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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 56
EM 21 E 22 DE MARÇO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
PRIMEIRA PARTE
Sumário. — Abertura da sessão.
Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — Interpelação dos Srs. Cancela de Abreu e Alves dos Santos ao Sr. Ministro do Comércio (Queiroz Vaz Guedes) sôbre a questão das quedas do Douro.
O Sr. Cancela de Abreu realiza a sua interpelação. Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
Volta a usar da palavra o Sr. Cancela de Abreu.
O Sr. Tavares Ferreira, em nome da comissão de instrução primária, envia um parecer para a Mesa.
O Sr. Ministro do Comércio requere que entre na ordem do dia da próxima sessão a proposta de lei n.º 405-A.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Jaime de Sousa e em seguida a Câmara aprova a discussão da mesma proposta.
O Sr. Carlos de Vasconcelos requere que o parecer n.º 205 entre em discussão na próxima sessão antes da ordem do dia, sem prejuízo do projecto sôbre Câmaras Municipais. É aprovado.
Entra em discussão a proposta de lei n. 0 405- A. Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Tavares Ferreira, sendo em seguida aprovada- a proposta na generalidade.
Entrando em discussão na especialidade, usa da palavra sôbre o artigo 1.º o Sr. Carvalho da Silva, sendo em seguida aprovado com a emenda da comissão. É aprovado sem discussão o artigo 2.º
É aprovada a acta.
O Sr. Carvalho da Silva usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
São concedidas algumas licenças.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) manda para a Mesa duas propostas de lei para as quais requere urgência. É concedida.
Ordem do dia. — (Continuação da sôbre a proposta do empréstimo).
O Sr. Morais Carvalho, que ficara com a palavra reservada na sessão anterior, conclui as suas considerações.
O Sr. Tavares Ferreira, em nome da comissão do Orçamento, manda para a Mesa dois pareceres.
É admitida a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Almeida Ribeiro requere que se prossiga na discussão do empréstimo com prejuízo da 2.ª parte da ordem do dia. É aprovado.
O Sr. Tôrres Garcia requere que seja dada a matéria por discutida sem prejuízo dos oradores inscritos. Levantam-se protestos.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Cancela de Abreu, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Carvalho da Silva requere votação nominal para o requerimento do Sr. Tôrres Garcia. É aprovado, procedendo-se à votação nominal e sendo aprovado o requerimento do Sr. Tôrres Garcia por 4i votos contra 34.
Usam da palavra para interrogar a Mesa o» Srs. Álvaro de Castro e Carvalho de Silva, respondendo lhes o Sr. Presidente.
Usa em seguida da palavra o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva). O Sr. Tavares de Carvalho requer que seja prorrogada a sessão atese votar a proposta em discussão na generalidade.
O Sr. Álvaro de Castro usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Carvalho da Silva, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Presidente do Ministério usa da palavra para explicações.
O Sr. Carvalho da Silva requere votação nominal para o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Alberto Xavier.
É rejeitado o requerimento do Sr. Carvalho da Silva e aprovado o do Sr. Tavares de Carvalho.

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Diário da Câmara dos Deputados
Usa da palavra para explicações o Sr. Carvalho da Silva.
Usa da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Alberto Xavier, que apresenta uma moção.
É interrompida a sessão, ficando o orador com a palavra reservada.
Reaberta a sessão, o Sr. Alberto Xavier prossegue nas suas considerações e conclui o seu discurso.
Não é admitida a moção do Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Presidente interrompe novamente a sessão, marcando para as 15 horas o seu prosseguimento.
SEGUNDA PARTE
Reabre a sessão às 15 horas e 15 minutos do dia 22 de Março.
Continua a discussão do parecer n.º 40 — empréstimo.
O Sr. Carvalho da Silva requero que a sessão não seja interrompida, pelo f acto de se reunir o Congresso, mas sim encerrada. Usam da palavra os Srs. Carlos Pereira e Manuel Fragoso, desistindo o Sr. Carvalho da Silva de seu requerimento.
Usam da palavra os Srs. Cunha Leal e Presidente do Ministério.
O Sr. Lino Neto requere, não seguindo o seu requerimento por se estar em sessão prorrogada, que no dia seguinte «antes da ordem», e a seguir ao parecer n.º 380, se discuta o n.º 378.
Segue-se o Sr. Carvalho da Silva, que fica com a palavra reservada pelo facto de em seguida se reunir o Congresso.
As 19 horas e 37 minutos é reaberta a sessão, declarando o Sr. Presidente que a interrompe novamente, para se reabrir às 21 horas e 30 minutos.
A sessão reabre às 21 horas e 45 minutos, continuando e concluindo o Sr. Carvalho da Silvão seu discurso.
Usam da palavra os Srs. Ferreira de Mira, Velhinho Correia e Pedro Pita.
É concedida a palavra, aos Srs. Paulo Cancela de Abreu e Barras Queiroz, que não se encontravam presentes.
Procede-se a votações.
A generalidade do parecer sôbre o empréstimo é aprovada em votação nominal.
Encerra-se a sessão, marcando-se sessões diurna e nocturna para o dia seguinte.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. — Projectos de lei. Propostas de lei. Pareceres. Requerimento.
Abertura da sessão ás 15 horas e 17 minutos.
Presentes à chamada 45 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes â abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sonsa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mondes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abrem
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo tinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.

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Sessão de 21 e 22 de Março de 1923
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Mala.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês do Santos.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges. Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram à sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
João Luís Ricardo.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dós Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Júnior.

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Diário da Câmara dos Deputados
Maximiano de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
PRIMEIRA PARTE
Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 45 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta. Eram 15 horas e 20 minutos. Lê-se a acta. Dá-se conta do seguinte
Expediente
Pedido de licença
Do Sr. Portugal Durão, para viagem no estrangeiro e colónias — 6 meses,
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Ofícios
Do Ministério da Guerra, enviando uma relação de pensões militares,, pedida em ofício n.º 75 para o Sr. Morais Carvalho.
Para a Secretaria.
Do Ministério do Comércio, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 93 para o Sr. João Ornelas da Silva.
Para a Secretaria.
Do Conselho Superior Judiciário, pedindo a comparência do. Sr. Feliz Barreira no Ministério da Justiça no dia 11 às 14 horas.
Arquive-se.
Do Senado, enviando uma proposta de lei que manda aplicar a doutrina da lei n.º 1:158 ao segundo sargento reformado António Bernardo da Fonseca Baptista. Para a comissão de guerra.
Do mesmo, enviando uma proposta de lei que autoriza à construção, na Sé de Évora, dum jazigo monumento para os restos mortais do Arcebispo D. Augusto Eduardo Nunes.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Do mesmo, comunicando ler sido designado o dia 22 do corrente, pelas 10 horas e meia, para reunião do Congresso, para deliberar sôbre o assunto do ofício 35 desta Câmara (prorrogação da sessão) e de outro qualquer que esteja dependente da aprovação do Congresso.
Para a Secretaria.
Do mesmo, comunicando que, em sessão 20 de Março rejeitou as alterações introduzidas por esta Câmara nos artigos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º da proposta de lei, que regula o preenchimento de vagas de tesoureiros da Fazenda Pública e aprovou a alteração ao artigo 3.º Para o Congresso.
Do Ministério da Guerra, enviando documentos pedidos em ofício n.º 279 para o Sr. Jaime Pires Cansado.
Para a Secretaria.
Da Academia das Sciências de Lisboa, enviando 15 cartões de convite para a sessão solene que deve realizar-se em 24 do corrente pelas 21 horas.
Para a Secretaria.
Telegrama
Dos sargentos de cavalaria 10 (Vila Viçosa) pedindo a aprovação do projecto reforçando a alimentação e mínimo de promoções.
Para a Secretaria.
Substituïções
Comissão do Orçamento: Substituir o Sr. Portugal Durão pelo Sr. Vitorino Godinho.
Comissão de finanças:
Substituir o Sr. Portugal Durão pelo Sr. Júlio de Abreu.
Comissão dos negócios estrangeiros:
Substituir o Sr. Portugal Durão pelo Sr. António Resende.
Para a Secretaria.

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Sessão de 21 e 22 de Março de 1923
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Vai realizar-se a interpelação dos Srs. Cancela de Abreu e Alves dos Santos ao Sr. Ministro do Comércio, sôbre o rio Douro internacional.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: conheço bem o melindre e a gravidade do assunto que é objecto da minha interpelação, e, portanto, todos me farão a justiça de acreditar em que me não animam quaisquer intuitos políticos, trazendo-o à discussão.
De tanto se repetir, tornou-se já banal a afirmação de que a questão das quedas do Douro é um problema capital para o nosso país.
Não é porém inútil insistir até que a sua solução, empatada pela inércia e pela instabilidade dos Governos, seja um facto.
Apoiados.
A indústria, os transportes, a própria agricultura e tantas riquezas que oculta a nossa terra bemdita, e que se possam relacionar com o aproveitamento da energia hidro-eléctrica, têm o seu futuro ligado à magna questão do Douro internacional, cuja resolução imediata se impõe, já por êste motivo, já porque se nos afigura que ela vai tomando aparências que revelam a necessidade imperiosa de, de vez e resolutamente, a enfrentarmos.
Apoiados gerais.
Lembremo-nos de que a fôrça motriz é a base da indústria transformadora.
A fôrça motriz é o chamado «pão da indústria».
Ainda há pouco o Sr. engenheiro Ferreira da Silva, em uma interessante conferência, salientou a magnitude do problema hidráulico, mostrando os gravíssimos inconvenientes derivados da injustificada demora, até mesmo pelo que respeita ao custo das importantíssimas instalações de açudes, albufeiras, canais de derivação, geradoras, etc., e correspondentes expropriações e que actualmente em relação a 1914, devem representar o acréscimo equivalente à multiplicação pelo factor 20.
O pouco que se fez, e o que se está fazendo ou projectando no Lindoso, no Alvadio, no Alva, no Varosa, no Alto Zêzere, no Cávado e em outros pontos é evidentemente alguma cousa; mas está muito longe de ser aquilo de que carecemos e não é tudo aquilo que podemos obter do precioso caudal dos nossos rios, que hoje, mais do que nunca, convém aproveitar, mesmo que seja à custa de avultado sacrifício de capitais.
Se com o aproveitamento das grandes quedas — ou «hulha branca», como lhe chamou Bergés — e das pequenas quedas — ou «hulha verde», como lhe chamou Henri Bresson — e dos nossos filões carboníferos, conseguirmos bastar-nos a nós próprios, desprezando a larga importação da «hulha negra» e de óleos minerais, que tam desfavoravelmente pesa na nossa avariada balança comercial, constituindo, ao lado do pão político, um dos principais factores da drenagem do nosso ouro, e, portanto, da depreciação do escudo, teremos dado um avantajado passo no caminho da regeneração económica ambicionada.
Apoiados.
Isto é intuitivo.
Muitos o proclamam.
Todos o reconhecem.
Só os Governos o não têm compreendido.
Se o compreendem, não se preocupam.
Se se preocupam, não sabem.
Se sabem, não querem.
E não direi que se querem, não podem, porque raro é o impossível, perante a justiça de uma causa e a boa vontade em a solucionar.
Seria porém injustiça não registar os esfôrços dos últimos governos da monarquia, de que derivaram as conclusões de 10 de Agosto de 1910 — sôbre que se baseou o acôrdo diplomático de 1912, com a Espanha — acêrca do aproveitamento industrial das águas em rios limítrofes dos dois países e as persistentes, mas infrutíferas, tentativas levadas a efeito, em 1918, pelo Sr. Dr. Egas Moniz, quando nosso Ministro em Madrid.
Em 1919, o Ministro do Comércio, Sr. Ernesto Navarro, nomeou um delegado para, conjuntamento com o delegado espanhol D. Emílio Ortuno, elaborar as regras complementares da Convenção de 1912, e mais tarde, em 1920, constituiu-

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Diário da Câmara dos Deputados
-se uma comissão mixta de engenheiros, jurisconsultos, e representantes do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a qual também não levou ao fim os seus trabalhos porque os delegados portugueses desejaram consultar o seu Govêrno e os delegados espanhóis...partiram para banhos.
Depois disto — o já lá vão quási três anos — nada mais se fez!
Aguardarão ainda os delegados a resposta do Governo?!
Como se explica tamanha delonga?!
E, entretanto., Sr. Presidente, o Douro internacional tem um desnível de cêrca, de 400 metros, que pode produzir 450:000 a 500:000, cavalos de energia, ou sejam, para Portugal, 250:000 cavalos!
Nada menos de 110:000 quilovátios, livres de perdas: qualquer cousa como o correspondente a 1. 800:000 toneladas de carvão, isto é, muito mais do que aquele que nós actualmente importamos!
Computando o preço médio actual do carvão a 200$ a tonelada, a energia produzida equivaleria hoje a 360:000 contos de combustível!
Mesmo que se repute deminuto o total de 400:000 a 500:000 cavalos de energia que alguns consideram poderem produzir as possibilidades do declive dos nossos rios — e de que não aproveitamos a décima parte- afigura-se aos entendidos que, pela nossa parte, encontraremos de Paradela a Barca 4e Alva o nosso, mais poderosa manancial de energia hidro-eléctrica produzido por um caudal médio de 100 metros cúbicos por segundo, alcançado no verão por vastas albufeiras.
Poderá, pois, vir a ser a nossa «água lustral» êste, caudal magnífico, quente agora criminosamente temos deixado escuar-se inaproveitado, quási inútil, como se não valesse uma torrente de ouro, drenando-se no oceano imenso!...
E entretanto vejamos o que acontece em outros países: a França numa possibilidade de 8. 000:000 a 10. 000:000 de cavalos, aproveitava em 1913 já perto de 900:000; a Espanha produziu 300:000, a Itália perto de 800:000, e pode produzir 5. 000:000; a Alemanha produz mais de 800:000 do 1. 500:000 que poderá obter. Toda a Europa devia produzir em 1913, segundo os dados obtidos pelo Sr. Dr. Francisco Caeiro, cêrca de 3. 500:000 cavalos. Os Estados Unidos só de Niágara, que dizem ouvir-se a 80 quilómetros de distancia, obtém 500:000 cavalos.
No último outono e no presente inverno, Eolo fustigou as terras de Portugal com a repetida acção do seu nefasto leste, que queima e definha os campos e dizem ser portador de maleitas.
Não é mau porque venha de Espanha êsse suão maldito. E mau porque vem de leste. Mas como de Espanha vem, trouxe-nos nas soas asas frases imprecisas, comentários leves, afirmações vagas, que, vindo, doutro ponto, poderiam justificadamente ferir a nossa sensibilidade de patriotas, mas que, por virem de onde, vêm, duma nação amiga — só perpassaram ao de leve como, a brisa dum bom quadrante, deixando apenas no nosso espírito o convencimento de que é preciso, abandonarmos de vez a apatia a que nos votamos e entrarmos aberta e desassombradamente no campo das realizações, pelo que respeita àquele notabilíssimo empreendimento.
Apoiados.
A afirmação feita aos interessados, na presença do Soberano de Espanha, por um dos seus Ministros, de que a questão; das quedas do Douro era uma partida ganada, teve o condão, de alarmar muitos dos bons portugueses, porque se supôs ao princípio que a frase tinha outro significado e intenção que não fôsse o convencimento do Ministro de que a solução, chegaria a bom termo, desde que o seu rei prometera interessar-se por ela dedicadamente.
Há pouco tempo, porém, uma lufada maior do regelante Janeiro trouxe-nos notícias das démarches dos comissionados de Zamora e Salamanca, presididos pelos venerandos prelados das suas dioceses junto de Sua Majestade El-Eei D. Afonso XIII, do seu Govêrno e, nomeadamente, do seu Ministro de Fomento, D. Rafael Gasset, que o Diário, de Notícias classifica do primeiro hidrólogo do país vizinho.
Segundo relatou a imprensa, na representação entregue, as duas províncias reclamam o rápido andamento dos processos relativos às quedas de água do Douro internacional, «e que, no caso do se não chegar a um acôrdo, se aceitem as soluções espanholas». Isto em resumo.

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Sessão de 21 e 22 de Março de 1923
Reservando-me para adiante mostrar o que tem de grave para nós esta última sugestão, em que mesmo os mais scépticos não podem deixar de ver uma ameaça, salientarei desde já que as respostas dadas por Sua Majestade e pelo seu Govêrno não foram de molde, a justificadamente nos sobressaltarem, pelo facto de se poder depreender do que se disse que em Espanha se pensa, porventura, em caminhar abortamento para uma solução unilateral. Não!
Não sejamos pessimistas! Tenhamos confiança na justiça que a razão nos dá. Desanuviemos o POSSO espírito de pesadelos, embora por vezes, infelizmente, por êle perpassem sombras negras, recordações sinistras, como, por exemplo, a do indulto de Leandro!
Apoiados.
Devemos supor apenas que Sua Majestade o Senhor D. Afonso XIII e o seu Govêrno não desejam mais delongas, querem activar quanto possível os trabalhos necessários o já encetados, de modo a em breve se converter em uma realidade prática tam notável e útil empreendimento.
E êste o seu propósito firme, o foi isto por certo que motivou a vinda à imprensa espanhola e portuguesa da notícia de palavras e de promessas, que, interpretadas a frio, não podem traduzir o propósito de desrespeito pela letra sagrada doa tratados que a fidalga nação espanhola connosco firmou.
Apoiados.
Mas 4o que não há dúvida é de que o problema assumiu agora uma acuidade, máxima, impondo-se ao Govêrno o dever de o encarar sem delonga e resolutamente.
E bem expressa e clara a letra do tratado de limites de 29 de Setembro de 1864 e seu anexo de 4 de Novembro de 1866, e do acôrdo de 16 de Setembro de 1912, baseado nas conclusões firmadas em 10 do Agosto de 1910 pelos delegados dos dois Govêrnos.
Não vou fazer uma exposição desenvolvida do texto e da doutrina dêstes diplomas basilares, pois que não o comporta o tempo que desejo tomar à Câmara, e trata-se de assunto que várias vezes tem sido proficientemente versado na imprensa, em conferências e era monografias de técnicos.
Todos os que se interessam pelo importante problema tiveram ensejo de apreciar a brilhantíssima série de artigos que sôbre as quedas do Douro publicou no seu jornal, de Janeiro a Julho de 1920, p. notável engenheiro Sr. conselheiro Fernando de Sousa. Com competência invulgar e o mais elevado patriotismo, o ilustre jornalista versou todos os aspectos e soluções, marcando nitidamente a nossa posição, e desfazendo triunfantemente todas as ardilosas arteirices dos que, escondendo-se atrás dos potentados bilbainos e outros, baldadamente têm pretendido arrastar o Govêrno Espanhol para aquilo a que se convencionou chamar a solução espanhola.
Também o Sr. Dr. Cunha e Costa, meu colega muito distinto, e o ilustre professor Sr. Dr. Armando Monteiro se ocuparam do Douro internacional em conferências realizadas em 20 de Fevereiro e 12 de Março de 1920, na Sociedade de Geografia, encarando o assunto com o brilho e os conhecimentos que lhes são peculiares.
O que agora me basta, pois, salientar é que naqueles diplomas ficou expressamente estipulado que:
1.º Os cursos de águas, no ponto em que servem de linha de fronteira, são de uso comum para ambos os países;
2.º As duas nações terão nos lanços fronteiriços os mesmos direitos e, por consequência, poderão dispor respectivamente de metade do caudal da agua, nas diversas épocas do ano;
3.º Nenhuma concessão pode ser feita por qualquer dos países relativamente ao curso internacional dos rios, sem que igual pedido seja simultaneamente feito ao outro país e por êste deferido, depois das prévias formalidades taxativamente estabelecidas no artigo 6.º do anexo de 1866.
Dôsfes princípios basilares, cuja dou» trina, por motivo de interêsses inconfessáveis, se tem pretendido sofismar nas projetadas regras complementares do acôrdo de 1912, derivaram outros tantos corolários, que os técnicos sintetizaram, neste acôrdo, nos seguintes termos:
a) A toma de água e a sua devolução ao rio faz-se no mesmo lanço fronteiriço;
b) Toma de água em Espanha e a devolução no lanço fronteiriço;

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Diário da Câmara dos Deputados
c) Toma de água em Espanha e devolução de água em Portugal;
d) Toma de água no lanço fronteiriço e devolução em Portugal.
Tudo se acha, pois, previsto e regulado. E evidentemente que as regras complementares, cuja elaboração se está eternizando, não podem deixar de respeitar inteiramente a doutrina do Tratado de 1864 e seu anexo, e do Acordo de 1912.
Apoiados.
As regras complementares, que, injustificadamente, se pretende converter em pomo de discórdia, não devem conter mais do que formalidades burocráticas para o estudo e adjudicação das concessões, e, porventura, particularidades de detalhe quanto ao modo prático do aproveitamento do caudal, dentro dos precisos termos das condições indicadas.
As regras complementares, diz o Acordo de 1912 no seu artigo 6 = 0; que serão as necessárias para a execução das suas disposições, e nada mais.
Assim pensa com certeza também o Govêrno de Espanha, quer o queira quer não o queira no grupo de Bilbau.
E, portanto, dentro dêstes rigorosos e inexpugnáveis limites que devemos manter-nos e é dentro dêles que devem conter-se as aspirações traduzidas pelos comissionados de Zamora e Salamanca.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Não devemos, pois, preocupar-nos demasiadamente com ameaças, quer elas se filiem em interêsses ocultos, quer dimanem de parcial e facciosa interpretação, como a de El Sol, que chegou a sustentar que o Douro é eminentemente espanhol, não admitindo que haja quem ouse menoscabar os interêsses de Espanha nem cercear os seus direitos, o que o que se tenha de ceder seja porque assim o pedem a harmonia e. as boas relações com Portugal!...
Pretende, pois, o importante diário madrileno oferecer-nos a título de generosidade e de favor aquilo a que temos absoluto direito!
Nas mesmas águas...do Douro espanhol navegou também o conde de Sántibañez de Rio, sustentando em El Universal vários pontos, de vista, que não resistem à mais ligeira crítica, e fechando também calculadamente os olhos perante os tratados!
Se já houve o arrojo de, sem rebuço, se pretender fazer acreditar que nós só temos o direito a metade do caudal que actualmente corre no rio, isto é, no verão a metade do seu caudal médio de 25 a 27 metros cúbicos! Isto equivaleria a reconhecer à Espanha o direito a todo o aumento obtido com o represamento em albufeiras, e que pode elevar o caudal a 100 metros cúbicos por segundo!
Claramente que também não colhe o argumento de que a configuração dos terrenos e o facto de o Douro vir de Espanha obrigam à construção das albufeiras ou reservatórios em território espanhol, pois que, desde que os direitos são iguais, iguais devem ser também os encargos e proveitos das obras do interêsse comum a empreender em um ou em outro país.
Apoiados.
A solução espanhola faz parte de quási todos os ilegalíssimos pedidos de concessão até agora formulados, e tem especialmente como objectivo o desvio parcial do lanço internacional do Douro, na margem espanhola, e a construção das oficinas geradoras em Espanha, para, provavelmente, nos venderem depois a energia que nos pertence, convertendo assim em prática a conhecida filosofia do galego de esquina, que, de barril às costas pelas vielas da cidade, ia murmurando: «A água é deles, mas eu é que lha vendo!»
De entre todos destaca-se um podido pelo que tem de arrojado e porque importava, nem mais nem menos, do que a escamoteação completa do Douro em quási toda a extenção fronteiriça, desde o montante de Paradela até próximo de Barca do Alva!
É aquilo que o Dr. Cunha e Costa denominou a nacionalização do Douro e se traduz na famosa proposta Ugarte, publicada no Boletim Oficial da província de Salamanca de 7 de Janeiro de 1920.
Em Espanha chama-se saltos às quedas de água. Pois, Ugarto pretende dar dois saltos; um do 346:000 cavalos próximo da foz de Tormes, precedido de um canal de derivação com 49 quilómetros; e outro de 206:000 cavalos, no Huebra, precedido de um canal subsequente ao salto de Tonnes (50 quilómetros).

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Nós porém, apesar de se tratar de que das, não devemos cair.
Os pretendentes é que, apesar de tantos cavalos, não conseguirão saltar a barreira dos tratados...
Espero bem que assim suceda...
As concessões até agora pedidas, e que importavam a solução espanhola, foram:
1.º Pena Carrobo, caudal de 34 metros cúbicos, energia de 27:200 cavalos (1902);
2.º Los Molinos, caudal de 35 metros cúbicos, energia de 30:000 cavalos (1902);
3.º Cantero, caudal de 27 metros cúbicos e energia de 60:000 cavalos (1906);
4.º Lopes Franco, energia provável do 100:000 cavalos (1912);
5.º Grasset, caudal de 60 metros cúbicos e energia de cêrca de 108:000 cavalos (1913).
Êstes pedidos do concessão, alguns dos quais chegaram a ser deferidos, foram mais tardo transferidos, conjuntamente com outros que EL Sol referiu, para a Sociedade Espano-Portuguesa de Transportes Eléctricos, vulgarmente conhecida por Grupo de Bilbau, que enviou, em 1920, a Portugal, como seu delegado ou representante, o Sr. Salmeron, a fim de tentar solucionar o assunto junto do nosso Govêrno.
Está feita por várias pessoas competentes a demonstração cabal, irrefutável da absoluta nulidade de tais pedidos e das correspondentes concessões, quer em face dos tratados que mencionei, quer em face da própria legislação interna de cada um dos países, havendo neles completo deprêzo dos nossos legítimos direitos, e não se tendo sequer observado as formalidades mais substanciais, e entro elas a do artigo 6.º do anexo de 1866!
E, pois, arrojo haver, quem, estando em situação tam precária à faço da lei, se arrogue pretensos direitos de preferência, e o que é pior, pretenda levar os dois Governos a sofismar a letra dos tratados nas projectadas regras complementares, que, repito, não podem do modo nenhum derrogar ou iludir qualquer das normas basilares que, inumarei.
Apoiados.
Cautela!
Muita, cautela!
Honra aos Governos do 1906 e 1907, que, apesar dos esfôrços empregados em contrário, cumpriram rigorosamente o sou dever, honrando-se o honrando o País.
A devida justiça será feita também a quem souber marcar devidamente a nossa posição e, em seguida, levar a bom termo as negociações.
Lembre-se o Govêrno do que nada o deve demover o que lho cumpre repelir, por afrontosos, todos os capciosos argumentos dos ilegítimos pretendentes, que, quero crê-lo, nem no Govêrno Português, nem no Govêrno Espanhol encontrarão guarida.
Até de pretensos factos consumados só quero lançar mão para desvirtuar a solução do problema, como só por tal motivo valessem ilegalidades e absurdos que os tratados o os códigos afectam do nulidade!
Com a devida vénia ao Sr. Conde do Santibañez...que só esqueceu de ler o artigo 7.º do real decreto do 5 do Setembro do 1918...
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Talvez impròpriamente só tem chamado solução portuguesa àquela que, baseando-se nos preceitos expressamente convencionados nos tratados pelos dois países, procura estabelecer em tudo um inteiro pé de igualdade e do independência política e economia.
Mais apropriadamente me parece que, se lhe deve chamar solução comum, ou solução legal, mesmo para não poder sequer chegar a dar por momentos a ilusão falsa do que só trata do uma solução que representa, em relação à Espanha, a contra-partida da solução espanhola, apresentando para esto país os inconvenientes que esta solução tem para nós.
Apoiados.
A solução legal reduz-se fundamentalmente nos seguintes princípios:
a) Partilha do caudal ou da queda do Douro internacional em partos perfeitamente iguais, entro os dois países, seja qual fôr a época e o volume das águas;
b) Açudo ou barragem comum;
c) Canais do, derivação o oficinas geradoras independentes, próprias do cada país o situadas nos respectivos territórios;
d) Aplicação da energia produzida em cada um dos países únicamente em seu

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exclusivo proveito, não devendo mesmo ser feita a sua alienação temporária, sob qualquer título ou pretexto.
O estabelecimento da mais absoluta independência económica é fundamental.
A êste respeito diz acertadamente o Sr. Conselheiro Fernando de Sousa:
«A independência económica dos dois países deve ser iniludívelmente assegurada.
«Não é pois admissível qualquer solução que a afecto, como seria a instalação das oficinas no território de uma para entregar a outra, sob a forma de corrente eléctrica, o seu quinhão do energia.
«No caso de. conflito, às indústrias nesse criadas ficariam assim à mercê de uma interrupção casual ou propositada da corrente».
E o ilustre professor Sr. Dr. Fernando Emídio da Silva acrescenta:
«A Espanha ficaria a cada instante com a possibilidade de cortar a corrente motriz do toda a nossa indústria do norte, isto é, senhora, por assim dizer, de toda a vida económica portuguesa»,
O ilustre professor Sr. Dr. Egas Moniz, perfilhando os três primeiros princípios expostos, preconiza entretanto a alienação à Espanha da energia que possamos dispensar, o que constituiria uma fonte de receita muito apreciável.
A esta real vantagem contrapõe-se, porém, o grave inconveniente de mais tarde, devido ao desenvolvimento da nossa indústria, carecermos da energia dispensada, e dificilmente a podermos reaver, em face do statu que derivado da sua aplicação em Espanha e representado pelos interêsses ali criados e desenvolvidos à sua sombra, cuja paralisação forçada poderá talvez vir a ser impossível.
Que série de embaraços não poderão resultar!
Apoiados.
O modo prático de aproveitamento do caudal, pelo que respeita aos açudes ou barragens, é uma circunstância de detalhe que aos técnicos dos dois países e não a nós cumpre apreciar.
Uns julgam preferível a divisão das quedas em condições de igualdade absoluta, pelo que respeita aos quinhões de energia.
Outros, porém, encontrando neste, sistema precisamente a dificuldade de, devido à diversidade dos desníveis e da configuração das- margens, se poder conseguir a igualdade na distribuïção da energia e sobretudo igualdade nas despesas e encargos das obras,, preconizam como preferível, em lugar da divisão das quedas, a divisão das águas, em uma única barragem ou em diversas barragens; sendo evidentemente preferível êste último sistema, porque, além de permitir um melhor e mais fácil aproveitamento das águas e menor sacrifício de terrenos, evita que se crie desde logo energia que. exceda a necessária para a indústria e não obriga à imobilização, por uma só vez, dos avultadíssimos capitais que o grandioso empreendimento demanda, e que durante largo tempo ficariam improdutivos.
É indispensável que a concessão das quedas do Douro internacional seja feita por concurso público, fixando-se previamente, de acôrdo entre os dois Governos, todas as suas bases, todas as condições de adjudicação e todo o plano de obras, de modo que de nenhuma forma se torne possível a menor lesão dos direitos que se acham firmemente assegurados no tratado de 1864, no anexo de 1866 e no acôrdo de 1912.
É preciso também não perder de vista os direitos legítimos dos proprietários marginais.
Apoiados.
As regras complementares do acôrdo de 1912, que se trata de elaborar, são agora a chave do problema.
Não é pois demasiado insistir em que há quem por vários modos se tem esforçado por levar a água do Douro ao seu moinho, procurando conseguir que nas regras complementares se estabeleçam disposições que importam a violação dos tratados, com manifesto prejuízo para Portugal, embora nem sempre tal se depreenda da forma imprecisa da sua redacção.
Pretende-se até que seja admitida a opção para as ilegalíssimas concessões e para os pedidos já feitos, temperando os, para êste efeito, com uma espécie de legalização retroactiva!

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Mesmo que haja pedidos do concessão feitos nos termos legais, não se lhes deve dar preferência, pois que, não estando ainda estabelecidas as indispensáveis regras, complementares, não o legítimo que assim se proceda, reconhecendo direitos, derivados de um acto anterior, e que as mesmas regras só para o futuro devem determinar.
Concurso, concurso amplo é que é indispensável, sem direito de preferência para qualquer dos anteriores pretensos concessionários oupeticionantes, nem mesmo que nos seus projectos sejam feitas alterações, visto que as não permitem nem a lei espanhola (real decreto de 5 de Setembro de 1918, artigo 1.º), nem a lei portuguesa, (decreto n.º 5:787-IIII, de 10 de Maio de 1919, artigo 39.º).
E não esqueça o Govêrno, êste conselho salutar do Sr. Conselheiro Fernando de Sousa:
«E indispensável exigir garantias muito sérias da idoneidade técnica e financeira para contestar especulações bolsistas de caçadores de concessões e assegurar a realização de obras que demandam enorme esforço».
Muito mais tinha a dizer sôbre êste interessantíssimo e complexo assunto, que convém ver esclarecido.
Porém não desejo fatigar a Câmara e o que disse basta para traduzir a maneira, de ver de um leigo, que, como os seus amigos, acima de tudo, deseja o bem da, sua pátria e se esforça por a ver nobilitada.
Diga agora o Govêrno o que há e o que pensa.
O que fez e o que projecta fazer a comissão internacional?
Qual a razão da demora na ultimação dos seus trabalhos?
O que tem feito em Madrid o Sr. Melo Barreto?
Fale o Govêrno.
A política do silêncio não dignifica nem convém.
Sr. Presidente: a solução do problema, do Douro internacional não é incompatível com o nosso justificado chauvinismo,
Cumpra o Govêrno o seu dever, porque, se assim fizer, os ventos do leste, por mais rijos que soprem, não serão mensageiros.
Nem porque a Espanha é grande e o Douro nasce lá, nem porque Portugal é pequeno e o Douro desagua cá, nem por: que o queiram os de Bilbau ou os de Biscaia, nós podemos consentir que se rasguem os tratados que nobremente firmamos e nobremente cumprimos.
Vozes: — Muito bem.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: ouvi com justificadíssimo interêsse a interpelação muito patriòticamente deduzida pelo ilustre Deputado Sr. Paulo Cancela, que se expressou em termos que permitem que eu, apesar do melindre que envolve êste assunto — melindre que S. Ex.ª muito inteligentemente acentuou — possa dar à Câmara as informações precisas que a todos possam tranquilizar, dando a garantia de que, tanto sob o aspecto patriótico da altivez nacional, como sob o ponto de vista de interêsses, em breve chegaremos a uma solução justa, equitativa e digna.
E, antes de entrar pròpriamente no assunto da interpelação, permita-me V. Ex.ª que eu lamente a ausência do ilustre Deputado Sr. Alves dos Santos, que, tendo anunciado, também, uma interpelação sôbre o mesmo assunto ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, havia combinado a forma de satisfazer o seu desejo por maneira a eu poder responder, por uma só vez, aos dois Deputados interpelantes. S. Ex.ª não está, porém, presente, certamente por motivo de doença ou por qualquer outro motivo de fôrça maior, mas isso hão quere dizer que o assunto não possa vir ser novamente ventilado.
Sr. Presidente: referiu o ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu o que de essencial podia haver para estabelecer as bases das afirmações que vou apresentar.
Temos o tratado de 1864 com o seu anexo de 1866; temos ainda as negociações de 1912 e de 1920, e, em face dêsses diplomas, nós podemos verificar que a nossa liberdade de proceder está inteiramente garantida.
O Govêrno reconhece toda a conveniência em reentabular as negociações, e irá fazê-lo inteiramente à vontade, com

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as mãos completamente livres, sem a corda na garganta perante uma necessidade de vida ou de morte.
A questão do Douro internacional, bastante complexa, tem três aspectos fundamentais: a transmissão de energia, a simultaneidade dos pedidos e a regularização da fôrça.
O ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu, versando o assunto com um conhecimento e uma largueza notáveis, sugeriu possivelmente pontos de vista interessantes, que os nossos negociadores tomarão na devida conta.
Essas negociações, que serão reeditadas a pedido da nação vizinha, não terão de o ser, de facto, como muito bem disse S. Ex.ª, no mesmo pé de igualdade, mas sim colocando-se os dois Governos muito acima de quaisquer interêsses particulares representativos do capital, sôbre a base de 50 por cento de energia do caudal internacional a cada uma das partes contratantes.
Os nossos delegados terão de receber instruções do Govêrno, e, para as dar, precisa o Govêrno do estudar convenientemente o assunto, de forma a que os interêsses nacionais fiquem por completo salvaguardados.
O assunto é, porém, por demais melindroso, para que o Govêrno por si só assuma todas as responsabilidades das negociações.
O Govêrno espera, por isso, submeter à apreciação do Parlamento as conclusões do seu estudo e do seu trabalho, a fim de que os negociadores fiquem cheios de toda a fôrça para agir em defesa dos nossos interêsses.
Nestes termos, eu creio, Sr. Presidente, que os negociadores hão-de chegar a um entendimento, e, sendo o assunto devidamente ponderado por todos nós, será possível chegar-se a negociar definitivamente a questão.
Devemos fazer ao Govêrno da nação vizinha inteira justiça de que anda no assunto de boa fé, chegando-se a um acôrdo de nação para nação, sendo o mesmo tratado em perfeita igualdade de circunstâncias, principalmente tratando-se de um assunto que é da máxima importância.
Eu tenho a certeza absoluta de que com a importância técnica dos nossos negociadores e os seus merecimentos, visto tratar-se principalmente de um assunto que não é de política partidária, mas de política nacional, nós havemos de chegar a um acôrdo satisfatório e de completo êxito para todos aqueles que realmente se preocupam pelo progresso, civilização e desenvolvimento do nosso país.
Eram estas as considerações que eu tinha a fazer em resposta ao Sr. Cancela de Abreu.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — São horas de se passar à primeira parte da ordem do dia; porém o Sr. Cancela de Abreu pediu a palavra para responder ao Sr. Ministro do Comércio.
Os Srs. Deputados que estão de acôrdo em que se conceda a palavra ao Sr. Cancela de Abreu queiram levantar-se.
Foi concedida.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro do Comércio as suas explicações. Acreditando no optimismo de S. Ex.ª, faço ardentes votos para que os factos venham a confirmá-las.
Repito: faço votos ardentes nesse sentido.
A Câmara foi testemunha de que não houve da minha parte, ao tratar do interessante assunto, o mais leve intuito de alarmar a opinião pública. E tenho o maior desejo de que as negociações que se vão iniciar sejam coroadas de êxito.
Acredito no optimismo do Sr. Ministro do Comércio; mas, no emtanto, devo dizer a S. Ex.ª que não pode deixar de ficar no nosso espírito um certo sobressalto. A Espanha, tem notado que da nossa parte tem havido uma certa delonga e desinteresse, pois a verdade é que até hoje pouco ou nada temos feito.
Eu entendo que, embora os delegados portugueses levem todos os poderes necessários para resolver o assunto, é absolutamente indispensável que tudo fique dependente da sanção parlamentar.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — V. Ex.ª

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escusa de pôr isso como aspiração: é essa a aspiração de todos.
O Orador: — Eram estas as considerações que tinha a fazer.
O Sr. Tavares Ferreira: — Mando para a Mesa um parecer.
Vai adiante por extracto.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Peço a V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se permite que entre em discussão, com urgência, o projecto de lei n.º 405-A, referente às verbas que estão fazendo muita falta para serviços públicos.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Concordo com a urgência dêsse projecto, mas desejava saber se essa discussão prejudicará a discussão dos pareceres que estão na Mesa.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Tenho muita urgência na discussão dêsse projector e pedia por isso a V. Ex.ª consentisse no meu requerimento.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Se V. Ex.ª entende que êle se poderá discutir primeiro, não prejudicando a discussão dos outros pareceres, não haverá inconveniente.
O orador não reviu.
É aprovada a urgência.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a V. Ex.ª seja consultada a Câmara, sôbre se permite que o parecer n.º 205 seja marcado em primeiro lugar para discussão em «antes da ordem do dia» de amanhã, sem prejuízo dos oradores e da discussão doutros projectos.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis de Carvalho: — Requeri ontem fôsse pôsto em discussão, em «antes da ordem do dia», o projecto n.º 289.
Não assisti à sessão da noite, mas vejo que foi pôsto em «ordem do dia», tendo eu requerido que fôsse pôsto em discussão «antes da ordem do dia», e sem prejuízo dos outros projectos.
Renovo o meu requerimento.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Dinis de Carvalho.
Entra em discussão o projecto mandado para a Mesa pelo Sr. Tavares Ferreira.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não contesto a necessidade da votação do projecto, cuja urgência requereu o Sr. Ministro do Comércio, mas preferível é que os orçamentos sejam apresentados com verdade, e se não continue a ocultar ao País o verdadeiro estado financeiro, com respeito às despesas do Estado.
O deficit verdadeiro é mais de 600:000 contos.
É preciso que o País veja como é fácil arranjar um deficit menor.
Dia a dia se dá a demonstração de quanto são justificados os motivos que levam a oposição monárquica a insistir em que se olhe a sério para a nossa situação financeira, e quanto urge reduzir ao mínimo possível as despesas públicas.
Não tenho a pretensão de alongar o debate, e por isso vou terminar, devendo porém frisar que a comissão do Orçamento, no seu parecer, não seguiu as praxes» usuais.
A comissão diz que é de opinião que a verba indicada na proposta deverá ser reduzida a 500 contos, mas não apresenta a respectiva proposta, como é de uso em casos dêstes.
Nestas condições, não sabemos qual é o texto sôbre que deva recair a votação da Câmara, e portanto parece-me que seria conveniente que a proposta voltasse à comissão para que esta, possivelmente ainda hoje, fizesse a especificação que se esqueceu.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares Ferreira: — E ùnicamente para responder ao Sr. Carvalho da Silva, que não há necessidade de ser apresentada uma proposta pela comissão do Orçamento, para a redução da verba de que se trata, e que por essa comissão foi alvitrada.

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A proposta é a inicial; apenas há a redução da verba.
Desde que a comissão diz no seu parecer que entende dever reduzir-se a 500 contos a verba indicada na proposta, é tudo quanto é preciso.
Uma voz: — Vota-se o parecer e está tudo certo.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Os pareceres das comissões não se põem à votação.
O orador não reviu.
Seguidamente é aprovada na generalidade a seguinte.
Proposta de lei
Senhores Deputados. — A verba de 400 Contos consignada no artigo 79.º do capítulo 6.º do actual orçamento do Ministério do Comércio, sob a rubrica «Trabalhos fluviais, incluindo polícia de navegação interior e de pesca» é absolutamente insuficiente para ocorrer aos trabalhos a realizar até 30 de Junho próximo.
As despesas sempre crescentes, com os serviços dó polícia e conservação, absorvem cinco oitavas partes da dotação, só para pagamento do pessoal permanente, com prejuízo dá execução de novas obras inevitáveis de conservação e construção, indispensáveis para defesa e fomento da riqueza nacional.
Nestes termos, tenho à honra de submeter à vossa esclarecida apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º É reforçada com a quantia de 500. 000$, a dotação inscrita no artigo 79.º do capítulo 6.º do orçamento do Ministério do Comércio, em vigor para o actual ano económico, sob a rubrica «Trabalhos fluviais, incluindo polícia de navegação interior e de pesca».
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário. — João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes — Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Senhores Deputados. — A vossa comissão do Orçamento, tendo apreciado a proposta de lei do Sr. Ministro do Comércio, para reforçar a verba destinada aos trabalhos fluviais, é de parecer que deveis aprovar, reduzindo porém a 500. 000$, o reforço pedido, visto estarmos a três meses e meio apenas, do fim do ano económico.
Em 6 de Março de 1923. — A. Portugal Durão — Adolfo Coutinho — Paiva Gomes — Jaime de Sousa — Luís Ricardo — H. Pires Monteiro — Prazeres da Costa — Tavares Ferreira, relator.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à especialidade.
Leu-se na Mesa a emenda que consta do parecer da comissão.
O Sr. Presidente: — Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Ninguém pede a palavra, vai votar-se.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Desejo que V. Ex.ª me informe o que é que foi pôsto à votação.
O Sr. Presidente: — É o parecer da comissão.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pareceres não se põem à discussão.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A comissão conserva o mesmo artigo da proposta; faz só a redução da verba.
S. Ex.ª não reviu.
Seguidamente foi aprovada a redução da verba, indicada pela comissão.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Desejo que V. Ex.ª me diga se há alguma disposição regimental que permita fazer-se votação sôbre pareceres.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª á poderá ter razão, mas á Câmara já votou.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mas votou mal.
O orador não reviu.
Protestos da maioria.

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O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
Seguidamente é aprovado o artigo 1.º, salvo a emenda da comissão.
Leu-se na Mesa o artigo 2.º e foi aprovado sem discussão.
O Sr. Tavares Ferreira: — Requeiro a dispensa leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Ninguém pede a palavra, considera-se aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Peço a V. Ex.ª a fineza de me dizer se o Sr. Ministro das Colónias vem ou não ao Parlamento.
Precisamos saber se S. Ex.ª vem, porque a minoria monárquica necessita interrogar S. Ex.ª sôbre diversos assuntos importantes que correm pela sua pasta.
O Sr. Presidente: — Vou informar-me para poder responder depois a V. Ex.ª
Procede-se à votação de vários pedidos de licença, que vão no expediente.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Pedi a palavra para enviar para a Mesa as duas propostas de lei.
Peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se aprova a urgência para a respectiva discussão.
Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência.
Vão adiante publicadas por extracto.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à primeira parte da ordem do dia — empréstimo.
Continua no uso da palavra o Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Morais Carvalho (S. Ex.ª conclui o seu discurso, que lhe foi entregue e não foi restituído).
O Sr. Tavares Ferreira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa dois pareceres.
Vai adiante por extracto.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Morais Carvalho.
Foi lida e admitida a seguinte
Moção
A Câmara, reconhecendo que é ofensiva dos preceitos regimentais a proposta em discussão, por isso que, contra a letra expressa do artigo 79.º do Regimento desta Câmara, se abrangem nela matérias que não têm entre si íntima ligação, tais como: a emissão dum fundo consolidado da Dívida Pública pretensa e nominalmente em ouro e do juro de 6 1/2 por conto; a substituição pelos títulos dêste novo fundo das inscrições depositadas em caução no Banco de Portugal; o aumento em mais de duzentos mil contos da circulação fiduciária; a conversão em ouro da prata desamoedada e a emissão de nova moeda subsidiária além das actuais cédulas; reconhecendo, designadamente quanto ao empréstimo dos pretensos quatro milhões de libras que as condições da emissão, a taxa usurária de juro efectivo nunca inferior e possivelmente superior a 15 por cento, o prazo largo da inconvertibilidade e as onerosas comissões e despesas de propaganda e colocação, são nocivas e absolutamente ruinosas;
Reconhecendo mais que, pela proposta em discussão, não só, se não alcança o fim principal declarado, qual é a melhoria cambial, antes dela há-de resultar forçosamente o agravamento do ágio; e reconhecendo finalmente que importa fazer com urgência inadiável uma forte redução das despesas públicas, sem a qual se caminha para a bancarrota, continua na ordem do dia.
Sala das Sessões, 20 de Março de 1923. — Morais Carvalho.
Admitida.
Considerando que a redução das despesas do Estado é a mais instante necessidade para uma possível melhoria da situação financeira;
Considerando que a proposta em discussão aumenta consideràvelmente essas despesas, tornando ainda mais grave a angustiosa crise que aflige o País;
Considerando que a mesma proposta

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contribui poderosamente para o descrédito do Estado e da Nação;
Considerando que o alargamento de circulação fiduciária nela incluído agravaria por forma considerável a divisa cambial;
Considerando que a criação de bónus de moeda subsidiária emitidos pelo Estado representa um perigoso precedente;
Considerando que da aprovação das disposições contidas no mesmo parecer resultará uma maior especulação cambial;
Considerando ainda que as disposições do parecer n.º 424, uma vez aprovadas, provocariam, de facto, a conversão da maior parte da dívida flutuante em títulos do novo fundo proposto, com encargos muito maiores para o Estado;
Considerando que dessa conversão, de facto, resultaria uma situação financeira verdadeiramente calamitosa, a Câmara passa à ordem da noite.
Sala das Sessões, 21 de Março da 1923. — Artur Carvalho da Silva.
Para a Secretaria.
Admitida.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir a Câmara de que já deu a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que continue em discussão a proposta de empréstimo com prejuízo da segunda parte da ordem do dia.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova, verificou-se que o requerimento tinha sido aprovado.
O Sr. Tôrres Garcia: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que se dê a matéria por Discutida, sem prejuízo dos oradores inscritos.
O orador não reviu.
Vozes: — Não pode ser, não pode ser.
O Sr. Carvalho da Silva: — Isso é uma afronta ao País!
O Sr. Carlos Pereira: — O que devem fazer é pedir todos a palavra para o País ver.
O orador não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu: — Peço a V. Ex.ª o obséquio de me dizer quais são os oradores que estão inscritos.
Uma voz: — Os que estavam inscritos.
Vozes: — Isso não pega.
O Sr. Pedro Pita: — O que eu posso garantir a V. Ex.ª é que isso é que não pega.
O orador não reviu.
O Sr. Nunes Loureiro: — E depois digam que somos nós que fazemos imposições!
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os oradores inscritos são os que vou ler.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro votação nominal para o requerimento feito pelo Sr. Tôrres Garcia.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Procedeu-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

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Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Salema.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henriques de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais de Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Pires Cansado.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
O Sr. Presidente: — Aprovaram 44 Srs. Deputados e rejeitaram 34. Está aprovado.
O Sr. Álvaro de Castro: — V. Ex.ª pode-mo esclarecer sôbre quem considera inscrito para falar.
O Sr. Presidente: — Todos os Deputados que pediram a palavra.
O Sr. Carvalho da Silva: — O que é bom que fique esclarecido é que sobre um assunto desta importância apenas usaram da palavra para combater a proposta quatro Deputados: os Srs. Barros Queiroz, Cunha Leal, Morais Carvalho e eu.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: Naturalmente V. Ex.ª e a Câmara não podem admirar-se que eu venha responder à maior parte dos oradores que usaram da palavra para discutir a proposta de lei em discussão, visto que sôbre ela já falaram em sua defesa o Sr. Ministro das Finanças, o Sr. relator e ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa.
Falando neste momento, Sr. Presidente, faço-o numa hora em que ninguém pode supor que eu venha com o intuito de iludir seja quem fôr.
Embora o Sr. Carvalho da Silva se tivesse admirado do pequeno número de Deputados que usaram da palavra sôbre a proposta em discussão, eu devo dizer que naturalmente usaram da palavra todos aqueles que eram. mais versados sôbre o assunto, assunto que já tem sido largamente debatido, não só nos jornais

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como na comissão de finanças, tendo-o sido também, igualmente, nesta casa do Parlamento.
Nestes termos, eu não pedi a palavra com o intuito de vir convencer o Sr. Carvalho da Silva ou qualquer outro Sr. Deputado, tanto mais quanto é certo que o Sr. Ministro das Finanças já mostrou à Câmara a conveniência que há na aprovação da proposta de empréstimo que está em discussão.
Pode dizer-se, Sr. Presidente, que a anterior sessão legislativa se portou na devida altura, fazendo uma boa obra, a qual se torna necessário completar, como é mester; porém, o que é realmente verdade, e que até hoje nada se tem feito de útil para o País.
É preciso que mudemos de orientação, e assim espero que todos os bons republicanos se unam mais uma vez e façam mudar esta política, que é absolutamente impossível, e que só pode agradar a todos aqueles que pretendem por todas as formas esmagar o País, isto é, aos inimigos do regime.
Levantam-se protestos da minoria monárquica.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — E preciso que V. Ex.ª respeite o lugar que exerce.
O Orador: — Respeito-o como V. Ex.ª não é capaz de respeitar.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Ex.ª vem provocar o Parlamento.
O Orador: — Chegou a hora máxima da nacionalidade portuguesa.
Muitos apoiados.
É preciso extremar os campos, colocando dum lado os que amam o seu País, os que ao seu serviço põem todo o seu esfôrço e toda a sua inteligência, os que desinteressadamente o servem e prestigiam, e do outro, os maus portugueses, aqueles que na sombra procuram apenas locupletar-se à custa da miséria nacional.
Muitos apoiados.
Eu pregunto, Sr. Presidente, àqueles que sistematicamente me acusam, sé me não é permitido fazer alguma cousa em favor dêste desgraçado País, ou se há soberanas razões que exijam que o povo, explorado pela ganância irrefreável dos aventureiros, saia para a rua em movimentos de indignação e de protesto.
Muitos apoiados.
Felizmente eu estou convencido de que os homens que tanto batalharam pela proclamação da República, e que nos seus partidos representados nesta casa do Parlamento ocupam hoje um lugar de proeminente destaque, não estarão dispostos, porque são homens de honra, a fazer o jôgo daqueles que por todas ás formas procuram estrangular a República e afundar a Nação.
Apoiados.
Por êsse País fora há muitas criaturas que, cheias de confiança no futuro da nacionalidade, acolheram com verdadeiro alvoroço a proposta do empréstimo.
Para que havemos de ser nós os primeiros a descrer da sua eficácia?
Porque, não nos unimos todos em volta dessa proposta, melhorando-a, se precisa de ser melhorada, para esmagar essa corja que pretende o pior?
É por isso, Sr. Presidente, que eu estranhei e lamentei que um membro desta casa do Parlamento não hesitasse em ir para o congresso do seu partido afirmar que tinha elementos na sua mão bastantes para impedir a votação da proposta do empréstimo...
O Sr. Alberto Xavier: — Nesta hora não há o direito de fazer acusações aos republicanos de boas intenções.
O Orador: — Não podia deixar dê frisar o facto, porque entendo que a uma cousa se deve opor outra cousa e não uma fantasia.
Eu já tive ocasião de dizer que — não é meu propósito imiscuir-me na discussão da proposta do empréstimo, mas a forma por que tenho visto discuti-la levam-me, mau grado meu, a fazer algumas considerações sôbre o assunto.
Até o meu prezado amigo Sr. Barros Queiroz foi desta vez exagerado em adjectivos.
Nós fizemos alguma cousa que marcou na história da República e do regime tributário, concorrendo para sanear a nossa moeda.
Não discuto se o nosso regime tributário está ou não perfeito, o que afirmo é que alguma cousa fizemos.

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Nunca me cegou a amizade de ninguém, porque acima, de tudo coloco os interêsses da Pátria e da República.
Mas, Sr. Presidente, apesar de tudo, algumas vantagens resultaram de larga discussão que se tem feito; pelo menos resultou a grande propaganda que à proposta se fez.
Tem-se dito muito mal dela, tem-se querido demonstrar que ela é eivada de defeitos; mas ninguém ainda, demonstrou que ela não traga benefícios que são indispensáveis aos cofres do Estado.
Segundo as minhas informações — e elas vêm de boa fonte: — a maior parte das pessoas que têm atacado a proposta fazem-no porque lhes não convém que o nosso, câmbio melhore.
Não tenho, ao fazer esta afirmação, o mais leve vislumbre de lançar, sôbre àqueles que têm aqui discutido a proposta do empréstimo, qualquer insinuação.
Mas é que efectivamente há muitas pessoas que têm todo o interêsse em que continuemos com a nossa divisa cambial cada vez mais baixa, porque, recebendo os seus réditos em ouro, gastam à larga e ficam com quási o mesmo dinheiro. E essas criaturas são justamente aquelas que têm levado o País às condições difíceis em que êle se encontra.
Sr. Presidente: eu não quero proferir mais palavras de louvor a êste Govêrno, porque já diz o ditado que «galardão em bôca próprio é vitupério», mas o que devo afirmar — pois tenho a consciência de que ninguém me pode desmentir — é que os homens que neste momento se sentam nas cadeiras do Poder não dão a ninguém o direito de ser mais patriota e animado de melhores desejos de servir o Estado e a República do que êles.
Estabeleceram-se princípios, quer da parte daqueles que são partidários da inflação, quer dos que são partidários da deflação.
Cada um julga que defende assim melhor os interêsses do País.
Mas, Sr. Presidente, eu devo dizer à Câmara que o Govêrno está absolutamente solidário com o Sr. Ministro das Finanças, porque não quero ficar no Poder com a responsabilidade de viver de expedientes.
O Govêrno não quere a responsabilidade do câmbio, porque tem a certeza de que o choque da Sociedade portuguesa dá-se, e, portanto, V. Ex.ªs esclarecerão caminho que êle tem de seguir. Não quero com isto dizer que é Govêrno não aceite, durante a discussão na especialidade, ás emendas que julgar convenientes, mas de modo que não inutilize á estrutura geral da proposta.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas quê lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se consente em que a sessão seja prorrogada até se votar na generalidade a proposta do empréstimo, podendo V. Ex.ª interromper a sessão quando julgar conveniente.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — V. Ex.ª, Sr. Presidente, informa-me sé tenciona abrir uma inscrição especial sôbre a questão política aberta pelo Sr. Presidente do Ministério?
O Sr. Presidente: — Não, Senhor. Salvo se a Câmara nosso sentido resolver.
O Sr. Álvaro de Castro: — É porque eu desejava usar da palavra sôbre as considerações feitas por S. Ex.ª
O Sr. Presidente: — Se a Câmara assim o entender, eu abro uma inscrição especial.
O Sr. Álvaro de Castro: — V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente?
Em todos os Parlamentos do mundo e no Parlamento Português, sempre que se põe uma questão política, abre-se uma inscrição especial. Eu me explico.
Houve um requerimento para ser dada por discutida a matéria, sem prejuízo dos oradores inscritos.
Êsse requerimento foi considerado pela Câmara, e não me parece que houvesse lugar para qualquer consideração de ordem política.

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Porém, o Sr. Presidente do Ministério, posteriormente a êsse requerimento, fez várias considerações, definindo a atitude do Govêrno em face dos que lá fora projectam revoluções. Naturalmente as minorias têm o direito de declarar, em face de uma atitude desta ordem, o que julgarem por conveniente. E isto que é hábito fazer-se em todos os Parlamentos do mundo.
O orador não reviu, nem foram revistas pelo Exmo. Presidente as suas declarações.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.
O Sr. Álvaro de Castro: — Eu desejava que V. Ex.ª resolvesse a questão!
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Por mim não posso resolver a questão, mas se V. Ex.ª desejar eu consulto a Câmara.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Não sujeite à votação da Câmara um caso que está no Regimento.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — O que estava em discussão era o parecer n.º 424, e como o Sr. Presidente do Ministério já usou da palavra sôbre o assunto, eu julgo que está aberta a questão política, porque foi S. Ex.ª quem a abriu.
Sussurro.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Eu falei em pleno uso de um direito, que é o de o chefe do Govêrno se solidarizar com um seu colega de gabinete.
Apoiados.
Não é uma questão política!
Apoiados.
De resto, esta minha atitude foi ainda mais justificada pelas explicações do Sr. Cunha Leal, que ontem disse que era preferível que se fôsse embora o Ministro das Finanças a que fôsse aprovado êste empréstimo.
Então, eu tenho de dizer à Câmara que
não é só o Sr. Ministro das Finanças que se vai embora; é todo o Govêrno.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a votação nominal para o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.
Foi rejeitado.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): — Os trabalhos desta Câmara têm corrido com normalidade. Em nome do Partido Nacionalista falaram dois Deputados e por êste lado da Câmara outros dois tudo correu na melhor ordem porque o Sr. Presidente do Ministério estava doente, mas apareceu S. Ex.ª, e foi o bastante para se perturbarem mais uma vez os trabalhos desta casa, empregando S. Ex.ª no seu discurso frases que bem não ficam na bôca de um Presidente de Ministério, procurando apenas fazer a confusão, pois que só no meio da confusão pode passar uma proposta ruinosa para o País.
Lamento que o chefe do Govêrno tenha pronunciado frases como aquelas que pronunciou!
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Álvaro de Castro: — Desisto da palavra, ficando as minhas considerações para ocasião mais oportuna.
Pelo tempo não perdem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Alberto Xavier.
O Sr. Alberto Xavier: — Sr. Presidente: tendo-me inscrito sôbre a ordem e em obediência às prescrições regimentais, tenho a honra de enviar para a Mesa a seguinte
Moção
«A Câmara, num exame geral da proposta do Govêrno, verifica que nela são solicitadas autorizações:
1.º Para realizar duas espécies de empréstimo, um, voluntário, interno, representado em títulos dum nominal de 4 mi-

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lhões de libras, outro, forçado, sob a forma de emissão de notas do Banco de Portugal e de bons de moeda do Estado;
2.º Para converter a prata em ouro, depositando-se esto metal no Banco de Portugal até que os débitos do Estado a êste Banco sejam reduzidos ao limite atingido em 31 de Dezembro de 1920; e que pela mesma proposta se pretende manter todas as condições dos contratos e disposições legais anteriores.
Considerando que a continuação da política excepcional de empréstimos forçados, do tipo papel-moeda inconvertivel, é inadmissível porque agrava incessantemente os males económicos e sociais que a sociedade portuguesa está sofrendo, e não se justifica mesmo sob o fácil pretexto dos embaraços de tesouraria;
Considerando que quanto ao empréstimo voluntário proposto, independentemente da modalidade escolhida, o que importa logo verificar é a sua oportunidade e esta deve ser apreciada pela aplicação do seu produto;
Considerando que é fundamental pensamento do Govêrno, como se deduz do artigo 1.º da proposta, aplicar o produto do empréstimo voluntário ao pagamento das despesas gerais do Estado no ano económico de 1922-1923, o que é inconveniente porque até hoje não se realizou, a sério, a obra de redução das despesas do Estado, e não se completou a política de impostos, pela revisão metódica e justa de toda a legislação tributária vigente, moderna e antiga, tam necessária, porquanto essa política fôrça os particulares a economias e deminui os consumos públicos e privados, e a política improdutiva de empréstimos é um estimulante da despesa;
Considerando que a idea de emitir bons de moeda subsidiária de 1$ e de $50 suscita lògicamente a questão de saber se se visa a preparar o terreno para se retirar, num futuro próximo, ao Banco de Portugal, o privilégio emissor, porquanto a reforma monetária em vigor, de 22 de Maio de 1911, apenas classifica de moedas subsidiárias as do valor de $04, $02, $01 e $00(5);
Considerando que o pensamento 4e trocar a prata por ouro e a constituição dum depósito dêste metal precioso no Banco de Portugal, para garantia das notas em circulação, parece obedecer ao intuito de se regressar oportunamente à convertibilidade da nota, o que convém precisar;
Considerando que a cláusula de se manter todas as condições dos contratos, implicitamente assegura ao contrato de 29 de Abril de 1918, com o Banco de Portugal, acto de ditadura, e a quaisquer convenções posteriormente entabuladas, uma confirmação parlamentar definitiva, o que «é mester esclarecer:
A Câmara, reconhecendo que urge substituir a política financeira e económica de expedientes transitórios, excelente para adiar as dificuldades, por uma política inspirada em métodos racionais e visando soluções adequadas ao carácter de excepcional grandeza da actual crise económico-financeira e demonstrativa da capacidade governativa da República, continua na ordem do dia».
Antes de iniciar a análise da proposta governamental em discussão, Sr. Presidente, devo declarar que, coerente coma atitude assumida na comissão de finanças desta Câmara,. rejeitarei integralmente essa proposta bem como o parecer elaborado em nome dessa comissão.
Procedendo assim, Sr. Presidente, julgo praticar um acto de elevado patriotismo numa hora angustiosa de sofrimento moral em que faz toda a sociedade portuguesa, mercê de consequências duma guerra recente e tormentosa que em toda a parte rompeu o equilíbrio das fôrças económicas nacionais, gerando um mal-estar social que encontra dificuldades de toda a ordem para ser debelado eficazmente, mal-estar que parecia passageiro e fugaz, mas que, na realidade, se tornou crónico e dominador.
Tenho a convicção de que poderíamos ter atenuado o alcance e a complexidade dessas dificuldades se logo após o armistício de 1918 os dirigentes da política portuguesa procurassem conjugar energias e reunir vontades, num esfôrço comum, visando a reconstituição económica e financeira do País, preparatório fecundo dum novo período, na história pátria, de áurea renascença. Mas, Sr. Presidente, o egoísmo duns, a passividade doutros, a esterilidade de lutas entre grupos e fac-

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ções desenvolvendo-se em inglórias retaliações pessoais, para a conquista audaz do Poder, tornaram, possível um estado social anárquico, agravado incessantemente por uma série ininterrupta, de erros administrativos.
São decorridos mais de 4 anos depois que findou a formidável guerra, de 1914. E o que vemos, Sr. Presidente?
Os nossos governantes comprazem-se em se iludir a si próprios, supondo ingènuamente que iludem também as consciências esclarecidas dos governados. Nenhum pensamento governativo preconcebido, profundamente meditado, nenhum plano de conjunto, coerente e oportuno, foi esboçado e proposto em condições de exeqúibilidade prática. A ausência de que todo e de espírito scientífico tem predominado na nossa acção política e administrativa.
Após prolongado período de instabilidade ministerial, o bom senso parecia ter-se apoderado do espírito dos nossos homens públicos.
Tínhamos afinal um Govêrno estável, a que não faltavam todas as condições necessárias de êxito: a homogeneidade partidária, a maioria parlamentar, a indiscutível boa vontade de cooperar por parte, dás minorias, a benévola expectativa da opinião pública. E todavia, Sr. Presidente há mais de um ano que nós assistimos ao desenrolar duma política de meros expedientes, mais ou menos hábeis, mas absolutamente destituídos de eficácia, interessantes como meios de adiar; momentaneamente as dificuldades, impróprios, porém, como soluções indispensáveis e definitivas para as múltiplas questões que caracterizam a gravidade excepcional da crise presente que a todos confrange.
Sr. Presidente: o Govêrno da presidência do Sr. António Maria da Silva, cidadão prestimoso e republicano de inalterável fé, a quem a Nação já deve um largo período de ordem nas ruas, condição essencial para a ordem nos espíritos e para o trabalho individual e colectivo: profícuo, em meados de 1922 formulou um plano de reformas tributárias e submeteu-o à apfeciação desta Câmara. Profundas divergências se suscitaram em redor, dêsse plano.
Qual a atitude que ao Govêrno incumbia assumir perante essas divergências?
Evidentemente a da conciliação de opiniões e de doutrinas. Mas não!
O procedimento do Govêrno foi de intransigência.
A proposta do Govêrno, Sr. Presidente, enfermava dum defeito fundamental, qual seja o de não representar um todo orgânico e coerente.
A proposta de lei do Govêrno, estabelecendo novos impostos e remodelando alguns dos existentes, era, na realidade, uma colectânea de verdadeiros expedientes fiscais, porventura hábeis, entre os quais se destacava um, o do imposto sôbre, o valor das transacções, dos mais perturbadores da economia geral do País.
Na evolução das nossas leis tributárias assinalam-se, Sr. Presidente, três fases nitidamente distintas: a que preenche todo o período histórico do absolutismo, a que vai desde o triunfo do regime liberal à proclamação da República, e, finalmente, aquela que foi marcada pelos, decretos do Govêrno Provisório em 1911.
Quem se der ao trabalho de comparar a legislação republicana com a anterior, para descortinar as suas tendências, dominantes, reconhecerá que o pensamento que inspirou os legisladores de 1911 foi mais racional e scientífico.
Com efeito, pela reorganização do nosso sistema tributário, realizada pelo Govêrno Provisório da República, deu-se, preferência ao sistema de cotidade sôbre o de repartição, considerou-se melhor o regime progressivo de que o proporcional e trocou-se o método indiciário ou o dos sinais exteriores pelo da declaração do contribuinte.
A obra do Govêrno Provisório, não foi, de certo, completa, nem abrangeu todos os impostos existentes.
Restrita a certa categoria de contribuições, destituída de idea de conjunto, de unidade e de harmonia, aquela obra carecia de ser aperfeiçoada, generalizando-se o âmbito de aplicação dos seus princípios essenciais, desenvolvendo-se o poder de expansão e de produtividade das imposições, realizando-se uma melhor justiça tributária e efectuando-se uma mais lógica combinação dos impostos directos com os indirectos.
Ora os actos preparatórios que precederam a votação da lei tributária de 21

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de Setembro do 1922, desde as propostas iniciais do Ministro até os pareceres das comissões parlamentares, deviam, Sr. Presidente, em meu entender, ter-se orientado sob o impulso reflectido dêsse pensamento renovador.
Em vez de assim se proceder, o Govêrno teimou em manter, nas suas linhas fundamentais, a sua proposta inicial, como se e obra prima se tratasse, quando, a verdade é que haveria tudo a ganhar, numa questão dessa natureza, em conseguir não somente a colaboração de todas, as correntes republicanas desta Câmara, como a de todos os portugueses.
Desta maneira a lei a promulgar teria uma fôrça executória incomparável.
Infelizmente, porém, a lei de Setembro de 1922 foi simplesmente a obra do partido que se encontra no Poder.
O que se fez com a reforma tributária de Setembro de 1922, quis-se repetir com a proposta ministerial ora. em discussão sôbre empréstimo.
Poder-se-ia ter encontrado uma plataforma de conciliação, se não entre todos os representantes da Nação, pelo menos entre todos os Deputados republicanos.
Mas, como V. Ex.ª sabe, preferiu-se enveredar pelo caminho da obstinação,, pretendendo-se impor ao País uma medida altamente inconveniente e inoportuna!
Quere dizer, Sr. Presidente, o Govêrno procura minorar as consequências tormentosas duma crise económica e financeira grave, servindo-se mesmo dos agentes dos males que confrangem a sociedade. Por isso combato, sem restrições; a proposta governamental.
E fazendo-o, Sr. Presidente, não é meu propósito marcar uma simples atitude oposicionista, inspirada em mesquinhos intuitos partidários.
Tam pouco, Sr. Presidente, me anima o pensamento de atacar a pessoa do Ministro, autor da proposta.
Tenho por S. Ex.ª uma velha estima e muita consideração e reconheço os seus sinceros desejos do bem servir o País e a República, que nele tem um dos mais dedicados defensores.
Mas, Sr. Presidente, o engrandecimento da Pátria, o ressurgimento económico e financeiro do País estão acima dos caprichos ocasionais das pessoas e das conveniências transitórias dos partidos.
Se a proposta em discussão fôsse da autoria dum governo do partido em que milito e na pasta das finanças estivesse o melhor dos meus correligionários, o mais querido dos meus amigos, nem por isso uma voz deixaria de erguer-se nesta Câmara para protestar, desassombradamente, contra ela, e essa voz seria a minha.
Iniciarei, pois, Sr. Presidente, a análise da proposta em discussão e nesta tarefa quero fazer abstracção do partido, que se encontra no Poder e da pessoa do ilustre Ministro, autor dela, a fim de que as minhas críticas tenham um carácter impessoal e nitidamente patriótico.
A proposta do Govêrno pode dividir-se em duas partes fundamentais. Na primeira parte o Govêrno pede os poderes necessários para contratar um empréstimo voluntário, expresso em libras, representado em títulos de tipo consolidado dum nominal global de 4 milhões, ao juro, anual de 6 1/2 por cento, pagável aos trimestres vencidos, sob a condição de que o encargo efectivo não exceda 9 por cento em esterlino.
Na segunda parte, o Govêrno solicita:
1.º Autorização para realizar um contrato com o Banco de Portugal para que êste possa fazer até 31 de Dezembro do corrente ano, novos empréstimos ao Estado por meio de aumentos da circulação fiduciária, até a concorrência de 140:000 contos, dando-se ao Banco emissor, em compensação, a faculdade de emitir novas notas destinadas exclusivamente ao exercício da sua função bancária, na proporção de 10:000 contos por cada 70:000 contos postos à disposição do Estado, ou sejam 20:000 contos em relação aos 140:000 contos referidos de empréstimos ao Tesouro;
2.º Autorização para trocar a prata desamoedada e recolhida, pelo sen valor efectivo em ouro que ficará em depósito no Banco de Portugal até que os débitos do Estado a êste Banco sejam reduzidos ao saldo de 31 de Dezembro de 1920, mas devendo o Estado pagar imediatamente ao mesmo Banco a importância das notas que emitiu para a operação de recolha;
3.º Autorização para emitir bons de moeda subsidiária de 1$ e de $50, moedas do Estado, até o limite de 10:000 contos pára cada espécie, podendo elevar-se na totalidade até 40:000 contos para o que

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transitoriamente se adquirirão no Banco de Portugal, pelo preço que fôr ajustado, notas dêsses valores e nas quais se lançará a sobrecarga «República Portuguesa»;
4.º Autorização para substituir, quando se julgar oportuno, as inscrições de 3 por cento depositadas em caução no Banco de Portugal para garantir os débitos do Estado ao mesmo Banco, por títulos iguais ao novo fundo consolidado expresso em libras.
Todas as outras disposições da proposta giram em volta dêstes pedidos de autorização.
São secundárias, isto é, destinadas a promover a sua execução prática. O essencial é o que sintetizei, Sr. Presidente, e é o que vai ser objecto de apreciação.
O que importa são as linhas gerais profundas da proposta, cujo alcance escapará aos que a examinem pela rama e aos que não possam, à míngua de cultura descobrir todos os elementos invisíveis.
Analisarei, portanto, primeiro, a parte da proposta relativa ao empréstimo voluntário expresso nominalmente em libras.
Sr. Presidente: independentemente da modalidade escolhida para a operação, seja-me lícito preguntar previamente: O empréstimo voluntário é oportuno? Como avaliar da sua oportunidade? Quais as circunstâncias em que um empréstimo é oportuno como um dos meios da entrada de capitais?
A oportunidade do empréstimo voluntário deve ser apreciada pelo seu destino, isto é, pela natureza das despesas a cobrir.
Entre o empréstimo e as despesas existe um laço tam estreito que êstes dois elementos são inseparáveis.
De sorte que, Sr. Presidente, conforme o carácter das despesas,. assim o empréstimo será uma operação condenável ou um processo recomendável e bom.
A proposta do Govêrno poder-se há considerar oportuna?
Qual a natureza das despesas cuja cobertura se pretende efectivar com o produto do empréstimo?
Di-lo o artigo 1.º da proposta em discussão, quando estatui que é destinado ao pagamento das despesas gerais do Estado no ano económico de 1922-19231
E um sistema condenável e perigoso, Sr. Presidente, êsse de provocar uma entrada de capitais, por meio de empréstimo, para se aplicar afinal o seu montante a satisfazer despesas ordinárias e mesmo as extraordinárias, mas improdutivas.
Apoiados. Não apoiados.
As despesas gorais do Estado constituem o que se chama encargos da geração presente, e é inadmissível que esta pretenda transferir para as gerações futuras as obrigações que lògicamente só a ela incumbem.
Por outro lado, as despesas gerais do Estado são encargos do ano e a sua repartição deve fazer-se em cada ano. Ora, às despesas que se reproduzem periodicamente devem corresponder receitas periódicas, como as dos impostos, rendimentos dos bens nacionais, etc. O empréstimo, porém, é um recurso excepcional que envolve encargos próprios, como os do juro e amortização, o que torna inconveniente e contraproducente o emprego periódico do empréstimo como meio de cobrir despesas, porquanto a situação financeira do Estado agravar-se-ia pela acumulação sucessiva de novos encargos.
Num país como o nosso, em que até agora nenhum esfôrço sério se tem realizado para fazer economias nas despesas públicas, país onde estas aumentam num crescendo que denota a nossa incomensurável imprevidência e a nossa deplorável contumácia nos erros, como é que se pretende, Sr. Presidente, impor à Nação um empréstimo voluntário que, independentemente da modalidade escolhida, e admitindo mesmo que êle fôsse o mais vantajoso possível para os chamados interêsses do Tesouro, é indefensável em vista do seu destino, e, portanto, inoportuno, visto que o seu produto vai ser aplicado para cobrir despesas gerais do Estado no corrente ano económico? Um empréstimo nestas condições é um verdadeiro estimulante da despesa.
Apoiados.
O empréstimo é indubitavelmente um dos meios usuais de fornecer ao Estado os recursos financeiros de que careça. Mas o emprego dêsse meio, para que seja profícuo, deve ser excepcional. O empréstimo é um recurso complementar cujo destino fecundo é determinado pela utilidade das despesas.

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Pagar com o produto do empréstimo despesas improdutivas do Estado, sem previamente se ter efectuado uma profunda destrinça nessas despesas, a fim do se verificar quais de entre elas são úteis e quais as inúteis, eliminando-se energicamente estas do Orçamento, é praticar, Sr. Presidente, um êrro crasso, um êrro imperdoável, impróprio de nós todos que temos uma cota parte do responsabilidade na direcção política e administrativa do país.
Apoiados.
O emprêgo do empréstimo deve ser oportuno e prudentemente utilizado para que seja um elemento de ordem e do equilíbrio nas finanças públicas, e não um factor de perturbação e de anarquia.
A êste propósito, Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que explane sintèticamente algumas teorias recentes esboçadas e desenvolvidas no intuito de se assentar doutrina sôbre a oportunidade e o grau de utilização do empréstimo como recurso necessário para reparar as consequências financeiras da guerra.
A questão foi vivamente versada poios economistas e financeiros de diversos países no seio das academias e através das suas revistas scientíficas e jornais cotidianos. Mas, Sr. Presidente, a interessante controvérsia estabelecida no mundo scientífico é excelentemente resumida nas teses de dois eminentes professores das Universidades americanas, economistas de grande reputação e indiscutível autoridade, Srs. Patten e Seligman.
Segundo o professor Patten, financiar a guerra com empréstimo é dar ao problema uma solução detestável, é pagar três vezes, ao menos, as despesas dele resultantes, ou, com mais precisão, duas vezes no presente e uma vez no futuro. A emissão dos títulos incita a credulidade popular, fazendo supor ao povo que lhe é possível tornar-se rico com as despesas improdutivas do Estado. O consumo aumenta, quando seria natural que deminuísse, e o resultado dêsse fenómeno manifesta-se pela redução das mercadorias existentes, e a a)ta dos preços, sua consequência inevitável, faz crer ao povo que o país é mais próspero.
O imposto, pelo contrário, sustenta o professor Patten, quando sabiamente estabelecido, introduz a ordem no caos. Não somente êle liberta as gerações futuras dos encargos da guerra, mas ainda alivia a geração presente dêsse formidável pêso. O imposto, emfim, conduz os indivíduos a reduzir os seus consumos, impedindo-se assim a alta de preços.
A tese do professor Seligman é mais equilibrada.
Com efeito, para êste autorizado economista o recurso ao empréstimo, desde que seja moderadamente usado, é não somente legítimo, mas útil e indispensável. O empréstimo é o meio de tornar possível o que não seria sem êle. Todas as vezes que, num prazo curto, uma despesa enorme é inevitável, o empréstimo é o processo financeiro racional. As gerações futuras — proclama Seligman — e, em particular, as instituições democráticas, experimentarão um grande benefício da guerra; a vitória pô-los há ao abrigo dos ataques da autocracia.
Dêste modo, nada mais natural do que relegar para as gerações futuras uma parte dos encargos.
Mas — acrescenta o eminente homem de sciências — à medida que a guerra progride, as somas necessárias para cobrir despesas consideráveis devem ser obtidas pelo imposto. Pretender «financiar» a guerra exclusivamente com empréstimos, é realizar uma política de curtas vistas. A base do imposto deve suportar o edifício dos empréstimos.
Evidentemente, não é meu intuito desenvolver todos os subtis e fortes argumentos com que os dois sábios representantes de escolas financeiras divergentes defendem as suas teses. Mas o rápido esboço delas julgo oportuno para poder porem relevo êste facto: é que a teoria de Seligman é perfilhada na Inglaterra, pelos professores Scott e Edgeworth, e na Itália, pelos professores Einaudi e Benvenuto Griziotti, e os Governos dêsses países, como o dos Estados Unidos, têm-se inspirado, até agora, nos princípios que animam as doutrinas de Seligman.
A França o a Alemanha serviram-se, exageradamente, do recurso ao empréstimo com todos os inconvenientes que o abuso engendra.
A República Francesa, porém, só em 1920 reconheceu que era necessário mudar resolutamente de caminho.
Esta transformação nas ideas dominan-

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tes nos irfeios políticos franceses operou-se principalmente sob o impulso das críticas severas dos economistas e financeiros americanos.
Convém notar que os escritores americanos, com justa razão, estabelecem dois períodos para definir e precisar a política financeira da guerra: o presente e o futuro. O presente é o período pròpriamente da guerra e o dos dois ou três anos após a paz. O futuro, é o período que se lhe seguir.
Esta distinção considero-a preciosa, porque ela indica que não findou ainda para os países que participaram na Grande Guerra o período em que é indispensável seguirem-se os métodos racionais e scientíficos adoptados nos Estados Unidos e ria Inglaterra desde o início das hostilidades até hoje.
Entre nós, desde p começo da guerra, a política financeira não teve a inspirá-la uma orientação definida e lógica V. Ex.ª bem o sabe, Sr. Presidente. A parte a operação do empréstimo de 2 milhões de libras realizado no Banco de Inglaterra, e a convenção entabulada com o Govêrno Inglês para a assistência financeira até a concorrência de 20 milhões de libras, viveu-se mercê do capricho e do acaso, ao abrigo de expedientes deploráveis, multiplicando-se os instrumentos de crédito que haviam fatalmente de deminuir o poder de compra da nossa moeda e, conseqúentemente, criar ao país uma situação económica intolerável.
Só em 1922 fizemos o primeiro esfôrço fiscal sério, embora assente em bases incompletas.
O plano da reforma tributária formulado pelo Govêrno em meados de 1922 era, como disse, Sr. Presidente, um arranjo hábil, mas faltavam a êsse plano unidade de pensamento e ideas coordenadoras.
Todavia, justiça é afirmar que tal plano, convertido em lei, criou receitas pelo processo do imposto, o que, quaisquer que sejam os defeitos da lei representou sem dúvida, o início de uma vida nova.
Infelizmente não realizou um outro esfôrço complementar, necessário e impreterível, o esfôrço para reduzir todas as despesas inúteis o improdutivas. Bem pelo contrário, as despesas foram aumentadas após a promulgação da lei tributária de Setembro de 1922. E é nestas condições que o Govêrno, Sr. Presidente, deseja mais uma vez consagrar e consolidar todas as despesas existentes, propondo a idea do empréstimo voluntário para cobrir o deficit orçamental, quando é certo que o equilíbrio no orçamento deve ser atingido não somente pela criação de receitas mas também, e principalmente, pela redução das despesas?
Apoiados.
Qualquer que seja a modalidade do empréstimo voluntário, êste é inoportuno emquanto o seu produto fôr destinado para pagamento das despesas gerais do Estado, despesas, nas quais não se fez ainda a compressão por todos reclamada e tantas vezes anunciada e prometida das cadeiras do Poder com gestos largos e palavras retumbantes.
Apoiados.
É preciso mudar de rumo e sem demora, inaugurando uma política financeira de claros desígnios e de indiscutíveis objectivos nacionais.
Os países de boas e sãs finanças, como os Estados Unidos e a Inglaterra, ao lado duma política fiscal enérgica e decisiva destinada ao desenvolvimento de, receitas, puseram em prática uma política não menos enérgica e decisiva de economias.
Nos Estados Unidos, essa política encetada pelo ex-presidente Sr. Wilson, foi continuada com firmeza e método pelo seu sucessor Sr. Harding. Para tornar mais profícua a obra iniciada, em 10 de Junho de 1921 os Estados Unidos votavam uma lei estabelecendo uma reforma profunda e radical na legislação e nos costumes tradicionais sôbre a preparação e organização do Orçamento. Essa reforma, instituindo os meios de conseguir a ordem no caos anterior e de exercer mais eficazmente a fiscalização dos órgãos oficiais competentes, parlamentares e extra-parlamentares, visou principalmente a criar as possibilidades de realização de economias.
O primeiro director da Direcção Geral do Orçamento, organismo especial criado por essa lei, o Sr. Dawes, num dos seus relatórios publicado em 1921, afirmava que a aplicação coordenada de todos os elementos de trabalho que a referida reforma fundura, havia produzido resulta-

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dos benéficos e apreciáveis. Declarava o Sr. Dawes que a referida reforma, no seu conjunto, havia logo feito baixar o montante total das despesas do governo federal de 4:550 milhões do dólares a 3:974 milhões.
Prosseguindo nessa política de economias, a grande República Norte-Americana apresentava as contas do ano financeiro de 1921-1922 com um superavit de 800 milhões de dólares.
A Inglaterra também, Sr. Presidente, fez desde muito esfôrços consideráveis para reduzir as suas despesas. Tendo o Govêrno Inglês intimado as repartições do Estado a deminuir as despesas dos seus respectivos orçamentos, em breve conseguia uma redução apreciável de 75 milhões de libras.
Como a opinião pública reclamasse. mais largo esfôrço neste sentido, o Sr. Lloyd George nomeava, em Agosto de 1921, uma comissão de grandes financeiros e industriais, presidida pelo antigo Ministro dos Transportes, Sr. Geddes, com latos poderes de inquérito, para propor as economias que fossem convenientes.
Esta comissão concluía os seus trabalhos em Fevereiro de 1922 e propunha reduções num montante de mais 86 milhões do libras; o Govêrno Britânico aceitava logo realizá-las até 60 milhões, prometendo ir mais longe no ano financeiro seguinte. Perseverantemente a Inglaterra tem continuado essa obra formidável e fecunda.
E interessante, Sr. Presidente, saber-se que o Sr. Geddes, entrevistado em Março de 1922 por um dos. redactores autorizados do grande jornal francês Le Matin, Sr. Stephane Lausanne, sôbre os trabalhos da aludida comissão e as esperanças que nutria, declarou o seguinte:
«Creio que triunfaremos; se não triunfarmos, faremos bancarrota».
Isto foi dito, Sr. Presidente, com respeito à Inglaterra, país que não se tem cansado, desde o armistício, de fazer o necessário para a restauração das suas finanças.
Com a guerra de 1914, a Inglaterra suportou uma colossal despesa. Nos primeiros doze meses o montante diário dela (com exclusão da realizada pelos domínios com os seus contingentes militares) foi de £ 1. 233:000. O Govêrno Inglês exigiu logo dos contribuintes, de todos os contribuintes, e mais das classes ricas, todos os sacrifícios possíveis. Recorreu mais aos impostos directos de que aos de consumo.
Para o fim do ano de 1914-1915, obteve £ 15. 000:000 além dos impostos existentes; e para o ano de 1915-1916, uma sobrecarga de £ 64. 000:000 e assim por diante.
No fim do ano financeiro de 1921-1922, segundo os elementos de informação constantes dum discurso do Sr. Robort Horne, Ministro das Finanças da Grã-Bretanha, pronunciado em l de Maio de 1922, na Câmara dos Comuns, as receitas foram de £ 1:124. 880. 000 e as despesas de £ 1. 079. 187. 000, tendo havido portanto um excedente de £ 43:693. 000, que foram aplicadas à redução da dívida pública.
Ainda na opinião do mesmo Sr. Horne, supõe-se que o ano financeiro de 1922-1923 fechará com um superavit de maior vulto.
A França, Sr. Presidente, não obstante as enormes dificuldades que a atormentam com o seu orçamento especial extraordinário de despesas recuperáveis, criado pela necessidade de promover a reconstituição das regiões devastadas em conta das reparações alemãs a receber, tem feito alguma cousa de importante para a deminuïção das suas despesas no orçamento ordinário.
Assim, na obra do relator do orçamento para 1923, Sr. Maurice Bokanowski, lêem-se, por exemplo, quanto à redução das despesas nos serviços civis os seguintes números: em 1920 essas despesas atingiam a cifra de 11. 377. 000. 000 de francos; em 1921 baixavam a francos 9. 938. 000. 000; em 1922 a 7. 035. 000. 000; para 1923 essas despesas estão avaliadas em 5. 799. 000. 000 francos.
O Sr. Lastayrie, Ministro das Finanças, num discurso pronunciado na Câmara dos Deputados do seu País, a 26 de Outubro de 1922, afirmou que até o primeiro dia dêsse mês haviam sido suprimidos, de facto, 36:902 funcionários.
Vê-se, Sr. Presidente, por êstes alguns rápidos exemplos, que os países que aspiram a sério à restauração das suas fi-

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nanças procuram reduzir quanto possível as despesas públicas para que o sacrifício exigido aos contribuintes não redunde em pura perda.
Necessariamente é mester recorrer-se, comércio subsidiário, ao empréstimo. Mas êste meio não pode ser usado a capricho.
A política de empréstimos é um incentivo à prodigalidade e ao desperdício e estimula novas despesas.
Um empréstimo, para que seja recomendável, precisa ser destinado a despesas produtivas e úteis.
Quem há, Sr. Presidente, nesta Câmara que, com lógica, queira contestar a minha afirmativa quando digo que o empréstimo voluntário, qualquer que seja a sua modalidade, é inoportuno sendo aplicado a cobrir despesas gerais do Estado, sem que nestas despesas se tenham feito, previamente, todas as reduções possíveis e se tenham realizado as economias indispensáveis com o mais decidido rigor?
Apoiados.
Eu penso, Sr. Presidente, que não é necessário insistir mais para demonstrar que não é oportuno neste momento lançar mão dum empréstimo, quando o Govêrno e a Câmara não têm praticado aqueles actos impreteríveis que definem uma política financeira e consolidam uma atitude repressiva de todos os abusos e de todos os excessos em matéria das despesas públicas.
O Sr. Presidente: — Previno o Sr. Alberto Xavier de que vou interromper a sessão.
V. Ex.ª dá por findas as suas considerações, ou deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra.
O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão, para reabrir às 21 horas e 30 minutos.
Eram 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão. Continua no uso da palavra o Sr. Alberto Xavier.
Eram 22 horas.
O Sr. Alberto Xavier: — Passarei agora a analisar a proposta do empréstimo em discussão, pròpriamente quanto à sua modalidade.
Que espécie de empréstimo, é êsse que o Govêrno deseja contratar? É interno? É externo?
O Govêrno, no relatório que precede a sua proposta, considera-o interno. O autor do parecer feito em nome da maioria dos membros da comissão de finanças, escreve, porém, que «é um empréstimo em ouro, com todas as suas características, apesar do Estado receber em escudos».
O Govêrno é que tem razão; ou melhor, o Govêrno é que se exprime com precisão.
O empréstimo é sem dúvida interno, primeiramente porque o pensamento do Govêrno, segundo se deduz do relatório da proposta e segundo se infere das afirmações posteriores, é obter escudos, e não ouro; e se alguém desejar entregar ouro, a idea do Govêrno é imediatamente convertê-lo em escudos.
Por outro lado o Govêrno faz um apelo aos capitais nacionais, muito embora parte dêstes esteja emigrada e na posse de portugueses residentes no estrangeiro, por exemplo, nos Estados Unidos do Brasil.
É a natureza dos capitais que determina o carácter do empréstimo. E também a natureza de laços jurídicos concretizados no contrato (e o empréstimo livre, voluntário é, juridicamente, um contrato) que imprime ao empréstimo a qualidade de interno e externo.
Tratando-se de apelar para os capitais estrangeiros e realizando-se a operação com cidadãos de nacionalidade diversa da portuguesa, evidentemente o empréstimo será externo.
Sendo pois um empréstimo interno o que o Govêrno pretende, quais as suas modalidades?
O empréstimo, pelo que está expressamente declarado pelo autor do parecer escrito em nome dos vogais da maioria da comissão de finanças desta Câmara, é do tipo consolidado perpétuo.
Quere dizer: o capital não será obrigatoriamente reembolsado.
Por que forma é representado o empréstimo?
Por meio de títulos, a que a proposta governamental chama «um novo fundo

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consolidado de dívida pública, liberado em libras esterlinas».
O empréstimo será, pois, representado nominalmente em títulos dum valor global de 4:000. 000 de libras.
Mas como é que o Govêrno desejando obter escudos os consegue na realidade?
Não está disposto isso na proposta do Govêrno dum modo claro.
Nem no relatório que a precede está explicado o mecanismo.
Mas o Sr. Ministro das Finanças, no decurso da apreciação e estudo da proposta pela comissão de finanças desta Câmara, declarou que, por exemplo o seu pensamento era receber por cada libra escudos ao câmbio de 6, isto é, 40$.
E o autor do parecer feito em nome da maioria dos seus signatários, confirma mais ou menos o pensamento do Ministro.
Quero dizer: quando a operação se efectivar, o Estado não receberá o valor em escudos, correspondente aos 4 milhões de libras, mas sim o valor de 40$, por cada libra, ou sejam 160 mil contos. Isto quanto ao capital nominal. Na realidade, o Estado receberá muito menos visto tratar-se duma operação muito abaixo do par.
E êsse empréstimo será ao par, ou abaixo do par?
Como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, os empréstimos públicos, quanto à relação entre o capital nominal e o capital real, podem ser ao par ou abaixo do par.
São empréstimos ao par, aqueles em que o Estado se obriga a reembolsar uma soma igual à que recebeu.
Isto é, se um título representa, por exemplo, 100$ ou 100 libras, o Estado é obrigado a reembolsar de facto 100$ ou 100 libras.
Empréstimos abaixo do par são aqueles em que o Estado se obriga a reembolsar uma importância superior à que efectivamente recebeu.
Assim, numa emissão de títulos dum nominal de 100$ ou 100 libras, se o Estado recebeu na realidade 95$ ou 95 libras, por exemplo, é obrigado, todavia, a reembolsar 100$ ou 100 libras.
De maneira que, capital nominal é o que consta dos títulos, e capital real é a soma que só aceita dos prestamistas em troca dos títulos.
Nos empréstimos ao par o capital nominal e o capital real confundem-se.
Expostas estas regras, vou, Sr. Presidente, examinar a proposta governamental neste ponto.
A proposta do Govêrno não diz claramente se o pretendido empréstimo é ao par ou abaixo do par.
Talvez fôsse desnecessário, em meu entender, dizê-lo.
Trata-se dum empréstimo perpétuo,- cuja característica essencial consiste em o Estado não ser obrigado a reembolsar o capital, ou não haver prazo para o reembolso.
Nos empréstimos consolidados perpétuos o reembolso do capital é simplesmente facultativo.
Mas o autor do parecer elaborado em nome da maioria da comissão de finanças desta Câmara, esclarece a proposta do Govêrno e diz que o empréstimo é abaixo do par, isto é, que por cada título de £ 100, o Estado receberá «virtualmente» (é o termo empregado pelo relator;, £ 83,27 que ao câmbio de 6, isto é, 40$ a libra, são 3. 374$00, capital real por cada título nominal de £ 100!
Se bem compreendi o mecanismo da proposta do Govêrno, far-se há naturalmente uma emissão de títulos, por exemplo, de £ 100, cada título.
De facto, o Estado considerará êste título como valendo £ 83,27 e receberá escudos correspondentes a estas libras, ao câmbio de 6 (40$ por libra), ou sejam escudos 3. 374$00 em troca de cada título de £ 100!!
Pelo, que acabei de expor, vê-se, Sr. Presidente, que o empréstimo proposto pelo Govêrno, é livre, voluntário, interno, do tipo consolidado perpétuo, representado em títulos expressos nominalmente em libras e será emitido muito abaixo, do par.
Concordo, Sr. Presidente, que se tenha preferido o tipo consolidado perpétuo, em que não é obrigatório para o Estado o reembolso do capital.
Os empréstimos amortizáveis constituem, no estado desordenado das finanças públicas como- o nosso, um elemento de perturbação porque os encargos dos juros são acrescidos das amortizações.
Mas qual a razão por que, tratando-se de fazer apelo aos capitais nacionais, e outra cousa não visa um empréstimo interno, os títulos representativos da dívi-

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da que o Estado vai contrair serão expressos em libras esterlinas?
A minha educação scientífica, a minha cultura jurídica não me fornecem elementos para descortinar as razões profundas que, de certo, inspiraram a inteligência dos homens que forniam o Govêrno.
No relatório da proposta de lei em discussão, o Sr. Ministro das Finanças, seu ilustre autor, justifica o facto do seguinte modo:
«Escolheu-se para padrão-ouro a libra, embora o dólar seja actualmente a moeda de maior estabilidade, porque ela é moeda-duro com curso legal em todo o território da República».
E numa entrevista concedida ao jornal Diário de Noticias de 6 de Fevereiro do corrente ano, o mesmo Sr. Ministro das Finanças formulou um novo argumento e disse:
«Não podem emitir-se empréstimos em escudos com esta moeda em oscilação constante do valor. Todos os peritos internacionais acordaram em que só o ouro era padrão para operações desta natureza».
As razões formuladas pelo Sr. Ministro das Finanças para defender a emissão de títulos representados em libras esterlinas são, Sr. Presidente, inconsistentes, v Eu vou apreciá-las ràpidamente.
Com efeito, Sr. Presidente, o fundamento de que a libra é moeda-ouro com curso legal em todo o território da República não é convincente.
Tratasse duma autêntica ficção. Os títulos são nominalmente expressos em libras. Êstes títulos nunca serão convertíveis em ouro.
Se o pensamento do Govêrno era apenas fazer representar os títulos da dívida a contrair por um valor-ouro, poderia propor que êsses títulos fossem emitidos, em escudo-ouro, nossa unidade monetária nacional nos termos do decreto com fôrça de lei, do Govêrno Provisório, de 22 de Maio de 1911.
O curso legal das moedas de ouro inglesas, mantido pela lei de 29 de Julho de 1854 e também pelo citado decreto de 22 de Maio de 1911, não dá a essas moedas inglesas um privilégio especial que anule a natural prioridade da nossa unidade monetária. nacional que é o escudo de ouro.
As moedas inglesas de ouro têm apenas curso legal; quere dizer: devem ser recebidas nos pagamentos com o valor de 4$50 e 2$25.
Mas uma moeda metálica, moeda de ouro, tem, de rosto, curso natural em toda a parte, porquanto êste metal precioso é uma medida universal comum de valores.
No nosso sistema monetário, as moedas inglesas têm apenas a tolerância de concorrer à circulação. Pretender, porém, dar-lhes uma situação legal de privilégio é reconhecer implicitamente como inexistente o regime monetário nacional, é consagrar oficialmente a depreciação da nossa moeda.
E neste caso, Sr. Presidente, são simplesmente, burlescos todos os propósitos de valorização do escudo, quando a verdade é que, querendo tentar-se um empréstimo interno, apelando-se, portanto, para os capitais nacionais, o próprio Estado vem proclamar peremptòriamente que êsses capitais não têm nenhum valor e são por assim dizer, palitos de fósforos ou bolas de sabão, e tanto assim é que nem sequer dará aos tomadores títulos expressos em escudos-ouro, mas sim representados em libras-ouro!
E porque semelhante ficção? O pretendido empréstimo é do tipo consolidado perpétuo, em que não é obrigatório para o Estado o seu reembolso.
Neste caso, Sr. Presidente, sendo na realidade inconvertíveis em ouro os respectivos títulos, que vantagem em se inscrever nestes títulos uma moeda inglesa?
Não apresenta o Govêrno na sua proposta argumentos bastantes que justifiquem a singular extravagância. Mas um defensor oficioso apareceu na imprensa a explicar a idea do fazer representar os títulos em moeda-ouro inglesa. E o Sr. Adrião de Seixas, Sr. Presidente, ilustre secretário geral do Banco de Portugal, individualidade por quem tenho muita consideração e muito respeito, homem de larga cultura e experiência, que me tem dispensado as mais gentis atenções e com quem mantenho as melhores relações pessoais.
O Sr. Adrião de Seixas, entrevistado pelo muito autorizado jornal o Diário de

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Noticias, de 19 de Janeiro do corrente ano, declarou:
«Adoptar a libra esterlina para liberar o título do empréstimo, valor incomparavelmente mais fixo do que o escudo, é uma acção de providência...«.
E mais adiante aquele meu ilustre amigo esclareceu:
«Mas deixe-me ainda dizer-lhe quê esta forma de criar um fundo liberado em moeda estranha, sem fixação de câmbio de conversão, isto ó, como se fax, na dívida externa fixando a correspondência de £ 20, igual a 90$ ou 500 francos, etc., não é um caso isolado. É vulgar. Parece-me ser o que a Alemanha procura realizar agora em dólares, terem, cito-lhe o Funding brasileiro, por ser muito nosso conhecido.
O título é em libras, e não tem a menor referência aos réis brasileiros».
Tenho pena, Sr. Presidente, que o Sr. Adrião do Seixas não faça parte desta Câmara, onde seria, sem duvida, um dos seus mais ilustres ornamentos. Mas, como se trata duma defesa oficiosa da proposta governamental, e ela apareceu na imprensa, seja-me lícito apreciá-la, não para demonstrar a fragilidade das razões em que se funda essa defesa e que é patente, mas somente para contestar dois exemplos nela citados, o da Alemanha e o do Brasil.
O Sr. Adrião de Seixas só uma personalidade de alta cultura e um espírito arguto. Mas? a verdade é que nunca conheci no Sr. Adrião de Seixas o defeito da presunção que os seus méritos e a sua ilustração aliás justificavam. O Sr. Adrião de Seixas é modesto como todos os homens de espírito. Esqueceu-se, porém, S. Ex.ª que neste país há outras pessoas que meditam e estudam como S. Ex.ª
Ora, Sr. Presidente, são descabidos os exemplos que o ilustre defensor oficioso e extraparlamentar do Govêrno, o Sr. Adrião de Seixas, citou para classificar de providencial a disposição da proposta que consigna a representação em libras dos títulos do empréstimo.
Na Alemanha tentaram-se em Janeiro do corrente ano, após a ocupação da região do Rulir, negociações para um empréstimo em ouro dentro das suas fronteiras, empréstimo não apenas representado nominalmente em ouro, mas um empréstimo efectivo em ouro até a concorrência de valor equivalente a 200 milhões de marcos-ouro ou 50 milhões de dólares.
Concluídas as negociações, o Reichstag votou, a 2 do corrente mês. de Março, a lei autorizando o Govêrno a proceder à emissão dêsse empréstimo. Os títulos seriam emitidos ao par, reembolsáveis ao prazo do três anos, à taxa de 120 por cento, em dólares ou em ouro. A subscrição seria aberta de 12 a 24 do corrente mês.
Tratava-se duma operação modesta, pela qual o Govêrno Alemão pretendia obter efectivamente algum ouro para regular, de momento e artificialmente, a sua situação cambial.
Nesta data não sei se a operação se efectivará, mas as modalidades conhecidas provam que o exemplo da Alemanha não tem similitude com a proposta governamental ora em discussão. A tentativa alemã, visava um empréstimo em ouro, para se cobrar em ouro, visando a estabilização do marco.
A operação do Funding brasileiro, Sr. Presidente realizou-se em condições muito excepcionais.
A situação financeira e cambial do Brasil em 1918 havia atingido o ponto culminante da gravidade. Os orçamentos federais acusavam sucessivos deficits sempre agravados. As emissões fiduciárias haviam aumentado desproporciònalmente. A República Brasileira, tendo encargos externos a satisfazer em ouro, via-se em sérios embaraços.
Foi neste precário estado, quando todos os sintomas duma bancarrota inevitável ameaçavam o Brasil, que os próprios credores externos, com habilidade e bom senso, os primeiros interessados em evitar a liquidação financeira dêsse país, ofereceram ao Govêrno Brasileiro os meios de salvação.
O Presidente da República, Sr. Campos Sales, aceitando as sugestões, concebeu e executou um plano excelente, que foi o seu título de glória. Em 1898 concluiu-se um contrato com o Banco Rotschild de Londres.
O Govêrno Brasileiro reconhecia não poder pagar os juros dos seus empréstimos externos e, por isso, resolvia que,

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desde 1 de Janeiro de 1898 até 30 de Junho de 1901, êsses juros não seriara pagos em espécie, isto ó, em ouro, mas em títulos consolidados (Fundihg bonds), que seriam emitidos periodicamente por êsse Banco, até 10 milhões de libras, ao juro de 5 por cento, e garantidos pelos rendimentos aduaneiros dos pôrtos brasileiros. Por seu lado, o Brasil comprometia-se a enviar ao banqueiro Rotschild, periodicamente, o equivalente das emissões dos titulos, o valor, correspondente em papel-moeda brasileiro, notas fiduciárias, ao câmbio de 18, e que eram destinadas u ser destruídas. Em Agosto de 1899, 50 milhões de papel-moeda brasileiro eram inutilizados e o câmbio melhorava e elevava-se acima da cotação de 8.
Em Abril de 1908 próximo de 145 milhões de instrumentos fiduciários circulantes desapareciam por êsse processo, e o câmbio atingia a cotação animadora de 16.
Concorrentemente, em 1906, criava-se uma Caixa de Conversão que deu excelentes resultados.
Mas em 1914 uma nova crise cambial e económica suscitava dificuldades à administração financeira da República Brasileira. A caixa de conversão deixava de funcionar, e o Govêrno suspendia o serviço da dívida pública externa.
Sr. Presidente, pregunto: haverá confronto com o que se passou no Brasil em 1898 e em 1914, com o que se passa em Portugal?
Que paridade há na proposta do nosso Govêrno que aqui se discute e as operações financeiras do fundings bonds?
Deixe-me agora, Sr. Presidente, que eu conteste a afirmativa do Sr. Ministro das Finanças feita no Diário de Noticias do 6 de Fevereiro do corrente ano, já por mim citada.
Disse S. Ex.ª que «todos os peritos internacionais acordaram em que só o ouro era padrão para operações desta natureza».
O Sr. Vitorino Guimarães, Sr. Presidente, é um homem de estudo e de trabalho. O seu desejo de bem servir a República e o País é manifesto. Tenho por S. Ex.ª muita consideração e muita estima pessoal.
Ora se certo que o Sr. Vitorino Guimarães tem autoridade para dizer o que se passou nas conferências internacionais, por exemplo na de Bruxelas, de 1920, e na de Génova, de 1922, visto que foi delegado do Govêrno Português nessas assembleas, certo é também que eu como simples estudioso conheço o que se discutiu e se resolveu nessas conferências, seja nas reuniões plenárias, seja nas reuniões preparatórias de peritos.
O que nas duas conferências internacionais se preconizou foi que conviria que os países que se afastaram do regime do estalão-ouro, procurassem restabelecer êsse regime o mais depressa que pudessem.
Paralelamente se exprimiu o desejo de que todas as moedas europeias sejam baseadas num estalão comum, sendo o ouro a única medida comum a adoptar-se.
Reconheceram os técnicos que nem todos os países poderiam estabelecer regimes monetários sob a base metálica, mas aconselharam os Governos respectivos que convinha para o interêsse geral declarar-se que êsse pensamento devia dominar todos os outros.
Tenho aqui, Sr. Presidente, à disposição da Câmara os relatórios dos peritos e o texto das resoluções tomadas nessas assembleas internacionais, e não encontro qualquer indicação que confirme o que o Sr. Ministro das Finanças disso ao Diário de Notícias, isto é, que os peritos, internacionais haviam acordado em que os títulos dos empréstimos deviam ser expressos em ouro.
Afirmou mais o Sr. Ministro das Finanças, e isso no relatório que precede a sua proposta: «que escolhera para padrão-curo a libra porque esta é moeda-ouro com curso legal em todo ò território da República».
Eu preferiria ver o Sr. Ministro das Finanças declarar que se praticara um êrro dando-se, no nosso sistema monetário, curso legal às moedas inglesas. A lei de 29 de Julho de 1854 consagrou expressamente êsse curso legal e o decreto com fôrça de lei do Govêrno Provisório de 22 de Maio de 1911 reproduziu, confirmando, a disposição legal de 1854.
O estabelecimento do curso legal das moedas de ouro inglesas não foi para nós benéfico. Bem pelo contrário.
No seu livro Portugal Económico, o Sr. Anselmo de Andrade escreve isto no

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capítulo circulação monetária, que vou ler, Sr. Presidente:
«Não tínhamos ouro, mas Londres despejava sôbre nós as suas libras pela cornucópia da abundância.
Era um negócio, em que a Inglaterra só podia ganhar, e nós só podíamos perder.
Como o Govêrno Britânico apenas concedia uma tolerância de 2 por mil no pêso dos seus soberanos, exportavam-se para Portugal as moedas retiradas da circulação, que vinham ter aqui curso forçado.
A moeda rejeitada lá era moeda boa cá.
Numa média anual de 760 mil libras alguma cousa era, mas o que clava maiores lucros era a diferença de valores, em volta de 4$500 réis invariavelmente atribuídos por nós à libra.
Com o câmbio a 54 3/8, e valendo, assim as libras 4$413 réis em Londres, mandavam-se para Lisboa, onde tinham o valor autorizado de 4$500 réis. Era um lucro certo de 87 réis em cada libra.
Pelo contrário, baixando o câmbio a 52 1/8, e valendo assim a libra em Londres 4$604 réis, fazia-se a operação inversamente.
Iam as libras de cá, perdendo nós então 104 réis em cada libra.
Dêste modo se foi vivendo do ouro, que a Inglaterra alternadamente nos mandava para cá, e de cá nos levava.
Acabou pela bancarrota, essa falsa idade de ouro.
Agora, depois de sumido o ouro, é o delírio da nota...«.
Eis como explica o eminente publicista, alta autoridade na matéria, as consequências do facto insensato de se ter dado curso legal, no nosso país, às moedas inglesas de ouro.
É claro que hoje vivendo nós num regime da inconvertibilidade da nota, no regime do curso forçado do papel fiduciário emitido pelo Banco de Portugal, a questão do curso legal das moedas inglesas de ouro, não tem maior importância.
Mas, por isso mesmo, é que me surpreende a ficção de inscrever nos títulos, libras esterlinas para um empréstimo interno que não visa senão a obter algumas dezenas de escudos papel, para os gastos improdutivos do Estado!
Causas diversas tem provocado, Sr. Presidente, a desvalorização da nossa moeda.
Mas chega a ser inaudito que o próprio Estado consagre e proclame, perante os seus nacionais, essa desvalorização, estimulando mais ainda a sua depreciação.
Em L904, Sr. Presidente, o falecido estadista Sr. Dr. Teixeira de Sousa, conseguiu pôr à discussão nesta Câmara a sua famosa proposta do pagamento dos direitos aduaneiros em ouro.
A proposta não passou.
Mas no decorrer do vivo combate, os seus adversários observaram que não fazia sentido que o próprio Estado não quisesse receber em pagamento a sua moeda legal.
O falecido professor, Sr. Dr. Marnoco e Sousa, que foi mais tarde, como se sabe, correligionário político do Sr. Dr. Teixeira de Sousa, com a sua autoridade scientífica e a sua alta imparcialidade, ensinava em 1909,, na Universidade de Coimbra, aos seus alunos, que o pagamento dos direitos em ouro, em vez de o ser em moeda portuguesa, era um êrro injustificável que concorria para a desvalorização da moeda.
«Ainda bem que não passou a proposta», acrescentou o eminente professor.
O Sr. Dr. Marnoco e Sousa faleceu. Êle fora o meu mestre.
Era um trabalhador incomparável, muito sabedor, um espírito verdadeiramente moderno e progressivo.
Foi irreparável a sua falta na Universidade, e deixe-me, Sr. Presidente, que eu aproveite o ensejo para render, à sua memória, as minhas sentidas e saudosas homenagens.
Estava tam longe de supor o Sr. Dr. Marnoco e Sousa que, alguns anos após a proclamação da República, a medida sôbre pagamento dos direitos aduaneiros em ouro, seria um facto no nosso país
Isso se fez num período de depreciação crescente da nossa moeda. Foi em 1918, em ditadura, sem publicidade prévia, sem qualquer debate contraditório.
O Sr. Anselmo de Andrade, como Ministro da Fazenda, havia formulado uma proposta semelhante em 1910.

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E conta êste ilustre economista que estava então o prémio do ouro a 3 ou 4 por cento, o que tornava quási insensível o novo encargo.
«Perdeu-se a melhor oportunidade», diz o Sr. Anselmo de Andrade, no sou livro citado.
Em 1918, os autores do decreto de 9 de Abril, no próprio relatório confessavam que o prémio do ouro, nessa época, não aconselhava o pagamento integral em ouro dos direitos aduaneiros.
Pois bom, Sr. Presidente, em 1921, nesta Câmara, um Deputado, aliás de altos merecimentos, jurisconsulto e magistrado modelar, o Sr. Dr. Almeida Ribeiro, membro do Partido Democrático, propunha o pagamento integral em ouro, dêsses direitos, medida que eu não votei, mas- que foi convertida na lei n.º 1:193, de 31 de Agosto de 1921.
Isto se consumava com um prémio de ouro a 950 por cento!
Considero essa legislação que ainda se. mantém com um prémio de ouro de cêrca de 2. 500 por cento, como um dós factores da crise económica actual e surpreende-me que os nossos homens públicos não descubram, à face dos males sociais irrefragáveis o patentes, as causas determinantes da situação que nos confrange.
Escusado será dizer, Sr. Presidente, que o exemplo apresentado sôbre os antecedentes da legislação vigente, sôbre o pagamento dos direitos aduaneiros em ouro, citei-o para se fazer idea da ausência de lógica e de método scientífico que caracteriza o trabalho dos nossos homens públicos.
Tem-se dito que não é recomendável o empréstimo em escudos, visto o grau de depreciação da nossa moeda.
Com efeito, se a operação se realiza, num período agudo de desvalorização monetária, e o Estado recebe uma moeda com. um poder de compra restrito, é evidente que, quando a moeda readquirir lentamente o seu valor primitivo, essa operação não será vantajosa para as gerações futuras.
Bem pelo contrário.
Mas estas circunstâncias manifestar-se hão com rigor somente tratando-se de empréstimos com amortização obrigatória e periódica.
Mas nos empréstimos do tipo consolidado perpétuo, como o que o Govêrno propõe, em que o Estado não é obrigado ao reembolso do capital, êsses inconvenientes são nulos.
Mesmo para os juros, o embaraço é fácil de remediar.
Para isso bastará estipular-se que os juros sofrerão modificações à medida e na proporção da valorização da moeda.
O empréstimo que o Govêrno se propõe realizar, Sr. Presidente, é abaixo do par.
Não está isto dito claramente na proposta, mas o autor do parecer feito em nomo da maioria da comissão de finanças, desta Câmara, esclarece o diz que é, de facto, abaixo de par e admito a possibilidade da emissão de títulos de £ 100, considerando como recebidos £ 83,27 por cada título de £ 100 para o, efeito do os converter em escudos ao câmbio, por exemplo, de 40$ a libra no acto da cobrança.
Como disse, Sr. Presidente, nos empréstimos públicos, conforme as circunstâncias em que são emitidos, há que distinguir o capital nominal do capital real. Segundo a relação que se estabelecer entre estas duas designações do capital, assim os empréstimos serão ao par ou abaixo do par.
Que se entende por empréstimo ao par?
Que significado tem um empréstimo abaixo do par?
Vou, Sr. Presidente, tornar a explicar.
Nos empréstimos ao par, o Estado obriga-se a reembolsar uma soma igual à que, de facto, receber.
Neste caso, o capital nominal confunde-se com o real.
Na hipótese de um empréstimo abaixo do par, o Estado recebe um capital inferior ao constante do respectivo título, e, na ocasião do reembolso, é obrigado a restituir uma importância superior à recebida.
O que se diz com respeito ao capital também se poderá afirmar quanto ao juro.
Há, pois, nos empréstimos públicos, duas designações do juro a considerar: o juro nominal e o juro real.
O primeiro é o que corresponde ao capital mencionado nos títulos da dívida, capital de que o Estado se reconhece devedor; o segundo é o calculado sôbre a

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importância efectivamente recebida, isto é, com referência ao capital real.
Ora o Govêrno pretende emitir títulos de £ 100 e quere considerar como recebidas £ 83,27!
É, como se vê, um empréstimo muito abaixo do par.
E como para a conversão em escudos, o Estado receberá dos prestamistas 40$ por libra, na realidade, por cada título de £ 100, o Estado só receberá 3. 374&00 correspondentes a £ 83,27!
Sr. Presidente: a opinião quási unanimemente admitida pelos sábios financeiros do todos os países é no sentido da condenação das emissões abaixo do par.
Os Estados onde as finanças públicas são habilmente conduzidas, aqueles onde a gestão administrativa obedece a preceitos racionais, têm adoptado o regime dos empréstimos ao par.
A Inglaterra efectuou os seus empréstimos de guerra ao par ou muito próximo do par.
Os Estados Unidos procederam com mais firmeza. Todos os seus empréstimos de guerra foram emitidos ao par. A França, porém, adoptou uma política diversa. Os quatro grandes empréstimos de guerra de 1910, 1916, 1917 e 1918 foram emitidos abaixo do par. Mas esta política mereceu severas censuras dos homens de sciência e financeiros de alta reputação da grande República. Um deles, Sr. Presidente, o Sr. Gaston Jèze, o conceituado e erudito professor da Faculdade de Direito de Paris, apareceu mesmo na imprensa periódica a reprovar, sem rodeios, essa prática, considerando-a absolutamente injustificável.
Mas a França, Sr. Presidente, que V. Ex.ª bem conhece, dotada de um raro espírito de maleabilidade e sempre progressiva, a França não foi insensível às críticas dos seus melhores mestres na sciência financeira e aos reparos dos seus mais cotados técnicos da especialidade.
Tendo diante de si o exemplo fecundo dos países de boa gestão administrativa, a França, em Outubro de 1920. sendo Ministro das Finanças o Sr. François Marsal, rompia, corajosamente, com tradições funestas, emitindo um grande empréstimo ao par ao juro real de 6 por cento. Saudando êste facto como o início duma nova era feliz de transformação dos costumes administrativos franceses, o sábio professor da Faculdade de Direito de Paris, Sr. Edgar Allix escreveu rio seu Tratado de Sciência das Finanças, edição de 1921, o seguinte:
«A prática das emissões abaixo do par deve ser condenada sem reservas, por esta razão, decisiva: é que ela avoluma o pêso da dívida, fazendo com que o Estado se torne devedor de somas que, realmente, não recebeu, o que representa uma perda considerável, quando se queira reembolsá-la».
Os países que tem adoptado o regime das emissões abaixo do par, têm-no feito para iludir o público e encobrir os verdadeiros encargos da operação.
Apoiados.
Sr. Presidente: não bastará que o Govêrno, numa insensatez que não tem classificação possível, queira receber dos prestamistas por cada libra apenas 40$, por exemplo, quando a Nação contrai de facto uma dívida de 4 milhões de- libras, e será necessário agravar mais ainda a operação omitindo títulos abaixo do par, por exemplo títulos de £ 100 pára só considerar recebidas £ 83,27 para os efeitos da conversão efectiva em escudos?
Que tremendas responsabilidades não assumirá a geração presente perante as gerações futuras, consentindo em semelhante operação?
Que espécie de apatia mental é essa que eu sinto ter-se apoderado dos portugueses o dos republicanos?
Porque não se reage, Sr. Presidente, contra a obstinação do Govêrno?
Sussurro.
Vivos àpartes.
Eu vou agora, Sr. Presidente, encarar a proposta do empréstimo sob o ponto de vista das suas consequências.
Quando se desencadeou a guerra de 1914, Sr. Presidente, a maior parte dos Estados possuía sistemas monetários que davam aos seus nacionais, e a todos quantos com êstes entabulavam quaisquer transacções, as vantagens da boa e sã moeda.
Os câmbios sôbre o estrangeiro flutuavam em torno de pontos fixos. As oscilações da taxa de desconto bastavam para deter o êxodo do ouro para provocar a sua entrada, dêste modo regulando-se

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sem embaraços maiores, o saldo do deve e haver internacionais.
Emfim, todas as operações de trocas mundiais, incluindo o movimento de capitais, se realizava mais ou menos normalmente segundo as boas regras da economia social.
A guerra de 1914 lançou uma perturbação profunda na vida dos Estados. A enormidade de despesas e a sua urgência, o agravamento delas sempre progressivo, crescendo incessantemente com a maior duração das hostilidades, o período das incertezas que se seguiu ao armistício, eis um conjunto de circunstâncias que forçou todos os beligerantes a lançarem-se no caminho perigoso da inflação dos instrumentos de crédito.
De várias maneiras se produziu em diversos Estados, Sr. Presidente, a inflação, seja lançando-se em circulação instrumentos do pagamento possuindo fôrça liberatória ilimitada, seja pela execução dum sistema, do crédito fundado em depósitos bancários, seja ainda pelas facilidades de adiantamentos feitos pelos Bancos aos subscritores ou compradores dos títulos dos empréstimos.
Assim, por exemplo, a inflação nos Estados Unidos da América, do Norte produziu-se duma maneira muito especial. O Govêrno Americano, para fazer face aos encargos da guerra, não apelou apenas para as economias privadas.
Doutros recursos, evidentemente, lançou mão.
Mas em momento algum os Estados Unidos se serviram de papel-moeda, seja sob a forma inglesa de emissão do Estado (Currency Notes), seja segundo o processo de notas do Banco com curso forçado adoptado em França, Portugal e outros países.
Foi pela criação de créditos nos Bancos e a sua transformação em moeda, graças ao regime da organização dos doze Bancos de emissão americanos, constituindo os Federal Reserve Banks, que o Govêrno do Washington provocou a inflação.
Os factos passaram-se do seguinte modo, Sr. Presidente: os Bancos foram convidados, mediante negociações prévia mente combinadas, a subscrever os empréstimos do Governo a curto ou a longo prazo e a fazer, à sua clientela, adiantamentos destinados a facilitar-lhes a subscrição dêsses empréstimos.
Esta combinação gerou um rápido desenvolvimento de créditos nos diversos e numerosos, bancos filiados no sistema federal de reserva, aos quais correspondeu, paralelamente, uma grande expansão de depósitos feitos, seja pelo Govêrno, seja pelos particulares. Mas não bastava promover a abertura de créditos e o aumento consequente de depósitos. Os Bancos interessados careciam de meios de transformar êsses créditos em instrumentos de pagamento. Daí a intervenção dos Federal Reserve Banks, que só comprometeram a descontar a uma taxa de favor, inferior à taxa comercial, os bilhetes à ordem dos referidos Bancos, ou letras à vista dos particulares endossadas pelo mesmo Banco, garantidas ou por bilhetes do Tesouro ou títulos dos empréstimos de guerra.
O mecanismo da inflação em Inglaterra foi complicado. Não procurarei expor todos os pormenores dêsse fenómeno. Apenas direi, Sr. Presidente, que o Govêrno Inglês negociou com o Banco de Inglaterra um sistema de abertura de créditos reembolsáveis a três meses (Ways and Means Advances) e com outros Bancos convencionou e obteve promessa de facilidades de subscrição directa dos empréstimos de guerra a curto ou a longo prazo ou de adiantamentos ao público de somas necessárias para essa subscrição em forma de contas correntes caucionadas por depósitos.
A alta dos preços e dos salários foi a resultante lógica o inevitável, Sr. Presidente, dessa inflação, que, produzindo outros efeitos, reduziram o poder de compra do dólar-ouro e da libra esterlina. Em face disso, os Estados Unidos remediaram logo o mal, fazendo um decisivo combate à política inflacionista. Um conjunto de circunstâncias favoráveis, entre as quais a emigração do ouro europeu para a florescente República e a concentração das reservas metálicas nacionais nas caixas dos Bancos emissores, facilitaram a obra de rápida restauração monetária do dólar, conseguindo o Govêrno Americano jugular mesmo uma crise grave em 1920, determinada por um excepcional movimento de negócios. A Inglaterra, que teve também a sua moeda do-

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preciada por muitas causas, entre as quais a da multiplicação dos instrumentos de crédito, só muito recentemente conseguiu sanear a sua moeda, após uma luta anti-inflacionista, metódica e perseverante.
Numa acepção genérica, Sr. Presidente, a inflação é um estado económico em que os meios de pagamento, incluindo os depósitos contra os quais se podem sacar cheques, aumentaram extraordinariamente; aquele em que os sinais monetários em circulação não correspondem ao montante dos encaixes e dos efeitos comerciais, mas são desprovidos de garantias sérias e dotados de curso forçado, e cuja soma excede a que é necessária às exigências do volume das transacções.
Um dos inales da inflação está no facto de gerar, cada vez mais, novas emissões e provar o desequilíbrio das finanças públicas. Por outro lado, a inflação desorganiza naturalmente a vida económica dos povos, causa prejuízos manifestos aos credores, aos assalariados, aos funcionários, aos titulares dos rendimentos fixos, aos consumidores.
A instabilidade dos preços torna-se crónica, e a carestia dos géneros, sua consequência fatal, cria um ambiente social e político propício para as agitações revolucionárias. A medida que a inflação progrido, opera-se a depreciação crescente e ininterrupta do sinal representativo da moeda, que perde assim sucessivamente do seu poder de compra no interior, experimentando no comércio externo uma desvalorização que se traduz eloquentemente através do curso dos câmbios.
Sr. Presidente: eu vejo frequentemente protestar-se contra a carestia da vida, contra a alta intolerável dos preços. A revolta dos espíritos é justificada. Mas governantes e governados não se dão ao trabalho de meditar sôbre os fenómenos económicos, para perscrutar as causas profundas, remotas e próximas, que determinam o mal-estar presente que nos. compunge.
A nossa dívida flutuante interna, global, com exclusão dos débitos ao Banco de Portugal, deve ser qualquer cousa de superior a 700:000 contos aproximadamente. Dessa enorme soma, para cima de 370:000 contos, pouco mais ou menos, estão i apresentados em bilhetes do Tesouro. Êstes títulos de crédito são do há muito utilizados pelo Estado para certos pagamentos. Alguns credores do Estado mais impacientes aceitam receber em liquidação dos seus créditos bilhetes do Tesouro. Os credores dos serviços dos Transportes Marítimos do Estado, é do domínio público, estão a ser pagos por meio de bilhetes do Tesouro. Quere dizer: os bilhetes do Tesouro, sendo títulos representativos da dívida flutuante, são desviados da sua função financeira e considerados como instrumentos de pagamento.
A esta inflação temerosa, Sr. Presidente, há a acrescentar o desvario dos aumentos da circulação fiduciária!
Os Governos que vivem sob o delírio alucinante da nota e o Banco de Portugal, esquecendo os seus deveres nacionais, são cúmplices dessa obra funesta o perturbadora.
Antes da proclamação da República em Portugal, em alguns anos a circulação fiduciária passou sucessivamente de contos 27:000 a 54:000, 63:000 e 72:000 contos.
Em Outubro de 1910 era esta, pouco mais ou menos, a situação. Doze anos depois, a 27 de Dezembro de 1922, por exemplo, a circulação fiduciária atingia a cifra de 1. 047:028. 460$, devendo notar-se, todavia, que entre Outubro de 1910 e 23 de Dezembro de 1914, ano do começo da guerra europeia, essa circulação era apenas de 94:998. 197$37(5).
É nestas condições desordenadas das finanças públicas que o Govêrno se atreve a querer, obstinadamente, que a sua proposta de empréstimo e do novo contrato com o Banco de Portugal passe nesta Câmara?
E é tal a obsessão do Govêrno, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças pôs já a questão de confiança! Não pode ser. Não há o direito de antepor aos sagrados interêsses nacionais os caprichos de pessoas e dos partidos.
Apoiados.
A proposta do Govêrno, Sr. Presidente, por um lado destina-se a lançar no mercado títulos de empréstimo e pelo outro lado visa a aumentar a circulação fiduciária em mais 160:000 contos, além de criar uma emissão de bons de moeda subsidiária do Estado até 40:000 contos, o que tudo junto irá provocar uma maior

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inflação dos instrumentos de crédito, numa proporção considerável, renovando na vida do país as consequências económicas e sociais que os fenómenos inflacionistas inevitavelmente geram e as quais, do resto, a sociedade portuguesa já vem experimentando de há muito em condições tormentosas devido a causas anteriores idênticas.
Apoiados.
Emitido o empréstimo voluntário interno de que a proposta governamental trata, eis o que sucederá: a nação portuguesa tomará o compromisso de uma dívida de 4 milhões de libras e pagará indefinidamente (porque se trata de um empréstimo consolidado perpétuo) juros correspondentes a essa dívida.
Na realidade não são libras o que o Estado vai receber. O que o Tesouro vai receber são escudos a um câmbio arbitrário, por exemplo de 6. segundo o pensamento do Govêrno manifestado na comissão de finanças, isto é, de 40$ por cada libra.
E como o empréstimo é abaixo do par, segundo esclarece o Sr. relator, isto ó, por cada título de £ 100 'só pensa em considerar recebidas £ 83,27, para os efeitos da conversão em escudos, vê-se, Sr. Presidente, que, de facto, o Estado cobrará uma importância em escudos reduzidíssima em relação a 4 milhões de libras
Mas há mais.
Os juros serão pagos ao câmbio do dia.
E o Sr. relator da proposta pretende ingenuamente atenuar os efeitos e propõe uma emenda em que se estabelece que o juro efectivo não será superior a 15 por cento em relação ao câmbio do dia da emissão!
É pasmoso, Sr. Presidente! A que resultados perturbadores não levaria uma emenda semelhante?! Como ela revela um desconhecimento absoluto dos fenómenos económicos e financeiros e do seu mecanismo?!
Apoiados e protestos.
Quem há aí no país, Sr. Presidente, que, tendo embora um pequeno capital, não resolva entregá-lo ansiosamente ao Estado, em troca de títulos valiosos, a um juro remunerador, sempre flutuante, conforme às variações cambiais mais favoráveis aos interêsses dos tomadores dos títulos?
E não vê o Govêrno, e não vê a Câmara, que os tomadores dos títulos serão interessados no agravamento cambial?
Que dias angustiosos nos estarão reservados num futuro próximo!
Vivos àpartes.
Êsses títulos, Sr. Presidente, serão; em confronto com os outros valores mobiliários do Estado e das emprêsas particulares nacionais, títulos de primeira ordem.
E o que vai suceder? Isto de muito simples, mas horrível: como V. Ex.ª sabe, as Bolsas e as praças de Lisboa e do Pôrto, encontram-se actualmente numa relativa quietação. Pois bem, essa quietação vai ser em breve perturbada estrondosamente. A mais formidável especulação se fará em volta dêsses títulos, acompanhada duma consequente crise cambial.
Os meus eminentes colegas Srs. Barres Queiroz e Cunha Leal, oradores que me precederam, demonstraram magistralmente como isso se produziria e afirmaram que a proposta do Govêrno e a emenda do relator iam permitir «uma escandalosa especulação cambial».
Não apoiados. Apoiados.
Sr. Presidente: deixe-me V. Ex.ª que eu recorde à Câmara, a propósito, a crise bancária de 1920.
Após o armistício, em fins de 1918 e meados de 1919, uma extraordinária jogatina sôbre escudos, moedas estrangeiras, valores mobiliários de toda a espécie se efectuou, principalmente em torno dos títulos da dívida pública externa, das acções do Banco de Portugal, do Banco Ultramarino, das companhias de Navegação e de Moagem, etc.
Realizaram-se para isso, numa louca sofreguidão de lucro, operações a prazo e a descoberto.
O resultado dessa insensatez geral manifestou-se na crise de 1920, que o Govêrno e o Banco de Portugal conseguiram debelar de momento numa acção conjugada, prudente e eficaz.
Em Novembro de. 1920, Sr. Presidente, deve V. Ex.ª estar lembrado, era Ministro das Finanças o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal e chefe do Govêrno o ilustre Deputado Sr. Álvaro do Castro.

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O Sr. Cunha Leal denunciava a existência duma portaria secreta em que um dos Ministros das Finanças, seu antecessor, o Sr. António Maria da Silva, actual ilustre Presidente do Ministério, havia autorizado o Banco de Portugal a emitir notas além dos limites legais.
A revelação emocionou profundamente a Câmara e um ruidoso debate só estabeleceu, no decurso do qual o Sr. António Maria da Silva, da sua cadeira de Deputado, justificou o seu procedimento.
Sem essa portaria secreta, Sr. Presidente, o Banco de Portugal não teria podido acudir à crise e jugulá-la.
A derrocada teria sido estrondosa, e difícil é calcular quais as consequências que dessa crise poderiam ter advindo.
Que pretende o Govêrno com a sua insensata proposta de empréstimo?
Não sabe o Govêrno que a subscrição dum empréstimo provoca uma mobilização de capitais depositados, que uma parte dêsses capitais escapará dos Bilhetes do Tesouro, em busca de mais remuneradora colocação, que se farão nos bancos aberturas de crédito, caucionadas ou não, para facilitar aos clientes a compra dêsses títulos, e que uma série de complexos fenómenos se produzirão depois da colocação dos títulos, devido a um movimento de especulação, que em volta dêsses títulos necessàriamente se fará para se lhes elevar a cotação?
Quererá o Govêrno reproduzir, impensadamente, um período crítico da vida portuguesa que podia ter sido fatal e que nas actuais circunstancias é difícil prever o grau e a natureza dos efeitos?
O Sr. Yves-Guvot, autorizado economista francos, couta num dos seus livros recentes que, em 1914, alguns meses antes da guerra e quando ainda não se previa a eclosão do grande conflito europeu, uma operação de empréstimo de 3 1/2 por cento estava em via de conclusão definitiva era Paris.
E claro, não se tratava de títulos expressos em libras ou dólares.
Faço justiça à mentalidade francesa acreditando que não consentiria que num empréstimo interno fossem emitidos títulos em moeda estrangeira, para se receber de facto francos.
A operação, Sr. Presidente, foi ràpidamente coberta pela especulação.
Sôbre uma totalidade de títulos no valor de 1:247 milhões de francos, 1:218 milhões haviam sido tomados em Paris!
A situação geral na praça de Paris foi tal, Sr. Presidente, que uma série de medidas se tomaram para salvaguardar o crédito da França.
Assim, decretou-se uma moratória para a liquidação e mandou-se mesmo fechar a Bolsa.
O que jugulou a crise foi o imprevisto da declaração de guerra, e o inigualável patriotismo francês fez o necessário para manter íntegro o crédito nacional numa hora do excepcional gravidade.
Não dá mais pormenores o Sr. Yves-Guyot.
Mas eu vou completar êsses informes preciosos.
Em Novembro de 1913, sendo Ministro das Finanças o Sr. Dumont, o Govêrno Francês tomou a decisão de cobrir, de preferência, por meio de empréstimo, as despesas não renováveis, derivadas da. aplicação da lei da defesa nacional do serviço militar de três anos e as despesas da ocupação militar de Marrocos.
Para isso o Govêrno submeteu ao Parlamento uma proposta de lei pedindo automação para um empréstimo de 1:300 milhões de francos, do tipo de renda perpétua de 3 por cento.
A proposta do Govêrno francês foi vivamente combatida no seio da comissão de finanças, e em sessão plenária da Câmara dos Deputados, e creio que não passou.
Não vale a pena fazer a história completa dêsse incidente.
Em 1914 a questão era renovada e a lei do 20 de Junho de 1014 autorizou o empréstimo; mas o tipo era diverso, isto é, de renda amortizável em 25 anos, de 3 1/2 Por cento.
Uma certa bonificação de juros era estabelecida a favor dos subscritores dos títulos, dadas certas condições, e fixavam-se privilégios e imunidades fiscais largas, ficando apenas os títulos sujeitos ao imposto do rendimento.
O distinto professor da Faculdade de Direito do Paris, Sr. Gaston Jèze, escreveu algures que êsse empréstimo fora 40 vezes coberto. E o cronista financeiro do importante jornal parisiense Le Temps, Sr. Manchez no seu número de lá de

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Julho de 1914, afirma que a especulação jogou nesse empréstimo um grande papel, não obstante o Govêrno ter tomado todas as precauções. E o ilustre jornalista relata no seu brilhante artigo as circunstâncias em que a especulação desenvolveu a sua acção daninha. E longo cêsse artigo do Sr. Manchez, por isso não o leio para não cansar a Câmara; mas o certo é que a afirmação, do Sr. Yves-Guyot é confirmada e explicada por outras individualidades autorizadas.
Sr. Presidente: evidentemente a hipótese em discussão não é idêntica; mas as condições em que o nosso Govêrno pretende lançar o empréstimo prestam-se sobremaneira a ama mais extraordinária especulação de que haja memória. Aflige-me só a idea, Sr. Presidente, e receio que o país não possa resistir a um embato dessa natureza, que eu antevejo inevitável.
Apoiados.
Tem-se querido justificar o empréstimo dizendo que muitos portugueses residentes no Brasil desejariam colocar as suas economias e que, por isso, era excelente a ocasião do atrair êsses capitais. Segundo explicou o Sr. Ministro das Finanças na comissão de finanças desta Câmara, está assegurada a colocação duma grande parte do empréstimo no Rio do Janeiro.
Será necessário pensar-se na colocação do empréstimo no Rio de Janeiro?
V. Ex.ª tem algumas dúvidas de que êle será totalmente coberto em Lisboa, no Terreiro do Paço?
Não tenha dúvidas, Sr. Presidente, não tenha dúvidas. Um empréstimo tal como o Govêrno deseja realizar será coberto cem vezes. E não será necessário sequer ir do Rossio ali à Praça do Rio de Janeiro.
Essa história do portugueses possuindo economias no Brasil, capazes do acudirem à nossa crise, precisa ser esclarecida, Sr. Presidente.
V. Ex.ª não ignora que, logo após o, armistício, começou-se em. toda a parte a desenvolver uma desenfreada especulação sôbre divisas estrangeiras. A especulação efectuou-se principalmente em volta das moedas depreciadas: francos, marcos, coroas austríacas, rublos e escudos.
O que se fez com os marcos é espantoso.
Num jornal alemão intitulado Industrie und Handels Zeitung, um grande industrial de Hamburgo, de nome Kruetzfeldt, escreveu há poucos meses um artigo interessante: Deutsche Kredit Not und Auslaendisches Kapital (A agonia do crédito alemão e o capital estrangeiro).
Nesse artigo, o Sr. Kruetzfeldt afirma que a Inglaterra, os Estados Unidos e a Holanda foram os principais países que assambarcaram os marcos. Êle supõe que nas mãos de todos os estrangeiros devem estar corça de 70 a 80 biliões de marcos, devendo os seus possuidores ter sofrido em Novembro ou Dezembro de 1922 uma perda de mais de 90 por cento, devida à depreciação do valor do marco.
O que se fez com os marcos, praticou-se com os escudos, é claro em muito, menor escala.
Jogou-se desenfreadamente na expectativa duma rápida melhoria nos câmbios. Todos sabem que muitos escudos foram Darar a mãos espanholas e no Brasil supõe-se que os escudos em depósito nos Bancos e na posse dos portugueses nas suas caixas devem atingir a cifra aproximada de 50:000 a 200:000 contos.
Os cálculos dos portugueses ou brasileiros que jogaram sôbre escudos em época de menor depreciação, na ânsia de lucros próximos, falharam completamente porque não contaram com o agravamento da situação portuguesa e com uma mais acentuada desvalorização da moeda.
Que fazer nestas circunstâncias?
O dilema era certo: ou continuariam a jogar sôbre as divisas estrangeiras, acompanhando a própria depreciação, para estabelecer uma média de câmbio menos ruinosa, ou liquidariam com grande prejuízo.
É claro, os possuidores dos escudos preferiram entreter e aguardar melhores dias, porventura à espera duma colocação providencial vantajosa. Os Bancos não dão no Brasil a semelhantes capitais senão um juro de 1 por cento, ou quando muito de 2 por cento!
Diz o Govêrno, Sr. Presidente, que é no Brasil que conta poder colocar a maior parte dos títulos do empréstimo. Não, Sr. Presidente, mil vezes não!
Se há portugueses emigrados no Brasil que jogaram sôbre os escudos concorrendo para a miséria do nosso povo, para

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as angústias que cá experimentam os seus compatriotas, sofram as consequências da sua insensatez.
Apoiados.
O Estado Português não tem o direito de lhes acudir no embaraço em que se encontram, solicitando êsses escudos para lhes entregar em troca títulos expressos em ouro, representativos da dívida da Nação, títulos emitidos abaixo do par, isto ó, por cada título de £ 100 recebendo, para os efeitos da conversão em escudos, £ 83,27, a 40$ a libra!
Qualquer que seja o aspecto por que se analise a infeliz proposta de empréstimo do Govêrno, Sr. Presidente, ela é absolutamente indefensável.
Iludem-se todos aqueles que supõem que tal proposta trará uma melhoria nas nossas finanças ou no nosso câmbio.
Numa situação difícil, Sr. Presidente, quando Portugal recebia a afronta do famoso ultimatum inglês de 11 de Janeiro de 1890, e pouco depois se produzia a frustrada revolução republicana de 31 de Janeiro, em que um punhado de bravos patriotas ambicionou uma Pátria dignificada e prestigiada, o Govêrno da monarquia que se encontrava no poder, restabelecidas a paz e a tranquilidade, tentava um empréstimo de 8:000 contos no país, que não chegava a ser colocado. Os mercados estrangeiros, por seu turno, mantinham-se no mais absoluto retraimento. Nações que se dispunham a ajudar-nos reclamavam sérias garantias.
Dêste modo, numa crise aflitiva, surgiu uma idea salvadora adrede sugerida pelos leais conselheiros desta terra: contratar um empréstimo caucionado pelas receitas do monopólio dos tabacos. Do simples alvitre à realidade pouco tempo decorreu. O empréstimo negociava-se a 26 de Janeiro de 1891 em condições lamentáveis: 36:000 contos amortizáveis em oitenta e cinco anos, garantido pelo exclusivo do fabrico dos tabacos, que era concedido a outra parte contratante, a quem também se confiava a sua administração; o pagamento do juro e da amortização seria caucionado pela renda fixa mensal devida ao Estado, renda que não seria entregue sem a prévia liquidação dêsses encargos. Emfim, toda uma série do estipulações inadmissíveis e de episódios vexatórios. Por exemplo, o grande banco francês Crédit Lyonnais declarou que não abriria a subscrição para o empréstimo se não lhe fôsse paga uma dívida do Tesouro no valor de 4:680 contos, e os banqueiros ingleses Baring Brothers & Cº também exigiam o pagamento de 3:150 contos que o Estado lhes devia. Até o grupo financeiro português — supremo escárneo! — que se havia comprometido a subscrever 30 por cento do empréstimo, impunha condições, afirmando que não cumpriria a promessa se não fôsse reembolsado pelo Govêrno, ao preço da emissão de 63,070, obrigações correspondentes ao malogrado empréstimo de 4 por cento tentado em 1890.
O Parlamento Português, não obstante a viva oposição que se suscitou, autorizava o empréstimo, porque o Govêrno punha a questão de confiança e o declarava indispensável.
O ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz, há poucos dias, voltando a falar sôbre a proposta em discussão, redobrava o seu primeiro ataque, formulando novos argumentos.
Aquele antigo Presidente do Ministério e Ministro das Finanças recordou o famoso contrato do empréstimo dos tabacos de 1891, e fez revelações interessantes, documentadas, para provar o desastre dessa operação ruinosa, cujos efeitos absorventes ainda se fazem sentir sôbre nós, em vista das sucessivas variações cambiais.
Ora eu venho, Sr. Presidente, completar os elementos fornecidos por aquele nosso ilustre colega. O empréstimo dos tabacos de 1891, que se supôs viria criar um período de paz financeira e de desafogo económico, abria precipitadamente as portas da bancarrota. A situação geral agravou-se. A aventura da construção do caminho de ferro até a fronteira espanhola, conhecida pela salamancada, havia imobilizado importantes capitais do norte do País.
O montante dos depósitos no Montepio Geral descia, chegando a haver duas corridas. O Banco de Portugal vivia em estado precário. O Banco Lusitano e o Banco do Povo suspendiam os seus pagamentos. A Companhia Real dos Caminhos de Ferro, a Companhia dos Caminhos de Ferro através de África, a Companhia da Mala Real Portuguesa e outras emprêsas experimentavam dificuldades sérias.

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A essa crise bancária e financeira, cujos pormenores não vale a pena esmiuçar, sucedeu a crise monetária e a crise do Tesouro Público. O nosso sistema monetário, como V. Ex.ª sabe, era do monometalismo-ouro, segundo a lei de 29 de Julho de 1854.
Desde que foi autorizado o desgraçado empréstimo dos tabacos de 1891, o ouro e a prata desapareciam da circulação, em consequência do pânico que as negociações dêsse empréstimo e as revelações que se fizeram haviam gerado.
Em 7 de Maio de 1891 o Governo decretava que o Banco Emissor fôsse dispensado durante três meses da obrigação de trocar por ouro as suas notas, podendo fazer essa troca só em prata ou em ouro e prata, conforme fôsse mais conveniente. Era o início do regime do curso forçado da nota. Êsse decreto, longe de atenuar a. crise, complicava-a. O pânico assumia majores proporções. A corrida aos Bancos estendia-se.
Em 10 de Maio outro decreto se publicava suspendendo também a troca de notas em prata. Era lógico e inevitável. E no mesmo dia, satisfazendo aos desejos do conselho geral do Banco de Portugal, deferia-se a moratória geral; Êste facto provocava outras consequências graves. O ágio do ouro subia precipitadamente e a exportação metálica acentuava-se dum modo brusco a tal ponto que a Direcção Geral dos Correios suspendia a expedição de certos vales, por meio dos quais se fazia a exportação.
A 10 de Julho, data em que devia acabar a moratória, decretava-se a sua prorrogação e concedia-se ao Banco de Portugal o privilégio exclusivo da emissão fiduciária.
A 4 de Dezembro um novo contrato se celebrava com o Banco de Portugal, o privilégio exclusivo era-lhe concedido por 40 anos. As notas teriam sempre curso legal.
Emfim, Sr. Presidente, a crise de 1891 desenrolava-se temerosa e perturbante e o Govêrno da época ia tomando sucessivas medidas para a debelar com mais ou menos êxito.
Quem conhecer a nossa história contemporânea, sabe o que foi essa crise, qual o seu carácter, quais os seus perniciosos efeitos.
Pois bem, Sr. Presidente, se a proposta do Govêrno que ora se discute, fôr aprovada, ela dará uma ilusão de desafogo por um curto tempo. Ao estado de bancarrota consentida tacitamente pelo país, substituir-se há a bancarrota expressamente declarada, difícil se me afigurando qualquer previsão sôbre a repercussão que semelhante acontecimento poderá ter.
Na verdade, Sr. Presidente, nós vivemos de há muito sob o regime de bancarrota consentida pela Nação, por egoísmo, ou por passividade ou por imperfeito conhecimento dos perigos. Um Estado que durante quatro anos após o armistício sistematicamente efectua os seus pagamentos, satisfaz os seus compromissos para com os credores, realiza o sou serviço da dívida pública por meio de uma moeda que o próprio Estado sucessivamente deprecia, numa insensatez demento, por meio de constantes aumentos da circulação fiduciária, êsse Estado encontra-se evidentemente em situação de bancarrota aceita, tacitamente, por todo o país. Mas o empréstimo que o Govêrno pretende realizar vai abrir, Sr. Presidente, de par em par, as portas para a falência expressamente declarada.
Apoiados. Protestos. Agitação.
Que necessidade há de precipitar os acontecimentos?
Não é do interêsse de todos evitar um mal maior?
Também em 1891 impôs-se ao país um empréstimo ruïnoso e inconveniente.
O Govêrno da época igualmente pôs, como o Govêrno actual, a questão de confiança e considerou-o indispensável.
Viu-se o que aconteceu. O Parlamento Português dêsse tempo foi cúmplice duma obra nefasta.
Imaginou-se que o famoso empréstimo dos tabacos de 1891 iria salvar a critica situação.
Puro engano! Em breve a bancarrota declarava-se com todas as suas características.
Apoiados.
Que aspira o Govêrno actual?
Deseja acaso conservar-se mais largo tempo no Poder?
Mas quem, é que lhe tem impedido isso a sério?
Apoiados.

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Não temos sido nós todos parlamentares da oposição que patriòticamente temos amparado a vida quási sempre precária do Govêrno?
Eu por mim, Sr. Presidente, pessoalmente, quero ao Govêrno, onde tenho, excelentes amigos, longa permanência.
Se a preocupação do Govêrno não é apenas manter-se no Poder, mas salvar também o prestígio pessoal e as vaidades legítimas dos seus ilustres e prestantes membros, eu pregunto: que vale o prestígio das pessoas, por mais autorizadas que sejam, em face dos altos interêsses nacionais?
Se se teima na aprovação da proposta do empréstimo simplesmente porque o Govêrno encontra nisso um meio de continuar a usufruir as delícias olímpicas do Poder e para salvaguardar o imenso prestígio das pessoas que o compõem, neste caso, Sr. Presidente, não, mil vezes não; neste caso é preferível que o Govêrno se vá embora sem perda de tempo. Caía mil vezes o Govêrno, mas salve-se a Nação e evite-se que mais um factor agrave a miséria do povo.
Apoiados. Não apoiados.
A proposta do empréstimo que o Govêrno quere ver aprovada pelos representantes do povo é, Sr. Presidente, uma extraordinária lotaria. Se há aí no País e no estrangeiro possuidores de escudos depreciados, obtidos em horas alucinantes, de especulação, o Govêrno, com a sua proposta, diz-lhes:
«Dêem-me êsses escudos, pobres pedaços de papel, sem beleza e sem arte; eu lhes darei em troca títulos de valor-ouro, títulos expressos em libras esterlinas gozando todos os privilégios, todas as imunidades fiscais. A Nação que tome o compromisso da dívida de 4 milhões de libras e que as gerações futuras a paguem se o quiserem quando fôr caso disso».
É espantoso, Sr. Presidente, o que se deseja levar a efeito!
Só se tiver perdido a fala é que eu deixarei de protestar contra semelhante obstinação governamental; só se V. Ex.ª quiser fazer calar a minha apagada voz pela fôrça das baionetas da guarda do palácio do Congresso, o que não é de esperar
nem do seu inexcedível patriotismo, nem da sua alta imparcialidade, nem do seu republicanismo modelar, é que eu deixarei, coacto, de dizer tudo quanto penso da monstruosa e tenebrosa proposta do empréstimo, que eu classificarei, para finalizar a minha análise na generalidade, como o mais audacioso convite à especulação de bolsa e à especulação cambial que jamais em qualquer país se concebeu.
Muitos apoiados.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, pode dar-me um esclarecimento?
Qual é o pensamento de V. Ex.ª acêrca do prosseguimento dos trabalhos desta Câmara visto ser já meia noite?
O Sr. Presidente: — Penso que devo continuar a sessão por mais largo tempo ainda. Tem, pois, V. Ex.ª muito tempo para falar.
O Orador: — E que me sinto um pouco fatigado e desejava descansar apenas 5 minutos para poder apreciar a outra parte da proposta do Govêrno que reputo muito importante, e que diz respeito ao novo contrato a celebrar com o Banco de Portugal e a outras diversas disposições da mesma proposta.
O Sr. Velhinho Correia: — Não pode ser. V. Ex.ª, Sr. Presidente, diz-me em que princípio regimental se funda para fazer essa concessão? Isto é uma maneira nova de fazer obstrucionismo.
Não apoiados.
O Sr. Presidente: — Perdão! Eu ainda não fiz essa concessão. Peço ao Sr. Alberto Xavier que continue as suas considerações.
O Orador: — Sr. Presidente: em vista da estranha atitude da maioria desta Câmara, eu requeiro a V. Ex.ª que a sessão seja interrompida por um quarto de hora para que possa descansar.
Vozes: — Não pode ser. Não pode ser.
O Sr. Presidente: — Peço a V. Ex.ª que retire o seu requerimento porque não poderia, deferindo-o, abrir um precedente novo.

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O Orador: — Eu pregunto, Sr. Presidente, se já alguma vez houve nesta Câmara procedimento igual ao que se está adoptando para comigo? Isto é uma violência S Eu vejo o Sr. Presidente do Ministério, em gestos descompostos, impróprios da sua posição, bater na carteira. É singular a sua atitude de protesto. Que é que isso significa? Inconsciência ou cinismo político? O Govêrno quere abafar toda a largueza do discussão? E pretende que o País não seja devidamente esclarecido? E a maioria desta Câmara, obedecendo cegamente à vontade omnipotente e insensata do Govêrno, não quere medir as responsabilidades morais e políticas em que incorre deixando passar uma obra má, antepondo, dêste modo, os interêsses estreitos de partido às conveniências nacionais?
Pois seja. Eu cumprirei o meu dever patriótico e prosseguirei na análise da proposta governamental com o desenvolvimento que eu entender indispensável. Procedendo assim, é ao País que me dirijo e não tenho a preocupação de convencer os partidários disciplinados e obedientes do Govêrno que, falseando a sua missão nacional, transformam a instituição parlamentar num instrumento dócil do Poder Executivo e das suas arrojadas e inconvenientes audácias.
Sr. Presidente: apreciarei, pois, agora, a segunda parte da proposta do Govêrno, aquela em que se pede autorização para realizar um novo contrato com o Banco de Portugal, para emitir bons de moeda subsidiária do Estado, para vender a prata e para substituir a actual caução dos débitos do Estado ao Banco emissor.
Sucessivamente examinarei todas estas questões.
O pretendido contrato com o Banco, de Portugal visa o seguinte: o Govêrno pede ao Parlamento, isto é, pede à Nação, que o autorize a solicitar dêsse Banco, para os gastos improdutivos do Estado, mais 140:000 contos de notas; e, para contentar o Banco de Portugal, o Govêrno diz: eu proponho que se lhe dê, para o exercício da sua função bancária, 10:000 contos por cada 70:000 que êsse Banco emprestar ao Tesouro.
Na realidade é isto: 140:000 contos para o Estado, 20:000 para o Banco, ou sejam 160:000 contos de aumento da circulação fiduciária. Eis o que o Govêrno pede à Nação, através do Parlamento.
Sr. Presidente: eu fico pasmado perante a imperturbável serenidade com que o Govêrno trouxe à Câmara a sua proposta para aumentar em tam grande escala o número das notas do Banco de Portugal. De todos os pontos do país surgem justificadas reclamações que traduzem angústias-íntimas fáceis de compreender. Em, muitos lares a situação apresenta-se tormentosa.
O eco dêste estado de alma torturante, quási geral, já chegou a esta Câmara. Em palavras repassadas de justa revolta vários Srs. Deputados têm pedido ao Govêrno providências enérgicas, e o Govêrno, por seu turno, tem afirmado que vai agir com decisão e energia, que vai coïbir os abusos, que espera meter na cadeia os gananciosos e os especuladores.
E indubitável, Sr. Presidente, que nos aspectos alarmantes e perturbadores da carestia da vida, que tanto nos aflige o nos atormenta dia a dia, há abusos injustificados, uma ânsia de ganho desmedida e intolerável que urge combater e dominar, aplicando-se aos seus autores, certamente pessoas sem coração e sem remorso, as sanções penais eficazes e prontas.
Mas o papel do Govêrno, a função mesma do Parlamento não pode limitar-se a conjugar esfôrços somente para uma acção repressiva sem dúvida necessária. O que convém, e é inadiável, é que se examinem as causas profundas, remotas e próximas, da alta dos preços de todos os produtos e se procure debelá-las.
Há causas gerais derivadas da guerra que incontestavelmente lançaram uma radical perturbação no equilíbrio económico anterior, cujo restabelecimento estamos ainda muito longe de atingir. Mas ao lado de causas gerais, de ordem mundial, há factores especiais provenientes dos nossos constantes erros administrativos.
Eu considero, Sr. Presidente, a nossa legislação sôbre o pagamento dos direitos aduaneiros em ouro um dos factores do alto preço de certas mercadorias estrangeiras que são absolutamente indispensáveis à economia nacional..
Em 1910, um Ministro da Fazenda da monarquia, que é um autorizado economista, o Sr. Anselmo de Andrade, apresentou, como tive ensejo de dizer, uma pro-

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posta para o pagamento dos direitos aduaneiros em ouro que nem sequer chegou a ser discutida. Volvidos anos, o ilustre autor do Portugal Económico reconhecia que havia passado a oportunidade para semelhante medida, visto que ao tempo em que formulou a sua proposta o prémio do ouro estava a 3 por cento ou 4 por cento, o que tornava quási insensível o novo encargo. Em Abril de 1918, aproveitando-se duma ditadura, decretou-se essa medida estando o prémio do ouro em cêrca de 152 por cento. Mais tarde, uma lei de 31 de Agosto de 1921 determinava que o pagamento dos direitos seria integralmente realizado em ouro, e o prémio do ouro estava em 950 por cento. Essa legislação continua em vigor ainda, com um prémio de ouro a 2. 500 por cento. E nós todos governantes parece que não sabemos descortinar as determinantes dos males económicos que nos asfixiam!
Outro factor da desorganização económica é evidentemente o câmbio, cujas variações sucessivas, provocadas por múltiplas razões, e cujo estado actual se reflecte na nossa vida financeira dum modo assustador.
Há também a considerar outros factores importantes da carestia da vida, Sr. Presidente, o enorme volume dos instrumentos de crédito, a inflação dos inúmeros meios de pagamento, entre os quais avulta a emissão periódica de notas do Banco de Portugal.
Quando se concedeu a êste Banco o privilégio emissor, se não estou em êrro, julgou-se suficiente uma circulação fiduciária podendo ir até o limite de 27:000 contos.
Algum tempo depois, a fácil paixão da nota animava os Governos aos abusos. De 27:000 contos, subia-se para 54:000 e logo depois para 63:000 e por fim para 72:000, limite em que se manteve até a queda da monarquia em fins de 1910.
Nos primeiros anos da República os aumentos da circulação fiduciária foram insignificantes e tanto assim é que, por exemplo, de fins de 1910 até 5 de Agosto de 1914, vésperas da declaração da guerra europeia, a circulação fiduciária atingia apenas a cifra de 86. 406:685$37(5).
Em 29 de Dezembro de 1915 o aumento acentuava-se, acusando a importância de 113:383. 455$37(5).
O mesmo sucedia em fins de 1916 e de 1917, tendo a 27 de Dezembro dêste último ano subido a 191:033. 507$37 (5).
O Sr. Velhinho Correia: — Não conheço nenhum contrato de 1916 feito com o Banco de Portugal em que se tivesse aumentado a circulação fiduciária. Tenho aqui a nota de todos os contratos o nela não vem mencionado nenhum contrato de 1916.
O Orador: — Sr. Presidente: a observação que o Sr. Velhinho Correia acaba de fazer é simplesmente irrisória e denota a sua pouca preparação para discutir a questão em debate. Ainda há pouco o Sr. Velhinho Correia me interrompeu para contestar a minha. afirmação referente às Currency-Notes. Havia eu dito que as Currency-Notes inglesas só eram nominalmente convertíveis em ouro; na realidade, tais instrumentos fiduciários eram inconvertíveis. O Sr. Velhinho Correia disse que não. Eu procurei explicar o mecanismo das Currency-Notes, como a tesouraria britânica fazia a emissão dêsse papel do Estado, o apelo que o Govêrno Inglês fizera ao patriotismo dos cidadãos da Grã-Bretanha com o fim de evitar a sua conversão em ouro. De facto, pelo consenso público, as Currency-Notes eram inconvertíveis. Não tinham curso forçado; apenas lhes fora imposto curso legal. Ora o Sr. Velhinho Correia pretendeu negar está situação, provando assim ignorar o verdadeiro mecanismo das Currency-Notes inglesas.
Agora, o Sr. Velhinho Correia contes-ta que tenha havido aumento da circulação fiduciária em 1916, dizendo que não conhece nenhum contrato com o Banco do Portugal feito nesse ano! Que pensar, Sr. Presidente, desta outra manifestação de ignorância do S. Ex.ª? Em 1916, dois decretos com fôrça de lei se publicaram autorizando o Banco de Portugal a aumentar a circulação fiduciária.
O Sr. Velhinho Correia: — Então cite V. Ex.ª êsses decretos. Eu não os conheço.
O Orador: — Ainda bem que S. Ex.ª confessa a sua ignorância. Eu vejo, Sr.

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Presidente, o chefe do Govêrno aproximar-se do Sr. Velhinho Correia e ouço que lhe está dizendo que tais decretos existem. Com efeito, Sr. Presidente, os decretos têm as datas de 9 de Junho e de 28 de Dezembro de 1916, cujos termos não posso reproduzir visto não ter à mão a legislação dêsse ano.
O Sr. Lúcio Martins (interrompendo): — Tem V. Ex.ª aqui a legislação do 19Í6.
O Orador: — Agradeço a V. Ex.ª a amabilidade. Sr. Presidente: está aqui a legislação para quem queira verificar os decretos citados. E continuarei a prosseguir nas considerações interrompidas sôbre, a evolução da circulação, fiduciária.
Mas desde 1918 os aumentos precipitavam-se. Em Dezembro dêsse ano a circulação ficava em 272. 437:561$50; em 24 de Dezembro de 1919 elevava-se a 362:083. 861$50; em 29 de Dezembro de 1920, a 605:490. 692$50; em 28 de Dezembro de 1921 a 722:703. 782$50; em 27 de Dezembro de 1922 a 1. 047:028. 460$, o que excede os limites legais, continuando-se a emissão de nulas, à sombra duma convenção não autorizada por lei e contrária à legislação vigente, o que é o cúmulo!
Todos nós. Sr. Presidente, somos culpados dêste desvairamento. Temos vivido numa espécie de delírio da nota, sem atendermos que essa multiplicação de instrumentos de pagamento, com destino a despesas improdutivas do Estado, atesta a inquietante pobreza do Tesouro e a crónica desorganização das nossas finanças.
Os males sociais e económicos que gera a inflação fiduciária são conhecidos para que eu volte a pô-los em relevo. Uma das consequências mais decisivas e prontas é a alta desordenada dos preços, o aumento das despesas públicas.
Como é que o Govêrno, Sr. Presidente, conhecedor das angústias que compungem as classes que vivem de rendimentos fixos o que são as mais numerosas, como é que o Govêrno, sabedor dos protestos justificados contra a patente e tormentosa carestia da vida. se atreve a lançar mão outra vez dum dos mais poderosos agentes do mal-estar social que é, a circulação fiduciária?
Mas há mais um factor da desorganização económica, Sr. Presidente, que eu desejo ainda pôr em destaque: é o imposto sôbre o valor das transacções. Há seis meses que êste imposto vigora e ninguém tenha dúvidas sôbre a acção anárquica que tal imposto exerce na vida da Nação.
Pelo seu enorme poder de repercussão, sendo na realidade um imposto geral de consumo, um imposto geral sôbre a despesa, o chamado imposto sôbre o valor das transacções representa mais um elemento activo de vida cara a acrescentar a tantos que, conjugados, avolumam extraordinariamente o grau de aflitivo constrangimento que penaliza toda a sociedade portuguesa.
Fatal destino o nosso, Sr. Presidente! Quando nos sentimos impotentes p ara criar, para conceber e efectivar uma reforma de grande alcance, lançamo-nos na via cómoda e fácil da imitação do estrangeiro. Mas no caso do imposto sôbre, as transacções, a infelicidade da cópia foi desastrada. Desde o século XIV até meados do século XVIII, vigorou, em Espanha, um imposto idêntico, denominado alcabala, provocando a decadência económica do país vizinho, e, principalmente, segundo Adam Smith, causando a ruína do comércio e da indústria.
No século XIX, os Estados Unidos, durante a guerra de 1860 a 1865, também instituíram um imposto semelhante, abolindo-o, porém, logo que puderam, pôr ser anti-económico.
A Alemanha, para vencer os embaraços da guerra de 1914, serviu-se dum expediente parecido, o Umsatzsteuer. E a França, em 1920, criava a taxa sôbre Chifre d'Affaires.
Todas estas desacreditadas experiências eram de molde a aconselhar os nossos governantes a trilhar outro caminho. Mas não, Sr. Presidente. O que eu vejo é a tendência contumaz para agravar os males existentes, uma vontade doentia de curar os males que nos afligem servindo-nos mesmo dos agentes causadores dêsses males.
O estado económico e financeiro do País exprime uma situação mórbida. Um doente, quer seja um ser social, o homem, quer seja um organismo político, o Estado, precisa ser tratado, em rigor, com

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meios sãos e não com balões de oxigénio. Ora a crise portuguesa é complexa e não pode ser debelada com artifícios mais ou menos engenhosos.
O Govêrno, Sr. Presidente, parece achar pouco agudo êsse delírio alucinante da nota inconvertível e quere também emitir, sob a responsabilidade exclusiva do Estado, sem base em qualquer garantia correspondente e adequada, bons de moeda subsidiária de 1$ e de $50, até o limite de 40:000 contos! Não está satisfeito o Govêrno com uma perigosa multiplicação de instrumentos de crédito em circulação, e entendo que não tem importância essa inflação desmedida, e que é preciso complicá-la com novos elementos. E inaudito, Sr. Presidente, êste procedimento governamental! Jamais na história portuguesa, mesmo no período das grandes crises de 1847, 1876 e 1890, se chegou a uma desordem monetária igual à que, presentemente se assiste em Portugal. É verdadeiramente desolador o que se verifica. Além das moedas subsidiárias que o Estado faz emitir na sua Casa da Moeda, para facilitar as exigências incessantes dos trocos, não há, Sr. Presidente, uma Câmara Municipal, uma corporação administrativa, um instituto particular que não emita moedas próprias, as autoridades públicas sendo impotentes para reprimir a ilegalidade é para coïbir os abusos. Pois bem. O Govêrno vem propor que se crie mais um novo factor da anarquia monetária dominante, que tanto desprestigia os poderes constituídos, provocando a consequente anarquia económica!
Que se há-de pensar desta atitude do Govêrno?
Como classificá-la?
Quais os meios eficazes para convencer o Govêrno do funesto êrro da sua extemporânea e inconveniente idea?
A êste propósito, Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que eu me refira a uma representação que a direcção do Banco de Portugal há dias formulou a esta Câmara, e cuja cópia foi distribuída a todos os Srs. Deputados acompanhada dum folheto contendo a resposta à consulta que aquela entidade dirigiu a alguns advogados portugueses.
Em resumo, o Banco de Portugal considera que a proposta do Govêrno, na parte em que pede autorização para emitir bons de moeda subsidiária sob a responsabilidade directa do Estado, ofende os direitos do mesmo Banco no tocante ao seu privilégio como Banco emissor. Jurisconsultos eminentes, advogados consagrados, autorizados professores de direito, respondendo à consulta do Banco, são concordes em reconhecer o fundamento jurídico e legal das justificadas apreensões do Banco de Portugal sôbre a tentativa esboçada na proposta governamental.
Afigura-se-me que não precisava o Banco de Portugal de desenvolver tam largamente a sua reclamação cuja justiça é patente. A concessão de qualquer privilégio, ou melhor, de qualquer monopólio é um acto de. poder público, um acto de soberania. Essa concessão pode ser feita exclusivamente por uma forma unilateral, isto é, por lei, ou por uma forma bilateral, isto é, por contrato embora êste tenha sido autorizado previamente por lei. Quando a concessão dum privilégio qualquer é realizada por simples acto de vontade do poder público, êste pode retirá-la ou restringi-la livremente. Mas se tal concessão é efectuada por meio dum contrato, é evidente que nenhuma modificação pode ser introduzida no pacto bilateral sem que as duas partes contratantes estejam de acôrdo. Isto é rudimentar e indiscutível.
Ora, Sr. Presidente, o privilégio emissor para a circulação fiduciária representativa de ouro ou de prata, não foi concedido ao Banco de Portugal apenas por acto de vontade unilateral, isto ó, por lei, mas foi confirmado por contratos que o Poder Legislativo, por mais soberano que se considere, não tem a faculdade, por si só, de os revogar ou de os alterar sem que previamente haja mútuo consenso entre as partes interessadas.
Eu quero recordar à Câmara o que se passou em 1919. Era V. Ex.ª, Sr. Presidente, Chefe do Govêrno e, por sinal, Ministro das Colónias o Sr. Rodrigues Gaspar, que actualmente exerce idênticas funções. Discutia-se um contrato com o Banco Nacional Ultramarino, entidade emissora oficial nas nossas colónias, celebrado em 4 de Agosto dêsse mesmo ano. Como nesta Câmara se tivesse suscitado uma questão tendente a anular o contrato, insurgi-me contra semelhante

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tentativa, secundado por grande número de Deputados. Intervindo no debato formulei uma moção em que nitidamente só concretizavam os bons princípios em matéria contratual, e a moção, Sr. Presidente, como sabe, foi aprovada.
Eis a tradição parlamentar, eis o precedente que não pode ser esquecido. Os actos contratuais só podem e devem ser modificados ou restringidos pelas formas usuais do direito comum.
O Banco de Portugal tem o monopólio da emissão de notas representativas de ouro e de prata. As notas de 1$ e de $50 não são moedas subsidiárias, porquanto a reforma monetária de 22 de Maio de 1911 do Govêrno Provisório da República só classifica de subsidiárias, no relatório que precede o respectivo decreto com fôrça de lei, as moedas de 4, 2, l e 0,0 centavos.
Como V. Ex.ª vê, Sr. Presidente, a proposta do Govêrno, na parte em que pede autorização para emitir bons de moeda subsidiária de 1$ e de $50, até a concorrência de 40:000 contos, ofende manifestamente cláusulas contratuais em vigor, que não podem ser alteradas por vontade unilateral dos poderes públicos. Acresce que êsses 40:000 contos de bons de moeda emitidos pelo Estado, sem garantias correspondentes, são instrumentos de pagamento como quaisquer outros, que, postos em circulação, provocarão consequências perturbadoras na vida económica e social do País iguais às produzidas pela multiplicação de notas do Banco de Portugal.
Atente bem a Câmara: o Govêrno pede 140:000 contos de aumento da circulação fiduciária para seu proveito, isto é, para cobrir os gastos e os desperdícios da nossa administração pública; pede também que se dê ao Banco de Portugal a faculdade de exceder a sua circulação em mais 20:000 contos; e pede ainda que o próprio Govêrno seja autorizado a emitir até 40:000 contos de bons de moeda subsidiária de 1$ e de $50. Na realidade são mais 200:000 contos de instrumentos de pagamento que vão ser lançados na circulação numa insensatez quásí demente, como se os males que nos compungem não tivessem atingido já um grau de acuidade insuportável e desesperada. Desses 200:000 contos de meios de pagamento, somente os 20:000 contos a ceder ao Banco de Portugal, poderão vir a representar riqueza mas os restantes 180:000 contos exprimirão a pobreza da Nação.
Apoiados.
Depois disto, terão a maioria parlamentar e o Govêrno que se encontra no Poder, a ousadia de protestar contra o novo agravamento da carestia da vida, que prevejo inevitável?
Apoiados.
Terão os homens que se sentam nas cadeiras do Poder, bem como os homens que os apoiam por interêsses estreitos de partido, a estulta coragem de ameaçar seja quem fôr, atribuindo responsabilidades duma crise que em grande parte é fruto dos constantes erros governativos?
Sr. Presidente: essa idea de o Govêrno querer emitir bons de moeda subsidiária suscita lògicamente uma outra: a do saber se é pensamento do Govêrno preparar por esta forma o terreno propício para a fundação dum Banco emissor do Estado. É uma idea, como V. Ex.ª sabe, que germinou e tem germinado no cérebro do alguns dos nossos homens públicos, seja da Monarquia, seja da República.
Em matéria de emissões fiduciárias vários sistemas vigoram nos diversos países civilizados. Salientarei apenas dois dêsses sistemas mais em uso. Assim, há países que preferem um dos Bancos particulares, ao qual concedem o monopólio da emissão fiduciária. Tal é o regime adoptado por Portugal, Bélgica, Holanda, Espanha, Suíça, Noruega, Dinamarca, Grécia, Roménia, Japão e outros. Há países que dão essa faculdade a um número muito restrito de estabelecimentos bancários privados. A Inglaterra, a Alemanha, a Itália, o México, a China, por exemplo, possuem mais de um Banco emissor, mas cujo número é reduzido. Os Estados Unidos da América do Norte, antes da guerra de 1914, tinham um número ilimitado de Bancos emissores; mas após a guerra os, Estados Unidos promulgaram uma reforma bancária, organizando doze Bancos centrais sob a designação de Federal Reserve Banks.
O outro sistema de emissão fiduciária consiste na formação de bancos do Estado dotados de poderes exclusivos de emitir notas para as necessidades da circulação monetária.

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A Rússia, antes e depois da guerra de 1914, a Bulgária, a Suécia e o Uruguai, representam os países que seguem êste sistema.
O Banco de Portugal, como V. Ex.ª sabe, surgiu em 1846, da fusão do Banco de Lisboa com a Companhia Confiança Nacional, para regularizar o meio circulante; assegurar o pagamento de vários créditos sôbre o Estado, restabelecer emfim o crédito público.
A sua fundação foi acolhida com fervorosas esperanças como instrumento capaz de debelar os perniciosos efeitos da angustiosa crise de 1846.
Mais tarde, em 1887, o Banco de Portugal era legalmente organizado em banco emissor, concentrando em si o exclusivo da circulação fiduciária.
Como se vê, o Banco de Portugal não é um Banco do Estado, mas sim ums, instituição de carácter particular, uma sociedade anónima como qualquer outra, com a sua direcção e conselho fiscal próprios, escolhidos livremente pelos accionistas.
O Estado tem nesse Banco dois representantes, com funções nitidamente definidas, o governador e o secretário geral.
Somente a êsse Banco privado o Estado concedeu, há longos anos, o privilégio emissor.
Eis o regime vigente, muito similar ao dó Banco de França.
A constituição dum Banco do Estado, ou melhor, dum Banco da República, á que se daria o monopólio emissor, retirando-se dêste modo essa faculdade exclusiva ao Banco «de Portugal, tem em mim, Sr. Presidente, um adversário intransigente.
Reputo a idea altamente inconveniente.
A função do Estado não pode ser a de distribuir o crédito.
Que o Estado pretenda fiscalizar os organismos particulares encarregados dessa missão, que conceda o exclusivo da emissão fiduciária a um ou a alguns estabelecimentos, que estabeleça as condições e a forma da emissão, que exija garantias e participação nos benefícios, tudo isso eu compreendo.
Procedendo assim, o Estado sorve conjuntamente os interêsses do público e os do Tesouro.
Eu vou mesmo mais longe.
Entendo que é direito e dever do Estado agir dêsse modo.
Mas não queiramos, Sr. Presidente, desvirtuar a missão do Estado.
A tendência moderna é para o Estado se libertar de muitos serviços públicos, até hoje sob a sua directa administração, a fim de se dar livre expansão às iniciativas particulares e de se atenuar os inconvenientes do exagerado e absorvente centralismo, que predomina nas sociedades políticas contemporâneas.
Nada mais perigoso, principalmente nos tempos que correm, em que se vive na Europa numa espécie de delírio da nota inconvertível, do que fundar-se um Banco emissor do Estado.
Não se recorda V. Ex.ª e não se recorda a Câmara o que sucedeu em França, sob a vigência da primeira República, em que as notas emitidas exclusivamente pelo Estado, caíram numa tal situação de descrédito, que passaram à categoria de sinais monetários sem valor, que afinal desapareciam depois de ter causado a ruína de numerosas famílias e de ter provocado o mais extraordinário desprestígio dos poderes públicos de que há memória?
E o exemplo da Rússia não é edificante?
Como disse, Sr. Presidente, o sistema em vigor na Rússia, antes da guerra de 1914, era o de um Banco do Estado, dotado da faculdade privilegiada da emissão fiduciária.
Durante mais de dois séculos o Imperador regulou livremente as condições de emissão de notas do Estado.
É certo que essas notas não eram inconvertíveis.
Bem pelo contrário.
As largas reservas-ouro da Rússia, asseguraram sempre essa convertibilidade que, nem mesmo durante as angústias da guerra russo-japonesa de 1904-1905, foi interrompida.
Todavia a vontade suprema e indomável da extinta autocracia russa era libérrima nessa matéria.
Nem mesmo a instituição fugaz da Duma, êsse embrião do regime parlamentar, introduzido timidamente no seio do Czarismo, conseguiu limitar os direitos imperiais.
Pois bem.

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A queda do Império facilitou à derrocada.
Como se sabe, a idea dum Banco do Estado é preconizada e defendida pelos socialistas.
Seria ilógico que os socialistas não defendessem carinhosamente essa idea, êles que proclamam que a colectividade, a Nação, representada pelo Govêrno, possui todas as, capacidades, toda a sciência, todas as aptidões necessárias.
O Império mais autoritário e absoluto baqueava para se transformar numa República radicalíssima, atrabiliária, despótica, sanguinária, intolerante e belicosa.
O Banco do Estado da Rússia, com as suas tradições seculares, serviu de elemento admirável de desmoralização nas mãos do Govêrno dos soviets.
Sabe-se o que tem sido a catástrofe monetária da República Russa.
Que vale o rublo?
Ninguém o sabe, de tal maneira o abuso das emissões fiduciárias transferiram os sinais monetários em circulação no território da antiga Rússia Imperial, hoje submetida à vontade dos soviets de Moscow, em papel de um valor nulo.
Os bancos emissores do Estado são absolutamente condenados pela sciência, por serem dóceis órgãos dos Governos e poderem ser instrumentos dos partidos, políticos. E que admira que assim seja?
Em alguns dos países onde o privilégio emissor é concedido a um banco particular, não verificamos nós que êsses organismos por falta de firmeza ou de critério se transformaram de facto em agentes passivos dos respectivos Governos?
O Banco de Espanha, banco privado com a faculdade privilegiada da emissão fiduciária, por largo tempo foi cúmplice da política de fáceis expedientes dos diversos Ministros das Finanças.
Que funestos resultados económicos e sociais essa política não gerou?
Os abusos renovaram-se em condições tam temerosas que um estadista espanhol, de grande envergadura, que hoje não é do número dos vivos, o Sr. Canalejas, quando, em princípios do ano de 1910, subiu ao poder, recebendo a visita do governador do Banco de Espanha, Sr. Rodriganez e dos membros do Conselho Geral do mesmo Banco, pronunciou um discurso notável, do qual destaco uma passagem que vou ler. Afirmou o Sr. Canalejas:
«Eu quero que o Banco de Espanha seja um instrumento activo ao serviço dos grandes interêsses nacionais e não uma agência de fundos para,o Estado que não tem dêles nenhuma necessidade e que, pelo contrário, possui os recursos suficientes para auxiliar as instituições populares do crédito agrícola e industria], quando fôr oportuno intervir».
Não é sem propósito também, Sr. Presidente, evocar uma atitude memorável dum dos presidentes da República dos Estados Unidos, Sr. Grover Cleveland, quando proclamou, numa mensagem histórica, a necessidade de se estabelecer o divórcio entre o Tesouro Público e os bancos emissores.
E que pensar do grande banco emissor alemão, o Reichsbank?
A organização dêsse Banco antes da guerra até 1920, época em que devia ter findado o seu privilégio, que decerto foi renovado, visto que as suas funções continuam a exercer-se ainda hoje, era, Sr. Presidente, um pouco diferente da do Banco de França, de Espanha ou de Portugal. Instituição particular, o Reichsbank, todavia, estava largamente sujeito à acção intervencionista do Govêrno que, por intermédio da autoridade do Chanceler, exercia uma influência preponderante no funcionamento dêsse estabelecimento de crédito.
O Presidente e os vogais do Conselho de Administração do Reichsbank eram da nomeação vitalícia do Govêrno sob proposta do Conselho Federal.
Os accionistas não intervinham senão pelo seu voto nas assembleas gerais e pela eleição duma comissão central permanente apenas com poderes de examinar e fiscalizar as operações.
Esta situação não foi, me parece, alterada pela República Alemã.
Mas os abusos das emissões fiduciárias, tendo provocado a constante depreciação do câmbio do marco, levaram as potências aliadas vencedoras a meditar na situação económica e financeira da Alemanha, que apresentava sintomas cada vez mais graves e complexos.
Foi por isso que a Comissão de Repa-

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rações, organismo internacional criado pelo Tratado de Versailles, para velar pela execução das suas cláusulas, repetidas vezes chamou a atenção do Govêrno Alemão, para essa multiplicação delirante de marcos-papel, aconselhando-o a conceder ao Reichsbank a máxima autonomia possível como meio de deter tais emissões.
Creio que a reclamada autonomia foi concedida ao Reichsbanh, e, contudo, V. Ex.ª sabe que a quantidade de marcos-papel que a estamparia do Banco lança diariamente em circulação, já deixou a casa dos biliões para, velozmente, se desenvolver pela casa dos triliões!
Vê-se que foi inútil a autonomia facultada ao banco emissor que, na realidade, não tem querido ou não tem podido reagir, por defeitos orgânicos tradicionais, contra a corrente de desvario que parece ter-se apoderado, sem emenda, dos governantes alemães.
Se o sistema dum banco particular gozando do monopólio emissor, é preferível a um banco do Estado, é porque, Sr. Presidente, êsse sistema oferece condições favoráveis para uma resistência eficaz.
Nesse sistema, as emissões não se fazem por simples actos ou decisões unilaterais dos Governos.
É necessário também o acôrdo dos corpos dirigentes do Banco.
Êstes podem opor dificuldades, e, certos de prestar um serviço à sua pátria, podem mesmo recusar. as solicitações dos poderes públicos.
E assim que o Banco de França, por exemplo, que é um banco privado com o exclusivo da emissão de papel-moeda, tendo cooperado com os governos nas horas difíceis, todavia em mais duma ocasião soube resistir às tentativas abusivas, inoportunas e inconvenientes dos diversos Ministros.
Não exporei todos os incidentes que constituem títulos de glória daquele banco, que soube exercer uma alta missão na história financeira da França, salvando o crédito nacional em conjunturas aflitivas.
Lembrarei a V. Ex.ª somente alguns factos eloquentes.
Napoleão I, o ditador cuja omnipotência não tinha limites, num momento de cólera provocada pela recusa do Banco de França em realizar certa operação,
ameaçou, em vão, êste estabelecimento de criar um novo organismo bancário. O referido banco não modificou a sua atitude e Napoleão não pôs em prática a sua ameaça.
Durante a guerra franco-prussiana, o Banco de França opôs-se firmemente às exigências ilimitadas do segundo império. O desastre de Sédan punha termo à ditadura militar de Napoleão III e um governo provisório intitulado da defesa nacional, subia ao poder.
O Banco de França, considerando exageradas as solicitações dêsse governo, não só dispôs a satisfazer-lhe completamente a vontade.
O Sr. Gambetta, indignado — reza a história — a 26 de Dezembro de 1870 telegrafava a um dos seus colegas no Ministério dizendo: «Nós inutilizaremos o banco se fôr preciso, e nós emitiremos papel do Estado».
No decurso da guerra de 1914, a atitude do Banco do França foi de patriótica complacência.
Em fins de 1917 êsse Banco esboçou, inutilmente, uma resistência aos abusos das emissões fiduciárias.
O armistício de Novembro de 1918, tendo finalizado as hostilidades entre os beligerantes, aconselhava a cessação dessa cómoda, pronta e perigosa política financeira. Não sucedeu, porém, o que a lógica indicava.
O Ministro das Finanças, Sr. Klotz, hesitava em formular as suas propostas de reformas fiscais visando a criação de novas receitas e entabulava negociações com o Banco do França para que êste fizesse ao Govêrno novos adiantamentos. Desta vez o Banco de França recusava peremptòriamente.
O Conselho Geral do Banco votava uma moção fundamentada, contendo boas afirmações de princípio, moção que eu vou ler, Sr. Presidente, para que ela seja conhecida de todos os portugueses e conste dos anais parlamentares como documento digno de meditação.
Eis a moção votada pelo Conselho Geral do Banco de França, em 15 de Abril de 1919;
«Considerando que é de vital interêsse para o país que a nota do banco conserve um crédito intangível;

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Que, visando êste fim, os estatutos fundamentais do Banco de França sujeitam a emissão a condições rigorosamente determinadas que garantem a convertibilidade da nota;
Que são inadmissíveis as modificações a êstes princípios, salvo no caso do supremo interêsse da defesa nacional, num período em que a existência mesma do país está em jôgo e que se trata de vencer ou morrer, e o Estado se encontre, por isso, na impossibilidade de arranjar, por outros meios, os recursos indispensáveis;
Que mesmo nestas circunstâncias excepcionais, solicitou-se que o crédito da nota fôsse caucionado por moio de garantias especiais e privilegiadas sôbre todos os rendimentos ordinários e extraordinários do Estado;
Considerando que, desde o armistício, o Banco, em matéria de adiantamentos, foi além dos limites razoáveis' que é lícito consentir ao Estado, sem correr o risco de causar um grave prejuízo ao crédito da nota do banco que constitui a base mesma da vida financeira, económica e social da Nação;
Considerando que todas as despesas públicas não devem ter igual carácter de urgência e assim não é impossível que não possam ser escalonadas de maneira a permitir o estudo e a realização de operações de tesouraria susceptíveis de fornecer ao Estado os recursos de que êle tem necessidade:
O Conselho Geral entende que convém chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças e do Govêrno da República sôbre a situação criada ao Banco de França o exprime a mágoa de não poder dar uma resposta afirmativa à solicitação que acaba de lhe ser feita».
Tal foi, Sr. Presidente, o patriótico ê decisivo procedimento do Banco de França contra uma política governamental cuja continuação se lhe afigurou prejudicial aos interêsses nacionais.
O Parlamento Francês secundava o gesto do Banco de França, forçando o Govêrno a apresentar as suas propostas sôbre novos impostos. A 27 de Maio dêsse ano, o Ministro das Finanças. Sr. Klotz, arrastado pelas circunstâncias, tornava público o seu plano fiscal.
O Banco de Inglaterra também teve, Sr. Presidente, do assumir uma atitude idêntica à do Banco de França.
O Govêrno Inglês havia combinado com êsse banco um processo de empréstimos temporários ao Tesouro, reembolsáveis ao prazo curto de 3 meses (Ways and Means Advances).
A tesouraria inglesa carecia de somas a utilizar prontamente para cobrir certas despesas derivadas da política do reabastecimento da população civil, adoptada pelo Govêrno.
O reembolso far-se-ia no fim de cada trimestre à medida que nos cofres do Estado entrassem as receitas normais de impostos.
Eram suprimentos em conta de receitas.
Como sucede em toda a parte, a tesouraria inglesa abusou. Mas os dirigentes do Banco de Inglaterra, alarmados com as tendências que se manifestavam para exceder os limites convencionados e mesmo os limites razoáveis, chamavam, a 5 de Julho de 1917, categoricamente, a atenção do Ministro das Finanças para o facto, afirmando que a sua repetição e o seu agravamento contribuíam para a inflação dos instrumentos de crédito, e, conseqúentemente para a alta dos preços.
O Govêrno Inglês tomava boa nota do severo aviso do Banco de Inglaterra e procurava apressar os reembolsos, deminuindo sucessivamente o montante dos pedidos dêsses adiantamentos eventuais.
Como disse, Sr. Presidente, a organização do Banco de Portugal obo. dece ao regime duma instituição privada com a faculdade privilegiada de emitir notas com curso legal.
Terá o Banco de Portugal, pelo seu procedimento, correspondido ao sistema? Ou, pelo contrário, pelos seus actos, ter-se-ia convertido, na realidade, num agente quási passivo e dócil dos governos, numa espécie de dependência do Ministério das Finanças?
Infelizmente, Sr. Presidente, não posso deixar de acentuar que o Banco de Portugal não tem sabido ser o intérprete dos interêsses nacionais.
A sua missão normal, indispensável, como entidade emissora, é prestar ao Estado o concurso da sua garantia e do seu crédito público.

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Mas se a política financeira dos governos é imprudente e nociva para a colectividade, o seu dever patriótico é recusar êsse concurso, forçando os governos a adoptar soluções mais conformes ao equilíbrio das fôrças económicas da Nação.
Cabe ao Banco de Portugal, Sr. Presidente, importante parcela de responsabilidade na situação actual económica portuguesa que tanto nos aflige.
Com a eclosão da guerra europeia de 1914, o país viu-se a braços com dificuldades financeiras de vulto, que foram crescendo com a nossa preparação militar para a intervenção armada.
Compreendia-se que nesse período delicado o Banco de Portugal não oferecesse resistências à efectivação da política governamental do recurso à circulação fiduciária.
Mas o que não se justifica é a sua constante servilidade perante os governos, facilitando-lhes, como o faz ainda agora após mais de quatro anos passados sôbre o armistício, novos aumentos de circulação fiduciária. Sendo funesta para o ressurgimento económico nacional essa política, o Banco de Portugal não tem atenuantes para o seu procedimento.
Apoiados.
O contrato de 29 de Abril de 1918 abriu do par em par as portas da estamparia do Banco de Portugal para as vertiginosas emissões de notas inconvertíveis de curso obrigatório.
Em documento público, o relatório da comissão eleita pela assemblea geral dos accionistas e encarregada de dar parecer sôbre o projecto dêsse contrato, afirmou-se que o Govêrno ameaçara o banco de liquidação forçada e de anulação do privilégio emissor. Constitui isso uma justificação para a passividade do Banco de Portugal?
Também. Napoleão I ameaçou em vão o Banco de França de lhe retirar o privilégio, e não se diga, Sr. Presidente, que a revolucionária omnipotência do ditador Sr. Dr. Sidónio Pais era mais de temer que a arrogante e sólida fôrça e autoridade do glorioso autor das mais imortais e épicas façanhas guerreiras de que haja memória na história militar dos povos.
O privilégio emissor do Banco de França findava em 19-20. Pois bem, Sr. Presidente, o Banco de França, em Abril de 1919, não receou adoptar para com o Govêrno Francês a atitude que eu acabei há pouco de expor a esta Câmara.
Seria injusto se negasse que o Banco de Portugal tem prestado ao País reais serviços em mais duma conjuntura difícil e que a sua colaboração com os governos da República tem sido correcta e sempre pronta.
Mas se isto é incontestável, não é menos certo que o Banco de Portugal antepõe algumas vezes os interêsses dos accionistas aos verdadeiros interêsses da Pátria.
A Direcção do Banco de Portugal bem como o seu Conselho Fiscal possuem elementos de superior mentalidade e de rara cultura e experiência. Tenho no seu seio bons amigos, aos quais me ligam velhas relações de afecto e de apreço.
Como compreender o desprendimento com que os dirigentes do Banco de Portugal encaram a sucessiva depreciação do escudo resultante de periódicas emissões?
Se o Banco de Portugal tivesse resistido em 1918 às ameaças do ditador Sr. Sidónio Pais, certo estou de que teria ganho imensa autoridade para assumir idêntica atitude para com os Governos que se lhe sucederam. Se o Banco de Portugal tivesse oposto embaraços, em termos decisivos, quando em Março de 1922 se tentou um novo aumento da circulação fiduciária, convencido estou de que teria sido impossível a ousada proposta do Govêrno ora em discussão.
E afinal, Sr. Presidente, se ninguém reage contra essa corrente de desvairamento, qual é então o processo eficaz de se pôr uma barreira a essa insensatez geral?
Publicou o Banco de Portugal, em separata, a sua representação a esta Câmara reclamando contra o propósito do Govêrno de emitir bons de moeda subsidiária. Já tive, Sr. Presidente, ocasião de me referir a essa representação. Nem uma palavra, Sr. Presidente, eu leio nela com referencia à crise económica e financeira que nos atormenta. Que pensa o Banco de Portugal sôbre essa crise? Ignora-se. Vê-se que a sua. preocupação dominante é que não se tente restringir o seu privilégio emissor!

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Publicou também o mesmo Banco o relatório da sua gerência no ano de 1922. Tenho aqui um exemplar. Supõe acaso V. Ex.ª, e supõe a Câmara, que nesse documento o Banco de Portugal aproveita a ocasião para exprimir as suas ideas e fazer conhecer as suas opiniões sôbre a crítica situação económica que o país atravessa, ou sequer para justificar as suas inalteráveis complacências para com a funesta política de expedientes de que os governantes têm lançado mão?
A êste respeito o Banco de Portugal manteve um prudente silêncio. Mas o relatório da gerência de 1922, a que aludi, e datado de 1 de Fevereiro do corrente ano, revela-nos um facto singular até essa data ignorado. A páginas 20 dêsse documento o Banco de Portugal declara que, tendo sido plenamente utilizados os 240:000 contos da circulação fiduciária autorizada em Abril de 1922, foi necessário que o Banco continuasse a fornecer ao Govêrno os recursos de que precisava em quanto as novas leis tributárias não entravam em plena execução.
E de que meio se serviu o Banco de Portugal para, esgotados os 240:000 contos referidos, continuar a fornecer recursos ao Tesouro?
Eis a resposta que encontramos no citado relatório:
«Foi preciso usar o Banco da faculdade conferida pelo § único do artigo 14.º das bases anexas à lei do 29 de Julho de 1887, e pela cláusula 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, aumentando a circulação na medida dos depósitos em efeitos ouro que, em virtude da aplicação das sobretaxas e doutras proveniências, o Estado ia constituindo no nosso estabelecimento. Êste entendimento entre o Govêrno e a administração ficou definitivamente regularizado, com o voto do Conselho Geral do Banco, na convenção de 29 de Dezembro de 1922, que podereis ver nos anexos a êste relatório».
Com efeito, Sr. Presidente, essa convenção é publicada na íntegra nos anexos ao aludido relatório, e veio também inserta no Diário do Govêrno, 1.ª série, de 2 do corrente mês.
Que se estipulou nessa convenção? Quais os fundamentos legais em que ela se, baseou?
A convenção de 29 de Dezembro de 1922, Sr. Presidente, celebrada entre o Govêrno e o Banco de Portugal resume-se essencialmente no seguinte: o Banco obrigava-se a abrir, em conta especial de exportações, urna conta corrente creditada pelo valor de 50 por cento de cambiais de exportação adquirido, constituindo fundo em ouro, e uma outra conta debitada pela importância despendida em escudos para a sua aquisição, constituindo esta um suprimento ao Govêrno, com representação de notas-ouro, independentemente dos limites contratuais.
Essa convenção será legal? Será lícito ao Govêrno negociar com o Banco de Portugal as convenções que entender, mormente quando se queira exceder a circulação fiduciária além dos limites contratuais?
Sr. Presidente: à aludida convenção pretende fundar-se nas disposições da alínea i) da base 2.ª do contrato do 29 de Abril de 1918 e do § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887.
Que estatuem essas disposições? Eu vou ler os textos legais citados, para que V. Ex.ª e a Câmara façam uma idea exacta da questão.
A alínea i) da base 2.ª do contrato de 1918 estabelece o seguinte:
«O Govêrno reserva-se a faculdade de constituir, por depósito no Banco, fundos em ouro, metal ou valores, com aplicação à circulação representativa dos débitos do Estado ao Banco. «.
O § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887 diz isto:
«A circulação de notas excedente a êste limite será representada por reserva igual em moeda ou barras de ouro nas caixas do Banco».
Tentarei, Sr. Presidente, explicar os dois textos legais cuja, leitura acabo de fazer. Como V. Ex.ª sabe, a circulação fiduciária do Banco de Portugal tem na realidade dois destinos nitidamente diferenciados. Uma parte, a mais volumosa, é representada pelos débitos do Estado a êsse Banco; outra, parte, relativamente mais restrita, é aplicada pelo Banco ao giro comercial e às diversas operações bancárias.

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O contrato de 29 de Abril de 1918, na sua base 2,a, estipulou um certo limite para a circulação de notas-ouro, destinado à função bancária do Banco de Portugal, mas, ao mesmo tempo que determinava êsse limite, a referida disposição contratual permitiu ao Banco de Portugal excedê-lo, desde que p fizesse nos termos do § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887, isto é, desde que êsse excesso de circulação fôsse representado por uma reserva igual em moeda ou barras de ouro nas caixas do Banco.
Leis posteriores elevaram o limite a que a citada base 2.ª do contrato de 1918 alude. Assim, a lei n.º 1:074, de 27 de Novembro de 1920, declarou o seguinte:
«...podendo o Govêrno apenas determinar aumentos temporários cuja soma total nunca poderá exceder 15:000 contos nessa circulação, excluída a soma dos débitos do Estado».
E a lei n.º 1:246, de 29 de Março de 1922, base B, ampliou êsse limite, fixando-o — note-se bem — em 40:000 contos, dadas as condições nessa base estatuídas.
Nessas duas leis nenhuma alusão se faz ao § único do artigo 14.º das. bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887. E como foi revogada a legislação em contrário, é evidente que os limites da circulação fiduciária reservados ao Banco de Portugal para as suas operações foram expressamente fixados pelas duas referidas leis, não podendo ser excedidos por qualquer outro fundamento.
Agora vai V. Ex.ª ver o que está disposto na alínea i) da base 2.ª do contrato de 1918, que eu já li. Por êste preceito, ao Govêrno foi apenas concedida a faculdade de constituir depósito no Banco, fundos em ouro, metal ou valores, com aplicação à circulação representativa dos débitos do Estado.
Trata-se, Sr. Presidente, dum direito reconhecido ao Govêrno de garantir as notas da chamada circulação do Estado, no intuito, porventura, de valorizar o crédito delas. Trata-se manifestamente dum reforço de garantia duma circulação autorizada e realizada. Com êsses depósitos não fica o Govêrno habilitado a mandar emitir novas notas do Banco de Portugal para necessidades do Tesouro, mas fica somente com a faculdade de garantir com fundos-ouro as notas em circulação e obtidas legalmente pelo Estado, do referido Banco, por meio de empréstimos.
Diga-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, se era lícito basear-se na alínea i) da base 2.ª do contrato de 1918, cujo alcance é insofismável, para se ter celebrado a convenção de 29 de Dezembro de 1922, pela qual se combinou que o Banco de Portugal faria suprimentos ao Govêrno sem que a lei previamente os autorizasse? Essa alínea i) do aludido contrato dá somente o direito de garantir com valores-ouro uma circulação legalmente autorizada. Não dá, porém, o direito de aumentar a circulação fiduciária não autorizada por lei, somente porque o Govêrno resolva depositar no Banco quaisquer valores-ouro, metálicos ou não.
E se examinarmos, Sr. Presidente, a disposição do § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1922, maior é a surpresa. Êste preceito é claro. Sôbre a sua vigência legítimas dúvidas podem ser suscitadas, como deixei dito, vistas as leis de 27 de Novembro do 1920 e de 29 de Março de 1922, que revogaram a legislação em contrário. Mas admitamos que êsse § único do artigo 14.º da legislação citada de 1887 estava em pleno e indiscutível vigor. Pregunto: era lícito ao Govêrno mandar fazer emissões fiduciárias além dos limites legalmente autorizados, fundando-se nesse parágrafo? De modo nenhum, Sr. Presidente. O que êsse parágrafo permitia, como já expliquei, é que o Banco de Portugal pudesse exceder os limites da sua circulação própria, isto é, daquela circulação destinada não para os gastos do Estado, mas para as operações bancárias daquele estabelecimento, desde que êsse excesso de circulação fôsse representado por uma reserva igual em moeda ou barras de ouro. Repare bem a Câmara e repare bem V. Ex.ª: desde que tal excesso fôsse representado em moedas ou barras de ouro. Sendo representada por quaisquer outros valores-ouro, tal excesso do circulação não era permitido. A condição indispensável, essencial, era que a reserva fôsse constituída em moedas ou barras de ouro.

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Ora a Convenção de 29 de Dezembro de 1922, celebrada pelo Govêrno com o Banco de Portugal, baseia-se também nesse § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887, o que não se justifica, porquanto os depósitos feitos pelo Govêrno, segundo se deduz do relatório do Banco de Portugal, a que me referi, da gerência de 1922, são das cambiais da exportação adquiridas nos termos do decreto n.º 8:439, que são títulos fiduciários representativos de ouro, são cheques ou efeitos-ouro, e não moedas ou barras de ouro como exige o citado § único da legislação de 1887.
Quer fundando-se na alínea i) da base 2.ª do contrato de 29 de Abril de 1918, quer baseando-se no § único do artigo 14.º das bases anexas à lei de 29 de Julho de 1887, o Govêrno e o Banco de Portugal não podiam ter celebrado a convenção de 29 de Dezembro de 1922, pela qual êsse Banco se obrigou a fazer suprimentos ao Tesouro em conta corrente, suprimentos feitos por meio da emissão de novas notas.
É manifestamente ilegal, Sr. Presidem te, essa convenção. Não há sofismas possíveis que possam pretender dar-lhe validade jurídica.
Apoiados.
As emissões de notas efectuadas ao abrigo da referida convenção foram arbitrarias.
Apoiados. Não apoiados.
De maneira que essas notas são, na realidade, notas falsas.
Apoiados. Vivos àpartes. Protestos.
E porque são falsas essas notas, Sr. Presidente?
Porque foram emitidas sem autorização legal expressa.
Que diferença há entre essas notas e as notas que, porventura, sejam clandestinamente fabricadas por qualquer particular?
Por que é que são havidas por falsas as notas feitas pelos particulares e os seus autores sujeitos à responsabilidade criminal tam grave que o julgamento dos crimes de moeda falsa não obedece às regras comuns, mas sim a um regime excepcional?
A razão, Sr. Presidente, é que só o Banco de Portugal tem o privilégio de emitir notas, isto é, papel-moeda, privilégio que é concedido e regulado por leis e contratos legalmente celebrados. Quando alguém, seja quem fôr, salvo o Banco de Portugal, emite notas representativas de ouro e de prata, comete um crime para o qual a legislação penal estabelece sanções severas.
Se o próprio Banco de Portugal emitir notas sem autorização legal clara e insofismável, êste facto envolverá responsabilidade criminal para os seus dirigentes e executores. Não há diferenças na situação jurídica que é absolutamente idêntica.
Do mesmo modo, o Govêrno, ordenando emissões ilegais dessas notas, pratica um acto criminoso, sendo os seus membros responsáveis como qualquer cidadão autor de moeda falsa.
Não procuremos iludir-nos uns aos outros.
Não pode ser essa a missão de nós todos que participamos, pela elaboração das leis, do Govêrno da Nação.
Apoiados.
O regime monetário português, Sr. Presidente, só teoricamente tem base metálica.
O nosso sistema monetário é o do monometalismo-ouro. Mas isto está apenas nominalmente disposto na legislação vigente.
A reforma de 22 de Maio de 1911, do Govêrno Provisório da República, estabeleceu o escudo de ouro como unidade monetária.
Antes dessa reforma, o sistema era idêntico.
Mas, na verdade, qual o regime monetário em que Portugal vive há muitos anos?
O regime é nitidamente fiduciário.
Quere dizer, a nossa moeda efectiva é constituída por papel em forma de notas do Banco de Portugal, inconvertíveis, isto é, as importâncias em ouro e em prata que essas notas representam, não são, na prática, trocáveis por moedas de metal.
Além disso, essas notas têm, por lei, curso forçado, isto é, todos os cidadãos portugueses são obrigados, coactivamente, a aceitá-las nas transacções, nos pagamentos realizados pelo Estado ou pelos particulares.
Desde 1891, pode-se dizer, que em Portugal vigora êsse regime de papel-

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-moeda inconvertível, com curso forçado e não vejo que tam depressa se possa regressar à convertibilidade.
Qual é, pois, o valor das notas do Banco de Portugal?
Porque é que o público tem nelas confiança?
Pela razão muito simples, Sr. Presidente, de que a lei, e só a lei, lhos imprime valor e lhes assegura o crédito. Diz a realidade.
Ora se o Banco do Portugal por deliberação própria, espontânea, ou por acôrdos com o Govêrno e por sugestões dês-te, emite notas sem expressa determinação das leis ou dos contratos legalmente celebrados, como é que o público há-de ter confiança nelas?
Como é que o público há-de poder distinguir quais dessas notas são legalmente verdadeiras, quais as que são falsas?
Sr. Presidente: nas sessões desta Câmara de 24 e 25 de Novembro um vivo e sensacional debate se produziu e que causou profunda emoção em todo o país.
V. Ex.ª deve recordar-se bem.
O Govêrno que se encontrava no Poder e que era chefiado pelo ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro, sendo Ministro das Finanças o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal, viu-se obrigado a denunciar a existência de portarias secretas autorizando o Banco de Portugal a emitir notas além dos limites legais.
O assunto foi objecto de larga discussão.
Verificou-se que um dos autores das portarias decretas fora o antigo Ministro das Finanças, actualmente Presidente do Ministério, o Sr. António Maria da Silva.
Nessa ocasião, êste ilustre homem público, da sua cadeira de Deputado, procurou justificar moralmente o seu procedimento e fê-lo em termos concludentes e satisfatórios.
Uma grave e delicada crise bancária se esboçara — explicou S. Ex.ª — e houve necessidade, por motivos urgentíssimos, de habilitar o Banco de Portugal a exceder os limites legais da circulação fiduciária para se jugular, de pronto, essa crise.
Mas se o acto tinha essas atenuantes justificáveis, o certo é que a ilegalidade das portarias secretas era evidente. Muitos Deputados discordaram dêsse procedimento e o Govêrno que se encontrava no Poder terminantemente condenou semelhante prática.
Ora, Sr. Presidente, as notas emitidas por virtude das portarias secretas eram manifestamente notas ilegais, notas falsas que foram depois legalizadas. Mas nenhuma diferença existe entre as notas emitidas pelas referidas portarias secretas, cuja existência foi denunciada nesta Câmara, e as notas emitidas em execução da convenção ilegalmente celebrada em 29 de Dezembro de 1922.
Sussurro. Vivos àpartes.
Fala-se tanto na valorização do escudo, Sr. Presidente, e tudo se faz para o depreciar.
Num regime monetário de papel-moeda inconvertível, de curso forçado, as notas do Banco de Portugal têm o valor que a lei lhes dá.
A base dêsse regime é o crédito.
E como se pode ter crédito nas notas que são emitidas contra insofismáveis disposições legais?
Eu ouço, Sr; Presidente, alguns àpartes, alguns não apoiados. Não desejo saber quais dos meus ilustres colegas discordam de mim.
Devem, certamente, ter as suas razões.
Mas não são, Sr. Presidente, razões legais. O que se tem feito é contra a lei. E um abuso criminoso.
A responsabilidade política e criminal do Govêrno quanto à arbitrária convenção de 29 de Dezembro de 1922 é patente.
Apoiados. Não apoiados.
A cumplicidade do Banco de Portugal nesse acto ilegal é igualmente manifesta. A responsabilidade de ambas as entidades não tem atenuantes.
Oxalá o exemplo não frutifique e não se repita.
Se os Governos entenderem que é essa a melhor forma de administrar, se o Banco de Portugal, desvirtuando a sua missão nacional, continuar a facilitar a prática dêsses actos desprestigiantes do crédito público, uma voz se erguei á nesta Câmara para protestar energicamente contra semelhante desorganização económica e semelhante anarquia monetária. Essa voz será a minha. Voz apagada, voz humilde, mas insuflada e vivificada por sinceros sentimentos patrióticos.

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E ao concluir esta parte das minhas considerações, eu quero, Sr. Presidente, evocar palavras históricas atribuídas a Thiers, comentando a enérgica e clarividente atitude do Banco de França durante e após a guerra franco-prussiana.
Disse Thiers:
«O Banco de França salvou-nos porque não era um Banco do Estado».
Quando é que qualquer homem de Estado Português poderá proferir palavras de idêntico significado com respeito à obra do Banco de Portugal?
Sr. Presidente: eu sinto que uma parte da maioria da Câmara se mostra impaciente.
Alguns Deputados dessa maioria, os mais irrequietos, e, decerto, os mais sabedores e os mais estudiosos e conhecedores dêsses assuntos, parecem querer demonstrar, peias constantes. interrupções, com que tem pretendido perturbar a sequência lógica da minha análise à proposta governamental, que tudo quanto tenho exposto, não passa de banalidade inútil e descabida. Pode ser.
Iludem se, porém, os meus ilustres contraditores se supõem que eu desejo convencê-los.
Quando a sciência, o trabalho, a meditação se resumem afinal, para alguns, em meras regras de disciplina partidária em que se confunde, lamentavelmente, o interêsse mesquinho de partido com. o interêsse nacional e se julga que melhor se serve o país não se discutindo as questões com profundeza e largueza, mas sim votando-as de boa fé para se não criar dificuldades ao Govêrno que se apoia, não valerá, de facto, a pena, fazer o esfôrço que estou a realizar.
Mas falando nesta Câmara, eu não me encontro perante uma organização ou um núcleo partidário firmemente disciplinado, tal como um regimento numa parada militar, pronto a obedecer às ordens dos chefes.
Falando nesta Câmara eu dirijo-me ao país que tomará nota das minhas palavras e dos meus raciocínios e a todos julgará como fôr de justiça.
Apoiados.
Vou com efeito fazer a vontade aos meus adversários, porque vou finalizar o meu discurso.
Teria ainda muito que dizer sôbre outras curiosas disposições da proposta governamental.
Por exemplo, sôbre a tentativa de só vender a prata, para se converter em valor efectivo em ouro, a fim dêste metal ser depositado no Banco de Portugal, até que a soma dos débitos do Estado a êsse Banco seja reduzida ao saldo de 31 de Dezembro de 1920.
Mas, não desejando fatigar mais a Câmara, reservar-me hei para completar a minha análise, quando a proposta começar a ser discutida, artigo por artigo, na especialidade.
Mas antes de concluir, quero protestar bem alto contra o facto de o Sr. Presidente do Ministério ter pôsto a questão de confiança em volta da aprovação da proposta, considerando todo o Govêrno solidário com ela.
Proposta nociva para os interêsses nacionais, desprestigiante para a capacidade governativa da República, inoportuna e inconveniente, ela devia ter sido rejeitada na comissão de finanças, se esta procurasse, com a sua conduta habituai, efectuar uma obra colectiva, visando os superiores interêsses da Nação, e antepondo-os às conveniências transitórias dos partidos e aos caprichos ocasionais das pessoas.
Não tendo a comissão de finanças procedido como a lógica aconselhava, a rejeição da proposta seria um dever desta Câmara, se esta tivesse também o hábito inalterável de, em todas as circunstâncias, antepor o bem e a prosperidade da Nação acima das vaidades dos homens e das razões de estreito partidarismo.
Eu sei, Sr. Presidente, que na maioria parlamentar há alguns Deputados que são absolutamente contrários à proposta do Govêrno, e todavia, creio que aprová-la hão por disciplina partidária.
Eu não compreendo semelhante maneira de proceder.
Ela não é conforme ao regime parlamentar que envolve a colaboração dos dois poderes, o Executivo e o Legislativo guardando ambos: a autonomia das suas iniciativas, o Executivo podendo dissolver o Parlamento se êste fôr hostil à sua política, tendo o Parlamento, por sua vez, a faculdade de convidar o Govêrno a ir-se embora se entender que a sua orientação

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não é a mais útil ao pais e a mais conforme aos interêsses nacionais.
Será aprovada a proposta? Creio que sim. Mas bom é que reflitam duas vezes no que vão fazer.
O artigo 1.º da proposta, em que se autoriza o Govêrno a realizar um empréstimo voluntário, muito abaixo do par representado nominalmente em títulos de libras para de facto se receber dos prestamistas escudos a um câmbio arbitrário, por exemplo, ao câmbio de 40$ por cada libra, com um juro também nominal de 6 1/2 por cento pago ao câmbio do dia, é, Sr. Presidente, urna extraordinária e admirável lotaria, um audacioso convite à especulação de bolsa e à consequente especulação cambial.
Os outros artigos da proposta, autorizando o Govêrno a contratar com o Banco de Portugal um novo acôrdo para os efeitos de aumentar a circulação fiduciária em mais 160:000 contos e permitindo uma emissão de bons de moeda subsidiária até 40:000 contos, vai criar, na realidade, novos instrumentos de pagamento a lançar em circulação numa soma total do 200:000 contos, números redondos, que agravarão a inflação fiduciária provocando e renovando todas as suas funestas consequências, tais como ama nova depressão económica, alta geral dos preços e dos salários, depreciação da moeda, etc.
Não obstante êstes inconvenientes, acha o Govêrno e acha a sua maioria parlamentar que a proposta é maravilhosa, que ela vai baratear o custo da vida que vai melhorar o câmbio, sanear a moeda, lançar a ordem- nas finanças públicas? E possível. Mágicos poderes possui, na verdade, a teimosia humana.
Apoiados.
Somente, Sr. Presidente, oxalá os factos não venham provar o contrário e os nossos filhos, os nossos netos não tenham de julgar-nos com uma severidade mais implacável do que aquela com que nós hoje julgamos todos quantos consentiram no famoso e desastrado empréstimo dos tabacos de 1891.
Também então, Sr. Presidente, se pôs a questão do confiança; o Govêrno declarou o empréstimo indispensável; os seus defensores apregoaram que a crise económica o financeira de 1891 ficaria solucionada com a realização do empréstimo e que novos horizontes de prosperidade se vislumbravam límpidos e fecundos.
Viu-se o que sucedeu. Alguns meses após, a crise de 1891 assumia tais proporções que o Estado via-se forçado a declarar a bancarrota, reduziam-se os vencimentos dos funcionários, decretava-se uma moratória geral, entrava-se em combinações sôbre o pagamento dos encargos da dívida pública.
Aflige-me só a idea do que possa vir a suceder com o projectado empréstimo em discussão.
Tenho dito, Sr. Presidente.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
É lida na Mesa a moção apresentada pelo Sr. Alberto Xavier.
Foi rejeitada em contraprova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu, a admissão da moção do Sr. Alberto Xavier, estando de pé 32 Srs. Deputados e sentados 24.
O Sr. Presidente: — Previno V. Ex.ªs de que às 17 horas há reunião do Congresso.
Vou interromper a sessão para recomeçar às 15 horas.
Está interrompida a sessão.
Eram 3 horas e 25 minutos.
SEGUNDA PARTE
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara a fim de que a sessão não seja interrompida para se efectuar a reunião do Congresso, mas sim que seja encerrada.
O Sr. Carlos Pereira (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: a sessão foi ontem interrompida necessária e fatalmente, e, se bem me parece, o Deputado monárquico Sr. Carvalho da Silva requereu para a sessão de hoje ser encerrada, e não interrompida, para a reunião do Congresso. Parece-me que não se trata dum requerimento, mas sim dum simples es-

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clarecimento. É nestes termos que assim o considero.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: — Antes de mais nada, pedia a V. Ex.ª que me informasse o que diz o Sr. Carvalho da Silva no seu requerimento.
O Sr. Presidente: — Diz verbalmente, pois não foi escrito, que a sessão deve ser encerrada, e não interrompida, quando fôr retinido o Congresso.
Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — Desisto do meu requerimento.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: nos termos das disposições regimentais, vou ler a minha moção, que tenho a honra de mandar para a Mesa.
Moção
Considerando que o parecer da comissão de finanças sôbre o empréstimo não representa, no fundo, a opinião da maioria dos membros dessa comissão; e
Considerando ainda que um exame e uma votação apressada dessa proposta se não compreendem, dada a sua importância e as consequências perigosas que da sua aprovação podem advir para a nossa situação financeira:
A Câmara dos Deputados resolve fazer baixar a proposta à comissão de finanças, e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 22 de Março de 1923. — Cunha Leal.
Sr. Presidente: neste momento em que eu começo a falar saiu da sala o Sr. Presidente do Ministério, e como o que eu tinha a dizer não é agradável, lamento o facto mas não é motivo para eu não continuar no meu discurso.
A primeira cousa que eu quero declarar é que não compreendo a intervenção do Sr. Presidente do Ministério no debate, nem a que propósito S. Ex.ª falou. Foi para esclarecer a questão? Não foi. S. Ex.ª disse que ninguém poderia ter á estulta pretensão de convencer os outros, e S. Ex.ª não tinha decerto a estulta pretensão de nos convencer. Poderia ainda
o Sr. Presidente do Ministério querer pôr a questão política; mas, interrogado pelo Sr. Álvaro de Castro, S. Ex.ª teve ocasião de dizer que não punha a questão política.
Qual é, pois, a razão por que o §5r. Presidente do Ministério entrou no debate? Simplesmente para o irritar.
Apoiados.
S. Ex.ª, com ares pimpões e provocadores, empunhando o chicote de não sei quantos rabos, desafiou e não combateu com inteligência, com argumentos.
Apoiados.
Apresentou apenas a atitude da violência.
Apoiados.
S. Ex.ª teve em vista irritar o debate político (Apoiados), e viu-se que teve por objectivo fazer com que a moção nem fôsse admitida.
O Sr. Alberto Xavier: — E que nela se encontrava doutrina a respeito da qual o Govêrno tinha de meditar.
O Orador: — Sr. Presidente: chegou-se a isto: a não se admitir a proposta, e vê-se que o discurso do Sr. Presidente do Ministério estava ligado à moção do Sr. Alberto Xavier (Apoiados), e o Sr. Alberto Xavier é uma pessoa altamente cotada: é o director geral da Fazenda Pública, e nunca foi senão republicano.
Apoiados.
Já pertenceu ao Partido Democrático. Nesse tempo tinha valor para S. Ex.ªs (Apoiados), e certamente lhe admitiam as moções.
Apoiados.
É mau o caminho por que S. Ex.ª vai, pois nós à provocação responderemos com provocação.
Apoiados.
E procede assim, não porque S. Ex.ª não tenha inteligência para compreender o que nós lhe dizemos, e com um pouco mais de estudo e preparação S. Ex.ª ficaria habilitado a entender-nos. Mas simplesmente procede assim porque S. Ex.ª, propositadamente, procura não nos compreender. A verdade,, porém, é que nós não estamos aqui a talar pròpriamente para os Ministros e para os colegas, mas sim para o País.
Apoiados.

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Em todo êste debate em volta da proposta do empréstimo há causas de profunda estranheza.
Reportemo-nos ao que só passou na comissão de finanças.
Todos os argumentos a favor da referida proposta foram já apresentados perante a comissão do finanças. Não foram só os Deputados Srs. Barros Queiroz, Alberto Xavier e eu que se opuseram aos termos dessa proposta, que lutaram contra o Ministro. Recordo mais, ao acaso, os Srs. Portugal Durão, Lúcio de Azevedo e Carlos Pereira, que defenderam os mesmos pontos de vista da oposição. O Ministro, todavia, não se convenceu e sobreste vê na sua opinião. Mas como novos argumentos não foram produzidos, nem no seio da comissão nem nesta casa do Parlamento, eu suponho que os Srs. Portugal Durão, Lúcio de Azevedo e Carlos Pereira conservam ainda os pontos de vista anteriormente manifestados.
Adejamos agora o que disse o Sr. Presidente do Ministério. Ouvindo S. Ex.ª com a máxima atenção, eu tive o cuidado de taquigrafar algumas das suas afirmações, e a elas me vou referir, acompanhando-as.
Em primeiro lugar, quem tem culpa de que o Parlamento não tenha feito nada há três meses? Quem tem culpa de que as constantes crises e perturbações governamentais impeçam o Govêrno de trabalhar e de apresentar o resultado dos seus trabalhos ao Congresso? Quem tem culpa de que as comissões não reunam? Porventura a culpa pode imputar-se às minorias?
Muitos apoiados.
Não, e o Sr. Presidente do Ministério, confessando que nada se tem feito, reconheceu implicitamente que a culpa é só sua e da maioria que o apoia.
Muitos apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério afirmou também que era preciso acabar com as aves agourentas.
Que quere isto dizer?
Pensa, porventura, S. Ex.ª que os defensores da proposta ministerial, alguns cheios duma autoridade apenas filha da sua ignorância (Apoiados), são mais patriotas do que aqueles que, com uma nítida visão dos acontecimentos, a combatem intransigentemente?
Somos nós os responsáveis de que o Sr. Presidente do Ministério tenha encontrado o câmbio baixo?
Muitos apoiados.
Acaso o nosso pessimismo não deriva e lògicamente da própria acção de S. Ex.ª?
Seremos nós as aves agourentas> simplesmente porque apontamos S. Ex.ª ao País como o único responsável da nossa ruína, pelo menos sob o ponto de vista cambial?
Muitos apoiados.
Fazendo uma invocação, que mais era dirigida à velha amizade do Sr. Barros Queiroz do que aos sentimentos dos oposicionistas da proposta em discussão, o Sr. Presidente do Ministério mostrou a necessidade de não estarmos aqui a fazer o jôgo dos monárquicos.
Mas quando é que os Deputados do Partido Nacionalista fizeram o jôgo dos monárquicos?
Muitos apoiados.
Quando?
Pois não temos nós marcado nitidamente a nossa atitude, atitude de inteira correcção e de absoluta independência?
Apoiados.
Que nos importa que num dado momento nos encontremos a defender a mesma tese com os monárquicos?
A nossa função não é a de abdicar das nossas ideas simplesmente porque os outros as têm semelhantes.
Apoiados.
A nossa função é defendê-las.
Apoiados.
Disse o Sr. Presidente do Ministério, Sr. Presidente, que não tinha dinheiro.
Mas isto não é um argumento para se fazerem todos os disparates; isto não é um argumento para abdicarmos do nosso direito.
Isto não pode ser assim, o de se chegar propositadamente ao fim e de nos dizerem: ou aprovamos esta proposta ou não há dinheiro para pagar aos funcionários.
Isto é tudo quanto há de mais intolerável e impróprio da dignidade parlamentar.
Apoiados.
Se não tem dinheiro, arranje-o, pois que é essa a sua função.
Se S. Ex.ª não tem dinheiro para pagar ao funcionalismo, arranje-o como quiser

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e puder; mas não venha dizer-nos que devemos votar esta proposta.
Sr. Presidente: as razões dos maléficos argumentos apresentados pelo Sr. Presidente do Ministério para nos convencer são na verdade para admirar, como por exemplo aquele em que S. Ex.ª diz que há pessoas que deixam de comprar cousas por isso que estão à espera da melhoria cambial.
E êste na verdade, Sr. Presidente, um argumento esmagador!
Já aqui se disse que o Sr. Ministro da Agricultura tem confiança, e quási a certeza de que o câmbio há-de chegar a 4, e que desde que êle chegue a 4, se pode perfeitamente acabar com o pão político.
Essa confiança ou essa certeza que S. Ex.ª tem de que o câmbio há-de chegar a 4, será muito boa para os ingénuos; porém, eu tenho quási a certeza de que o câmbio não melhorará com a aprovação desta proposta.
Disse também o Sr. Presidente do Ministério que nós, os republicanos, não devemos fazer política nesta questão.
Mas não se trata de fazer, política; o que nós desejamos é defender os interêsses do Estado.
Política fazem-na V. Ex.ªs, e tanto assim que não admitiram a moção mais cuidadosamente estudada que nesta Casa foi apresentada sôbre o assunto.
Apoiados.
Disse o Sr. Presidente do Ministério que compreende que aprovem ou rejeitem a proposta, mas que não compreende que se perca tempo.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer a S. Ex.ª que nunca o Partido Nacionalista fez obstrucionismo, antes pelo contrário, e o que se passou na comissão de finanças, mostrou bem o nosso procedimento.
O Sr. Alberto Xavier: — Temos guardado o maior segredo, pois, se assim não fôsse, poder-se-ia até ter dado uma crise ministerial.
O Orador: — Esta é que é a política que nós temos feito.
Nós estamos a defender o nosso ponto de vista, e isto no interêsse do País.
Apoiados.
Não desejamos discutir a proposta para que o País fique devidamente inteirado.
Apoiados.
Nós estamos aqui a defender os interêsses do País, e havemos de os defender.
Disse o Sr. Presidente do Ministério, ou melhor, dou a entender, que a forma por que se tem discutido a proposta, por vezes embora isoladamente, podia levar à conclusão do que os Ministros podiam parecer monos honestos.
Compreende-se, Sr. Presidente, a razão da afirmação do Sr. Presidente do Ministério, pois a verdade é que S. Ex.ª deseja que todos sejam da sua opinião, não admitindo que sejam de opinião contrária. Ora a verdade é que nunca ninguém dou a entender aqui que os Ministros eram menos honestos, pois a verdade é que eu não considero, nem posso considerar, menos honestos os homens que se sentam naquelas cadeiras.
Eu devo dizer mesmo que considero o Sr. Presidente do Ministério e o Sr. Ministro das Finanças dois verdadeiros homens de bem; porém, a verdade é que S. Ex.ªs vivem num campo onde há pessoas menos dignas, a que S. Ex.ªs apertam a mão.
Nós encontrando-nos em um campo diverso, deixando. cada um. entregue às suas próprias responsabilidades.
As nossos palavras, Sr. Presidente, não têm, nem podem ter, segundo sentido; e assim devo dizer, repito, que consideramos não só o Sr. Presidente do Ministério, como o Sr. Ministro das Finanças, como homens de bem, apesar das más companhias.
Examinemos esta afirmação.
Um dia, preguntámos ao Sr. Ministro das Finanças, qual era o câmbio a que êle pretendia fazer a emissão do empréstimo, e a conversão das libras em escudos.
Respondeu-nos que era a 6.
Preguntámos ainda: Mas V. Ex.ª pretende que isso fique expressamente consignado na lei?
Respondeu-nos que sim, e que teria de apresentar a emenda no Senado, para dar essa autorização ao Poder Executivo.
A seguir, fizemos ver o s inconvenientes disso, e então, espontaneamente, o Sr. Ministro das Finanças propõe à comissão de finanças aquela emenda que vem no parecer do Sr. Velhinho Correia.

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Sabem V. Ex.ªs qual foi a nossa resposta?
Que era pior a emenda que o soneto.
Alvitrámos que então era preferível a primeira fórmula, depois de mostrarmos os inconvenientes, e no emtanto agora a culpa é nossa, segundo diz o Sr. Presidente do Ministério!
E já exagerar as nossas culpas, é levar muito longe as afirmações!
A culpa é do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. relator.
Se se deixaram prender, é com êles.
Todavia, o Sr. Presidente do Ministério acha que é prisão de mais para o Sr. Ministro das Finanças, que o encargo efectivo máximo seja de 15 por cento, sinal de que entende que ainda devia ser mais.
Esta é a política desgraçada do Sr. Presidente do Ministério, esta é a política a que S. Ex.ª chama de saneamento da moeda, como poderia chamar-lhe política de cavar batatas:
Risos.
Afirmou o Sr- Presidente do Ministério que a larga discussão que teve o empréstimo se podia fazer. Plenamente de acôrdo.
A alguém que há momentos me interrogou nesta Câmara, sôbre quais seriam as características dum empréstimo que fôsse mais fácil de colocar do que o que propõe o Sr. Ministro das Finanças, respondi que seria aquele em que os encargos máximos fôssem de 30 a 40 por cento, e em. que a criatura que comprasse o título tivesse só de pagar o sêlo.
Risos.
E claro que, se estamos de acôrdo em que a propaganda da imprensa foi útil e o Sr. Ministro das Finanças vai colocar todo o seu empréstimo, isso não impede que digamos que S. Ex.ª tenha prestado um mau serviço ao País, e que aqueles que lá fora estão procurando defender opiniões contrárias não estejam prestando um bom serviço. Apoiados.
As pessoas que lá fora combateram o empréstimo são as que não querem, que o cambio melhore, são as que têm os seus rendimentos em ouro.
Outra daquelas afirmações coadas através dos lábios do Sr. Presidente do Ministério, sem com certeza ter nela meditado.
Não, Sr. Presidente! As pessoas que lá fora combateram o empréstimo, algumas delas — e eu falo por mim — têm tanto interêsse nisso como V. Ex.ª pode ter. E, se eu não tivesse a certeza que essa afirmação tinha sido pronunciada impensadamente, eu teria de a classificar como uma insinuação, respondendo com outra.
Então, diria. As pessoas que lá fora defendem o empréstimo são aquelas que, porventura, estando amarradas à circunstância de saberem que a sua colocação dava um lucro exagerado, asseguravam a si próprias êsse lucro.
Apoiados.
Sr. Presidente: é preciso demonstrar pelos modos à gente que lá fora trabalha, que sua, àqueles que sofrem tormentos para ganhar a vida, àqueles que vivem com uma compressão constante das suas necessidades, àqueles que vêem os filhos na miséria e sentem a revolta a nascer-lhes na alma, que os adversários políticos do. Sr. Presidente do Ministério são pessoas ruins P más, que querem a miséria do País!
S. Ex.ª quis lançar sôbre nós a cólera de todos os famintos do Portugal, e então eu terei de dizer, visto que uma arma só se inutiliza com outra, que S. Ex.ª estará conscientemente a entregar títulos a criaturas que amanhã hão-de especular com elos, no sentido de que o câmbio piore, para receberem mais proventos.
Então, tem de dizer que aqueles que defendem o empréstimo são os que querem a ruína e a miséria do País.
Mas, o Sr. Presidente do Ministério veio mais tarde, teimosamente, como teimosamente veio o Sr. Velhinho Correia, no seu relatório e no seu discurso, seduzir o Pais com as palavras inflacionista e deflacionista.
Eu tenho notado que, mesmo nas assembleas cultas, há um enorme amor pelo palavrão, e em apanhando uma palavra complicada a gosto, agarram-se a ela, e substituem as ideas pela palavra. O Sr. Presidente do Ministério substituiu as suas ideas dizendo que nós somos partidários de inflacionismo.
Mas, quem é que deu autorização para fazer essa afirmativa?
Onde é que ela foi feita?
Em que se fundam o Sr. Velhinho

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Correia e o Sr. Presidente do Ministério, para virem afirmar que nós é que desejamos o aumento da circulação fiduciária?
O Sr. Ferreira de Mira: — Quando S. Ex.ªs é que o desejam!...
O Orador: — Diz V. Ex.ª muito bem. Mas todas estas chicotadas na oposição têm apenas por objectivo permitir que no fim dêste mês se aumente a circulação fiduciária.
Apoiados.
Mas, é claro, quem são os inflacionistas, somos nós.
A argumentos respondo com argumentos, com a maior correcção.
Nós, os Deputados da oposição, não somos criaturas intransigentes e enquistadas na nossa maneira de pensar; temos, sim, determinados pontos de vista acêrca da proposta não podem não ser todas as vezes concordes com a opinião do Sr. Barros Queiroz.
Não é uma questão fechada para um partido; não há imposição para argumentar num determinado sentido. Nenhuma combinação há feita a êsse respeito.
Apoiados.
Eu penso que tenho argumentos ou razões o respondo com elas.
E é isto que nos revolta profundamente: porque é que o câmbio há-de melhorar?
O Sr. Velhinho Correia decretou, sponte sua, que o câmbio melhoraria.
Era doutrina assente nesta casa do Parlamento, pelo menos pela maioria, dos seus membros, que a quantidade de valores em circulação fazia deminuir o valor da moeda. Quere dizer: havia uma relação inversa entre o valor da moeda o a quantidade dê valores em circulação.
Êsses valores de troca, diremos, seriam notas, bilhetes de tesouro e, porventura, títulos de dívida do Estado.
Pregunto: mas se assim é, é preciso que nos demonstrem a quantidade de valores de troca.
Mas sabemos que o empréstimo não se cobrirá imediatamente.
Sabemos que a quantidade de valores em circulação será maior do que é agora; e então como melhorará o câmbio?
Como pode melhorar em face das teorias existentes?
Então, é ou não é caso do Sr. Ministro das Finanças acreditar que o câmbio há-de por fôrça melhorar?
Diz S. Ex.ª que toda a gente diz que a quantidade de notas em circulação não corresponde à quantidade de notas emitidas, e até se diz que uma das vantagens do empréstimo seria trazer paru a circulação essas notas.
E eu continuo a não compreender porque é que trazendo-se para a circulação essas notas, isso representa uma deminuïção da circulação fiduciária, melhorando o câmbio.
Êstes são os nossos argumentos, e as conclusões são as seguintes: que não é verdadeira essa afirmação quanto à quantidade de valores em notas.
Se o empréstimo valorizar a moeda, é deminuída a circulação fiduciária.
O câmbio então melhoraria.
Não compreendemos a política do Govêrno.
O Govêrno quere dizer qualquer cousa, e não lhe chega a língua.
Não estou a representai um papel prejudicial ao País.
Deve-se responder com outras, razões, e não dizer: os Srs. são partidários do inflacionismo.
Não estou de acôrdo tem as ideas do Sr. Ministro das Finanças.
E bom que frisemos mais uma vez êste ponto de vista.
E possível que haja criaturas que sejam partidárias der «quanto pior melhor».
Eu faço, porém, justiça aos adversários das instituições, acreditando que não serão êles que querem a ruína do País, porque a ruína da República arrasta a ruína do País.
O sentimento patriótico leva essas criaturas a lembrarem-se de que são portugueses; que antes de serem monárquicos, são portugueses.
Acima de tudo, não acreditamos que possa haver um representante entro homens que são republicanos e homens de bom que seja capaz de ser partidário dessa teoria.
Apoiados.
Fazem-nos uma injúria; o quando argumentem com essa circunstância, temos a dizer-lhes que há injúrias que são armas que necessàriamente vão ferir aqueles que as empregara.

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Temos dado provas de que não somos os defensores estrénuos da política partidária, levada ao extremo de não atender a que o País, como é nossa convicção, é mal sorvido com a aprovação desta proposta.
Apoiados.
O que exige o Sr. Alberto Xavier?
O mesmo respeito pelas nossas opiniões que temos pela opinião dos outros.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Sem isso estamos mal.
Som isso vamos por mau caminho.
Aceitamos porém a batalha, como no-la puserem.
Apoiados.
Com o nosso entusiasmo patriótico, o nosso verdadeiro republicanismo, não temeremos nem as vaias, nem os insultos, nem os gestos que ferem.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: o Sr. Cunha Leal, em quasi todo o seu discurso, referiu-se à minha pessoa.
Dada a categoria do S. Ex.ª, o dadas as circunstâncias que derivam, não só do assunto em discussão, mas também de algumas palavras que S. Ex.ª pronunciou, eu que, porventura, podia dispensar-me de usar da palavra, não o quero fazer neste momento.
Sr. Presidente: começo por responder às últimas palavras do discurso do Sr. Cunha Leal.
S. Ex.ª afirmou, se por acaso ouvi bem, que eu o tinha injuriado.
Declaro a V. Ex.ª e à Câmara que o Sr. Cunha Leal ver-se-ia em sérias dificuldades para citar quaisquer palavras que eu tivesse proferido e que pudessem representar para S. Ex.ª uma injúria.
Pôsto isto, Sr. Presidente, vou corroborar uma afirmação por ruim produzida nesta casa do Parlamento: «visto que é lícito haver flacionistas, não é menos lícito haver inflacionistas».
Até agora, ninguém considerou isso uma injúria ou uma falta de respeito individual.
As informações que tenho, e que julgo verdadeiras, porque quem mas deu não tem o propósito de estabelecer a menor intriga política, são de que, quando o então meu colega das finanças, foi ao seio da comissão de finanças explicar a razão por que, embora contra sua vontade, ia pedir o aumento da circulação fiduciária, S. Ex.ª defendeu a hipótese de se aumentar a circulação fiduciária em 1:000. 000$.
O Sr. Cunha Leal: — Quem afirmou isso a S. Ex.ª?
O Orador: — Mais de uma pessoa.
Não afirmo que o Sr. Cunha Leal tivesse feito uma tal afirmação, limito-me apenas a dizer o que me foi referido.
O Sr. Portugal Durão, Ministro das Finanças apresentou um quantitativo aumentando a circulação fiduciária.
Sr. Presidente: compreendo que, uma ou outra vez, os homens públicos se vejam obrigados a apresentar à análise do Congresso da República uma proposta de aumento dê circulação fiduciária, mas não quero isto dizer que não seja tempo de arrepiar caminho.
Eu invoco o testemunho do meu velho amigo Sr. Brito Camacho.
S. Ex.ª deve estar lembrado de que em 1912 se fez passar no Parlamento uma proposta de trezentos e mais artigos, sendo votada não em poucos dias, mas em poucas horas.
Sr. Presidente: esta proposta do empréstimo tem sido muito combatida, mesmo lá fora, mas isso nada justifica o combate que se tem feito e as afirmações que se tem produzido, e de que não são honestos os propósitos do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Moura Pinto: — Ninguém diz que são desonestos, mas sim ruinosos para o País.
O Orador: — Êsses argumentos são completamente aniquilados e destruídos.

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Tem-se recorrido à fantasia e tem-se formulado hipóteses que não são verdadeiras.
Chegou-se até o remoque de eu ter ido a um almoço em que se buliu na honra dos homens públicos...
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V. Ex.ª não considera muito o órgão dos seus correligionários, onde se insultam os adversários em termos que eu não ouso repetir.
O Orador: — Se eu fôsse fazer a história dos jornais muito teria que dizer.
Está presente, e bem perto de mim, um homem a quem eu muito respeito, o Sr. Brito Camacho, que, ao tratar-se da questão das Portas de Ródão, ao mesmo tempo que, em fundo, êsse jornal me tratava como eu devia ser tratado, logo nos sueltos eu era enxovalhado, e eu nunca disse que o Partido Unionista ou o Sr. Brito Camacho fossem, os responsáveis dessas grifadas.
O Sr. Moura Pinto (interrompendo): — Nesse tempo havia o jornal O Mundo, que era interessante ler-se.
O Orador: — Não vamos fazer a história do que lios jornais os republicanos têm dito uns dos outros. Eu arrepiei caminho, e nunca estive ao lado dêsses que nas colunas dos jornais usam de baixo palavriado.
Também no Congresso do Partido Nacionalista foi maltratado o meu Partido.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Aquelas criaturas que têm rendimentos em ouro não. lhes agrada o empréstimo; isto não quere dizer que o Sr. Cunha Leal tenha rendimentos em ouro, e, portanto, era dispensável que S. Ex.ª tentasse arrancar uma carapuça que ninguém lhe pôs.
Não tenho nenhuma má vontade contra qualquer membro desta casa do Parlamento, mas, como português e como Presidente do Ministério, cumpre-me defender o bem do País.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os àpartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: quando fui Ministro das Finanças as circunstâncias obrigaram-me a aumentar a circulação fiduciária por uma portaria, e depois essa situação foi aqui legalizada. Fui então inflacionista, como o Sr. Presidente do Ministério o é hoje.
Quando o Sr. Portugal Durão apresentou a proposta para aumento da circulação fiduciária preguntei a S. Ex.ª se tinha alguma medida financeira para cobrir o deficit de 400:000 contos, e S. Ex.ª respondeu que não.
Eu, a ter que aumentar a circulação fiduciária em 400:000 contos, teria feito êsse aumento de uma só vez, e não em quatro, cada uma de 100:000 contos.
O que fez o Govêrno?
Começou por chamar a si os 80:000 contos que eram destinados a obras de fomento e ao incremento das relações comerciais.
Agora vem pedir mais 200:000 contos.
Então era eu inflacionista, quando lembrava que se deveria aumentar logo a circulação fiduciária em mais 400:000 contos.
Não era inflacionista; era simplesmente um homem que tinha a previsão das cousas. Era menos prejudicial para o País ter-se logo aumentado a circulação em mais 400:000 contos do que aumentá-la só em 200:000 contos para depois se pedir, mais 200:000.
E a minha opinião! E as opiniões que tenho exponho-as sempre sinceramente, embora corra o risco de não ser compreendido.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Requeiro que a seguir ao projecto n.º 380, sôbre câmaras municipais, seja marcado para discussão antes da ordem do dia o projecto n.º 378.
O Sr. Presidente: — Como estamos em sessão prorrogada, o requerimento de V. Ex.ª só pode ser submetido à votação da Câmara depois de votada a proposta em discussão.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: no cumprimento das prescrições re-

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gimentais, começo por enviar para a Mesa a minha moção.
Antes de entrar nas considerações que vou apresentar à Câmara, quero declarar que estou convencido de que neste assunto não há preocupações políticas. Somos todos portugueses, e como portugueses devemos discutir uma proposta a que se liga o futuro do País, que é de nós todos.
Para que não se diga que me cega a paixão política, eu socorrer-me hei da opinião do estadista francês Ribot, para demonstrar a gravidade da votação que a Câmara vai fazer.
Em 13 de Setembro de 1914 foi autorizado o Govêrno Francês a emitir, por um decreto assinado pelo Sr. Viviani, então Presidente do Ministério, e pelo Sr. Ribot, Ministro das Finanças, bilhetes do Tesouro, que passaram a chamar-se contas da Defesa Nacional, sendo o juro de 3 1/2 por cento, pois nessa altura também os títulos de renda venciam o mesmo juro.
Não chegando, porém, a importância dêsses bilhetes a perfazer a quantia que se desejava, emitiram-se mais tarde novos bilhetes.
Mas o Sr. Ribot quis assegurar-se de que os portadores dêsses bilhetes não iriam exigir a importância no espaço estipulado do seu vencimento, e assim estabeleceu no artigo 1.º do decreto que autorizava essa emissão.
Mas há mais.
No mesmo ano, quando era necessária uma nova emissão de bilhetes do Tesouro, o Sr. Ribot, sempre com o cuidado de afastar êsse perigo, propôs uma nova emissão de bilhetes do Tesouro pelo decreto de 10 de Dezembro de 1914.
Quere dizer: todo o cuidado que o Sr. Ribot entendeu conveniente empregar, para que não pudesse haver o perigo de aparecerem os portadores dos bilhetes de Tesouro a exigir á importância dêsses bilhetes, foi decretado é regulamentado. Isto é o que faz quem não vai promover, pelas suas próprias mãos, a ruína do País.
O Sr. Ministro das Finanças vai levianamente buscar um perigo enorme, sobretudo numa situação como esta que atravessamos, em que o nosso deficit é enorme e a dívida externa é pavorosa.
É com o amor que tenho à minha terra que digo aos Deputados republicanos que é tempo de pensarem em evitar a ruína inevitável da Pátria Portuguesa.
O Sr. Presidente do Ministério disse que o Govêrno precisa de dinheiro. Se se votar esta impensada proposta ainda mais agravaremos a nossa paupérrima situação.
Eu pregunto se há espírito partidário ou amor a um regime que possa sobrepor-se à evidência dêste facto.
Não estou a fazer obstrucionismo, estou a citar factos, estou a discutir a proposta, aliás com o desejo de que me mostrem com argumentos convincentes que., não estou vendo bem o assunto.
Sr. Presidente: a falta de confiança nos Poderes Públicos constitui também um factor, e bem importante, da crise nacional.
Não há ninguém que de boa fé possa negar isso.
Pois bem!
Procura o Govêrno restabelecer a confiança como tudo aconselha a que o faça?
Não!
O Govêrno até concorre para que a situação subsista.
A prova disso está nas palavras aqui proferidas pelo Sr. Presidente do Ministério.
Foi S. Ex.ª quem veio dizer à Câmara que. se a proposta de empréstimo não fôsse votada, o povo faria justiça por suas mãos, pois que não lhe falta razão para o fazer.
E assim que fala o chefe do Govêrno.
Se em qualquer outro país um chefe do Govêrno tivesse a ousadia de assim falar, ver-se-ia forçado a pedir a demissão, pois ninguém consentiria que os destinos públicos continuassem entregues nas mãos do quem, por semelhante forma, evidenciava a mais absoluta incompetência.
Mas não é só o Sr. Ministro do Interior e Presidente do Ministério que diz inconveniências de tal jaez; também o Sr. Ministro do Comércio, segundo noticia um dos jornais de maior circulação no País, disse às comissões políticas do seu partido que, sendo necessário, êle não hesitaria em ir até a proibição dos seguros contra assaltos a estabelecimentos!
Como poderá haver confiança nos Poderes Públicos?

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E são êstes homens que querem salvar o País!
Sr. Presidente: a minoria monárquica há-de obstar por todos as formas a que se continue neste caminho desgraçado, por onde o Govêrno pretende levar a nação, que é o caminho da ruína inevitável.
Não somos ajudados por outras oposicões desta Câmara? Pouco importa! O País apreciará.
Combatemos a proposta de empréstimo porque estamos certos de que a sua aprovação é a ruína do País. Pouco nos importa que é Sr. Presidente do Ministério procure aniquilar a nossa oposição, chamando-nos inflacionistas. Somos nós os inflacionistas, nós que sempre combatemos os aumentos da circulação fiduciária!
De pouco ou nada vale o que se diga quando a par das afirmações não se possam apontar factos que os comprovem. Vejamos quem são os inflacionistas. Para que fim têm os Governos aumentado a circulação fiduciária?
Os Governos têm elevado sucessivamente a circulação fiduciária para obterem dinheiro que lhes permita ocorrer ás largas despesas do Estado.
Quem tem alargado essas despesas, e por forma tal que representam mais que esbanjamento, que representara uma loucura.
Os Governos da República. Quem tem permitido essa loucura aos Governos?
Têm sido os partidos da República. Nestas condições, a inflação é devida aos homens da República.
Pois o chefe do Govêrno acusa-nos a nós, minoria monárquica, de inflacionistas.
É extraordinário!
Mas — desengane-se S. Ex.ª — o País já está desiludido, e vai já fazendo justiça a quem a tem. De nada servem êsses subterfúgios.
De resto, não é o Govêrno que vem pròpriamente, pela proposta em discussão, propor um novo aumento de circulação fiduciária?
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tenho de interromper a sessão, para se reunir o Congresso.
Fica V. Ex.ª com a palavra reservada.
Está interrompida a sessão para reabrir logo depois de terminada a sessão do Congresso.
Eram 16 horas.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 37 minutos.
O Sr. Presidente: — A sessão continua às 21 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 21 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão da proposta do empréstimo.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: como há pouco ia dizendo à Câmara ponho inteiramente de lado a minha qualidade de monárquico, porque entendo que entre um perigo nacional, como é o da aprovação dêste empréstimo, uma catástrofe nacional, não pode haver, monárquicos, nem republicanos; só pode haver portugueses.
Êste empréstimo, era primeiro lugar, não traz ao Estado nada que se pareça com aquilo que o Estado supõe, pois não é mais do que a conversão da dívida flutuante em bilhetes do Tesouro, e o dinheiro que o Estado recebe pode não chegar para aquilo que os portadores venham a exigir.
Muito agradeceria ao Sr. Ministro das Finanças que S. Ex.ª se dignasse responder a duas preguntas que vou fazer.
1.ª Admite o Sr. Ministro a hipótese de. os portadores de bilhetes do Tesouro transformarem êsses titulos, que rendem 6 por cento, para estes, que dão 15 por cento?
2.ª Se admite essa hipótese, quais são os meios que S. Ex.ª vai empregar para evitar essa verdadeira catástrofe financeira?
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Se V. Ex.ª estivesse com atenção quando eu falei sôbre o emprés-

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timo, ficaria sabendo o meu modo de pensar.
V. Ex.ª sabe que todos os dias se está empregando dinheiro em bilhetes do Tesouro, porque ainda é o Estado que oferece maiores garantias. Não me preocupo, pois. Não tenciono lançar o empréstimo todo duma vez no mercado, mas sim por séries, exactamente para não facultar essa especulação que tanto alarmou um grande número de parlamentares que combateu o empréstimo, partindo do princípio de que o Ministro das Finanças ou é um mal intencionado ou é um parvo.
Só assim é que se compreende êsse ataque.
É intenção do Govêrno fazer essa emissão por séries, e nessa ocasião o perigo que se podia dar-se efectivamente o dinheiro empregado nos bilhetes do Tesouro não tivesse característica própria, só atingiria os bilhetes que tivessem o seu vencimento nessa ocasião. Mas isto é na pior das hipóteses, porque continuo tende a opinião de que quem tem dinheiro emprega-o em rendimentos que dão maior lucro.
O Sr. Carvalho da Silva sabe melhor do que eu, que infelizmente não tenho a dita do ser capitalista, que seria um mau administrador quem, tendo necessidade de realizar ràpidamente os lucros do seu dinheiro, o colocasse em bilhetes do Tesouro, pois toda a gente sabe que os altos dividendos que várias emprêsas particulares estão dando aos seus accionistas.
Não vejo portanto em minha consciência o perigo que tanto sobressalta o Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Mas V. Ex.ª não vê a necessidade do aumentar o juro aos outros títulos?
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Isso é um caso para ver depois.
O Sr. Carvalho da Silva tem também feito cavalo de batalha do argumento de que o juro dêsse empréstimo é de 15 por cento.
A êste propósito devo dizer a V. Ex.ª que é erróneo partir do princípio de que êsse juro é o mínimo, quando na realidade poderá ser o máximo.
O Orador: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças acaba de dar-me a mais absoluta e completa razão. S. Ex.ª, preguntando-lhe eu se não previa, a hipótese de ter necessidade de aumentar os juros da dívida flutuante, declarou que não podia dizer nada por agora, e que era um caso para estudar. Portanto S. Ex.ª é o primeiro a não contestar que êste facto venha a suceder, e conseqúentemente os encargos dêste empréstimo não serão só os que aqui estão mencionados, mas também os que indirectamente desta proposta resultam.
S. Ex.ª invocou com ironia, a minha qualidade, que S. Ex.ª supõe eu ter, de capitalista.
Direi a S. Ex.ª que sou um fraco capitalista, mas que no emtanto tenho de lidar fora desta casa com muitos capitalistas, e por isso mesmo é que eu posso garantir a S. Ex.ª que está absolutamente enganado quando faz a afirmação de que a aplicação em bilhetes do Tesouro é de natureza diversa.
Pode haver uma parte da dívida flutuante em que isso aconteça, mas a verdade é que a maior parte dessa dívida está nas mãos de pessoas que fazem a sua razão permanente. Mas como é então que o Sr. Ministro das Finanças pode ter essa confiança, e não pensa como Ribot, cuja autoridade financeira S. Ex.ª decerto não vai contestar.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças falou em que porventura as nossas considerações poderiam ferir S. Ex.ª, como demonstrativas de que nós pretendíamos afirmar do que S. Ex.ª era um mal intencionado.
S. Ex.ª não tem razão. Nunca S. Ex.ª ouviu dêste lado da Câmara uma palavra que pudesse feri Io pessoalmente, porque nós não seguimos os processos que adoptavam os Deputados republicanos no tempo da monarquia.
Não caluniamos os homens da República como os republicanos caluniavam a monarquia.
Não apoiados.
Mas já que S. Ex.ª falou em homens da monarquia, eu tenho de salientar aqui um facto de que, na minha qualidade de monárquico, muito tenho de orgulhar-me.
É que nesta questão do empréstimo, quando os republicanos querem ir buscar

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alguma opinião autorizada para fundamentarem a s lia argumentação, citam as opiniões dos homens do Estado da monarquia. E até como circunstância muito. especial a maior autoridade que é citada em assuntos financeiros é a opinião do Sr. conselheiro Anselmo de Andrade, Ministro da Fazenda da monarquia quando foi proclamada a República.
Assim está provado o grande êrro que para o País constituiu a proclamação da República.
Sr. Presidente: não me surpreende que nesta Câmara haja quem ria quando se discute um assunto desta magnitude, tratando-se de ânimo leve uma questão de tanta gravidade para o País. Depois da sessão de ontem já não há nada que me surpreenda.
Pela proposta em discussão o Sr. Ministro das Finanças tenciona seguir mais ou menos a orientação delineada na sua primitiva proposta, a não ser na parte referente ao encargo efectivo do empréstimo. E assim S. Ex.ª, marcando o câmbio conveniente à sua operação, espera obter nêste empréstimo cêrca de 134:000 e tantos contos.
Mas, ao mesmo tempo que S. Ex.ª procura chamar a si as notas, é inevitável que o agravamento cambial há-de ser considerável. Uma especulação extraordinária acompanhará com certeza a realização do empréstimo que começa já, como fàcilmente se depreende das últimas cotações, a, fazer surtir os seus efeitos. E aquilo que muitos julgam ser uma grande vantagem não passará, afinal, a ser mais do que uma das grandes desvantagens da operação.
O câmbio melhorou nestes últimos dois dias.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Sabe-se muito bem que temos de considerar como elemento de correcção a especulação que há-de haver em todos os sentidos.
No dia em que houver a certeza de que a máquina parou, está travada imediatamente, a febre da especulação.
O Orador: — Não tenho senão que felicitar-me pela interrupção do Sr. Velhinho Correia. As afirmações que acaba de fazer reforçam o que disse.
A desconfiança pública aumentará com o alargamento da circulação fiduciária. Pois é justamente neste momento que se apresenta uma medida que vem alargar a circulação fiduciária para 200:000 contos!
No momento em que se estuda a forma de fazer voltar à circulação muitas notas que estão recolhidas, é quando o Sr. Velhinho Correia diz que o câmbio pode melhorar!
Não tenho senão que agradecer-lhe o ter vindo S. Ex.ª reforçar com tanta autoridade as minhas palavras.
O Sr. Velhinho Correia: — É sempre o mesmo caminho para todos os àpartes.
O Orador: — Procura-se ocorrer à situação aflitiva do Estado. Sabe-se que o Estado não pode viver com as actuais despesas e então procede-se de maneira a agravar as despesas públicas, a aumentar a circulação fiduciária.
Daí resulta o agravamento do câmbio, o que por si só fará gastar ao Estado muito mais ouro do que a totalidade do empréstimo possa produzir.
Como consequência dêsse agravamento cambial, imagine-se -e esta hipótese não é nenhuma fantasia, é absolutamente fundada- que o câmbio desce a 1,5 por cento. O encargo que o empréstimo trará será então de 41:600 por ano.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — E quanto será nesse caso a desvalorização dos títulos que se encontram no Banco de Portugal?
O Orador — Estão constantemente a reforçar as minhas considerações. Quanto maior fôr o número de títulos emitidos, maior será o desastre.
O que é verdade, é que, se o câmbio baixar para 1,5 por cento, o encargo com o empréstimo será de 41:600 contos.
Interrupção do Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Orador: — E de 41:600 contos p encargo dêste empréstimo à divisa de 1,5 por cento.
Mas o Sr. Ministro das Finanças, como a Câmara acaba de ouvir, é o primeiro a admitir a hipótese que há-de ser realida-

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de a conversão de uma grande parte da dívida flutuante em consolidada, criando para isso novos títulos, e então sucederá que aumenta o juro da dívida fluctuante. Portanto, tem do transformar no dôbro o encargo com os juros do consolidado em comparação com o encargo actual.
O encargo com os juros do consolidado é de 41:600 contos, e, se se atender ao juro de 24 por cento, os encargos elevar-se hão a 24:000. Portanto, em vez de 41:600 contos, os encargos são de 65:600 contos.
O Estado vai receber 135:000 e tem de pagar anualmente 65:000 contos.
Pregunto, se uma operação destas é admissível, e se pode remediar a nossa situação?
Mas isto é ainda na hipótese de o Estado poder alcançar dos portadores o seu dinheiro. Mas suponhamos que não, que o Estado não dá aos portadores o empréstimo por esta quantia, e que os seus tomadores agravam o câmbio, o que pode suceder com a maior facilidade, e V. Ex.ª sabe que qualquer diferença cambial numa divisa 6 atinge hoje quási 100 por cento. Assim o Estado, que podia receber, por exemplo, 135:000 contos, receberia por sua vez o empréstimo ao par, ou sejam 268:000 contos.
E então, pregunto, qual é a catastroque nesta hipótese se prepara ao País?
V. Ex.ª compreende que o encargo aumentará.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — Não aumentará porque a circulação fiduciária influía.
O Orador: — Mas como é que V. Ex.ª deminuíria a circulação?
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Desde que se possa vender por cem, um título equivale a três.
O Orador: — É o critério do indivíduo que tenha pedido emprestado 200$, e que daí a dois anos está devendo 2. 000$.
Esta verdade é que ninguém é capaz de me contestar.
Mas temos mais. No artigo 4.º autoriza-se o Govêrno a substituir as inscrições que estão no Banco de Portugal por títulos.
Nós, sabendo qual é a situação do País sob o ponto de vista financeiro, preguntamos o que vem trazer á Câmara o Sr. Ministro das Finanças.
Uma proposta de liquidação do País.
Vozes da esquerda: — Não apoiado!
O Orador: — Apoiadíssimo! Melhor fora que os Srs. Deputados, que não concordam com as minhas afirmações, viessem refutá-las com argumentos e não se limitassem a fáceis «não apoiados"!
Eu sei que não falta dêsse lado da Câmara quem chame obstrucionismo a tudo. quanto seja impedir a realização de uma operação ruinosa para o País.
Não estou fazendo obstrucionismo! Trocam-se àpartes.
O Orador: — Acabaram-se todas as peias!
E o sectarismo político que leva alguns republicanos bem intencionados a êste caminho!
São necessárias duas cousas para que êste país se possa salvar.
O agravamento cambial é um dos males que afligem êste país; mas êsse mal, por sua vez, é causa doutros males. Não é uma causa primordial; é, sim, consequência da má administração do país, da desconfiança em que vive.
Uma vez reduzidas as despesas do Estado, logo o desequilíbrio orçamental será menor por essa razão. Mas para que a confiança pudesse realmente começar a existir era preciso que a divisa cambial fôsse melhorando, e isso concorreria para a deminuïção do desequilíbrio orçamental.
O remédio não tem de ser o remédio de contrair dívidas, como tenho ouvido apregoar, mas o do restabelecimento da confiança, porque êsse não traz encargos para o Estado. Aumentar a divida é que não.
Defendemos êste princípio, e dentro da República quantos homens da própria República não terão vontade de o defender também! Mas à República, para defesa da República, é necessário a continuação das despesas, porque elas constituem a estrutura da sua própria vida.
Não há possibilidade de se resolver o problema nacional, porque a República

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só quere continuar com essas despesas; há-de levar a país à ruína.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os «àpartes» foram revistos pelos oradores que os fizeram.
Moção
Considerando que a redução das despesas do Estado é a mais instante necessidade para uma possível melhoria de situação financeira;
Considerando que a proposta em discussão aumenta consideràvelmente essas, despesas, tornando ainda mais grave a angustiosa crise que aflige o país;
Considerando que a mesma proposta contribui poderosamente para o descrê? dito do Estado e da nação;
Considerando que o alargamento da circulação fiduciária nela incluído agravaria por forma considerável a divisa cambial:
Considerando que a criação de bons de dívida subsidiária emitido pelo Estado representa um perigoso precedente;
Considerando que da aprovação das disposições contidas no mesmo parecer resultaria uma maior especulação cambial;
Considerando ainda que as disposições do parecer n.º 424, uma vez aprovadas, provocariam de facto a conversão da maior parte da dívida flutuante em títulos do novo fundo proposto, com encargos muito maiores para o Estado;
Considerando que dessa conversão, de facto resultaria uma situação financeira verdadeiramente calamitosa, a Câmara passa à ordem da noite.
Sala das Sessões, 21 de Março de 1923. — O Deputado, Artur Carvalho da Silva.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: praticou-se esta madrugada pá Câmara um acto grave: a moção do meu ilustre correligionário Sr. Alberto Xavier foi rejeitada na sua admissão.
£ O que era essa moção e o que foi que o ilustre Deputado apresentou? Nessa mo-, cão não se diz uma palavra contra os interêsses do País, não se feriu o prestígio da República, nem o do Poder Legislativo, nem a Constituïção, nem, qualquer pessoa desta Câmara ou fora dela.
Apoiados.
Nessa moção estabelece-se a doutrina quanto a matéria financeira, e principalmente respeitante à que se estava discutindo.
Não havia, portanto, motivo nenhum pelo qual pudesse ter sido rejeitada pela maioria a sua admissão. Apoiados.
O Sr. Alberto Xavier é um antiga republicano, um antigo parlamentar, parlamentar estudioso. Bastaria esta condição, se outra não houvesse, para mostrar a sua competência na matéria que estava versando, mas ainda outras provas em outras sessões legislativas da sua competência tem elo dado exuberantemente.
Quis, portanto, a maioria agravar aquele ilustre Deputado, e tanto mais quanto é certo que a maioria adoptou um procedimento muito diverso para com o Sr. Carvalho da Silva, admitindo a sua moção.
O procedimento da maioria, Sr. Presidenta, é tanto mais para lamentar quanto é certo que se trata dum antigo Deputado, antigo republicano, membro da comissão de finanças e director da Fazenda Pública, razões estas que deviam ter levado a Câmara a não deixar de admitir a moção apresentada por S. Ex.ª
Assim, Sr. Presidente, falando em nome dêste lado da Câmara, que disso me encarregou, tenho a honra de dizer à maioria que todos nós, isto é, todo o Partido Nacionalista se julga igualmente agravado com a atitude de agravo feito a êste seu correligionário o Sr. Alberto Xavier.
São apoiados da maioria e apoiados da minoria.
Não há apoiados ou não apoiados; o que há é a significação dos factos.
Apoiados.
A maioria nunca devia, ter deixado de admitir a moção do Sr. Alberto Xavier, e assim, repito, o agravo feito a êste nosso correligionário tem de se reflectir, como não pode deixar de ser, em todo o Partido Nacionalista (Muitos apoiados da minoria, pois a verdade é que a moção não era ofensiva das normas ou preceitos constitucionais, nem agravava quem quer que fôsse, razões mais que suficientes para levarem a maioria a admiti-la.
Quis, Sr. Presidente, o destino que eu fôsse o escolhido para fazer esta declaração em nome da representação parlamentar nacionalista.

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Sondo eu um dos que mais tem trabalhado nesta Câmara, lastimo profundamente a atitude assumida pela maioria, e, para terminar, tenho a dizer que sentindo-se o Partido Nacionalista, a que tenho a honra de pertencer, agravado pelo que acaba de ser feito a um dos seus correligionários, êle não poderá para o futuro continuar a manter com a maioria as relações cordiais que tem mantido até hoje, nem a colaborar com ela emquanto satisfação não lhe fôr dada, e bem assim ao ilustre Deputado e sou correligionário o Sr. Alberto Xavier.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bom.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos, Pereira: — Agravados estamos nós pela atitude assumida pelo Partido Nacionalista, que impediu que um dos seus membros continuasse colaborando, nos trabalhos da sua comissão de finanças.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para falar em nome dêste lado da Câmara a propósito do incidente levantado há pouco pelo ilustra Deputado Sr. Ferreira de Mira, pelo facto de não ser admitida a moção do Sr. Alberto Xavier e para fazer a seguinte declaração: não houve da minha parte, nem da parte dos meus colegas dêste lado da Câmara, qualquer propósito de agravar o Partido Nacionalista.
As relações amistosas que o Partido Nacionalista entende dever ter com êste lado da Câmara são realmente de considerar para os altos interêsses da República que aqui defendemos, e não desejamos de maneira nenhuma que se diga que o facto que ontem aqui se passou representa qualquer agravo da nossa parte. Êsse facto deu-se, não por nossa causa, mas sim devido ao Sr. Alberto Xavier, porque S. Ex.ª excedeu os limites da paciência desta casa do Parlamento.
S. Ex.ª, em vez de fazer um discurso, fez afirmações ditas e reditas nesta sessão e em outras, apresentando sempre os mesmos argumentos e factos, simplesmente no propósito de demorar e fazer obstrucionismo.
S. Ex.ª tinha o direito de ser atendido e ouvido por toda a Câmara.
Fui eu uma das pessoas, embora não tenha relações de intimidade com S. Ex.ª, que, se puseram a seu lado ouvindo-o com toda a cautela e tomando, notas para responder às acusações do nosso colega.
Durou a minha paciência umas duas ou três horas, mas a paciência no caso desta noite excedeu os limites e se por acaso tivéssemos de ir a um tribunal pura resolver êste caso, a razão estaria por nosso lado.
Quem invoca o respeito da considerar, cão dos outros, tem de respeitar primeiramente os outros, e o que ontem aqui se passou não é de molde, repito, a que êste lado da Câmara ficasse impassível a êsse discurso de cinco horas e meia, que outra cousa não era senão a reeditação da mesma cousa urnas poucas de vezes.
Foi por isso que a Câmara determinou logo a rejeição da admissão dessa moção, e que não representa qualquer agravo para aquele lado da Câmara.
De resto, deixem-me dizer que, há tempo, um nosso colega da maioria apresentou uma moção que foi rejeitada por aquele lado, da Câmara, e quando, dêste lado se levantaram protestos a resposta foi que isso. não representava agravo pura a maioria, pois que havia apenas uma discordância entre êsse Sr. Deputado e alguns membros daquele lado da Câmara.
Termino afirmando mais uma vez que não houve, de forma nenhuma, o propósito de agravar a minoria nacionalista, mas tão somente o de manifestar o sentimento., recebido, por um discurso de cinco horas com matéria arrastada.
O discurso, será publicado na íntegra revisto, pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pedro Pita: — Era minha intenção não usar da palavra, quando ela me. chegasse, mas como a Câmara resolveu que só falasse quem estivesse inscrito e êste lado da Câmara tem considerações a fazer, não posso deixar de aproveitar o

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ensejo para apresentar essas considerações.
O Govêrno habilidosamente atirou para cima da comissão de finanças a responsabilidade da situação desgraçada em que se encontram os funcionários públicos. A comissão de finanças procurou constituir uma sub-comissão, para a qual nomeou um colega, que pertence à minoria nacionalista, que, por ser activo e sabedor, ia fornecendo à comissão um trabalho muito apreciável.
O directório do Partido Republicano Nacionalista, que não tem voz nesta Câmara, entendeu que o Partido não podia compartilhar dessa responsabilidade nem cooperar em tal obra de mistificação, a que a maioria e o Govêrno conduziam os seus correligionários, pelo que lealmente a êstes fez sentir que havia quem estivesse a abusar da sua situação e era necessário deixar êsses trabalhos,
Nunca pode ser tomado como agravo o lacto de determinado partido só afastar de qualquer trabalho.
Os factos são tão recentes que não é necessário um grande esfôrço de memória para recordar que, de há tempo, o Sr. Alberto Xavier, que é um parlamentar inteligente e trabalhador, é tratado com menos consideração por a maior parte dos Srs. Deputados da maioria.
Muito bem. Se os parlamentares entendem que lhes fica bem acatar com menos consideração o seu colega, nós, seus correligionários, também entendemos que não é digna essa acção, e temos de considerar como um agravo feito ao nosso Partido (muitos apoiados das bancadas nacionalistas) um agravo feito a um dos seus membros.
O Sr. Alberto Xavier, ontem, convencido como está que o empréstimo é uma operação rumosíssima para o Tesouro Público, declarou de facto, em família, diante dos seus correligionários que faria quanto pudesse para obstar a que o empréstimo fosse votado.
Sr. Presidente: é absolutamente legal que um parlamentar, estando convencido que um empréstimo é uma ruína para o seu País, afirme que há-de fazer tudo o que em suas fôrças caiba para o evitar.
Muitos e vibrantes apoiados das bancadas nacionalistas.
O Sr. Velhinho Correia (apatete): — Isso é imoral.
O Orador: — Sr. Presidente: imoral é afirmar-se urna competência que não se tem; isso é que é imoral.
Muitos apoiados.
A declaração que o Sr. Alberto Xavier fez, no uso pleno dum direito, teve o condão de irritar a maioria, acostumada como está a ser o posso, quero e mando.
Muitos apoiados do centro.
Daí, Sr. Presidente, o propósito de esgotar a capacidade da palavra do Sr. Alberto Xavier, usando dos meios parlamentares de que se podia servir.
Mas o Sr. Alberto Xavier foi um pouco mais longe do que se supunha, porque o seu estudo sôbre a matéria era profundo, — e afiançaram-me pessoas autorizadas porque eu não estive cá — que êsse seu discurso tinha sido realmente feito com conhecimento de causa, com estudo, sem repetições nem obstrucionismo.
Não apoiados da esquerda e muitos apoiados do centro.
Mas, pelos modos, pretendeu-se evitar que S. Ex.ª fôsse mais longe do que se supunha e em consequência disso cortaram-lhe o discurso frequentemente com àpartes impróprios do Parlamento, e no fim, para completar a obra, rejeitaram a admissão da moção, que não continha um agravo e não era senão uma afirmação de princípios.
Quere a maioria que a minoria nacionalista não tinha que sentir-se, mas ela tinha, de facto, de sentir-se.
E assim, como disse o Sr. Ferreira de Mira, esta minoria não quere mais as condições de boa paz com a maioria.
Sr. Presidente: não pode, de facto, a minoria nacionalista nesta Câmara, emquanto se mantiver de pé o agravo feito a um dos seus mais ilustres membros, manter qualquer espécie de relações cordiais com a maioria.
E nestas condições, para que nos façam o mesmo quando porventura os papéis, se invertam, ainda bem que nós sentimos — apesar de haver alguém, muito chegado ao Partido Democrático, que afirma que não há moralidade,- um pouco de pudor para vir a esta Câmara repelir, em termos que o fa-

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zemos, o agravo feito a um dos nossos mais ilustres correligionários.
Tenho dito.
Vozes da direita: — Muito bem! muito bem!
O orador não reviu.
Em seguida o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Srs. Cancela de Abreu e Barros Queiroz, que se não adiavam presentes.
Moção
A Câmara, reconhecendo que é ofensiva dos preceitos regimentais a proposta em discussão, por isso que, contra a letra expressa do artigo 79.º do Regimento desta Câmara, se abrange nela matérias que não têm entre si íntima ligação, tais como: a emissão de um fundo consolidado da dívida pública pretensa e nominalmente em ouro e do juro de 6 e meio por cento; a substituição pelos títulos dêste novo fundo das inscrições depositadas em caução no Banco de Portugal; o aumento em mais dê 200:000 contos da circulação fiduciária; a conversão em ouro da prata desamoedada e a emissão da nova moeda subsidiária além das actuais cédulas; reconhecendo, designadamente quanto ao empréstimo dos pretensos quatro milhões de libras que as condições da emissão, a taxa usurária do juro efectivo nunca inferior e possivelmente superior a 15 por cento, o prazo largo da inconvertibilidade e as onerosas comissões e despesas de propaganda e colocação, são nocivas e- absolutamente ruinosas; reconhecendo mais que, pela proposta em discussão, não só se não alcança o fim principal declarado, qual é a melhoria cambial, antes dela há-de resultar forçosamente o agravamento do ágio; e reconhecendo finalmente que importa fazer com urgência inadiável uma forte redução das despesas públicas, sem a qual se caminha para a bancarrota: continua na ordem do dia.
Sala das sessões, 20 de Março de 1923. — O Deputado, Morais Carvalho.
Admitido.
Rejeitado.
Moção
A Câmara dos Deputados da República Portuguesa, considerando que a proposta de lei em discussão criando um novo fundo consolidado de dívida pública, vem ao encontro da necessidade impreterível de equilibrar as contas públicas;
Considerando que Portugal é o único País beligerante da Grande Guerra que não fez ainda um empréstimo interno, provindo dêste facto consequente da instabilidade dos Governos, do Parlamento e da ordem pública, grande parte das dificuldades da sua gestão financeira.;
Considerando que a aprovação da referida proposta conduz ao desaparecimento de deficit orçamental e portanto do recurso condenável do aumento da circulação fiduciária, faltando mesmo aos Governos os meios de iniciar, quando as circunstâncias aconselharem, um moderado e prudente movimento de deflação;
Considerando que a compressão das despesas porfiada e energicamente praticada pelo actual Govêrno até com sacrifício de primaciais serviços do Estado (funcionários das repartições de finanças, estradas, transportes, pôrtos marítimos e outros) concorre já em apreciável proporção para o equilíbrio das contas do Tesouro;
Considerando que o deficit orçamental e o consequente alargamento da circulação monetária são as principais causas da carestia da vida que assoberba a população; e reconhecendo que a campanha formal que lá fora fazem os partidários da inflação concorre para adensar a atmosfera de desconfiança que ameaça envolver o crédito público, tornando deploràvelmente instante a realização desta operação financeira, resolve dar ao debate a sua mais esforçada colaboração e passa à ordem do dia.
Sala das sessões, 13 de. Março de 1923. — Jaime de Sousa.
Aprovada.
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a questão prévia do Sr. Cunha Leal.
Lida na Mesa a questão prévia, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Jaime de Sousa.
Lida na Mesa a moção foi aprovada.

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O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Morais Carvalho.
Lida na Mesa a moção, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a proposta na generalidade.
O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Requeiro votação nominal.
Pôsto à votação o requerimento do Sr. Carvalho da Silva, foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada para a votação nominal.
Em seguida procede-se à chamada.
Disseram aprovo 59. Rejeito 6.
São os seguintes:
Disseram «aprovo":
Abilio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirílo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá pereira.
Plínio Octávio Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henrique Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito":
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Artur de Morais de Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
João de Ornelas da Silva.
Juvenal Henrique de Araújo.
Manuel Brito Camacho.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 59 Srs. Deputados e «rejeito» 6. Está portanto, aprovada á proposta na generalidade.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Amanhã há sessões, diurna às 14 horas e nocturna às 21 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da Ordem do dia (com prejuízo dos oradores que já se inscreveram):
Parecer n.º 380, que fixa as percentagens adicionais ás contribuições directas do Estado que constituem o imposto directo a favor dos corpos administrativos:

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(Sem prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Parecer n.º 350, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo até 500. 000$ para a construção da Escola Industrial de Bernardino Machado dá Figueira da Foz.
Parecer n.º 378, que modifica disposições da lei de Separação das Igrejas do Estado.
Parecer n.º 303, que autoriza a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Régua a avaliar os prédios oferecidos pelos sócios para constituição do seu crédito.
Parecer n.º 205, que dispensa de novo concurso para a promoção os aspirantes de finanças que possuam o curso a que alude a alínea a) do n.º 8.º do artigo 65.º do decreto n.º 5:524; de S dê Maio de 1919.
Parecer n.º 160, que aplica aos funcionários municipais das colónias que em gozo de licença foram à terra da sua naturalidade, na metrópole ou noutra colónia, as disposições actualmente em vigor para os funcionários do Estado em igualdade de circunstâncias.
Parecer n.º 284, que autoriza a nomeação de segundo assistente definitivo do 2.º grupo dá segunda secção da Faculdade de Sciências da Universidade dê Lisboa o actual segundo assistente contratado João Rocha.
Ordem do dia:
Parecer n.º 424, que autoriza é Govêrno a contrair um empréstimo interno em ouro, até quatro milhões esterlinos.
Parecer n.º 411-(a), Orçamento do Ministério do Interior.
Parecer n.º 411-(b), Orçamento do Ministério do Comércio.
Sessão nocturna; — Ordem da noite:
A do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 23 horas e 25 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projectos de lei
Do Sr. Tôrres Garcia, mandando passar aos quadros auxiliares a considerar permanentemente supranumerários os oficiais milicianos de artilharia, engenharia e do serviço do administração militar actualmente em serviço.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. João Bacelar, para que seja lançado sôbre o imposto de transações e cobrado juntamente com êste, no distrito de Coimbra, o adicional de 4 por cento e entregue à comissão administrativa da maternidade.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Tavares de Carvalho, Cortês dos Santos e António Mendonça, substituindo por outras as alíneas a) e c) do artigo 189.º do § 2.º do decreto n.º 3:919, de 28 de Fevereiro de 1918.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Ornelas da Silva e João Mealha, modificando é regulamento predial em vigor.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Pedro Pita, contando a antiguidade, para todos os efeitos, desde 1917, aos alferes do serviço da administração militar que no ano de 1915 foram promovidos à êstes postos.
Para o «Diário do Govêrno».
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, declarando não se aplicável à Direcção Geral de Estatística o disposto no artigo 33.º da lei n.º 1:355, de 15 de Setembro dê 1922.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de estatística.
Para o «Diário do Govêrno».
Do mesmo, elevando a 30. 000$ em cada ano económico a quantia de 5. 000$ constante do artigo 283.º do decreto n.º 4:560, de 8 de Julho de 1918.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Presidente do Ministério, revogando o disposto no § 2.º do artigo 32.º da lei n.º 1:355, de 15 de Setembro de 1922.
Para o «Diário do Govêrno».

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Dos Srs. Ministros do Interior e das Finanças, abrindo um crédito especial, a favor do Ministério do Interior, da quantia de 815. 000$ para pagamento de trabalhos extraordinários ao pessoal das oficinas e aquisição de papel de impressão para a Imprensa Nacional de Lisboa.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de estatística, sôbre o n.º 460-A, que autoriza o abono para serviços extraordinários na Direcção Geral de Estatística.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de agricultura, sôbre o n.º 423-D, que autoriza o Govêrno a modificar as disposições legais relativas à exportação de mercadorias e a constituição da Junta do Fomento Agrícola.
Para a comissão de comércio e indústria.
Da comissão de instrução superior, sôbre o n.º 444-D, que extingue o lugar de porteiro do Observatório Astronómico da Faculdade de Sciências da Universidade de Lisboa, e criando um lugar de servente.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de marinha, sôbre o n.º 393-A, que aumenta os subsídios de embarque e auxílio de rancho, constantes das tabelas 4 e 10 do decreto n.º 5:571, de 10 de Maio 1919.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 310-I, que determina que a alienação dos bens das Juntas Gerais dos Distritos Autónomos seja sempre feita em hasta publica.
Imprima-se.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 373-C, que promove a alferes para o quadro auxiliar do serviço de engenharia vinte sargentos ajudantes e primeiros sargentos.
Imprima-se.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 410-E, que cria os lugares de segundos comandantes dos batalhões n.ºs 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 8 da Guarda Nacional Republicana
Imprima-se.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 410-B, que reforça com a quantia de 20. 000$ a verba inscrita no orçamento do Ministério das Finanças, para pagamento ide ajudas de custo ao pessoal encarregado da inspecção e fiscalização das tesourarias.
Para a comissão do Orçamento.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida uma cópia da representação dirigida pela Câmara Municipal do concelho da Calheta, ilha de S. Jorge, ao Exmo. Ministro da Justiça, solicitando que a metade dos emolumentos judiciais que revertem a favor do Estado passem a constituir receita da Câmara Municipal, visto ser esta que paga o ordenado aos magistrados em serviço neste julgado municipal.
Sala das sessões, 21 de Manco de 1923. O Deputado, João Ornelas da Silva.
Expeça-se.
Os REDACTORES:
1.ª parte — João Saraiva.
2.ª parte — Sérgio de Castro.

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