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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 18
EM 17 DE JANEIRO DE 1923
Presidência do Ex. mo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Ex. mos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) manda para a Mesa uma proposta de lei.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar) envia para a Mesa uma proposta de lei autorizando a abertura dum crédito o favor do Ministério das Colónias, e pede para ela a urgência e dispensa do Regimento. São concedidas.
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, sendo em seguida provada na generalidade e na especialidade a proposta em discussão e dispensada a última redacção a requerimento do Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Carvalho da Silva pede ao Sr. Ministro da Guerra que o esclareça sôbre um caso de alcance atribuído a um oficial do exército.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria).
O Sr. Cancela de Abreu ocupa-se da pena aplicada ao pároco de Melgaço e da venda das alfaias da igreja de Triana, em Alenquer.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão).
O Sr. Ministro do Comércio (Queiroz Vaz Guedes) manda para a Mesa uma proposta de lei e comunica à Câmara o texto de três telegramas recebidos do Rio de Janeiro com respeito aos negócios do Comissariado Português na Exposição Internacional daquela cidade.
O Sr. Pires Monteiro manda para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. João Bacelar chama a atenção do Sr. Ministro da Justiça para a situação de desigualdade em que se encontram funcionários dependentes do respectivo Ministério.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
É aprovada a acta.
São concedidas algumas licenças.
É concedida a urgência à proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro do Comércio.
São admitidas à discussão algumas proposições de lei.
Ordem do dia. — (Continuação do debate político).
Usa da palavra o Sr. Morais Carvalho) que envia para a Mesa uma moção.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
Usam da palavra para explicações os Srs. Nuno Simões, Cunha Leal e Presidente do Ministério.
Esgotada a inscrição, procede-se à votação das moções apresentadas.
É aprovada a moção do Sr. Leote do Rêgo. Procedendo se à contraprova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu, confirma-se a aprovação.
É rejeitada a moção do Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Presidente faz uma comunicação à Câmara e pede a suspensão da discussão do parecer n.º 61, em virtude da ausência do Sr. relator, Estêvão Aguas, que assim o requere numa carta dirigida à Presidência.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Pires Monteiro, Carlos Pereira e Jaime de Sousa.
É rejeitado o requerimento do Sr. Estêvão Águas, em prova e contraprova.
Continuando a discussão do parecer n.º 61, o Sr. Almeida Ribeiro, que ficara com a palavra reservada numa das sessões anteriores, conclui o seu discurso.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria).
Usa da palavra para explicações o Sr. Almeida Ribeiro, respondendo-lhe ainda o Sr. Ministro da Guerra.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Pereira Bastos, Almeida Ribeiro, Carvalho da Silva, Pires Monteiro e Plínio Silva.
O Sr. Pereira Bastos, em nome da comissão de guerra, presta os esclarecimentos pedidos pelo orador antecedente, que volta a usar da palavra.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

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Diário da Câmara dos Deputados
Abertura da sessão às 14 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada 50. Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 49 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedra Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.

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Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Aguas.
João Pedro de Almeida Pessanha.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Vai ler-se e a acta.
Eram 14 horas e 20 minutos.
Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Instrução, acompanhando o orçamento da Escola Normal Primária, do Pôrto, para o ano económico de 1923-1934.
Para a comissão do Orçamento.
Do 1.º secretário da Associação de Comerciantes do Pôrto, reclamando contra o facto de não lhes ser permitido ainda retirar da alfândega mercadorias de procedência alemã.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Fronteira, Sindicato Agrícola de Estremoz, juntas de freguesia de S. Bento, Ana Lousa,

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Diário da Câmara dos Deputados
Elvas, Corval de Reguengos, Santiago Maior de Alandroal, Confraria do Rosário do Corval, grupo de católicos do Montemor-o-Novo, representantes do comércio e indústria de Reguengos, grupo de católicos de Olhão, grupo do católicos de Benavente, Caixa Económica Operária de Viana do Alentejo, Irmandade do Santíssimo de Benavente, Confrarias de Vila do Cano, Câmara Municipal de Reguengos, Sindicato Agrícola de Reguengos, Junta de Freguesia de Vila do Cano e Confraria de S. Vicente de Paula de Estremoz, aplaudindo a reclamação dos católicos relativamente ao ensino religioso.
Para a Secretaria.
Dos delegados das associações de socorros mútuos «Igualdade» e «Destino», em Abrantes e Leiria, pedindo para ficarem isentas dos novos aumentos de franquia dos correios.
Para a Secretaria.
Do Núcleo Escolar de Serpa, pedindo a discussão do parecer n.º 181.
Para a Secretaria.
Representações
Da comissão central dos funcionários do Estado e sua associação de classe, sôbre a aplicação do artigo 32.º da lei n.º 1:355.
Para a comissão de finanças.
Dos contínuos de vários Ministérios, contra a representação elaborada por um grupo de serventes, em que pedem a categoria de contínuos.
Para a comissão de remodelação dos serviços públicos.
Justificação de faltas
Dos Deputados que fazem parte da comissão parlamentar de inquérito aos Bairros Sociais, comunicando que não podem comparecer hoje à sessão.
Para a comissão de infracções e faltas.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte proposta, para a qual peço a urgência.
Foi lida uma proposta de lei da iniciativa do mesmo Sr. como Ministro do Interior, para modificação da lei de 2 de Dezembro de 1910, sôbre concessão de cartas de naturalização. (Para o «Diário do Govêrno").
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: para pagamento da garantia de juros à Companhia dos Caminhos do Ferro de Mormugão, é necessário ao Govêrno dispor, para o 1.º semestre, de 36. 000 libras, a pagar em Londres.
No orçamento do Ministério não há saldo, em virtude das diferenças cambiais, para se efectivar êsse pagamento, parte do qual tem de ser feito em 25 dêste mês.
Nestes termos, tenho a honra de mandar para a Mesa uma proposta de lei, para que seja aberto pelo Ministério das Finanças, a favor do Ministério das Colónias, um crédito do 4. 000 contos, a fim do se poder efectuar êsse pagamento.
Como o primeiro prazo está muito próximo, eu requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se concede a urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa a proposta, e seguidamente consultada a Câmara que concedeu a urgência e dispensa do Regimento.
É a seguinte:
Senhores Deputados. — Tendo de se pagar em Londres, nos dias 25 de Janeiro, 25 de Maio e 30 de Junho do 1923, à Companhia do Caminho de Ferro de Mormugão, a garantia de juros relativa ao 1.º semestre do mesmo ano, na importância total aproximada de 36. 000 libras e não existindo, em virtude do agravamento cambial, saldo na verba para tal fim descrita no artigo 2.º do capítulo único da despesa extraordinária do orçamento do Ministério das Colónias para o corrente ano económico do 1922-1923, torna-se necessário abrir um crédito especial da quantia do 4:000. 000$ para ocorrer à despesa, do que se trata.
Nestes termos tenho a honra de apre-

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sentar à vossa ilustrada apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º É aberto no Ministério das Finanças a favor do Ministério das Colónias um crédito especial da quantia de 4:000. 000$ destinado a reforçar a verba descrita no capítulo único, artigo 2.º, da despesa extraordinária do orçamento do segundo dos referidos Ministérios em vigor no corrente ano económico, sob a rubrica de «subvenção para o Caminho de Ferro de Mormugão».
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões, 17 de Janeiro de 1923. — Alfredo Rodrigues Gaspar, Ministro das Colónias.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: começo por protestar mais uma vez contra o facto de se discutirem propostas desta importância, com urgência e dispensa de Regimento, o que vem demonstrar o pouco cuidado com que os orçamentos do Estado são elaborados, sendo de admirar que, por êste processo, se não arranjem constantes e extraordinários superavits.
Nada mais fácil de se fazer, desde que se calcule, como fez o Sr. Ministro das Finanças, em 1:500 por cento o agravamento cambial.
O Sr. Carlos Pereira: — Não é isso!...
O Orador: — V. Ex.ª não me pode contestar que o Sr. Ministro das Finanças calculasse o agravamento cambial em 1:500 por cento.
Mas, Sr. Presidente, dizia eu que, com êste processo de se considerarem como receitas do Estado, os empréstimos contraídos pelo mesmo Estado, para despesas, é fácil arranjar superavits.
Sr. Presidente: isto vem mais uma vez provar que, se os Governos organizassem os orçamentos em conformidade com a verdade, não havia necessidade de se apresentarem propostas desta natureza.
Para terminar direi que o Sr. Ministro das Colónias, apresenta esta proposta em virtude de compromisso do Estado, mas melhor seria que S. Ex.ª tivesse seguido os trâmites usados em tais casos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Colónias, na generalidade e especialidade.
O Sr. Carlos Pereira: — Requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara, sôbre se consente a dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: veio há dias na imprensa a notícia de que mais um alcance, na importância de 750:000 francos, ou seja mais de 1:000 contos, fôra praticado pelo oficial aviador Sr. Almeida Pinheiro, e que êste senhor fugira para a América.
Não se trata de uma importância pequena.
Trata-se de uma quantia importante, e não é de crer que o Sr. Ministro da Guerra esteja desprevenido de elementos para elucidar a Câmara, sôbre êste assunto.
Assim, peço a S. Ex.ª que me informo categòricamente do seguinte:
Se é ou não verdade que êsse oficial se alcançara;
Se é ou não verdadeira a importância que os jornais noticiaram, e se êsse oficial praticou ou não, de uma só vez, o alcance de que é acusado.
V. Ex.ªs compreendem que, se êsse oficial há mais tempo se tinha alcançado, não faz sentido que tenha sido conservado no mesmo lugar, dispondo desta forma dos dinheiros públicos.
Todavia, se assim é, mais uma vez se demonstra que a moralidade da República, para com os bons republicanos, é aquela que foi definida num despacho dado pelo Sr. Ministro das Finanças.
Eu sei que o Sr. Ministro da Guerra não tem responsabilidades neste caso, mas muito agradeceria que S. Ex.ª me elucidasse sôbre o assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva trouxe ao conhecimento da Câmara um assunto para o qual pede uma resposta precisa e categórica.

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Vou procurar responder precisa e categòricamente, para satisfazer S. Ex.ª e a Câmara.
Quando entrei para a pasta da Guerra, tive, conhecimento de que por aquele Ministério corria um auto de corpo de delito contra o oficial Sr. Almeida Pinheiro, por motivo de se ter apossado ilegìtimamente de dinheiros que pertenciam ao Estado, e que estavam depositados na sucursal do Banco Ultramarino, em Paris.
Não foi um alcance, foi um roubo.
Roubos, dão-se em todos os regimes, e não será esta uma arma que V. Ex.ª possa usar contra a República.
Eu historio o caso.
O capitão Sr. Almeida Pinheiro era adjunto do adido da Legação de Portugal em Paris.
Gozava em todos os meios bancários e parisienses da fama de grande honestidade, é por êste motivo, fácil lhe foi, mediante certas habilidades, praticar o roubo em questão.
Assim, numa das ocasiões em que aquele oficial esteve em Lisboa, conseguiu apossar-se de fôlhas timbradas do Ministério da Guerra, e falsificou correspondência entre o chefe do gabinete do Ministro e o adido militar, determinando que êste senhor autorizasse pelos fundos do Corpo Expedicionário Português, depositados na sucursal do Banco Ultramarino, a aquisição de determinado material de aeronáutica.
Recebida essa comunicação, com a assinatura do chefe do gabinete, perfeitamente imitada, o adido não teve dúvidas em fornecer os fundos que eram pedidos para a aquisição dêsse material.
Tempos depois, o adido estranhou que os fundos não fôssem, repostos, e trocou, correspondência, pedindo que tal se fizesse, tanto mais que essa importância estava comprometida para o pagamento de determinados encargos.
Porém, como a resposta não fôsse satisfatória, dirigiu-se a Lisboa onde, após azeda discussão entre o chefe do gabinete e o adido militar, se chegou à conclusão que havia um documento falsificado, e que foi forjado pelo Sr. Almeida Pinheiro. Em virtude disso, desapareceram 250:000 francos, pouco mais ou menos.
Mas, não fica por aqui.
O Sr. capitão Almeida Pinheiro, aproveitando a ausência do adido militar, falsificou cheques e levantou mais 200:000 francos do Banco Ultramarino.
O total do roubo será, pois, cêrca de 500:000 francos, feito por estas duas parcelas: uma, como conseqüência de uma autorização falsificada por êsse senhor, outra, por conseqüência de falsificação de cheques.
A sua captura ainda não se efectuou, por isso que êle fugiu de Paris, e por informações, anda fazendo uma digressão pelo Atlântico.
O Sr. Carvalho da Silva: — Êsse oficial não tem na sua folha nenhum outro alcance?
O Orador: — Não senhor. Mostrou-se sempre uma criatura honesta, e foi por êste motivo que êle não teve dificuldades, na sucursal do Banco Ultramarino. Creio ter respondido a V. Ex.ª por forma precisa e categórica.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: há dois assuntos para que desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça.
São o caso da pena aplicada ao pároco de Melgaço, e o caso da venda das alfaias e paramentos da igreja de Triana, de Alenquer.
O caso do pároco de Melgaço, a cuja nobreza de sentimentos, isenção e coragem cívica devo prestar as minhas homenagens, não se pode considerar, evidentemente, um caso da responsabilidade exclusiva do Sr. Ministro da Justiça actual.
Creio que S. Ex.ª encontrou instaurado no seu Ministério o processo relativo ao procedimento dêste pároco; e por isso, porventura, se limitou a orientar o seu despacho de harmonia com o que dêsse processo constava.
Devo, porém, dizer a S. Ex.ª que contra o pároco de Melgaço se exercia desde há muito uma acintosa perseguição, por ser um indivíduo que, dadas as suas qualidades de carácter, gozava de largo prestígio no concelho.
Devo também dizer que por várias vezes se tentou fazer expulsá-lo do seu concelho.
Porém, até agora, nada se tinha conseguido.

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Ora êle não cometeu qualquer crime que esteja previsto ou na lei penal, ou na Lei da Separação.
Limitou-se, como o declarou desassombradamente, em um sermão que fez na sua igreja, aconselhar os seus paroquianos a não se absterem do exercício do direito do voto.
Quere dizer: o pároco de Melgaço aconselhou os seus paroquianos a cumprir um elementar dever cívico! Aconselhou-os mais a exercerem êsse direito de voto de forma a garantirem quanto possível os direitos e regalias da Igreja.
Já a Câmara vê que não houve nas suas palavras a mínima alusão política, ou qualquer cousa que fôsse atentatória do prestígio da autoridade ou do regime.
Apoiados da direita.
Êstes são os factos que se passaram, e que naturalmente, foram deturpados pelos elementos que há muito andaram a fazer contra êste ilustre pároco uma acintosa campanha, a fim de levarem o Sr. Ministro a proceder como procedeu.
Chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para o que acabo de expor, certo de que S. Ex.ª vai ordenar a revisão do respectivo processo, anulando a violenta pena que aplicou, ou pelo menos reduzindo-a em muito.
Trata-se de uma pessoa de nobres sentimentos e que é desejada no seu concelho por todas as pessoas que não são filiadas no Partido Democrático,
Quanto ao caso da igreja de Triana, parece-me que a responsabilidade do actual Sr. Ministro da Justiça é mais evidente.
A igreja de Triana estava, com efeito, encerrada há bastante tempo, mas por motivo de fôrça maior, o qual consistia em grave doença do seu pároco. Por êste motivo foi encerrada a igreja, mas se não foi aberta mais tarde ao culto foi porque as autoridades não o consentiram.
Não se compreende, portanto, que lhe tivessem sido aplicadas as disposições da Lei da Separação.
De resto, a igreja de Triana é um templo histórico e tem uma larga tradição que vai até a rainha Santa Isabel. Bastava êste facto para que da parte das autoridades, e especialmente do Govêrno, houvesse todo o cuidado em manter uma relíquia a que andam ligadas as lindas páginas sentimentais da nossa história lendária.
A igreja que se diz ter sido fundada pela rainha Santa Isabel, continha muitos valores artísticos.
Pois tudo se procura vender ao desbarato e contra a vontade expressa da população.
Dá-se ainda a circunstância seguinte: em resultado da intervenção do povo da freguesia, os caixotes onde se tinham guardado as imagens e paramentos da igreja, foram depositados na câmara municipal do concelho e por êsse motivo o caso foi entregue ao tribunal.
Parece-me, pois que, se da parte do Ministério da Justiça não houvesse o propósito de andar precipitadamente neste assunto, S. Ex.ª teria esperado ao menos que aquele caso fôsse liquidado nos tribunais.
Mas não se procedeu assim.
Consta-me até que o Sr. Ministro da Justiça oficiou repetidamente ao delegado da comarca para que fôsse feita a remessa para Lisboa dos artigos que estavam judicialmente apreendidos.
Eu acho êste assunto importante, porque estão sendo feridas as ideas católicas do povo de Alenquer, que se propunha restaurar a igreja e abri-la ao culto; e entendo que o Sr. Ministro devia providenciar por forma a dar uma satisfação àquele povo, fazendo repor na igreja o que dela foi retirado e mandando-a abrir ao culto, como é desejo de todos.
Vou tratar ainda de um outro assunto que interessa não só à pasta da Justiça mas também à pasta do Interior, e como o Sr. Presidente do Ministério não se encontra presente neste momento, peço ao Sr. Ministro da Justiça o favor de lhe transmitir as minhas considerações.
O assunto de que vou ocupar-me tem toda a actualidade, se nós atendermos ao espectáculo apavorante, a que estamos assistindo há dias a esta parte, de uma série de crimes constantes e repugnantíssimos, de que não há memória, ou que pelo menos há muito tempo se não repetiam com uma freqüência tam extraordinária.
Realmente, a estatística dos crimes graves cometidos nos últimos dias é bem uma sintonia do estado em que se encontra a sociedade portuguesa.

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Ora, o órgão dos revolucionários do norte que, por ironia, se chama A Verdade, abriu uma subscrição a favor de um «ilustre cavalheiro» que, apesar de ter sido o único «herói beneficiado» com o 19 de Outubro, é denominado naquele órgão de «infortunado republicano».
Êste «infortunado» correligionário de V. Ex.ªs é o célebre José Júlio da Costa, cobarde assassino de Sidónio Pais.
Ora a favor do «infortunado» republicano — coitado, tam infeliz que até anda em liberdade! — foi aberta, em Celorico de Basto, uma subscrição que tem no seu rol pessoas de elevada categoria dentro do regime republicano, algumas das quais vou indicar à Câmara.
O Dr. Francisco Teixeira de Macedo, deu 10$.
V. Ex.ªs sabem por certo quem é êste cavalheiro.
É, nem mais nem menos do que o administrador do concelho e oficial do registo de Celorico de Basto!
O Sr. Salgado e os Srs. Morais deram 5$ cada um.
Ora o Sr. Salgado é o presidente da câmara municipal e chefe do Partido Democrático local, antigo governador civil de Angra e director do jornal O Povo de Basto.
Os Srs. Morais são funcionários públicos, isto é, nem mais nem menos do que professores!
Figuram entre os subscritores o secretário da câmara municipal e vereadores.
Ora, Sr. Presidente, esta benemerência de funcionários da República e membros do Partido Democrático não daria motivo a reparos dada a moral de certa gente e a indiferença das autoridades da República perante o crime.
Apoiados.
Mas trata-se de uma provocação pública ao crime, que o artigo 483.º do Código Penal pune.
Tal procedimento é vergonhoso e gravíssimo, pois que serve de incitamento aos criminosos, pois que ficam contando não só com a impunidade, mas também com a protecção das autoridades.
Apoiados.
Chamo a atenção do Govêrno para o procedimento dêstes funcionários.
Devem ser punidos rigorosamente.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Ouvi com a devida atenção as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Paulo Cancela de Abreu acêrca do pároco de Melgaço e da igreja de Triana.
Devo dizer à Câmara que o ilustre Deputado não tem razão nas suas considerações pois deve dizer que o pároco exorbitou das suas atribuïções, chegando a dizer no púlpito aos paroquianos que não deviam votar nos bandidos dos republicanos, mas sim nos católicos.
Por êsse motivo, êle, orador, tinha forçosamente de aplicar a lei que é bem expressa no seu artigo 48.º
Foi o que fez.
Apoiados.
Quanto à igreja de Triana deve dizer que essa igreja há muito não tinha culto e a comissão da Lei da Separação não fez mais do que cumprir a lei.
Apoiados.
O Sr. Cancela de Abreu há-de compreender que não só podia deixar estar a arruïnar um edifício que estava abandonado.
E, assim, procedeu-se conforme as informações das autoridades.
O Sr. Almeida Ribeiro: — O edifício estava abandonado constituindo um montão de ruínas. E também não havia lá nada de valor.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Havia lá obras de Damião de Góis, que me parece que pelo menos tem valor histórico.
A prova veio só agora, quando foi eleita a comissão monárquica. Eu invoco o testemunho do Sr. Pedro Ferreira.
O Sr. Pedro Ferreira: — Confirmo o que V. Ex.ª disse.
O Orador: — Com toda a sinceridade fará esta pequena observação: é afectivamente estranho que seja um Deputado monárquico quem levante esta questão, quando os católicos têm os seus representantes no Parlamento.
De resto, se os católicos têm hoje algumas razões de queixa da República, no que toca às liberdades que poderiam usufruir, muito maior motivo de queixa tinham

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da liberdade que lhes era dada pelos monárquicos e que se resumia afinal numa escravidão dourada.
Relativamente ao outro assunto a que o ilustre Deputado fez referência, talvez S. Ex.ª tenha razão para o lamentar, mas êle, orador, crê que não se trata duma questão que diga respeito à sua pasta, e, conseqüentemente, não pode dar a S. Ex.ª qualquer resposta nem ao assunto qualquer solução.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Manda para a Mesa uma proposta de lei relativa à continuação da sindicância que se está fazendo aos Transportes Marítimos do Estado.
Pede para esta proposta a urgência e, aproveitando a ocasião de estar no uso da palavra, dá conhecimento à Câmara de dois telegramas que recebeu do Rio de Janeiro, referentes ao nosso pavilhão na Exposição Internacional Brasileira.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: eu desejava chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça para a situação muito especial em que se encontram os funcionários seus dependentes com respeito às subvenções.
Há três meses que deram entrada no Ministério da Justiça várias reclamações do pessoal dêsse Ministério, sem que até hoje tais reclamações tivessem sido resolvidas.
Êste facto traz como conseqüência uma situação que coloca os funcionários dêste Ministério em condições diferentes das dos outros servidores do Estado, com grave prejuízo para os seus legítimos interêsses.
Chamo para êste assunto a atenção do Sr. Ministro da Justiça e espero que S. Ex.ª empregará os seus bons esforços no sentido de lhe dar, como é mister, uma imediata solução.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: ouvi com toda a atenção as palavras que acaba de proferir o ilustre Deputado Sr. João Bacelar relativamente às reclamações, sôbre a lei das subvenções aqui votada, que os funcionários do meu Ministério apresentaram.
Dessas reclamações, que devem ser talvez em número de setenta, algumas poder-se-iam resolver com certa facilidade, mas outras só poderão ser resolvidas depois dum estudo detalhado da questão, feito pelos serviços técnicos respectivos.
Logo que tive conhecimento de que essas reclamações tinham dado entrada no Ministério da Justiça, eu, que compreendo a situação angustiosa dos funcionários públicos e a justiça que lhes assiste, procurei imediatamente conhecer bem a questão e soube que tinha sido nomeada uma comissão encarregada de dar o seu parecer sôbre todas essas reclamações, e que até a data já o tinha feito sôbre metade das mesmas reclamações.
Em face disso procurei ver qual era, perante a lei, a minha função relativamente a êste assunto.
Tive ocasião de chamar a atenção dos meus colegas em Conselho de Ministros para êste assunto, sendo concordes todos os meus colegas em que a comissão central devia organizar um relatório em que concretizasse a sua opinião.
Depois disso o Govêrno procederia como fôsse de justiça.
Não podia eu, pela pasta da Justiça, resolver de uma determinada maneira, certo assunto, quando outro colega resolvesse um caso idêntico por outra forma, porque tinha um critério diferente.
Nestes termos estaríamos constantemente em face de novas reclamações dos funcionários.
Pela forma que a lei estabelece, unifica-se a resolução a tomar pelas diferentes pastas.
O Sr. João Bacelar (interrompendo): — Eu precisava que V. Ex.ª me dissesse: primeiro, se essa comissão central vai julgar apenas as petições que estão para julgar ou aquelas que já foram atendidas pelo anterior Ministro da Justiça.
Em segundo lugar, porque é que se tem procedido de formas diversas para diferentes funcionários?

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O Orador: — Quanto ao caso primeiro, devo dizer que não fui eu quem o resolveu.
Entendo que a Comissão Central, deve chamar a si todas as reclamações, e dar-lhes o seu parecer para que depois o Sr. Ministro resolva.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
É aprovada a acta.
São concedidas as seguintes licenças:
Ao Sr. Tavares de Carvalho, dois dias.
Ao Sr. António Maia, três dias.
Ao Sr. José Vilhena, dez dias.
Foi aprovada a urgência para a proposta do Sr. Ministro do Comércio.
Admissões
São admitidas as seguintes preposições de lei:
Propostas de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, criando um novo fundo consolidado de dívida pública, liberado em libras esterlinas, com juro de 6 1/2 por cento.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo, isentando das disposições do decreto n.º 8:439, de Outubro de 1922, a exportação dos livros editados em Portugal.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo, permitindo a importação temporária de cascaria estrangeira, quando destinada à exportação de uvas, mostos, vinhos e seus derivados.
Para a comissão de comércio e indústria.
Do mesmo, considerando canceladas as fianças prestadas nas alfândegas, conforme as ordens de entrega de mercadorias da carga dos navios ex-alemães.
Para a comissão de negócios estrangeiros.
Do mesmo elevando a 1$, a quantia de $30, abonada, como gratificação, aos mandadores do tráfego das alfândegas.
Para a comissão de finanças.
Projecto de lei
Dos Srs. Francisco Cruz, Bernardo de Matos e Lúcio C. Martins, autorizando o Sr. Ministro da Agricultura, a ceder ao da Guerra, para a construção da Escola de Tomar, 350 metros cúbicos de madeira.
Para a comissão de guerra.
ORDEM DO DIA
Continuação do debate político
O Sr. Morais de Carvalho: — De harmonia com o Regimento, começo por ler e mandar para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, reconhecendo que a declaração ministerial, no tocante ao ensino religioso, em colégios e estabelecimentos particulares, não satisfaz, mormente depois das explicações do Sr. Presidente do Ministério, ainda às mais instantes reclamações da consciência católica, da quási unanimidade dos portugueses, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 17 de Janeiro de 1923. — Morais de Carvalho.
Sr. Presidente: tendo usada da palavra em nome dêste lado da Câmara o ilustre leader, Sr. Conselheiro Aires de Ornelas e o meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva, estava bem longe de supor que tinha de intervir no debate...
Pausa.
O Sr. Presidente: — Peço à Câmara silêncio para eu poder ouvir o orador.
O Orador: — Encontrando-nos em face de um Govêrno por assim dizer, moribundo, como se verifica com a falta de número à sessão de ontem, em que a maioria não compareceu entendendo que podia deixar de dar ao Sr. Presidente do Ministério e a todo o Govêrno a solidariedade de que êle carecia para se manter nas cadeiras do poder.
Apoiados.
Mas para acabar de liquidar o actual Ministério, bastaria a notícia que hoje veio a público, no jornal O Século, de que o projectado empréstimo português, em ouro, cuja proposta o Sr. Ministro das Finanças há poucos dias apresentou à Câ-

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mara, já estava anunciado no Brasil em termos e em condições que são ainda desconhecidos do Parlamento Português, como se porventura o Govêrno tivesse a faculdade de lançar empréstimos, sem a prévia consulta do Parlamento.
Apoiados.
Lançando no estrangeiro as bases de um empréstimo, descontando antecipadamente o voto de Parlamento, o Govêrno não fez mais do que desconsiderar êsse mesmo Parlamento.
Apoiados.
O facto é tam extraordinário que a notícia que hoje vem a público, ainda me parece inacreditável, e tanto que só poderei crer na sua veracidade desde que ela tenha a confirmação por parte de qualquer dos membros do Govêrno.
Parece que a confirmar-se tal notícia o Estado Português iria receber não libras, mas escudos, à razão de 40$ por libra, ficando por êles devedor à razão de 100$ ou mais, se o câmbio se agravar.
Mas, Sr. Presidente, não foi pròpriamente para tratar em toda a sua amplitude do debate político que eu pedi a palavra.
De tal assunto já se ocuparam e brilhantemente os meus ilustres correligionários Aires de Ornelas e Carvalho da Silva.
A minha intervenção no debate foi provocada principalmente por algumas pretensas explicações dadas pelo Sr. Presidente do Ministério.
E não estranhe V. Ex.ª, Sr. Presidente, e não estranhe a Câmara que a moção que eu tive a honra de enviar para a Mesa, se restrinja exclusivamente à questão do ensino religioso, visto a generalidade da declaração ministerial já ter sido apreciada quando da apresentação do Govêrno à Câmara.
A questão do ensino religioso é neste momento a da maior acuïdade política.
Apoiados.
Sr. Presidente: todo o país ao ler a passagem da declaração ministerial que se refere ao ensino religioso nos colégios e estabelecimentos de ensino particulares, ficou com a impressão de que o Govêrno queria com ela significar o seu propósito de se ocupar presentemente, dessa questão.
Foi a interpretação que lhe deu toda a gente.
Levantou-se depois disso, a tal propósito, grande celeuma, aqui e na imprensa.
O Sr. Leonardo Coimbra, em face da hostilidade que lhe moveram a Associação do Registo Civil e a Maçonaria, viu-se obrigado a pedir a sua demissão.
E o chefe do Govêrno que era responsável como S. Ex.ª, ou ainda mais responsável pela inserção de tal princípio na declaração ministerial, quando viu levantarem-se contra si, em alta grita, os seus correligionários, em vez de seguir o único caminho que tinha a seguir, a demissão colectiva do Gabinete, preferiu deixar-se ficar nas cadeiras do poder.
E como na última sessão o meu ilustre amigo Sr. Carvalho da Silva tivesse apertado o Sr. Presidente do Ministério com preguntas precisas, para que S. Ex.ª definisse a orientação do Govêrno, em face do problema do ensino religioso, e como também o Sr. Leote do Rêgo na moção que enviou para a Mesa, tivesse estabelecido a doutrina que o Sr. Presidente do Ministério não podia deixar de aceitar porque se o não fizesse claramente repudiaria declarações que pùblicamente havia feito, o chefe do Govêrno colocado entre a declaração ministerial e a atitude da maioria dos seus correligionários, não hesitou: vai-se à declaração e na frase definitiva que nela se encontra olha apenas a primeira parte, passa por cima da segunda e declara de não tem de apreciar se é ou não constitucional a questão do ensino religioso.
Com franqueza, eu não sei como classificar um tal procedimento.
S. Ex.ª não quere que a isto se chame prestidigitação e eu que não quero ser desagradável ao ilustre homem público, não lhe chamo prestidigitação...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Habilidade, é o nome.
O Orador: — Efectivamente parece tratar-se duma habilidade, mas habilidades desta natureza não são de molde a aumentar o prestígio de que se deve cercar sempre o poder.
Eu pedi especialmente a palavra, Sr. Presidente, para deixar bem registada a declaração do Sr. Presidente do Ministério, em face das observações feitas pelos cor-

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religionários de S. Ex.ª, isto é, sôbre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ensino religioso nos colégios particulares.
Sr. Presidente: eu devo dizer em abono da verdade que me não surpreendeu a atitude do Sr. Presidente do Ministério; e logo no primeiro momento que o assunto foi trazido a esta Câmara, o meu ilustre amigo e correligionário, o Sr. Aires de Ornelas, teve ocasião de dizer que dentro da República não haveria forma alguma de dar satisfação a essa justa reclamação dos católicos.
Sr. Presidente: eu não peço explicações ao Sr. Presidente do Ministério, pois mesmo que as pedisse eu estou convencido de que nós ficaríamos menos esclarecidos do que estamos, tanta é conhecida a habilidade de S. Ex.ª, pois, a verdade é que quando pretende esclarecer qualquer assunto, mais o obscurece.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Morais de Carvalho.
Foi lida, admitida e posta em discussão.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: ùnicamente por uma questão de consideração para com o ilustre Deputado o Sr. Morais de Carvalho, pedi a palavra. De facto nada tenho a acrescentar às considerações que já fiz relativamente ao assunto.
S. Ex.ª pouco ou nada acrescentou ao que primitivamente havia dito, tendo usado da palavra ùnicamente para ter ocasião de mandar para a Mesa a sua moção, tanto mais quanto é certo que eu já declarei que o Govêrno estava de acordo com a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Leote do Rêgo, visto que ela satisfaz completamente os desejos em que o Govêrno está de cumprir o que se encontra exarado na declaração ministerial.
Sr. Presidente: na declaração ministerial não se encontra compromisso algum sôbre o assunto, devendo a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do mesmo ser considerada pelo Congresso.
A respeito de se incluir na declaração ministerial qualquer afirmação do Sr. Leonardo Coimbra, devo dizer que se não procedeu assim, visto tratar-se dum problema que estava em estudo o para o qual se procurava a solução mais conveniente.
Não se deviam pôr restrições, dando assim ensejo a todos aqueles que queiram perturbar o nosso sistema político.
Não se diria dessa maneira que havia o desejo, não de desrespeitar a esfera de acção dos católicos, mas qualquer imunidade existente até então, a propósito dalguma providência que se tomasse relativamente ao ensino congreganista, ou que afectasse as congregações religiosas que dentro das leis são permitidas.
Êsse problema não poderia ser considerado senão em ocasião oportuna, visto esta Câmara não ter poderes constituintes.
Sôbre a oportunidade de tratar dêste assunto é que no Ministério divergiam as opiniões.
O Sr. Leonardo Coimbra entendia que era urgente resolvê-lo imediatamente, com o que aliás não concordavam todos aqueles que não consideravam constitucional qualquer projecto de lei tendente a resolvê-lo fora das bases estabelecidas na Lei de Separação.
Têm esta opinião aqueles que dentro desta casa entendem que a Constituïção derrogou o artigo 170.º da Lei de Separação.
Portanto, eis a questão posta em toda a sua simplicidade, sem ofender a minha consciência.
O problema seria versado no Congresso da República, numa questão ampla, aberta, não obrigando quem quer que fôsse.
O Sr. Morais de Carvalho (Interrompendo): — Mas então a que visava a declaração ministerial nesse ponto?
O Orador: — Visava a dar ensejo a que o problema fôsse versado, pois que o Sr. Leonardo Coimbra enfileirava ao lado dos que entendem que o problema pode ser tratado nesta Câmara.
De resto, aqueles que estão persuadidos de que a inclusão de quaisquer palavras na declaração ministerial representa um compromisso, enganam-se.
É um êrro. Essa referência na declara-

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ção ministerial não representa compromisso algum.
Foi versado nas gazetas a interpretação do termo «laico», mas devo dizer que era apenas uma questão de redacção. Assim pensam todos os que não querem a sociedade portuguesa perturbada.
Temos de atender aos interêsses da quási totalidade dos cidadãos e nesta altura era inconveniente que se levantasse qualquer celeuma.
Bem basta aqueles que para fins inconfessáveis sempre vislumbram um bom ensejo de modificar a nossa situação económica e financeira, sem que antecipadamente se conheça qualquer plano.
É curioso observar como êles se agarram a tudo, metendo-se em todos os cantos, procurando arranjar ambiente propício a especulação, tentando iludir nesse regime de almocreve de petas e inventando divergências entre pessoas, fazendo afirmações corroboradas com a sua palavra do honra, fazendo tudo, enfim, para perturbar, a propósito da apresentação de quatro Ministros.
Jamais no Parlamento houve tal debate principalmente nesta altura da crise em que nos encontramos.
São os ambiciosos que põem, acima dos Interesses superiores da República, os seus interêsses próprios, esquecendo os seus deveres.
Bem sei que é realmente desagradável para muita gente estar à espera de marcar lugar na bicha para vir para estas cadeiras.
Entendo que o regime nada ganha com isto e, se eu formei quatro governos, não foi pelo desejo de o fazer.
Julgo haver uma maneira fácil de resolver a questão política.
Se há alguém que está ansioso por governar, é pôr a questão nos seus termos e dizer o seu ponto de vista.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, meu velho amigo e antigo republicano, não é sempre feliz nas expressões que emprega.
S. Ex.ª falando de fins inconfessáveis, acaba de referir-se a pessoas que, tendo assento nesta Câmara, tratam lá fora de questões que podiam tratar aqui.
Faço justiça a S. Ex.ª de julgar que foi ùnicamente uma expressão infeliz, e não se trata de ofender pessoas que aqui e lá fora têm tratado S. Ex.ª com a mesma consideração a que tem direito e que tratam aqui e lá fora os assuntos com a mesma elevação.
É para lastimar que o Sr. Presidente do Ministério, sempre cuidadoso em repelir quaisquer palavras que lhe dirigem, viesse falar em intuitos inconfessáveis, tendo a obrigação de ter pelos outros a consideração e respeito que êles têm para S. Ex.ª
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: quando entrei na sala disseram-me que o Sr. Presidente do Ministério se tinha referido a Deputados que eram também jornalistas, pondo nas suas palavras alguma ironia.
Só compreendi a ironia apontada quando ouvi falar o Sr. Nuno Simões.
Compreendi então que o Sr. Presidente do Ministério tinha aludido a intuitos inconfessáveis de pessoas que tendo assento nesta Câmara eram simultâneamente jornalistas e em lugar de deixar para o Parlamento as suas críticas as faziam nos jornais.
É claro que como jornalista não tenho de dar satisfações sôbre o modo como redijo o Século e só tenho a lastimar o modo como se pretende meter a fouce em seara alheia.
Seja-me lícito dizer que na crítica que fiz à proposta do empréstimo apresentado pelo Sr. Ministro das Finanças eu não pus em dúvida a honorabilidade do Sr. Ministro das Finanças; e, quando sem meu conhecimento foram escritas palavras no Século, que podiam ferir S. Ex. a, mandei riscá-las porque não as perfilhava. E devo dizer se quisesse tirar ilusões de factos que conheço podia classificar de mau intuito a apresentação de uma tal proposta. Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.

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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: os Srs. Nuno Simões e Cunha Leal acabam de declarar que não têm de dar satisfação do modo como fazem as suas críticas como jornalistas.
Não vejo a razão por que S. Ex.ªs tiveram de dizer tais palavras, quando eu não proferi palavras que pudessem significar diferença entre a nobreza de procedimento de S. Ex.ªs aqui ou lá fora.
Àparte do Sr. Nuno Simões que não pôde ser ouvido.
O Orador: — Continuando, direi que não abdico do direito de dizer que aqueles que aqui têm assento podem fazer aqui a crítica que fazem lá fora.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Se V. Ex.ª o deseja, proponho-me tratar em negócio urgente o assunto da proposta que foi apresentada a respeito do empréstimo.
Àpartes.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito. Vai proceder-se à votação da moção do Sr. Leote do Rêgo.
Leu-se e foi aprovada.
É a seguinte:
A Câmara constatando pelas declarações já feitas pelo Presidente do Govêrno, que se propõe realizar integralmente o programa contido na declaração ministerial de 11 de Dezembro último, passa a ordem do dia.
Sala das sessões, 25 de Janeiro de 1923. — Leote do Rêgo.
A requerimento do Sr. Cancela de Abreu procedente à contraprova, sendo novamente aprovado.
Em seguida procede-se à votação dá moção do Sr. Morais Carvalho, sendo rejeitada.
O Sr. Presidente: — Tenho de participar à Câmara a seguinte substituïção numa comissão:
Substituir o Sr. António Albino Marques de Azevedo pelo Sr. Joaquim Narciso da Silva Matos.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Devia entrar agora em discussão o parecer n.º 61, mas, antes, vai ser lida uma carta que foi enviada à Mesa pelo Sr. Estêvão Águas.
Leu-se o pedido do Sr. Estêvão Aguas para ser adiada a discussão do parecer n.º 61 até êle regressar, visto ter de sair de Lisboa durante quatro a cinco dias.
O Sr. Presidente: — Como a Câmara acaba de ouvir ler o Sr. Estêvão Águas pede que seja suspensa a discussão do parecer n.º 61 até S. Ex.ª estar presente; e, assim, vou submeter à votação da Câmara êsse pedido.
O Sr. Pires Monteiro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: tendo a maior consideração pelo ilustre relator do parecer n.º 61, devo dizer, todavia, que não vejo motivo para que a discussão dêsse parecer seja suspensa, pois, estando presente o Sr. Ministro da Guerra, S. Ex.ª pode dar-se por habilitado para discutir o parecer nos termos do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: quere-me parecer que o pedido do Sr. Estêvão Águas não devia sequer ser pôsto à votação, pois é contra o Regimento.
Tenho dito.
O Sr. Jaime de Sousa (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: parece-me que seria um péssimo precedente a aprovação do pedido do Sr. Estêvão Águas, porque, para demorar a discussão de qualquer parecer, bastaria o seu relator alegar ausência nesta Câmara por falta de saúde.
Acaba de ser consultado o Sr. Ministro da Guerra e S. Ex.ª declarou que acha conveniência no projecto.
Portanto não acho que a ausência do respectivo relator impeça a discussão do parecer.
É isto o que está no ânimo de todos e no do Sr. Ministro, além do que, tal facto, seria um péssimo precedente, como já disse.
Tenho dito.
O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: — Não posso deixar de pôr à votação o pedido do Sr. Estêvão Águas.
Pôsto à votação, foi rejeitado.
O Sr. Artur Brandão: — Requeiro a contraprova.
Foi novamente rejeitado.
O Sr. Álvaro de Castro: — Protesto contra o precedente que se estabelece de qualquer membro da Câmara fazer pedidos dessa ordem à Presidência.
O Sr. Presidente: — Vai continuar em discussão o parecer n.º 61.
Continua no uso da palavra o Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Quando numa das passadas sessões, começou a discussão do parecer n.º 61, tinha êle, orador, dito que o projecto destinado a permitir que aos oficiais do exército fôsse concedida licença ilimitada, teria de certo objectivo diverso, visto que já pela legislação actual lhes era concedida essa situação.
Efectivamente, não só na organização de 1911, mas nas posteriores, se estabelecia a situação de licença ilimitada para os oficiais do exército.
Dizia então o orador que algum outro objectivo o projecto teria; e êsse não podia ser senão o de alterar as condições em que a concessão dessa licença se pode fazer.
No tocante às condições da concessão de licença ilimitada aos oficiais do exército, está certo de que o projecto será perfeitamente claro para os parlamentares que são oficiais do exército; não o são, porém, para o orador que não tem a honra de pertencer ao exército, como o não são, de certo, para muitos outros Srs. parlamentares que, por felicidade nossa, também não são oficiais do exército.
Os termos em que o projecto está redigido dão lugar a dúvidas. Está convencido de que o Sr. relator fàcilmente os elucidaria.
Em face de alguns artigos citados pelo orador, como o artigo 2.º do parecer da comissão de guerra, o § 2.º do artigo 461.º da organização de 1911, e o artigo 962.º da mesma organização que regula as licenças e a lei n.º 20 de Julho de 1913, o orador tem a impressão de que uma cousa é a situação de adido e outra a de licença ilimitada.
É possível que não haja razão para as suas dúvidas, porque êle, orador, não presume do sciência certa, de sciência que não tem sôbre legislação militar; mas como parlamentar, que não é militar, qualidade negativa em que o acompanha muita gente no seu país, considera-se no direito de provocar da parte dos Srs. parlamentares que conhecem melhor o assunto do que o orador, alguns esclarecimentos a êste respeito.
Tendo-se feito no projecto inicial, referência a oficiais na situação de licença ilimitada, não sabe para que no projecto da comissão estão as disposições do artigo 2.º
Há uma dúvida no texto do artigo 3.º do projecto.
Êle não diz desde quando se contam as vacaturas. Contam-se desde que requererem, mas é isto que não está no projecto.
É possível que haja outros textos que esclareçam êste ponto; mas como êle, orador, os desconhece, deseja que algum dos parlamentares que são oficiais do exército, o possa esclarecer e a toda a Câmara.
O orador analisa detidamente as disposições restantes do projecto em discussão, e conclui.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas
taquigráficas.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: embora prestando a minha homenagem ao Sr. Almeida Ribeiro, cujas qualidades de trabalho, de estudo e de carácter toda a Câmara aprecia, solicito de V. Ex.ª o obséquio de pedir a S. Ex.ª que explique uma frase que produziu no decurso da sua oração), e que eu, como oficial e como chefe do exército tenho o direito e o dever de levantar.
Apoiados.
O Sr. Almeida Ribeiro, quero crer que sem intenção desprimorosa, proferiu a seguinte frase, que registei textualmente:
«Como não tenho a honra de ser oficial do exército e, felizmente para o País,

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a maioria dos portugueses também a não tem...».
Como V. Ex.ª compreende, estas palavras magoaram-me pessoalmente, e muito mais ainda como chefe do exército. Espero, pois, que o ilustre Deputado as explique, sem o que me não julgo em condições de poder entrar na discussão.
Tenho dito.
O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — Sr. Presidente: eu disse que não era oficial do exército, que não tinha essa honra, que não pertencia ao exército, como, felizmente, não pertence a maior parte do País. Disse-o e mantenho inteiramente essa afirmação. Se os 6 milhões de habitantes que Portugal tem fossem estipendiados como oficiais, como praças de pré ou, porventura, como funcionários civis de qualquer ordem ou categoria, calcule V. Ex.ª, calculem os oficiais que fazem parte desta Câmara, que calamidade não seria!
Passaríamos a viver inteiramente fora da vida económica e social para fazermos apenas vida militar. Não quis dizer que a vida militar seja dispensável, calamitosa. O que seria calamitoso é que todo o País ou a parte que não pertence ao exército, o pertencesse, porque desapareceria toda a produção, todos os recursos, incluindo aqueles que mantêm o próprio exército, pois que êle não vive de si próprio.
Foi êste, ùnicamente, o sentido das minhas palavras.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: esperava do ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro as explicações que S. Ex.ª acaba de prestar, mostrando que as suas palavras não envolviam, qualquer desprimor para com o exército. Devo, porém, lembrar a S. Ex.ª que, vivendo no regime de nação armada, a parte válida do País deve pertencer ao exército.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Bastos: — Sr. Presidente: não pude acompanhar todas as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, por isso que tive que, durante a maior parte do seu discurso estudar uma parte importante dessas considerações.
S. Ex.ª — e desculpe-me o ilustre Deputado as minhas palavras, que não procuram ser desprimorosas — não simpatiza, evidentemente, com os oficiais do exército e com o nosso exército; tanto assim que veio aqui fazer a afirmação de que, felizmente para todos nós, a maior parte do País não pertence ao exército.
Isso, porém, já está esclarecido, como aliás era de esperar; mas S. Ex.ª julgou ver qualquer cousa de misterioso, de cabalístico, de sibilino na questão de oficiais adidos por se acharem de licença ilimitada.
Julgo que, dizendo o que diz a lei, talvez explique tudo. A reforma de 1911 não veio derimir o que havia já determinado na lei anterior, e por isso fala em adidos como cousa corrente, que já se sabe o que é. Isso consta da lei de 1901 no seu artigo 8.º
De forma que os oficiais que estão com licença ilimitada são oficiais adidos aos quadros, porque são oficiais que, estando na efectividade de serviço, podem a todo o momento ser chamados a desempenhar os seus cargos militares.
O projecto de lei, agora em discussão, talvez não seja um projecto de grande efeito nos propósitos que o seu autor teve em vista, mas, no emtanto, é um projecto que deve merecer a simpatia da Câmara porque tem por fim justamente conseguir, em doses muito pequenas, aquele objectivo que o Sr. Almeida Ribeiro deseja, que é a economia.
Sr. Presidente: os oficiais na situação de licença ilimitada não podem voltar à efectividade senão no fim de seis meses, mas como presentemente e como conseqüência da guerra ùnicamente, o que sucede em todos os países...
O Sr. Almeida Ribeiro: — Nem em todos, porque alguns desmobilizaram.
O Orador: — Também em Portugal se desmobilizou, porque a maioria dos oficiais que foram chamados à efectividade do serviço desmobilizaram, e outros voltaram às suas situações anteriores. Mas a questão é que em todos os exér-

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citos, em tempo de guerra, se fazem mais promoções do que aquelas que se fazem no tempo normal, mesmo por conveniência de serviço.
Ora, como dizia, presentemente os quadros estão excedidos, mas, por outro lado, em virtude de disposições aqui tomadas nesta Câmara, as promoções estão paradas e, por estas razões, sucede que, quem fôr para a licença ilimitada, fica como que demitido do exército, porque nunca mais é chamado. Nestas condições, muitos oficiais que têm interêsse em ir para a vida civil ocupar determinadas situações, mas que ainda receiam dos resultados da mudança dessas situações, não pedem licença ilimitada. Ora o que teve em vista o autor dêste projecto de lei, que é o Sr. Eugénio Aresta? (E devo dizer que eu não figuro neste projecto de lei de nenhum modo). O autor dêste projecto de lei teve em vista facilitar a entrada dêstes oficiais quando estejam de licença ilimitada, a fim de também lhes poder facilitar a saída.
Apoiados.
Está perfeitamente de harmonia com a parte que não foi ainda alterada da lei de 1901.
Sr. Presidente: eram estas as explicações que eu entendia dever dar à Câmara e especialmente ao Sr. Almeida Ribeiro.
S. Ex.ª fez outras considerações a que não pude atender, porque tive de procurar a lei a que acabo de me referir, na parte que me interessava, tanto mais que é uma lei a que está ligada a minha responsabilidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra, em primeiro lugar, para agradecer ao ilustre Deputado, Sr. Pereira Bastos as explicações que acaba de dar-me.
Como pela organização de 1911, o artigo a que me referi, n.º 471, § 2.º, parecia ser êle por si só a definição de oficiais supranumerários e adidos, tendo havido o cuidado em fazer imprimir em itálico êstes dois adjectivos, imaginei pelo menos possível a dúvida sôbre se além disto mais alguma cousa haveria a definir.
Em segundo lugar, feito o meu agradecimento, devo pedir ao Sr. general Pereira Bastos um obséquio que é o seguinte:
S. Ex.ª já duma outra vez, intervindo eu numa discussão a respeito de cousas militares, me atribuiu intuitos que não tinha nem tenho.
O Sr. Pereira Bastos: — Não atribuo a V. Ex.ª intuitos que possam ficar-lhe mal.
O Orador: — O Sr. general Pereira Bastos disse que eu não sou das pessoas que simpatizam com o exército.
Ora nas minhas palavras não há nada que denuncie uma sombra sequer de antipatia pelo exército.
Eu tenho tanta simpatia pelo exército, quanta pode tê-la um paisano.
Tenho a noção clara de que o exército tem uma função necessária, não sendo única, manifestamente, porque as praças de pré também são alguma cousa e sem elas não há exército.
Como é que nega S. Ex.ª, que é uma pessoa inteligente, como é que tendo eu esta noção, que me parece clara, poderia eu ter antipatia pelo exército?
De maneira nenhuma.
Se eu tivesse essa antipatia provàvelmente, declararia a desnecessidade ao exército.
Há na cultura actual, contemporânea, espíritos que não podemos dizer que sejam absolutamente desequilibrados, pessoas que sejam absolutamente taradas, que sustentam a desnecessidade do exército; ora se eu tivesse realmente aquele sentimento que S. Ex.ª o Sr. Pereira Bastos me atribui, se realmente sentisse antipatia pelas cousas militares, naturalmente tinha êsse refúgio fácil a que apelar, para sustentar uma doutrina que tanta gente apregoa e que já apregoavam na minha mocidade.
Mas não há essa antipatia; o que desejo apenas é que o exército, como necessário que é à vida da nação, à sua integridade, mesmo à sua cultura, se integre, se harmonize tanto quanto possível com a própria nação.
Foi por isso que eu já tive ocasião de lamentar que a seguir a 1913 deixassem de publicar-se no Diário do Govêrno as Ordens do Exército, com o pretexto de que isso era uma despesa inútil.

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E levou-se êsse critério tam longe, que alguns diplomas fundamentais, orgânicos da vida militar, deixaram de ser publicados no Diário do Govêrno.
Na primeira ocasião em que isso me foi possível insisti com o Sr. Ministro da Guerra, de quem tinha então a honra de ser colega, afirmando que era necessário que o exército se não desirmanasse da Nação, se não conservasse numa casa fechada, de modo que ninguém soubesse o que lá se passava dentro, e que era necessário que o acompanhássemos em toda a sua vida.
Isto durou até 1916 ou 1917, data em que o Sr. Ministro da Guerra, de então, Sr. Norton de Matos, deu ordem para que daí por diante se fizesse a publicação no Diário do Govêrno das Ordens do Exército.
O pensamento que presidiu a essa minha intenção, em cousas militares, foi esta, precisamente esta.
Ora já V. Ex.ª vê que, se entende necessário que a nação se interesse pela vida do exército, não podia ter por êle nenhum sentimento de antipatia.
Desejo ser esclarecido, intervenho, sim, nos assuntos militares, mas ùnicamente por que êsses assuntos me interessam como português.
Antipatia nenhuma; fique V. Ex.ª certo disso.
E em qualquer outra discussão que aqui tenhamos, peço a V. Ex.ª que não me atribua tam ligeiramente sentimentos que não professo, porque, se os professasse, tê-los-ia exprimido duma maneira clara e inequívoca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: apenas meia dúzia de palavras, tanto mais que não tenho a honra de ser oficial do exército, para emitir a minha opinião sôbre o projecto que se discute.
Tenho ouvido combater êste projecto com o fundamento de que êle pode acarretar despesas para o Estado. Não me parece que assim aconteça; porque se a despesa é grande com o regresso dos oficiais com licença ilimitada ao serviço efectivo, essa despesa muito maior será se êsses oficiais não puderem regressar ao exército.
Além disso isto parece vem remediar uma injustiça; porque a licença ilimitada é a mais moral de todas as licenças dos oficiais do exército. Para o oficial que quere procurar, fora do serviço militar meios de ganhar a vida e honestamente não quere prejudicar o Estado, o único caminho que tem é a licença ilimitada. Senão fôr êsse o intuito e quiser vir para fora do serviço militar arranjar qualquer colocação pede uma licença registada e durante os primeiros três meses ganha o seu sôldo;
Os oficiais do exército que estão na situação de licença registada podem voltar ao serviço: e àqueles que estão com licença registada não lhes é permitido o seu regresso ao exército. Em situação diferente se encontram os oficiais milicianos dos oficiais de carreira. Nestas condições, êste lado da Câmara, não dará o seu voto a êste projecto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Ligeiras considerações desejo fazer sôbre o projecto em discussão e, sendo minha intenção apresentar uma emenda ao artigo 3.º e dois artigos novos, aproveito a discussão na generalidade para justificar o meu ponto de vista neste assunto.
Todavia; quero primeiramente agradecer ao Sr. Almeida Ribeiro, meu ilustre colega nesta Câmara, as homenagens que endereçou aos militares parlamentares, demonstrativas essas suas palavras, sinceras e proferidas com o cuidado que S. Ex.ª põe em todas as afirmações produzidas, da alta consideração que o exército lhe merece, o que me lisonjeia por partirem dum parlamentar tam respeitado e dum jurisconsulto considerado pela reflexão e estudo que dedica a todos os assuntos.
Os meus agradecimentos pois, pela parte que me cabe nessas homenagens, visto ser oficial do exército, embora de modesta actividade.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — O exército não pode viver diferenciado da Nação.
Um exército moderno é uma emanação da própria Nação.
Apoiados.

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Diz um general e distinto escritor militar que se há exemplos de batalhas, que têm sido ganhas sem generais, ou apesar dos erros dêstes, não consta no emtanto que tenha havido vitórias só com generais, e sem o esfôrço dos soldados. Reproduzindo estas palavras evidencio que o espírito de casta não me domina; São velhas teorias, que um oficial moderno, mesmo de rudimentar cultura, não perfilha.
Agradeço, pois, ao Sr. Almeida Ribeiro os momentos de satisfação que me deu, sendo-me grato registar que espírito tam culto como o de S. Ex.ª tem uma idea tam lisonjeira do exército.
Êste projecto, Sr. Presidente, está sendo discutido na generalidade, e conforme o Regimento desta Câmara preceitua, a generalidade refere-se à sua oportunidade e conveniência.
Se é verdade, Sr. Presidente, que muitos projectos têm sido apresentadas nestas condições, não menos certo é que a oportunidade e conveniência dêste projecto é indiscutível.
Sr. Presidente: é um facto que há um grande excesso de oficiais, assoberbando todos os exércitos que entraram na Grande Guerra, todos os exércitos que tiveram de elevar o seu efectivo de paz para o efectivo de guerra e até aqueles exércitos que só procuraram assegurar e fazer respeitar a sua neutralidade.
Êste projecto, Sr. Presidente, é duma manifesta conveniência e oportunidade, não tendo como objectivo interêsses particulares ou mesmo exclusivamente interêsses do exército, mas procurando atender a interêsses que, com razão, poderemos classificar de interêsses nacionais.
Por êste projecto os oficiais poder-se-hão dedicar a outro ramo de actividade, favorecendo assim o Estado e a economia nacional, deixando de pesar no orçamento do Ministério da Guerra.
Êste projecto, Sr. Presidente, é, a meu ver, duma grande conveniência e oportunidade, se bem que outros aqui tenham sido apresentados de igual carácter, mas que infelizmente ficaram entregues ao estudo das comissões e daí jamais saíram.
Não me refiro, Sr. Presidente, a alguns projectos de lei, conseqüentes do meu estado consciencioso das circunstâncias de momento e que a comissão de guerra não julga oportunos ou de urgência.
Projectos que convertidos em lei tornariam inútil o actual projecto, que tantos reparos suscita.
Refiro-me sim, nesta ocasião, pela analogia dos seus intuitos, ao projecto de lei que foi aprovado nesta casa do Parlamento, rejeitado pelo Senado e que nunca mais foi apreciado nos termos do artigo 34.º do nosso Estatuto Fundamental: é o projecto de lei do Sr. Plínio da Silva meu ilustre camarada e que há dois anos — há dois anos! — viu a gravidade do problema que se tem agravado e com inteligência e decisão procurou resolvê-lo.
Êsse projecto atende directamente ao problema do congestionamento dos quadros e resolve-o ou apresentava a solução eficaz.
O projecto em discussão procura por uma maneira indirecta alcançar o mesmo objectivo. O projecto do Sr. Plínio da Silva era uma tentativa rasgada e embora divirjamos dos seus detalhes, o que não é ocasião de salientar, muito desejaríamos vê-lo transformado em lei do País.
Eu, Sr. Presidente, quando se discutir a especialidade, tenciono apresentar dois artigos novos, que terão por fim estabelecer o meu ponto de vista, justificando-os nessa altura mais largamente. Preparei para fazer inserir nesta lei uma disposição da lei de 8 de Julho de 1913 e que o tempo de licença ilimitada se conte para efeitos de reforma numa justa percentagem.
São os dois artigos novos.
O ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro pediu uns esclarecimentos.
Parece-me que S. Ex.ª não ouviu inteiramente as considerações feitas pelo Sr. Pereira Bastos.
Deseja em primeiro lugar saber como é que se conta a terceira vacatura.
Eu, que não tenho a educação jurídica de S. Ex.ª, deduzo, do espírito da lei, que a vacatura se conta desde o momento em que o oficial pediu para ingressar no respectivo quadro.
Actualmente aos oficiais que, estando com licença ilimitada, não encontram aquela predisposição para a actividade civil que julgavam possuir e que requerem o reingresso nos quadros, essa efectividade do serviço só lhes pode ser concedida depois dum ano e quando houver vaga.

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Daí o facto lamentável, por isso que não há vagas, estando quási todos os quadros excedidos, de êsses oficiais estarem numa situação péssima, muitas vezes quási miserável.
Pelo projecto de lei que está em discussão, os oficiais que requeiram vacatura devem ficar como supranumerários, conforme a emenda que apresentarei. Assim evitar-se há um grande factor de desprestígio para o exército.
Creio que o Sr. Almeida Ribeiro não tem mais nenhuma dúvida acêrca do projecto, depois das explicações que, embora eu não seja o relator, julguei da minha obrigação dar a S. Ex.ª
Tenho dito.
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: eu desejava que a comissão de guerra me informasse acerca do parecer que deu sôbre o projecto de lei que veio do Senado e que se refere a um outro projecto que foi apresentado na Câmara dos Deputados em 9 de Fevereiro do 1920.
Como alguns Srs. Deputados a êle se referiram, especialmente o Sr. Pires Monteiro, eu desejava saber o que a comissão de guerra pensa sôbre o assunto, uma vez que tendo sido aprovado nesta Câmara e rejeitado no Senado jaz há bastante tempo na comissão.
Espero que a comissão de guerra me informe onde pára êsse projecto de lei, qual o seu parecer sôbre a forma como o problema foi encarado; e, depois de ouvir as declarações que forem feitas, reservo-me para fazer as considerações que julgar absolutamente necessárias.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Bastos (em nome da comissão de guerra): Sr. Presidente: como não pude dar atenção completa às considerações feitas pelo Sr. Plínio Silva, não sei, portanto, ao certo qual o projecto a que S. Ex.ª se refere; o que posso dizer a S. Ex.ª é que se algum projecto recente está neste momento afecto à comissão de guerra e ainda não foi tratado e estudado, é porque de todo isso não foi possível visto serem muitos os projectos que ali se encontram.
Se foi, porventura, apresentado noutra ocasião e não está neste momento afecto à comissão de guerra, só renovando-se a sua iniciativa a comissão de guerra poderá estudá-lo.
Não sei, declaro-o novamente, qual o projecto a que S. Ex.ª se refere.
O orador não reviu.
O Sr. Plínio Silva: Sr. Presidente: como o Sr. general Pereira Bastos afinal não me elucidou nada, porque, como S. Ex.ª disse, não ouviu as minhas considerações, peço a S. Ex.ª que preste atenção ao que vou dizer e me vá elucidando sôbre o assunto.
Em 9 de Fevereiro de 1920 foi aqui apresentado um projecto que mereceu a atenção de toda a Câmara e que tinha exactamente por fim facilitar a todos os oficiais do exército a sua colocação em qualquer emprego de carácter comercial, industrial ou agrícola, tanto no continente como no ultramar.
Recordo-me muitíssimo bem de que todos consideraram que êsse projecto era,
sobretudo nesse momento, da máxima oportunidade, porque iria descongestionar o excesso de oficiais que havia nos quadros.
Lembro-me até de que nesse momento se disse que êle iria facilitar o problema dos oficiais milicianos, procurando assim resolver-se uma questão que interessava a todo o País.
Lembro-me até bem de que alguns órgãos da opinião pública se referiram a êsse projecto nos termos mais elogiosos.
Êsse projecto foi aprovado na Câmara dos Deputados, transitou para o Senado na legislatura de 1920, e é curioso chamar a atenção da Câmara para o seguinte facto: é que ao passo que para a lei n.º 1:239, conhecida pelo «dilúvio dos coronéis», se foi lançar mão duma disposição constitucional para ser considerado como lei, em virtude de sôbre a aprovação dêsse projecto já terem passado duas sessões legislativas, sôbre o projecto a que me refiro e que foi aprovado em 9 de Fevereiro de 1920 não se procedeu de igual forma, cousa que não compreendo e sôbre a qual até gostava de que o Sr. Almeida Ribeiro, cuja competência nestes assuntos é extraordinária, esclarecesse a Câmara para se saber se êste projecto, que estava nas mesmas condições que a lei n.º 1:239, devia ou não, em virtude do

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disposto na Constituïção da República Portuguesa, pelo facto de terem passado duas sessões legislativas, estar em condições de ser igualmente aprovado.
Devo dizer a V. Ex.ª que não levantei nesse momento a questão por êste único motivo, e peço para isso a atenção dos Srs. Deputados: é que, tendo êste projecto sido destinado aos oficiais do exército, foi no decurso da discussão ampliado à marinha.
Seria talvez oportuno fazer sôbre o assunto uma larga discussão, e ampliá-lo também ao funcionalismo civil.
Entendo que o problema deve ser encarado e estudado para que saia uma lei que permita poder ser extensiva ao funcionalismo público: facilitar que todos os funcionários civis possam também ser colocados em emprêsas de carácter civil e particular, em que passam fixar a sua actividade, descongestionando assim os quadros do funcionalismo.
É um assunto de interêsse que deve ser estudado.
O Senado entendeu dever rejeitar o projecto.
Todavia, alguns Srs. Deputados o confessaram, êste projecto podia resolver a questão.
Uma vez na Câmara dos Deputados, não tendo sido dado parecer, foi convertido em lei, segundo disposição constitucional.
O Sr. Almeida Ribeiro: Não posso de pronto pronunciar-me, porque não sei quais os trâmites seguidos para saber se foi constitucional a publicação do projecto em lei depois de rejeitado pelo Senado.
O Orador: — Estou convencido de que êste problema do funcionalismo tem de ser encarado duma forma geral, tanto o do funcionalismo civil como o do militar.
Têm de ter garantias também os funcionários civis.
Não houve nesse projecto outro interêsse senão o superior interêsse da República. Entendo que o assunto deve voltar à discussão na Câmara.
Uma vez apresentada à comissão de guerra uma proposta, deve a comissão ter por ela a devida consideração, não a pondo de parte.
Uma vez que há um projecto de lei neste sentido e que está entregue à comissão do guerra, espero que a comissão manifeste a sua opinião sôbre o assunto.
Peço a V. Ex.ª para ficar com a palavra reservada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem do dia:
Parecer n.º 61, que regula a concessão de licença ilimitada a oficiais do exército.
Projecto do Regimento interno da Câmara;
Parecer n.º 98 e os que estavam marcados na ordem.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida uma nota do rendimento da taxa militar estabelecida pelo decreto de 2 de Março de 1911, em cada ano, desde que está em execução. — O Deputado, Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja indicado o número de mancebos classificados anualmente, por grupos, nos termos do artigo 391.º do decreto de 25 de Maio de 1911. — Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidos os esclarecimentos seguintes:
1.º Oficiais por categorias, oficiais superiores, capitães e subalternos em serviço em cada unidade do activo e da reserva;
2.º Oficiais por categorias, no estado maior da arma, na situação de licença ilimitada, e adidos prestando serviço noutros Ministérios, incluindo guarda nacional republicana e guarda fiscal;
3.º As indicações dos números anteriores referentes aos oficiais dos serviços;

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4.º Sargentos em serviços nas diversas unidades, discriminando o número de readmitidos;
5.º Oficiais Milicianos, por categorias, em serviço efectivo no exército. — Pires Monteiro.
Expeça-se.
Projectos de Lei
Do Sr. Pedro de Castro, determinando que a abertura solene dos tribunais de justiça seja anualmente no dia 5 do Outubro, em Lisboa no Supremo Tribunal de Justiça; no Pôrto e Coimbra no Tribunal da Relação.
Para o «Diário do Governo».
Dos Srs. Pires Monteiro, Crispiniano da Fonseca e Joaquim Narciso da Silva Matos, excluindo os mancebos em designadas condições do sorteio a que se refere o n.º 2.º do § 3.º do artigo 43.º da lei de recrutamento de 2 de Março de 1911.
Para o «Diário do Govêrno».
Propostas de lei
Do Sr. Ministro do Interior, modificando a lei de 2 de Dezembro de 1910, sôbre concessão de cartas de naturalização.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro do Comércio, mantendo a sindicância a todos os serviços dos Transportes Marítimos do Estado.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de comércio e indústria.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de guerra, sôbre o n.º 375-A, que considera em vigor a lei n.º 1:340, relativa a promoção de oficiais.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 377-D, que estabelece que as percentagens adicionais às contribuïções do Estado, que constituam imposto para os corpos administrativos, recaiam só sôbre contribuïção industrial e predial.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 376-B, que considera técnico o serviço a cargo da Direcção Geral das Contribuïções e Impostos.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 381-B, que autoriza a Câmara de Coimbra a contrair novo empréstimo até 800 contos para conclusão das instalações eléctricas.
Para a comissão de finanças.
Últimas redacções
Do projecto de lei n.º 112, que autoriza o Ministério das Finanças a ceder ao da Agricultura a mata do Lagar do Seminário, concelho de Coimbra.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.º 112, que autoriza o Ministério das Finanças a ceder ao da Justiça o presbitério de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.º 197, que manda aplicar aos militares do exército e da armada que tomaram parte na revolução de 31 de Janeiro as disposições da lei n.º 1:108.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.º 216, que não permite a mistura da amêndoa doce do Algarve com a amarga, nem com a doutras regiões.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.º 358, que aplica a lei n.º 940 aos serviços da aviação da marinha de guerra.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.º 383, que abre um crédito de 4:000. 000$ a favor do Ministério das Colónias, para «Subvenção

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para o caminho de ferro de Mormugão».
Dispensada a leitura da ultima redacção.
Remeta-se ao Senado.
Renovação de iniciativa
Em conseqüência da última dissolução do Congresso da República, não foi discutido nem votado o parecer da comissão de guerra sôbre a reintegração no exército do ex-sargento de infantaria, Carlos Eugénio da Cunha Paredes, como era de toda a justiça, pelos seus serviços prestados ao regime, contando-se-lhe a antiguidade no pôsto de primeiro sargento desde 31 de Janeiro de 1891, nos termos do artigo 2.º da lei de 14 de Maio de 1914.
Deu em tempo a comissão de guerra, como se diz, parecer favorável sôbre êste caso, o qual não foi porém, ainda resolvido por a Câmara não ter podido ocupar-se dele.
Ainda é tempo, todavia, de se fazer justiça a quem a ela tem todo o direito, e por isso eu tenho a honra de renovar a iniciativa do projecto de lei n.º 675-F, da última legislatura.
Sala das Sessões, 12 de Janeiro de 1923. — O Deputado, F. G. Velhinho Correia.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de guerra.
Constituïção de comissões
Caminhos de ferro:
Presidente — Alberto Moura Pinto.
Secretário — Alberto Tôrres Garcia.
Para a Secretaria.
Comissão de finanças:
Substituído o Sr. Nuno Simões pelo Sr. Joaquim Ribeiro.
Para a Secretaria.
O REDACTOR — João Saraiva.

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