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REPUBLICA PORTUGUESA

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO 3ST.° 22

EM II DE FEVEREIRO DE 1921

Presidência do Ex.mo Sr. Jorge de Vasconcelos Nunes

Baltasar de Almeida Teixeira

Secretários os Ex.mos Srs.

António Marques das Neves Mantas

Sumário. — Aberta a sessão, leu-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Presidente comunica à Câmara o falecimento dos antigos Deputados Srs. João da tlocha e Conde de Verride e propõe um voto de sentimento. Associam-se a ênse voto os Srs. Ministro da Guerra (Álvaro de Castro), em nome do Governo; Vitorino Guimarães, Manuel José da Hilva (Oliveira d? Azeméis), António Mantas, Vasco Borges, Eduardo de Sousa, que pro[iôe também um voto de sentimento pela morte do Sr. Gomes Z/ca/; fíêgo Chaves e Ladis-lau Batalha. O Sr. Presidente crê interpretar o sentir da Câmara fazendo também inserir na acta um voto de pesar pela morte do Sr. Gomes Leal. A esse voto associam-se os representantes do Ministério e dos partidos.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros manda para a Meza duas propostas de lei, para as quais pede urgência.

São concedidas licenças e admitidos vários pro-iectos.

O Sr. Júlio Martins ocupa-se dos motivos por que abandonou a pasta da Marinha. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro, interino, da Marinha (Liberato Pinto). Voltam a falar os Srs. Júlio Martins e Ministro, interino, da Marinha.

Ordem do dia. — O Sr. Presidente anuncia que vai entrar-se na ordem do dia: discussão do projecto n." 641-A. Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal). O Sr. Presidente, entendendo que o orador não está falando sobre a ordem, dá a palavra ao Sr. Plímo Silvn, cujas afirmações provocaram um incidente. Têm a palavra para invocar o Regimento, interrogar a Mesa ou para explicações os Srs. Afon-o de Macedo, João Camoesas, António Granjo e Vosco Borges. Volta a falar o Sr. Plínio Silva, cujas explicações não satisfazem. Estabele^e-se agitação e o Sr. Presidente interrompe os trabalhos. Reaberta a cessão, o Sr. Presidente considera, em virtude das

explicações que lhe deu o Sr. Plínio Silva, liquidado o incidente.

Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Ver g i/io Costa requere que sejam publicados no Diário do Governo os documentos que o Sr. Ministro das Finanças enviou para a Me.-a. Depois de terem usado da palavra vários oradores sobre a matéria do requerimento, o Sr. Presidente declara que precisa de ler, primeiro, esses documentos e que procederá conforme os preceitos regimentais.

O Sr. Henrique de Vasconcelos comunica que quere dirigir-se ao Sr. Alinistro das Colónias, acerca da fome em Cabo Verde, e o Sr. Afonso de Macedo pede a comparência do Sr. Ministro do Comerei u.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a mesma ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas. Presentes à chamada 69 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Afonso de Macedo.

Alberto Álvaro Dias Pereira.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Álvaro Pereira Guedes.

Álvaro Xavier de Castro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Albino de Carvalho Mourão.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Carlos Ribeiro da Silva.

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Diário da Câmara das Deputados

António Francisco Pereira.

António Joaquim Granjo.

António José Pereira.

António Marques das Neves Mantas.

António Pais Rovisco.

António Pires de Carvalho.

António dos Santos Graça.

Augusto Rebelo Arruda.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Se-verino.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos Cruz.

Domingos Leite Pereira.

Eduardo Alfredo de Sousa.

Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.

Francisco Alberto da Costa Cabral.

Francisco da Cunha Rego Chaves.

Francisco José Pereira.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Francisco de Sousa Dias.

Henrique Vieira de Vasconcelos.

Hermano José de Medeiros.

Jacinto de Freitas.

Jaime de Andrade Vilares.

Jaime da Cunha Coelho.

.Jaime Daniel Leote do Rego.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Luís Ricardo.

Jolio de Orneias da Silva.

João Pereira Bastos.

Joaquim Aires Lopes de Carvalho.

Joaquim Brandão.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António da Costa Júnior.

José Gregório de Almeida.

José Maria de Campos Melo.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Ferreira Dinis.

Júlio Augusto da Cruz.

Júlio do Patrocínio Martins.

Ladislau Estêvão da Silva Batalha.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis).

Manuel José da Silva (Porto).

Mariano Martins.

Pedro Gois Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva. Rodrigo Pimenta Massapina. Vasco Borges. Ventura Malheiro Reimão. Vergílio da Conceição Costa. Viriato Gomes da Fonseca.. Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães,

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Ferreira Vi dal.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Joaquim Machado do Lago Cerqueira.

António Lobo de Aboim Inglês.

António Maria da Silva.

Augusto Dias da Silva.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado de Freitas.

Estêvão da Cunha Pimentel.

João José da Conceição Camoesas.

José Domingues dos Santos.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Monteiro.

Liberato Damião Ribeiro Pinto.

Luís de Orneias Nóbrega Quintal.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marcai.

Acácio António Camacho Lopes Cardoso.

Afonso Augusto da Costa.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Albino Pinto da Fonseca.

Albino Vieira da Rocha.

Alexandre Barbedo Pinto de Almeida.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfrodo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo Olavo Correia de Azevedç.

A.ntão Fernandes de Carvaljio.

António Albino Marques de Azevedo.

António Bastos Pereira.

António Cândido Maria Jordão Paiva Manso.

António da Costa Ferreira.

António Dias.

António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.

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Sessão de 11 de Fevereiro de 1921

António Maria Pereira Júnior.

António de Paiva Gomes.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Constando Arnaldo de Carvalho.

Diogo Pacheco de Amorim.

Domingos Vítor Cordeiro Rosado.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cotrim da íSilva Garcês.

Francisco da Cruz.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco José Fernandes Costa.

Francisco José Martins Morgado.

Francisco José de Meneses Fernandes Costa.

Francisco Manuel Couceiro da Costa.

Francisco Mítnuel Homem Cristo.

Helder Armando dos Santos Ribeiro.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues.

Jaime Júlio derSousa.

João Estêvão Águas.

João Gonçalves.

João José Luís Damas.

João Maria Santiago Gouveia Lobo Presado.

João Ribeiro Gomes.

João Salema.

João Teixeira de Queiroz Vaz Geu-des.

João Xavier Camarate Campos.

Joaquim José d.e Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

José Barbosa.

José Garcia da Costa.

José Maria de Vilhena Barbosa Magalhães.

José Rodrigues Braga.

Júlio César de Andrade Freire.

Júlio Gomes dos Santos Júnior.

Leonardo José Coimbra.

Lino Pinto Gonçalves Marinha.

Luís Augusto Pinto de Mesquita Carvalho.

Manuel José Fernandes Costa.

Marcos Círilo Lopes Leitão.

Maximiano Maria de Azevedo Faria.

Mem Tinoco Verdial.

Miguel Augusto Alves Ferreira.

Nuno Simões.

Orlando Alberto Marcai.

Raul António Tamagnini de Miranda Barbosa.

Raul Leio Portela. Tomás de Sousa Rosa. Vasco Guedes de Vasconcelos. Vitorino Henriques Godinho. Xavier da Silva.

Pelas 14 horas e 55 minutos declarou O Sr. Presidente aberta, /a, sessão. Leu-se Q, acta e o seguinte

Expediente

OfÍQiOS

Do Centro Comercial do Porto, enviando cópia feita em papel selado do seu telegrama de 25 de Janeiro, por ter lido num jornal que esse telegrama, sobre a reforma da pauta aduaneira, não tinha tido seguimento por não ter vindo devidamente selado.

Do Governo Civil do Porto, enviando uma representação de alguns oficiais da revolução de 31 de Janeiro, pedindo umas alterações ao projecto de lei n.° 349-E.

Para a Secretaria.

Do sindicante ao Instituto Comercial de Lisboa, pedindo a comparência, como testemunha, do Sr. Eduardo de Sousa.

Do Tribunal do Comércio de Lisboa, pedindo a comparência, como testemunha numa acção ordinária, do Sr. Jorge Vasconcelos Nunes.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Senado, remetendo os projectos de lei seguintes, ali aprovados:

Aumentando o pessoal da Repartição dos Serviços de Marinha de Macau;

Cedendo à Junta da Freguesia de Al-moster dois prédios de casas;

Criando uma assemblea eleitoral na freguesia da Marmeleira.

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Diário da Câmara doa Deputados

Do Senado, comunicando que rejeitou a proposta de lei n.° 316-F, da Câmara dos Deputados.

Da Câmara Municipal de Vagos, enviando uma representação pedindo alterações ao § 4.° do artigo 1.° da lei n.° 999 (ad valorem).

Para a Secretaria.

Do Tribunal do Comércio de Lisboa, pedindo a comparência do Sr. João Ca-moesas, a fim de depor como testemunha, no dia 2 do corrente.

Arquive-se.

Do Ministro da Agricultura, enviando um livro pedido pelo Sr. Malhei r o Rei-mão.

Para a Secretaria.

Do Ministro da Agricultura, enviando um livro requerido pelo Sr. Sampaio Maia.

Do Ministro da Agricultura, pedindo para a comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos se transferir para o edifício do Congresso.

Do Ministro da Guerra, pedindo novamente a remes-sa do processo relativo ao capitão de infantaria, José Trindade Leitão Júnior.

Para a Secretaria'.

Do reitor, interino, da Universidade de Coimbra, agradecendo o voto de sentimento aprovado pela morte do seu reitor, Dr. Filomeno da Câmara.

Do Ministro da Marinha, remetendo uns documentos pedidos pelo Sr. Domingos Cruz.

Do Ministro da Marinha, remetendo mais documentos para o mesmo Sr. Deputado.

Para a Secretaria.

Do Ministro da Justiça, dando informações sobre o projecto de lei dispensando alguns requisitos para a admissão aos concursos de delegados do Procurador da Eepública.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Do Ministro da Justiça, da ido informações sobre o projecto de lei referente à situação da magistratura judicial.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Do Ministro das Finanças, enviando cópia do decreto n.° 7:241.

Do Ministro das Finanças, enviando cópia, dos decretos n.os 7:25õ, 7:256, 7:263, 7:264, 7:272 e 7:279.

Para a comissão de finanças.

Representações

De uma comissão de possuidores de pianos, pedindo a prorrogação do prazo para pagamento das suas contribuições.

Para a comissão de financis.

Das juntas de paróquia do Barreiro, Falhais e Lavradio, apoianlo a Câmara Municipal do Barreiro, com o fim de ser mantida a lei do imposto ad valorem.

Para a Secretaria.

Da Associação Comercial de Lisboa, pedindo alterações à lei n.° 1:096, de 28 de Dezembro de 1920.

Para a comissão de finança».

Da Associação Comercial de Lisboa, reclamando contra a lei n.° 999 (imposto ad valorem).

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Vagos, pedindo alterações à lei n.° 999.

Para a comissão de administração pública.

Da Associação Comercial do Porto, reclamando contra a lei n.° 1:096.

Da mesa da assemblea geral do Banco Aliança, do Porto, representando contra a lei n.° 1:096.

Da Associação dos Empresários de Açougues do Porto, representando contra a lei n.° 1:096.

Para a comissão de finanças.

Telegramas

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Sessão de 11 de Fevereiro de 1921

Ministros do Comércio e Finanças, criando novas fontes de receita para intensificar reparação de estradas.

Do governador civil de Santarém, pedindo a urgente discussão do projecto que permite que as juntas gerais possam deliberar com qualquer número.

Para a Secretaria.

Requerimentos

De Rodrigo Fernandes dos Santos, do Porto, pedindo alterações ao projecto de lei do inquilinato.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

De Marieta Hoja da Costa Gomes, viúva do capitão-tenente Henrique Go-mes, pedindo para ser melhorada a sua pensão.

Para a comissão de petições.

Antes da ordem do dia

O Sr, Presidente: —Como V. Ex.as sabem, faleceu o Sr. João da Bocha, que ocupou nesta Câmara um lugar que sempre honrou e que se impôs sempre à consideração e respeito de todos.

A sua modéstia íoi causa de não ser mais conhecido, quando outros sem tantas qualidades andam na boca de toda a gente.

Nestas condições, embora não haja número para deliberar, creio interpretar o sentimento da Câmara considerando aprovado um voto de sentimento pela morte do Sr. João da Rocha e que a decisão da Câmara seja comunicada à família do extinto.

Também faleceu o Sr. Conde de Ver-ride que foi igualmente Deputado, motivo porque proponho que se lance na acta um voto de sentimento e que se dê conhecimento à família.

O Sr. Vitorino Guimarães:—Em nome deste lado da Câmara, associo-me aos votos de sentimento propostos por V. Ex.a

O Sr. Ministro da Guerra (Álvaro de Castro:—Em nome do Governo, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — Em nome do Partido Popular, associo-me aos votos propostos por V. Ex.a

O Sr. António Mantas:—Em nome dos Deputados Independentes, associo-ine ao voto proposto por V. Ex.a pelo falecimento dos dois antigos deputados Srs. João da Rocha e Conde de Verride.

O Sr. Vasco Borges: — Em nome do meu partido, associo-me aos votos propostos por V. Ex.a

O Sr. Eduardo de Sousa: — Sr. Presidente : em nome dos Parlamentares Independentes desta Câmara já falou o ilustre Deputado e meu querido amigo Sr. António Mantas para se associar ao voto de pesar que V. Ex.a propôs pelo falecimento do nosso antigo colega nos trabalhos par-lamentares, João dn Rocha. Não posso eu, todavia, Srl Presidente, nem devo passar o ensejo para, em meu nome pessoal, me associar também doloridamente a esse voto. Não posso esquecer, Sr. Presidente, que João da Rocha foi um dos meus mais queridos e brilhantes colegas na redacção da fiepáblica, no tempo em que tive a honra de dirigir êss,e jornal. Poeta e escritor de . raro mérito, tamanho quam grande era a sua modéstia, João da Rocha trouxe para a imprensa política as altas qualidades não só do seu brilho literário, como ainda da sua larga erudição, realçado isso por uma fina e cortante ironia do mais subido quilate. A par disto, Sr. Presidente, juntava ele as mais raras qualidades de lealdade, só comparáveis à sua extrema modéstia, que^nem sequer se resentia até quando, imprudentemente, na sua própria presença, alguém se atribuía, parafraseando a lição da gralha da fábula, a autoria de artigos que só dele João da Rocha eram...

" Notável e variada, Sr. Presidente, foi a sua obra artística e histórica, denunciando um raro espírito crítico e literário, e conscienciosíssimas qualidades de investigador.

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Diário da Câmara dos Deputado»

particular do finado, ao voto de sentimento por V. Ex.a proposto.

E, já que estou com a palavra, declaro também associar-me, em nome dos Deputados Independentes, ao voto de sentimento pela morte do antigo Deputado, Sr. Conde de Verride, que foi uma figura distinta no nosso meio social.

Sr. Presidente: Termino propondo que na acta se lance também um voto de sentimento pela morte do grande poeta Gomes Leal. Foi ele uma das mais altas e mais originais figuras literárias do nosso tempo, autor de versos que tanto nos deliciavam e entusiasmavam outrora, quando éramos moços, e dos quais muitos perdurarão seguramente através dos tempos como representativos das mais subidas expressões da poesia nacional.

Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Rego Chaves: —Em nome do Partido a que pertenço, associo-me aos votos de sentimento propostos nesta Câmara.

O Sr. Ladislau Batalha: — A minoria socialista associa-se aos votos propostos por V. Ex.a, mas eu já tinha pedido a palavra para fazer a esta Câmara a comunicação soleníssima de duas perdas de grande carácter nacional às quais com a diferença de 72 horas o País assistiu.

E a João da Rocha principalmente que quero primeiramente referir-me.

João da Rocha era secretário particular do Sr. Presidente da República. Isto por si só já tem muita importância, mas não é propriamente o título que enobrece o carácter de João da Rocha.

E que às qualidades de bom amigo juntava as de possuir um carácter diamantino, educando a sua família nos princípios do amor sincero e desinteressado.

Esta qualidade ligava-me profundamente àquele homem e a todos os seus.

Neste momento mesmo são os meus filhos os que noite e dia estão acompanhando as filhas e mais família de João da Rocha naquela grande fatalidade que os surpreendeu, ameaçando-lhes talvez o seu risonho futuro.

Mas a morte de João da Rocha deve ser ainda encarada por outro lado. Em Portugal, infelizmente, sendo um País que não vai na vanguarda da sciência e das

letras, desconhece-se o valor dos grandes homens. João da Rocha era um verdadeiro erudito, e nos seus trabalhos de investigação encontro muito mérito.

As suas investigações arqueológicas na província do Minho, donde ara natural, revelam muito valor. Toda a região de entre Minho e Douro foi cuidadosamente estudada pelo Sr. João da Rocha, sob o ponto de vista da arqueologia prè-istórica.

Tam importantes são as investigações por ele feitas com todo o carinho, que a própria Câmara Municipal de Viana cio Castelo vai à sua custa fazer a traslada-ção do corpo de João da Rocha, para sei* sepultado em Viana do Castelo, a que ele deu tanta luz com o seu brilhante espírito.

Não posso deixar de citar im outro livro seu: A Lenda Infantina.

Nesse livro traduziu o finado uma vasta erudição, respigada nos seus estudos e investigações na Torre do Tombo e noutros arquivos.

Na Lenda Infantina contesta-se o que diz^Teófilo Braga e outros eruditos.

É certo que o Sr. João da Rocha não chegou a convencer-me, porque tenho estudos próprios sobre este assunto, e que me provam o contrário, mas. não posso deixar de fazer justiça, considerando o livro do Sr. João da Rocha de muito valor e sobretudo de muita probidade. Diz como entende e apresenta sincera e honestamente a sua tese conforme a seu critério lha deparou.

Incumbe-me oficialmente fazer também a comunicação a esta Câmara do falecimento do meu presado amigo e glorioso poeta Gomes Leal.

Aconteceu com o poeta Gomes Leal o que sucede geralmente em todos os países com os grandes homens que excedem a craveira do seu tempo.

Quási sempre passam uma vida precária e muitas vezes miserável.

Isto acontece em Portugal- e em todos os países do mundo. Em regra, depois da morte é que se faz justiça. Não pôde Gomes Leal furtar-se a este destino.

A verdade é que a República tem de ver em Gomes Leal um dos seus mais enérgicos propulsores.

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Sessão de li dê Fevereiro de 19È1

Foi o génio de Gomes Leal que em estrofes virulentas arrebatou as massas e as impeliu para a Revolução.

Por consequência parece-me que devemos prestar o nosso preito de respeito e consideração pela perda do vulto glorioso que em vida se chamou Gomes Leal. (Apoiados).

O certo é que o seu enterramento, se não foi feito com toda aquela sumptuost-dade que era para desejar, todavia, não foi vergonhoso para o País, pois se o acompanhamento não avultava pelo número, foi no enitanto um dos mais brilhantes que eu tenho visto pela qualidade intelectual dos que se encorporaram no préstito.

Este facto recorda-me um outro remoto que, a história narra, com respeito a um orador que se propunha fazer um discurso no Fórum romano e apenas encontrou um só espectador: Cícero.

O orador, subindo à tribuna, sem se perturbar, antes entusiasmado, disse: Basta Marco Túlio Cícero para com a sua presença encher este salão!

Assim sucedeu com o extinto. Bastariam alguns dos nomes que o acompanharam para encherem as praças e as ruas do trajecto.

Gomes Leal teve um período que é preciso não esquecer.

Gomes Leal foi grande p arte da vida livre pensador. Vivendo entregue aos carinhos de sua mãe, que tinha desgosto e sentia com a irreligião de seu filho, à hora em que ela se finava, pediu-lhe piedosamente que fosse ouvir missa por siia alma. Gomes Leal, o filho extremoso, obedeceu à última vontade de sua mãe.

Foi assim que o hereje correu a ouvir â primeira missa, sòltando-se então dos seus velhos compromissos para abraçar o catolicismo.

Este facto fez com que aqueles que adoravam o nome de Gomes Leal se tornassem frios e desdenhosos.

Grande erro! Injusta crueldade para com os fracos!

Essa transformação, como V. Ex.a sabe, é frequente e traduz um fenómeno biológico.

Quando na velhice já não achamos forças para dominar o nosso espírito, ressurge em nós o homem ancestral com todas as suas taras.

Eu, que conheço bem tudo isto, com pormeuorização que não ó para agora desenvolver, não posso dizer que amanhã, quando as minhas forças falirem, não me ajoelhe acaso aos pés de uni padre e rne não persigne, renegando involuntária e inconscientemente todo o meu passado.

Termino dizendo que o enterro de Gomes Leal saiu da minha casa e foi reli- • gioso. Fez-se isto por ordem do Sr. Provedor da Assistência e com o meu pleno acordo.

Demos, porém, a isto á interpretação que o caso merece.

Eu e correligionários meus, acompanhámos esse enterro, como muitos indivíduos livres pensadores, entre eles o ilustre publicista Borges Graínha. Não fomos ali senão para acompanhar os restos mortais de Gomes Leal, prestando a nossa homenagem de respeito ao grande poeta que era Gomes Leal. Nesse enterro cumpriu-se a vontade do falecido, e continuou a respeitar-se-lhe a memória de sua querida mãe.

Nestas condições terminou o meu mandato, em relação ao nosso finado amigo.

Gomes Leal deparou-se-me um dia, roto, maltratado, em circunstâncias impróprias de um homem daqueles. A Assistência Pública tomou .conta dele, entendendo que devia confiar-mo. Os jornais aplaudiram a escolha.

Em nome da sociedade fiquei com o encargo de cuidar e tratar de Gomes Leal. Desempenhei-me desse encargo o melhor que pude e soube.

E a última étape deste cruel drama da vida. Venho dar conta da minha obra perante a Câmara dos Senhores Deputados.

O Sr. Presidente: — Devo dar uma explicação à Câmara. Muito propositadamente, quando me referi ao falecimento dós Srs. João da Rocha e Conde de Ver-ride, não fiz referência à morte do Sr. Gomes Leal, porque já o ÍSr. Ladislao. Batalha se tinha inscrito para aludir a esse' falecimento.

Já se prestaram a Gomes Leal as homenagens que lhe eram devidas.

Suponho interpretar o sentir da Cá* mara, fazendo exarar na acta um voto de pesar pela morte do ilustre poeta.

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Diário da Câmara dos Deputados

genial e o que trabalhou pela República, resgatam-no de quaisquer erros dos últimos tempos.

O regime que hoje existe, muito deve à pena de Gomes Leal. (Apoiados). •

O Sr. Ministro da Guerra (Álvaro de Castro): — Em nome do Governo, associo-mo ao voto de sentimento pela morte de Gomes Leal.

O Sr. Mariano Martins: — Em nome do Partido Eepublicano Português, associo--me ao voto de sentimento pela morte de Gomes Leal que foi dos que mais trabalharam pela idea republicana.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis):—Em nome do Partido Popular, associo-me ao voto de sentimento pela morte de Gomes Leal.

O Sr. João Bacelar:—Em nome do Partido Liberal, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a a propósito do falecimento de Gomes Leal.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira):—Mando para a Mesa duas propostas de lei para as quais peço urgência.

Consultada a Câmara, foi concedida a urgência.

Na Mesa foram lidos diversos pedidos de licenças e autorização que foram concedidos.

São os seguintes:

Licença

Do Sr. Joaquim José de Oliveira—30 dias.

Concedida.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

São admitidas as seguintes propostas:

Projectos de lei

Do Sr. Ministro do Trabalho, regulando o trabalho das mulheres e menores no comércio e indústria.

Para a comissão de comércio e indústria.

Do Sr. Ministro das Finanças, estabelecendo taxas da lei n.° 935, concedendo subvenções a pensionistas; modificando o

contrato com a Companhia dos Tabacos; fixando a taxa de juro na compra de bens do Estado, corporações administrativas e de beneficência; autorizando o Governo a comprar um prédio ; autorizando o Governo a requisitar edifícios para instalação de repartições públicas; modificando a lei n.° 1.028.'

Para as comissões de finanças, administração pública e comércio e indústria.

Do Sr. Viriato da Fonseca, modificando a organização do exército., Para a comissão de guerra..

Dos Srs. António Pereira e Manuel José da Silva (Porto) isentando de porte a correspondência da Federação Nacional de Cooperativas.

Para â comissão de correios e telégrafos.

O Sr. Júlio Martins : — Sr. Presidente: fechou esta Câmara sendo ei o Ministro da Marinha da Eepública Portuguesa. Durante o interregno parlamentar, deram-se acontecimentos que me obrigLram a abandonar o lugar de Ministro.

Estou hoje aqui, nesta tribuna parlamentar que muito amo, para explicar à Câmara, para explicar ao País, as razões que me levaram a abandonar o Governo.

Propositadamente me tenho calado, propositadamente me tenho esqu vado à amabilidade dos jornalistas, porque, tendo o meu lugar no Parlamento, qnsria que fosse no Parlamento da República que tivesse lugar a explicação da minha atitude. (Apoiados}.

Deixei que os boatos se espalhassem e que sobre a minha atitude só bordassem apreciações de natureza vária..

Procedi assini porque, em minha consciência, estava plenamente convicto de que tinha procedido como uu homem de bom, e saí de cabeça bem erguida e espinha bem direita.

Vamos fazer um pouco da história dos factos que mo levaram à situação em que me encontro.

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Sessão de 11 de Fevereiro de 1921

A nossa marinha de guerra não tem um navio capaz de dar um tiro e possui, no emtanto, vinte e três almirantes. É uma marinha de guerra que não se compreende !

Era absolutamente indispensável que essa instituição militar fosso cada vez mais forte e firme. Era absolutamente indispensável que a nossa tradição nela renascesse, porque num país como o nosso, com uma faixa maritima tam extensa e com um domínio colonial tam grande, ó uma vergonha e uma miséria ter a marinha como ela se encontra! (Apoiados).

Honrei-me extraordinariamente, pois, em assumir a gerência da pasta da marinha.

Passados dias, retini, talvez pela primeira vez, o estado maior naval, para com ele trocar as minhas impressões acerca do que eu entendia que devia ser a nossa marinha de guerra. Falei mesmo ao Sr. Ministro da Guerra, e disso dei conta ao estado maior naval, no desejo que eu tinha de reunir o Conselho Supremo de Defesa Nacional — homens de terra e homens do mar — para que, duma vez para sempre, definíssemos o nosso pensamento militar, porque, na situação em que nos encontramos de permanente instabilidade governamental, eu queria que, sem nos importarmos com os homens que caem, estabelecêssemos, por uma vez, o pensamento único da defesa nacional. (Apoiados).

Após isto, e dali a alguns dias, foi-me preguntado se eti receberia uma comissão de oficiais da armada, representantes do Clube Naval, que me queriam entregar uma mensagem. Respondi que com todo o gosto aceitaria o avistar-me com essa comissão e, efectivamente, passado algum tempo, a referida comissão entrava no meu gabinete.

Faziam parte dela oficiais que eu conhecia e outros que eu desconhecia. No número daqueles que eu conhecia, entravam o deputado desta Câmara Sr. Domingos Cruz, o Sr. Queimado do Sousa e .um homem que eu muito respeito pelas suas qualidades de republicano e de patriota, o Sr. Prestes Salgueiro. Leram--me a mensagem, ouvi-a ler com toda a atenção e incitei os oficiais a que trabalhassem pelo engrandecimento da marinha de guerra. Pedi-lhes mesmo que de-

senvolvessem mais os pontos versados na * mensagem e declarei que, em princípio, estava de acordo com eles. Lembra-me até que, falando-se sobre as obras do Alfeite, à frente das quais está o Sr. almirante Parreira e dois oficiais que extraordinariamente a elas se têm dedicado, trabalhando dia e noite, eu disse que trataria com todo o amor do desenvolvimento dessas obras, arrancando ao Senado um projecto de lei que lá existe, para / assim habilitar esses oficiais à continuação de tam grandiosas obras.

Estava, em princípio, de acordo com os pontos fundamentais dá mensagem. Alguns até eu tinha já tratado. Realmen-te, já tinha requisitado, oficialmente, ao Ministério do Comércio a barca Flores, a fim de servir para instrução das praças.

Sr. Presidente: foi esta a conversa. Foi esta a lealdade com que falou o Ministro da República aos oficiais que lhe foram entregar uma mensagem para que se tratasse do desenvolvimento da marinha de guerra!

Passado tempo, publiquei um decreto ressuscitando o quartel de marinheiros em Alcântara, e pondo-o na sua anterior situação, absolutamente igual à situação em que se encontrava antes do dezembris-mo. Ressuscitei, sim, o quartel de marinheiros e honro-me, como Ministro da República e republicano, de ter colocado esse quartel na sua anterior situação. [Apoiados). Era uma aspiração de todos os republicanos que sentem a República como eu a sinto! (Apoiados).

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Diário da Câmara dos Deputados

Sr. Presidente: era uma aspiração de toda a alma republicana, e por isso ressuscitei o quartel de Alcântara. É certo, todavia, que na cua mensagem os Srs. oficiais da armada me pediam para que jamais no quartel de Alcântara, por moti-vps técnicos que apresentaram, se estabelecesse a escola de recrutas da armada.

Esta escola funcionava e funcionava mal no Alfeite, posso até prová-lo com dados oficiais que existem no Ministério da Marinha. As próprias casernas dos soldados que lá estão a receber instrução nem esgotos têm.

Mas, estando eu em princípio de acordo com os Srs. oficiais, admitindo até que eu lhes tivesse dito que manteria através de sompre a escola de recrutas no Alfeite e que jama"is a traria para Alcântara, pregunto se não podiam posteriormente, no meu espírito, surgir razões fundamentais que me levassem a mudar de parecer! £E então eu, como representante do Governo e como chefe supremo da corporação da armada, era obrigado, à face de qualquer regulamento, a dar porventura satisfação a inferiores meus?!

Mas quero ser leal e franco. Quero dizer à Câmara, que me escuta, inteiramente a verdade e mostrar-lhe a minh^ alma tal qual ela é, rude talvez, mas em extremo sincera.

Eu só não chamei os Srs. oficiais que me entregaram a mensagem, porque não estava em Lisboa quando saiu o decreto no Diário do Governo. Tê-lo-hia feito, não porque como chefe esquecesse as minhas prerrogativas, mas como prova altíssima de consideração, de respeito e de amizade por homens republicanos como eu e que à pátria têm dado o melhor do seu esforço.

Sr. Presidente: não o fiz porque não estava em Lisboa. Assinei o decreto ao abrigo da lei n.° 971. Essa lei terminava em 31 de Dezembro. Estava no Alentejo e assinei o decreto em 30 daquele mês.

Cheguei depois a Lisboa, na disposição de chamar esses oficiais para de qualquer maneira os colocar bem em relação às satisfações que lhes daria.

Ao que parece já estava convocada a reunião do Clube Naval. Já se dizia que, nessa assembléa, o Ministro ia ser violen-

tamente atacado pelos actos que praticara e que se dizia' representarem desconsideração para com os oficiais da mnada.

Não sou homem que trema perante ameaças. Mantive-me no logar de Ministro e esperei a reunião do Clube Naval. Deu-se a reunião. Fora convocada por escrito pela Mesa. Preguntei então, quem fazia parte dela. Disseram-me :jue o presidente era o Sr. major general da armada.

Fez-se a reunião. Eu estava e.nsioso por saber o que nela se passara.

O Clube Na vai é uma instituição legal. Pode reunir, mas há-de reunir sempre em relação à letra expressa dos s-3us estatutos aprovados.

No dia imediato- ao da reunião os jornais da/am a nota oficiosa dessa reunião, pela qual se depreendia que os actos do Ministre» haviam sido discutidos e que esses'oficiais de qualquer maneira tinham resolvido interromper as suas relações com "o seu superior hierárquicc, chefe supremo da corporação. Eu, sempre meticuloso, lavrei um despacho ao major general da Armada; na reunião do Clube Naval fora infringido o n.° 46 do artigo 4.°, que diz que, nas reuniões totais ou parciais da corporação, não é lícito discutir os actos dos superiores e, portanto, eu queria que o Sr. major general da armada me esclarecesse sobre o que se havia passado em tal reunião.

Sobre esse meu despacho foi lançado o do Sr. Major General da Arnu-da, nos se-gaintes termos: «Nomeie-se o Sr. almirante Loforte para indagar io que se passou na reunião do Clube Naval para se habilitar ò Sr. Ministro £,o procedimento que entenda».

Fui para o norte. Esperava eu que o Sr. major general da armada, que era o presidente da Mesa do Clibe Militar Naval, interviesse directamente, mesmo sem eu lhe mandar o despacho que passei.

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b~er o que se havia passado para informar o Ministro, independentemente mesmo de este pedir quaisquer informações.

Passado tempo, chegava ao meu gabinete, por intermédio da repartição do Comando, uma cópia da acta da reunião, e uma declaração do capitão de mar e guerra, médico, o Sr. Peres Rodrigues a quem presto as minhas homenagens de admiração pelas suas qualidades de patriota e republicano, porque sou sempre justo em todos os actos da minha vida,

Eecebi, pois, a cópia da acta e a declaração em meia folha de papel, do Sr. Peres Rodrigues. Nem mais um relatório, nem mais uma informação, nem mais uma conclusão, sequer ! Absolutamente, mais nada!

Sr. Presidente: li os documentos que recebi e é curioso!

O Sr. Leote do Rego. — &V. Ex.a dá-me licença? Estou ouvindo cora toda a atenção e com todo o interesse a exposição que está sendo feita pelo Sr. Júlio Martins, mas não posso deixar de interromper S. Ex.a para declarar desde já que estranho que não esteja presente o Sr. Presidente do Ministério e Ministro interino da Marinha, a fim de dar à Câmara explicação da crise que se deu.

O Sr. Presidente: — A falta foi minha. Eu é que não deveria ter dado.a palavra ao Sr. Júlio Martins sem que estivesse na Câmara o Sr. Presidente do Ministério. Declaro, porém, que já comuniquei para o Ministério pedindo a S. Ex.a que não se demorasse em comparecer "aqui.

Segundo o Regimento, o orador não pode falar mais, visto que já passou o período de dez minutos que é dado a cada orador, antes da ordem do dia, mas, se a Câmara consentir, S. ExA poderá continuar, desde que não queira interromper o seu discurso para voltar a falar quando chegue o Sr. Presidente do Ministério.

O Orador: — Eu desejaria antes continuar a falar.

O Sr. Plínio Silva:—V. Ex.a é que deve resolver...

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis: — ^Quem está com a palavra?

O Sr. João Camoesas: — \ Isto não é um café!

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — j Basta a presença de V. Ex.a aqui para que pareça estarmos num café!

Vozes: — Consulte a Presidência a Câmara sobre se o Sr. Júlio Martins pode ou não continuar no uso da palavra.

O Sr. Presidente consulta a Câmara.

Vozes: — Fale. Fale.

O Sr. Eduardo de Sousa: —V. Ex.a consulte a Câmara e põe a voto. A Câmara manifesta-se por sentados e levantados.

Faço esta proposta.

O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente : em n'ome do Partido Republicano Português, devo uma explicação.

Entendemos que era urgente, necessário, indispensável a assistência do Sr. Ministro interino da Marinha. Mas, pela muita consideração pessoal que tenho pelo . Sr. Júlio Martins, se ele entende que deve continuar a usar da palavra mesmo na ausência do -Sr. Ministro interino da Marinha e Presidente do Ministério, admitimos que continue. (Apoiados).

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que entendem que o Sr. Júlio Martins pode continuar no uso da palavra têm a bondade de se. levantar.

A Câmara consentiu.

O Orador: — Sr. Presidente: o major gencfal da armada, embora por intermédio da Secretaria do Comando, enviou um relatório sem informação, sem qualquer opinião nem indicação sobre o assunto. Uni simples documento, sem uma declaração do Sr. Peres Rodrigues que presidiu à sessão.

Li com atenção esse documento.

Sentam-se aqui, nesta Câmara, militares que muito respeito e considero. Têm perante a disciplina a mesma norma de conduta, os mesmos laços morais os prendem na hierarquia militar.

Apelo para a sua consciência.

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gam-me se em sua consciência um homem qualquer a quem a Eepública e a disciplina merecem p respeito que devem merecer, colocado no degrau mais alto da hierarquia militar, não tinha de adoptar qualquer sanção a respeito do que se passou nessa reunião.

Em primeiro lugar, presidiu a essa sessão o capitão do mar e guerra Sr. Peres Rodrigues, que não é sócio sequer do Clube Militar Naval, e não podia presidir em face dos estatutos.

S. Ex.a não era sócio do Clube Militar Naval. (Apoiados).

Numa assemblea presidida por um oficial que não é sócio da colectividade, e que preside contra os termos expressos dos estatutos, mandam-se moções escritas a lápis- em que os proponentes declaram que são escritas em termos incorrectos.

A acta, Sr. Presidente, a qual entre várias cousas tem uma parte curiosa, é de uma profunda injustiça.

Sr. Presidente: declaro à Câmara, sob a minha palavra de honra, que não mandei, não escrevi nem autorizei a publicação de qualquer nota oficiosa, e assim não sei quais possam ser os reparos que ela lhes mereceu.

Assim, Sr. Presidente, pregunto eu, depois do que se passou nessa assemblea, na qual foram apreciados e discutidos os actos do Ministro e onde foram lidas cartas em termos pouco próprios, conformo os seus próprios proponentes o declararam, eu pregunto, repito, se isto é disciplinar e próprio de uma assemblea militar.

Não, Sr. Presidente, isto não é disciplina : é um farrapo; e assim as instituições militares não têm razão de existir.

Assim, Sr. Presidente, depois das informações que me foram dadas eu limitei-me a lavrar o meu despacho.

Sr. Presidente: não o castiguei desde logo, por isso que não sabia se a acta estava ou não já aprovada e não o podia fazer sem ter esta informação.

O que eu declaro muito francamente ao meu país e à Câmara dos Senhores Deputados é que estava na intenção de dissolver o Clube Naval.

Sim, Sr. Presidente, estava nessa intenção, por isso que entendi, e entendo, que uma instituição daquela natureza não pode funcionar tendo procedido como pro-

cedeu, infringindo os seus estatutos, discutindo actos de superiores.

O Sr. major general da armada declarou-me que se considerava castigado, ao que eu respondi que não o tinha cãs-' tigado. Disse-lhe mais:

V. Ex.a conhece-me mal; se eu o .quisesse castigar, fá-lo hia dentro das normas dos regulamentos disciplinares, e podia aplicar-lhe as penas de admoestação, censura e prisão disciplinar ou prisão correccional, inactividade1 ou separação.

Eram estas as formas que linha a dentro dos regulamentos disciplinares. Apelei para a sua consciência de almirante da esquadra portuguesa, e preguntei-lhe:

£ Então V. Ex.a, como míjor general da armada, tem mais prestígio do que o comandante da corporação da armada?

Após isto, S. Ex.a pediu-me a demissão, que lhe foi dada imediatamente, e, fundamentando-se no n.° 3.° de artigo 94.°, do regulamento disciplinar ia armada, pediu que fosse submetido a um conselho disciplinar, para se justificar.

Vejam V. Ex.as o n.° 3.° do artigo 94.°

Pregunto a V. Ex.a: ,;0nde está a honra do Sr. major general da armada posta em dúvida?

,;É tam estranho o procedimento de S. Ex.3 para com os seus superiores, e S. Ex.a vem invocar o n.° 3.°, dizendo que a sua honra está posta em dúvida?

Por estas razões indeferi o requerimento que S. Ex.a fez.

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as normas disciplinares, mandando uma censura ao Sr. major general da armada, sem o fazer cnnfidenciahnente.

Deixei seguir os acontecimentos, porque tinha o Parlamento para me explicar, e começou o Ministro a ser acusado de infringir os,regulamentos disciplinares.

Suprema cousa', a solidariedade!

Ah! Sr. Presidente, como já vivemos em épocas diferentes, apesar de não serem muito distantes! Dissolveu-se violentamente, numa legislação caótica, o corpo de marinheiros, e não se protestou contra isso.

Tiram-nos do quartel e entregam-nos ao Ministério da Guerra e não há protestos nem solidariedades. Atravessam as ruas de Lisboa desarmados, como trofeus de guerra amarrados ao carro do vencedor, e ninguém protesta nem se solidariza ! Prende-se o próprio comandante Cerqueira à ordem do Dezembrismo e não há protestos! Deportam-se os marinheiros da armada para as regiões inóspitas da África e ninguém protesta!

Só agora é que há solidariedades contra um Ministro que, dentro das normas disciplinares, quere que o prestígio da autoridade seja mantido e respeitado. (Apoiados).

O Sr. Leote do Rego (interrompendo'):— Poucos dias depois de bombardeada a marinha por Sidónio Pais, foi aumentado o vencimento ao major general da armada, aumento que ele aceitou e^recebeu.

O Orador: — Perfeitamente! Eu posso mesmo citar um facto que ouvi narrar, mas cuja autenticidade não garanto, porque não tenho dele a certeza. Consta-me, porém, que o Sr. major general da armada foi já preso por um polícia da Segurança do Estado e não houve protestos...

Mas, Sr. Presidente, continuando, devo dizer que começou então a má vontade "contra o Ministro. Principiaram os jornais a afirmar constantemente que as corbeilles do Sr. major general da armada abarrotavam de cartas, exprimindo a solidariedade com, S. Ex.a pelo seu alto gesto de"me ter pedido a demissão!

Depois deram-se factos mais graves e atentatórios, a meu ver, do prestígio e dignidade da República.

Demitido o Sr. major general da. armada, nomeei para esse cargo o almirante, Sr. Pereira Nunes. Tendo o maior respeito e consideração por esse oficial, declarei-lhe que o havia nomeado, depois do respectivo decreto estar já assinado pelo Sr. Presidente da República.

S. Ex.a agradeceu-me a prova de defe-rôncia que eu lho dava, mas afirmou-me que não podia exercer essas funções.

Respondi-lhe que a nomeação estava feita e que eu a mantinha; fizesse S. Ex.a o que entendesse.

S. Ex.a então apresentou-me o seu pedido de demissão de major general da armada.

O almirante Sr. Pereira Nunes não cumpria as ordens que eu, como Ministro da Marinha, lho dava e então eu aplicar-lhe-ia os regulamentos disciplinares.

Efectivamente, o Sr. Pereira Nunes enviou-me uni requerimento fundamentando-o em razões que não considerei procedentes e mantive o meu despacho, esperando que S. Ex.a o cumprisse ou não.

Andava eu nessa ocasião visitando os vários estabelecimentos militares.

Tinha visitado já os cruzadores Vasco da Gama, Carvalho Araújo e República, assim como o Departamento Marítimo do Norte, a Escola de Marinheiros do Norte e o Centro de Aviação do Norte. Restava-me visitar o Centro de Aviação Marítima de Lisboa. Fui lá. Tinha marcada a minha visita, havia de cumpri Ia. Ia acompanhado do chefe do meu gabinete e do meu ajudante de ordens.

Entrei. De hábito os oficiais costumam receber o Ministro com o comandante à frente.

No Centro de Aviação não estava à frente dos oficiais o comandante. Estavam formados os sargentos e as praças e, vendo um oficial perfilado, fiz-lhe o que fiz aos outros: depois de corresponder à continência militar estendi-lhe a mão cordialmente^ dando-lhe assim, como Ministro da República, a consideração que deve merecer um indivíduo que veste uma honrada farda. Estendi-lhe a mão, repito, e ele apertou-ma.

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O chefe de gabinete imediatamente, julgando,tratar-se de qualquer equívoco, disse: «E o Sr. Ministro da Marinha». O aludido oficial retorquiu: «Não sou obrigado a cumprimentá-lo pessoalmente».

Pois eu consegui recalcar toda a minha indignação de homem e, como Ministro da República, manter ò prestigio e a serenidade inerentes ao alto cargo que exercia !

"Limitei-me a dizer para comigo: «Engole tudo porque és Ministro da República e a República deve erguer-se bera alto, acima de todas as vaidades e paixões dos homens».

Mas eu já não vi o Centro de Aviação, porque não vi mais nada!

Apareceu-me o comandante Sr. Cer-queira, a pedir-me desculpa de não se ter apresentado e eu não me lembro se lhe estendi a mão...

Chamei os oficiais para lhes dizer aquilo que dizia sempre a todos os oficiais dos vários estabelecimentos militares e disse--Ihes que ia ali, em nome da República, trazer-lhes as minhas saudações e os meus cumprimentos.

Veja V. Ex.a como eu ergo a República tam alto, como eu amo a República mais do que a mim próprio! Veio depois 'o comandante Cerqueira que eu considero como bom e leal republicano, como homem que tem prestado altos serviços à Pátria e à República, com quem posso não concordar em processos políticos, mas que muito considero pelo seu patriotismo e amor à República.

Sr. Presidente: depois falei aos sargentos e praças, dizendo-lhes que todo o português deve ter orgulho em vestir uma farda debaixo da qual palpite um coração em que pulse o. amor pela Pátria e pela República.

Sr. Presidente: não compreendo a disciplina militar pela forma como foi tratado um alto funcionário da República. Terminei com um viva à Pátria e à República. Saí do Centro de Aviação e fui visitar a esquadrilha de submersíveis; cumprimentei o comandante e o imediato. Vi o quê desejava ver; falei aos oficiais, aos sargentos, aos cabos e aos marinheiros, e sempre as mesmas palavras'de saudação, de disciplina.

Sr. Presidente: £ então a República está tam decrépita que em presença de infe-

riores, de praças da armada, se desrespeita um Ministro da Repúb..ica?

<_ p='p' regulamentos='regulamentos' que='que' nada='nada' para='para' os='os' então='então' já='já' disciplinares='disciplinares' serve='serve' dizem='dizem' o='o'>

^ j Então o Ministro da República ó. esperado num centro de aviação e os oficiais negam-se a apertar-lhe a mão dizendo ,que o não conhecem ?!

E isto mais que suficiente para se ser punido com o regulamento cisciplinar. .

<_:_ que='que' sagrado='sagrado' estabelece='estabelece' correcção='correcção' de='de' a='a' militares='militares' instituição='instituição' i='i' do='do' o='o' p='p' leis='leis' as='as' obediência='obediência' então='então' menos='menos' não='não' militar='militar' da='da' civis='civis' são='são' princípio='princípio'>

Sr. Presidente: apliquei a pena que a disciplina indicava, e come», sou homem leal, digo, se estivesse na minha mão, aplicaria a demissão. (Apoiados).

Sou homem franco e dum temperamento inflexível em questões de disciplina.

Depois constou-me que se havia constituído um complot contra o Ministro. Não tive conhecimento oficial dessa solidariedade, mas fosse ela de quem fosse, viesse da mais alta-figura republisana ou fosse do mais baixo talas sã, eu f,plicaria sempre a mesma pena.

Os regulamentos fizeram-se para se cumprirem. Se há solidariedade para os oficiais, tem de haver também para sargentos e praças.

A continuarmos assim, não merecia a pena o país gastar 200:000 contos para não haver nem disciplina, r.em prestígio.

Aqui tem V. Ex.a, Sr. Presidente, como os factos se passaram.

Apliquei a pena e pensei em convocar o Conselho de Ministros para'expor o que se passava. O Conselho já estava convocado e esperei quo reunisse

Reuniu o Conselho e fui dos primeiros Ministros a terem a palavra e expus os factos.

Ali foram relatadas desculpas que até mim'não haviam chegado e apresentadas pelo Sr. major general da armada. Foi o Sr. Presidente do Ministério que as transmitiu.

A Câmara pode ver a maneira fantástica como o Sr. major general da armada justificava o facto do me ter mandado os referidos papéis e não terem vindo pela repartição respectiva,

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perguntava todos os dias quando o Ministro vinha.

Tendo eu perguntado se estava feito o inquérito, o Sr. major general da armada respondeu que, não estando presente em Lisboa o Ministro, ele não tinha de responder confidencialmente porque o Ministro não estava em Lisboa.

De facto eu não estava em Lisboa, mas o meu Gabinete podia informar e S. Ex.a não podia apresentar a desculpa de que esperava que eu regressasse.

Não fui ao Conselho de Ministros pedir solidariedades, porque como Ministro não as necessitava. Tinha por mim a autoridade que me dava o desempenho do meu cargo.

Como Ministro não necessitava de solidariedades e, pessoalmente, não necessitava de solidariedades para factos que me não compete relatar.

Sr. Presidente: expostos os factos em Conselho, os Srs. Ministros falaram e não esqueço as altas provas de solidariedade que, sem lhas pedir, eles me manifestaram.

Sr. Presidente: saio do Ministério da Marinha de cabeça bem erguida e de espinha bem direita. Não podia continuar à testa da pasta da Marinha e não podia' deixar de ser inflexível nas resoluções tomadas. ;

Com franquesa direi à Câmara o procedimento que ia adoptar. Dizia-se que estávamos na contingência duma en-, trega de espadas. Não sei se estávamos ou não; mas, se os- Srs. oficiais me entregassem as suas espadas, aceitava-as e demitia-os (Apoiados). Se os Srs. oficiais me pedissem a demissão, àceitava-a.

Vozes;.—Muito bem. Apoiado.

O Orador: — Digo-o com toda a franqueza.

Se os Srs. oficiais, desde o almirante ao mais inferior na escala hierárquica, não cumprissem as minhas ordens, impor-Ihes-ia as penas disciplinares. (Apoiados).

Tinha 'força para lhes aplicar o regulamento disciplinar. A disciplina havia de inanter-se. (Apoiados),

Sou o que sou. Não ameacei, nem podia ameaçar ninguém, mas não abdico das< minhas funções. Mantê-la-hei, custe o que

custar, a troco até da própria vida. (Apoiados).

Vozes: — j Muito bem!

0 Orador: — O que se passa é um sintoma de degenerescência desta sociedade. Esta República, com dez anos apenas, por momentos parece viver na velhice precoce;. parece ser uma instituição depauperada; parece arrastar essa vida de miséria e vergonha e ter horror às posições ere-jetas-

1 Estamos, porventura, em presença de acontecimentos bem próximos l Oxalá que as instituições estejam bem fortes para cão se subverterem pelos abusos que têm vindo sempre cometendo-se contra elas.

Sou daqueles que temem já a situação em que nos encontramos, e não tenho dúvida em relatar ao país este facto: em Portugal todos mandam menos o Governo; todos' têm força menos o Governo.

i Em Portugal a função dos Governos é transigir, transigir numa transigência que é uma abdicação! (Apoiados).

Temos a demonstração completa de que esta República já não está forte.

Aqui me encontro na minha cadeira de deputado; e muitas vezes pergunto a mim próprio se ainda vale a pena íazer sacrifícios por uma instituição caduca. (Apoiados).

Tenho as mãos honradas e limpas, a consciência perfeitamente tranquila. £ Hei de andar 'a consumir á minha saúde, a minha energia, para me vergar perante situações em que a própria República não tem força nem coragem para se desafrontar? (Apoiados).

Vive-se permanentemente num regime de transigências e de conversas, (apoiados). Não sei, Sr. Presidente, qual o.futuro que me estará reservado: mas podem a Câmara e o país estar certos de que, se um dia for novamente chamado a ocupar lugar idêntico àquele, que acabei de abandonar, o farei apreciando as questões segundo as leis e os regulamentos, apresentando-me tal qual sou, absolutamente intransigente com os próprios inimigos, intransigente na defesa da República!

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hão de ver aqui amanha na cadeira de deputado, como ontem na cadeira de Ministro, defender intransigentemente a armada, trabalhando aímcadamente para o seu engrandecimento.

Hei-de, repito, defender aqui sempre as instituições militares, e fortemente, no sentido do seu engrandecimento, e deforma a dar-lhes o material necessário que necessitem para o seu desenvolvimento, como na realidade merecem.

Saí, Sr. Presidente, do Ministério da Marinha, estando já a estas horas o Sr. major general da armada exercendo as funções do seu alto cargo; devo porém dizer à Câmara que se lá continuasse a estar, se continuasse no Governo, S. Ex.a continuaria demitido e demitido ficaria. (Apoiados').

O que é um facto, Sr. Presidente, é que se estava à espera de que o Ministre saísse para se poder efectuar a prisão do chefe do seu gabinete e mandá-lo sob prisão para o quartel de marinheiros, como o fizeram, sendo solto horas depois.

Ora, Sr. Presidente, desde que foi ordenada a prisão e se ela era justa, ela tinha que se manter, continuando ele preso. ,;Mas quem ordenou a prisão exorbitou das suas funcções? A responsabilidade então devia ser chamado aquele que ordenara essa prisão.

Felizmente para o momento, mas também infelizmente porque criea V. Ex.c'-que eu amo extraordinariamente a instituição militar, não pertencia aos quadros. da armada, porque, se pertencesse, porventura iria também à ordem dos Sr s. almirantes para os fortes da Trafaria ou. Castelo de S. Jorge.

Mas não, Sr. Presidente, o Ministro saiu de cabeça bem erguida e digo a V. Ex.a, digo à Câmara, digo ao país que, me escuta que o Ministro não saiu pelo que fez; saiu por aquilo que tencionava fazer.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráfícas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e Interino da Marinha (Ll-berato Pinto): — Sr. .Presidente, pedi a palavra para dizer a V. Ex.a e à Câmara o que se passou durante as últimas férias,

mas, o Sr. Júlio Martins acaoou já de fazer esse relato.

Tendo S. Ex.a pedido a demissão de Ministro da Marinha, fui nomeado para exercer interinamente esse lugar e é nessa qualidade que me apresento à Câmara, não o tendo feito mais cedo porque questões de serviço me impediram.

Devo dizer, em referência iis considerações do ilustre Deputado Sr. Júlio Martins, principalmente nos pontos em que já são da minha responsabilidade, como Ministro interino da Marinha, o seguinte: se nomeei novamente o Sr. almirante Gallis, major general da armada, foi porque S. Ex.a tinha pedido a sua demissão não porque o Sr. Ministro da Marinha tivesse estranhado o seu procedimento mas porque essa estranheza lhe tinha sido comunicada em nota assinada por um oficial de patente inferior a S. Ex.a

E da norma do exército e julgo também pelas informações que -;enho pedido na Marinha, que qualquer ce.isura dirigida a um superior deve ser sempre assinada por um oficial de graduação igual e antiguidade superior ou de graduação superior à daquele q\ie ó censurado. No regulamento disciplinar do exército está isto absolutamente fixado e até qaando o castigo é imposto por S. Ex.a o Ministro da, Marinha, estão determinados os casos em que êie admoeste verbalmente e em que o pode fazer por escrito. Po? consequência, o Sr. almirante, major general da armada, considerou-se atingido, não pela censura do Sr. Ministro da Marinha, mas sim porque ela lhe era transmitida em nota assinada por um Sr. oficial da patente de capitãò-tenente. Tenio cessado a causa do requerimento do Sr. major general da armada, pedindo a ima exoneração, julguei-me no direito da novamente o nomear, visto que nenhuma outra consideração de ordem pessoal ou técnica tinha levado ó Sr. Ministro da Marinha a fazer essa exoneração:

Com respeito aos dois casDs tanto o da reunião no Clube Militar Naval como o do castigo imposto pelo Sr. Ministro da Marinha, devo dizer quanto ao primeiro que está seguindo o caminho que o mesmo Sr. determinou no seu despacho.

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os esclarecimentos precisos para S. Ex.a proceder de futuro, mais tarde, no despacho em discussão, pediu que fossem, íeitas averiguações.

Foi esse o caminho que segui, é isso que se está executando.

O Sr. Júlio Martins :—

O Sr. major general da armada, no seu despacho que mandou ao Sr. Loforte, ordena que indague.

O Orador: — Peço licença, para dizer que até como militar o termo esclarecimento não é da praxe em documentos desta natureza. A nota assinada pelo chefe do gabinete do Sr. Júlio Martins pede esclarecimentos; são esses esclarecimentos que foram enviados, ordenando então S. Ex.:i que se averiguasse.

Foi ê?se despacho que mandei cumprir, determinando que essas averiguações fossem feitas.

Permita-me mais V. Ex.a, Sr. Presidente, que diga que o Sr. Júlio Martins, a. respeito da maneira diferente de interpretar os factos que eu e S. Ex.a temos com respeito ao caso do Sr. major general da armada, foi buscar, para nos informar até ein conselho, factos anteriores passados no seu Gabinete; no emtanto garanto que é bom princípio militar que nenhum inferior possa, por um lugar de comissão transitória, por um lugar que não lhe compete, nenhum inferior deve poder censurar um superior. Consequentemente ó esta a razão por que me pareceu que o Sr. major general da armada estava na boa doutrina e, tendo cessado a causa que o tinha desviado do seu lugar, S. Ex.a podia, sem afectar a sua dignidade e sem se poder atingir a dignidade do ex-Mi-nistro, voltar a ocupar esse lugar.

Direi agora, quanto ao assunto da reunião, que se estão fazendo as averiguações e que após elas se procederá nos termos dos regulamentos, honrando-se assim não só quein estiver neste lugar desempenhando o cargo de Ministro da Marinha, como também o Ministro da Miirinha que determinou que se procedesse a essas averiguações.

Há um caso consequência do passado com o Sr. Ministro da Marinha, o da reclamação que foi punida por S. Ex.a Esse

caso é mais difícil-de-resolver e para essa resolução estou juntando todos os elementos que permitem que eu possa vir afirmar à Câmara que o espírito de justiça, que o espírito de ordem, e de disciplina que estavam brilhantemente representados com o Sr. Júlio Martins à frente da pasta da Marinha continuam a desejar estar representados da mesma forma com o actual detentor dessa pasta.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente : — O Sr. Manuel José da Silva tinha pedido a palavra para um requerimento, mas não nos encontramos ainda na ordem do dia. Nestas condições, não posso considerar o requerimento de V. Ex.a senão na devida altura.

O Sr. Júlio Martins: — Sr. Presidente : ouvi as considerações do Sr. Presidente do Ministério, e sabe S. Ex.a que discordo da sua maneira de pensar sobre o assunto.

Já podemos discutir, Sr. Presidente do Ministério, que um homem investido nas funções de chefe de Gabinete perde ou não momentaneamente a sua patente. V. Ex.a como tenente-coronel, investido nas funções de Presidente do Ministério, perde a autoridade que lhe dá a sua patente.

Mas, não vou para aí.

Diz V: Ex.a que o meu despacho é uma censura ao Sr. major general da armada. Eu. digo que não é, porque se o fosse, à face dos regulamentos disciplinares, eu tinha de empregar a palavra censura.

Mas pregunto: ^Leu o Sr. Presidente do Ministério as respectivas actas? ^Leu o Sr. Presidente do Ministério as declarações do Sr. Peres Rodrigues?

^E ou não verdade que, numa reunião militar realizada de encontro à letra expressa dos estatutos, .se leram moções que os próprios proponentes declararam ser escritas em termos incorrectos? ^Numa acta, que não ,sei se está aprovada, não se diz que se devolvesse ao Ministro as responsabilidades de uma nota que é imprópria das aspirações da corporação da armada?

^.Não é isto anti-disciplinar?

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Itiário da Câmara aos í)eputaâos

cumentos comprovativos de um procedimento diferente, havido comigo como Ministro, e de um procedimento diverso havido com Ministros anteriores. Peço a atenção da Câmara para este facto, que é demonstrativo e sintomático da forma como a questão está posta.

O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.

O Orador:—Era Ministro da Marinha o Sr. Fernandes Costa, e chefe do Gabinete o actual secretário da Presidência da República, o Sr. capitãò-tenente Athias, que ao tempo era simples segundo tenente. Surgiu uma questão entre o Ministro e a Administração dos Serviços Fabris, que ao tempo era dirigida por um vice-almiraute.

O Ministro mandava dizer por intermédio do chefe do seu gabinete, um simples 2.° tenente, a um vice-almirante que não tinha cumprido escrupulosamente o seu dever, e não há protestos, nem solidarie-dades, não há menoscabo da função dos Srs. almirantes.

Mas há mais.

O Sr. Celestino de Almeida. Ministro da Marinha, em relação a outro despacho diz à Majoria General da Armada que ela praticou um grave erro, afirma ao Sr. major general da armada que tinha praticado um grave erro.

Ora quem pratica graves erros não pode ter o prestígio em relação ao que se passou hoje. E então não houve protestos, não houve solidariedades. não houve absolutamente nada.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que o Sr. major general da armada não se queixa do Ministro, mas pelo facto do despacho ter sido transmitido pelo meu chefe de gabinete. Mas o meu chefe de gabinete procedia dentro das suas funções de chefe de gabinete como V. Ex.a transmite hoje as suas ordens como Ministro.

Pregunto ao Sr. Presidente do Ministério, pregtmto aos meus colegas, pre-gunto ao País: ^então está mais alta a função do Sr. major general da armada?

Eu não quis proceder logo, julguei, quando vi a nota nos jornais, que real-

mente o Sr. major general da armada mandaria indagar, indo ele directamente ou mandando um seu subordinado á fim de me habilitar com um relate rio ou uma informação, porque jamais duma repartição se mandou um comunicado desta natureza, sem conclusões, sem relatório, sem uma simples informação. E o Sr. major general da armada, sacudindo a água do seu capote.

Ele, como chefe superior da armada, não tinha ficado quedo perante as notas dos jornais e segurou-se à palavra esclarecimentos, mas, para que h,i chefes de repartição, para que há directores gerais senão para fornecerem os esclarecimentos pedidos e S. Ex.a com as suas informações, com um relatório seu podia dizer que não tinha havido quebra cê disciplina e eu então procederia consoante esse relatório.

Mas S. Ex.a sacudiu a água do seu capote.

Sr. Presidente: vamos bera por este caminho! Está o Sr. major general da armada cheio do seu alto prestígio!

Segundo os termos do despacho, o Sr. major general da armada, manda proceder a averiguações e limita-íie apenas a apresentar uma acta que nem foi aprovada!

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Marinha (Li-berato Pinto) (interrompendo): — Parece-me haver confusão.

V. Ex.a mandou uma nota pedindo esclarecimentos e em face da note de V. Ex.a só apenas lhe poderia ser fornecida a acta e essa mesma não lhe podia ser enviada porque não estava aprovada. Mais do que isto são averiguações!

O Orador:—Mas o termo empregado pelo Sr. Laforte é precisamente'o mesmo. No emtanto, indagar ou investigar é a mesma cousa. Ora, para pedir simples-esclarecimentos, bastava que eu mandasse informar pelo meu ajudante ou pela ordenança.

O Sr. major general da armada quis sacudir a água do seu capote.

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Eu digo a V. Ex.a que maus dias estão reservados à Kepública se por esse caminho nós vamos!

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando devolver, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente do Ministério, Minís-to do Interior e Interino da Marinha (Libe-rato Pinto:—Pedi a palavra,-Sr. Presidente, para me referir às considerações finais do Sr. Júlio Martins. Estou certo de que o Sr. Júlio Martins faz justiça ao procedimento das estações oficiais neste caso.

Estou convencido de que não houve, nada do que as pessoas mal intencionadas desejariam que se desse. Apenas um oficial mais rigoroso quis que a apresentação se fizesse em outros termos.

Com respeito à possibilidade da mudança de categorias, devo dizer á V. Ex.a e devo dizer à Câmara, quanto a mim, tal dúvida não existe, porque está esse assunto regulamentado.

O orador não reviu.

OKDEM DO DIA

O Sr. Presidente:—Vai-se entrar na Ordem do dia. Discussão do projecto n.° 641-A.

Tem a palavra o Sr. Ministro dás Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal) — Sr. Presidente : porque as vidas estão relativamente curtas, é preciso andar depressa no sentido de cada um de nós cumprir honradamente tudo quanto prometeu sem lhe faltar uma vírgula e sem dar aso a que as línguas maldizentes possam deturpar a nossa maneira de proceder.

Vou entrpgar à consideração da Câmara documentos relativos à questão da Agência Financial.

O Sr. Presidente (interrompendo}:—Eu concedi a palavra a V. Ex.a porque julgava que V. Ex.a queria usar dela sobre a ordem.

O Orador: — V. Ex.a é um velho parlamentar, mas eu também me lembro de que em condições análogas, foi concedida a palavra ao Sr. Inocêncio Camacho para discutir o Orçamento.

Eequeiro a V. Ex.a que consulte a Câmara sobre se permite que eu use da palavra.

o

O Sr. Presidente: — Na devida altura será considerado o requerimento de V. Ex.a

Tem a palavra o Sr. Plínio Silva.

O Sf. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — ,;V. Ex.a não submete o meu requerimento à apreciação da Câmara?

O Sr. Presidente :—Não senhor. Já dei a palavra ao Sr. Plínio Silva. Sussurro.

O Sr. Presidente (agitando a campainha):—Peço a atenção da Câmara.

O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente : começarei pelas mesmas palavras com que o Sr. Ministro das Finanças iniciou as suas considerações.

Todos nós, mas todos, temos iguais direitos. Para bem do país todos queremos que se cumpram todas as atitudes que aqui temos tomado.

Infelizmente, há um tempo para cá que a Câmara se estava colocando numa situação que parece traduzir que apenas havia no Parlamento da República o Sr. Ministro das Finanças, e que rios outros não éramos mais do que comparsas, dispostos eternamente a suportar os insultos de S. Ex.a...

Vozes: — Não apoiado. Não apoiado. Sussurro.

Vozes: — Isto é uma provocação! E preciso que o Sr. Plínio Silva retire as suas palavras.

O Sr. Presidente:—Peço a atenção da Câmara.

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Diário da Câmara do& Deputados

O Sr. Plínio Silva: — As palavras que disse estão ditas.

Pelo regimento da Câmara tem o Sr. Presidente plenos poderes para proceder contra qualquer deputado que, porventura, não mantenha respeito pelo prestigio da Câmara.

Como disciplinado que sou, sujeito-me à sanção que V. Ex.a queira impor-me.

O Sr. Presidente:'—Como já disse, eu não ouvi as palavras de V. Ex.a Portanto, sem que V. Ex.a as repita, eu não poderei ser árbitro no assunto.

Estou, porém, certo de que V. Ex.a nada poderia ter dito _que fosse ofensivo do decoro parlamentar, porque isso seria impróprio do seu cartícter.

O Sr. Plínio Silva: — Se V. Ex.a me faz a justiça de se convencer de que eu jamais poderia ter proferido quaisquer frases menos próprias do decoro parlamentar, julgo-me dispensado de repetir o que disse.

O Sr. Presidente:—Tenho autoridade para dizer que, depois das palavras do Sr. Plínio Silva, não vejo razão para V. Ex.as insistirem. '

Apartes. Protestos.

Sussurro.

O Sr. Presidente: — É preciso que se restabeleça o sossego.

O Sr. Afonso de Macedo: — V. Ex.;l tem de chamar à ordem o Sr. Plínio Silva.

Continua o sussurro.

O Sr. Presidente: — Não ouvi da parte do Sr. Plinio Silva qualquer expressão menos respeitosa.

O Sr. Pais Rovisco: —^jSe V. Ex.a não ouviu, como pode ser julgador?!

O Sr. Plínio Silva tem de repetir a expressão. • •

Muitos apartes.

Sussurro.

O Sr. Presidente : - — Eu, deste lugar, não posso estar a discutir com os Srs. Deputados. Só posso responder a um por cada vez.

Desde que digo que não houve da parte do Sr. Plínio Silva idea de desconsideração...

Sussurro.

O Sr. Pais Rovisco: — V. Ex.a parte duma base falsa. Sussurro.

O Sr. Plinio Silva :—Não tenho dúvida em... Sussurro.

O Sr. António Maria da Silva: mara assim não pode funciono.*! /Sussurro.

•A Câ-

0 Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara. Doutra forma vejo-me obrigado a suspender a sessão.

O Sr. Afonso de Macedo (para invocar o Regimento)'. — Sr. Presidente: as palavras do Sr. Plínio Silva que não foram ouvidas por V. Ex.a, mas que ioram ouvidas por toda a Câmara, foram estas : «a Câmara não estava disposta a continuar a ouvir os insultos do Sr. Ministro das Finanças». Ora bem! Nem V. Ex.a, como Presidente da Câmara, nem nós como deputados, poderíamos admitir que o Sr. Ministro das Finanças ou qualquer outro Ministro ou Deputado, insultasse a Câmara. E por isso que eu peco a V. Ex.a que chame à ordem o Sr. Plinio Silva, quando não esta sessão não pode continuar. (Apoiados e protestos}.

O Sr. João Camoesas (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: queria perguntar a V. Ex.a se se sabia na Mesa quais tinham sido as palavras do Sr. Plínio -Silva, mas essa pergunta já foi prejudicada pelas considerações do Sr. Afonso de Macedo, que me deram a entender que a Mesa as desconhecia.

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o Sr. Ministro das Finanças ainda hoje usou nesta sessão, no seu velho hábito de ironia, posso tomar para mim, porque me custa como republicano suportar tais termos. (Apoiados e não apoiados}.

O Sr. António Granjo (para explicações) : — Sr. Presidente: incumbe, não só a V. Ex.a mas a cada um de nós, manter o prestígio do Regimento, e é apenas por isso que me permito usar da palavra e não para ditar procedimentos a V. Ex.a

A frase julgada insultuosa pelo Grupo Parlamentar Popular foi aquela que referiu o Sr. Afonso de Macedo. Em minha consciência ela deve ser retirada. Seja qual for a opinião que cada um do nós tenha sobre a atitude do Sr. Ministro das Fi nanças em relação ao Parlamento, essa atitude, entretanto, não pode ser considerada por cada um de nós como uma atitude insultante, porque se o fosse a Câmara nunca devia ter consentido que S. Ex.a fizesse uso da palavra em tais termos. (Apoiados}.

De facto, eu o tenho dito, a atitude de S. Ex.a não tem sido de molde, por forma nenhuma, a fazer com que as discussões em que S. Ex.a intervém decorram com a serenidade com quê deviam decorrer. Mas daí até a atitude de S. Ex.a ser julgada insultante, vai uma grande distância. (Apoiados).

Contudo, a questão parece-me que já está resolvida. Realmente, o Sr. Plínio Silva declarou que fazia juiz da questão o Sr. Presidente da Câmara. Desde o momento que o Sr. Presidente deu como não ouvidas as palavras do Sr. Plínio Silva, julgo inútil qualquer cousa mais. A questão está liquidada. Agora só pode ser tratada em qualquer outro sítio.

Vozes:—Aqui, aqui é que tem de ser •liquidada. Sussurro.

Vozes:—Retire-as. Aqui é que foram ditas as palavras.

O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: as afirmações do Sr. Plínio Silva não oferecem duas interpretações, mas estou certo de que as expressões do Sr. Plínio Silva foram proferidas num momento de exaltação, pois a comprovada delicadeza

do Sr. Plínio Silva não se comportava com tal atitude, mas o facto é que não pode passar em julgado para o prestígio do Poder Legislativo.

O Sr. Plínio Silva:-r-Pela forma como se manifestaram alguns colegas, vejo que não tenho perdido este ano e meio que tenho ocupado este lugar.

Agradeço ao Sr. Vasco Borges as palavras que acabou de proferir, julgando-me incapaz de usar de qualquer palavra que constituísse insulto.

Depois das palavras que disse, submeto-me às indicações de V. Ex.a e portanto aguardo a resolução de V. Ex.u

O Sr. Presidente:—Das palavras do Sr. Plínio Silva concluo que S. Ex.a não teve nenhum propósito ofensivo, fosse para quem fosse.

O Sr. Vasco Borges: — O que V. Ex.a, Sr. Presidente, tem a fazer é convidar o Sr. Plínio Silva a retirar as suas palavras. De contrário, a sessão [não pode prosseguir.

Sussurro.

Apartes.

O Sr. Presidente: — Neste lugar, tam difícil de exercer — porque eu entendo que é mester manter a maior imparcialidade e ser escravo das praxes parlamentares— eu registo, com desgosto, que em vez de encontrar de todos os lados da Câmara uma atitude que nos possa conduzir todos a um termo, infelizmente os trabalhos parlamentares não correm como seria para desejar.

Convidei o Sr. Plínio Silva a dar-me explicações sobre a sua frase. S. Ex.a disse que não atribuía nada de ofensivo às palavras que proferiu.

No emtanto, a susceptibilidade de uma parte desta Câmara é tam grande que eu. agora apelo para o Sr. Plínio Silva, para o seu patriotismo e desejos conciliatórios, a fim de S. Ex.a dar à Câmara a satisfação que parte dela lhe exige.

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Diário 'da Câmara do* Deputados

Mas entreguei a solução do caso a V. Ex.a, como Presidente da Câmara. V. Ex.a já explicou tudo à Câmara e eu, por meu lado, empreguei palavras concretas para definir a minha atitude.

Parece-me, portanto, que V. Ex.a não deve querer que eu me sujeite a imposições seja de quem for. Desde que eu já disse que não tive intuitos de ofender fosse quem fosse, e muito menos a Câmara, creio que não posso sujeitar-me a imposições de nenhum colega meu.

Consulte V. Ex.a a Câmara e ela dirá se devo ou não continuar no uso da palavra e se considera suficientes as explicações que acabo de dar.

Tenho dito.

O orador não reviu.'

O Sr. Presidente: — O Sr. Plínio Silva repetiu a declaração anterior de que não considera ofensivas seja para quem for as palavras que proferiu.

Julgo que a Câmara se deve dar por satisfeita com estas explicações.

S. Ex.a procedeu ao abrigo do § 1.° do artigo 105.°

Como não suponho S. Ex.a capaz de proferir qualquer palavra ofensiva seja para quem for e para o prestígio do Par-Irmento, só tenho de cumprir o Regimento neste artigo.

Apartes.

Defendo por igual o direito de todos os Srs. Deputados com a imparciali-dude que se deve ter neste lugar e assim declaro como não proferidas as palavras de S. Ex.a, e como Presidente da Câmara não posso neste momento fazer outra cousa.

Apartes.

O Sr. Pais Rovisco:-— Peço a palavra para explicações.

Vojzes: -^- Isto não pode ser!

O Sr. Ladislau Batalha:—-Assim não há maneira de trabalhar! Só pensamos em perder tempo...

O Sr. Presidente:-—Vai continuar a discussão do projecto.

O Sr. Presidente: — Peço ordem. Continua o sussurro.

O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

As 19 horas e ô minutos v Sr. Presidente reabre a sessão.

O Sr. Presidente: — Durante a interrupção da sessão procurei o Sr. Plínio Silva para falar com S. Ex.a acerca do incidente que se deu.

Pedi a S. Ex.a, como já o tinha feito deste lugar, explicações sobre as palavras que havia proferido e S. Ex.a, com a maior correcção e lealdade, declarou que as suas 'palavras nem na intenção nem na forma podiam ser consideradas ofensivas seja para quem for.

Nestas condições considero-as como não proferidas, e como a hora vai adiantada e o Sr. Plínio Silva não desejaria certamente usar da palavra neste curto espaço de tempo, vou encerrar a sessão.

O Sr. Henrique de Vasconcelos: — O Regimento não permite isso, temos de recuperar o tempo que perdemos e a sessão tem de continuar.

O Sr. Presidente : —Faltam apenas dez minutos para se encerrar a sessão e estão inscritos alguns 3rs. Deputados para antes de se encerrar a sessão, e nestas condições vou dar a palavra ao Sr. Vergilio Costa.

Antes de §e encerrar a sessão

O Sr. Vergilio Costa:—Sr. Presidente: pedi a palavra para rogar a V. Ex.* que sejam publicados no Diário do Governo os documentos que o Sr. Ministro das Finanças mandou para a Mesa.

O Sr. António Granjo:—E necessário saber-se o que contêm esses documentos. Apartes. \

O Sr. António Granjo:— O que eu desejava é que S. Ex.a mandasse ler os documentos.

Vozes:—Não pode ser! A sessão torna-se agitada.

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tos enviados para a Mesa pelo Sr. Ministro das Fidanças devem ser publicados no Diário. do Governo têm a bondade de se levantar.

O Sr. António Granjo:—Isso é com V. Ex.a

O Sr. Mariano Martins: — Sr. Presidente: parece-me que no espaço de tempo denominado antes de encerrar a sessão não pode haver deliberações.

O Sr. Presidente: —Tem V. Ex.a razão.

O Sr. Vergilio Costa:—Eu pedi simplesmente à Mesa para, se entender, mandar publicar os documentos no Diário do Governo, e fi-Lo por .o Sr. Ministro das Finanças disso me.ter encarregado, por virtude de, em face do incidente que se deu, não se ter podido votar um requerimento para cuja apresentação S. Ex.a tinha pedido a palavra e que a esse fim visava. S. Ex.-a em seu critério decidirá se esses documentos podem ou não ser publicados.

O Sr. Presidente:—A Câmara é spbe-rana e resolverá o que quiser, mas, como nesta altura dos trabalhos já se não pode proceder à leitura dos .documentos, entendo que só na próxima sessão .o assunto se poderá resolver,

O Sr. Júlio Martins , (para explicações):— Sr. Presidente: em primeiro lugar, o Sr. Vergilio Costa não mandou para a Mesa nenhum requerimento, tendo apenas apelado para V. Ex.a a fim de que fizesse publicar os documentos no Diário do Governo, visto que o Sr. Ministro das Finanças, tendo querido explicá-los à Câmara, tendo querido porventura lê-los, não o pôde fazer em virtude do incidente que se produziu.

Está nas atribuições de V. Ex.a mandar fazer essa publicação e, por conse-quúência, V. Ex.a decidirá se ela deve ou não ser feita, tomando no em tanto em consideração que o Sr. Ministro das Finanças o ia pedir, certamente por julgar conveniente levar esses documentos ao conhecimento do país.

O orador não reviu,

O Sr. Presidente : —V. Ex.a atribui-me uma força que eu não tenho, que é a de fazer a publicação de documentos enviados para a Mesa, visto que tal .só me é permitido precedendo deliberação da Câmara. Há, de resto, alguns Srs. Deputados que desejam que se faça previamente a leitura dos documentos mandados para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças ,e, .como essa leitura já hoje se não pode fazer, só n.a próxima .sessão, que é na se-guncja feira, se poderá tomar qualquer deliberação, não havendo corn isso certamente prejuízo de maior-

O Sr. Júlio Martins: —Nem V. Ex.a

nem eu sabemos se há ou não prejuízo com a demora na publicação, porque não conhecemos os documentos. Ó que é certo é que o Sr. Ministro das Finanças estava no propósito de hoje pedir essa publicação, evidentemente por estar no convencimento da necessidade de ela se faz_er de modo a habilitar-nos a fazer um juízo completo a respeito da questão da Àgên-cia Financial.

O Sr. Presidente : — Os documentos são nove e eu não posso tomar a iniciativa de os fazer publicar sem, ao menos, deles tomar conhecimento.

O Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis): — O Regimento realmente não permite que a Câmara delibere no espaço destinado para assuntos antes de se encerrar a sessão. Mas este Parlamento já tem procedido assim; há precedentes que afinal podem ser secundados.

Já o Sr. António Granjo tratou nesta altura da sessão ... *

O Sr. Presidente (interrompendo}: — Peço a V. Ex.a que não se desvie da questão.

Quanto à publicação dos documentos, eu por mim não posso fazê-la, porque não tenho conhecimento do que eles contêm, nem atribuições para isso.

Permitam-me que os leia, e então procederei conforme seja regimental.

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Diário da Câmara das Deputados

tua que nesta hora só se podem tratar certos assuntos.

O Sr. Henrique de Vasconcelos: — A

hora vai adiantada e a Câmara está cansada para que eu possa tratar de um assunto importante.

Quero tratar da questão da fome de Cabo Verde, que tende a agravar-se.

Preciso conversar com o Sr. Ministro das Colónias acerca do assunto.

Já morre muita gente de fome; mas isto não tem importância política: não dá votos a ninguém.

O Sr. Afonso de Macedo: — Peço a V. Ex.íl para convidar o Sr. Ministro do Comércio a comparecer na Câmara na próxima sessão, porque desejo tratar uns assuntos que correm pela sua pasta.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda feira, à hora regimental. Ordem do dia a que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Pinheiro dos Santos, modificando a lei sobre instrução secundária; alterando a constituição dos conselhos administrativos das escolas primárias superiores.

Para a comissão de instrução primária e secundária.

Do Sr. Marques de Azevedo, tornando da competência dos juizes de paz o julga-

mento das acções cíveis, comerciais e de despejo, até o valor de 50$.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Do Sr. Joaquim Brandão, introduzindo alterações no artigo 62.° do decreto n.° 7:029, de 16 de Outubro de 1920.

Publicado no tDiário do Governo», volta para ser submetido à admissão,

Parecer

N.° 650, sobre o projecto de lei n.° 581-B.

Distribua-se.

Declaração de vono

Declaro que se tivesse assistido à sessão da Câmara dos Deputados ern que se .votaram as mojões apresentadas no decurso do debate sobre a Agência Financial do Rio de Janeiro, teria votado a questão prévia apresentada pelo Sr. Manuel José da Silva (Oliveira de Azeméis). — L. Nóbrega Quintal.

Para a Secretaria.

Para a acta.

Propostas de le:i

Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aprovando para ratificação o Tratado de Paz. assinado em 10 de Setembro de 1919 e abrindo um crédr.o especial de 15 contos para construção de um edifício para a legação de Portugal em Tóquio.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de negócios estrangeiros.

Do Sr. António dos Santos Graça, criando uma freguesia no lugar de A-Vêr--o-Mar, freguesia de Amorim, concelho de Póvoa de Varzim.

Para o «Diário do Governo».

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