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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 53
EM 16 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença dê 45 Srs. Deputados.
Para interrogar a Mesa, o Sr. António Fonseca troca explicações com o Sr. Presidente acerca dos assuntos a tratar antes da ordem do dia, falando no mesmo sentido o Sr. Paulo Caneta de Abreu.
São lidas as actas, diurna e, nocturna, do dia 15, esta última negativa, que são adiante aprovadas com número regimental.
É lido o expediente, e são admitidas propostas de lei, já publicadas no «Diário do Govêrno».
Continua em discussão o parecer n.º 380 (adicionais às contribuições do Estado em favor doa corpos administrativos).
Procede-se à votação do artigo 5.º, salva a emenda. É aprovado, bem como o aditamento do Sr., Almeida Ribeiro.
Entra em discussão o artigo 6.º
É aprovado, tendo usado da palavra os Srs. Morais Carvalho, Amadeu de Vasconcelos, que apresenta um artigo novo, Alfredo de Sousa e Paulo Cancela de Abreu.
Entra em discussão o artigo 7.º, sôbre que apresenta uma proposta de emenda o Sr. Almeida Ribeiro e sôbre que usa da palavra o Sr. Cancela de Abreu.
É concedida a urgência para uma proposto de lei do Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
É aprovado que na sessão do dia 19 entre em discussão, antes da ordem, uma interpelação do Sr. Alves dos Santos ao Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes).
O Sr. Lopes Cardoso interroga a Mesa acerca duma vaga de Deputado no circulo de Bragança.
É pôsto em votação um requerimento do Sr. Vasco Borges com respeito a uma sua interpelação ao Sr. Ministro do Interior.
É aprovado, com modificação, tendo usado da palavra os Srs. Alfredo de Sousa e Jaime de Sousa.
É aprovado um requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos respeitante à discussão do parecer n.º 160.
Ordem do dia (Primeira parte). — Continua em discussão o parecer n.º 424 (empréstimo interno).
Usa da palavra o Sr. Cunha Leal, que fica com ela reservada.
O Sr. Vitorino Godinho manda para a Mesa um parecer da comissão superior de instrução.
Ordem do [dia (Segunda parte). — Discussão da generalidade do Orçamento Geral do Estado.
Na continuação do debate, usa da palavra o Sr. Juvenal de Araújo, que manda uma moção para a Mesa, que é admitida.
Segue-se o Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria).
Antes de se encerrar a sessão. — É aprovado um alvitre do Sr. Almeida Ribeiro para que a sessão imediata se realize no dia 20, por efeito da reunião do Congresso Nacionalista, em nome da qual agradece o Sr. Ginestal Machado.
O Sr. António Fonseca produz considerações sôbre as falsificações duris cheques e adiantamentos a Bancos, respondendo os Srs. Ministros da Guerra e Finanças.
O Sr. Cancela de Abreu trata da repetição de eleições anuladas, respondendo o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Eugénio Aresta refere-se aos termos em que foi feita a um oficial a acusação de revolucionário, respondendo o Sr. Ministro da Guerra.
Encerra-se a sessão, marcando-se sessões, diurna e nocturna, para o dia 20.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Propostas de lei. Parecer. Declaração. Requerimento. Parecer nos termos do artigo 38.º do Regimento.
Abertura da sessão às 15 horas e 16 minutos.
Presentes à chamada Srs. 40 Deputados.
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Diário da Câmara dos Deputados
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que entraram durante à sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas o Vasconcelos.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mário de Magalhães Infante.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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Sessão de 16 de Março de 1923
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cruz.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rogo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximiauo de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Com a presença de 45 Srs. Deputados e pelas 15 horas e 15 minutos declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte
Representação
Dos mestres contratados de línguas, estenografia, dactilografia e de caligrafia do Instituto Comercial de Lisboa, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a comissão de finanças.
Ofícios
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao solicitado para o Sr. Morais Carvalho em ofício n.º 94.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Marinha, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 141 para o Sr. Cancela de Abreu.
Para a Secretaria.
Do Ministério dos Estrangeiros, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Jaime de Sousa em 9 de Janeiro último.
Para a Secretaria.
Do presidente da comissão municipal do Partido Republicano Português de Portalegre, enviando moções aprovadas na sua reunião de 13 do corrente.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Do presidente do Tribunal Mixto Militar Territorial e de Marinha, pedindo autorização para o Sr. Cunha Leal poder depor como testemunha no dia 17 do corrente.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegramas
De cêrca de 300 sargentos frequentando os cursos da escola de Mafra, pedindo a discussão do projecto reforçando a alimentação das praças.
Para a Secretaria.
Dos professores de Alcoentre, Vila Nova de Fozcoa e Ourem, pedindo a aprovação do projecto da cota obrigatória para custeamento do Instituto do Professorado.
Para a Secretaria.
Admissões
São admitidas as seguintes propostas de lei, já publicados no «Diário do Governo":
Do Sr. Ministro do Trabalho, criando no Ministério do Trabalho a comissão de aproveitamento dos carvões nacionais.
Para a comissão de obras públicas e minas.
Dos Srs. Ministros das Finanças e Trabalho, fixando as garantias a reconhecer aos funcionários requisitados para serviço no Bairro Social do Arco do Cego.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs. Ministros dá Guerra e de Marinha, regulando as pensões de reforma do pessoal fabril dos Arsenais da Marinha e do Exército e da Fábrica Nacional da Cordoaria.
Para as comissões de marinha e de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. António Fonseca: — Pedi a palavra para preguntar a V. Ex.ª qual a razão porque se ocupa o espaço de antes da ordem do dia com projectos e interpelações, não ficando aos Srs. Deputados tempo para tratarem de assuntos importantes senão os 5 minutos do antes de encerrar da sessão.
Devo dizer a V. Ex.ª que falando eu poucas vezes, no emtanto, quando o desejo fazer, não me é possível.
Desejava que V. Ex.ª me informasse qual a disposição que permite marcarem-se interpelações para antes da ordem do dia.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há disposição alguma; foi uma arbitrariedade minha, mas feita na melhor boa fé. Não reparei que tinha sido alterado o § único do artigo 134.º
Não tenho senão que dar razão a V. Ex.ª
Com respeito ao caso de se discutirem projectos antes da ordem, é a própria Câmara que o resolveu.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Estamos de acôrdo no fundo; o que desejamos é a lógica no tocante à sucessão dos trabalhos da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: a interpelação que V. Ex.ª anunciou para hoje era por mim e o Sr. Alves dos Santos feita ao Sr. Ministro do Comércio.
Não podemos deixar de concordar com o Sr. António Fonseca, tanto mais que nós daqui temos protestado no mesmo sentido.
O assunto que eu desejaria, tratar não envolve política, e eu pediria a V. Ex.ª que o marcasse para quarta-feira.
O orador não reviu.
Prossegue a discussão do parecer n.º 980.
Leu-se uma emenda e foi aprovada.
Foi aprovado o artigo 5.º com um aditamento do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procedeu-se à contraprova e verificou-se estarem de pé 20 Srs. Deputados e sentados 36.
Foi aprovado.
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Propostas
Proponho que no final do artigo 5.º se acrescentem as palavras: «sendo porém restabelecido o n.º 5.º do § 1.º do artigo 8.º da citada lei n.º 88».
Proponho mais que ao mesmo artigo 5.º sejam adicionados os seguintes parágrafos:
§ 1.º Os funcionários da fiscalização do ensino são inelegíveis para as comissões, executivas dos corpos administrativos, e não podem fazer parto de corporações administrativas, nem exercer juntamente qualquer outro cargo publico de nomeação.
§ 2.º Os empregados aposentados dos corpos administrativos são inelegíveis para aqueles por cujo cofre recebam a pensão respectiva. — A. de Almeida Ribeiro.
Foi aprovado o § 2.º
Leu-se o artigo 6.º da comissão.
O Sr. Morais Carvalho: — Do artigo em discussão vê-se que os legisladores republicanos andam perfeitamente desorientados com os números que hão-de atribuir, quer aos corpos administrativos, quer às respectivas comissões executivas.
Sr. Presidente: pela lei fundamental n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, a Câmara Municipal de Lisboa tinha 54 vereadores e a sua Comissão Executiva 9; a Câmara Municipal do Pôrto tinha 54 vereadores e a sua Comissão Executiva 7; nas câmaras dos concelhos de 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem, respectivamente 32 e 9, 24 e 7, 16 e 5.
Eram os corpos administrativos constituídos à feição de pequenos parlamentos, visto que, sobretudo nos concelhos de Lisboa e Pôrto e nos concelhos de 1.ª ordem, o número de vereadores em cada um dêles andava respectivamente por 54, 45 e 32.
Veio depois a lei n.º 1:328, de 26 de Agosto de 1922, quere dizer, não há ainda um ano, e alterou profundamente êstes números que acabei de citar.
Sr. Presidente: parece-me que depois desta redução tam importante o Parlamento deveria dar-se por satisfeito, dando tempo ao tempo, a fim de se verificar se na prática aquela nova orientação dava resultado.
Mas não.
Quere-se fazer nova alteração, devendo notar desde já que o artigo 6.º, tal como o propõe a comissão de administração pública, diverge do projecto da autoria dos Srs. Pedro de Castro, Joaquim Gomes de Vilhena e Amadeu Leite de Vasconcelos.
Por êste projecto alterava-se ùnicamente o número das comissões executivas, ficando as de Lisboa e Pôrto em 7, concelhos de 1.ª ordem em 5 e os de 2.ª e 3.ª em 3 cada.
Na verdade, Sr. Presidente, parece-me que é transcendente o problema de fixar o número dos vereadores dos corpos administrativos, porquanto o parecer da comissão fixa igual número para as Câmaras de Lisboa e Pôrto e concelhos de 1.ª ordem, apesar de nas duas primeiras se me afigurar que deve ser maior, visto que os serviços demandam muito mais tempo e trabalho, dada a grandeza dessas cidades e a responsabilidade dos mesmos serviços.
Sr. Presidente: eu devo dizer a V. Ex.ª que sendo em geral contrário a comissões muito, numerosas, especialmente quando se trata de comissões. que têm funções executivas, não me repugna em absoluto a redução que se pretende fazer; todavia o que não posso deixar de estranhar é esta preocupação de todos os dias se andar a substituir disposições já votadas, sem aguardar primeiro que o tempo nos diga se dão ou não bons resultados.
E contra isto que me insurjo, e não sendo, repito, contrário à redução que se pretende fazer, entendo no emtanto que as Câmaras de Lisboa e Pôrto devem, nas suas comissões executivas, ter maior número de vereadores do que aqueles que no parecer da comissão se propõe.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério, e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei, referente a subsídios à Guarda Republicana, pedindo a V. Ex.ª para consultar a Câmara sôbre se concede a urgência.
A proposta de lei vai adiante publicada por extracto.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Amadeu de Vasconcelos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de artigo novo, que V. Ex.ª porá em discussão quando julgar conveniente.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: já o meu querido amigo Sr. Morais Carvalho apresentou a V. Ex.ª e à Câmara, a nossa maneira de ver acerca do assunto em discussão.
Realmente, Sr. Presidente, é de estranhar que, a propósito de uma lei que se destina especialmente a fazer o aumento das percentagens das câmaras municipais sôbre as contribuições gerais do Estado, se lhe introduza matéria inteiramente estranha.
E para estranhar é que tenha de ser eu quem venha aqui defender princípios contidos nos programas dos partidos da República!
Até na própria Constituïção da República se consignou a obrigação de o 1.º Congresso promulgar um novo Código Administrativo.
Não obstante nada, se fez ainda neste sentido, e isto constitui mais uma razão a juntar às muitas que já existem e que nos dão o direito de afirmar que a República continua fora da Constituïção.
É preceito do artigo 85.º
Quando aparece pois, o Código Administrativo?!
Existe um simulacro dele: é a lei n.º 88, de 8 de Agosto de 1913.
Mas ela é tam incompleta, que se tornou necessário fazê-la acompanhar das disposições da lei n.º 621 de 1916 e de disposições complementares dos códigos de 1878 e 1896.
E o que é curioso é que a República, neste ponto, andou para trás; a monarquia tinha o Código de 1896; a República foi buscar o de 1878.
A lei n.º 88, fixando o número de vereadores das câmaras municipais, estabeleceu que nos concelhos de primeira ordem o número de vereadores fôsse de 7, e em Lisboa e Pôrto de 9.
A lei de Agosto do ano passado, baseada certamente nos mesmos fundamentos, manteve também a mesma percentagem.
Pelo parecer n.º 380, em discussão, pretende-se agora reduzir, também, a 7 o número de vereadores das Câmaras de Lisboa e Pôrto, igualando-o aos concelhos de primeira ordem.
Argumenta-se em abono de tam peregrina disposição que o mecanismo administrativo das Câmaras de Lisboa e Pôrto se encontra montado por forma que a missão das suas vereações é muito facilitada.
É certo que os seus serviços se encontram discriminados por diferentes repartições onde o pessoal abunda; mas êsse facto não atenua a grande responsabilidade dessas vereações na fiscalização dos serviços e em tudo o que interessa a cidades tam importantes.
O trabalho das suas comissões executivas tem de ser mais ponderado, mais cuidadoso e mais assíduo do que nos outros concelhos.
E, Sr. Presidente, uma vez que estamos com as mãos na massa porque não estabelecemos já neste diminua o principio da chamada representação das minorias nas comissões executivas?
Não é esta uma excelente ocasião para o fazer?
Para terminar, eu declaro a V. Ex.ª que considero abusivo o sistema de o Govêrno estabelecer o número de nomes que deve figurar em cada lista eleitoral, por decreto ditatorial, como sucedeu ultimamente rias vésperas das últimas eleições municipais.
E ao Parlamento que compete tal missão.
Tenho dito.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Ouvi com toda a atenção as considerações feitas pelos ilustres Deputados Morais Carvalho e Cancela de Abreu, e devo dizer, em nome da comissão e como relator do projecto, que. não posso concordar com S. Ex.ªs
A maioria elege uma comissão executiva; logo os seus membros são representantes do uma maioria.
Como V. Ex.ª sabe, os vereadores dos pelouros nas comissões de Lisboa e Pôrto têm muito plenos trabalho do que em qualquer outra, porque os municípios têm as respectivas repartições organizadas com o seu chefe e pessoal competente, ao passo que em outras terras são os vereadores que têm de fazer tudo.
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Em resumo, entendo que deve ser aprovado o artigo 6.º tal como está.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lido o artigo 6.º
O Sr. Presidente: — Vai votar-se.
Procede-se à votação.
O Sr. Presidente: — Está aprovado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procedeu-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 23 Srs. Deputados e sentados 37. Está aprovado.
Foi lido e entrou em discussão, o artigo 7.º
O Sr. Almeida Ribeiro: — Estou de uma forma geral de acôrdo com o artigo em discussão, mas sou levado a divergir em parte, porque estou convencido de que na maioria dos concelhos do País não há os elementos técnicos de informação necessários para apreciar as condições em que funcionam as indústrias, classificadas de perigosas, incómodas e tóxicas, porque muitas destas indústrias dependem de conhecimentos técnicos para se poder fazer uma fiscalização aceitável.
Êstes conhecimentos estão fora do alcance dos funcionários administrativos.
No Código de 1842 atribuía se às câmaras municipais a superintendência nestes serviços, mas esta disposição tam depressa se revelou destituída do alcance prático, que pouco depois, em 1855, foi alterada de modo a dar ao Govêrno uma intervenção directa neste assunto.
O que eu posso garantir a V. Ex.ª é que essa disposição levantou dúvidas e várias dificuldades, e tais foram elas, que ainda por um decreto do ano passado se passou a um extremo exatamente oposto.
Parece-mo, pois, Sr. Presidente, que haveria uma maneira de conciliar os interêsses de todos, isto é, introduzindo na lei uma espécie de sistema transitório, segundo o qual as licenças para a instalação o funcionamento de estabelecimentos insalubre, incómodos e perigosos do todas as classes continuassem a ser concedidas pelo Ministério do Trabalho, visto possui pessoal com os conhecimentos necessários para tal, e às outras indústrias, embora classificadas, mas que não exigem pessoal habilitado para as fiscalizar, as licenças fossem concedidas então pelas câmaras municipais.
Creio que desta forma se poderia resolver o assunto a contento de todos, tanto mais quanto é certo que, segundo um mapa que tenho presente, há várias indústrias.
Como acabo de mostrar, lendo, há uma série de indústrias que se exercem por toda a parte cujas licenças podem perfeitamente ficar a cargo das câmaras municipais.
Por isso eu mando para a Mesa uma proposta.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Almeida Ribeiro.
Foi lida, admitida e, será publicada quando sôbre ela se tomar uma resolução.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Ex.ª e à Câmara que discordamos inteiramente do artigo em discussão.
Não compreendo que a propósito de uma lei destinada a aumentar a percentagem de adicionais para as câmaras municipais, se vá introduzir mais uma vez matéria estranha desta gravidade.
Desta forma, estamos a fragmentar e complicar ainda mais a legislação existente.
Declaro francamente à Câmara que não concordo com a emenda apresentada pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro. Quando se discutir o Código Administrativo que o Sr. António Maria da Silva e os seus amigos prometeram...antes de 5 de Outubro, será então ocasião de se alterar o que está estabelecido.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam as actas queiram levantar-se.
Foram aprovadas.
Foram admitidas as propostas de lei
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do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro das Finanças, que vão adiante publicadas por extracto.
O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Tribunal Militar pede para o Sr. Cunha, Leal ir depor no próximo dia 17.
Os Srs. Deputados que concedem queiram levantar-se.
Foi concedida.
O Sr. Presidente: — O Sr. Cancela, de Abreu requereu para que seja dada para antes da ordem do dia da próxima quarta-feira a interpelação do Sr. Alves dos Santos ao Sr. Ministro do Comércio.
Os Srs. Deputados que aprovam, queiram levantar-se.
Foi aprovada.
O Sr. Lopes Cardoso: — Eu peço a V. Ex.ª o obséquio de me dizer se a Câmara já deu conhecimento oficial da vaga de Deputado pelo circulo de Bragança, o deixada pelo falecimento do Sr. João Pessanha, ao Ministério do Interior.
O Sr. Presidente: — Eu creio que sim; no emtanto vou-me informar oficialmente.
O Sr. Deputado Vasco Borges requere para que seja dado para têrça-feira e para antes da ordem do dia a sua interpelação ao Sr. Ministro do Interior e para a qual S. Ex.ª o Sr. Ministro já se deu por habilitado a responder.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção de V. Ex.ª e da Câmara para a conveniência que há em se discutir e votar o parecer n.º 380, que é da máxima importância, visto que, se êle não fôr aprovado, os municípios não poderão pagar aos seus funcionários.
Acho, pois, de toda a conveniência que o requerimento feito pelo Sr. Vasco Borges seja feito sim, mas sem prejuízo do parecer n.º 380, que é da mesma importância.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: pedi a palavra para reforçar as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Alfredo de Sousa, e para apresentar a V. Ex.ª o seguinte alvitre: para que a interpelação do Sr. Vasco Borges seja dada para quinta-feira, antes da ordem do dia, não se prejudicando assim a discussão do parecer n.º 380, que é da máxima importância.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Ex.ª que estou de acôrdo com o alvitre apresentado pelo ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa, isto é, para que a minha interpelação ao Sr. Ministro do Interior seja marcada para quinta-feira.
O Sr. Presidente: — E se nessa altura não estiver votado ainda o parecer n.º 380?
O Orador: — O meu requerimento é sem prejuízo da votação dêsse parecer.
Foi aprovado.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª a fineza de consultar a Câmara sôbre se permite que seja incluído «no antes da ordem do dia», sem prejuízo dos oradores que se inscreverem e dos projectos que já estão marcados para a discussão, o parecer n.º 160, vindo do Senado e cuja discussão na generalidade já aqui foi encetada.
Foi aprovado.
ORDEM DO DIA
Primeira parte
O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão do parecer n.º 424, relativo ao empréstimo.
Tem a palavra o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: assim como o Sr. Barros Queiroz, ao iniciar brilhantemente a discussão da proposta do empréstimo, quis fazer sentir à Câmara uma cousa, que de resto era escusado frisar, — que S. Ex.ª não era movido na discussão que ia fazer sôbre a proposta senão, pelo alto e nobre desejo de bom servir o País — eu quero também acentuar que não é o propósito de
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obstrucionismo nem o desejo duma oposição sistemática que me levam a tomar uma atitude decididamente hostil à proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Faço ao Sr. Ministro das Finanças a justiça de acreditar que S. Ex.ª está absolutamente convencido de que a sua proposta irá bem servir o País, sendo convertida em lei.
Não quero esquecer-me de que o Sr. Vitorino Guimarães é aquele homem a quem eu pedi que assumisse a gerência da pasta das Finanças quando um dia, por mal, dos meus pecados, tive de assumir a Presidência do Ministério.
Sei que S. Ex.ª é um homem de bem, um português honrado e uma criatura que quere servir o País com inteligência o honestidade.
Sr. Presidente: antes de ser aqui debatido esto assunto eu tive a honra de o tratar lá fora, na imprensa, sem brilho, é certo, mas com toda aquela inteligência, que eu podia pôr ao serviço do meu país.
E quero acentuar, usando do natural desforço que a todo o homem de bem é permitido, que emquanto os que atacavam a proposta do Sr. Ministro punham os seus bons desejos absolutamente fora de causa, os correligionários do Sr. Ministro das Finanças, para fazerem a defesa da proposta lá fora, não sabiam ter outro argumento senão o da lama que lançavam aos seus adversários.
Eu quero, acentuando esta circunstância, dizer ao Sr. Ministro das Finanças que nós, os homens da oposição, somos suficientemente generosos para com S. Ex.ª para lhe perdoarmos a existência dêsses correligionários e para lhe dizermos que, apesar de tudo, continuamos a ter por S. Ex.ª aquela consideração que nos merece o sou carácter.
O que é a proposta chamada do empréstimo?
E uma Babilónia de propostas, uma Confusão de propostas, dentro das quais nos encontramos uma curiosíssima proposta de empréstimo, uma curiosíssima tentativa de contrato com o Banco de Portugal. E esta curiosíssima tentativa de contrato com o Banco encerra, como principal objectivo, a idea de ser permitido um aumento da circulação fiduciária para fins que interessam directamente o Estado, e também a idea duma tentativa da venda da prata para a converter em valores equivalentes a ouro, criando uma segunda circulação fiduciária própria do Estado, paralelamente à circulação do Banco de Portugal.
Teria sido por um mero acaso, por uma verdadeira coincidência, que o Sr. Ministro das Finanças fez esta proposta? Não. S. Ex.ª estabeleceu propositadamente a confusão.
Acredite a Câmara que a proposta de empréstimo é simples e cruamente o disfarce da proposta de aumento da circulação fiduciária.
Não teve S. Ex.ª a coragem de vir aqui dizer que as necessidades do País exigiam um aumento da circulação fiduciária, e então S. Ex.ª, que estava amarrado ao seu passado, que era de negação a êsse aumento, procurou a forma elegante de aumentar a circulação fiduciária, fazendo um curiosíssimo relatório em que condena essa inflação.
Mas esta poeira que só pretende assim lançar aos olhos do Poder Legislativo não poderia evidentemente conseguir os seus resultados.
O Poder Legislativo é muito mais inteligente do que o próprio Poder Executivo cuida e pensa.
O Poder Legislativo sabe ler nas entrelinhas, estabelecer a destrinça e não se deixa ir pelas fantasmagorias de raciocínio, com que se condena num relatório o aumento da circulação fiduciária para apresentar uma proposta que não tem outro objectivo que não seja o de determinar êsse aumento da circulação fiduciária.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que eu, antes de continuar na análise da proposta do Sr. Ministro das Finanças, laça uma afirmação muito clara e categórica: nós, os homens da oposição parlamentar, temos concordado com a política do empréstimo, e não a repudiamos.
Não afirmamos que não queremos que o empréstimo se realize. Nós queremos que êle se efectue, mas em condições que não sejam absolutamente vexatórias para o País.
Infelizmente estou a convencer-me, pelo exame das cousas que vão passando, que precisamos de fazer uma absoluta política do compressão de despesas, de restrições, tanto quanto possível.
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Precisamos de restringir o exército e o funcionalismo público. Sem isso, todos o reconhecemos, não há salvação possível. Mas até lá, até que essa política surta os seus efeitos, precisamos de viver, e para isso é indispensável um empréstimo, quer seja um empréstimo forçado ou qualquer outra modalidade.
Quais eram as modalidades de empréstimo que o Sr. Ministro das Finanças poderia tentar?
Poderia S. Ex.ª tentar um empréstimo em escudos ou um empréstimo em libras, e neste último caso poderia tentar êsse empréstimo dentro ou fora do País. As vantagens duma ou doutra destas operações são evidentes, porque ambas permitem ao Estado viver sem recorrer ao aumento da circulação fiduciária, embora só uma delas tivesse uma acção directa de influência no câmbio.
O empréstimo realizado em escudos não poderá ter uma importância decidida. na situação cambial, a não ser que permitisse o encurtamento da circulação fiduciária.
O empréstimo em libras, êsse sim, trazendo um caudal de ouro para o País, poderia realmente determinar uma melhoria assaz sensível na cotação da nossa moeda.
Mas, entre estas duas soluções, qual foi aquela que o Sr. Ministro das Finanças preconizou?
Foi um empréstimo em escudos?
Foi um empréstimo em libras?
Não, Sr. Presidente. Trata-se dum empréstimo duma variedade curiosa.
É recebido em escudos e liberado em libras. E, portanto, um empréstimo especial, em virtude do qual o Estado cria títulos representativos de libras, que passa ao público, recebendo dêsse público apenas escudos.
Parece que nesta operação houve o cuidado de evitar a hipótese do Estado algumas vezes poder receber libras, como se elas pudessem queimar as mãos.
O Estado afastou cautelosamente tal hipótese, e sendo assim, assentou em duas operações distintas: operação de empréstimo e operação de venda de libras; operação cambial e operação do empréstimo.
A discordância de todos aqueles que têm atacado a proposta de lei do Sr. Ministro é em virtude da operação da conversão das libras em escudos.
Essa operação é a maior tentativa de especulação que de há muito se concebeu em Portugal.
E vem a propósito dizer algumas palavras sôbre essa especulação.
Sob o ponto de vista comercial ou cambial, é uma operação absolutamente natural.
Os velhos tratadistas, quando nos querem convencer de que a especulação comercial é uma cousa lícita, dizem que ela vem já dos tempos bíblicos.
A maior especulação de que reza a história bíblica é a operação feita por José em terras do Egipto, tornando em sete anos de fartura sete anos de fome.
Para isso êle fez uma simples operação comercial ou especulação.
Arrecadou todo o trigo que comprou, ou todo o trigo que foi requisitado.
Depois, nos três primeiros anos de fome, comprou todas as terras do Egipto com o trigo que tinha armazenado durante os sete anos de fartura.
Riso.
Eis o primeiro exemplo de especulação comercial que encontram os tratadistas quando estudam muitas providências comerciais, em virtude das quais cada um procura comprar muito e a tempo para evitar prejuízos.
E uma cousa inerente à própria natureza, das operações comerciais:
Sucede porém, que a especulação em épocas normais tem sempre o efeito de uma operação lícita.
Mas necessàriamente a especulação em épocas de crise, de desvalorização crescente da moeda, quási que se transforma num instrumento de desvalorização, de imoralidade na sociedade.
E a razão é simples.
Quando o câmbio oscila, em virtude de leis naturais, as operações, de especulação, acentuam-se e a oscilação torna-se maior.
Mas a diferença entre aquilo que devia ser a posição da moeda e o que tinha em virtude da especulação, é quási tam pequena, que de facto não influi nas condições de vida.
Mas quando se produz uma deminuïção constante do valor da moeda, essas oscilações, motivadas pela especulação, tor-
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nam-se perigosas e é necessário meter os especuladores dentro da ordem.
Apoiados.
O Sr. Ministro das Finanças, lembrou-se de inventar a mais formidável especulação que jamais foi concebida em Portugal.
Vejamos qual o pensamento do Sr. Ministro das Finanças.
S. Ex.ª ao que parece, pensou desta forma:
O Estado Português é governado por homens inteligentes, e os dirigidos suo pessoas naturalmente burras.
Então, eu que sou esperto, vou aproveitar-me da sua fraqueza intelectual para os roubar duas vezes.
Por isso peço emprestado por cada uma libra 4$50 e constituo assim título de dívida pública que entrego a determinadas criaturas.
A compra dêsses títulos arrastará a desvalorização dos outros títulos que, continuando a dar o mesmo juro, prejudicará enormemente os órfãos, e outras pessoas que vivam dos seus juros e numerosas instituições de beneficência, como as Misericórdias do País, causando perturbações profundas.
Apoiados.
Mas num dado momento, o Estado que continua a ser «esperto» e o povo, que continua a ser o «ingénuo» resolve uma cousa: decretar que a moeda chegue ao ponto mais baixo.
Êste decreto é com o consentimento do Sr. Velhinho Correia.
S. Ex.ª julga que não é possível baixar mais.
A êste respeito contarei o seguinte:
Quando era Ministro das Finanças o Sr. Rêgo Chaves, o câmbio estava a 24 é passou para 20, passando mais tarde para 27.
Suponhamos que o Sr. Rêgo Chaves decretava que o câmbio não podia baixar mais.
Mas o câmbio veio para 10, 8, 4» 3 e 2.
Portanto foi possível essa baixa cambial vertiginosa.
Se o Sr. Rêgo Chaves tendo em atenção que o câmbio nunca mais baixaria, se lembrasse de fazer uma operação de conversão, vendendo libras por títulos do 8,3 e o câmbio viesse para 24 ou para 20, pregunto: em que situação o País estaria, se o câmbio continuasse a marcha descendente até àquele limite, abaixo do qual, nada mais é possível, em matéria de divisa cambial?
Então, tendo o auxílio, não digo do Deus Padre todo Poderoso, mas do único crente que é o Sr. Velhinho Correia...
Interrupção do Sr. Velhinho Correia...
O Orador: — Chegou o câmbio à casa dos 6.
De repente tem uma queda brusca.
E como se uma doença da qual se vá seguindo o curso do mal, e em certa altura considerando os recursos insuficientes, se deixam as cousas seguir o seu caminho independentemente da vontade.
O Sr. Velhinho Correia: — E de repente há mais 2:000 contos de circulação fiduciária.
O Orador: — Eu não preciso, pela tal consideração que tenho por S. Ex.ª que me peça licença para interromper; mas quando ainda por cima S. Ex.ª me fornece o melhor argumento para reforçar as minhas considerações, como poderei deixar de agradecê-lo a S. Ex.ª?
E de repente, diz S. Ex.ª, precisam-se mais 2:000 contos de circulação fiduciária cavando-se de todo em todo a ruína do País.
Apoiados.
O Estado não deve roubar ou prestar mistas do mesmo Estado.
Reconheceu que tinha chegado ao limite mais baixo das divisas cambiais; e pensou o seguinte:
Vou arranjar uma cilada.
Como tenho a. certeza que ao câmbio de 5 ou 6 a libra está a 100$, se ela baixar pata 50$, toda a gente compra; mas como tenho a certeza que ela vai para 40$, isto é um bom negócio. Êles julgam que compraram bem.
A operação, porém, vai ser ruinosa para o Estado.
Tal como é projectada é ruinosa; mas quem faz o ataque são os inimigos do País.
Quem não quere a vida barata são os inimigos do povo;
São os que devem ser, no próximo 19
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de Outubro, apontados às iras da multidão.
Apoiados.
E então com a minha cabeça, que não pede licença a ninguém para pensar, com o meu critério, bom ou mau, mas com tanta isenção patriótica como o Sr. Ministro das Finanças (Apoiados], afirmarei que êstes homens não querem outra cousa senão que continue a miséria e a fome entre em todos os lares.
Apoiados.
E apontam-se êstes homens à multidão como inimigos do povo. Isto é demais!
Apoiados.
A minha vida não sei se é longa; sou ainda muito novo; mas estou em melhor caminho que o Sr. Ministro das Finanças e que aqueles que acreditam que a situação melhoro dum momento para o outro por virtude duma lei. Melhorará, mas não assim.
Procurar-se há melhorá-la.
O Sr. Ministro das Finanças disse que era preciso saber qual a política da comissão de finanças; em face dessa política a proposta que êle apresentava podia ser considerada como boa ou não.
Nas condições em que estamos poderia ser aumentada a, circulação fiduciária sucessivamente, dizem uns. Outros pretendem criar o regresso metódico da moeda à posição natural, deminuindo a circulação fiduciária.
Outros ainda pretendem estabilizar a moeda, uns num ponto alto, outros num ponto baixo.
Dentro destas modalidades era preciso que a comissão de finanças definisse qual a sua política, e a maneira como encarava as futuras medidas.
O que é preciso que o País saiba isto: é que o Sr. Ministro das Finanças só encontra uma pessoa, não da oposição, com pequenas reservas: o Sr. Velhinho Correia.
Fora, não aparece ninguém mais a defender os seus pontos de vista.
Apoiados.
A certa altura o Sr. Ministro insistia pela discussão, e de parte da oposição não houve discordância por não querer criar dificuldades.
A proposta aparece, apesar de a comissão declarar que ninguém dentro da comissão pronunciou uma palavra sôbre a proposta que não fôsse o Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Presidente: por acaso o Sr. Ministro das Finanças foi nosso representante na Conferência de Génova. Ora foi exactamente nessa conferência de Génova que começou a ver-se nitidamente o problema. Tudo que provém de todas as outras conferências não passa de vagos conselhos. Foi na Conferência de Génova que se disse: os países cuja moeda se tenha afastado, muito da paridade antiga, devem procurar estabilizar essa moeda e fazer a sua conversão, mas esta operação deve fazer-se no momento em que. se fez a estabilização.
O Sr. Ministro das Finanças pretende o contrário do que saiu da Conferência de Génova, que disse: estabilizem a moeda e convertam a depois. Nem doutra forma poderia ser.
Na desgraça não há limites.
A Áustria, a Alemanha e a Rússia são exemplos seguros disso. Repare V. Ex.ª no que sucede quando os. aliados resolvem intervir na Áustria com o seu auxílio,
Dizem-lhes que ponha as libras num ponto artificial? Não!
O que fazem? Apanham a situação da Áustria em dado momento e em relação àquilo que era a cotação da coroa nesse momento é que tentam a estabilização.
Esta operação é a mais monstruosa especulação por parte do Estado.
É muito fácil esta operação.
Como V. Ex.ª sabe, e era então Ministro das Finanças o Sr. Portugal Durão, os Bancos de Lisboa combinaram-se em fixar cada dia um câmbio que não era a realidade das cousas e fixaram um câmbio fictício, mas no dia em que se cansaram deixaram de fixar êsse câmbio e logo as divisas vieram para a casa dos 2.
Não é portanto uma impossibilidade o que estou a dizer; é um raciocínio que não deixarão dó fazer os homens que tenham de tomar o empréstimo.
O empréstimo tal como se apresenta, há-de necessàriamente dar lugar a dois períodos de especulação, em que os interêsses do primeiro período hão-de ser antagónicos do segundo, porque no primeiro período far-se há melhorar o câmbio e no segundo tentar-se há piorar o câmbio.
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O Sr. Velhinho Correia: — É o que acontece com todos os empréstimos ouro.
O Orador: — Eu sei qual o raciocínio que se tem trazido a esta Câmara para a convencer de que o Estado...
O Sr. Velhinho Correia: — V. Ex.ª dá-me licença?
O que eu dizia é que o facto que V. Ex.ª acaba de notar é o defeito de todos os empréstimos em ouro: pagar-se hão tanto mais escudos quanto menor fôr a divisa.
O Orador: — Sr. Presidente: se não estou em êrro o grande argumento desta trapalhada é a tal operação de iludir o tomador, fazendo crer numa provável melhoria de câmbios com a deminuïção de encargos.
Mas então, pregunto eu, porque se não faz a operação em libras se a liquidação, juros e outros impostos contratuais serão proporcionais ao câmbio de ante-mão fixado, evitando-se que o Estado se entregue amarrado em tal operação?
Interrupção do Sr. Velhinho Correia que se não ouviu.
O Orador: — A primeira proposta marcava um encargo muito diferente da segunda.
Imaginem V. Ex.ªs que o câmbio estava a 4, mas que depois voltava para, 12.
Aqui tem V. Ex.ª já um encargo muito diferente.
O ponto principal e fundamental é o máximo do encargo; o resto é a forma, mais ou menos cómoda, e o que importa são os 15 por cento.
O Sr. Ministro das Finanças disse que as dívidas externa e interna tinham já. um encargo que podia chegar a 18 por cento.
V. Ex.ªs sabem que as leis naturais tem a sua influência pouco a pouco nas cousas.
Vejamos: o Sr. Ministro lança o empréstimo na praça em excelentes condições; há foguetes nos arraiais do partido, vai realizar-se a grande obra de regeneração da República.
Até aqui vai bem; mas depois?
Para um empréstimo externo estava bem, porque então teríamos a esperança de com a transacção melhorarmos êsse câmbio, tendo essa esperança desde que o empréstimo tivesse uma amplitude relativamente grande; para um empréstimo interno não se compreende.
Pois se se quere fazer um empréstimo em réis destinado ao Brasil, porque se não convertem êsses réis em libras, depositando o produto em Londres?
Ora, Sr. Presidente, o que é que esta proposta nos diz?
Diz-nos, por um lado, que o Sr. Ministro das Finanças pode emitir até 140:000. 000$ de papel moeda para os seus usos próprios, mas que, por cada 70:000. 000$ para os usos próprios, o Banco de Portugal pode emitir mais 10:000. 000$.
Arranjam-se depois mais uns célebres bens da moeda que podem chegar até 40:000. 000$ e temos, portanto um total de 200:000. 000$.
Mas o Govêrno vai pô-los em circulação?
Necessariamente o faz, porque o Govêrno declara que não tem os recursos precisos para os seus encargos e quere recorrer ao aumento da circulação, sabendo, de resto, toda a gente que só ao fim de bastantes meses o produto do empréstimo começará a entrar nos cofres do Estado.
Vamos, pois, ficar condenados a um novo aumento de circulação fiduciária e, se verificarmos quais são as condições do Orçamento Geral do Estado, verificaremos também que 200:000. 000$ não são uma cousa excessiva para as necessidades até ao fim do ano económico.
Agora, vamos a outro caso. O Govêrno fantasiou um convénio com o Banco de Portugal, em que ambos falsificaram o contrato existente. O Banco, naturalmente, responderá perante os seus accionistas, que decerto preguntarão aos gerentes em que alínea do contrato se fundamentaram para fazer uma cousa absolutamente ilegal, mas o Govêrno responde perante nós. Que convénio diz que o Estado deposita no Banco de Portugal as libras provenientes da exportação recebendo a importância que ao câmbio lhe corresponde em escudos, e, como o Banco não tem escudos, aumenta a circulação fiduciaria na importância equivalente.
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Seria curioso que o Sr. Ministro das Finanças explicasse toda a mecânica dessa operação, pois que, na verdade, se vê pela primeira vez um Banco promover a desvalorização da sua própria moeda.
Vejamos ainda no contrato a alínea que diz que o Banco de Portugal tem uma circulação própria, mas que pode aumentá-la correspondentemente às quantidades de ouro que adquiriu e tenha em reserva.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Não é isso o que lá está. Não é se o Banco adquiriu, mas sim se tiver em seu poder, o que é diferente.
O Orador: — Qual é a importância em que pôde ser aumentada a circulação fiduciária, se depositarem 5:000 contos no Banco de Portugal? Evidentemente, só 5:000 contos, porque as notas para o Banco valem ouro. E claro que para sair de dificuldades o Ministério depositou libras e levantou contos...
O Sr. Presidente (interrompendo) — Previno V. Ex.ª que tem cinco minutos apenas pára poder usar da palavra na sessão de hoje.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Agradeço a gentileza da Câmara, mas como me sinto muito fatigado, se V. Ex.ª consentir eu fico com a palavra reservada para a próxima sessão.
Ficou com a palavra reservada.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelo Sr. Velhinho Correia.
O Sr. Vitorino Godinho: — Mando para a Mesa, por parte da comissão de instrução superior, o parecer sôbre o projecto de lei n.º 353-C.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na segunda parte da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Segunda parte
Discussão na generalidade do Orçamento
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente: continua em discussão, na generalidade, o Orçamento Geral do Estado e das propostas orçamentais dos diferentes Ministérios. Antes de produzir sôbre êste assunto algumas rápidas considerações, permita V. Ex.ª que eu lamente e estranhe a forma como nesta casa do Parlamento se está procedendo à discussão orçamental.
Está de facto em discussão não só o Orçamento Geral do Estado, mas também as propostas orçamentais referidas aos onze Ministérios.
Sabemos que cada um dos orçamentos marca a iniciativa do respectivo Ministro, e sabemos que os diferentes serviços são fundamentalmente diversos pela sua natureza, pela sua organização e pela sua função. Sabemos que o momento da discussão orçamental é o único em que o Poder (Legislativo tem para saber a maneira como os serviços públicos estão organizados.
Pois é esta discussão, que requere grandes estudos, que se encontra numa amálgama incompreensível!
Os Deputados católicos tem autoridade para esta crítica, porque quando se discutiu a forma de fazer a discussão orçamental e se viu que as direitas da Câmara reclamavam uma larga discussão, apresentaram uma proposta que procurava um termo médio entro os critérios divergentes e salvaguardava os verdadeiros interêsses nacionais. Desejávamos que a discussão na generalidade dos orçamentos se fizesse separadamente, nos termos do Regimento.
Sr. Presidente: já vários oradores aqui têm afirmado que o Orçamento é o documento mais importante da vida do Espado, que é o documento onde se reflecte a opinião do Govêrno sôbre os mais diversos ramos da administração pública. É, pois, o compêndio que, pràticamente, marca a verdadeira rota da. vida social dos Estados. Entretanto, apesar de ser esta a lunação do Orçamento, vejo que êste de modo algum corresponde àquilo que esperávamos do Govêrno.
Formam-se as grandes fôrças políticas, sucedem-se os Governos nas cadeiras do Poder, multiplicam-se por êsse país fora as sessões de estudo e propaganda, que a toda a parte leva o eco do pensamento e, das aspirações dessas grandes forças- sociais, mas por toda a parte
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também se vive no anseio de uma época rasgada do reformas.
Mas, com mágoa o digo, quando se chega à época da realização, todas essas propostas se esquecem.
Justamente no momento em que podíamos estar apreciando um plano de finanças, estamos em presença de uma simples conta do Estado, com um deficit aproximado, segundo diz o Sr. Ministro das Finanças, em 140:000 contos.
Quando ouço falar em defidts orçamentais, recordo-me sempre duma frase, que há mais de quarenta anos foi pronunciada nesta Câmara, por um estadista de saudosa memória, Saraiva de Carvalho: «Estamos em face de um orçamento erradamente calculado e calculadamente errado». Não sei, Sr. Presidente, se a história se repete, nem me preocupa o montante do deficit; o que mais me preocupa é a sua natureza, a sua origem.
Sr. Presidente: como V. Ex.ª e a Câmara sabem, os deficits orçamentais provêm ou de uma deramulção de receitas ou de um aumento de despesas.
Relativamente, à primeira hipótese, não me parece que seja aplicável, porquanto os impostos têm sido muito e muito aumentados.
Portanto, temos de concluir que o deficit apresentado provém de um aumento de despesas.
Mas, examinando minuciosamente o Orçamento, eu vejo, Sr. Presidente, que nós estamos, de facto, em presença de um deficit de mau carácter, sendo por isso, a meu ver, necessário e urgente seguir-se uma política económica e financeira muito diversa da que se tem seguido até hoje, reformando-se os serviços públicos de forma a que se possam eliminar todas as despesas inúteis e parasitárias, criando-se novas receitas som sacrificar o contribuinte.
Só êsse deficit fôsse devido ao desenvolvimento da agricultura e da indústria, isto é, destinado, à criação de novas fontes de receitas, bem iria; porém, nós vemos, ao contrário, que êle é, repito, de mau carácter.
Nós vemos, por exemplo, no orçamento do Ministério da Guerra um aumento de despesa de 140:000 contos, isto é, um aumento de 52:000 contos sôbre o orçamento aprovado para o ano de 1922-1923.
Se é certo que se trata de Uma organização, que é a garantia da nossa liberdade, da nossa vida e da nossa fazenda, não menos certo é que essa defesa tem de ser necessàriamente a que diz respeito a um país pequeno.
Torna-se necessário reduzir os serviços militares, e bem que êsse serviço se não possa fazer, verdade seja, de Uni jacto, o que é certo é que até hoje nada se tem feito, isto é, não se fez a redução dos serviços proposta pelo ilustre Deputado o Sr. Sarros Queiroz.
Eu bem sei que a pessoa que está hoje ocupando a pasta da Guerra se encontra em presença de uma situação já criada porém, é de esperar que S. Ex.ª, que é um oficial muito distincto, olhe para êste assunto com a atenção que êle mereço, pois a verdade é que a Inglaterra fez uma redução de 10 milhões de libras nos seus serviços militares, isto é, na proporção de Í6 por cento, ao passo que nós vamos fazer um aumento na proporção superior a 50 por couto.
Isto passa-se em Inglaterra que está numa situação muito especial, quer geogràficamente, quer nó que se refere ao lugar que ocupa no concerto europeu.
No Ministério da Marinha vemos quê se gastam 67:000 contos, sem que a sua equivalência corresponda, de facto, a valores. Gasta-se toda esta soma, e a verdade é que não temos defesa naval, e êste ponto também preocupa a nação, porque em regra, todos os serviços do Estado devem ter equivalência de valores.
As despesas com os Ministérios do Comércio e das Colónias estão orçadas em cêrca de 41:000 contos. Para sabor com mais ou menos justeza qual deve ser a orientação a seguir nos serviços dos Ministérios do Comércio e das Colónias, precisamos de ver o que as estatísticas mostram sôbre o movimento comercial do Pais.
A última estatística do comércio e navegação de que tenho conhecimento é referente a 1919, pois que as estatísticas em Portugal suo publicadas com muito atraso, mas, mesmo assim, as estatísticas até agora publicadas dão a representação de três épocas muito interessantes, 1913, 1918 e 1919. 1913 o ano antes da guerra, 1918 o termo da grande luta o 1919 o ano que se lhe seguiu.
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Em virtude da grande desvalorização da moeda, o valor não é em Portugal o elemento que melhor nos habilita a julgar com exactidão qual o verdadeiro movimento comercial do País.
Temos de recorrer a um outro elemento, que dá lugar a uma determinação mais exacta da verdade, qual seja o quantitativo das mercadorias.
Em 1919, precisamente o período em que, acabada a guerra, Portugal entrava numa época de paz, o nosso movimento comercial foi de cêrca de metade do de 1913. Esto aspecto da questão é aquele que com maior nitidez esclarece o problema e também aquele que constitui um indicador mais seguro para determinar a grande obra que há a fazer. Essa obra é tríplice e constituem-na o melhoramento dos nossos portos, o desenvolvimento das nossas relações comerciais e, em especial, o desenvolvimento do nosso comércio com as colónias.
Quanto ao melhoramento dos nossos portos, não posso deixar de salientar neste momento a situação verdadeiramente extraordinária em que se encontram três dos mais importantes portos de Portugal: o porto grande de S. Vicente, o porto do Funchal e o porto de Leixões.
O porto grande de S. Vicente ocupa uma situação verdadeiramente privilegiada, sendo um dos mais notáveis do mundo. Constitui um ponto obrigatório de passagem pára a navegação do sul, mas acha-se ao abandono, e entregue ao privilégio das suas magníficas condições naturais.
O pôrto do Funchal encontra-se numa situação ridícula, visto que não tem cais acostável.
No momento de maior temporal os barcos têm de sair daquele lugar para procurar abrigo noutro porto, e assim a riqueza foge para outros portos.
O porto de Leixões ocupa uma situação especial, principalmente perante as classes produtoras do norte, e que V. Ex.ªs, continentais, conhecem muito melhor do que eu.
Andou-se a ver o que se havia de fazer em relação a êste porto, levantarem as suas condições, pelo decreto ruïnoso de 1921, pelo qual os direitos são pagos em ouro no porto de Leixões, revertendo a favor dele apenas uma parte em escudos. A meu ver deveria ser entregue ao porto de Leixões o produto das suas receitas próprias.
Em três pontos tem naturalmente de firmar-se a nossa constituição económica: a Inglaterra, a Espanha e o Brasil.
A Inglaterra, nossa antiga aliada, que tem um movimento comercial representado por 54 por cento; a Espanha, que pela nossa aproximação dêsse país é elemento para nos convencer a realizar empreendimentos que melhorem o intercâmbio, tornando-o maior do que antes da guerra, e o Brasil é ponto de apoio em que o Parlamento devia fixar as nossas relações comerciais.
Animados os dois países da mesma ânsia de entendimentos, devemos convencer-nos de que é interessante estabelecer entre os dois países, no campo económico, um regime em que o porto do Lisboa desempenha um grande papel no movimento comercial entre Lisboa e o Brasil, pelo estabelecimento de carreiras de Lisboa.
Antes e durante a guerra deixámos completamente abandonado o mercado do Brasil às nações rivais da nossa, e assim, procurando entendimento entre as duas nações, seria essa, creio eu, a mais brilhante e mais benéfica consequência que poderíamos desejar do famoso raid e da visita do Chefe do Estado ao Brasil.
O Govêrno tem por isso de não só pròpriamente se apoiar no seu pessoal de carreira, mas tem de fundamentar-se em trabalhos especializados.
Entre a comitiva presidencial foi uma figura encarregada de estudar esta especialidade. Refiro-me ao Sr. Francisco António Correia. Tive ocasião de falar com S. Ex.ª depois do seu regresso, e encontrei-o cheio de esperanças e inteiramente confiante numa acção futura entre Portugal e o Brasil.
Da entrevista que S. Ex.ª teve com o Ministro das Relações Exteriores e com o Presidente da Câmara do Comércio chegou o distinto economista à conclusão de que um grande entendimento entre os dois países era necessário, possível e profícuo.
Não sei, porém, se os trabalhos e conclusões de S. Ex.ª foram tidos na devida conta pelo Govêrno.
Sr. Presidente: a obra tríplice a que
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há pouco fiz referência não pode ser levada a cabo simplesmente pelo Ministério do Comércio. Não; trata-se dum empreendimento que poderá ser proveitosamente efectivado pela acção conjunta de três Ministérios: o da Agricultura, o do Comércio e o dos Negócios Estrangeiros.
0 Ministério da Agricultura, tratando de obter uma maior e melhor produção; o Ministério do Comércio melhorando os nossos pôortos e os transportes marítimos e terrestres, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros procurando, por meio de tratados e entendimentos com os outros países, uma fácil colocação dos nossos produtos.
Para que esta obra se realize não é preciso criar novas leis e tomar novas providências. Tudo o que já existe nesse sentido é bastante para a fácil e rápida resolução de tal empreendimento.
Devido à muita inteligência e grande critério dum dos Ministros mais competentes e trabalhadores que têm passado pela pasta da Agricultura, o Sr. Fernandes de Oliveira, nós possuímos já uma organização — a de Maio de 1920 — moderna e completa.
Diz-se que nós não temos forma de encarar esta tríplice obra; eu não o creio.
De reforma de serviços públicos, feita em momentos diferentes e por criaturas diversas, resulta uma desordem de serviços com prejuízo para a nação.
Tem de fazer-se uma reforma de serviços públicos com unidade e com lógica, e uma reforma com o rigor que seria necessário daria resultados que amanhã se transformariam em novas receitas, sem sacrifício para o contribuinte.
Tem-se afirmado que em Portugal as economias não são possíveis; talvez seja assim, mas o que é certo é que essa afirmação ainda não foi provada, pois que, apesar de não se poder cortar certas despesas, o Parlamento, apertado por diversas circunstâncias, já reduziu 15:582 contos.
Quere dizer, fizemos esta redução quási sem querer.
Que economias não se poderiam fazer se houvesse uma larga discussão e uma acertada remodelação dos serviços públicos?
O Sr. Ministro das Finanças, no seu relatório, que tive o cuidado de ler e apreciar, diz que se fundamentou nos resultados da Conferência de Bruxelas.
Não ignoro que um dos fins a que chegou a Conferência foi a necessidade de as nações equilibrarem os seus orçamentos, mas há também uma outra conclusão que tem inteira aplicação a Portugal, e que nós não podemos esquecer neste momento.
Sr. Presidente: é verdade que na Conferência de Bruxelas se preconizou a extinção do deficit, mas é preciso não esquecer também o muito de importante que se passou lá com outros assuntos; quero referir-me ás palavras de três figuras que marcaram na Conferência de Bruxelas, pela profundeza dos seus estudos.
Sr. Presidente: apreciando as palavras que êstes homens pronunciaram nessa conferência e, quanto elas contribuíram para as conclusões ali aprovadas, vê-se que infelizmente estamos muito longe das fórmulas preconizadas nessa conferência.
Um deles, apreciando o aumento dos impostos como solução financeira, diz que ela em parto não representa muitas vezes senão uma deminuïção da riqueza pública, visto que é um deslocamento de parte dos haveres do cidadão em favor do Estado, mas quando se trate de fazer essa deminuïção de despesa temos então dois caminhos inevitáveis a seguir, é o aumento da circulação fiduciária e o recurso ao empréstimo.
O aumento de circulação fiduciária é condenado por um estadista inglês em frases incisivas; é êle que diz numa frase que marca o seu ponto de vista: «precisamos abandonar resolutamente tal caminho».
Temos portanto, o segundo caminho, o dos empréstimos e então dividem-se os empréstimos em duas ordens, empréstimos maus e empréstimos bons; empréstimos maus são aqueles que o Estado contrai sem que tenha uma firme vontade de fazer economias porque nesse caso o Estado continuará a sua obra perdulária e não poderá por meio de recursos naturais ocorrer às responsabilidades que tomou; e empréstimos bons quando empregados em despesas de carácter reprodutivo para a Nação.
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Refiro-me ainda às palavras do delegado francês, palavras também incisivas, porque êste ilustre membro da Conferência Internacional de Bruxelas teve a preocupação de marcar, de sintetizar em claras formas de concisão os processos fundamentais a seguir pelas nações, e então dizia êle:
«Toda a obra da Conferência redundará inútil se não sairmos daqui com uma vontade firme de economizar e de sanear a moeda fiduciária; sem a aplicação dêstes princípios não pode haver a desejada renovação do crédito nacional».
Por aqui se vê, portanto, qual a orientação seguida na Conferencia Internacional de Bruxelas.
Não percebo, portanto, como se diz no relatório do ilustre titular da pasta das Finanças que a política do Govêrno sé fundamenta nos princípios adoptados por aquela Conferência.
Como muito bem diz o Sr. Ministro no seu relatório, é efectivamente verdade: que chegou a hora dos sacrifícios.
O primeiro sacrifício que é preciso fazer é o sacrifício do Govêrno sôbre as paixões que o rodeiam, sôbre as clientelas políticas e sôbre as preferências, a fim de demonstrar que chegou á hora tam anciada do nosso resgate no campo social e económico e financeiro.
É preciso fazer-se uma reorganização séria dos serviços públicos tendente a acabar com as despesas que não são de carácter reprodutivo, fazendo uma política financeira alta e aberta;
Já o Sr. Afonso Costa nesta Câmara, na sessão de 22 de Abril de 1913, preconizava que assim se fizesse.
Demos toda a publicidade ao nosso problema financeiro porque o Govêrno que o fizer e realizar a política de economia necessária terá por si os votos da Nação.
Nós temos entre nós a dividir-nos, porque somos um povo de meridionais, muito poucas intransigências e mesmo essas são aparentes.
Realize o Govêrno a obra que é chamado a realizar e estou certo de que não lhe faltará á cooperação de todos os portugueses.
Concretizando esta minha maneira de pensar e as considerações breves com que comentei o Orçamento Geral do Estado mando para a Mesa uma moção.
Leu.
Tenho dito.
Foi admitida a seguinte
Moção
A Câmara dos Deputados, ao analisar a orientação seguida na elaboração do Orçamento Geral do Estado e das propostas orçamentais relativas aos diferentes Ministérios para o ano de 1923-1924, constata estar em presença dum deficit de mau carácter e recorda por isso ao Govêrno a urgência de seguir uma política económica e financeira que se inicie por uma reforma geral dos serviços públicos e de que resulte: a eliminação de todas ás despesas inúteis e parasitárias; o emprego das receitas públicas em despesas de carácter reprodutivo, que tendam insofismàvelmente a aumentar a riqueza nacional; e, finalmente uma acção conjunta especialmente, dos Ministros da Agricultura, do Comércio e dos Negócios Estrangeiros para a melhoria da situação económica do País. — Juvenal de Araújo.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: usando da palavra sôbre a discussão na generalidade da proposta orçamental, para o ano económico de 1923-1924, faço-o pela muita consideração que tenho pela Câmara e pelo dever que me impõe o cargo, que ocupo.
Todos os ilustres oradores que me precederam, salvo raras excepções, feriram a tecla da pasta da Guerra, sempre julgando exageradas as despesas feitas com o organismo da defesa nacional, embora, deva dizer que na verdade não se atacou o orçamento do Ministério da Guerra; nem: se poderia atacá-lo, porquanto a proposta orçamental de 1923-1924, no que respeita à pasta da Guerra, não é mais do que a actualização do mesmo orçamento que está correndo no ano actual, resultando dessa actualização, o aumento de despesa que se nota e acerca do qual eu vou prestar alguns esclarecimentos.
É certo que êsse orçamento apresenta
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um acréscimo de 21:600 contos, mas é interessante lançar uma vista retrospectiva, e ver alguns números elucidativos.
Assim, se compulsarmos o orçamento do 1913-1914, quere dizer, antes da guerra, verificamos que as despesas ordinárias eram de 9:700 contos.
Ora, eu chamo a atenção da Câmara para êste ponto, porquanto o aumento não me parece exagerado, visto que o orçamento actual consigna as mesmas despesas que o do. 1913-1914, multiplicado pelo coeficiente 8,3.
Mas, se formos mais para trás, e procurarmos o último orçamento da monarquia, 1909-1910, vemos que as despesas ordinárias orçavam por 8:000 contos.
Quere dizer, que o orçamento actual não é mais do que o orçamento do antigo regime, com o coeficiente 10. Eu pregunto à Câmara que me diga se êste coeficiente é, porventura, exagerado.
V. Ex.ªs sabem que a parte da alimentação, pessoal e animal, tem sofrido um extraordinário aumento.
Por exemplo, a ração para o gado, que estava a 3$20, ultimamente já passou para 5$70, e também o preço dos materiais tem aumentado continuadamente, o que me levou até a pedir à Câmara um reforço de verba, que se encontra pendente da comissão do Orçamento.
Em conclusão, Sr. Presidente, creio ter deixado ficar bem demonstrado que as referências feitas ao orçamento do Ministério da Guerra não incidiram profundamente sôbre êsse orçamento, mas sim sôbre a constituição actual do organismo militar, e desde que ela se modifique, evidentemente que o orçamento terá de acompanhar essa modificação.
A êste respeito sabem V. Ex.ªs muito bem o meu modo do pensar, tanto mais que eu na declaração ministerial apresentei claramente a necessidade duma reorganização do exército.
Porém, ela não se pode fazer com a velocidade que muitos desejariam, visto que ela faz parte da proposta que se encontra pendente desta Câmara, relativamente à reorganização dos serviços públicos.
Devo lembrar à Câmara que êste orçamento não foi elaborado por mim. Ao tomar conta da pasta da Guerra encontrei-o alinhavado, e o meu trabalho foi,
por assim dizer, de revisão. Mas é com prazer que eu registo o ter ouvido declarar que neste orçamento estão absolutamente observados os preceitos legais. Pela consideração que devo à Câmara, seja-me permitido que me refira a algumas observações aqui formuladas por vários Srs. Deputados.
Abordou o Sr. Barros Queiroz, com aquela competência que toda a Câmara lhe reconhece, a questão dos efectivos, procurando fazer o confronto entre os que. existem e aqueles que existiam no tempo da monarquia.
Levei naturalmente a minha atenção para êste ponto, e fui compulsar o último orçamento dêsse regime, que foi o de 1909-1910, verificando que os efectivos eram num total de 33:017 praças.
Não são pois de aceitar as considerações de S. Ex.ª sôbre êste ponto.
É de notar que estamos no regime de milícias, que visa sobretudo a manter nas fileiras o menor número de praças, facto possível depois de se dar a competente instrução ao maior número de mancebos, a fim de torná-los aptos para a defesa nacional.
O ideal seria que o número de mancebos a fazerem parte dos quadros permanentes fôsse o absolutamente indispensável, mas também devemos notar que semelhante desejo não pode ser extensivo aos quadros especializados. O pessoal dêsses quadros só poderá ter a devida preparação pela permanência nas fileiras.
Consultando-se o orçamento de 1913-1914, no que respeita a efectivos, vemos o que vou ler.
Devo, pois, dizer a V. Ex.ª e à Câmara que as despesas enormes a que vários oradores se têm referido relativamente ao meu Ministério, são principalmente devidas à alimentação, por motivo do preço elevado dos géneros, se bem que eu, repito, não tenha presidido à. elaboração dêste orçamento, visto só ter tomado conta da pasta da Guerra em Dezembro do ano passado.
Eu devo dizer, em abono da verdade, que examinando detalhadamente o orçamento aprovado em 1909-1910, não vejo que tenham muita razão de ser as considerações aqui feitas sôbre o aumento dos quadros, pois a verdade é que êsses quadros são constituídos como vou ler.
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Já se chegou aqui a dizer, Sr. Presidente, não me recordo por quem, que havia uma porcentagem de 1 oficial para 2 soldados...
O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): — Fui eu quem disse que havia a percentagem de 2 soldados para 1 oficial; mas esqueceu-me dizer que era do quadro permanente.
Os soldados são 6:000 e os oficiais 3:000.
O Orador: — O que eu posso garantia a V. Ex.ª é que essa percentagem pode ser muito variável, segundo o critério de cada um.
O que é um facto é que o número de oficiais é fixo, o que se não dá com os soldados que passam pelas fileiras, podendo portanto essa percentagem ser variável, conforme já disse à Câmara.
Essa percentagem tanto pode ser de 1 para 2, como de 1 para, 3 ou 4, visto que o número do soldados é transitório, pois que os soldados se vão embora, ao passo que os oficiais não há maneira de os mandar embora.
Ora V. Ex.ª sabe bem que, como consequência da guerra, houve necessidade de preparar muitos oficiais, alguns dos quadros permanentes, muitos milicianos.
Agora, referindo-me ao ilustre Deputado Sr. Juvenal de Araújo, que me citou o processo inglês para a redução de. quadros, devo dizer que o nosso mal foi de origem.
Se depois da guerra o Parlamento, em vez de permitir a conservação de oficiais milicianos nas fileiras, por entender que tinham sido, como bons cidadãos, afastados dos seus lugares para ir prestar êste alto serviço à Nação e honrar o seu nome em terra estrangeira, tivesse feito o que fez a Inglaterra, que não mais os permitiu ao serviço, a situação seria diferente.
Apoiados.
Creio ter tocado, mais ou menos, todos os pontos a que os meus ilustres colegas nesta Câmara se referiram, no que diz respeito à pasta da Guerra.
Evidentemente, outros pontos terão de ser estudados e discutidos com maior profundeza de vistas a quando da discussão do Orçamento na especialidade.
Devo, porém, aludir ainda ao facto, que me impressionou, de aqui se ter ditos evidentemente apenas num rasgo do oratória, que o Ministro da Guerra não tinha cumprido a sua promessa de zelar pelo prestígio das instituições militares j visto que, por exemplo consentia que unidades de obuses estivessem funcionando comum obus apenas para instrução de uma série de recrutas.
Referia-se isto à falta de material.
Ora, Sr. Presidente, êstes factos não significam que haja menos zêlo pelo prestígio do exército, mas sim que não tenho os meios necessários para levar êsse prestígio à altura a que desejaria vê-lo elevados
Creio, pois, Sr. Presidente, ter provado êstes dois factos, que são capitais:
1.º Na discussão da generalidade não se atacou o orçamento do Ministério da Guerra, porque não se podia atacar;
2.º Censurou-se ou lamentou-se, digamos assim, que o organismo militar s para as despesas que ocasiona, não tenha um rendimento correspondente.
Esta, porém, a uma questão de reorganização do exército, que ao Parlamento está entregue e que eu muito desejaria ver brevemente discutidas.
Porque não quero deixar de aludir a todos os pontos que chegaram ao meu conhecimento mas porque sôbre êles ouvi referências, e outros porque li a seu respeito o respectivo relato, outros ainda porque lealmente me foram apresentados pelos ilustres Deputados, devo, por último, dizer algumas palavras sôbre um caso versado na última sessão pelo Sr. Cancela de Abreu.
Trata-se do celebro caso da Quinta das Drogas.
Mandei já proceder a todas as averiguações.
Ainda há um outro caso parecido com êste de que se trata.
Durante a guerra foi cedido, um determinado terreno voluntariamente, a uma instituição chamada a Cruzada das Mulheres Portuguesas, para estabelecer nele um hospital;
Depois, no tempo do sidonismo, passou êsse terreno para a posse do Ministério da Guerra.
As entidades que o haviam cedido àquela instituição não quiseram cedê-lo a
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êste Ministério. Entabularam-se negociações, mas não se chegou a acôrdo.
Foi-se depois para a expropriação, e agora em virtude da respectiva sentença tem êsse terreno de ser pago pelo Ministério da Guerra pela quantia de 700 contos, quando o justo seria adquiri-lo por uns, 70 contos.
É um caso parecido com p da Quinta das Drogas.
Dadas todas estas minhas explicações, creio ter demonstrado que se o orçamento do Ministério da Guerra não é melhor, é porque de facto o não poderia, ser.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Almeida Ribeiro: — Como na próxima segunda-feira, conforme está anunciado, se devem realizar as últimas sessões do Congresso do Partido Nacionalista, ao qual pertence um grande número, de Srs. Deputados, justo seria que por deferência não houvesse sessão nesse dia, e, por isso lembro a V. Ex.ª a conveniência de marcar a próxima sessão para têrça-feira.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Visto a Câmara, manifestar o seu apoio às palavras de V. Ex.ª eu marcarei a próxima sessão para o dia 20 do corrente.
O Sr. Ginestal Machado: — Em nome do Partido Nacionalista pedi a palavra para agradecer ao Sr. Almeida Ribeiro, um dos leaders do Partido Democrático, a gentileza que acaba de ter para connosco lembrando que a próxima sessão seja dada para têrça-feira, visto na segunda-feira os Deputados nacionalistas terem de comparecer às sessões do seu congresso partidário. Igualmente à Câmara agradecemos a anuência que manifestou dar ao alvitre de S. Ex.ª
São tudo provas de deferência que Q Partido Nacionalista jamais olvidará.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonscôa: — Tinha pedida a palavra para usar dela hoje na presença do Sr. Ministro dos Finanças, porque tendo de sair de Lisboa, não o queria, fazer sem tratar do assunto que me parece realmente grave.
V. Ex.ªs não ignoram que em Paris se praticou a falsificação duns cheques, tendo-se abusado da assinatura do então adido militar, Sr. Vitorino Godinho.
Não sei ao certo qual a importância dos cheques falsos; sei apenas que há efectivamente cheques falsos que foram pagos.
Diz-se que se estão encaminhando as cousas no sentido de se considerar que êsse roubo foi feito ao Estado. Não me parece que o Estado possa ser responsável pelos roubos feitos ao Banco Ultramarino.
Apoiados.
O Estado não pode perder por conta de nenhum Banco, por meio de cheques falsificados.
O Banco poderá recorrer aos tribunais, se assim o entender.
Apoiados.
O Banco é que é o roubado.
Não posso saber ao certo as circunstâncias em que êsse roubo se deu, sei que a assinatura autêntica que foi falsificada não é aquela que está em uso.
Tem o Sr. Ministro das Finanças os meios de obrigar o Banco a pagar ao Estado o que lhe pertence, e é bom que o Banco possa receber o que lhe foi roubado, tomando as necessárias providências.
Há um outro caso, o caso dum empréstimo feito aos Bancos pelo Sr. Rêgo Chaves quando Ministro das Finanças.
A Câmara não ignora que, no tempo em que o Sr. Rêgo Chaves foi Ministro das Finanças, se fizeram empréstimos a alguns Bancos, na importância dalgumas centenas de milhares de libras. Foram na realidade verdadeiros empréstimos a um juro estabelecido em condições absolutamente excepcionais. Sendo assim como se pode agora tentar fugir ao pagamento
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duma dívida ao Estado na mesma moeda em que o empréstimo foi realizado?
Não: os Bancos devem uma determinada quantidade de libras? Pois é em libras que têm de pagar. (Muitos apoiados). O contrário seria, positivamente, colocar os cofres públicos na Rua dos Capelistas.
Muitos apoiados.
Eu não estou a armar aqui em matador dos Bancos devedores. A minha atitude não tem outro fim que não seja o de mostrar a necessidade de se fazer o reconhecimento duma dívida em que até êste momento ninguém pensou...
Nós, sôbre todas as desgraças, tivemos ainda mais esta: que foi o lançar-se êste despacho: que a liquidação se fizesse quando não prejudicasse qualquer das duas partes!
Isto é fantástico!
Devo dizer que êste despacho é outubrista, é do Sr. Peres Trancoso.
A questão dos juros também não me parece que mereça grandes consequências; tem de regular-se pelo que está estabelecido, que fixa o juro que se há-de pagar, que a lei estabeleço de 5 por cento.
Chamo a atenção do Sr. Ministro dás Finanças para êste facto, pois o País e o Estado não estão dispostos a perder 250:000 contos.
Chamo ainda a atenção de V. Ex.ª para a necessidade inadiável de resolver êste assunto que, se é importante sob o ponto de vista financeiro, não o é menos sob o ponto de vista moral.
Apoiados.
Êle interessa não só ao Ministro, mas ao Parlamento ao País, a toda a gente de bem!
Apoiados.
Nós, os políticos, somos acusados de não zelar os interêsses do Estado, e é necessário que neste caso mostremos não ser verdadeira a acusação.
É necessário que o Banco-Nacional Ultramarino entre com êsse dinheiro. Se o não tem, que o vá buscar; e, se não o repuser, processem-no!
Eu não quero provocar com as minhas palavras a falência de qualquer Banco, mas, entre a falência e a conivência em tal estado de cousas, prefiro a falência de todos os Bancos!
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra. (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: não estranhe V. Ex.ª nem a Câmara que eu intervenha neste assunto, respondendo ao Sr. António Fonseca; e direi quanto à primeira parte que não há muito tempo que eu fiz declarações a êsse respeito, quando interrogado por um Sr. Deputado monárquico, dizendo que se estavam fazendo as diligências judiciais militares, mas que não eram tam rápidas como se desejava, porque essa criatura, êsse mau homem que tinha arejado os 250:000 francos andando de terra em terra, em países estrangeiros, tendo sido difícil a sua prisão, devido a demoras burocráticas de que o Govêrno não é responsável.
Pelo que respeita ao zêlo do Ministro da. Guerra, eu não só como Ministro, mas como simples cidadão, tenho todo o interêsse para que o Estado não seja defraudado, e, se o Banco Ultramarino não pagar, terá de responder perante os tribunais.
Era isto o que se me oferecia dizer.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: às primeiras considerações feitas pelo Sr. António Fonseca, respondeu o meu colega da Guerra, mais conhecedor do caso do que eu. E fora de dúvida que o Govêrno pensa da mesma forma que o Sr. António Fonseca e que vamos envidar todos os esfôrços para o Estado não ser prejudicado.
Quanto às outras considerações, a hora já vai muito adiantada, e eu não tenho em meu poder o volumoso processo que está entregue no Conselho Superior de Finanças.
Direi contudo que a cedência foi feita quando era Ministro das Finanças o Sr. Rogo Chaves, em Outubro de 1919.
Houve casas bancárias que liquidaram imediatamente os seus débitos, mas outras houve que 'ficaram a dever, tais como o Banco Português e Brasileiro, Banco Espírito Santo, Sociedade Torlades e Banco Colonial.
Pelo Sr. Ministro das Finanças de então, Sr. Rêgo Chaves, por despacho de Setembro de 1919, à casa bancária Espírito Santo Silva foram concedidas 100:000 libras e ao Banco Colonial 30:000 libras.
Interrupção do Sr. António Fonseca que não se ouviu.
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O Orador: — Pelo acôrdo realizado com êstes Bancos, tinham êles de entrar com uma quantia em escudos correspondente ao câmbio previamente fixado. Essas casas ficaram comprometidas a entregar mais tarde as libras correspondentes, mas naturalmente, como o que se esperava era uma melhoria cambial, e depois o que se deu foi uma depreciação da moeda, começaram a pedir periodicamente a renovação do acôrdo, isto é, não entraram com o dinheiro, começando a pedir moratória.
Os Ministros sucessores do Sr. Rêgo Chaves, como o Sr. António Maria da Silva, Pina Lopes, etc., reclamaram a entrega dêsse ouro, o que algumas casas fizeram, tendo outras solicitado é adiamento dum ano, que lhe foi concedido pelo Sr. Rêgo Chaves, por três meses pelos Srs. António Maria da Silva e Pina Lopes.
Essas prorrogações foram-se fazendo até que em Fevereiro de 1921 a Sociedade Torlades, após a quinta prorrogação e o Banco Português e Brasileiro após a décima prorrogação do prazo da liquidação dos seus débitos, vieram pedir para que um novo adiamento por um ano lhes fôsse concedido.
O Sr. Cunha Leal lavrou um despacho que passo a ler.
Isto quere dizer que efectivamente continuava a existir a dívida, mas que os Bancos devedores passavam a pagar de juros 3,5 por cento.
Êste juro porém nem assim se liquidou, porque mais tarde, sendo Ministro das Finanças o Sr. Peres Trancoso, vieram novamente os Bancos devedores, com mais reclamações, dizendo que não podiam de forma alguma satisfazer aquilo que lhes era imposto e assim o Sr. Peres Trancoso lavrou aquele despacho que a Câmara já ouviu.
Êste despacho é de 13 de Dezembro de 1921.
Mais tarde, em 20 de Julho de 1922, o Ministro das Finanças de então, Sr. Portugal Durão, mandou fazer uma consulta ao Conselho Superior de Finanças. Tenho pena de não ter aqui o processo para ler a parte das conclusões relativamente a umas certas divergências que existem entre os vários considerandos dessa consulta.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Mas que terá o despacho do Sr. Cunha Leal com isso?
O Orador: — Estou apenas a aclarar o assunto.
O Sr. Portugal Durão fez efectivamente esta consulta, e levantaram-se dúvidas sôbre a validade dos dois despachos ministeriais que se contradizem.
Assim S. Ex.ª mandou consultar o Conselho Superior de Finanças, como estação competente.
O Sr. Almeida Ribeiro: — A Procuradoria Geral da República é que devia ter sido consultada sôbre a maneira de efectivar o crédito do Estado.
O Orador: — Também existe êsse intuito.
E fora de dúvida que o Conselho Superior não respondeu precisamente à consulta que lhe fez o Sr. Ministro das Finanças de então.
Respondeu a uma cousa que se não preguntava, e não respondeu à. parte principal da pregunta que lhe era formulada.
Mas em face dessa consulta, se ela fôsse aplicada, o Estado terá de receber do Banco Português e Brasileiro 901 contos, da Sociedade Torlades 432 contos, da casa Espírito Santo 432 contos.
O caso é de grande importância e gravidade, e não foi resolvido sem ir a Conselho de Ministros.
Foi atentamente estudado pelo nosso colega na pasta da Justiça, Sr. Abranches Ferrão, e foi resolvido por despacho do Conselho de Ministros, assinado pelo Sr. Presidente do Ministério, que se convidasse novamente o Conselho Superior de Finanças para responder nos termos precisos da consulta que tinha sido feita pelo Ministro, Sr. Portugal Durão.
É fora de dúvida que era já intenção do Govêrno não resolver êste assunto sem o submeter ao Poder Legislativo, porque se trata de uma questão de certa gravidade, e será conveniente ficar com todos os elementos de informação, para se fazerem cumprir as determinações que forem mais consentâneas com os superiores interêsses do Estado.
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O Sr. Almeida Ribeiro: — Parece-me que o caso é com a Procuradoria Geral da República e com os tribunais.
O Poder Legislativo nada tem que ver com êste assunto.
Apoiados.
Não se trata de aplicar uma lei orçamental a um crédito do Estado.
O Orador: — Se houver divergência entre o modo de ver do Govêrno e a consulta do Conselho Superior de Finanças, apelaremos para os tribunais, visto que pelos apoiado» com que foram recebidas as palavras do Sr. António da Fonseca;já sabemos que a Câmara dos Deputados tem um modo de ver sôbre êste assunto diverso daquele que resulta da leitura das conclusões do parecer do Conselho Superior de Finanças.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Devo dizer a V. Ex.ª que não posso de maneira nenhuma estar de acôrdo, com tal despacho, visto que a resolução do assunto incumbia apenas ao Govêrno e não ao Conselho Superior de Finanças.
O Sr. António da Fonseca: — O que é forçoso, a meu ver, é que essas importâncias, pagas em ouro, dêem entrada nos cofres do Estado.
O Orador: — Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que tanto o Conselho Superior de Finanças como a Procuradoria Geral da República podem ser ouvidas sôbre o assunto.
O processo, conforme já disse à Câmara, está entregue ao Conselho Superior de Finanças, para o estudar, e desde que o Govêrno não concorde com essa consulta, pode a Câmara estar certa de que o assunto, será então entregue à Procuradoria Geral da República, vindo depois à Câmara, como me cumpre, dar conhecimento do resultado dessas consultais.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem as interrupções foram revistas pelos Srs. Deputados, que as fizeram.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: realizando-se depois de amanhã eleições em várias assembleas, eu peço ao Sr. Presidente do Ministério o favor de dar as suas ordens no sentido de que elas corram com a máxima regularidade, e não da forma como ultimamente correram as eleições municipais e paroquiais.
Êsses acontecimentos foram todos verdadeiros, o é exactamente em consequência dêles que o acto eleitoral se vai repetir.
As eleições foram anuladas em virtude das violências de toda a ordem que se cometeram nessas assembleas.
Nestas condições, como vale mais prevenir do que remediar, e como é esta a última sessão antes do acto eleitoral, eu quero pedir ao Sr. Ministro do Interior a fineza de dar as suas instruções no sentido de se evitarem os desacatos que da outra vez se cometeram.
S. Ex.ª pode tomar providências mandando delegados seus assistir ao acto eleitoral, pois da parte dos monárquicos não há-de haver qualquer provocação, nem motivo para que V. Ex.ª venha dizer que foram os inimigos do regime que provocaram a desordem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que tomei boa nota das considerações feitas pelo Sr. Cancela de Abreu, e que vou tomar as necessárias providências no sentido de ser respeitado o direito de voto a todos, pouco me importando que sejam amigos ou inimigos do regime.
O orador não reviu.
O Sr. Eugénio Aresta: — Sr. Presidente: tenho conhecimento de que um oficial de cavalaria 8, precisando ir ao Pôrto, se apresentou no Quartel General para lhe ser fornecido o respectivo passaporte.
Porém ali lhe foi dito, pelo oficial que desempenha as funções de chefe do estado maior, que não lhe era permitida a sua estada no Pôrto, porque havia informações de que êle era chefe de um movimento, revolucionário.
Como o oficial pretendesse justificar-se, encontrou a seguinte declaração: não posso dizer-lhe qual a base da acusação, porque se fizeram averiguações secretas.
Ora, Sr. Presidente, sou contrário a que
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no exército se façam averiguações secretas, sobretudo quando delas são encarregados alferes.
O Estado tem o direito do defender-se, mas nunca se deve servir de oficiais para êsse efeito, porque isso é tudo quanto há de mais grave para a camaradagem.
É um sistema semelhante ao das «fichas», usado em França pelo general André.
Podem sair ôsses oficiais da localidade onde residem e podem ir apresentar-se nos lugares para onde foram às entidades militares.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Não conheço os factos sôbre os quais o Sr. Eugénio Aresta fez declarações concretas.
Afirmarei que com o meu consentimento não se usará do processo das fichas do general André.
O orador não reviu.
O Sr. Eugénio Aresta: — Agradeço a V. Ex.ª e tenho já a certeza de que as teorias de V. Ex.ª serão as que V. Ex.ª me ensinou no exército.
Nunca me passou pela cabeça que V. Ex.ª pudesse pôr em prática o processo das fichas do general André.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão 6 na terça-feira, 20.
Ordem do dia a mesma dada para hoje.
Há também sessão às 21 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros do Interior e Finanças, elevando o subsídio de que trata o decreto n.º 6:475, de 27 de Maio de 1920, (fardamentos da Guarda Nacional Republicana).
Aprovada a urgência.
Para a comissão de administração pública.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 408-A, que considera em vigor os artigos 10.º e 11.º da lei n.º 415 de Setembro de 1915 emquanto se não verificar o recrutamento dos oficiais para as as armas de infantaria, cavalaria e artilharia de campanha.
Imprima-se.
Da comissão de guerra, sôbre um ofício do Ministério da Guerra acerca da promoção a general do coronel de infantaria José Gaspar Castro Silva Sotomaior.
Para o «Diário da Câmara dos Deputados» nos termos do artigo 38.º do Regimento.
Das comissões do legislação civil e comercial e legislação criminal, sobre o n.º 435-B, que conta aos juizes de direito e delegados efectivos das comarcas das ilhas mais 25 por cento a no ais do tempo de serviço ali prestado.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de obras públicas e minas, sôbre o n.º 358-A, que cria uma Janta Autónoma das Obras dos portos e estradas do distrito da Horta.
Para a comissão de comércio e indústria.
Declaração
Do Sr. Agatão Lança, de que deseja acumular as suas funções de parlamentar com as de oficial de marinha.
Expeça-se, transcrevendo na íntegra.
Requerimento
Não me tendo até hoje sido dada resposta alguma ao requerimento que fiz em 5 de Dezembro de 1922 e que nessa mesma data foi pedido por esta Câmara em ofício n.º 5, novamente requeiro que pelo Ministério das Finanças, pela Direcção Geral da Contabilidade Pública, ou pela repartição de que é chefe o Sr. Oliveira e Silva ou ainda por qualquer outra entidade competente, me sejam fornecidos os elementos necessários que satisfaçam às seguintes preguntas:
a) Quais são os vencimentos líquidos, mensalmente percebidos pelos funcionários do Ministério das Finanças simplesmente com a indicação de quanto recebe um director geral, um chefe de reparti-
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ção, um chefe de secção, um inspector ou primeiro oficial, um sub-inspector ou segundo oficial, um terceiro oficial, etc., até continuo ou servente;
b) Qual a base de vencimentos, tomada em algarismos, para sôbre ela serem feitos os cálculos cujos resultados, com a aplicação das leis n. 08 1:355 e 1:356, os vencimentos recebidos desde Julho de 1922 pelos funcionários do Ministério das Finanças.
Sala das Sessões, 15 de Março de 1923. — João Peixeira Bastos.
Expeça-se.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.º do Regimento
Parecer n.º 455!
Senhores Deputados. — A vossa comissão de guerra foi presente o ofício do Ministro da Guerra Ernesto Maria Vieira da Rocha, em que, por causa das duvidas que surgiram no Conselho Superior de Promoções quando foi consultado acerca da promoção, a general, do coronel de infantaria José Gaspar Castro Silva Sotomaior, S. Ex.ª solicitava que a vossa Câmara se pronunciasse sôbre a interpretação a dar ao artigo 7.º da lei n.º 1:144, de 9 de Abril de 1921, artigo que foi aplicado àquele oficial, como consta da declaração inserta a pp. 729 da Ordem do Exército n.º 18 (2.ª série) de 31 de Outubro do ano findo.
Não vê a vossa comissão de guerra a necessidade de interpretar o artigo 7.º da referida lei. — Êsse artigo diz o seguinte:
«Os amnistiados civis ou militares não poderão ser reconduzidos em quaisquer funções públicas que exercessem anteriormente. «
O que são as funções públicas dum funcionário civil ou militar?
São o conjunto de poderes e de deveres conferidos e impostos ao funcionário para êle poder exercer o cargo ou o pôsto em que o Estado o investiu.
O coronel Sotomaior pertence à arma de infantaria. As funções públicas que êle exercia anteriormente eram, portanto, as de coronel de infantaria. Estas funções são: preparar para a guerra as unidades desta arma designadas regimentos e brigadas, e levá-las ao combate quando o Estado lho ordene: numa palavra, as funções dum coronel de infantaria são comandar regimentos ou brigadas de infantaria.
É certo que, frequentemente se vê um coronel ser chefe duma repartição na Secretaria da Guerra, ser membro duma comissão de estudos, estar, emfim, num lugar em que não comanda tropas, mas êstes lugares são comissões de serviço, e estas comissões em que se não comandam tropas são eventuais, são empregos em que um coronel pode ser ocupado, quando não comanda, pois entre todas as comissões ou empregos que um coronel de infantaria pode ter, a principal, aquela para que o Estado o destinou ao promovê-lo, e sem o exercício da qual a lei permite que seja promovido ao posto imediato, é a de comandar regimentos ou brigadas de infantaria. E tanto assim é que, em tempo de guerra, deixam de existir todas as comissões que à guerra, ao combate, não interessam imediatamente, e é pelo modo como êle comanda que em toda a parte se aprecia o valor dum oficial.
Tempos houve até em que as comissões militares se distinguiam em activas e passivas, sendo as activas as de comando de tropas.
Também é certo haver oficiais cuja missão não é o combate, no significado restrito da palavra, Para os médicos militares, os secretários militares, os oficiais de administração militar, os chefes de música, os maquinistas navais e tantos outros, as suas funções, embora tenham em vista a realização do combate do exército ou da esquadra nas melhores condições, não são, com efeito, ensinar os homens a manejar as armas e levá-los depois ao campo de batalha a fazer o melhor uso dessas armas, dirigindo-os com as suas ordens e com o seu exemplo. Mas, por isso, se distinguem, no exército, as armas e os serviços técnicos. Ora o coronel Sotomaior pertence à arma de infantaria. As funções do seu pôsto são comandar regimentos e brigadas de infantaria.
A confusão entre funções e comissões também não é possível. É bastante vulgar ouvir e dizer: «as funções do posto»;
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«capitão desempenhando as funções de major»; etc.
O artigo 7.º da lei n.º 1:144 determina que os oficiais nas condições em que está o coronel Sotomaior não poderão ser reconduzidos em quaisquer funções públicas que exercessem anteriormente. Isto é, a lei esquece o delito ou o crime, mas não lhes restitui a confiança do Estado. Os funcionários amnistiados estão, portanto, inabilitados para continuarem a servir, numa situação igual à dos julgados incapazes de serviço, e, nestas condições, devem passar à situação de reforma que é aquele a que têm passagem os que estão incapacitados de continuar a servir.
A lei dizendo que não poderão ser reconduzidos em quaisquer funções que exercessem, diz claramente que não podem voltar a ter os poderes nem a ser obrigados aos deveres que lhes tinham sido conferidos ou impostos quando o Estado os nomeou ou promoveu ao pôsto que têm.
Se êste oficial está inabilitado de exercer as funções de coronel, isto é, incapaz de servir como coronel, como pode conceber-se e admitir-se que êle possa ser declarado hábil para exercer funções de maior autoridade, como são as de general?
Como pode comandar divisões e corpos de exército quem foi declarado inábil para comandar regimentos?
Como pode, emfim, ser general quem já não pode ser coronel?
Não compreende a vossa comissão de guerra como podem ter continuado na actividade do serviço militar oficiais atingidos pela lei n.º 1:144 e haja dúvidas sôbre a sua incapacidade para a promoção ao mais alto pôsto no exército, visto não poderem voltar a merecer a confiança do Estado republicano.
Não houve tais dúvidas nos outros. Ministérios Folheando os Diários do Govêrno, 2.ª série, de 1922, encontram-se, por exemplo, os seguintes dois casos, bastante elucidativos:
1.º Um oficial miliciano de infantaria n.º 33, desertor por ocasião das operações militares contra os revoltosos monárquicos em 1919, foi demitido do serviço militar e, posteriormente, de oficial das alfândegas, por ser considerado abrangido pela lei n.º 1:040.
Tendo sido indeferido o requerimento em que pedia para regressar ao serviço aduaneiro por ser considerado amnistiado pela alínea c) do artigo 1.º da lei n.º 1:144, visto ter cometido o crime de deserção por motivos políticos, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo.
Êste tribunal deu provimento ao recurso por não considerar o recorrente como funcionário amnistiado pela lei n.º 1:144, mas sim como oficial demitido pela lei n.º 1:040.
O Ministro das Finanças, porém, considerando que o recorrente fora demitido do exército por ter estado na situação de desertor durante o período de operações militares contra os revoltosos monárquicos em 1919, e que esta deserção nas circunstâncias em que se dera era evidentemente um crime de natureza política que inibia o recorrente de ser reconduzido no lugar que anteriormente desempenhava, confirmou o despacho do Ministro que o tinha demitido de funcionário das alfândegas.
2.º Um conservador do registo predial demitido por ter sido atingido pela lei n.º 1:144 foi depois nomeado para desempenhar funções iguais na comarca do Pôrto.
Um outro funcionário recorreu imediatamente desta nomeação, e o Supremo Tribunal Administrativo, considerando que o fim do decreto sob cuja sanção tinha caído o recorrido era expurgar o funcionalismo dos elementos hostis à República, cuja defesa impunha o afastamento dos funcionários que não a serviram lealmente, e que o recorrido não podia ser reconduzido em qualquer lugar em que as funções de conservador do registo predial se exercessem, julgou nulo por ofensa da lei o despacho que o tinha nomeado para conservador no Pôrto e deu assim provimento ao recurso. Dias depois, o Diário do Govêrno anulava a nomeação do recorrido.
Não há pois razão para quaisquer dúvidas sôbre a interpretação a dar ao artigo 7.º da lei n.º 1:144.
Em conclusão:
A vossa comissão de guerra é de parecer:
1.º Que não há necessidade de se promulgar uma nova lei interpretando o artigo 7.º da lei n,º 1:144;
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2.º Que ao Ministro da Guerra compete mandar passar á situação de reforma o oficial acorda de cuja promoção á general foi consultado o Conselho Superior de Promoções.
Lisboa, sala das sessões da Câmara dos Deputados, Março de 1923. — João Pereira Bastos, presidente e relator — Viriato Gomes da Fonseca — A. Garcia Loureiro -João E. Águas — António de Mendonça — António de Sousa Maia — Albino Pinto da Fonseca. — Feliz de Morais Barreira — Tomás de Sousa Rosa (declarando que concordando plenamente com á opinião emitida embora tivesse como membro do Conselho Superior de Promoções assinado o respectivo parecer, entende que a verdadeira situação que compete ao coronel Sotomaior é a de reformado).
Exmo. Sr. Presidente da Câmara doa Deputados: — Tendo sido presente ao Conselho Superior de Promoções o processo de consulta referente ao coronel de infantaria José Gaspar de Castro e Silva Sotomaior, a fim de ser emitido parecer sôbre a sua promoção a general, deu o referido Conselho O parecer que por cópia envio a V. Ex.ª
Como nesse parecer não seja dada uma resposta concreta sôbre o assunto que motivou à referida consulta por terem surgido dúvidas ao Conselho Superior de Promoções sôbre á interpretação que deve ser dada ao artigo 7.º da lei n.º 1:144, da 9 de Abril de 1921, tenho a honra de solicitar de V. Ex.ª se digno providenciar para que a Câmara da digna Presidência de V. Ex.ª, em harmonia com o preceituado no n.º 1.º do artigo 26.º da Constituïção Política da República Portuguesa, se pronuncie sôbre a interpretação a dar ao referido artigo.
Saúde e Fraternidade.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1922. — O Ministro da Guerra, Ernesto Maria Vieira da Rocha.
Cópia — Ministério da Guerra — Conselho Superior de Promoções — Parecer. — Ao Conselho Superior de Promoções foi presente, por ordem de S. Ex.ª o Ministro da Guerra, o processo de consulta n.º 1:229 rebente ao coronel de infantaria, José Gaspar Castro Silva Sotomaior, a fim de o Conselho emitir parecer acerca da sua promoção a general para preenchimento da vaga aberta pelo falecido general José César Ferreira Gil.
O processo vem acompanhado da nota n.º 6:360 da 1.ª Direcção Geral do Ministério da Guerra de 11 de Setembro último; da respectiva nota de assentos; do processo privativo da 1.ª Direcção, processo de exame e da relação a que se refere à disposição. 1.ª do artigo 74.º do Regulamento do Conselho Superior das Promoções.
Consta do processo:
1.º Que o coronel de infantaria José Gaspar de Castro Silva Sotomaior foi promovido ao actual pôsto por decreto de 18 de Dezembro de 1915;
2.º Que tomou parte na escola de repetição, no regimento de infantaria n.º 10 em 1915;
3.º Que tem o curso da arma de infantaria;
4.º Que foi favoravelmente classificado nas provas especiais de aptidão para o pôsto de general;
5.º Que tem mais de um ano de comando efectivo, como coronel;
6.º Que satisfaz às condições gerais de promoção nos termos do artigo 19.º da lei de 12 de Junho de 1901;
Considerando, porém, que ao coronel José Gaspar de Castro Silva Sotomaior foi aplicado o disposto no artigo 7.º da lei n.º 1:144, do 9 de Abril de 1921, conforme consta da declaração inserta em pp. 729 da Ordem do Exército n.º 18 (2.ª série) de 31 de Outubro do corrente ano;
Considerando que o artigo 7.º da referida lei diz que os amnistiados civis ou militares não poderão ser reconduzidos em quaisquer funções públicas que exercessem anteriormente;
Considerando que está disposição legal pode ser interpretada como inibindo os funcionários civis ou militares por ela abrangidos de serem reconduzidos nas funções públicas inerentes às suas categorias ou aos seus postos, interpretação está que acarretaria, de facto, para os funcionários amnistiados no castigo porventura superior ao que lhes poderia caber em virtude do delito ou infracção cometida;
Considerando que a referida disposição legal pode também ser interpretada como inibindo somente os funcionários amnis-
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dos de serem reconduzidos nos cargos que anteriormente desempenhavam;
Considerando que na mencionada lei n.º 1:144 não é feita a menor referência sôbre a futura promoção dos funcionários amnistiados;
Considerando que êste Conselho ignora a interpretação que tem sido dada ao mencionado artigo 7.º da referida lei n.º 1:144, tendo dúvidas sôbre essa interpretação, como foi salientado nos considerandos anteriores;
Considerando, por último, que ao Conselho Superior de Promoções não compete interpretar as leis, atribuição esta que é da exclusiva competência do Poder Legislativo, conforme preceitua o n.º 1.º do artigo 26.º da Constituïção Política da República Portuguesa;
O que tudo visto e ponderado:
É o Conselho Superior de Promoções de parecer que o processo seja enviado a S. Ex.ª o Ministro da Guerra, a fim de que o mesmo Exmo. Senhor, pela forma que tiver por mais conveniente, se digne promover que a referida lei n.º 1:144 seja interpretada.
Sala das sessões do Conselho Superior de Promoções, 21 de Novembro de 1922. — João Alves Camacho, general — Tomás António Garcia Rosado, general — Tomás de Sousa Rosa, general — António José Garcia Guerreiro, general — Roberto da Cunha Baptista, general relator.
Está conforme. Lisboa, 2 de Dezembro de 1922. — Manuel da Cunha Lusitano, tenente.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.