de lançar um imposto sobre lucros de guerra, espalhada^por aqueles a quem esta lei vai atingir. E que uma tal lei não é de possível execução neste momento. Ora isto diz-se mas não se prova. O contrário é que se prova e com relativa facilidade.
Em França, na Itália, na Suíça, pura não citar outros países, estão ©m pleno vigor disposições legais que tornam o Estado comparticipante nos lucros de guerra, considerando-se como tal os lucros que excedem os lucros normais fixados por lei ou que excedem as médias realizadas anteriormente à guerra.
Esta disposição, visto que facto análogo se deu e se dá entre nós (notáveis acréscimos de lucros em certas empresas e explorações comerciais e industriais) pode igualmente anplicar-se em Portugal . como se aplica lá fora.
Emqiiato aos lucros realizados de 1914 até à data da publicação desta lei também podem, por unia maneira indirecta, ser tributados.
Esses lucros foram capitalizados, e assim o problema resume-se em procurar os novos .capitais aparecidos depois da guerra e em os tributar na parte em que é lícito supor que eles representam* a acumuliiç^o de lucros provenientes da guerra, ou seja na parte em* que ó lícito supor que excedem o aumento normal da riqueza social, tal .qual como esse aumento se produzia no país anteriormente à guerra.
E essa a economia da presente proposta de lei:
Artigo 1.° Destinada exclusivamente à redução da circulação fiduciária é regulada a participação do Estado nos lucros excepcionais provenientes da guerra e nos capitais « maiores valias resultantes desta, nos termos da prosento lei, cuja validade se estende até 31 de Dezembro de 1924.
Art. 2.° Bíio considerados lucros pro-â&
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a) Os lucros realizados a partir da data da publicação desta lei, e ato o termo da sua validade, por companhias, bancos, empresas, sociedades comerciais o industriais de qualquer natureza, existentes anteriormente a l de Julho de 1914, e por quaisquer comerciantes ou industriais ou • indivíduos exercendo, temporária ou acidentalmente, actos do comércio ou indústria, desde época anterior a essa data, na parte em que Esses lucros excedam a média dos lucros realizados nos três últimos exercícios anteriores a l de Julho de 1914, ou. o lucro normal, para, os efeitos desta lei, de 8 por cento do capital social, se essa média lhe for inferior;
b) Os lucros realizados, dentro do mesmo período, pelas entidades ;a que se re-fero a alínea a) e nas condições nola'expressas, organizadas e existentes a partir de l de Julho de 1914, na parte em que esses lucros excedam a remuneração, considerada normal, para o efeito desta lei, de 8 por cento do respectivo capital social;
c) Os lucros realizados nos mesmos casos e circunstâncias das alíneas anteriores, por quaisquer comerciantes estabelecidos com agências ou escritórios comerciais, exercendo actos de comércio, .por conta alheia, sem capital próprio, ou por quaisquer indivíduos não comerciantes, mas realizando, de'facto, temporária ou acidentalmente, quaisquer actos, .de comércio ou indústria, na parte em que esses lucros excedam a média dos lucros obtidos UOB três últimos exercícios, anteriores a l de Julho de 1914;
Para as entidades a que se refere esta alínea e que exerçam actos do comércio ou indústria desde data posterior a l de Julho de 1914, "consideram-só lucros provenientes da guerra os lucros realizados que excedam a média dos lucros obtidos por dois comerciantes ou industriais, nos três últimos exercícios acima citados, com quem se possam equiparar, e que tenham, exercido o comércio ou indústria anteriormente a essa data;
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quer actos lícitos doutra natureza, designadamente da compra e venda de quaisquer valores.
Art. 3.° A compra e venda de papéis e títulos do crédito é compreendida nas disposições do artigo anterior, quer esses papéis e títulos de crédito sejam nacionais, quer sejam estrangeiros; e o exer-cícip dê actos de comércio ou indústria a que se refere o mesmo artigo, compreende--se directamente ou por meio de interposta pessoa, e no país ou fora dele.
Art. 4.° Ficam sujeitos às disposições do artigo 2.° e como tal em regime de participação com o Estado, nos termos do artigo 6.°, todos os lucros realizados desde l de Julho de 1914 e ainda a distribuir a partir da data da publicação desta lei.
Art. 5.° Não serão considerados lucros provenientes da guerra os lucros resultantes da venda de produtos agrícolas quando essa venda seja realizada pelo próprio agricultor.
Art. 6.° A participação . do Estado nos lucros provenientes da guerra é a seguinte :
1.° Lucros descritos nas alíneas a) e b) do artigo 2.° :
-
realizados, nos três últimos exercícios anteriores a l de Julho de 1914, ou ao mínimo de 8 por cento sobre o capital fixado nas mesmas alíneas, deduzir-se há 10 por cento para o Estado, ficando o restante para garantia dum lucro de até, 16 por cento ao capital das entidades referidas nas mesmas alíneas.
Garantido que seja esse lucro de l por cento, deduzir-se há, da parte restante, 20 por cento para o Estado, ficando o excedente para garantia dum lucro de até 24 por cento ao capital.
Garantido que seja esse lucro de 24 por cento, deduzir-se há, da parto restante-, 30 por cento para o Estado, ficando o excedente para garantia dum lucro de até 32 por cento ao capital.
Garantido que seja esse lucro.de 32 por cento, deduzir-se há, da parte restante, 40 por cento para o Estado, ficando o excedente para garantia dum lucro de até 40 por cento ao capital. E final-mente.
Garantido que seja Gsse lucro de 40 por cento ao capital, a parte excedente será repartida a meias com o Estado.
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2.° Lucros descritos nas alíneas c) e d) do artigo 2.°:
Da parte excedente à media dos lucros realizados nos três últimos exercícios an-' tenores a l de Julho de 1914, ou à remuneração normal de 8 por cento do capital :
Desde l e até 25 contos — 10 por cento.
Mais de 25 e até 50 contos — 20 por cento.
Mais de 50 e até 75 contos'—30 por cento.
Mais de 75 e até 100 contos — 40 por cento.
Mais de 100 contos — 50 por cento.
§ único. O Estado não participará nos lucros descritos no artigo 2.°, desde que o seu montante seja inferior a um conto.
Art. 7.° São também considerados lucros provenientes da guerra todos os lucros resultantes de fornecimentos feitos ao Estado para as força? de terra e mar e sua preparação para a guerra, efectuados a partir de l de Julho de 1914.
A participação do Estado nestes lucros terá lugar a partir daquela data, e será na razão de 2 por iiiil uo valor total dos respectivos fornecimentos.
Art 8.° São considerados capitais provenientes dos lucros da guerra 75 por cento dos que abaixo se mencionam, considerando-se os 25 por cento restantes como alheios a esses lucros e provenientes do crescimento normal da riqueza pública :
a) Aumentos de capital de companhias, bancos, empresas e sociedades comerciais e industriais de qualquer natureza existentes em l de Julho de 1914, bem como os aumentos de capital do quaisquer indivíduos, comerciantes ou industriais, existentes igualmente nesta data, levados a efeito, por todas estas entidades, desde l de Julho de 1914 até a data da publicação desta lei;
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c) Quantias realizadas pela emissão de obrigações ou títulos equivalentes posteriormente a "l de Julho de 1914, bem como as quantias dadas por empréstimo, sob qualquer forma, a quaisquer comerciantes ou industriais, ou indivíduos exercendo, temporária ou acidentalmente,' actos de comércio ou indústria, a partir desta data, e, num e noutro caso, até a data da publicação desta lei;
d) Quantias realizadas a partir de l de Julho de 1914 e até a data da publicação desta lei por meio de suprimentos feitos a quaisquer companhias, bancos, empresas e sociedades comerciais e industriais de qualquer natureza, bem como as quantias realizadas por suprimentos feitos a quaisquer indivíduos, comerciantes ou industriais, ainda mesmo pelos seus próprios sócios;
e) Quantias aplicadas, no país ou fora dele, por indivíduos residentes em Portugal, ou entidades aqui estabelecidas, e sujeitas ao foro do país, na aquisição de quaisquer acções, obrigações, títulos ou papéis de crédito estrangeiros, a partir de l de Julho de 1914, e até a data da publicação desta lei, ou, neste mesmo período, transferidas para quaisquer bancos oa estabelecimentos similares estrangeiros, e ainda em depósito em 30 de Abril de 1920;
/) Quantias aplicadas na aquisição de .quaisqii^; bens ou valores mobiliários ou imobiliários, não designados nas alíneas anteriores, posteriormente a l de Jiilho dê 1914, e até a data da publicação desta lei, no país ou'fora dele, por indivíduos residentes em Portugal, ou entidades aqui estabelecidas e sujeitas ao foro do país;
g] Quando são abrangidas pelas ali neas anteriores quaisquer quantias capitalizadas desde l de Julho de 1914 até a data da publicação desta lei, por quaisquer indivíduos residentes em Portugal, ou entidades aqui estabelecidas e sujeitas ao foro .do país.
Art. 9.° Não serão compreendidos nas disposições do artigo anterior os capitais directamente aplicados na exploração e indústria agrícola e nas obrigações e títulos de crédito do Estado; nem «eruo considerados como capitais resultantes dos lucros do guerra, os capitais referidos no mesmo artigo quando se prove que resultam do produto da alienação do bens
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ou valores de qualquer natureza possuídos anteriormente a l de Julho de 1914, na parte do valor que O'os tinham nessa data, ou, no caso previsto na alínea b} do artigo 8.°, quando se prove que resultam duma nova modalidade ou organização de qualquer companhia, banco ou sociedade comercial ou industrial, já anteriormente existente, ou duma antiga exploração comercial ou industrial, em uonie individual, também anteriormente existente, mas, num e noutro caso, somente na parte do capital realizado até essa data.
Art. 10.° A participação do Estado nos capitais resultantes dos lucros de guerra é de 16 por cento desses capitais, não podendo o mesmo capital ou a mesma quantia, quando abrangida por mais duma das alíneas do artigo 8.°, ser tributada por mais duma vez.
Serão tributados pelo motivo da participação do Estado:
1.° Nos casos das alíneas a) e ò) do artigo 8.° as companhias, bancos, empresas, sociedades comerciais e industriais e demais comerciantes ou industriais e indivíduos referidos nessas alíneas.
2.° Nos casos das alíneas c) e d) do mesmo artigo, as entidades ou indivíduos que receberam as quantias ou suprimentos nelas referidas, embora transfiram depois aos seus credores ou às pessoas de quem receberam ôsses suprimentos os encargos provenientes desta participação do Estado.
3.° Nos casos das alíneas e) e /) do mesmo artigo, os proprietários dos bens móveis ou imóveis e domais valores e quantias nelas mencionadas.
4.° No caso da alínea g), as pessoas, entidades ou indivíduos a quem pertençam as quantias a que se refere a mesma alínea.
Art. 11.° O Estado não terá participação alguma nos capitais resultantes dos lucros de guerra indicados no artigo 8.° quando Osses capitais sejam inferiores a 10 contos.
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-se como maior valorização as diferenças positivas entre os valores actuais e" os valores cotados ou conhecidos em l de Julho de 1914. Para o caso das acções, obrigações, partes ou cotas de sociedades comerciais ou industriais de qualquer natureza, organizadas e existentes a partir de l de Julho de 1914, consideram-se maiores valorizações as diferenças positivas entre os valores actuais e os seus respectivos valores nominais.
§ único. Para o cômputo das maiores valias poderá levar-se em conta uma desvalorização da moeda corrente na razão que pelo Governo vier a ser fixada.
Art. 13.° A participação do Estado nas maiores valias resultantes da guerra é a seguinte:
1.° Nas maiores valias das acções, obrigações, partes ou cotas de sociedades comerciais ou industriais do qualquer natureza. 16 por cento;
2.° Nas maiores valias de quaisquer bens mobiliários ou iinobiliários, desde que essas maiores valias sejam iguais .ou superiores a l conto:
Desde l e até 25 contos —10 por cento.
Mais de 25 e até 50 contos — 20 por cento.
Mais de 50 e' até 75 contos — 30 por cento.
Mais de 75 o ato 100 contos — 40 por cento.
Mais de 100 contos — 50 por cento.
§ 1.° Serão tributados, pela participação do Estado nas maiores valias das acções, obrigações, partes ou cotas das sociedades comerciais ou industriais a que se refere o artigo 12.°, os respectivos accionistas, obrigacionistas ou proprietários dessas partes ou cotas e não as companhias, bancos, empresas e sociedades comerciais ou industriais a que elas digam respeito; e, pelas maiores valias de quaisquer bens ou valores, mobiliários ou imobiliários, os seus actuais proprietários, Meando, num e noutro caso, os indidduos colectados, e responsáveis perante a,Fazenda Pública, com o direito do reclamar uma justa indemnização ou compensação das pessoas de quem tenham recebido esses valores, quando já em maior valia.
§ 2.° As companhias, bancos, empresas, sociedades comerciais e industriais de qual-
t)iârio da Câmara dos Deputados
quer natureza cujas acções, obrigações, partes de capital ou cotas sejam abrangidas pelas maiores valias provenientes dos lucros de guerra, não poderão distribuir, sob qualquer forma ou pretexto, aos seus respectivos accionistas, obrigacionistas, participantes ou sócios, quaisquer lucros ou dividendos, a partir de í de Janeiro de 1921, sem que os beneficiados por essa distribuição, provem haver satisfeito as obrigações que lhe são impostas por esta lei.
Art. 14.° Apurado o montante das quantias devidas ao Estado pola sua participação nos capitais e nas maiores valias resultantes dos lucros de guerra, poderá o Governo autorizar que o respectivo pagamento se não efectue desde logo na sua totalidade e que para o efeito desse pagamento sejam, emitidas obrigações pelas entidades que o possam fazer, ou aceites letras, vencendo juro, .pelas demais entidades que por lei não possam emitir obrigações, considerando-se essas obrigações e essas letras como privilegiadas e com precedência sobre todas c quaisquer dívidas. As letras que representem encargos sobre a propriedade imobiliária serão ré-gisuidiis, para produzirem os seus efeitos, nas Conservatórias.
Art. 15.° A receita para o Estado, proveniente do disposto nesta lei - será escriturada sob a rubrica «participação do Estado nos lucros, capitais e maiores valias provenintes da guerra» e entregue, directa e integralmente, pelos tesoureiros de finanças, no Banco de Portugal para integral cumprimento do disposto no presente diploma. Eeduzida a circulação fiduciária a 200:000 contos não poderá o Governo, ob qualquer pretexto, aumentá-la, sem lei expressa, aprovada pelo Poder Legislativo.
Art. 16.° A tributação sobre os lucros capitais e maiores valias a que se refere a presente lei, será feita em presença das declarações obrigatórias dos respectivos contribuintes, verificadas, corrigidas e jnl-gadas dá maneira que for estabelecida pelo Governo e pelas entidades por ele indicadas nos respectivos regulamentos.
§ 1.° A declaração apresentada fora dos prazos legais, importa uma sobretaxa de 20 por cento sobre o total da participação do Estado.
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além do imposto, uma sobretaxa de 25 por cento sobre a parte não declarada.
Art. 17.° Aos que empregando moios fraudulentos para se subtrair ao pagamento do que for devido ao Estado, dissimularem ou tentarem dissimular os seus lucros, capitais ou maiores valias provenientes da guerra? será aplicada além dá sobretaxa de 25 por cento sobre a parte que tenham pretendido encobrir, prisão de l a 12 meses, não remível, e multa variável, conforme a importância sonegada, de 50.0 a 10.000 escudos, que reverterá, inteiramente, a favor de quem denunciar ou .descobrir a fraude.
§ único. A falta de declaração, quando haja lucros, capitais ou maiores valias, provenientes da guerra, será considerada, meio fraudulento para a aplicação deste artigo, excepto quando se prove que não houve dolo.
Art. 18.° Aos contribuintes que não apresentarem, em devido tempo, as suas declarações, será calculada, polas entidades indicadas no artigo 16.°, as importâncias sobre que deve recair a participação do Estado, sem prejuízo ,das penas e das multas aplicáveis a que se referem os artigos antecedentes. - .- •
Art. 19.°- É estabelecido, obrigatoriamente, o inventário fiscal, por falecimento dos contribuintes sujeitos a este imposto, com o fim de se verificar só foram verídicas as suas declarações e se pagaram ao Estado a contribuição a este devida. .
No caso de o não terem feito será devida pelos herdeiros a quantia que ao Estado deixou de ser paga acrescida dos respectivos j aros de mora e de uma sobretaxa de 25 por cento.
Art. 20.° Fica o Governo autorizado, por intermédio dos funcionários competentes, e sempre que assim o julgar conveniente, a proceder a todas e quaisquer diligências precisas para se verificar a veracidade das declarações produzidas pelos contribuintes, ou a justificação da falta destas, ordenando quaisquer exames ou a prestação de quaisquer informações quo só julguem necessárias para o integral cumprimento desta lei.
A não prestação propositada das informações pedidas, a í alta díi sua voracidade ou o omprr^o de índios tendentes a ocultar ou a, modificar os elementos do
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exame e investigação a que se refere este artigo, serão considerados como meios fraudulentos e sujeitos à mesma pena e multas a que se refere o artigo 12.°, sem prejuízo das penas mais graves aplicáveis nos termos da legislação penal vigente, ficando os seus autores igualmente solidários com os contribuintes na importância da participação que por estes for devida ao Estado.
A importância da multa reverterá, inteiramente, a favor de quem denunciar ou descobrir a fraude.
Art.. 21.° Fica o Governo autorizado a tomar todas as medidas necessárias para a integral execução .desta lei, e a inscrever no orçamento geral do Estado as verbas precisas para esse fim, designadamente' as verbas para ocorrer às despesas com o lançamento, cobrança, impressos e gratificações, por trabalhos extraordinários, que forem atribuídas aos-funcionários da Direcção- Geral das Contribuições e Impostos 'e ao.s tesoureiros da Fazenda Pública, cuja importância não será computada para a determinação do seu limite máximo de vencimentos, e também as verbas precisas para ocorrer às despesas com quaisquer técnicos ou especialistas que convenha contratar, e para fazer face aos vencimentos e abonos de quaisquer funcionários que convenha igualmente mandar fazer serviço na Direcção Geral das Contribuições e Impostos.
O Governo dará contas ao Poder Legislativo do uso quo fizer destas autorizações.
Art. 22.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 24 de Maio de 1920.—O Ministro das Finanças, Francisco de Pina Es-teves Lopes.
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estudo preparatório que a sua própria importância torna necessários.
Devemo-nos 'recordar de que se trata dum imposto novo em Portugal, cujas consequências terão influência considerável na vida económica do País.
Devemos ponderar que se trata duma pesadíssima tributação a fazer incidir sobre capitais e rendimentos, e que nós vamos discuti-la, na ausência de quaisquer informações ou relatórios elucidativos, com 48 horas de leitura, tempo decerto insuficiente para se preverem os.efeitos dêase imposto na economia do País, para se ouvirem interessados, para se avaliar dos meios de que dispõe o Estado para a sua aplicação, para ao menos se estabelecer o confronto com as medidas de carácter idêntico adoptadas na legislação de países estrangeiros.
Assim, se a proposta tivesse de ser agora votada por esta Câmara, pouco mais se poderia fazer do que um mero simulacro de discussão.
Não nos esqueçamos, Sr. Presidente, de que Parlamento algum do mundo se sujeitaria a votar eni tais condições, sem o devido estudo prévio, propostas da natureza daquela de que nos ocun.imos hoje, qualquer que fosse a imperiosa necessidade de recorrer à criação de novas receitas. ->
É que jamais um Parlamento deve correr o risco de comprometer, por actos de precipitação, os bons resultados que pretende alcançar de determinadas medidas financeiras.
Agora mesmo em França, tratando-se não já dum imposto caracterizadamente novo sobre lucros de guerra mas sim de ampliar os efeitos dum sistema tributário já criado, a Câmara dos Deputados'acaba de despender 32 sessões na discussão das propostas de finanças, aliás já largamente debatidas em comissão, apresentadas com trOs meses de antecedência, desenvolvidá-mente justificadas no relatório do respectivo Ministro; e, no emtanto, a França, arruinada pela guerra, sobrecarregada de impostos, precisa elevar o montante das suas receitas públicas de 10 a perto de 18 biliões de francos.
Meditemos nesse exemplo, Sr. Presidente, para dele concluir que, por mais difícil que seja a nossa situação financeira, essa dificuldade não nos impõe a vo-
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tacão precipitada de medidas desta natureza, antes, bem ao contrário, nos recomenda o maior cuidado no estudo da capacidade tributária do País, na escolha do sistema de impostos que melhor possam produzir o 'fim desejado, no exame da forma como essa aplicação deve ser realizada.
Tentar proceder doutra forma será coagir o Parlamento, colocando-o no dilema de ter de rejeitar a proposta apresentada, pondo de parto o que nela haja de útil, ou ter do a aprovar som as indispensáveis correcções, porventura sob o receio da acusação de recuar perante o recurso a todos os meios que sejam capazes de fornecer pronto remédio para a perigosa situação das nossas finanças públicas.
Havendo assim formulado claramente o meu protesto quanto à forma como somos chamados a pronunciar-nos, com urgência e dispensa de Regimento, sobre a mais importante das propostas que o Sr. Ministro das Finanças apresentou, talvez a última que devesse ser no Parlamento apreciada porque exige uma forma radical do nosso sistema tributário, eu entro na sua discussão, ua, generalidade, tanto quanto mo ó possível fazê-lo com os escassos elementos que, em tam curto prazo., se podem deduzir do seu estudo. •
Pretende o Sr. Ministro das Finanças na sua proposta conseguir três fins: tributar os lucros excepcionais futuros, que considera derivados da guerra; fazer reverter para o Estado parte dos aumentos da riqueza que supõe proveniente de anteriores excessos de lucros de guerra; fazer participar o.Estado nas maiores valo-r.izações, 'embora ainda não realizadas, que quaisquer bens mobiliários ou imobiliários hajam adquirido desde 1914 até hoje.
Por Sste simples enunciado vê V. Ex.*, Sr. Presidente, que a proposta do Sr. Ministro das Finanças envolvo princípios absolutamente novos em Portugal, e, em parte, sem precedentes em nenhum pais do mundo.
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Seria desnecessário, Sr. Presidente, tam assentes se encontram essas doutrinas na nossa organização social, recordar os inconvenientes de carácter económico o as dificuldades do ordom prática, de qualquer sistema tributário que pretendesse tomar como um dos seus principais fundamentos o imposto.sobre o capital, quando, não se contentando em deste se servir para atenuar os erros consequentes da aplicação das contribuições, ou não se limitando a procurar sobretudo nas transmissões a forma de fazer regressar h comunidade os excessos de riqueza qne os impostos do rendimento não houvessem atingido, apresentasse o aspecto duma confiscação parcial a incidir sobre o capital existente.
Partidário entusiasta do imposto progressivo sobre o rendimento, eu apoiarei sempreCsses princípios, convencido de que só em circunstâncias anormais, de imperiosa necessidade de salvação pública, pode o Estado recorrer à confiscação parcial da riqueza adquirida.
Do Estado deve partir o estímulo à capitalização e não o incitamento ao desperdício ; e, mormente na época que vamos atravessando, não pode, não deve o Estado, praticar qualquer acto que, atemorizando capitais, provoque a sua fug« ou a sua rápida dissipação.
Lance o Estado, sobre os rendimentos, os mais pesados impostos que o seu desenvolvimento possa suportar; mas não estabeleça precedentes que, retirando a indispensável segurança aos rendimentos já capitalizados, destruiriam a base, sem a qual a capitalização é impossível.
É verdade, porém, que o fim principal da proposta, na intenção do proponente, e sob esse aspecto a devemos considerar para avaliar o que contêm de útil, consti-.tui a tributação dos excessos de lucros derivados da guerra. São mesmo ôsses lucros excepcionais, ainda não despendidos, que a proposta pretende "atingir na confiscação parcial de capitais e na tributação de maiores valias a que me referi; e embora o faça erradamente, a tal ponto que, nessa parle, se exequível fosse, a proposta convertida em lei representaria um imposto geral sobre o capital existente, é indubitável que o propósito do seu autor resido principalmente na tribu-tw8,o do lucros de guerra, anteriores ou
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futuros, importando, portanto, considerá-la em primeiro lugar sob esse aspecto especial.
Vamos em Portugal tributar os lucros de guerra, numa altura em que seis anos decorreram sobre a declaração da guerra europeia, em que mais de um ano vai passado sobre a data em que a guerra findou.
Vamos em Portugal estabelecer um imposto sobre os excessos de lucros derivados da guerra, precisamente quando outros países procuram suprimir esse imposto de carácter.transitório, exigido certamente pelas necessidades da guerra, mas cuja manutenção em circunstâncias normais é altamente prejudicial pelas dificuldades que opõe ao desenvolvimento de iniciati-, vás e pelo agravamento que produz na alta dos preços.
E extremamente lamentável este carácter tardio da proposta.
Evidentemente Portugal, como os outros países, devia tributar os excessos de lucros de guerra nas mesmas circunstâncias em que esses países o fizeram. Não se pode deixar de censurar aos Governos Portugueses o erro de, ao mesmo tempo que verificavam a necessidade da nossa participação na guerra e das enormes despesas que tínhamos a fazer para a realizar, não haverem também tido a coragem de mostrar ao país que, para os encargos da nossa entrada no conflito mundial/se impunha infalivelmente a criação de novas^ receitas.
E lamentável e censurável que os Governos Portugueses não houvessem tido a coragem de o fazer, repito, em tempo devido, quando a imposição 'desses novos tributos ora porventura fácil, não a relegando para agora, para época tam distante da situação passada, já tam longe da capitalização ou do desperdício dos lucros, que nem talvez seja possível a sua execução.
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somente para conseguir as receitas que a guerra exigia, mas para fazer recair os respectivos encargos naqueles que, mercê das circunstâncias excepcionais derivadas da própria guerra, maiores lucros auferiam, para compelir toda a restrição do consumo, e para evitar que as consequências desse excessivo aumento de circulação c do exagerado consumo viesse, recaindo sobre o preço de géneros indispensáveis à vida, incidir mais pesadamente sobre aquelas classes da sociedade que menos deviam e podiam suportar o fardo das despesas de guerra.
É lamentável que só agora a visão próxima do abismo tenha levado os governantes portugueses a procurar aumentar os impostos, a pôr termo à constante emissão de notas, já hoje levada além do limito que a carestia mundial de todos os artigos e a maior intensificação dos negócios poderiam sem perigo aconselhar.
Mas, seja como for, iniciativa tardia ou não, não se devem regatear louvores à coragem do Sr. Ministro das Finanças, autor da proposta em discussão.
O facto ó que S. Ex.a foi de todos os Ministros que têm passado pela pasta das Finanças, excepção feita da tentativa violenta da lei Sidónio Pais o único Ministro que teve a iniciativa de uma proposta de lei para a tributação dos excessos de lucros derivados da guerra.
Não se devem recusar esses louvores à iniciativa do Sr. Ministro das Finanças, e eu não os negarei.
Oxalá eu pudesse aplicar também os mesmos louvores, relativamente à forma como S. Ex.a pretende resolver o problema e principalmente à maneira como S. Ex.a deseja tributar a riqueza adquirida na parto que presume ser derivada desses excepcionais lucros. •
Não o poderia fazer a respeito desse último ponto, Sr. Presidente, porque a proposta, a tal respeito, representa de facto um castigo à economia individual e um próruio ao desperdício.
Efectivamente, para .aqueles que despenderam^ largamente os excessos de lucros adquiridos durante a guerra, não se aplicará a lei nos termos da proposta. Os que tiverem, lucros exagerados nada so-írem com a proposta se os gastaram já; e o projecto em discussão só vai atingir a parte desses lucros que tiver sido pou-
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pada, a parte que tiver sido capitalizada. Só esta conclusão seria suficiente para constatar a injustiça da proposta, para demonstrar ao Sr. Ministro das Finanças que não será esta a melhor forma de resolver o problema; mas a estes inconvenientes da doutrina há a juntar dificuldades de realização prática, tam grandes, que a proposta vem a tornar-se quási inexequível, como procurarei mostrar na análise dos respectivos artigos do projecto.
E não poderia eu também, Sr, Presidente, louvar o critério que presidiu à orientação da proposta, quer no que respeita à forma 'escolhida para a tributação dos excessos de lucros, quer no que interessa à falta de disposições essenciais e à imprecisão de termos que a caracteriza.
A proposta é tam imprecisa e vaga, que não vem a representar mais do que= a afirmação dum princípio, tornando indispensável que outros diplomas, porventura publicados pelo Poder Executivo, venham de facto dizer aos contribuintes as características do imposto que lhe vai aplicado. Sei que os defensores da proposta hão-de afirmar que a sua matéria será regulamentada; mas é preciso reconhecer que um regulamento cão pode ir até o pomo de inscrever disposições de direito substantivo, disposições que, definindo direitos e deveres dos cidadãos para com o Estado, na lei devem ficar estabelecidas. Em uma lei tributária, devem ficar claramente demarcados os di: reitos o os deveres dos contribuintes; no emtanto, se esta proposta, em lei fosse convertida, ninguém saberia bem quais os direitos a defender, quais os deveres a cumprir, nem inesmo como esses deve-ves haviam de ser apreciados pelas instâncias públicas incumbidas da sua avaliação.
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Admitindo mesmo que devemos tributar os excessos de lucros, não já da guerra, que eata findou, mas oa excessos de lucros derivados, na paz, da situação anormal que a. guerra nos legou, nós podemos e havemos de fazê-lo com a necessária clareza, eni termos que não deixem lugar a constantes' dúvidas, ou que não releguem para o Executivo a sua eficaz aplicação. A discutível, muito discutível, a vantagem de, fora das circunstâncias extraordinárias da guerra, se estabelecer uma contribuição que, saindo da esfera própria de urn imposto de rendimento, pretende determinar a diferença entre os lucros actuais de qualquer empresa e aqueles que lograva obter anteriormente à guerra, para arrancar grande parte, se não a maior porção dessa diferença, São muito de recear os efeitos de tal contribuição no desenvolvimento das indústrias, para as quais, a determinada altura do ano, certa já a média de lucros que o Estado, deixa intacta, pode ser inconveniente ou desnecessário continuar ou activar a laboração em face da pequena percentagem que para a empresa adviria dos restantes IUGJ-OS ; não são menos de temer os efeitos dessa contribuição na carestia da vida, certo, como' é, que o imposto 'sobre o excesso de lucros., relativamente aos comerciantes, se reveste dos defeitos das. contribuições indirectas, indo agravar o consumidor, a quem o comerciante, pelo aumento de preços, fará pagar a taxa máxima da contribuição, ainda mesmo quando, para o seu aaso especial, Case máximo possa não vir a ser aplicado..
Masj postas de lado essas dificuldades, admitindo que por alguns anos ainda as nossas circunstâncias financeiras impõem esses inconvenientes, não há motivo al-gmn para quo do Parlamento não saia uma lei clara que, tributando os excessos de lucros de guerra, seja redigida com aquele cuidado que deve merecer ao le,-gislador matéria de tanto vulto. Os textos de idôuticas leis estrangeiras facilitar-nos hão a tarefa, mostrando bom onde é omissa ou obscura a proposta em discus- i são; mas, para o nosso caso, há? dificuldades que precisam de sor ainda mais bem estudadas, porcino, não existindo entre nós o imposto gorai d? rendimento, falta-nos por completo p.. mííojiii
pensável para a efectiva aplicação de qualquer imposto sobre excesso de lucros. Os países que tributaram eficazmente os lucros de guerra haviam já estabelecido o imposto de rendimento, e puderam aproveitar os organismos destinados ao seu lançamento e cobrança, para a aplicação desse novo. tributo.
Nós, a esse respeito, tudo teremos de criar de novo, em um país onde a declaração e verificação de lucros hão-de levantar extraordinárias 'dificuldades que será preciso vencer, onde á população ó, por hábito o educação, de singular relutância à aplicação do qualquer sistema tributário que se afaste de impostos indirectos ou de contribuições directas, sempre baseadas eni indicadores e não na verificação efectiva1 de rendimentos. E, a este respeito, ocorre pregnntar se as consideráveis despesas a que o lançamento e verificação do imposto de excessos de lucros vai dar lugar não serão superiores ao resultado da sua cobrança, apesar do relatório da proposta atribuir a este, sem nenhuns elementos de cálculo, o montante de cem mil contos, com o mesmo direito e a mesma justificação que teria para o supor de metade, de um terço, ou do um décimo dessa importância. ^A ter de se montar toda a custosa máquina de que depende o resultado da tributação proposta, não seria então preferível estabelecer impostos de rendimentos, completados por um imposto global progressivo, e, emquanto necessário fosse, pela tributação dos excessos de lucros relativamente ao capital empregado?
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E vai V. Ex.a ver, Sr. Presidente, pela rápida análise que farei dos artigos da proposta em discussão, como ela, mais do que nenhuma outra, carece dessa cuidadosa correcção, para que ncão represente uma simples tentativa de tributação e para que se transforme em diploma exequível ao qual o Poder Executivo não tenha de j untar disposições que não sejam do simples caractere regulamentar.
O artigo 2.° da proposta define o que são lucros de guerra, seguindo inicialmente a doutrina adoptada em todos os países que legislaram sobre o assunto; e assim começa por considerar lucro de guerra a diferença entre os lucros que qualquer comerciante, industrial ou indivíduo, exercendo eventualmente actos de comércio ou indústria, obteve, em média, nos .três anos anteriores à guerra e aqueles que realiza actualmente, estabelé*-cendo o lucro normal de 8 por cento do capital, quando aquela média lhe haja sido iníerior ou quando o exercício da indústria ou comércio haja tido início após l de Julho de 1914.
Mas logo na alínea d) do artigo 2.° se determina que fiquem considerados lucros
J A.-.-.n~»-»n ^1 l 4.
uõ guerra os excessos u.c iiicruG resultantes da prática de quaisquer outros actos que não sejam de comércio ou indústria, designadamente a compra e venda de quaisquer valores.
A doutrina consequente é absolutamente nova nesta matéria; a alínea d) vai tarn longe, no receio de que alguma cotísa escape à tributação que abrange/ além dos actos de comércio e indústria, todos os actos doutra natureza, isto é, todos os actos, porque nenhum há que não caiba dentro desta definição. Há, perdão, os actos ilícitos: a proposta tem o cuidado de dizer expressamente que só os actos lícitos entram naquela defini-
j Assim incluem-se os aumentos de salários porque a prestação de serviços é um acto lícito de natureza diversa dum acto de comércio ou indústria!
Sorri-se o Sr. Minisíro das Finanças, querendo, certamente, significar que não é essa a sua intenção como autor da proposta. Mas, nesse caso, entre a intenção de S. Ex.a e o que da proposta consta vai extraordinária diferença; e quem tiver de interpretar a lei não há-de servir-
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-se das intenções- não expressas do proponente, mas sim da letra é do espírito do próprio texto a interpretar.
A proposta sujeita categoricamente à nova tributação as diferenças de lucros derivados de todos os actos, mesmo que não sejam de comércio ou indústria, e, emquanto a sua redacção assim for mantida, nenhuma outra conclusão pode ser tirada diferente da que acabo de exprimir.
Houve também na proposta talvez a preocupação de fugir, não sei porque motivo, ao emprego da palavra imposto ou termo equivalente, e assim, em vez de se definirem individualmente as classes de contribuintes sobre que o hovo imposto incide, precisando-se seguidamente o objecto da incidência, o projecto refere-se sempre a ((participação do Estado nos lucros de guerra», tornando ainda mais vago o carácter da lei, aliás já afectado pela imprecisão dos termos e pela precipitação que predominou na sua redacção.
Na própria enumeração dos lucros de guerra há, a meu ver, omissão de definição.
Não devem ser coiiâideràdos lucros do guerra as diferenças entre os lucros anteriores de qualquer comerciante ou industrial e os seus lucros actuais sem se levar em conta a diferença que. porventura, houver entre o capital então e agora empregado; em boa lógica, o excesso de lucros deve ser constituído pela diferença entre os lucros actuais e a importância de lucros que o capital actual devia produzir se lhe fosse aplicada a mesma percentagem em que os lucros anteriores à guerra estavam para ò capital dessa data.
Não define também a proposta o que se deverá entender por capital do industrial ou comerciante; e, como dôsse capital, em virtude do critério escolhido para a tributação, dependerá, principalmente, a taxa a aplicar, pode bem calcular-se a que fraudes ou artifícios pode levar essa falta de definição em um País onde nada há legislado sobre a matéria.
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Para todos esses, o lucro compreende i realmente duas partes distintas constituídas pela remuneração do trabalho pés- • soai do comerciante e pelo lucro propriamente dito da empresa.
Tem sido o assunto resolvido e apre- ! ciado de diversas formas nos países que j legislaram sobre esta matéria; mas, a seu l respeito, nada nos diz a proposta em. dis- ! cussão. E tudo isto não constitui decerto ! matéria regulamentar: ao regulamento j cumpre determinar a forma de aplicar a j lei; mas é nesta que devem figurar dis- j posições que fazem variar fundamentalmente os deveres dos contribuintes. A alínea c) do artigo 2.°, para determinar o lucro normal das entidades sem capital que só tenham exercido actos de comércio ou indústria posteriormente a 1914, considera esse lucro igual à média obtida antes da guerra por dois comerciantes ou industriais com quem se possam equirarar! Nem o próprio proponente nos poderia explicar como semelhante equiparação seria levada à prática! Vejamos agora qnal o critério escolhido-para a tributação dos excessos de lucros. Di-lo o artigo 6.°; e dele se conclui logo que Portugal, que não foi certamente o pais que mais sofreu com a guerra, é o país onde a tributação dos lucros de guerra, para o pequeno comércio, vai ser mais violenta. Sabe V. Ex.a, Sr: Presidente, que aos projectos de tributação de lucros de guerra, na Europa e na América, têm presidido diversas orientações que podemos, mais ou menos, dispor nos três grupos seguintes: Alguns, cujo tipo nos podem dar o decreto não executado de 23 de Setembro de 1918 em Portugal e o projecto belga de Janeiro de 1919, aplicam ao excesso de lucros uma taxa progressiva indepen-temento do capital da empresa; outros, como a lei inglesa de 23 de Dezembro do 1915 e as leis francesas de l de Julho de 1916 o 31 do Dezembro de 1917 usam também o sistema do ficar alheados do capital da empresa, limitando-se a aplicar uma ou dnas taxas fixas ao excesso de lucros; ainda outros como o decreto italiano de 21 do Novembro de 1915 e a 25 lei federal americana de 3 de Outubro de 1917, aplicam ao excesso de lucros uma taxa progressiva, dividindo-o em secções conforme correspondem a uma parte maior ou menor do capital da empresa, isto é, aplicando a cada uma dessas secções taxas progressivamente maiores. Difere, assim, de país para país, o critério da tributação, principalmente quanto ao facto de ser considerado o excesso de lucros isoladamente ou de ser apreciado em relação ao capital da empresa. Mas, em todos, há, como não podia deixar de haver, o seguinte ponto comum: o que se tributa é o excesso de lucros, o imposto incide sobre os lucros excepcionais, sendo estes e não os lucros totais que pela incidência da contribuição se pretendem atingir. Assim como um comerciante que tivesse lucros iguais aos que conseguia antes da guerra, nada haveria que pagar, porque faltava a base essencial do imposto, assim excessos iguais, dada também a igualdade de capitais, hão do ser tributados da mesma forma, qualquer que seja a soma dos lucros anteriores à guerra. É esta fundamentalmente a diferença entre um imposto de rendimento que incidiria sobre os lucros totais e um imposto de lucros de guerra cujo objecto ó naturalmente o excesso de lucros derivado da guerra. Porém em Portugal a proposta adopta uma forma nova, mixto de imposto de rendimento e de tributação de excesso de lucros que vai de facto incidir também sobre os lucros anteriores, embora venha acobertada pelo título de participação do Estado nos lucros de guerra. Tributa progressivamente os'excessos de lucros, mas, em vez de dividir estos em secções correspondentes a determinadas percentagens do capital, vai fazendo sucessivas deduções para o Estado à medida que garante determinados juros ao capital da empresa, não querendo saber se esses juros garantidos são ou não inferiores à média dos lucros que a empresa'j á obtirina antes da guerra.
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por conto do excesso de lucro, qualquer que seja o montante deste,
Para este caso a taxa ó fixa, e é também a mais pesada de todas as que foram adoptadas nos paísos que tributaram lucr-os de guerra, Dos impostos de lucros de guerra em vigor na América, na Itália, na Inglaterra c na França, a mais violenta taxa ó a francesa sobre o excesso de lucros que excederam 500:000 francos; e essa mesmo ó somente de 60 por conto.
Figuremos hipóteses para bem avaliar as consequências dôsto critério.
Fiz o cálculo relativamente a cinco empresas todas com Q mesmo capitai de 100 contos, todas com o mesmo excesso de lucros do 50 contos. Um imposto que pretendesse atingir somente os lucros de guerra teria, de produzir igual quautia quando se aplicasse a cada uma dessas cinco empresas. No emtanto, aplicando o artigo 6.°. 'da proposta, ou encontro os seguintes rosultados:
A primeira empresa, cujos lucros anteriores, à guerra haviam atingido somente 8 contos pagará ao Estado 43,4 por cento do excesso de lucros; a segunda, cujos lucros, anteriores & guerra haviam sido do Ifí íínnto», pagará 54 por conto do excesso de lucros; a terceira cujos lucros autoriores à guerra Jiaviam sido de vinte e quatro contos, pagará' 65,6 por cento do excesso de lucros;, a quarta, cujos lucros anteriores à guerra haviam sido de trjnta e dois contos, pagará 76,8 por cen^o do excesso de lucros; e, finalmente, a quinta empresa, cujos lucros anteriores à guerra haviam sido de 40 con-contos, pagará ao Estado 84,88 por cento do oxcesso de lucros!
çí Terá sido realmente esta a intecSo do Sr. Ministro das Finanças ao redigir a proposta? 3
Q facto é quo a taxa do tributação dos lucros do guerra fica sondo função, dos lucros anteriores b, guerra!
Nem se diga que estos números por . mini apresentados são especialmente preparados para efeitos de argumentação. Como disso já,- a taxa do 84,88 por cento do excesso de lucro? é fixa qualquer que seja Osso excesso, qualquer que seja o capital, sempre quo os lucros anteriores à guerra houverem sido do 40 por cento do capital de então; o esta hipótese ó de resto a hipótese vulgar de todo i
o comércio de retalho, desde que dos lucros ameriores só não exclua, como não exclui a proposta, a parte dos lucros destinada a remunerar a actividade pessoal do comerciante.
Todos os comerciantes retalhistas obtinham, em regra, antes da guerra, lucro não inferior a 40 por cento do módico capital que servia para o giro do seu negócio; o todos eles terão de pagar ao Estado 84,88 por cento do excesso que por ventura agora obtêm, a tal ponto que dada a desvalorização da moeda, os seus lucroa excepcionais se converterão em prejuízos normais !
O critério da proposta íaz variar con-siderávelmeníe a taxa conforme a relação entre o capital e os lucros totais. Para confrontar diferenças, fiz o cálculo relativamente aos lucros de 300, de 200 e de 100 contos, tomando para lucros anteriores, a média de 8 por cento, mínimo previsto na proposta; e, supondo duas hipóteses, a do capital de 500 contos e a do capital de 100 contos, verifico quo 'a taxa do tributação do excesso de lucros varia respectivamente de 44,4 a 77,2 por cento de 31,1 a 73,1 por cento e de 14,6 a 60,5 por cento chegando portanto a atingir limites que, quer em absoluto quer relativamente a tributação de lucros de guerra nos outros países, não pode deixar do considerar excessiva.
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&e*sãa ds 87 de Maio de
Interrompeu-me o Sr. Ministro das Finanças, para dizor que não sou capaz de justificar o que acabo de dizer sobre a relativa situação de superioridade em que, perante a tributação de lucros de guerra em Portugal e na Inglaterra ou na França, ficariam as empresas de avultado capital. Creio que não tenho estado a fazer outra cousa desde que iniciei as minhas considerações sobro essa proposta, quo não seja justificar as afirmações que vou apresentando a seu respeito; e pode S. Ex.a estar certo de que justificarei todas as deduçOes que sobre ela tiver de fazer, desde que S. Ex.a me permita quo, com a serenidade precisa, eu vá expondo e documentando as minhas considerações. Nem há nas minhas palavras à intenção de atribuir ao Sr. Ministro o propósito de conceder espacial protecção para grandes e pequenas empresas, nem S. Ex,a deve ver na minha discussão mais do que o propósito de contribuir quanto pudor para o aperfeiçoamento da proposta que apresentou a esta Câmara.
Assim, Sr. Presidente, procurando demonstrar com números o confronto a que me refiro, eu figurei a hipótese vulgar duma companhia de 12:000 contos de capital, 960 contos de, módia de lucros anteriores, ò 3:000 contos de lucros actuais, e a hipótese, tambôrn normal, duma pequena empresa do 100 contos do capital e 50 contos de excesso de lucros ; e a aplicação rigorosa dos números mostra-me que a primeira, a grande companhia, pa-
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garia, aiôm do imposto de rendimento, só pela tributação decretada em virtude da guerra sobre os excessos de lucros: 1:440 contos na Franca ou na Inglaterra, 516 contos na Itália, 420 contos na América e 379 contos em Portugal; ao passo que a pequena empresa pagaria, também só dessa contribuição, 19 contos n'a América 23 na Itália, 25 na França ou na Inglaterra e ... om Portugal desde 21 a 42 contos conforme a módia de lucros anteriores à guerra houvesse ido de 8 a 40 contos!
Parece-mo que merece cuidado especial esta comparação, e que, ainda quando se mantenha o critério da tributação em relação ao capital, que pode ser defendido com sólidos argumentos, não deve pelo menos essa tributação ficar dependente da soma dos lucros anteriores à guerra, ou não deve deixar de se isentar do novo imposto a parte dos lucros que razoavelmente se devem atribuir à remuneração do trabalho do comercia» te.
A própria necessidade do discutir esta proposta com números e cálculos cuja verificação não é fácil em sessão da Câmara, mostra, Sr. Presidente, como ó indispensável fazê-la baixar a uma comissão onde a discussão preparatória possa sor regularmente feita; para essa discussão eu organizei o seguinte quadro quo dá idea aproximada dos efeitos-da aplicação do artigo 6.° na tributação dos lucros de guerra: •
A percentagem do Estado no cxces. só do lucros posterior à guerra :
Quando essa OXCO^BO for igual a 10 por cci.to do capital da emproztt, s-crlulo ......
Quando osso e.xr.csso for igual a 30 por cento do capital da e.mprcza, será do......
Qunndo esse oxocsso for Igual o 70 por conto do capital tia einpre?ii, sorú do......
Quando osso excesso do lucros for J;»ua\ ao capital d.i rm« preza será de........
Quando osso excedo do luerop for iiual a Qijundo esse osfrsso Conforme os lucros médios anteriores à guerra houvessem sido de 8 % do oapltal 12 % do cxc. 29,37 % do cxc. 52,6» % do exo.
1G % do capital
24 % do capital
32 o/0 dp capital
áO f/9 do capital
28 % do exu.
40,6 % dp exo.
(ÍS,76 % do exc.
43,02 '/o do exc.
59,09 "/o do exc.
71,54 % do exc.
ú
x
o
•d
62,13 % do oxc.
71, 16% do ox u.
79,16 % tio exc.
•^.
«
62,39 % do oxc.
68,96 «/o do exc.
75.28 % do cxc.
80,88 % do exc. |
y 1
73,50 "/o do cxc.
70,09 o/0 Uo exc.
F.0,03 o/o «Io exo.
P2,PÍ5 % do esc. M g
77.05 n/0 do oxc.
79,57 % do OXR.
ni,fiS°/odooso.
83,54 % do CJtc. /
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A leitura deste quadro mostra como a tributação é excessiva, como ela vai além das taxas estabelecidas nos outros países, sobretudo quando maiores são os lucros médios anteriores- à guerra. A taxa de perto de 85 por cento do excesso de lucros, seja qual for o seu montante ou a sua relação para o capital, sempre que um comerciante houver obtido, no período trienal anterior à guerra o lucro de 40 por cento do seu capital, é evidentemente exagerada.
Continuando na apreciação do artigo 8.°, chegamos no seu n.° 2.° à participação do Estado nos lucros das entidades que, sem capital, praticam actos de comércio ou indústria.
Não compreendo porque motivo, fazendo-se, como já preconizei, a dedução da parte destinada a remunerar a actividade pessoal, se não há de aplicar a estes o míesmo sistema de tributação que for adoptado em geral para os excessos de lucros.
A proposta, porém, adopta sistema diferente, mas de tal ordem que, em regra, para o mesmo excesso de lucros, fica pagando mais aquele que emprega capital no seu giro mercantil, do que o corretor ou especulador que nenhum cíipital destina a esse fim. i
São ainda os números que nos levam implacávelmente a esta conclusão:. Sempre que a taxa sobre os lucros de comerciantes passar de 50 por -cento, caso que como provei, se dará frequentemente, sucederá que aquelas empresas que se presume trabalharem sem capital como'as dos correctores-oa dos comissários de negócios, daquele que mais enriquecem na situação consequente da guerra, pagarão unia tributação superior à que atingiria, pelo mesmo excesso de lucros, as empresas que se houvessem formado com capital, constituído. Assim, o excesso de lucros de 292 contos corresponde ao imposto de 146' contos se o contribuinte não tiver empregado capital, e ao imposto de 225 contos se o contribuinte tiver aplicado no seu giro mercantil o capital de 100 contos.
A um excesso de lucros de 92 contos, corresponde para imposto 36:800$ se não houver capital, e pelo menos de 55 con-to§ se no negócio do contribuinte estiver empregado o capital de 100 contos! É
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que, para aqueles a proposta fixa a taxa máxima de 50 por cento, ao passo que para os outros, a taxa-vai, como demonstrei, até 84,88 por cento do excesso de lacros!
Devo lembrar, Sr. Presidente, que à taxação deste n.° 2.° do artigo 8.° ficam sujeitos os lucros, a que já me referi a propósito do artigo 2.°, provenientes de actos lícitos de qualquer natureza que não sejani actos de comércio ou indústria, designadamente os de compra e venda.
Aquele que vendeu um móvel, realizando determinado lucro sobre o preço da compra, fica, deduzida a percentagem legal, com excesso que será tributado com um imposto desde 10 a 50 por cento conforme for de 25 a mais de 100 coutos. A diferença entre o preço antigo da compra e o preço actual da venda, naturalmente devido à desvalorização da nossa moeda, será taxada a título de tributação de lucros de guerra!
Ora por mais que qualquer Governo procure nesse nominal aumento de valor um lucro de guerra, há-de chegar a convencer-se de que este não existe. De facto, em boa justiça, até na apreciação dos lucros de empreendimentos industriais ou mercantis, pelo menos na parte que devo ser atribuída à remuneração do trabalho pessoal do empreendedor, havemos de tomar em linha de conta a depreciação da nossa moeda.
Uma firma comercial de 40 contos de capital que antes da guerra auferia um lucro de 10 contos do qual metade podia ser considerada a remuneração do trabalho dos seus sócios, não tira da situação actual mais proveito, se os lucros tiverem aumentado para 20 ou 30 contos; bem ao contrário, a dedução da remuneração pessoal, forçosamente maior pela depreciação monetária, deixa para o capital social juro inferior.
Obtêm realmente essa empresa um saldo credor na conta de ganhos e perdas, igual ao dobro ou ao triplo do que primitivamente auferia; mas não colheu lucros de guerra, sendo o aumento desse saldo credor uma simples consequência da desvalorização da moeda ou antes a maior expressão numérica de valor igual ou inferior ao que tinha anteriormente.
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trata, aliás de maneira extraordinariamente vaga, das consequências da desvalorização da moeda. Creio bem que os mesmos efeitos deviam ser apreciados, acerca de todos os outros artigos da proposta, mormente acerca dos actos de compra e venda tributados pelo n.° 2.° do artigo 8.°, precisamente o único caso em que a imposição de maiores valias se justi fica.
Continuando o exame da proposta, vê V. Ex.a, Sr. Presidente, no artigo 7.°, que todos os indivíduos, que tiverem feito fornecimentos ao Estado para forças militares e para a preparação da guerra, desde l de Julho de 1914, serão compelidos a entregar ao Estado 2 por mil do valor total desses fornecimentos.
E este o segundo caso em que no projecto se estabelece a retroactividade do imposto.
O primeiro figura no artigo 4.° que manda tributar, como lucros futuros, os realizados desde l de Julho de 1914 que não tiverem sido ainda distribuídos : envolveria uma desigualdade de tratamento e uma iniquidade de tal ordem que nem justifica discussão, tam certa será a sua reprovação por esta Câmara.
A hipótese agora é mais curiosa. Pondo mesmo de parte o carácter retroactivo do importo, com que direito e com que fundamentos determina o Estado o quantitativo dos lucros provenientes de fornecimentos militares? 29 Suponho ter o artigo que discuto, como origem próxima, a influência da lei francesa de 1916, que, na tributação de lucros de guerra, deixava de conceder determinada -isenção aos fornecedores do Estado, j Mas, Sr. Presidente, se essa è realmente a influência que predominou na, elaboração da proposta, que extraordiná ria ó a diferença entre o preceito da lei francesa de recusar aos fornecedores do Estado a isenção do 5:000 francos concedida a,os outros comerciantes, e o critério de se determinar arbitrariamente o montante dos lucros de todos os fornecimentos ao Estado! Poderá esta secção da proposta ressentir-se uni pouco da impressão que todos nós temos de que fortunas grandes se fizeram a custa da preparação para a guorra; mas, se assim é, ou a Câmara reconhece que pode e deve a lei ser apli-cuda retroactivamente, procurando-se investigar quais foram os lucros realizados para fazer incidir a tributação sobre o que eles tiveram de excessivo, ou a Câmara não admite tal doutrina, e, em qualquer dos casos, não há o direito de determinar arbitrariamente o quantitativo desses lucros. Chegamos agora, Sr. Presidente, ao capítulo que trata da tributação de capitais, presumivelmente oriundos de anteriores lucros de guerra. Trata-se, em princípio, do enriquecimento realizado entro 1914 o a data presente; e, a esse respeito, eu relembro as considerações qiíe expus no início desta discussão, quanto à injustiça de se castigar a economia individual, sujeitando â imposto os rendimentos capitalizados, ao mesmo tempo que de fora se deixam aqueles que tiverem sido inutilmente desperdiçados; nem posse esquecer, Sr. Presidente, o precedente que vamos por essa forma estabelecer na nossa legislação fiscal, hoje representado pela confiscação do 12 por cento dos capitais existentes, amanhã elevado a taxa maior.
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todos os recursos tributários normais forem insuficientes.
Mas, Sr. Presidente, quando se pré--tenda .tributar cr enriquecimento durante determinado período, a taxação há-de iu-eidir sobro os aumentos individuais de fortuna, se não se lhe quiser dar um carácter de iniquidade revoltante; e é exactamente a extraordinária dificuldíide da avaliação desses aumentos, sobretudo em um país onde não .existe imposto de rendimento, que, rcesmo afastada a oposição de doutrina, torna a tributação do enriquecimento, se não impossível, tara difícil e tam pouco produtiva que de maneira alguma compensaria os seus gravíssimos inconvenientes.
Eu sei que, por todo o mundo, se intensifica uma corrente de propaganda para que o capital ou o enriquecimento saldem os desequilibrados orçamentos de todos os países que na guerra se envolveram; mas quando a forma possível ainda não foi encontrada em nações que, com bem mais fartos elementos do que a nossa, podem avaliar do enriquecimento individual, não tenhamos nós a pretensão simplista de jesolver em dois artigos um problema de tanta monta.
Na América nem sequer se chegou à confiscação, preconizada em 1917, dos rendimentos superiores a 100:000 dólares. Na Inglaterra íoi ainda somente instituída uma comissão especial para estudar a possibilidade daquela inovação tributária. E a França acaba do nos dar uni exemplo que devem ponderar todos aqueles que- neste caminho pretendem marchar precipitadamente': .
Propusera o Ministro Klotz o lançamento dam imposto sobre os aumentos individuais, do fortuna quo fôssonj além da quinta parto da riqueza possuída poi1 cada indivíduo em 1914, feitas várias deduções conforme o número de pessoas a seu cargo. Substituído o Governo, o novo Ministro Francois Marsal opôs-se a ossa proposta, salientando-os seus inconvenientes económicos o a extraordinária dificuldade, se não impossibilidade, da sua aplicação.
Á comissão de finanças da Câmara Francesa, colocada entre os desejos dos socialistas, que à. riqueza adquirida preferiam ir buscar a soma do déficit orçamental, e a solução preconizada pelo Mi-
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nistro Marsal,— maior recurso a um imposto sobre o montante dos negócios,— • mclindu-se para a proposta Klotz, que foi submetida à discussão e votação da Câmara dos Deputados, e a Câmara acaba agora, apesar da oposição socialista, de separar do projecto Kiotz todos os. artigos que se referiam à tributação do enriquecimento posterior a 1914, aceitando o imposto sobre a chiffre d'ciffaires que o Ministro Marsal propusera.
Não posso intercalar nesta discussão a resposta ao ilustre Deputado socialista que acaba de me interromper; mas. de passagem, direi a S. Ex.a que, ou a sociedade se rnantôm tal como está constituída, dentro da manutenção e respeito do direito de propriedade, embora sujeito às restrições que o benefício da comunidade justifica, ou nós abandonamos o sistema que caracteriza a nossa organização social, abolindo por completo esse direito; mas, eniquanto não chegarmos à co-lectivização geral, eniquanto vivermos em regime mais ou monos individualista, não podemos suprimir o capital, nem será missão dos legisladores destruir impensadamente as t>ases em que esse edifício social assenta.
Mas, continuando na análise da proposta . . .
Dizia eu, Sr. Presidente, que a Câmara francesa acaba do rejeitar o projecto do tributação do enriquecimento individual posterior a 1914 ; e f6-lo certamente mais pelas dificuldades e inutilidade que acompanhariam a sua aplicação do que pelo seu carácter de retroactividade que, aliás, aplicou ao plano do revisão dos efeitos anteriores do imposto de lucros de guerra.
Se as dificuldades da aplicação dum imposto sobro o aumento individual de riqueza são inúmeras, bem se pode dizer que a fornia preconizada na proposta em discussão, tributação geral do aumento cie capitais, ou- terá de ser iníqua nu. sua aplicação, ou será enoxoquível.
Defino a proposta como enriquecimento resultante da guerra três quartos dos aumentos de todos os capitais. ^ A que titulo? Com que fundamento? NinguOm os conhece certamente.
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mercial ou industrial realizados após l de Julho de 1914.
Pareceria ã primeira vista que só se procuravam atingir OB aumentos provenientes da capitalização dos lucros de guerra realizados por ôsses indivíduos ou sociedades.
Não é assim : a proposta alcança todos os aumentos de capital, todas as emissões de novas acções, provenham ou não de lucros de guerra ! Além disso como o imposto' incide sobre a sociedade cujo capital aumentou, vão de facto os antigos sócios ou accionistas pagar parte da tributação que o legislador pretende fazer incidir somente sobre aquele que após 1914 adqbiriu novo capital!
Por outro lado, se a emprêáa quiser ir buscar ao novo accionista o imposto que tem de pagar, admitindo por hipótese fantástica que, de portador em portador, chega ao subscritor original, pode muito bem Suceder que este, à face da própria leif que no artigo 11.° isenta os aumentos inferiores a 10 contos, não tenha tido enriquecimento igual a esta quantia ou prove mesmo que não enriqueceu após 1914, nada tendo que pagai' a título de imposto sôbíe o enriquecimento!
A alínea 6) sujeita ao imposto o capital de todas as empresas mercantis ou industriais que se tiverem organizado após 1914.
No critério da proposta, 'três quartos do capital de todas as empresas que se instituíram em Portugal desde Julho de 1914 provêm de lucros de guerra!
As mesmas considerações quo fiz sobre a alínea d) se podem reproduzir a respeito desta e dar lugar a iguais conclusões, onde o absurdo dos resultados da proposta se manifesta evidente.
As alíneas d) e c) chamam lucros de guerra a três quartos do produto de todos os empréstimos e suprimentos feitos a comerciantes ou industriais bem como de todas as obrigações por eles emitidas!
E sabe V. Ex.f, Sr. Presidente, quem paga o imposto? É a companhia que emitiu a obrigação., e que tem de restituir o seu valor, é o comerciante que recebeu o empréstimo e tem do o restituir ou já restituiu 3
Assim o diz o n»° 2.° do artigo 10.°; é verdade que, generosamente, a proposta lhos dá o direito do rogrosso contra
aqueles que subscreveram as obrigações ou fizeram os suprimentos, som dizer queni indemnizará os primeiros quando estes provarem o não enriquecimento ou a isenção de impostos. E se esta lei se tornará dó dificílima execução para o próprio Estado, ladeado e armado de todos os elementos de coacção de que dispõe, como seria bem mais difícil para um contribuinte obter de outrem, por direito de regresso, a soma que ao Estado tivesse pago, em objecto tam pejado de dificuldades, tam cheio de portas falsas!
V ô bem a Câmara a extraordinária confusão que resultaria, se pretendendo-se tributar o enriquecimento em certos pe-ríodoá, se não fizesse a imposição pela forma lógica, a tributação do enriquecimento individual.
Na alínea e), a proposta vai atingir nominalmente os capitais que d ai g um a forma tiverem sido aplicados 110 estrangeiro. A não ser que tenha havido a pretensão de j fazer unia lei simétrica, de forma que tam somente para afirmação de princípios, se fossem procurar todas as formas conhecidas de aplicação de capitais, BU não creio que pela mente de alguém, passe a convicção de que ó possível ir agora procurar nos países estrangeiros os valores portugueses que porventuíã lá tiverem passado.
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Existe já há mnito tempo uma corrente ! de fugas de capitais, originada inicialmente pelo pânico natural em quem vê o aumento constante da circulação fiduciária utilizado como fonte normal e perpétua de receita mantida tambôm pela falta de colocação no país, e por estas vagas ameaças que retiram ao capital, na naturalmente tímido, a confiança e a certeza de que as condições do seu emprego em Portugal não serão peores do que as condições que no estrangeiro encontra para a sua aplicação.
Li algures que a incerteza em matéria de impostos é cheia de perigos, fazendo mais mal o temor das taxas de amanhã do que a certeza, dos encargos conhecidos. Bem se aplica esta afirmação ao nosso caso presente. E em verdade, ao passo que nós estamos concorrendo para que o capital fuja às grandes iniciativas tam necessárias no país, fomentando a greve dos capitais portugueses às indústrias portuguesas, outras Faço ao Sr. Ministro das 'Finanças a justiça de não acreditar que S. Ex.a espere grandes resultados da tributação de signada na alínea a que mo estou referindo ; e, por isso mesmo, preferível seria quo ela não houvesse sido incluída na proposta. Tam pouco só podem esperar resultados práticos da alínea f) que, na designação do lucros do guerra, vai incluir as quantias dispendidas, desde 1914, na aquisição de quaisquer bens imobiliários ou -mobiliários. Até a mobília comprada desdo 1914 vai constituir uni indicador dos lucros do guerra! E a vida pessoal devassada, são todos os actos praticados dosde Julho de 1914, examinados, fiscali- Diário da Câmara dos Deputados zados em uma constante intervenção do fisco... Dizia o Ministro francês François Mar-sal que a tributação sobre o enriquecimento posterior a 1914 — aliás sob a forma individual teoricamente mais lógica do que a que vimos discutindo — quando ainda se pudesse defender em princípio, exigiria um tam numeroso exército de empregados fiscais, um tam. grande acompanhamento de meios de fiscalização, que os resultados seriam absolutamente insignificantes. Mostrava ainda esse Ministro como seria inútil tal imposto sem os mais rigorosos meios de fiscalização, e fazia-o em um país onde se encontra estabelecido o imposto de rendimento, onde a indústria e o comércio se habituaram já à declaração de lucros e verificação de escri-' tas. Em França, o próprio autor do projecto tam certo estava da impossibilidade de estabelecer eficazmente esta nova contribuição, que dela isentava todos os contribuintes que quisessem pagar ao Estado uma importância igual a três vezes o valor colectável do seu rendimento em 1920; era o próprio Ministro, sentindo a inexequibilidade da tributação estabelecida, a procurar a maneira, que todos adotariam, de colhôr da tentativa alguma receita para o Estado. A proposta portuguesa, se viesse a executar-se, transformar-se-ia em um imposto geral sobre o capitai existente, iam difícil seria a -prova, permitida EO art. 9.°, da propriedade anterior a 1914; de facto os litígios a que a sua execução daria lugar seriam tantos que, além do um exército de empregados fiscais, seria necessário um regimento de juizes adstritos à sua resolução. E sempre difícil- inventar a fortuna do uma nação ou de um indivíduo em qualquer momento; mas é bem mais difícil o duplo inventário referente à época presente e a uma data já passada há seis anos; não menores dificuldades viriam da duplicaçãa do imposto em casos atingidos pelas mesmas das alíneas do artigo 9.°, o mesmo capital podendo ter sido aplicado por mais de uma vez na compra de quaisquer bens.
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Recordo-me a este. respeito da. valiosa obra que um ilustre financeiro e grande republicano, o Sr. Tomé de Barros Queiroz, publicou há alguns anos para Q estudo dos impostos proporcional e progressivo ; e lembro-me de qile S. Ex.a, ao procurar mostrar a impraticabilidade do imposto único sobre o capital, e chegando à canclusão de que, para a despesas normais da Alemanha, e da França, esse imposto teria 4e ir respectivamente a 2,59 e a 1.79 por cento, considerava espantosa tam elevada taxa sobre o capital que corresponderia a 43 e a 38. por cento sobre os, rendimentos. Que diria o ilustre publicista da taxa de 12, por cento que nos é agora proposta. .
ííão devo finaliz.ar as minhas considerações acêroa da tributação do enriquecimento sem me referir, Sr. Presidente, a, uma disposição da proposta que dessa, taxação isenta os .capitais directamente aplicados, na exploração e indústria agrí cola, e nas obrigações e títulos de crédito do Estado, como já o artigo 5,° excluía do imposto de lucros de guerra aqueles que para Q agricultor resultassem da yenda dos seus produtos.
H4, da facto, na. legislação francesa sobre esta matéria isenções- de carácter idêntica, embor-a não tam largas, e essa terá sido, creio eu, a fonte próxima do preceito inscrito na proposta. Não vejo, porém, que se possam encontrar em Portugal os motivos que deram ali origem a essas isenções..
NÓS não tivemos um período tara intenso 4e guerra, origem de tam graves pertur-baco.es na produção agrícola, que justifique tam singular prémio àqueles que na agricultura investiram capitais, Bem se pode cliz.er até que foram os agricultores quem mais aproveitou da Alta de preços consequente da guerra, Q que ó em propriedades agrícolas que mais se empregou o capital resultante doa lucros de. guerra.. 4 A que título se. justificaria, portanto, a isenção, tirando ao imposto o carácter de equidade que lhe deve ser essencial?
$m França pesadíssimos, tributos en--eayeoem a vida; no 4esejo ds baratear o proço dos géneros indispens/lveiR & alimentação, comprponde-ne o. protecção h agricuitijrft, tem prejudicada durante a giafârrs>,p como no csopresEjclfi), por
pio, a isenção de impostos aí agora aplicada para a venda do pão. £ Mas há, porventura, igualdade de condições em Portugal? .
Ainda menos admissível é a isenção de capitais investidos em títulos do Estado. A França havia recorrido a grandes empréstimos de guerra; nas vésperas do lançamento dum novo empréstimo o Ministro Klotz, ao redigir propostas do finanças., inscreveu, como era natural, determinada isenção, não total, mas considerável, para os subscritores da nova emissão. Mas nós, que não tivemos emT préstimos de guerra, vamos, porventura, isentar os capitais colocados em bilhetes do Tesouro ou em nscrições da Juuta do Crédito Público? Se a intenção da proposta não é promover a alta do preço dOstes títulos ou a afluência du dinheiro à dívida flutuante do tesouro é difícil compreender a que critério obedece semelhante excepção, onde a falta de equidade seria flagrante.
Todas estas contradições da proposta virão, se não avolumar a série do dificuldades que da sua execução adviriam se o Parlamento praticasse o erro de a apro- -vaj; de resto, a sua injustiça ó palpável quando no mesmo artigo 9.° impõe ao contribuinte o ónus da prova sempre que quiser alegar que já possuía determinado capital em 1914, num país ondo nem os proprietários, nem os agricultores, nem mesmo muitos comerciantes têm escrita e balanços regularmente arrumados.
Somos assim chegados, Sr. Presidente, à parte da proposta que estabelece a participação do Catado nas maiores valias. Note a Gamara qua só não trata da tributação dos maiores valores realizados, na transmissão de bens imóveis, independentemente do acto próprio do seu possuidor, maiores valores que devidos a actos ou a circunstancias da comunidade, a esta devem, em grande parte, regressar. Esse princípio, já consignado na legislação dalguns países, mais importante, aliás, pe'o seu aspecto moral do que pelo produto material, não seria por raim combatido.
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rios ou imobiliários.. . e as actuais cotações!
Não discutindo sequer, porque deve ser engano da proposta, o facto-de para a apreciação das maiores valias se incluírem os bens móveis, veja, Sr. Presidente, a que resultados nos levaria o imposto sobro as maiores valias não realizadas. Se esses maiores valores diminuírem quando os respectivos bens forem vendidos o Estado restitui o imposto que cobrou?
^E corno determinar o valor actual de qualquer imóvel, do qualquer parte ou cota numa empresa industriai ou mercantil?
Se esse valor há-de ser função da oferta e da procura no momento da realização, quem o pode prever ou fixar arbitrariamente no momento presente? Até mesmo para os títulos sujeitos a cotação admite alguém que elas representem o seu valor certo actual, desde que a maior venda, se se provocasse uma liquidação forçada, faria imediatamente baixar essa cotação ?
E quem houver adquirido qualquer «desses títulos ou bens por preço superior ao de 1914, até mesmo por preço superior à cotação actual, vai pagar 16 por cento duma diferença de que não beneficiou?
Paira sobre esta proposta uma atmosfera que não sei classificar, e que parece impregnada ao desqjo do assustar todos.
Veja agora a Câmara a diferença fundamental que vai deste capítulo da proposta ao projecto aliás rejeitado, pelo qual o ministro Klotz propunha tapar as maiores valias. Aí a maior valia, somente aplicável aos navios fundos de comércio e propriedades imobiliárias, só era tributável no momento de cada transmissão a título onoroso ou, pelo menos, após 25 anos sobre cada transmissão. Para o próprio importo sobre o enriquecimento, as maiores valias não oram consideradas. Como nós somos bem mais radicais, passe o termo, do que os franceses, na ânsia de encontrar fontes tributárias que tanto havemos descurado até agora!
Como já disse, nesta parte da proposta, prometo-se que o Governo poderá levar om conta a desvalorização da moeda.
De que maneira?
Fica ao arbítrio do Poder Executivo; mas, se como ó lógico, a desvalorização se refere ao peso de ouro que a mesma nota podia adquirir hoje e' antes da guerra, como essa depreciação vai além de 500 por cento, inútil será tributar maiores valias porque não as há tam grandes; se ao contrário menor for a desvalorização tomada em conta, injusto será o tributo por não incidir de facto sobre uma maior valia mas sim sobre a maior expressão numérica de um valor menor.
E omissa a proposta sobre a maneira como se fará a verificação das declarações dos contribuintes, nada nos dizendo sobre as condições em que se fará o exame da escrita dos comerciantes, aliás ainda hoje não obrigatória por falta de sanção;
Assunto é este-que tem sido largamente debatido em França, onde,, como entre nós, existe com fundas raízes o preconceito do segrôdo dos negócios. Fica o Governo a tudo autorizado; fica a possibilidade de os.novos fiscais de toda a espécie, de os novos fiscais de lucros do guerra examinarem os lucros de escrituração de qualquer empresa mercantil, indagando de todos os seus negócios, para verificar os livros tributáveis.
Não há-de ser assim: a alteração das disposições respectivas do Código Comercial há-de ser objecto de uma lei e não de uni regulamento do Executivo; nem tampouco se podem deixar na lei as autorizações largas que'constam dos seus artigos 20.° e 21.°, e a cuja sombra, sem limite nem restrições, os contratos do pessoal e as despesas de gratificações para a execução desta lei podiam ir até onde os Governos deste País quisessem.
Vou terminar, Sr. Presidente, pois não quero tomar mais !< mpo à Câmara na discussão desta proposta que outros Deputados, certamente melhor e com mais competência, irão apreciar.
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base os lucros reais ou indicadores tanto j quanto possível aproximados, como hoje em França o montante dos negócios, por declaração ou apreciação, o é dos lucros comerciais o industriais; sobre esses convêm organizar o nosso imposto global e progressivo de rendimento que nos serviria realmente de base ao conhecimento da capacidade tributária nacional o de preparação para a educação cívica e moral de que carece o contribuinte portugês em matória fiscal; mas devíamos fazê-lo sem abandonar os impostos indirectos, que teremos provavelmente de aumentar como outros países vêm fazendo, principalmente sobre todos os artigos, cujo consumo não sendo indispensável à vida, possa representar uma manifestação de maior rendimento a tributar ou um desperdício a restringir.
Então, organizado esse mecanismo, haveria logar para um imposto sobre o excesso de lucros mercantis e industriais se ainda fosse necessário ao equilíbrio orçamental, não' a título de contribuição de guerra, mas de imposição dos lucros que excedesssem a remuneração considerada razoável para o capital e trabalho empregados na empresa.
'E só depois desses recursos, como último expediente de salvação pública, como medida extraordinária, a todos, segundo a sua capacidade, só pediria uma parte da riqueza existente para salvar o País.
Assim se poria termo à constante emissão de notas inconvertíveis, sem que fosse aliás necessário ou sequer conveniente determinar bruscamente a redução da actual circulação monetária, desde que se deixasse forma de facilitar o regresso ao Banco das notas que fossem realmente de mais para as necessidades da circulação.
Eu sinto, Sr. Presidento, que é indispensável a redução do nosso déficit orçamental; que não ó possível o recurso ao empréstimo, porque ninguém empresta um ceitil a nações que não sabem cuidar da sua própria administração; que ó imprescindível a compressão das despesas públicas se quisermos ter o direito de exigir novos sacrifícios aos contribuintes.
Porém, se compreendo a imperiosa necessidade desses actos, sei bom que não seria possível fazer nesía Câmara, em monos de seis a doz meses, a votação
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das propostas de finanças que nos íoram presentes, quási todas elas sofrendo dos mesmos defeitos de imprecisão o redacção precipitada, porventura derivados da ur-gôncia na sua apresentação.
Propostas desta natureza não podem ser aqui discutidas e aprovadas em pouco tempo, a não ser que a discussão se faça de forma que não poderá honrar o Parlamento. Só a tributação dos lucros de guerra e a reforma da contribuição industrial exigem discussão que demorará muitos dias, se não algumas semanas, no caso de todo o trabalho de correcção e emendas ter de ser feito em sessão da Câmara.
Por esse motivo, vou propor a constituição de uma comissão de Deputados que podendo trabalhar juntamente com outra da escolha do Senado, da mesma fornia que se seguiu em 1914 na elaboração das leis orgânicas coloniais, e, agregando todos os elementos úteis que puder encontrar fora do Parlamento onde sem dúvida há personalidades com mais especializada competência nesta matéria, procure, dentro de curto prazo, estudar as propostas do Sr. Ministro das Finanças, e organizar o plano completo das reformas financeiras que devem ser submetidas ao Congresso.
'Assim alguma cousa de proveitoso se conseguirá pela certeza de que, depuradas nessa comissão as propostas de finanças, o plano, que nos fosse apresentado finalmente, haveria sido cuidadosamente estudado e .discutido por técnicos competentes, facilitando a missão da Câmara e assegurando o seu eficaz resultado.
Ao mesmo tempo o Parlamento, durante êsso periodo, iria discutindo os orçamentos dos Ministérios, fazendo todas as possíveis reduções de despesa, suprimindo tudo quanto se pudesse suprimir, para que ao País se pedisse somente o indispensável para que a República salvando--se da apavorante crise financeira que a sufoca, pudesse readquirir, pelt- compressão das suas despesas, pela imposição dos sacrifícios indispensáveis na procura de novas receitas, o crédito que hoje vai perdendo em todo o mundo.
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considerações sobre a, proposta em discussão.
Moção
A Câmara cios Deputados:
Examinando a proposta em discussão e reconhecendo que devem sor especialmente tributados os excessos de lucros. derivados da situação criada pela guerra, europeia ;
Verificando a imperiosa necessidade de criar novas receitas destinadas a conseguir Q equilíbrio orçamental e a gradual redução d» circulação fiduciária;
Mas ;
Considerando que devem ser cuidadosamente estudadas as disposições da proposta em discussão, sobretudo no que respeita à forma dei sua aplicação, às taxas do imposto criado e à projectada tributação dos capitais provenientes de' excessos de lucros anteriores ;
E atendendo principalmente a que as medidas destinadas a criar .novas receitas devem ser estudadas em conjunto; de for-' ma que, pela remodelação do nosso sistema tributário, se consiga rápida e eficaz solução para a crise financeira que » República Portuguesa atravessa:.
Resolve constituir uma comissão de doze Deputados que, sob a presiuSuíafi uo Si. Ministro das- Finanças, podendo trabalhar juntamente com os Senadore* que para o mesmo fim forem escolhidos pelo Senado e com os elementos extra-parlam untares cujo auxílio julgar útil, ficará incumbida de. no prazo de trinta dias, tendo em consideração as propostas apresentadas por aquele Ministro, elaborar os projectos de reformas financeiras que, dentro das circunstâncias do país, possam conseguir para. q Es-tado as receitas que as condi-çDqs do Tesouro urgentemente demandanij e passa à ordem dp dia. — Ferreira da
f>arq q Secretaria, Prejudicada,
O Sr. Mimstrq da Instrução Pública e, Uterino, 4ps Estrangeiros (Yasco Borges):-— -Sr. Presidente: mando para a ^íesa algumas propostas, de lei, figurando uma que teni por fim. autorizar o Governo a contrair um empréstinio na Caixa Geral de Pepósitos para se proceder à construção dum edifício para a Universidade de Lisboa.
Há nove anos que foi criada em Lisboa uma Universidade, sendo bem manifestas as vantagens resultantes desse facto. Todavia, ainda a Universidade não pôde converter-se num poderoso culto de acti^ vidade scientífica, em grande parte devido a estar impropriamente instalada, o que não só prejudica aquele convívio espiritual que deve existir entre os professores, mas a solidariedade entre as vá-rias Faculdades e até entre os próprios alunos.
Esta proposta de lei tem, pois, pqr objectivo conseguir que a Universidade de Lisboa tenha uma instalação compatível com a sua categoria.
O orador não, reviu.
4$ 2)r°P08ta^ ae tá v®° adiante por extracto,
O Sr. Ályarp fle Çastrp (para explicações): — Tendo visto nos jornais ijma notícia, com carácter oficioso, de, que ontem. se realizara uma reunião numa das saíafj do Congresso, com, os leaders dos diferentes grupos parlamentares, em que es? tes declararam aprovar a generalidade das propostas do Grovôrno sobre finanças, tenho a declarar a Y, J£x.a, para conhecimento púulieOj- que por ininha parte, pelq menos, não fiz declaração algqjqaa,
Importa dizê-lo para. que se não tome por contraditória qualquer atitude que eu, possa tomar durante a discussão e" votação dessas propostas.
Q orador nã reviu.
O Sr. Presidente çlo Ministério e tro do Jnterior (António Maria Baptista) }-*-$a sou o primeiro ^ cqnfirinar' que,, efec-tivamentGj Q Sr. Álvaro de Cas.tro nada disse durante a ronniao que pnteift se efectivou numa das salas deste Congrespp, e que até se esqueceu da reíiiijãp que estava marcada par-a hoje, à,s 13 hor-as-.
Q que vejo nos jprnais? , ,
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Sessão de 27 de Maio de 1920
O Orador: — O que ó preciso é que fique bem assente que não fui eu que enviei essa notícia para os jornais.
O orador não reviu, nem o Sr. Alxa.ro de Castro reviu as suas palavas de interrupção.
O Sr. Brito Camacho: — Eu não li a notícia Avinda nos jornais a que se referiu o Sr. Álvaro de Castro, mas agora, que dela tenho conhecimento, vcjo-me obrigado a fazer declarações idênticas às que S. Ex.a acaba de fazer.
Eu tomei parte nessa reunião e apenas ine limitei a ouvir a exposição feita por alguns membros do Governo, lembrando, é certo, quando da Câmara mo chamavam para fazer parto duma votação, a necessidade de se realizar outra reuniã.o para trocarmos impressões o, porventura, tomarmos responsabilidades solidárias para a solução das questões pendentes.
Tendo do me retirar para a sala das sessões, eu não cheguei a tomar conhecimento do dia e hora da nova-reunião, motivo por que não compareci à reunião que o Sr. Presidente do Ministério afirma estar marcada para hoje, às 13 horas. De contrário, seria uma gravíssima incorrecção da minha parte, escusando-me a comparecer a uma reunião que eu tinha sido o primeiro a alvitrar.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria Baptista): — Estou certo de que o Sr. Brito Camacho não ouviu ou não teve conhecimento da convocação duma reunião para hoje às 13 horas. O que é certo, porem, ó que ela se fez, e tanto assim que a ela compareceram os Srs. Mesquita Carvalho, Ma-Iheiro Reimão e António Maria da Silva.
O Sr. Álvaro de Castro não ouviria, mas eu declarei que a reunião era às 13 horas da tarde.
Tenho dito.
O orador não reviu. •
Continua a discutir-se a proposta de lei.
O Sr. Dias da Silva: — Sr. Presidente: quanto a mim as propostas que o Sr. Ministro das Finanças apresentou à Câmara são um acto em harmonia com o momento que atravessamos o com as necessidades do Tesouro público, e isto é tam certo
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que até da extrema direita foi afirmado, pela voz do Sr. Ferreira da Rocha, que as medidas apresentadas pelo Sr. Ministro das Finanças eram uma necessidade para a salvação pública.
Eu afirmo desde já que concordo com essas propostas, e fico assim à vontade para dizer o que eu tenho sobre elas.
O fim da idea do Sr. Ministro das Finanças, é altamente patriótico e é tendente à valorização da nossa moeda e só resta ver se é atingido ou 'não 6sse fim.
Com respeito às violências a que se referiu o Sr. Ferreira da Rocha, eu direi que elas não existem, pois que medidas de tal natureza, tem de ser violentas, o como tal são sempre consideradas pelos capitalistas.
Pode pois o Governo contar com o meu voto.
Eu entendo que para levar o País a uma situação de eugrandeciments. seria necessário sacudir a vida pública pelo trabalho, o esse engrandecimento não se faz só pelo Ministério das Finanças, faz-se também pelo Ministério do Comércio e do Trabalho e da Agricultura.
O que era preciso era valorizar a nossa moeda o há dois meios, nos quais tem a defeza mais valiosa de todo o operariado', c são os seguintes: ou S. Ex.a faz derivar o dinheiro que vai arrecadar, e muito bem, nas indústrias, transformando o nosso modo do ser, ou S. Ex.;i dá à nossa moeda o valor que deve ter, fazendo reduzir a circulação.
Mas o que é necessário é valorizar xjsse papel.
O estado-tem que desenvolver as indústrias nacionais o básicas para o nosso País, e eu desejava que o Sr. Ministro do Comércio tomasse essa iniciativa e se-guissse o exemplo de V. Ex.a, e isto só poderia ser se a pasta do Comércio íôsse .gerida por uma individualidade da envergadura de V. Ex.a
Se eu fosso o Ministro do Comércio, neste momento diria a V. Ex.a que trazia nesse mesmo dia a proposta tendente à nacionalização das indústrias que constituem a base. da nossa economia.
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V. Ex.a poderá valorizar o nosso dinheiro, mas paru isso é necessário que a nossa produção seja um facto, e as importações sejam o mais reduzidas possível.
Assim, isoladamente, eu entendo que a proposta de V. Ex.a pode fazer uma relativa valorização da nossa moeda, reduzindo o ágio, mas daqui a um ano ou seis meses a moeda há-de agravar-se muito mais, porque não se tendo transformado a razão de ser da nossa produção, V. Ex.a há-de preparar ao País grandes dificuldades.
Não sou contra a proposta, mas o que lamento é que V. Ex.a, Sr. Ministro das Finanças, não seja acompanhado pelos outros seus colegas, como por exemplo o Sr. Ministro do Comércio, anda a fazer o papel de polícia^ atraz dos operários das obras públicas. -
Não são 3:000 ou 4:000 contos que vão agora salvar o Pais.
"Ai de nós que se continuarmos a ter Ministros com o critério do actual Sr. Ministro do Comércio.
Precisamos é de homens da envergadura, do Sr. Ministro das Finanças, que tem a coragem cie trazer à Câmara as medidas que julga necessárias para transformar a nossa riqueza e á nossa razão de ser económica.
Sem isso nada, absolutamente nada, poderemos fazer.
É este o meu critério, e não podia deixar de o expor à Câmara.
Não vou citar números, porquê não sou matemático ou contabilista, falo apenas sob raciocínios meus, que serão bons OU não, segundo a minha inteligência, más no emtanto são sinceros.
Eii apelo para o Sr* Ministro das Fi-banças, para que não se deixe cair no laçOj trabalhando isoladamente, porque a sua medida isolada, pode levar o País à pobreza j e que se não arreceio da opinião da extroiiui direita que há-de sor protestar que desde -que alguma coifêa Be pretenda arrancar aos capitalistas portugueses é necessário equilibrar o Orçamento e restaurar o País.
V. Ex.as sabem que o dinheiro da maior parte dos nossos capitalistas provêm do que o Estado lhe deu sem critério.
A lei tem defeitos, é certo, porque deixa escapar para fora do País o nosso di-
Diârio da Câmara doa í)epuiadõs
nheiro por intermédio dos fundos estrangeiros, e isto é a consequência das medidas de finanças isoladas e isto leva ou pode levar o Pafè à ruína.
A lei tem muita deficiência, é certo, mas não se prenda V. Ex,a com essas deficiências, quando elas representem violência- porque ela é necessária.
Sem violência nada se íará, e V. Ex.a que teve a audácia de trazer osta lei ao Parlamento, fô-lo por inteligência e por ter força, força de qu6 é preciso aproveitar-se. /
• V. Ex.a com essa proposta isolada pode arruinar o País.
Veja se consegue despertai- para a vida o Sr. Ministro do Comércio e o Sr. Ministro da Agricultura, e mobilize V. Ex.a os capitais e façá-os integrar na riqueza nacional.
O Sr. Malheiro Bcimão: —Sr. Presidente: ao tratar da prop.osta em discussão sobre os lucros provenientes da guerra, desejo antes de mais nada fazer uma referência ao que se diz no relatório sobre a situação financeira do País.
Em primeiro lugar, há uma frase que merece o meu reparo, e que estranho muito esteja escrita num relatório assinado pelo Sr. Ministro das Finanças.
Diz S. Ex.a que se tem vivido de expedientes seiu ter havido a coragem de encarar o mal de frente, etc.
Já fui Ministro das Finanças e pela parte que me toca} repito absolutamente a acusação que. aqui se faz, de que se tem procurado viver de expedientes.
Nunca o fiz.
Outro ponto, que niuito devemos atender, é o que consta das despesas de 1919 e 1920, que somam 303 mil contos.
Para isto ó que ó necessário chamar a atenção nesta altura. E preciso írizar este facto.
Devemos todos encarar a necessidade absoluta da redução das nossas despesas,
No ano anterior ao exercício de 1919-1920 as despesas não chegavam a 100 mil contos.
Hoje montam a 303 mil contos.
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&sss8,o de 27 de Maio de 1900
E preciso reduzir este estado de cousas, com o corte das despesas de várias cousas entre as quais avulta a extraordinária cifra de 1.700:000 contos.
Este problema precisa encarado de frente.
ti. Ex.a térmica dizendo que cumpriu o seu dever fazendo estas observações,
Todos "nós temos responsabilidades o o Sr. Ministro das Finanças mais do que ninguém. Depois S. Sx.a julga que tem apenas de lançar impostos, quando é preciso fazei' alguma cousa mais. sendo um dos assuntos que maior atenção deve merecer o da nossa enorme dívida pública.
Tudo isto necessita de remédio pronto e enérgico, não bastando equilibrar o orçamento. Lembro me, a propósito, do que dizia Mariano de Carvalho, quando em 1891 toda a gente bramava que era preciso equilibrar o orçamento:
— Equilibrar o orçamento, e depois?
Outro facto curioso a que este relatório se refere ó o da circulação fiduciária, em contradição com o que o Sr. Ministro das Finanças aqui declarou há dias sobre o assunto. Vô-se pelo relatório que a circiaiação fiduciária, que, segundo o contracto com o Banco de Portugal, ó de 360 mil contos, estava em 31 de Dezembro em 370 mil contos e actualmente excedo 400 mil coutos. Mas, então o que vêm a sor estes 40 mil contos de notas a mais quo andam em circulação? Não podemos deixar de concluir que essas notas não representam, cousa nenhuma. Chegámos a uma situação em que não sabemos como equilibrai-as nossas finanças, mas continua-se a malbaratar os dinheiros públicos doidamente. f
Como repetidas vezes já aqui tenho dito, ú indispensável que só reduzam as desposas, mas ferozmente, sem pensar se porventura haverá quem tenha que ficar sem pão. Nós encontramo-nos na situação dum general que quando dá as suas ordens para o início duma batalha : não tem quo, se preocupar, nem GO podo preocupar com o:í soldados que vão morrer, nem cor?> os órfãos w viúvas quo vão deixar. 15 indispensíivcl que limitemos as nossas desposas àquilo quo do modo a);>;um po^;i O Orçamento de 1919-1920, que nos termos constitucionais por mim ioi trazido ao Parlamento em Janeiro de 1919, mencionava 95 mil contos de despesas, quando o actual ó de 300 mil contos. Há nisto muito de extraordinário, pois não se pode compreender que, já terminada a guerra, tivesse que ser feito um aumento do mais de 200 mil contos nas nossas despesas anuais. - Á Inglaterra demitiu milhares de fun-ciomirios, a Itália fez o mesmo e a França num orçamento de 18 biliões, cortou 8 biliões, quasí metade. Temos que proceder de forma idêntica, porque ninguém acreditará nu nossa boa fé, nem o Pais admitirá sequer que sejam justas as contribuições que sCbre elos vamos lançar, sem que primeiro sejam reduzidas todas as despesas quo estamos fazendo. Não pode ser. Este esbanjar dos dinheiros públicos vem acentuando-se dia a dia, e não pode nem deve contiuuar. Temos do mudar de processos. Citarei as gratificações que tiveram os membros da comissão intor-parlamentar de comércio. Pagòu-se a ida e regresso a Paris, ao princípio por 125 francos diários. Depois subiu extraordinariamente de preço essa viagem. Deram-se 640 francos por dia aos que foram representar lá fora o País. Ao todo 'a despesa soma 20:000 libras com a representação da Comissão Inter-Parla-meutar de Comércio, e, francamente, não vejo quais fossem até hoje os resultados dessa representação. Essa conferência só serviu para gastar. Mais nada. No relatório da proposta lêem-se frases, interessantes. A expressão «papel desvalorizado» é muito curiosa. Devo dizer que discordo absolutamente da intenção do tributar os lucros de guerra. Concordo corn a intenção de os aproveitar, para reduzir a circulação fiduciária, sondo digna de aplauso a intenção do Sr. Ministro das Finanças. O imposto sobro o capital ó uma vio-JGiiciu som necessidade. A tributação da maio i' valia dos bens móveis o doa Imóveis, qno cada um tem em sua casa, i:flo é junti.. Esses Lona não valem nada, só valem qu:mí!o se vendem.
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cessário condenar os pontos de vista que se' pretende obter para não praticar injustiças.
Se pretendemos valorizar a nossa moeda, evidentemente à tributação deve incidir sobre os valores actuais. Para se poder fazer isso duma forma justa e razoável, será necessário isolar completamcnte os lucros capitalizados da guerra, e sobre eles fazer incidir a tributação. Evidentemente seria necessário adoptar outra fórmula Q não irmos buscar lucros a realizar, lucros futuros. Discordo absolutamente desta orientação.
Há um capital que deve ser atingido, que ó o resultante do jogo da Bolsa. Foram as operações do jogo da Bolsa que apressaram a desvalorização da nossa moeda, criando situações absolutamente incomportáveis.
De há um tempo a esta parte têm--se feito na Bolsa cousas verdadeiramente as sombrosas, desde que começou a aparecer esta aluvião de papel--rnoeda.
Transgrediram-se as leis, fazendo-se operações que não são permitidas, chegando alguns bancos, escandalosamente, a anunciar nos jornais operações sobre os marcos, o quu levou para o estrangeiro milhares de contos, ficando om proveito desses bancos os resultados das operações efectuadas.
Tal facto, além de representar unia especulação proibida pelas leis do País, demonstra, evidentemente, má fé da parto dos directores dos vários bancos, que, com a compra e venda dos marcos, tiraram lucros excessivos em detrimento da nossa situação financeira.
Continuando nesse sistema absolutamente condenável, a que é preciso ê urgente pôr cobro, em Dezembro último varies bancos chegaram, ou estiveram prestes a chegar, ò tremenda situação de falirem. Todas as operações que depois se fizeram e todos os actos do Governo têm sido destinados a evitar que a influência cambial, por virtude de falências bancárias, traga perturbações graves para a nossa praça.
Só tenho que louvar essa atitude do Governo, realmente acertada. Há uma cousa, porem, que é de todo o ponto fundamental, que ó quando um banco chega a estar perto da falência, é sempre frau-
Diáno da Câmara dos Deputadas
dulentamente. Se não fosse a intervenção do Estado, que lhes facultou dinheiro, a falência seria certa, e o que é espantoso é que os directores desses bancos continuem a administrá-los, jogando perfeitamente a descoberto.
Fez-se o Consórcio Bancário e o que é facto—e isto sem desprimor para o Sr. l António Maria da Silva, que muito considero— é que esse Consórcio representou-| -se apenas pela operação das 18:000 li-j bras em cheque que o Governo tinha, e j os banqueiros fizeram as suas operações, tiraram os seus lucros e tudo continuou muito bem sem ao monos se chamarem à responsabilidade os directores, que, manifestamente e nos termos das leis em vigor, tinham responsabilidades na falência a que levaram as suas casas.
Sr. Presidente: vamos vivendo desta confiança que ainda existe no papel, que, em quantidade colossal, se está emitindo.
Parece-me bem que seria esta a altura do Estado tirar às várias companhias e aos bancos a sua protecção patronal, oforigando-os a viver com as próprias posses.
Tem-se jogado a descoberto. Bancos, organizações bancárias, têm feito um jogo quo se traduz e tem traduzido nas mais graves consequências para o País. Os seus directores continuam, todavia,, jogando na mesma situação em desprestígio das leis e de todos os poderes constituídos. Não pode ser!
Por consequência, concordo absolutamente que se considerem como lucros de guerra todas as resultantes dessas operações, apesar de serem ilícitas; mas é necessário que incida o imposto de lucros de guerra apenas sobre os lucros capitalizados.
Falta ver agora, Sr. Presidente, qual será a forma a aplicar aos índices visíveis.
Eu concordo que o aumento de capital das companhias seja considerado como lucros de guerra. E as companhias novas que se formaram depois da declaração da guerra manifesta e evidentemente devem ser tambôm consideradas como capital já conseguido depois da declaração da guerra.
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havia um certo capital que estava empre- j gado em bons negócios; mas, depois disso, apareceu a febre de fazer compa- • nhias, entre elas as de seguros, porque j havia uma enorme abundância de papel--moeda, que não sabia onde devia fazer a sua colocação, o como no nosso país tudo ó burocracia, a única solução que apareceu a esse capital foi constituir sociedades que por uma aparência honesta dessem dividendo aos seus accionistas.
Mas o defeito principal que tem havido no nosso país, é o emprego de capitais ein bancos e sociedades, mais ou menos artificiais, entretanto com o menor perigo possível, não se aplicando em empresa de absoluta necessidade, como as agrícolas e as industriais. Disse o Sr. Ferreira da Rocha que há agora uma tendôncia do capital a empregar-se nestas empresas. Eu felicito-me por isso, e entendo que • devia haver até uma certa protecção ao capital que se quisesse empregar em qualquer cousa de utilidade para o Estado e para a comunidade.
Havia mesmo uma forma nova que eu gostava de introduzir nos nossos impostos, a de criar unia digressão para todo o capital que se aplicasse em empresas consideradas de utilidade nacional, ao mesmo tempo que se corrigia esse imposto com um outro de qualquer natureza para o capital que quere apenas o seu conforto em bancos e utilização de toda a segurança. -Eu queria que se fizesse uma espécie de mobilização do capital, como se fez, por exemplo, na Alemanha, onde se fez o combate do capital, não se permitindo a constituição de novas sociedades sem uma autorização especial do Estado. •
Isto já se fez na Alemanha em 1918, juntamente com o fim de-não se constituírem novas empresas e assim aumentarem os capitais disponíveis para qualquer exploração de utilidade.
Eu, Sr. Presidente, sou de opinião de que no estado em que nos encontramos, necessário só torna evitar que o capital fuja para o estrangeiro e que continvri por mais tempo improdutivo.
É preciso, repito, que se acabo com esta tendCncia que existe no País.
Interrupção ao Sr, Ferreira da Rocha, que se não ouviu„
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O Orador: — Eu devo dizer a V. Ex.a que isso se poderá evitar com medidas um tanto ou quanto apertadas, remediando-se assim os inconvenientes a que V. Ex.a se referiu.
O que é facto, Sr. Presidente, é que no País as pessoas de dinheiro só o empregavam com muita cautela, isto é, empregavam-no somente em hipotecas ou letras, não o empregando em empresas ou companhias que não oferecessem uma garantia absoluta.
Por estas e muitas outras razões, é que houve necessidade em se criarem as Cíii-xas de Crédito Agrícolas, a fim de se obter capital barato.
Mas, Sr. Presidente, desviado um pouco do assunto que estava tratando, lucros de guerra, eu devo dizer que já expus a minha opinião sobre a questão, e vou rer-sumir as considerações que tenho a fa> zer.
Assim, Sr. Presidente, eu sou realmente de opinião em que há uma necessidade absoluta em se ir buscar, por todas as formas, os capitais onde eles se encontram, desole que esses capitais sejam adquiridos depois da guerra.
Eu devo declarar francamente à_ Câmara que tenho visto pessoas que antes da guerra possuíam apenas uns 70 contos, aparecerem hoje em empresas com capitais superiores a 600 contos.
Outras pessoas tinham antes da guerra 100 e 200 contos e hoje têm 2:400 contos. Todos sabem que se têm realizado for 1 unas enormes, e um princípio de justiça assiste ao Estado de dirigir-se a essas pessoas que capitalizaram mais do que o normal.
O Sr. Presidente: — Faltam cinco minutos para se passar à segunda parte da ordem do dia.
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Diário dq, Câmara dos Deputadas
O Sr. Ferreira cia Rocha: — A única forma é tributar os lucros desde 1914.
O Sr. Brito Camacho: — Essa tiibuta-ção só se poderia fazer à medida que os lucros se iam fazendo.
O Orador: — Todos os países têm tributado êssps lucros de guerra. Acho fundamentalmente do justiça que Portugal faça essa tributação, mas em quanto à forma, estamos nós 'aqui para a determinar.
Concordo em princípio, pois acho de justiça, ruas discordo quanto à forma.
O orador não reviu, nem pelos oradores que os produziram foram revistos os apartes intercalados no discurso.
O Sr. Presidente: — Para a comissão de obras públicas nomeio os seguintes senhores, em substituição :
Lúcio de Azevedo e Vasco Borges, Ministros, por Paiva Gomes e Sá Pereira.
Para a Secretaria*.
O Sr. Presidente : — Vai passar -se à segunda parto da ordem do dia : discussão do parecer n.° 384.
ORDEM DO DIA
Parecer n.9 884-
Senhores Deputados. — Antes que um mês tivesse decorrido sobre a implantação da Re_pública no nosso País, o Governo Provisório fazia publicar o decreto com força de lei que equiparava o divórcio, autorizado por sentença com trânsito em julgado, à dissolução por morto.
Ò artigo 1:056 do Código Civil, que considerava o casamento um contrato per-pótuo, era assim modificado, e na nossa legislação o contrato de casamento pôde aproxímar-se dos outros contratos.
Como os outros, poderia rescindir-se pelo acordo das partes, e ainda como os outros, uma das partes poderia requerer a sua rescisão, quando houvesse falta de cumprimento, pela outra, das obrigações
essenciais que, por virtude da realização dele, tacitamente havia contraído ; enumerando quais eram essas obrigações, dum modo taxativo, para evitar o emprego do argumento de anralogia ou por maioria de razão,' talvez considerados.perigosos pelo legislador, que tinha em vista una a transição suave c lenta de um para o outro extremo.
E, se ôsse cuidado existiu, se foi essa a intenção do legislador, só aplausos nos pode merecer.
Passar, de facto, da prisão perpétua para a mais completa liberdade; passar do impossível para o absolutamente possível, rapidamente, instantaneamente, seria perigoso.
A comoção poderia ser demasiado violenta e o resultado dessa obra poderia ser contraproducente.
Há porém que atender aos dez anos já decorridos sobre a sua promulgação; e se a Eepública encontrou condições de ambiente que impunham, logo após a sna proclamação, o decretar-se o divórcio, os dez anos que já decorreram têm forçosainen-te imposto uma revisão dessa lei, no sentido de a tornar mais liberal, Nós não pretendemos, evidentemente, que o divórcio soja, não uma faculdade para quem a 6le recorre indispensável-mente, mas apenas um. brinquedo de que se use e abuse, para tornar impossível a existência da família, indispensável em todos os Estados civilizados. Mas é necessário actualizar essa lei, revendo-a e modíficando-a, sobretudo a sua parte de direito substantivo, aquela eni que se estabelecem e fixam as causas legitimas do divórcio litigioso. Não é, em todo o caso, essa, a obra que agora pretendemos fazer. O nosso trabalho neste momento seria absolutamente improdutivo. A Câmara tem de apreciar muitos projectos de lei importantes, de discussão inadiável, e o tempo não lhe sobraria para apreciar mais ôsse. Estas considerações surgiram a propósito apenas do projecto do lei n.° 338-A, que modifica o n.° 8.° do artigo 4.° desse decreto, hoje vulgarmente conhecido pela lei do divórcio, que à nossa apreciação foi por vós submetido.
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Sessão dç 27 de Maio de 1920
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E porque nada mais, apreciômo-lo.
O n.° 8,° do artigo 4.° do decreto de 3 de Novembro de 1910, estabelece que ó causa do divórcio litigioso «a separação de facto, livremente consentida, por dez anos consecutivos, qualquer que seja o motivo dessa separação».
Parece, portanto, que para sor decretado o divórcio com fundamente no u.°r:^.° do artigo 4.° do referido decroio com força de lei, ô necessário demonstrar-se:
1.° Que existe a separação de facto;
2.° Que ela dura há dez anos;
3.° Que se manteve sempre, através estes dez anos;
4.° Que foi livremente consentida.
Mas assim não é.
O § 3.° do artigo 4.°, referido, expressamente determina que no caso do n.° 8.° «a prova será restrita ao facto da separação, sua continuidade e duração».
Assim, não há necessidade de provar que foi livremente consentida, e ossas palavras estão a mais no n,° 8.°, já aludido.
Mas, se assim é, como discrárninarem-se as hipóteses compreendidas no n.° 5.°, das compreendidas no n.° 6.° e das .que o estão no n,° 8.° ?
Quererá argumentar-se que a «separação de facto» de que trata o n.° 8.° não exige a separação de residência, mas simplesmente a não existência das relações naturais entre marido e mulher, das suas relações mais íntimas?
Ora vejamos:
O n.° 6.° (ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a quatro anos) nunca pode ter aplicação ou, pelo menos, pode sempre deixar de ter aplicação. Porque a hipótese que ele regula está, evidentemente, compreendida no número anterior, com a diferença de que, neste, o prazo ó menos longo c, portanto, mais fácil a obtenção do divórcio,
«Ausência, som que do ausente haja notícias», é sempre, para quem a queira alegar o doía tirar partido, para quem nela quisor fundamentar o divórcio, «abandono completo do domicílio conjugal».
Bem sabemos qno podo susíontar-se xiste diíhronça (fo nKuaoíkis, procu-
fundamentar essa diferença na existência, ou não. de recursos materiais, deixada pelo cônjuge que parte ou abandona.
Fraco fundamento, porém, é esse. Porque em todos os casos, sempre que haja a repartir, os recursos materiais podem ser exigidos e existem, portanto.
Supomos, portanto, que o n.° 6.°, colocado ali um pouco em harmonia com o que dispõe o Código Civil, que o mesmo prazo exige para o deferimento da curadoria, bem poderia desaparecer sem que, com ele, desaparecesse um dos fundamentos para requerer e alcançar o divórcio.
Ficam, pois, apenas os n.os 5.° e 8.°; procuremos ver onde começa e onde acaba o raio de acção dum e doutro, as hipóteses que um c outro regulam.
Mas antos disso, interpretemos devidamente cada um desses números.
«Abandono completo do domicílio conjugal». <_ que='que' abandono='abandono' completo='completo' consistirá='consistirá' expressão='expressão' conjugal='conjugal' o='o' p='p' neste='neste' _0='_0' por='por' domicílio='domicílio' jem='jem' caso='caso' será='será' esta='esta' entender-se='entender-se' deve='deve'>
.u vulgar confundir-se, mesmo em linguagem jurídica, a casa onde o indivíduo tem permanentemente a sua residência, a casa onde vive habitualmente com a sua família, com o lugar, a terra, onde essa casa está situada e onde ele—muitas vezes por virtude de funções públicas que desempenha, tem o seu domicílio necessário.
Não nos parece que possa ser tomada neste último sentido a palavra domicílio. Fala-se, de resto, em domicílio conjugal; e? não ó arriscado afirmar-se que, neste caso, a expressão domicílio conjugal significa apenas a casa onde habitam os esposos com seus filhos, onde estabeleceram o seu lar.
Fixada, assim, a significação do «domicílio conjugal» a que alude o n.° 5.°, que examinamos, vejamos o que podeen-tender-so por «abandono completo».
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que a de recursos materiais; é — sem dúvida— o desprezo tam completo pela família e pêlo lar, que dela em nada cuida, sem procurar receber ou. dar notícias, sem cuidar dos recursos que possa ter, sem lhe importar o seu bern ou mal estar.
Assim, poderemos concluir que «abandono completo do domicílio conjugal por tempo não inferior a três anos», — é a saída da casa onde vive com o outro cônjuge e, depois, durante esse espaço de tempo, a falta contínua de dar ou receber notícias, de proporcionar recursos dos que lhe pertencem exclusivamente ou de que exclusivamente pode dispor; ó, dum modo geral, a separação da casa e a ausência da carinhosa assistência que os cônjuges devem dispensar-se mutuamente, a eles próprios, e ainda à família que criaram. &
E deste modo, nenhuma dúvida teríamos em afirmar que poderia ser requerido e decretado o divórcio contra o cônjuge marido que, deixando Portugal, onde vivia com sua mulher e filhos, partiu para o estrangeiro-, demorando-s e três anos sem dar ou procurar notícias, sem enviar recursos materiais, necessários à família que constituíra.
^Ein que consistirá a «separação de facto» a que alude o n.° 8.°?
Procuremos fixá-lo.'
Já, noutra parte deste parecer, deixámos enunciada a seguinte pregunta:
É certo que o § 3.° do artigo 4.°, como que evitando a prova do livre consentimento, parece dar razão aos que assim argumentassem. & Seria um cuidado do legislador, para evitar o escândalo? Um simples exame, um momento apenas de atenção, demonstra que não pode ser esta a intenção do legislador. ^ Vivendo na mesma casa, como poderia demonstrar-se «a separação do facto», assim entendida, sem o acordo dos dois cônjuges? [iv cio por mútuo consentimento uma facilidade maior na consecução do seu fim?! Não pode ser esse, evidentemente, o pensamento do legislador. Mas qual é então? «Separação de facto» ó, a nosso ver, a existência, sem qualquer ligação, de duas criaturas que, em virtude do casamento, deveriam viver juntas. E o indiferentismo, senão o próprio desprezo, substituindo as relações de carinhosa amizade. Não pode entender-se doutro modo — cremos. Assim sendo, a «separação de facto» podo existir, embora os esposos residam na mesma casa, embora se avistem até. Interpretados, pelo modo que nos parece ser o melhor, os n.os 5.° e 8.° do artigo 4.°, fixemos agora o raio de acção de cada um, pelas hipóteses que regulam. Ocorre imediatamente a seguinte pregunta : — Melhor dizendo: — Exemplificando: — £0 cônjuge que abandonou o domicilio conjugal pode, ao fim de 3 anos, requerer o divórcio, ou tal faculdade cabe exclusivamente ao outro cônjuge? £0 cônjuge culpado-—chamemos-lhe assim — poderá pedir o divórcio com fundamento no facto que ele próprio praticou? Não é uma questão nova, esta que levantamos aqui. Já os tribunais têm sido chamados a pronunciar-se sobre este assunto, mas os seus julgados têm sido contraditórios e a jurisprudência ainda não fixou doutrina. Em face do decreto-lei que este assunto regula, nada pode resolver-se. Ele mída diz. Limita-se a fixar os fundamentos que.podem ser alegados para obtenção do divórcio. E é tudo. Há, porém, que recorrer a outros elementos— e outros existem, de natureza moral uns, e até de natureza legal alguns — que nos esclarecem absolutamente.
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lei sancionasse o crime — e outra cousa não é o adultério — como meio para a consecução do divórcio em favor de quem o praticasse ou, pelo menos, como faculdade para pedir, e alcançar o divórcio?
^ Em que ficaria a instituição da família, base de todas as sociedades civilizadas?
Isto sob o ponto de vista moral. Mas, a dentro das próprias leis, se encontra a resolução dêstejfproblema, que entendemos dever examinar.
As causas de divórcio litigioso, enumeradas no artigo 4.°, são de duas espécies : causas que surgem independentemente da vontade, e são a loucura e doença contagiosa incurável ou doença que importe aberração sexual — e causas existem por facto dependente da própria vontade de quem as pratica, e que são todas as outras.
Todas essas causas, porém, nascem do facto de representarem, umas a falta de cumprimento de obrigações a que ficam sujeitos os que contratam o casamento, outras que surgem acidentalmente e que influem, por si sós, na natureza desse contrato e o destroem. No último caso a loucura e a doença; no primeiro, todas as outras causas.
Nem é necessário discutir o primeiro, examiná-lo, para a resolução do problema que pusemos. Mas, examinando as outras hipóteses:
Diz-nos o artigo 695.° do Código Civil : «nenhum contraente pode socorrer-se à nulidade, resultante da incapacidade doutro contraente, nem alegar erro ou coacção para que haja contribuído». E mais adiante, no artigo 705.°: «o contraente que falta ao cumprimento do contrato torna--se responsável pelos prejuízos que causa ao outro... etc.».
Não se trata, evidentemente, de nulidade ou erro anteriores, e essa seria a hipótese do artigo 695.°; mas vê-se bem que, pelo sistema do nosso Código Civil, só pode pedir a anulação ou a rescisão aquele dos contraentes que haja cumprido.
Ora o decreto de 3 de Novembro de 1910, considerando indispensável para a boa existência da família que certos factos nunca se verificassem, enumerou-os e determinou que, caso existissem, caso surgissem, poderia esse contrato dissolver-
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-se. E, se não determinou quem os poderia alegar, ó porque reconheceu ser isso dispensável. Nada estatuindo a esse respeito, prevalecia, evidentemente, o que, embora dum modo geral, estava legislado; e assim, podemos afirmar que só pode requerer o divórcio o cônjuge que cumpriu, contra o que não cumpriu, nos casos em que é a falta de cumprimento por uma das partes que faz nascer a causa de divórcio.
É, de resto, como procura fixar-se a jurisprudência dos tribunais.
E assim, respondida esta pregunta que a nós mesmos entendemos dever formular, estabeleçamos a diferença de aplicação dos n.os 5.° e 8.°
Depois de tudo quanto deixamos exposto é fácil concluir o que entendemos pelas disposições contidas num e noutro números, como nos parece dever fazer-se a sua diferenciação.
Acentuemo-lo, porém; fixemo-lo definitivamente:
O abandono implica a separação de pessoas e a ausência de recursos; supõe até a existência, em casas diversas, dos dois cônjuges. A separação de facto, não; podendo até verificar-se quando os dois vivam na mesma casa, mas ocupando partes diversas, absolutamente desaparecida a convivência e as relações.
No primeiro caso, três anos bastam para que o divórcio possa ser requerido pelo cônjuge abandonado. No segundo só passados dez anos pode ele requerer-sc.
Não compreendemos.
Na verdade, para que se dê entre cônjuges a separação de facto, livremente consentida, ó necessário que entre eles tenha havido um como que acordo tácito; é absolutamente necessário que essas duas criaturas, aborrecendo-se reciprocamente, se sintam — as duas — inuito mais felizes sem se falarem, sem se avistarem, até.
<_ que='que' a='a' de='de' estado='estado' e='e' dure='dure' pelo='pelo' p='p' retomem='retomem' para='para' menos='menos' dez='dez' um='um' liberdade='liberdade' anos='anos' ontro='ontro' sua='sua' cousas='cousas' tal='tal' exigir='exigir'>
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Mas a esses nós responderemos que muitas vezes os preconceitos religiosos dum dos cônjuges o impede de assim proceder, e noutros, o interesse, a ganância e até a maldade não lho consentem.
Ao passo, porém, que este espaço de dez anos é fixado para a separação de facto, limita-se a dois o tempo necessário para que, após o casamento, os esposos possam requerer o divórcio por mútuo consentimento. E, embora, só decorrido mais um ano esse divórcio se torne definitivo, o que é certo é que são dois, três ou mesmo quatro anos, e nunca dez.
Não se compreende. De mais, a legislação de todos os países tende a facilitar, em vez de dificultar, o divórcio; e já hoje não é um só país que consigna a um só dos cônjuges a faculdade de requerer o divórcio quando assim o entenda, nonessíí-rio para a sua felicidade. Não desejamos que tam longe se avance, por emquanto; mas entendemos indispensável que se modifique essa disposição, diminuindo o prazo ali estabelecido. E porque o de cinco anos, fixado no projecto de lei n.° 338-A, que vimos a apreciar, nos ' parece o mais razoável, com esse projecto concordamos inteiramente. Sala das sessões da comissão de legislação civil e comercial, 20 do Fevereiro de 1920. — Queiroz Vaz Guedes — Angelo Sampaio Maia (com restrições) — Cama-rate de Campos — Vasco Borges —Alexandre, Barbedo —Pedro Pita, relator. Projecto de lei n.° 388-A Senhores Deputados.— Entre as causas legitimas de divórcio litigioso, taxativamente enumeradas no artigo 4.° do decreto com força de lei de 3 de Novembro de 1910, figura a separação de fo\$o. livremente consentida, por dez anos ,<_..nse-cutivos n.='n.' que='que' motivo='motivo' do='do' separação='separação' qualquer='qualquer' artigo='artigo' o='o' p='p' dessa='dessa' _8.='_8.' seja='seja' _4..='_4..'> A separação dos cônjuges, o afastamento de um do outro, sugeriu ao legis- Diário da Gamara dos Deputados lador de 1910 três hipóteses diversas ou, melhor dizendo, três situações especiais que o fizeram criar outros tantos motivos ou fundamentos He divórcio:—o abandono completo do domicílio conjugal por tempo não inferior a três anos (n.° 5f°); a ausência, sem que do ausente haja notícias por tempo não inferior a quatro anos (n.° 6.°); e a separação de facto, livremente consentida, por dez anos consecutivos, qualquer que seja o motivo dessa separação (n.° 8.°). Assim, ao passo que, no caso de abandono conjugal, são apenas necessários três anos e no de ausência sem notícias quatro, no caso de separação de facto livremente consentida são indispensáveis dez. Não chega a compreender-se esta tam grande diferença de tempo, digamos assim, o parece até que entre as disposições contidas nos n.os 5.° e 8.° do artigo 4.° existe uma certa contradição. ^ Pois não é uma separação de facto o abandono do domicílio conjugal? Eviden-inente que é. E assim, verifica-se o seguinte eontra-senso: — ao passo que é possível requerer o divórcio ao fim do 3 anos, porque um dos cônjuges abandonou completa-mente o domicílio conjugal, embora tal abandono não seja livremente consentido— tornam-se necessários 10 anos quando a separação seja livremente consentida. Eu sei que pode argunieritar-se, sustentando que no caso do n.° 5.° só pode requerer o divórcio o cônjuge que não abandonou o domicílio conjugal, e que o outro, para obter o divórcio, tem de ver decorridos 10 anos para lhe ser permitido invocar como fundamento a «separação livremente consentida do n.° 8.°»; e sei também que não faltará quem diga que o longo prazo de 10 anos ó como que um obstáculo a preparar um divórcio fácil. Mas decorridos 3, 4 ou 5 anos de separação absoluta, livremente consentida, ou não, para que insistir em manter ligados esposos que já não podem viver em comum?
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exigem-se 10 anos, quando o fundamunto seja a separação de facto l
Mais: — se, num momento de exaltação, de qae pode seguidamente arrepender-se, o mando der na mulher uma bofetada, pode esta requerer imediatamente o divórcio; não é necessário que tenha decorrido qualquer prazo, esperando o arrependimento: —imediatamente ô divórcio pode ser requerido e, unia vez provada a sevícia, decretado. E, no em-tanto, são neccessários 10 anos —10 anos!— para a separação de facto!
Ainda mais: — desde que a separação não seja livremente consentida nunca o divórcio pode ser requerido, embora demonstrado tenha ficado desde há 5, há 8 ou há 10 anos, que a vida dessas, duas criaturas em comum é absolutamente impossível, embora desde a primeira hora de desavenças estejam a litigamos tribunais para obterem o divórcio!
Ao mesmo tempo, pórêm^ faculta-se o divórcio por mútuo consentimento ao fim de 2 anos de casados!
É absolutamente necessário remediar este erro: —permito-me chamar-lhe assim. — E neste intuito tenho a honra de submeter à vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo único. O n.° 8.° do artigo 4.° do decreto de 3 de Novembro de 1910, regulador do divórcio, fica substituído pelo seguinte: —a separação de facto, por cinco anos consecutivos, qualquer que seja o motivo dessa separação.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 27 de Janeiro de 1920.— O Deputado, Xavier da Silva.
O Sr. Sampaio Maia: — Sr. Presidente: sobre este projecto já recaiu o exame e a crítica jurídica feitas pelo ilustre parlamentar e advogado Sr. Raul Portela. Eu entendo, p^rêm, qne este projecto merece uma larga discussão.
De resto, como faço parte da comissão de legislação civil e comercial, e, como tal, assinei este parecer com restrições, justo é que venha expor à Câmara o mo-íívo por que com restrições o assinei.
Sr. Presidente: a modificação que se pretende introduzir na lei do divórcio não é tam simples como à primeira vista poderá parecer. K que nas leis, o principalmente quando elas tom o carácter
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substantivo, as palavras têm de ser cautelosamente medidas, pois devem ter um significado técnico e rigoroso ; e, sendo assim, a modificação que se pretende introduzir na lei do divórcio não é tam simples como à primeira vista poderá parecer.
Não se trata somente duma redução de determinado prazo do tempo.
Este projecto encerra também um outro assunto com a supressão dumas palavras que consigo vêm trazer uma completa, uma absoluta diferenciação nos íun-damentos do divórcio, tal como hoje é admitido.
Quanto ao tempo, isso é o mínimo.
Quanto à supressão das palavras, isso é para mim o máximo.
Se V. Ex.a ler, Sr. Presidente, com atenção, o disposto na lei em vigor, e o comparar depois com a doutrina da modificação, encontrará, além da redução do prazo de dez a cinco anos, a supressão de palavras que se encontram na actual lei.
Assim, o n.° 8.° do artigo 4.° do de--creto de Novembro de 1910 estabeleceu como fundamento do divórcio litigioso o seguinte :
«A separação de íacto. livremente consentida, por dez anos consecutivos, qualquer que seja o motivo dessa separação».
A modificação ó a seguinte :
«A separação de facto, por cinco anos consecutivos, qualquer que seja o motivo dessa separação». ^
Nesta modificação, além da redução do número de anos, foram suprimidas as palavras «livremente consentida».
Seriam elas uma redundância?
Quanto ao tempo, repito, é para mini caso de pouca importância; admito que o prazo seja de cinco anos ou ainda reduzido a dois anos, como pretende o Sr. Álvaro de Castro.
Qníinto à supressão das palavras, ó que já não digo o mesmo.
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mera redundância na lei de 3 de Novembro de 1910. Argumenta então S. Ex.a com o § 3.° do artigo 4.° da referida lei, que diz assim:
«No caso do n.° 8.° a pnmi será restrita ao facto da separação, sua continuidade e duração».
Com efeito, se a prova é só relativa ao facto da separação, sua continuidade e duração, essas palavras «livremente consentida» são uma redundância, diz S. Ex.a
Mas não é assim.
O § 3.° do artigo 4.°. como muito bem sabe o ilustre relator deste parecer, tem de ser interpretado no sentido técnico .do direito, e, portanto, nos seus tormos júri dicos. Quando se diz que a prova será referida ao" facto da separação, implicitamente está compreendido o facto do seu livre consentimer.to. Doutra forma não se poderia compreender que fosse fundamento do divórcio a separação de facto, livremente consentida, nos termos do n.° 8.° .do artigo 4.°, e no parágrafo seguinte o mesmo legislador viesse dizer que esse livre consentimento era uma redundância.
Ao nosso nronriQ ^«nípito acodom liir-
J, ± - - f
gás razões, que nos dizem que efectivamente esta pi ova tem de ser restrita ao facto da separação livre ou não livremente consentida. Com efeito, se fizermos recair a análise sobre Gste fundamento do divórcio, facilmente chegamos a essa conclusão.
Assim, na lei do divórcio, a falta de convivência conjugal pode revestir três formas:
' Primeira, a separação dos cônjuges ser imposta por um ao outro ;
Segundo essa separação derivar da ausência de um dos cônjuges, sem que dele liaja notícias;
Terceiro, pela separação por ambos, livremente consentida.
Na primeira hipótese, quando não há convivência conjugal por imposição de um dos cônjuges, dá-se o abandono. E o n.° 5.° da lei do divórcio. A segunda hipótese está prevista no n.°- 6.° da referida lei, qual ó estar um dos cônjuges ausente, sem que dele haja notícia. A terceira hipótese verifica-se quando os dois cônjuges acordam em viver em separado, base para o divórcio, nos termos do n.° 8.°
Portanto, se na primeira hipótese é preciso a imposição dum cônjuge ao outro ; se na segunda é preciso a ausência sem que do ausente haja notícias, na terceira hipótese torna-se indispensável e essencial que seja livremente consentida a separação de facto. Demais, se as palavras livremente consentida fossem retiradas, chegaríamos aos maiores absurdos e às mais terríveis consequências.
E para não tornar tam árido este assunto, vou exemplificar.
Supúnhamos que um indivíduo, por dificuldades de vida ou até para poder proporcionar aos seus um melhor bem estar, vai para o estrangeiro, vai para o Brasil, por exemplo.
De lá envia a sua mulher frequentemente notícias, envia-lhe dinheiro, proporcionando-lhe até uma vida mais desafogada.
1 Evidentemente esta hipótese não é uma separação de facto livremente consentida, mas é a reparação de facto constante do projecto.
Pois bem a Câmara entende facilmente corno seria verdadeiramente injusto que um. indivíduo nestas condições tenha no fim de cinco ânus de trabalhos 4$ dedicação, como prémio, o ser repelido por sua própria mulher, que coni a sua separação beneficiou o seu bem-est
Eu SHÍ que nestas condições uma inu-Iher que pedisse o divórcio era indigna de viver com o homem qee durante ôsse tempo por ela se sacrificou, mas o legislador não deve dar nem facultar o incitamento à destruição da própria família ainda hoje base principal da nossa sociedade.
Mas, Sr. Presidente, ainda vou apresentar um caso mais característico que possa ser mais facilmente compreendido.
Temos os funcionários civis e os militares que muitas vezes, no desempenho de certos serviços públicos são obrigados a ir para as colónias.
A mulher não é obrigada a acompanhar o marido para as colónias ou estrangeiro.
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No fim de^inco ou de dois anos? como quer o Sr. Álvaro de Castro, tem como resposta a essa dedicação — o divórcio!
Imaginemos que a guerra não tinha terminado e que um soldado no serviço da da sua Pátria era obrigado a permanecer no campo de Flandres durante um período superior f a cinco ou dois anos na hipótese do Sr. Álvaro de Castro.
E no entanto nunca deixou este soldado de escrever à sua mulher e de ihe enviar os recursos indispensáveis para o seu lar.
E justo, que ao voltar da guerra ou mesmo quando ainda lá sua mulher lhe possa opor — o divórcio? — por separação de facto.
Estes exemplos demonstram por uma forma clara e terminante as consequências verdadeiramente iníquas- a que este projecto podia dar lugar se viesse a ser posto em execução.
Repito e insisto: a gravidade deste projecto'não está < na redução do tempo preciso para a separação de facto ser fundamento do divórcio, mas sim no facto de ser ou não livremente consentida essa separação, que vem modificar completa-mente a estrutura dessa lei.
Nesta parte não podem o ilustre relator, nem tam pouco o ilustre autor do projecto contar com o meu voto.
São estas as considerações que eu queria apresentar à Câmara, são estas as razões que eu alego contra o projecto e f aço-as não para o contrariar, mas única e exclusivamente para o aperfeiçoar e tornar compatível com os nossos costumes.
Nestas condições eu vou ter a honra de mandar para a Mesa uma proposta de emenda a este artigo, substituindo o disposto no § 8.° do artigo 4.° do decreto de 3 de Novembro do 1910 pelo seguinte:
«A separação de facto livremente consentida, por cinco anos consecutivos, qualquer que seja o motivo da separação».
Reduzo de dez a cinco anos o tempo de separação, mas se a Câmara entender que essa redução deve ir até dois anos, eu não tenho dúvida alguma em o aceitar porque entendo que é bastante uma separação livremente consentida após esse espaço de tempo.
Do que eu não abdico, porGm, é de que fique expressamente consignado quo
essa separação será livremente consentida.
E como na prática têm sugerido dúvidas quanto à interpretação 'do § 3.° do artigo 4.° e ainda porque, sobre este assunto já têm recaído decisões o acórdãos de tribunais, sendo hoje doutrina assento e estabelecida que a separação de facto para fundamento de divórcio, tem de ser livremente consentida, eu Sr. Presidente, porque desejo também concorrer para a certeza do direito, com o que toda a sociedade tem a lucrar, eu conjuntamente, com esta emenda, mando também para a Mesa um artigo.de interpretação ao § 3.° isto é, dando-lhe uma nova redacção.
Diz o seguinte:
Artigo..............
O § 3.° do artigo 4.° do decreto que estabelece o divórcio ficará assim redigido:
«No cas^ do n.° 8 a pena será restrita ao facto da separação, livremente consentida, sua continuidade ou duração».
Na verdade, Sr. Presidente, disse e torno a repetir, este novo artigo que envio para a Mesa, interpretando o § 3.° do artigo 4.°, não é mais do que a interpretação autêntica já seguida em todos os tribunais e aliás aceita pelas principais revistas de jurisprudência e pelos mais abalisados e doutos jurisconsultos.
Esperando, pois que esta minha proposta de emenda mereça a atenção desta Câmara, vou por agora, terminar as minhas considerações esperando que o ilustre relator, me esclareça as dúvidas que apresentei, ou me demonstre a ineficácia dos meus argumentos.
Tenho dito.
Lida na Mesa a emenda do Sr. Sampaio Maia, foi admitida.
Proposta de emenda
Artigo 1.° O n.° 8.° do artigo 4.° do decreto de 3 de Novembro de 1910, regulador do divórcio, fica substituído pelo seguinte : «A separação de facto livremente consentida por cinco anos consecutivos, qualquer que seja o motivo de separação» .
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sentimento da separação, sua continuidade e duração».
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados j em 27 de Maio dê 1920. — O Deputado, Angelo Sampaio Maia.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr i Presidente : pedi a palavra para comunicar a V. Ex.a que recebi do Ministério da Justiça um ofício em resposta a um requerimento que fiz, para que me fosse presente um processo em original, dizendo que esse processo não podia vir para a Câmara e que só lá o poderia consultar.
Como não se cita legislação alguma, e já muitas vezes se tem consentido que dos Ministérios venham para a Câmara vários documentos para serem consultados, eu peço a "V. Ex.a se digne consultar a Câmara para que do Ministério da Justiça venha o processo em original, a fim de eu o compulsar, e mesmo porque, talvez tenha necessidade de sobre ele usar da palavra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Salema: — Já ontem tinha pedido a palavra, e não a obtive, certamente por V. Ex.a não ouvir o íneu pedido, motivo por que vou hoje fazer as considerações que ontem tencionava produzir, pedindo a V. Ex.a que as transmita ao Sr. Ministro.
A Capital de anteontem trazia uma notícia sobre milhões de francos que o Governo Inglês emprestou ao Governo Por-guês, destinados a subvenções a oficiais do Corpo Expedicionário Português.
A notícia, em época normal, era grave, porquanto se trata de dinheiro que, se diz, ter continuado em' França e lá se está gastando, sem se saber se utilmente.
Mas na situação melindrosíssima que o País atravessa, a gravidade é ainda muito maior.
Evidentemente, se o Governo deixa passar em julgado tal notícia no momento actual em que se vão pedir tributos e encargos pesadíssimos ao País, o facto nSo faz sentido.
Não se pode continuar a desperdiçar dinheiro desta maneira. Estou convencido que nenhum português, digno dês.se nome,
Diário ãa Câtnara doe Deputados
se eximiráj embora sem satisfação, a cumprir os pesadíssimos encargos que lhe vão ser exigidos, mas também exigirá que o dinheiro que dá, com sacrifício, seja administrado cotn a mais estrita economia e honestidade.
Nestas condições, entendo ser conveniente quê o Governo tome qualquer resolução a este respeito.
Estamos todos de acordo nos sacrifícios que vão ser exigidos ao País; o que é indispensável, porém, é que o Governo se arme da autoridade necessária para exigir esta tributação.
É preciso administrar com aquela honestidade e autoridade, que ninguém apossa pôr em dúvida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A pfóxiina sessão é amanhã às 14 horas.
Antes da ordem do dia: • Parecer n.° 437, de hoje.
Ordem do dia: Primeira parte—A de hoje. Segunda parte—A de hoje. Está encerrada a sessão. Eram 19 /tórax e 50 minutos.
Documentos enviados para durante a sessão
Ultimas redacções
Do projecto de lei n.° 211, tornando condição essencial para à legalização de documentos por via de reconhecimento, ã existência de 'sinal aberto nos livros respectivos i
Dispensada á leitura da última redacção i
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.° 446, autorizando a Junta Autónoma das Obras do Novo Arsenal de Marinha a contrair uín empréstimo em designadas condições, destinado à construção do novo arsenal.
Aprovado.
Remeta-se ao Senado.
Projecto de lei
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de Junho de 1917, relativo à contagem do tempo para a aposentação.
Para a Secretaria.
Para o «Diário do Governo».
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e da Instrução Pública, abrindo um credito especial de 1.000$ para reforço da verba do pagamento de férias ao pessoal das oficinas da Imprensa da Universidade de Coimbra.
Para a Secretaria.
Para o «Diário do Governo».
Dos mesmos Sr s ." Ministros, abrindo nm crédito especial de 2.000$ para reforço da verba destinada ao pagamento do material e despesas diversas da Escola de Belas Artes do Porto.
Para a Secretaria.
Para o «Diário do Governo».
Dos mesmos senhores, abrindo um crédito especial de 21.500$ para pagamento de designadas despesas do Ministério da Instrução Pública.
Para a Secretaria.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro da Instrução Pública, determinando que nas escolas infantis haj a vinte e cinco períodos de aula em cada semana, distribuídos por cinco dias.
Para a Secretaria.
Para o «Diário do Governo».
Dos Srs. Ministros do Interior è das Finanças, abrindo no Ministério das Finanças, a favor do do Interior, um crédito especial de 50.000$ para a compra de papel de impressão que for necessário
para a Imprensa Nacional de Lisboa, até 30 de Junho de 1920.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças já.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro da Guerra, para que à proposta orçamental deste Ministério seja adicionada no artigo 54.°, capítulo 5.°, a importância de 19.800$ sob a epígrafe «Despesas com onze postos rádio-telegrá-ficos».
Para a Secretaria.
Para a comissão do Orçamento.
Dos Srs. Ministros da Instrução Pública e das Finanças, autorizado o Governo a contrair um empréstimo de 2.000 contos para aquisição de terreno e construção de um edifício para instalação dos serviços centrais da Reitoria da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras e de Direito e Escola Normal Superior da mesma Universidade.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de saúde e assistência pública, sobre o projecto de lei n.° 433-A, que altera o decreto n.° 5:787-F, sobre águas minerais.
Para a comissão de instrução superior.
Da comissão de obras públicas e minas, sobre o projecto de lei n.° 396-A, que concede designadas vantagens aos indivíduos ou colectividades que queiram proceder à construção de casas destinadas a habitação nas capitais de distrito e sedes de concelho.
Para a Secretaria.
Para a comissão de saúde e assistência pública.