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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 43
EM 6 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 44 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
É admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Governo».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Joaquim dê Matos trata do assoreamento do porto de Leixões, pedindo providências, terminando por requerer que entrem em discussão os pareceres n.ºs 280 e 409.
Responde o Sr. Ministrado Comércio (Vaz Guedes).
O requerimento do Sr. Joaquim de Matos é aprovado, depois de usarem da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Paulo Cancela de Abreu e Francisco Cruz.
Continua em discussão o parecer n.º 291 (sindicância aos serviços dos Transportes Marítimos do Estado).
Usam da palavra sôbre o artigo 1.º os Srs. Paulo Cancela de Abreu, que apresenta um aditamento, Moura Pinto e Baltasar Teixeira, que apresenta uma substituição.
O artigo é aprovado, salvo as emendas, sendo rejeitado o aditamento do Sr. Cancela de Abreu.
O artigo 2.º é aprovado sem discussão.
O artigo 8.º é aprovado com uma emenda do Sr. Baltasar Teixeira, com que concordam os Srs. Ministro do Comércio e Almeida Ribeiro, em nome da comissão.
Os artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º são aprovados sem discussão.
O artigo 9.º é aprovado com um parágrafo do Sr. Baltasar Teixeira.
O artigo 10.º é aprovado com um aditamento do Sr. Carlos Pereira, tendo usado da palavra o Sr. Cancela de Abreu.
É rejeitado um artigo novo apresentado pelo Sr. Cancela de Abreu.
O artigo 11.º e último é aprovado sem discussão.
É dispensada a leitura da última redacção.
É aprovado um requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos, para entrar em discussão o parecer n.º 205.
O Sr. Nunes Loureiro requere que na sessão seguinte se mantenha a resolução tomada com respeito aos pareceres n.ºs 409 e 280.
É aprovado o requerimento, tendo usado da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas) apresenta uma proposta de lei, dando a denominação de Jardim Botânico do Dr. Júlio Henrique ao Jardim Botânico de Coimbra.
O Sr. Carlos de Vasconcelos retira o seu requerimento.
É aprovado que a Câmara se faça representar por um dos seus membros no Conselho Superior de Estatística, tendo usado da palavra o Sr. Vitorino Godinho, sendo a comissão de estatística da Câmara que delegará para êsse fim um dos seus membros.
Ordem do dia. — Continua em discussão o parecer n.º 424 (empréstimo interno).
Usa da palavra o Sr. Velhinho Correia.
O debate fica pendente.
O Sr. Vitorino Godinho comunica a constituição da comissão de estatística, e informa que ela nomeou seu delegado ao Conselho Superior o Sr. Constando de Oliveira.
Segunda parte:
Continua a discutir-se o Orçamento.
O Sr. Alberto Xavier, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Carlos de Vasconcelos refere-se à ausência do Sr. Ministro das Colónias (Alfredo Gaspar).
Encerra-se a sessão, marcando-se sessão nocturna.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Proposta de lei. — Pareceres.

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Diário da Câmara dos Deputados
Abertura da sessão às 15 horas e 10 minutos.
Presentes, 44 Srs. Deputados:
São os seguintes:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barros Queiroz.
Viriato Gomes da Fonseca.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais de Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José do Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriquos Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

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Sessão de 6 de Março de 1923
Não compareceram à sessão os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Amaro Garcia Loureiro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou, a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 44 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Leu-se a acta.
Procede-se à leitura do seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Jaime de Sousa, quinze dias.
Do Sr. António Maia, quinze dias.
Do Sr. Marques de Azevedo, dez dias.
Do Sr. Joaquim Ribeiro, oito dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representação
Do pessoal reformado da Companhia dos Tabacos, pedindo para na projectada reforma do contrato se melhorar as suas pensões.
Para a comissão de finanças.
Ofícios
Do Ministério dás Finanças, comunicando que o Conselho Superior de Estatística reúne no dia 14 do corrente, pélas 13 horas, na seda dá Direcção Geral da Estatística, é pedindo, que seja nomeado um representante do Poder Legislativo que assista àquela e outras sessões.
Aprovado e que seja a comissão de estatística quem indique o delegado da Câmara dos Deputados.
Foi indicado o Sr. Constâncio de Oliveira.
Do Ministério da Guerra, pedindo autorização para o Sr. António Maia ser in-

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quirido como testemunha num auto de corpo de delito.
Concedida.
Do Ministério da Guerra, pedindo autorização para o Sr. António Maia comparecer de novo na comissão liquidatária do Corpo Expedicionário Português, para completar o seu depoimento.
Concedida.
Telegrama
Da Câmara municipal de Caminha, sôbre a elevação das percentagens nas contribuições do Estado.
Para a Secretaria.
Admissão
É admitido o projecto de lei do Sr. Ornelas da Silva, promovendo ao pôsto que lhes pertenceria por escala os militares reformados nos termos da lei n.º 1:170, de 20 de Maio de 1921.
Para a comissão de guerra.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Joaquim de Matos: — Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para as considerações que vou fazer.
Tenho em meu poder — e V. Ex.ª, Sr. Presidente, também deve ter recebido — um telegrama dos representantes no Pôr-to das companhias de navegação, a pedir que se tomem providências urgentes e eficazes no sentido de se dragar imediatamente o porto de Leixões, para evitar que se feche por completo à navegação.
Idênticos telegramas recebi também da Câmara Municipal de Matozinhos, da Junta da Freguesia de Leça da Palmeira, dos centros políticos do mesmo local e doutras entidades, revelando todos o alarme produzido no espírito público pelas últimas ocorrências naquele porto, derivadas do estado desgraçado em que êle se encontra.
Quando há dias tive a honra de falar nesta casa, chamando a atenção do Sr. Ministro do Comércio para as avarias causadas nos molhes pelos últimos temporais, estava bem longe de supor que a inutilizar aquele porto existia um outro mal de graves consequências: o seu formidável assoreamento.
Cheguei ontem a Leixões, e aí tive ocasião de apreciar nos seus detalhes o relato dos factos que deram origem a êstes telegramas. Dois grandes paquetes estrangeiros correram o risco de naufragar à entrada daquele porto em virtude do seu grande açoriamento, e várias embarcações ali destinadas têm seguido outro rumo para se não sujeitarem a iguais precalços.
Isto é uma vergonha e um descrédito para o País, a que urge pôr termo imediatamente, sob pena de não entrar mais um navio em Leixões e concorrermos assim para a ruína económica, não só da cidade do Pôrto, como de todo o norte, que bem merece pelas necessidades do seu legítimo desenvolvimento, pela sua população laboriosa e pelas contribuições que paga ao Estado, que os poderes públicos o tratem com maiores disvelos.
A inércia e o desmazelo, em que temos vivido com relação àquele porto, acusam manifestamente por parte dos poderes públicos um verdadeiro crime de lesa-Pátria.
O porto de Leixões é aquele que ao norte, pela sua excelente situação geográfica, se encontra nas melhores condições de canalizar o tráfego marítimo duma grande parte da Espanha e até do centro da Europa.
Pois bem, com a nossa incúria estamos criminosamente contribuindo para que a grande navegação se desvie para portos estrangeiros, como o de Vigo, em detrimento dos sagrados interêsses nacionais.
E preciso acudir quanto antes à situação em que se encontra o porto de Leixões, porque o clamor é geral.
Na cidade do Pôrto, na populosa e trabalhadora vila de Matozinhos e, em geral, em todo o norte do País, as notícias das últimas ocorrências naquele pôrto tiveram felizmente o condão de despertar as respectivas populações para um movimento, não direi revolucionário, mas de protesto e de reclamação, para que os poderes públicos se resolvam um dia a encarar de frente a solução daquele magno problema, que há longos anos se vem protelando, e que é a construção do pôrto comercial de Leixões, com as obras acessórias para segurança do actual pôr-

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to de abrigo, e a sua ligação ferroviária com a rede do Minho e Douro.
Sr. Presidente: bemdito temporal e bemditos sinistros, se porventura conseguirmos obrigar desta vez os nossos homens públicos à solução imediata daquele problema!
Não se diga que há falta de recursos.
Em Portugal há dinheiro para tudo, menos para obras de reconhecida e autêntica necessidade nacional.
E com o porto de Leixões dá-se até o seguinte curioso fenómeno: o Estado, em vez de proporcionar à sua Junta Autónoma os recursos que a habilitem a cumprir a sua missão, cerceia-lhe os próprios rendimentos do seu porto.
Permita-me, Sr. Presidente, que eu leia a tal respeito esta passagem duma entrevista concedida pelo engenheiro Sr. Xavier Esteves, membro da Junta Autónoma, a um jornal da cidade do Pôrto:
«As receitas da Junta não permitem acudir a essas necessidades, porque o Estado há cêrca de um ano arrecada para si a importância das contribuições que a navegação paga em ouro, ficando apenas à Junta a parte antiga cobrada em escudos, o que equivale a dizer que a sua cobrança está já reduzida à vigésima parte».
Ora, Sr. Presidente, isto assim não pode continuar.
À Junta Autónoma das Instalações Marítimas do Pôrto devem pertencer integralmente os rendimentos do rio Douro e do porto de Leixões, a fim de que ela possa fazer face às suas despesas ordinárias e ao encargo do empréstimo que tem de contrair para a construção do porto comercial e de certas obras no rio Douro.
Obrigá-la a executar determinados trabalhos, sem a habilitar com os necessários recursos, não faz sentido, porque é um contrasenso.
Eu sei, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro do Comércio pensa patriòticamente em solucionar êstes problemas e que, em relação nos últimos factos ocorridos em Leixões, não se deixou adormecer.
Sei que S. Ex.ª, logo que delas teve conhecimento, deu instruções para que ali fôsse um ilustre engenheiro e funcionário do seu Ministério, a fim de colhêr informações seguras e providenciar imediatamente.
Mas, antes de regressar, permita-me S. Ex.ª que eu desde já enuncie o que é absolutamente indispensável fazer-se em Leixões, quanto antes:
Dragar imediatamente a sua bacia e, depois, todas as vezes que seja necessário, como se faz constantemente em todos os portos dó mundo nas mesmas condições.
Para V. Ex.ª e a Câmara avaliarem do estado de assoreamento a que chegou aquele porto, não me dispenso de apresentar êste quadro comparativo que vejo num jornal da cidade do Pôrto.
Está assim exposto:
«1.º de Março de 1891. — Muita gente em Leça e Matozinhos presenciando a entrada do primeiro vapor da Mala Real Inglesa no porto de Leixões, onde podem entrar os maiores vapores, ainda que demandassem 60 pés».
«1.º de Março de 1923. — (32 anos depois). Um vapor encalhado à entrada do porto, de 26 pés, e um vapor da Mala Real segue viagem para Lisboa».
Mas, Sr. Presidente, aqui fala-se de um vapor encalhado, de 26 pés, e eu acrescentarei que a Capitania do porto fez já anunciar que não devem entrar navios com mais de 22 pés de calado.
Quere dizer, um têrço do calado daquele vapor da Mala Real que ali entrou em 1891!
Em segundo, lugar, Sr. Presidente, é necessário reparar os estragos feitos pelos últimos temporais e construir o espigão que está projectado no molhe norte daquele porto, de forma a proteger dos ventos de nordeste a sua entrada e, possivelmente, dificultar o arrastamento de areias para dentro da bacia.
Em terceiro lugar construir as docas interinas que hão-de constituir o porto comercial.
Instalados os navios nesse porto interior, não mais correrão o risco de andarem uns contra os outros, como sucede com todos os temporais, nem de arrombarem qualquer molhe, como fez há dias o vapor Figueira, dos Transportes Marítimos do Estado, que naufragou, depois de ter batido contra um deles!

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E, finalmente, eu lembra ao Sr. Ministro do Comércio que se torna inadiável a construção dos caminhos de ferro de Leixões a Contumil e Ermezinde, pois é inacreditável que, construído há mais de 30 anos o porto de Leixões, ainda não tenha ligação ferroviária com a rede geral, estando de mais a mais o, Estado a gastar, só para abastecer de carvão as máquinas do Minho e Douro, mais 600 contos anualmente do que gastaria se estivesse construída aquela linha.
A sua dotação foi já votada pelo Congresso da República segundo uma proposta minha, coma recordei há dias, mas até esta hora não prosseguiu trabalha algum, estando a inutilizar-se o pouco que há feito.
Sr. Presidente: o Estado continua a perder deploràvelmente enormes somas todos os anos e os cominhos de ferro do Minho e Douro, que são da Estado, deixam de arrecadar incalculáveis receitas, não sendo, por isso, para admirar que sejam pavorosos os deficits nas suas contas de administração.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: sôbre as observações que acabou de fazer o ilustre Deputado, devo dizer que estão decorrendo intensamente as deligências necessárias para dalguma maneira se valer aos prejuízos que dos últimos temporais resultaram para o porto de Leixões.
Recebi a primeira comissão de representantes das companhias de navegação, que estão completamente amedrontados pelo facto de entre em pouco os navios, não poderem entrar naquele porto.
Na antevéspera tinha entrado um navio com 27 pés, acontecendo que dois dias depois um outro, que tinha 2 pés de menos, encalhou. Isto quere dizer que o assoreamento se está fazendo constantemente.
Todavia, já tomei providências, mas creio que ficou resolvido trazer ao Parlamento uma proposta dispensando desde já para as bagagens 750 contos que estão inscritos no Orçamento.
Eu sei que à Câmara repugna votar urgências e dispensas do Regimento, o que aliás é igualmente contra os meus princípios, mas desde que se trata dum caso de fôrça maior, eu espero que a boa vontade da Câmara faça com que a proposta passe.
Para terminar, devo dizer que outras cousas interessantes estão em vista, relativamente ao prosseguimento das obras do porto de Leixões, uma das quais é a possível dispensa, por parte do Estado dos 50 por cento das respectivas receitas.
Todavia, é um caso para ser estudado.
Tenho dito.
Q orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Joaquim de Matos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: quero lembrar a V. Ex.ª e à Câmara que está dado para discussão, antes da ordem do dia, o projecto n.º 301, relativo aos bens das igrejas.
Depois dessa proposta ter sido posta em discussão, em virtude dum requerimento feito pelo Sr. Lino Neto, não se poderia alterar a ordem do dia.
Não posso deixar de protestar contra p. uso e abuso de se alterar constantemente a ordem do dia, e creio que no Regimento não há disposição alguma que permita à Mesa fazer essa alteração.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Por minha iniciativa não se altera a ordem do dia; só o farei por deliberação da Câmara.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Levanto também o meu protesto contra o facto de se alterar constantemente a ordem dos trabalhos, e lamento que o Sr. Deputado tivesse feito semelhante requerimento.
O orador não reviu.
Procedeu-se à votação do requerimento do Sr. Joaquim de Matos, que foi aprovado em contraprova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu.
Continua em discussão o parecer n.º 291 — sindicância aos Transportas Marítimos do Estado.
É lido o artigo 1.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: enviarei para a Mesa um adi-

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tamento; mas antes permita V. Ex.ª quê eu estranhe a alteração feita pela comissão de legislação criminal, e introduzida ao § 1.º Não o julgo inexeqüível.
O Sr. Ministro propôs a prorrogação do prazo da sindicância por seis meses, e a comissão limita êste prazo a sessenta dias, prorrogáveis por mais trinta n penas para a elaboração do relatório.
Êste prazo é muito curto, e certamente mais tarde virão novos pedidos de prorrogação.
Não se dará isto por culpa dêste lado da Câmara, e o Sr. Ministro do Comércio, que já ontem sofreu um grave cheque, arrisca-se a outros.
Nesta parte estou ao lado do Sr. Ministro, porque quero evitar mais motivos de delongas, como serão os novos pedidos de prorrogação de prazo. Basta lembrar que a proposta em discussão já foi apresentada há muito tempo e a sindicância está parada.
Entendo que a sindicância deve abranger tudo o que respeita aos Transportes Marítimos, desde que os navios foram apreendidos. É preciso que sé faça luz.
O Sr. Paiva Gomes: — Não são V. Ex.ªs que a fazem.
O Orador: — Vou fazendo a luz que posso, emquanto V. Ex.ªs não fazem nenhuma, e procuram por todos os modos evitar que ela só faça.
Mando o aditamento para a Mesa e aguardarei que se manifeste a opinião dos Srs. Deputados.
O Sr. Presidentes — Vai ler-se o aditamento do Sr. Cancela de Abreu.
Foi lido e admitido.
O Sr. Presidente: — Fica conjuntamente em discussão.
O Sr. Moura Pinto: — Sr. Presidente: por equívoco, no parecer não vem a minha assinatura como presidente da comissão de legislação criminal.
E ocasião de informar a Câmara de que dentro da comissão se não suscitou o menor incidente de natureza política partidária. Todos os partidos ali representados estiveram em pleno acordo para fazer a êste respeito uma obra que merecesse a aprovação da Câmara e o aplauso do País.
A comissão não tinha em vista colocar em cheque o Sr. Ministro do Comércio.
A comissão teve em vista, sim, o apuramento da verdade, para poder chegar a resultados satisfatórios.
As aspirações do País neste ponto são as de haver a luz mais completa para a sanção de todos os delitos. Mas a comissão ponderou que arrastando-se há largos meses uma sindicância, sem outras vantagens que não fossem dos adversários do regime, e vendo que êles desejavam tirar dêsse arrastamento por mais seis meses consequências que não serviam a ninguém, a comissão convencida de que êste não era o melhor caminho, pediu ao Sr. Ministro do Comércio a fineza de comparecer junto dela, e, inteiramente de acordo com o Sr. Ministro das Finanças, determinar o prazo de 60 dias, convencido de que para se averiguar a emaranhada teia dos Transportes Marítimos tanta valia dois meses como seis anos, pois se acaso se desse mais tempo, nunca mais se poria aº nu a emaranhada teia em que se encontram envolvidos êsses Transportes.
Mas porque se deram seis meses?
Porque havia já processos que estão em via de conclusão.
Combinámos de harmonia com o Sr. Ministro do Comércio que êsses processos podiam e deviam mais ràpidamente ser apresentados em juízo.
Quanto aos outros, desde que seis meses não chegassem, segundo o parecer do próprio magistrado que também à nossa presença foi chamado, seriam entregues' na polícia, não valendo a pena iniciá-los para os entregar apenas esboçados na mão de uma organização administrativa e comercial.
Foi, por assim dizer, um princípio moral, destinado a demonstrar à opinião pública que a sindicância não podia tornar-se em serviço permanente do Estado.
Estamos longe de querer que a sindicância seja qualquer cousa para dentro dela sê arranjarem situações, em que se possa manter largo tempo com emolumentos, ajudas de custo e várias subvenções.

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As minhas palavras não contêm nenhuma ofensa ao magistrado incumbido dêste serviço, privado de secretário e elementos indispensáveis de averiguação.
S. Ex.ª fez o que pôde.
Não queríamos vir afirmar à Câmara o que tinha feito e o que tinha podido fazer, nem averiguar o que se tinha feito.
Solicitámos do juiz sindicante que dêsse por bons os trabalhos que já tinha organizado, e chegámos à conclusão de que havia trabalhos feitos, mas sendo suficiente o seu trabalho, para levar até o fim as averiguações da mais complicada teia em matéria criminal que tenho encontrado até agora.
Estes pensamentos foram gerados no nosso espírito- com plena concordância do Sr. Ministro do Comércio.
Por estas razões, se o Sr. Ministro do Comércio não pode orgulhar-se de ter a seu lado o Sr. Cancela de Abreu, pode orgulhar-se de ter a seu lado toda a Nação.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos? restituir as notas taquigráficas que lhe foram, enviadas.
O Sr. Baltasar Teixeira: — Em perfeita concordância com o que acaba de dizer o Sr. Moura Pinto, como membro da comissão de legislação criminal, mando para a Mesa orna substituição ao § 6.º do artigo 1.º da proposta da comissão.
Conforme a proposta da comissão punha-se em vigor o disposto num artigo da lei, mas tem-se provado que êste artigo, redigido em termos vagos, é perfeitamente inexeqüível.
A comissão entende que mesmo os seis meses, que são dados para se continuarem os trabalhos da sindicância, são poucos, e que por isso êsse serviço deve passar para a polícia de investigação criminal.
Como V. Ex.ª e a Câmara sabem, a polícia de investigação tem hoje à sua frente três juizes, que sob o ponto de vista moral e intelectual dão a segurança da sua competência, para. prosseguirem nos trabalhos da sindicância.
Por isso, parece-me que há toda a vantagem, até do carácter económico, o que não é para desprezar no actual momento, em que essa polícia possa continuar as investigações.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Proposta
Proponho a seguinte substituição do
§ 3.º do artigo 1.º:
§ 3.º Findo o prazo de 60 dias, a que se refere o parágrafo anterior, as investigações não concluídas e as mais que houverem de fazer-se serão da competência da polícia de investigação criminal, à qual a comissão liquidatária dos Transportes Marítimos do Estado fornecerá todos os elementos, documentos e indicações que lhe sejam requisitados. — Baltasar Teixeira.
O Sr. Moura Pinto: — Por parte da comissão de legislação criminal, tenho a declarar a V. Ex.ª e à Câmara que a comissão aceita a emenda do Sr. Baltasar Teixeira.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: quando bordei as minhas considerações, há pouco, julgava que o parecer que se discute era para se realizar uma sindicância a vaiar aos serviços dos Transportes Marítimos, e foi por essa razão que entendi, e comigo, por certo, o Sr. Ministro do Comércio (visto que o propôs), que era impossível ao juiz sindicante realizar no prazo de dois meses aquilo que, segundo acaba de dizer o Sr. Moura Pinto, talvez não possa ser concluído em dois anos. Mas não! Segundo o que disse o Sr. Moura Pinto trata-se, apenas, de uma pequena sindicância, de uma amostra de sindicância, que certamente não dará idea do que tem sido a administração dos Transportes Marítimos.
E isto o que os republicanos querem, porque se toda aquela porcaria vier à supuração, a República não resistirá a mais êste tremendo golpe.
Eu não compreendo, realmente, por mais emaranhados que sejam os meandros dos Transportes Marítimos, que elos se não possam pôr a claro e que a polícia de Lisboa, que tem a seu cargo a in-

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vestigação de todos os crimes, possa de algum modo incumbir-se da sindicância a partir da altura em que o juiz lha entregue.
Eu sei que à frente da polícia de investigação de Lisboa está um magistrado competente, membro desta Câmara, e que no exercício do seu lugar tem dado provas do mair zelo; mas tenho dúvidas de que o Sr. Paulo Menano, por maior vontade que tenha, possa realizar nos serviços dos Transportes Marítimos uma sindicância a valer.
Pregunto, pois: quando acabará a sindicância?
Quando se apuram as responsabilidades dos autores do descalabro dos Transportes Marítimos?
Como é que a polícia pode fazer êsse milagre, se o juiz sindicante não pode?
O que fica assente é que a Câmara vai votar o prazo de sessenta dias apenas para o Sr. juiz sindicante fazer uma «amostra» de sindicância, para se dar a impressão ao público de que nada mais há a aparar nos Transportes Marítimos!
Assim é que está certo!
Sr. Presidente: as minhas considerações, baseiam-se também no aditamento que foi mandado para a Mesa.
Como é que se pretende dar maiores poderes ao sindicante para trabalhar, se o prazo de sessenta dias para nada lhe chega, nem talvez para elaborar o relatório?
O Sr. Moura Pinto disse, e bem, que os trabalhos da sindicância têm estado empatados.
Não sei quais os motivos, mas parece-me que uma das razões dêsse empate têm sido as dificuldades de ordem burocráticas que o Govêrno lhe tem anteposto.
E lamento que nem o Sr. Moura Pinto, nem o Sr. Baltasar Teixeira, tivessem tido a deferência de declarar se achavam ou não aceitável a proposta de aditamento que apresentei, e que em meu entender, é absolutamente legítima e moral.
O Sr. Moura Pinto: — Pedi a palavra para dizer que me não pronuncio a propósito do aditamento apresentado pelo Sr. Cancela de Abreu, porque não estou disposto a pronunciar-me sôbre cousas que se. me afiguram impertinentes.
É fácil criticar e lançar insinuações, tam fácil que não vale a pena contrariar e desmentir.
Nós estamos habituados a ver em Portugal que as sindicâncias se rodeiam às vezes de um ambiente ainda mais nefasto do que aquele que cêrca os factos e as pessoas sindicadas.
Julgo porém indispensável dizer à Câmara, com a maior calma, repudiando tudo quanto seja impertinência e insinuação., que a comissão de que faço parte foi apenas incumbida de verificar se um determinado prazo, e uns determinados poderes eram ou não os que mais convinham a um determinado sindicante.
Quando mais não fôsse, para que o Sr. Paulo Cancela pudesse afiar, na técnica duma rígida lógica, a sua eloquência, que em boa verdade não chegou a cortar-me.
Para quê mais seis meses, diz-se, se no fim do prazo se pede prorrogação de outros seis meses?
Verificámos que a sindicância se não pode concluir no prazo marcado.
Existe em Portugal uma instituição que tem hoje uma organização diversa da que tinha, que pode responder pela honorabilidade e pela competência especial dos seus membros, que são magistrados, e dos mais distintos que a magistratura possui.
É a instituição da polícia, em que se fazem inquéritos e se descobrem crimes porventura mais graves que os praticados nos Transportes Marítimos.
Por isso se pode assim acabar com o sistema de criar mais alçadas, acabando com a criação de mais tribunais.
Há trinta dias para o relatório, além do prazo marcado.
Ouça a Câmara: nós dissemos ao juiz sindicante que aproveitasse êsses dias para fazer o relato sôbre tudo que encontrasse de criminoso nos Transportes Marítimos.
Queremos que tudo seja claramente exposto ao País, para dizer quais foram as peias, e que espécie de peias que tenha encontrado dentro da sua missão.
Apoiados.
Êste é o desejo do que a comissão de legislação criminal tinha de esclarecer à questão perante o País.
Apoiados.

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E tempo de fazer política diversa desta; política além dêste empenho de encontrar escândalos, mas sim do desejo de encontrar a verdade.
Dadas estas explicações, compreende a Câmara como as outras palavras foram núteis, por que resvalam por cima de mim, como se fôsse chuva que tivesse caído por cima de capa de borracha.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Leu-se na Mesa a emenda da comissão e foi aprovada.
Foi lida a substituição do § 1.º do artigo 3.º, mandado para a Mesa pelo Sr. Baltasar Teixeira, sendo aprovada.
É aprovado o artigo, salvas as emendas.
Leu-se o aditamento e foi rejeitado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro, a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Feita a contraprova, ela deu o mesmo resultado, estando sentados 27 Srs. Deputados e de pé 33.
É aprovado o artigo 2.º, sem discussão.
Entra em discussão o artigo 3.º
O Sr. Baltasar Teixeira: — Sr. Presidente: no artigo 3.º em discussão é o Govêrno que fica autorizado a afastar os funcionários dos Transportes Marítimos do Estado.
Era função pertencente à comissão liquidatária, e parece-me que seria perturbado o bom serviço dessa comissão se se dêsse essa faculdade agora ao Govêrno. Por isso mando para a Mesa uma proposta.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Emendas ao artigo 3.º
Substituir as palavras: «O Governo», por «A Comissão Liquidatária dos Transportes Marítimos do Estado».
Aditar depois de «afastar do exercício das suas funções», as palavras «ou despedir».
Substituir a expressão: «e bem assim» por «podendo o Govêrno afastar também». — Baltasar Teixeira.
Foi lida e admitida.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz V az Guedes): — Declaro à Câmara concordar inteiramente com a emenda proposta pelo Sr. Baltasar Teixeira.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Declaro em nome dêste lado da Câmara que concordo inteiramente com as emendas apresentadas.
Que se faça tudo para apurar as responsabilidades dos Transportes Marítimos; mas que se não converta numa sinecura para quem não faz nada.
Apoiados.
E por isso e só por isso que ou pedi a palavra para apresentar as poucas considerações que acabo de fazer.
Não queremos que se faça uma sindicância aparente para se passar o tempo, não se fazendo nada.
Eram estas as considerações que eu, tinha a fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a emenda enviada para a Mesa pelo Sr. Baltasar Teixeira.
Foi lida e seguidamente aprovada.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o artigo, salva a emenda, queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Devo participar à Câmara que são horas de passará ordem do dia.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: como faltam poucos artigos, e o assunto é da mais alta importância e urgência; eu peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que se votem os restantes artigos que faltam, visto isso não prejudicar a ordem do dia, pois, se a prejudicasse, nós não faríamos êste requerimento.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

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Sessão de 6 Março de 1923
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o artigo 4.º queiram levantar-se.
Foi aprovado, sendo em seguida aprovados também sem discussão os artigos 5.º e 6.º
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o artigo 6.º da comissão do finanças e o § único da proposta do Sr. Ministro do Comércio, queiram levantar-se.
Foram aprovados, assim como foram aprovados sem discussão dos artigos 4.º e 8.º
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 9.º da comissão de finanças.
Foi lido.
O Sr. Baltasar Teixeira: — Sr. Presidente: o § único proposto pela comissão de finanças determina que sejam pagos todos os vencimentos anteriormente fixados, o que a meu ver poderá dar em resultado serem reclamados todos os vencimentos, incluindo gratificações e ajudas de custo, não só pelos juizes como por algum pessoal, que fez serviço na sindicância.
Ora, Sr. Presidente, nos termos da portaria n.º 1:421, publicada em 2 de Janeiro, e em matéria de vencimentos, parece-me que nós não podemos, nem devemos, pagar a êsses funcionários gratificações nem ajudas de custo.
Nestes termos eu vou mandar para a Mesa uma proposta de substituição dizendo o seguinte:
§ único. Aos juizes sindicantes e ao indivíduo que os tem auxiliado como secretário serão pagos os vencimentos de categoria e exercício e melhorias de vencimentos, a que por lei tiverem direito, em relação aos períodos decorridos desde que os mesmos juizes terminaram os serviços de sindicância por virtude da disposição do § 2.º do artigo 20.º da lei n.º 1:346 de 9 de Setembro de 1922 até à publicação desta lei. — Baltasar Teixeira.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestas condições restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta de substituição enviada para a Mesa pelo Sr. Baltasar Teixeira.
Foi lida, admitida e posta em discussão.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, como relator da comissão, que concordo com a proposta de substituição enviada para a Mesa, pelo Sr. Baltasar Teixeira.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a proposta de substituição do Sr. Baltasar Teixeira, queiram levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o artigo 9.º, salva a emenda, queiram levantar-se.
Foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 10.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: o artigo 10.º do parecer prorroga os prazos que foram lixados no artigo 3.º da lei, e assim, a propósito, eu vou mandar para a Mesa um artigo novo.
Eu sei que a comissão liquidatária dos Transportes Marítimos tem o propósito de acertar.
E há uma cousa de que a comissão não é responsável, mas que merece registo: faz parte da comissão um indivíduo que foi empregado nos Transportes Marítimos!
Eu não quero saber das qualidades dêsse indivíduo; aponto êste facto para se ver como andam as cousas no nosso país.
Apoiados.
Êsse indivíduo não devia ter sido nomeado, e, sendo nomeado, não devia aceitar, porque a comissão tem também poderes para sindicar os serviços de que êle próprio fez parte.
Constou-me que pediu a demissão depois do caso da venda do vapor Lima. Mera coincidência, talvez.
Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o caso da adjudicação da frota.

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Diário da Câmara dos Deputados
Eu já verifiquei que a maioria das bases estão conformes com a lei, mas há lá uma disposição em que alguém de má fé pode encontrar maneira de fugir a compromissos.
A dijuntiva do artigo 3.º pode dar lugar a não se cumprir integralmente o programa das carreiras.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Não é isso que está em discussão.
O Orador: — Êste assunto é gravo e eu entendo que é indispensável estabelecer mensalmente duas carreiras para os portos do Brasil, como aqui já foi sustentado pelos Deputados da maioria o Sr. Lúcio de Azevedo e o Sr. Velhinho Correia.
Entendo que é indispensável manter carreiras para o Brasil.
Apoiados.
O Sr. Almeida Ribeiro: — V. Ex.ª está a prejudicar a ordem do dia, com um assunto que não está em discussão.
O Orador: — Não vou ler à Câmara uns dados interessantes sôbre o nosso comércio de importação e exportação com. o Brasil que possuo, porque quero fazer a vontade ao Sr. Dr. Almeida Ribeiro.
Sr. Presidente: visto que se trata de prorrogar o prazo das funções da comissão liquidatária, vem a propósito o artigo novo que vou enviar para a Mesa. O artigo 2.º da lei fixa as atribuïções da comissão liquidatária; mas, nos termos em que está redigido, tenho dúvidas sôbre se essas atribuïções podem ser cumpridas dentro do novo prazo que é concedido à mesma comissão, e sôbre se a matéria do meu artigo novo está compreendida nesse artigo.
Parece-me que o novo prazo que vai ser concedido à comissão não é suficiente para ela concluir os seus trabalhos, e receio que, pelo facto de se dar êsse prazo, e não maior, se faz com que a comissão, findo aquele prazo, ela tenha de vir pedir novo prazo, podendo ainda dar-se o caso de o Parlamento estar então fechado.
Mas, emfim, isso não é connosco. E não nos atirem, porém, depois, com responsabilidades.
A matéria do meu artigo é precisamente relativa à liquidação do que respeita ao contrato de fretamento dos navios da frota mercante do Estado. Pode supor-se que no artigo 2.º da lei estão compreendidos poderes da comissão liquidatária para tudo o que respeita aos Transportes Marítimos desde a data da apreensão dos navios. Em todo o caso, pode ser que o artigo 2.º dê lugar a dúvidas; e, nestas condições, parece-me que a matéria do meu artigo é de aceitar pela Câmara porque vem desfazer essas dúvidas.
Em vista do artigo 2.º, pregunto eu: a comissão liquidatária entende que dentro dêstes poderes estão os precisos para proceder a averiguações sôbre tudo o que respeita aos Transportes Marítimos, desde 1906, data em que foram apreendidos os navios, ou só desde que se constituíram os serviços relativos aos Transportes Marítimos?
Tive ocasião de demonstrar à Câmara; no ano passado, que ainda estão por liquidar com a Inglaterra contas relativas ao fretamento dos navios de que foi exploradora a Furness. Pregunto eu: julga-se a comissão liquidatária com poderes para proceder ao apuramento e liquidação dessas contas?
Sr. Presidente: a Inglaterra, ou antes a casa Furness, deve ao Estado português o saldo de contas resultante do contrato.
Êsse saldo é, não só o resultado do preço do fretamento, mas, também, o resultado do sinistro de 22 navios que naufragaram, ou por motivo da guerra ou por qualquer acidente ocasional.
Estas contas não estão todas liquidadas e o meu artigo visa a facultar à comissão liquidatária os meios necessários para efectivar a sua liquidação.
Há ainda a exigir à Inglaterra as indemnizações pelos prejuízos resultantes da falta de cumprimento do contrato pela Furness, pois houve navios que só foram devolvidos muito depois de expirado o prazo fixado.
Os prejuízos na demora da entrega dos navios foram de vária ordem, sendo os principais aqueles que derivaram da alta do preço dos fretes, que não podemos aproveitar.
Além disso, há a atender ao prejuízo derivado de os navios não terem sido restituídos em bom estado, do que resultou para nós um dispêndio de muitas dezenas de milhares do libras em reparações.

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Sessão de 6 de Março de 1923
Ainda ontem eu tive ocasião de apontar à Câmara um caso para o qual chamo a atenção da comissão liquidatária, na pessoa do seu ilustre representante aqui. Refiro-me ao Lourenço Marques, que sofreu importantes avarias nas caldeiras emquanto esteve ao serviço da Inglaterra.
O governo inglês mandou examinar o navio e concluiu que os prejuízos que o Lourenço Marques sofrera provinham da incompetência dos maquinistas ingleses que tinham andado a tripulá-lo e tomou a resolução de pagar as reparações, cujo custo ascendeu a uma importância muito avultada.
Até hoje, porém, ainda não recebemos da Inglaterra muito do que nos é devido.
Sr. Presidente: é por êstes motivos, que eu vou mandar para a Mesa o artigo novo, ampliando as condições da comissão, de modo a ela proceder ao apuramento e liquidação de todas as câmaras.
Êste artigo é concebido nos seguintes termos:
Artigo novo. Além das atribuïções que lhe são conferidas no artigo 2.º da lei n.º 1:346, de 9 de Setembro de 1922, a comissão liquidatária dos Transportes Marítimos do Estado terá de proceder ao apuramento e liquidação de todas as contas relativas à execução do contrato em 1916 com o Govêrno Inglês e respeitante à exploração de 42 navios da frota do Estado, exercida pela casa Furness Wilty & Cº
§ único. No apuramento e liquidação das contas, a que se refere êste artigo, deverá a comissão atender aos prejuízos derivados para o Estado da falta de conhecimento do referido contrato pelo que respeita à data da devolução dos navios, às reparações que aquela casa era obrigada a efectuar por sua conta e aos estudos motivados pelas mesmas reparações. — Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 10.º, no sentido de que da segunda subcomissão liquidatária dos Transportes Marítimos do Estado faça parte um representante do Conselho de Administração do Pôrto de Lisboa.
E nestes precisos termos a minha proposta.
A proposta foi admitida.
O orador não reviu.
Aditamento ao artigo 10.º
§ único. Da segunda sub comissão fará parto também um representante do Conselho de Administração do Pôrto de Lisboa. — Carlos Pereira.
Foram aprovados o artigo 10.º e o aditamento do Sr. Carlos Pereira, e rejeitado o artigo novo do Sr. Cancela de Abreu.
Aprovado o artigo 11.º
O Sr. Carlos Pereira: — Requeiro a dispensa da última redacção.
Foi dispensada.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro que seja marcado para antes da ordem do dia de amanha, sem prejuízo dos projectos já designados para a discussão, o parecer n.º 205, que diz respeito aos funcionários de finanças.
Foi aprovado.
O Sr. Nunes Loureiro: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permito que seja mantida para a sessão do amanhã a resolução tomada pela Câmara hoje acerca da discussão dos projectos n.º 380 e 409.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: voltamos êste ano justamente ao mesmo que na sessão legislativa passada: uma chuva de projectos incluídos para antes da ordem do dia, impedindo absolutamente os Deputados da oposição de virem aqui levantar assuntos de interêsse geral.
E positivamente coarctar aos Deputados um direito que lhes assiste.
Contra êste atentado aos nossos direitos eu levanto o meu protesto.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Nunes Loureiro.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Sr. Presidente: a Faculdade de Sciências da Universidade de Coimbra apresentou ao Ministério da Instrução Pública uma proposta para que o Jardim

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Diário da Câmara dos Deputados
Botânico e o Museu daquela cidade, sejam convertidos em instituto, dando-se-lhe a denominação de Instituto do Dr. Júlio Henriques.
Tratando-se de uma homenagem a um professor dos mais brilhantes, cuja vida é um exemplo para todos os que se dedicam ao trabalho intelectual, no nosso país, ou resolvi inflectir a regra que tinha estabelecido de não apresentar nenhuma proposta antes da remodelação orgânica do ensino, o trago à Câmara a presente proposta.
Devo acrescentar a V. Ex.ª e à Câmara que é com o maior prazer que me as-? sócio a esta homenagem ao grande professor Dr. Júlio Henriques.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que eu retire o meu anterior requerimento acerca de que entrasse amanha, em discussão o parecer n.º 205.
Foi autorizado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro das Finanças dirigiu à Câmara um oficio convidando-a a que se faça representar por um dos seus membros nas sessões do Conselho Superior de Estatística.
Êste ofício foi já lido na hora do expediente.
Eu preciso de consultar a Câmara sôbre se ela concorda em se fazer representar por um dos- seus membros no Conselho Superior de Estatística.
Para melhor esclarecimento da Câmara, eu vou ler o ofício do Sr. Ministro das Finanças.
E a autorização, restes termos, para esta representação que vou submeter ao voto da Câmara.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Vitorino Godinho (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: o Conselho Superior de Estatística foi criado em Portugal em 1887 e há mais de trinta anos que não reúne.
Sou informado, e creio que de fonte segura, que o Director Geral de Estatística, ao assumir as suas funções, pensou em imediatamente dar cumprimento à lei,
fazendo reunir em Março o Conselho Superior de Estatística, do que fazem parte individualidades de destaque no professorado e no funcionalismo, mas a que não pertence por lei nenhum representante de qualquer das casas do Parlamento, o que é manifestamente uma lacuna.
Lá fora, em França, por exemplo, o Conselho Superior de Estatística compreende alguns membros da Câmara dos Deputados e do Senado, de modo que o Sr. Ministro das Finanças, dirigindo êste convite ao Parlamento, veio obviar a essa lacuna, e creio que bem andará a Câmara em aceitar tal convite.
Todos nós sabemos as acusações, algumas delas fundadas, que se têm feito aos serviços de estatística em Portugal o parece-me de todo o ponto conveniente que no momento em que se reunir o Conselho Superior de Estatística, que é o mais elevado organismo consultivo do que dispõem os serviços de estatística, o Parlamento se faça nele representar, a fim de se poder orientar sôbre as deficiências dêsses serviços, e acerca das providências a adoptar para as remediar, de modo a dar-lhes a organização que estos tenham em qualquer país adiantado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É concedida a autorização.
O Sr. Presidente: — Torna-se agora necessário saber-se como vai o Parlamento fazer-se representar.
Poderá ser por eleição ou então delegar a Câmara na comissão de estatística, para que esta encarregue um dos seus membros de assistir às sessões do Conse-. lho Superior de Estatística.
Apoiados.
Os Srs. Deputados que aprovam que a Câmara se faça representar por esta última forma, fazem favor de se levantar.
É aprovado.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Continua em discussão o parecer n.º 243 — empréstimo interno.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: não esperava ter hoje a honra de

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me ocupar nesta Câmara da proposta do empréstimo apresentada pelo Govêrno, mas circunstâncias independentes da minha voltado determinam que assim seja, e eu, Sr. Presidente, para que de modo algum se possa considerar demorada uma resposta dêste lado da Câmara às afirmações produzidas ontem pelo ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz, que combateu a referida proposta de empréstimo, resolvi usar da palavra neste momento.
E, como S. Ex.ª teve ocasião de dizer à Câmara o que se passou na comissão de finanças a propósito desta proposta, eu julgo também do meu dever expor algumas palavras a êsse respeito.
Desde a primeira hora eu defendi a proposta de empréstimo na comissão 'de finanças; desde a primeira hora fiz essa defesa, porque vi nos propósitos do Govêrno o desejo de satisfazer uma aspiração de nós todos, qual seja a de contribuir para a valorização do escudo, para uma estabilidade cambial e, pôr consequência, para a melhoria do custo de vida.
Eu sei que isto não interessa a muita gente, mas interessa-me a mim, que desde o princípio tomei a defesa da oportunidade e da necessidade dêste empréstimo, porque sou daqueles que, pessoalmente, sentem hoje e vêem sentindo desde há tempo os efeitos perniciosos e funestos daquilo que todos conhecem sob a designação da carestia da vida. E preciso resolver do alguma maneira êste problema magno.
Tem-se abusado do paliativo, tem-se abusado do sucessivos aumentos de vencimentos que, infelizmente, pouco resolvem.
E preciso atacar o problema de mais alto, pois que do círculo vicioso em que temos vivido não pode sair a necessária solução.
Aumentar vencimentos hoje, para se ter a vida. mais cara daqui a oito dias, para depois voltarmos de novo a aumentar os vencimentos, continuando-se assim indefinidamente, não pode ser.
O problema tem de ser encarado por forma mais lógica, mais racional, mais scientífica.
Elo é do alguma maneira um problema de produção, um problema de distribuïção e no fundo, é um problema de moda.
Todas as tentativas feitas neste momento pelo nosso Govêrno têm apenas visado a resolvê-lo no que respeita à distribuïção.
Pouco se tem feito relativamente ao aspecto da produção e quási nada quanto ao do saneamento da moeda, que é talvez, afinal, o mais importante.
O Sr. Ministro das Finanças apresentou-se na comissão de finanças com a sua proposta de empréstimo. Pela descrição de S. Ex.ª tive conhecimento dos princípios em que ela assentava, e por isso desde a primeira hora defendi a sua oportunidade e a sua necessidade; isto é, como se costuma dizer em linguagem parlamentar, defendi-a na sua generalidade.
Recebi depois o encargo de a relatar, encargo certamente superior à minha competência, mas de que eu procurarei desempenhar-me tam bem quanto possa; e assim, tive a preocupação de fazer um relatório em que se explicasse em todos os seus aspectos, em todos os seus detalhes o que representava a proposta ministerial.
Não tive a preocupação de me dirigir aos homens conhecedores da sciência das finanças, de colocar o problema ao nível intelectual dos indivíduos especializados, mas a de me dirigir ao País, a toda a Câmara, até mesmo àqueles Deputados que, como eu, não tivessem uma especialização dêstes assuntos.
Já foi apodado o meu relatório de artigo de jornal.
Se assim se lhe chama, é porque nele fiz a explicação da matéria em termos que todos compreenderam, e felicito-me com essa designação.
Não tive outro desejo senão que todos, percebessem o que era a operação do empréstimo pela leitura atenta que fizessem do meu relatório.
Sr. Presidente: desempenhei-me com tanta felicidade do encargo que me foi cometido que ouvindo ontem atentamente as objecções feitas à proposta pelo ilustre membro do Partido Nacionalista, o Sr. Barros Queiroz tive ocasião de verificar que nenhuma das objecções de S. Ex.ª deixa de ter resposta no mesmo relatório.
Não houve matéria nova trazida ontem à Câmara pelo ilustre representante do Partido Nacionalista contra a proposta em discussão.

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Se os Srs. Deputados, ou quem quer que fôsse, depois do discurso de S. Ex.ª, tivessem tido a paciência de passar a vista pelo meu relatório, teriam encontrado resposta, mas uma resposta decisiva à argumentação produzida pelo Sr. Barros Queiroz.
Preguntou S. Ex.ª porque é que se ia aumentar a circulação fiduciária em mais 140:000 contos se, tanto o Sr. Ministro das Finanças como o relator, se mostravam adversários de uma política de inflação.
Está isso explicado no meu relatório e explicado simplesmente em duas palavras, para que todos saibam a razão dêsse facto.
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, que o Estado tem despesas imediatas, a curto prazo, despesas que têm de ser satisfeitas com numerário de que o Govêrno não dispõe.
Não é segredo para ninguém que os agravamentos autorizados por esta Câmara a realizar pelo Banco de Portugal estão no seu termo; há, portanto, necessidade, visto que o ano corrente é um ano deficitário, de ocorrer a essas despesas correntes com mais um, agravamento.
Sou absolutamente contrário ao aumento de circulação fiduciária, e sendo assim porque é que defendo esta disposição da proposta tendente a aumentar em mais 140:000 contos a circulação fiduciária?
Defendo-a porque estou firmemente convencido da eficácia do empréstimo que se vai realizar, e porque por uma disposição do projecto que se discute o produto dês-se empréstimo é aplicado integralmente a amortizar êste último suprimento, que espero seja o último.
Ao mesmo tempo, portanto, que sou partidário de uma política de estabilização da nossa moeda, admito também que transitoriamente, pela última vez, se lance mão dêsse recurso, do qual infelizmente se tem abusado, admitindo-o sim, mas com a garantia expressa do que o produto do empréstimo seja aplicado à amortização dêsse último suprimento. Assim se explica a razão por que na mesma proposta aparecem estas duas operações, que são inteiramente distintas, e assim se responde à pretensão defendida pelo Sr. Barros Queiroz, de dividir a proposta em
tantas propostas quantas são as operações a efectuar.
A proposta é uma, indivisível, porque, se há realmente de um lado o aumento da circulação fiduciária, êsse aumento é para satisfazer as despesas correntes.
Sr. Presidente: acho que se tem lançado mão demasiadamente do recurso à circulação fiduciária; acho que tem sido um êrro ter-se elevado essa circulação ao ponto em que hoje se encontra; acho que é obrigação de nós todos inspirarmo-nos nos mais altos interêsses patrióticos o estabelecer uma barreira que se oponha de uma vez para sempre à maneira como êsse aumento de circulação tem sido feito.
E preciso acabar de vez com êsse sistema que nos leva para o abismo.
Assim se explica a razão dêste último aumento de circulação fiduciária, sendo o produto do empréstimo, como digo no meu relatório, pouco mais ou menos a importância que se calcula necessária para o ano económico corrente.
Também ouvi combater por parte do ilustre Deputado a quem estou respondendo, o princípio que, aliás, todos combatemos, de contrair empréstimos para cobrir despesas ordinárias, pára cobrir despesas improdutivas.
Em princípio estou de acordo com S. Ex.ª, mas não há nada melhor para aplicar os princípios do que ter as responsabilidades do Govêrno e da administração.
Em princípio assim deve ser; não se deve contrair empréstimos para cobrir deficits, mas nós estamos num período transitório, num período de paz cheio de dificuldades que se seguiu a um período tormentoso da guerra, podendo afirmar-se que o que se vai fazer em Portugal com êste empréstimo não é diferente do que têm feito todos os países europeus.
A República equilibrou os seus orçamentos, e, só saiu dessa situação de equilíbrio, foi por causa da guerra, mas a essa situação devemos voltar. Foi na monarquia que vingou êsse sistema de liquidar deficits do Orçamento aumentando a dívida pública; pode dizer-se que uma grande parte dos aumentos da dívida pública se devem ao sistema quási permanente de deficits orçamentais, em que se viveu neste país até a implantação da República.
Mas a República não deve de maneira

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nenhuma seguir nesse caminho, e se porventura a República continuasse no regime de deficits orçamentais, e a cobrir êsses deficits com recursos à circulação fiduciária, então a República faria pior do que a monarquia, porque se é certo que a monarquia viveu durante longo tempo em situação deficitária, também não é menos certo que recorreu à dívida pública e não ao aumento de circulação fiduciária.
Entendo que a circulação fiduciária é a pior de todas as dívidas.
Sr. Presidente: o Sr. Barros Queiroz, a quem estou respondendo, continuou depois uma série de considerações, todas elas baseadas em duas hipóteses, que se não verificam, razão por que me julgo dispensado de responder a S. Ex.ª
Ainda S. Ex.ª, para a hipótese dum encargo efectivo de 9 por cento e para a hipótese dum câmbio de 6, encontrou determinados números.
Devo dizer a S. Ex.ª que da comissão de finanças saiu a emenda de 9 para 7 3/4 por cento e saiu uma outra emenda tendente a fixar o juro máximo ao prestamista, ao subscritor no momento em que se faz a emissão.
Desta maneira os números de S. Ex.ª são números hipotéticos, visto que se baseiam em duas hipóteses que se não verificam.
Evidentemente pode dar-se a hipótese dum câmbio de 6, câmbio dê conversão, mas se se der essa hipótese, e para ser rejeitada a emenda introduzida pela comissão de finanças, é preciso que o câmbio do dia da comissão seja elevado pelo menos a 3, que não é o caso do momento, porque o câmbio actual e de 2 e tal.
Disse ainda o Sr. Barros Queiroz que um empréstimo nestas condições é um empréstimo do qual o Estado só recebe...e mais adiante disse ainda S. Ex.ª que um empréstimo nestas condições é de 40 ou 43 por cento.
Sr. Presidente: mais uma vez se pretende fazer um jôgo do palavras, porque outra cousa não é, salvo o devido respeito, o dizer-se que o Estado com a mão esquerda dá 100 e com a mão direita recebe 40 ou 50.
O que seria preciso era que, como digo no meu relatório, aquilo que o Estado dá fôsse da mesma natureza que aquilo que o Estado recebe.
Trata-se de duas quantidades que não são iguais; uma delas é a libra-cheque e a outra é a libra título. Não são uma e a mesma cousa.
Uma libra cheque é como quem diz uma libra ouro, uma libra metal. Quem tem muitas libras cheques obtém fàcilmente em Portugal um juro de 10, 12 ou 14 por cento; quem tiver uma libra titulo dos títulos que o Govêrno se propõe emitir não tem senão o juro de 6,5 por cento, e assim se explica que o Estado empregue um dito número de libras título e que receba em libras cheque. E um empréstimo que aparentemente parece inferior, mas que no fundo não tem essa razão de inferioridade.
Eu explico o facto no meu relatório.
O Estado emite inscrições de 1 conto, de 2 e de 3 contos, que vende a 40 por cento e a 50 por cento.
E porque é que o Estado faz isto?
Porque o capital dessas inscrições não dá senão um juro que é sempre inferior ao juro corrente.
Creio que neste momento em face da proposta só há uma cousa que realmente nos interessa: é saber se os encargos resultantes do empréstimo são ou não aqueles que devem ser.
Se S. Ex.ª dissesse que o encargo de 15 por cento era um encargo insuportável, vá, ainda se poderia estabelecer discussão. Mas e empréstimo em discussão não é um empréstimo forçado.
Na Inglaterra é costume estabelecer o concurso; o Estado diz qual é o juro nominal, quais as condições da conversão, etc., etc. E claro que o princípio do concurso não nos serve, mas serve para mostrar que, tratando-se dum empréstimo que não é forçado, êle seria melhor ou pior colocado conforme as circunstâncias.
A afirmação de que o empréstimo será a 30 ou 40 por cento não é verdadeira, porque se o fôsse teríamos de admitir que a libra cheque e a libra título eram uma e a mesma cousa, o que não é assim.
Disse ainda o Sr. Barros Queiroz que quanto mais o câmbio se agravasse, maior seria o número de escudos a receber, e vice-versa.
Porque o empréstimo é em ouro, e esta é uma das características dos empréstimos em ouro, não faz sentido que S. Ex.ª

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sendo partidário dos empréstimos em ouro diga que êste empréstimo é ruïnoso.
Um empréstimo em ouro produzirá tanto mais quanto mais agravado fôr o câmbio, e se S. Ex.ª é partidário dos empréstimos em ouro, tem de aceitar êste facto.
Disse ainda S. Ex.ª que o empréstimo se prestava a especulações cambiais, mas não me parece que os especuladores possam ter fôrça para transitoriamente baixarem as divisas para. depois comprarem cambiais.
Ninguém em, Portugal tem mais ouro do que o Estado; logo só o Estado é que poderá exercer pressão sôbre o câmbio.
Disse S. Ex.ª que o empréstimo era ruïnoso porque prejudicava a realização de um empréstimo externo. Pois ontem, falando com um distinto financeiro, êle me disse que se depois desta propaganda d empréstimo não- se realizasse, difícil seria obter um empréstimo externo.
Pelo contrário.
Lançado hoje trás após si uma melhoria cambial.
Um empréstimo expresso em esterlinos nesta ocasião, com juro de 6 4,2, com encargos de 7 até 9, pode de alguma maneira, sem consagração especial de receita, ser um embaraço para o credito do País?
Pelo contrário, pode tornar possível a realização de um empréstimo externo, em melhores condições.
Digo no meu relatório o que não foi contestado por V. Ex.ª nem por ninguém que o dinheiro custa caro, custa muito mais caro do que antes da guerra.
Em Portugal tem-se respeitado os compromissos, pelo menos na vigência do actual regime.
Não dispomos dum crédito como algumas outras nações, como a Inglaterra e a América.
Países como o nosso não encontram possibilidade de valorizar créditos externos, senão com juro elevado e consignação de receitas; somente o podem conseguir depois de terem sanado a sua circulação pelo equilíbrio das receitas com as despesas.
Nestas condições, a combinação trazida pelo Sr. Ministro das Finanças a esta Câmara é das melhores para o momento presente.
Apoiados.
Sr. Presidente: não há; empréstimos bons nem maus.
Não podem ser analizados isoladamente; têm de ser vistos em conjunto das circunstâncias.
Temos de apreciá-los em função da nossa situação interna, em função de disponibilidade de capitais no país e estrangeiro.
Temos, de avaliar a situação como ela se apresenta, vista em todas as modalidades e aspectos.
Será possível obter uma combinação melhor?
Não é.
O que têm preconizado os adversários dêste empréstimo?
O empréstimo em escudos.
Mas isso seria a impossibilidade de sairmos da situação em que nos encontramos, de voltar a uma divisa cambial melhor.
Ver-nos-íamos na contingência de pagar fim fortes os escudos fracos.
Poderíamos obter êsse empréstimo ao juro de 6 4/2 por cento?
Não, não o obteríamos a menos do 7 1/2 por cento.
E isto o que representaria?
Emquanto não fôsse possível amortizar os títulos, pesaria o empréstimo enormemente sôbre a nossa economia.
Êste empréstimo em ouro é a melhor combinação de empréstimo no actual estado da nossa situação económica e financeira.
Por isso, Sr. Presidente, eu confesso e entendo que a resolução apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, na sua proposta, é a melhor para a nossa situação, e desde que o empréstimo seja acompanhado de outras medidas que tenham por fim o equilíbrio orçamental, êste empréstimo não deve pesar no nosso Orçamento, e desde que se vêm pedir um empréstimo, tendo êle por fim o equilíbrio orçamental, isto é, o equilíbrio das receitas com as despesas, acabando-se assim com o deficit, eu devo dizer que estou de acordo, se bem que seja absolutamente contrário ao princípio de se pedir emprestado para saldar os deficits.
Fez se no tempo da monarquia; fez-se no tempo da República, nos seus dois últimos anos, mas em condições muito piores, qual seja o aumento da circulação fi-

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duciária, que para mim é o pior dos empréstimos.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Ex.ª de que são horas de se passar à segunda parte da ordem do dia.
O Orador: — Se V. Ex.ª me permite, eu em poucas palavras termino as minhas considerações.
Sr. Presidente: não quero terminar as minhas considerações sem responder a um ponto do discurso do ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz.
Disse S. Ex.ª, que estava de acordo com a matéria do artigo 4.º da proposta qual é o que autoriza o Governo a substituir os títulos actuais pelos títulos em ouro do empréstimo que estamos discutindo.
Disse S. Ex.ª que, concordando com esta disposição, não concorda porém, com a autorização dada ao Govêrno, para lançar na praça um certo número de títulos.
Ora, Sr. Presidente, já se disse que o. artigo 4.º só pode produzir o aumento da circulação fiduciária, porém ou no meu relatório já provei que não é assim.
O que se pode realmente dar não é o aumento da circulação fiduciária, mas sim o aumento da emissão dos títulos em ouro.
Mas desde que a comissão de finanças introduziu a emenda tendente a regularizar essa operação, impossível se tornará uma emissão de títulos conforme aqui disse o ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz.
Só podem ser emitidos em número bem reduzido.
Só posso atribuir a uma ligeira leitura do artigo em discussão, o facto de S. Ex.ª afirmar o que afirmou.
Nada se diz que autorize a suposição, sequer, de que poderão ser lançados no mercado títulos sem limite, e que a circulação seja também aumentada sem limite.
O Sr. Barros Queiroz falou também na questão da prata, que é uma questão aberta.
A Câmara está na presença do problema, em condições de o poder resolver com perfeito conhecimento do assunto.
O Estado é dono de um stock de prata que foi retirada da circulação. Estava na proposta que essa prata ficasse transformada em ouro como caução da dívida do Estado ao Banco, até que a circulação atingisse os limites de cêrca de 500:000 contos.
A emenda introduzida visa a não comprometer êsse principio, mas a tornar possível que o Estado possa a qualquer tempo dispor dessa prata.
Se o Estado se obriga, como se dizia na proposta inicial, a deixar êsse ouro na posse do Banco, caucionando a dívida do Estado até o limite da circulação de 1920, o Estado pode de alguma maneira abdicar da posse dessa prata, visto que é muito discutível que convenha ao País voltar aos números da circulação de 1920, mas por outro lado não sabemos se a existência dêsse stock fortalece o crédito da nota e do escudo, e isso é muito de atender na questão que estamos discutindo.
Disse ainda o Sr. Barros Queiroz, referindo-se à convenção de 1922, que o Estado criara ao lado de uma circulação legal uma circulação especial.
A isso devo responder que o Govêrno não saiu das autorizações dadas pelo Parlamento, nem o Banco foi além do que está preceituado no seu estatuto orgânico e nas demais disposições vigentes.
Termino as minhas considerações, declarando que espero que a Câmara vote o empréstimo, que eu reputo absolutamente necessário para a melhoria cambial e para a solução de vários problemas pendentes.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigrafias que lhe foram enviadas,
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Desejo que V. Ex.ª me informe se as sessões nocturnas se verificarão todas as noites, ou se apenas em alguns dias da semana se realizarão.
O Sr. Presidente: — Vou ver o que há sôbre o assunto e depois informarei V. Ex.ª

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O Sr. Vitorino Godinbo (em nome da comissão de estatística): — É para comunicar que se acha constituída a comissão de estatística, sendo eu o presidente e o Sr. Garcia Loureiro secretário.
Comunico também que esta comissão para cumprir a deliberação da Câmara indica para a representar no Conselho Superior de Estatística o Sr. Constando de Oliveira.
O Sr. Presidente: — Vai passar se à segunda parte da ordem do dia discussão do Orçamento.
Continua no uso da palavra o Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Alberto Xavier: — Sr. Presidente: reatando as considerações ontem interrompidas, que tinham por fim justificar os pontos de vista enunciados na minha questão prévia, e pelas quais eu tive ensejo de afirmar a minha opinião, devo lembrar que considerei como anomalia a circunstância de ainda hoje se pretender liquidar as chamadas despesas de guerra, por meio de um processo que se justificava ao tempo da guerra, mas que actualmente é inadmissível.
A lei n.º 857, de 22 de Agosto de 1917, era para o tempo da guerra, mas ainda actualmente está sendo aplicada, fazendo-se assim o pagamento de despesas fora da acção da lei existente para situações normais e regulares.
Assim o País ignora quais sejam essas despesas.
O País ignora tudo, porque não Há possibilidade para fazer fiscalização, pois vivemos em um regime de puro arbítrio.
Então compreende-se que estando nós a quatro anos de armistício, ainda no Orçamento exista uma conta desta natureza?
Estou convencido não haver nenhum Parlamento que negasse o seu voto a uma medida desta natureza, porque a delegação portuguesa a qualquer conferência internacional é absolutamente necessária.
Apoiados.
A Inglaterra no seu regime do non o credit viveu durante a guerra, mas, logo que as hostilidades cessaram, êste regime terminou.
Ora um regime democrático é impossível continuar neste sistema, que o prejudica.
Vou ler à Câmara alguns elementos elucidativos.
O nosso regime de despesas de guerra, embora não seja parecido com o da Inglaterra, todavia está estabelecido duma, forma global.
Há uma verba para despesas resultantes da guerra, mas não se sabe quais são essas despesas.
Sr. Presidente: o ano passado, quando foi apresentada a proposta de lei de receita e despesa, ela apareceu como a dêste ano com três artigos; um artigo fixando as receitas, outro fixando as despesas e um terceiro estabelecendo as condições da situação financeira dos serviços autónomos.
Êste ano também a proposta orçamental de receita e despesa é composta de três artigos, os quais dizem sumariamente respeito à fixação de receita e de despesa.
Mas o ano passado os artigos furam apresentados em branco, e só à meia noite, ou próximo, do dia 30 de Junho de 1922, o Sr. Ministro das Finanças de então apresentou as propostas de novos artigos, fixando a forma de se efectuarem as despesas resultantes da guerra, e assim na lei orçamental de 1922-1923 apareceram à última hora e sem poderem, portanto, ser objecto da mínima discussão, dois artigos que constam da lei n.º 1:278.
Pelos artigos 4.º e 5.º dessa lei. teve-se, parece, o cuidado de não se provocar uma discussão sôbre a matéria, porque na proposta orçamental não figuravam os seus dois preceitos, e só apareceram próximo da meia noite.
Não houve, nem podia haver, qualquer tentativa de discussão sôbre a matéria, e o caso passou.
Êste ano esboça-se uma tentativa idêntica.
A proposta de lei não diz como as despesas de guerra se hão-de efectuar, porque naturalmente se guarda o momento em que se tenha de votar de. afogadilho, para se incluir nele outra vez preceitos idênticos aos dos artigos 4.º e 5.º da lei n.º 1:278.
Mas V. Ex.ª vê que nós faremos manifestamente uma obra imprópria do prestígio parlamentar se consentirmos na continuação de um regime que tem dado lugar até a todos os abusos.

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Eu não sei, com franqueza, que especial interêsse pode ter o Govêrno em ocultar a necessidade de efectuar determinadas despesas a que não podemos fugir.
Nós podemos considerar como despesas resultantes da guerra, por exemplo, a Conferência Internacional do Trabalho, uma vez que ela foi criada pelo tratado de Versailles.
Eu compreenderia por isso, sem que tal repugnasse à minha consciência de representante da nação, que se empregasse o sofisma legal de satisfazer os encargos que a nossa comparticipação nessa conferência acarreta pela verba que no Orçamento vem sob a rubrica «Despesas resultantes da guerra».
O que eu porém não compreendo é que, à sombra da República, se acolham despesas que nada têm que ver com a guerra.
Sr. Presidente: eu não vejo vantagem alguma em que se mantenham semelhantes anomalias no Orçamento, após quatro anos sôbre a guerra.
E, assim, eu muito desejaria que o Govêrno tomasse a iniciativa de elaborar a sua proposta orçamental por uma forma mais clara, restringindo as despesas da guerra exclusivamente àquelas que, de facto, com ela tenham relação.
Tudo quanto não seja isto é falto de lógica, é impróprio duma democracia, cuja principal característica deve ser a exactidão e clareza das suas contas.
Sr. Presidente: quando se discutir a proposta na especialidade, eu apresentarei propostas, de modo a fazer desaparecer todas essas anomalias, de forma a regular de futuro as boas práticas a adoptar nas conferências internacionais.
Não desejo ficar com a palavra reservada nesse parecer final que diz respeito ao equilíbrio do Orçamento.
O equilíbrio do Orçamento não se consegue só com o aumento das receitas; há, também que atender à redução das despesas.
Mas isso não se consegue pela forma como se quere fazer.
É indispensável que se reduzam as despesas (Apoiados), mas é precisa, fazer economias sem sacrificar homens, sem sacrificar funcionários. Isso é um engano.
Há despesas que se podem reduzir, mas essas despesas improfícuas podem ser reduzidas.
Apoiados.
Fazer as cousas por esta forma não é profícuo, e não há autoridade para falar em nome da nação, pois o Orçamento foi apreciado sem a ponderação necessária, sem se procurarem os elementos de informação precisos.
E necessário acabar com esta política de expedientes, pois há um ano que se prega a necessidade de economias, mas platónicas.
Até agora tem-se feito uma obra, em matéria de economia e finanças, audaciosa, de mistificação.
Posso contar um caso curioso:
O Ministro da Instrução, Sr. Augusto Nobre, publicou um decreto que é curioso em matéria de economia e de ridículo.
Extinguia certas escolas normais.
Não daria grande resultado prático; mas era de facto cousa espaventosa.
Pois bem, suprimiu certas escolas, e a imprensa dizia: estamos em presença duma política de economia, que parece de aceitar...
Pois bem, vem o Sr. Leonardo Coimbra que entendia haver realizado uma grande obra que via suprimida; obra grandiosa, basilar em matéria de instrução pública.
Não podia ser a supressão e suspendeu o decreto que suprimia as escolas, decreto do Sr. Augusto Nobre.
Vejam como são as cousas!
Haveria economia efectiva?
Qual o seu montante?
Ninguém soube.
O que, o País soube foi que o Sr. Leonardo Coimbra, Ministro da Instrução, disse logo que a obra era prima, que êle a tinha fundado, e que não consentia que tocassem nela.
Há uma política, de contradição neste Gabinete.
Uma política geral de gabinete é cousa que não existe nêste Govêrno.
Só se admite que um Ministro faça uma obra de conjunto.
Pois não fica por aqui.
O Sr. Vasco Borges entendeu dar uma lição a todos os seus colegas, e toca de publicar no Diário do Govêrno uma série de decretos.
Era uma cousa de espantar.
O Ministro do Trabalho a reduzir pessoal, a suprimir cargos.
Os que não conheciam a legislação em

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vigor ficavam pensando quê o Ministro do Trabalho estava a fazer uma obra importante em matéria de economia, e os jornais começam a acentuar a importância dessas economias.
Ao examinar, porém, êsse decreto, vê-se que se tratava de una lugares que não tinham sido providos, nem o Estado tinha, por consequência, pago a êsses funcionários.
Fazer economias por esta maneira é muitíssimo fácil.
O País não quere que suprimam lugares assim, mas que se suprimam, mas sim funcionários que não mereçam êsses lugares, por não terem competência.
O grosso do funcionalismo desempenha cabalmente as suas funções, e dá ao Govêrno uma colaboração constante muito útil.
O que é preciso é tirar o parasitismo do funcionalismo público e estimular o trabalho, o zelo e a assiduidade.
Sr. Presidente: há serviços que dão deficit, como os caminhos de ferro do Estado, e contudo o Govêrno não pensou ainda em realizar uma alta política financeira nesse sentido, o que aliás tem sido feito em outros países.
Quando sistematicamente determinado serviço do Estado dá deficit, o que deve ocorrer aos governantes é ver se valerá a pena ou não manter êsse serviço.
Se não convierem, deve passá-los para emprêsas particulares.
Eu bem sei que há serviços que não convém que passem para emprêsas particulares, como os correios e telégrafos, e isto porque a nossa sociedade não está suficientemente preparada para êsse fim.
Todavia em outros países isso se tem feito, como por exemplo em Itália.
Neste país, o chefe do Govêrno, o Sr. Husssolini, que colocou o Parlamento sobre espada de Damocles, pensou e creio que alguns serviços ficaram nessas circunstâncias, em passar os serviços que davam deficit para a rasão de emprêsas particulares, e isto com o intuito de deminuir o deficit global do Estado e fazer com que tais serviços não sejam um embaraço permanente, antes se tornem um elemento de desenvolvimento e progresso.
Vêem, portanto, V. Ex.ª que se torna indispensável realizar, sem delongas, uma política económica que ao País traga benéficos resultados.
Já V. Ex.ª vê que nós podemos realizar uma obra económica sem desorganizar os serviços, sem lançar perturbação alguma na sua marcha regular.
Eu, Sr. Presidente, vou concluir as minhas considerações, por isso que não quero fatigar mais a atenção da Câmara, reservando-me para na devida oportunidade, isto é, quando se tratar das despesas, apresentar mais alguns detalhes, concluindo por dizer simplesmente o seguinte:
Se o Govêrno quere estabelecer o crédito de Portugal, tanto interno como externo, só o poderá fazer desde que a organização orçamental represente a expressão da verdade.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando restituir, nestas condições, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão, estando presente o Sr. Ministro das Colónias, e pedi-a, Sr. Presidente, propositadamente quando S. Ex.ª estava na sala.
Vejo, porém, que o Sr. Ministro das Colónias abandonou esta casa do Parlamento, sem a mínima consideração por um Deputado da Nação.
Reservar-me hei portanto para tratar do assunto amanhã, visto que o não quero levantar nesta ocasião, pedindo então explicações como Deputado, e tomando então pessoalmente o caminho que a minha dignidade me impuser.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.
A noite há sessão para a discussão do Orçamento.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Do Sr. Ministro do Comércio, sôbre a forma do pagamento dos débitos dos mu-

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nicípios à Companhia Geral de Crédito Predial Português.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Ministro da Instrução, criando em Coimbra um estabelecimento de investigação e ensino, com o nome de «Instituto Botânico Dr. Júlio Henriques», em substituição do «Jardim e Museu Botânico».
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de marinha sôbre o n.º 400-D, que manda aplicar aos oficiais, sargentos e praças da armada, reformadas ou no quadro auxiliar, antes de 10 de Maio de 1919 as disposições do decreto n.º 5:571, sôbre reformas para o pessoal do activo.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de guerra, sôbre o n.º 410-E que criou os lugares de segundos comandantes dos batalhões n.ºs 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 8 da Guarda Nacional Republicana.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de instrução superior, sôbre o n.º 401-A, que concede uma época extraordinária de exames nas Faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e Coimbra, em Março de 1923.
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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