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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 58
EM 10 DE ABRIL DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Paulo da Costa Menano
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Expediente.
Antes da ordem do dia (continuação da discussão do parecer n.º 380). — O Sr. Presidente anuncia que está em discussão um artigo novo apresentado pelo Sr. Tôrres Garcia.
Usa da palavra o Sr. Nunes Loureiro que envia para a Mesa uma proposta de substituição.
É admitida.
O Sr. Tôrres Garcia defende a sua proposta.
Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Almeida Ribeiro retira as propostas que apresentara.
O Sr. Presidente do Ministério manda para a Mesa uma proposta de lei.
É autorizada a comissão de finanças a reunir na próxima quinta-feira durante a sessão.
O Sr. Nunes Loureiro requere, e é aprovado, prioridade para uma proposta da sua iniciativa.
Procede-se a votações, sendo aprovado o artigo novo do Sr. Tôrres Garcia e uma proposta de substituição do § único do Sr. Nunes Loureiro.
É lido na Mesa e admitido um artigo novo, do Sr. Alves dos Santos.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Alfredo de Sousa, sendo em seguida aprovado o artigo novo do Sr. Alves dos Santos.
Lê-se na Mesa um artigo novo apresentado pelo Sr. Alberto Cruz.
É admitido.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Almeida Ribeiro e Alberto Cruz.
O Sr. Presidente anuncia que vai passar-se à ordem do dia.
Ordem do dia. — Aprovada a acta, o Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pela morte do antigo Deputado Sr. António Maria Carneiro Pacheco.
Associam-se a êste voto os. Srs. Carvalho da Silva Almeida Ribeiro, Ferreira de Mira, Lino Baltasar Neto e Ministro da Guerra, sendo aprovada em seguida a proposta do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente propõe que na acta se lance um voto de sentimento, pela morte do pai do Sr. João Luís Ricardo.
Os Srs. Manuel Fragoso, Ferreira de Lima, Carvalho da Silva e Lino Neto, associam-se a êste voto que é em seguida aprovado.
O Sr. Presidente rememorando a data de 9 de Abril de 1918, propõe que a Câmara guarde silêncio por dois minutos em homenagem aos mortos no combate dêsse dia histórico.
Usam da palavra os Srs. Carlos Pereira, Joaquim Ribeiro, Morais de Carvalho, Ferreira de Mira, Lino Neto, Jaime de Sousa, Tôrres Garcia, Homem Cristo, Pires Monteiro, Brito Camacho e Fernando Freire (Ministro da Guerra), sendo aprovada em seguida a proposta do Sr. Presidente.
Terminada a manifestação, prosseguem os trabalhos da Câmara, sendo concedidas algumas licenças e autorizações pedidas.
O Sr. Presidente dá conhecimento à Câmara de uma carta do Sr. Pinto da Fonseca, pedindo a demissão colectiva da comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Usa da palavra, para explicações, o Sr. Pedro Ferreira.
É lida na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro do Comércio.
São admitidas à discussão algumas proposições de lei.
Usam da palavra para explicações os Srs. Almeida Ribeiro, Joaquim Ribeiro, Morais Carvalho, Pedro Pita, Carvalho da Silva, Almeida Ribeiro e Sá Pereira.
O Sr. Presidente consulta a Câmara, sôbre o pedido de demissão da Comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Não é aceita pela Câmara a demissão pedida.
O Sr. Carvalho da Silva (em negócio urgente), ocupa-se do decreto sôbre lucros ilícitos.
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Diário da Câmara dos Deputados
Responde-lhe o Sr. António Maria da Silva (Presidente do Ministério).
Usa ainda da palavra para explicações o Sr. Carvalho da Silva.
Antes de encerrar a sessão. — O Sr. Paulo Menano reclama do Sr. Presidente do Ministério providências no sentido de se dar rápido andamento a um processo de sindicância à Policia Cívica de Lisboa.
Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério, sendo em seguida encerrada a sessão, depois de o Sr. Presidente ter marcado a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.
Presentes 44 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Resende.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
onstâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Fernando Augusto Freiria.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
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Sessão de 10 de Abril de 1923
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou-se a fazer a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 44 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério das Colónias, para serem introduzidas no orçamento para 1923-1924 umas alterações que indica.
Para a comissão do Orçamento.
Do mesmo, enviando Boletins Oficiais da Provinda de Angola, pedidos para o Sr. Baltasar Teixeira, em ofício n.º 188.
Para a Secretaria.
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Do Ministério da Instrução, respondendo ao ofício n.º 217, que transmitiu o requerimento do Sr. Sampaio Maia.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal da Marinha Grande, pedindo uma alteração ao artigo 7.º do projecto de lei, sôbre corpos administrativos.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Boticas, pedindo deferimento à representação da Comissão Executiva do Congresso Municipalista de 20 de Dezembro de 1922.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Faro, protestando contra a substituição da designação da antiga Rua das Trinas, por Rua Sara de Matos.
Para a Secretaria.
Da Sociedade Nacional de Belas Artes, enviando bilhetes para Deputados e funcionários do Congresso poderem assistir à inauguração da 20.ª Exposição do Belas Artes.
Para a Secretaria.
Da Junta de Freguesia de Vale da Porca, acompanhando cópia da acta da sessão de 8 de Janeiro, pedindo a construção de um cemitério e de uma casa de escola.
Para a comissão de instrução pública.
Do Ministério do Interior, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 132, para o Sr. Sampaio Maia.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Justiça, enviando documentos pedidos para o Sr. Pedro Pita, em ofício n.º 295.
Para a Secretaria.
Do mesmo, acompanhando os documentos pedidos em ofício n.º 293, para o Sr. João de Ornelas da Silva.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.º 97, relativo ao requerimento do Sr. Morais de Carvalho.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Cancela de Abreu e comunicado em ofício n.º 128.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, enviando os documentos pedidos em ofício n.º 145, para o Sr. Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviando documentos requeridos pelo Sr. Jaime de Sousa e pedidos no ofício n.º 60, de 9 de Janeiro.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Ribeira Brava e da Ponta do Sol (Ilha da Madeira), protestando contra qualquer projecto de lei, modificando o regime sacarino, por ser prejudicial à agricultura.
Para a Secretaria.
Dos antigos reformados pensionistas do Minho e Douro, pedindo para ser patrocinado o projecto melhorando a sua situação material.
Para a Secretaria.
Dos Srs. Barreto Nogueira, Rodrigues Almeida, Silva Pereira, Caeiro Monteiro, Guerreiro Granizo e Vilela Nunes, de Beira (África Oriental), comunicando ter sido aprovada em reuniões públicas a passagem daquele território para a administração do Estado, condenando a administração da Companhia de Moçambique.
Para a Secretaria.
Bilhete postal
Do Sr. Nuno Simões, com lembranças para os seus colegas.
Para a Secretaria.
Ofícios
Da comissão delegada das assembleas gerais da Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa, convidando o Sr. Presidente a assistir a uma reunião.
Para a Secretaria.
Ofício da Federação Nacional das Cooperativas, pedindo para ser dado para or-
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dem do dia o projecto de lei de protecção ao cooperativismo.
Para a Secretaria.
Do Sr. Miguel Alpoim de Agarreta agradecendo o voto de sentimento pelo falecimento do antigo Deputado, seu pai.
Para a Secretaria.
Do Sr. Juiz Sindicante aos Transportes Marítimos do Estado, pedindo autorização para depor o Sr. Domingos Cruz.
Comunique-se que êste Sr. não é Deputado.
Representações
Da Sociedade Portuguesa de Medicina Veterinária, considerando inoportuna a supressão do Ministério da Agricultura, e pedindo para ser ouvida na hipótese de qualquer reorganização de serviços.
Para a comissão de reorganização dos serviços públicos.
Da Câmara Municipal, de Vila Franca de Xira, pedindo que o projectado traçado da linha férrea de Peniche ao Carregado tenha antes o seu terminus na estação de Vila Franca.
Para a comissão de caminhos de ferro.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 60 Srs. Deputados. Continua em discussão o parecer n.º 380. Está em discussão o artigo novo da autoria do Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Nunes Loureiro: — Sr. Presidente: concordo, em princípio com a proposta do artigo novo apresentada pelo Sr. Torrês Garcia.
Todavia, discordo do quantitativo que se pretende estabelecer para a tributação a lançar às companhias de seguro, pois que se me afigura que elas não poderiam exercer a sua indústria, se as câmaras municipais lançassem a totalidade da percentagem. Ora, trata-se de interêsses que são de respeitar, tanto mais que, os próprios proprietários seriam prejudicados, visto que não poderiam segurar os seus bens.
Sr. Presidente: não há dúvida de que as próprias companhias de seguros são as mais interessadas em que as câmaras municipais tenham um serviço de incêndios bera organizado: mas o que é verdade é que se pode conseguir êsse objectivo sem sobrecarregar demasiadamente as companhias.
Nestes termos, proponho que o § único da proposta do Sr. Tôrres Garcia fique assim redigido:
Proposta de substituição
Proponho que o § único do artigo novo proposto pelo Sr. Tôrres Garcia fique assim redigido:
§ único. As coletas a aplicar nos termos dêste artigo não excederão 10 por cento sôbre a importância dos prémios de seguros efectuados nos respectivos concelhos, sem excepção dos municípios de Lisboa e Pôrto, que continuarão a regular-se para êste efeito pela legislação anterior. — Nunes Loureiro.
Foi lida na Mesa e seguidamente admitida a proposta apresentada pelo Sr. Nunes Loureiro.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: sôbre o corpo do artigo que mandei para a Mesa, não pode haver dúvidas, porquanto é claro e evidente que às companhias de seguros deve caber uma cota parte da sustentação dos serviços de incêndios, já porque muito de perto diz respeito aos seus interêsses, já porque é também necessário reforçar as verbas de que os municípios dispõem para a manutenção dêsses serviços, mormente na época actual.
Apenas se suscitam dúvidas sôbre o § único, que determina o modus faciendi da aplicação da percentagem.
Digo eu no § único:
«As colectas a aplicar não excederão globalmente, a quantia de 10:000 escudos, excepção feita dos municípios de Lisboa e Pôrto, que continuarão a regular-se, para. êste facto, pela legislação vigente».
Quere dizer, marco um limite máximo e não uma percentagem fixa, que seria depois cobrada, organizando-se as companhias de seguros em prémios, distribuindo entre si essa cota parte.
O Sr. Nunes Loureiro apresentou uma fórmula que diz ser mais razoável, mas que não é tam prática como a minha.
Todavia, não faço questão disso, e devo dizer até que da apresentada pelo Sr. Nunes Loureiro pode resultar muito mais
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do que eu pedia, pois estou certo de que para a cidade de Coimbra há-de resultar mais de 10 contos. Acho, pois, que ela deve ser votada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a proposta do Sr. Nunes Loureiro altera já profundamente a proposta apresentada pelo Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Tôrres Garcia engana-se, a meu ver — e eu vou demonstrá-lo — quando supõe que, para o conselho de Coimbra, S. Ex.ª vai cobrar mais de 10 contos, com a proposta do Sr. Nunes Loureiro.
Em primeiro lugar, devo afirmar que a proposta não vale nada, e vou dizer porquê.
Há muitos concelhos no país que têm rendimentos de 10 contos, quantias ainda inferiores. Ora, a percentagem de seguros deve andar hoje por 5 por cento sôbre os rendimentos.
Assim, se um concelho tem 10 contos de rendimento colectável, a percentagem dos prémios rende 500 escudos, e 10 por cento sobre 500 escudos são 50 escudos.
Ora, eu pergunto se vale a pena lançar um imposto que, para a maioria das câmaras, rende 50 escudos anuais.
O Sr. Morais Carvalho (em àparte): — Dá para a cobrança...
O Orador: — Diz V. Ex.ª muito bem. Mas, estar a estabelecer impostos que apenas dão para a cobrança, salvo o devido respeito, parece-me um êrro.
Mas, diz o Sr. Tôrres Garcia que para o concelho de Coimbra deve dar mais de 10 contos.
Sr. Presidente: para que assim fôsse, era preciso que os prémios fossem 100 contos, e para que êles atingissem esta importância era necessário que o rendimento colectável de Coimbra fôsse superior a 2:000 contos.
De maneira que continuo a sustentar que não vale a pena êsse imposto, a não ser para um ou outro concelho, em que, porventura, se possam cobrar 2 ou 3 contos, porquanto na maioria dos concelhos êsse imposto vai dar 50 ou 100 escudos, não chegando, por assim dizer, para as despesas de cobrança.
E não me parece que seja justo criar-se um imposto que não tem utilidade nenhuma, devido à improficuïdade da sua receita.
Disse o Sr. Nunes Loureiro que o imposto não é sôbre as companhias de seguros, porque elas o vão cobrar dos segurados. Mas pergunto a V. Ex.ª, se lançar um imposto de mais meio por cento sôbre o rendimento colectável é cousa que deva fazer-se para a propriedade urbana, que está sujeita a um regime de excepção, fortemente colectada, sem poder receber rendimento que compense a depreciação da moeda.
Parece-me que a propriedade urbana terá fatalmente de ser isenta de todas as contribuições, se porventura continuar a existir, a legislação actualmente em vigor.
Já porque êste imposto vai afectar a propriedade urbana, que está em condições verdadeiramente excepcionais, já porque nada produzirá para cada um dos concelhos, parece-me que êste imposto não deve ser votado. Por isso êste lado o rejeita.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente, do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Mando para a Mesa uma proposta de lei.
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que retire a proposta que mandei para a Mesa.
Foi concedido.
O Sr. Velhinho Correia: — Requeiro que seja consultada a Câmara, sôbre se permito que a comissão de finanças reúna amanhã durante a sessão.
Foi concedido.
O Sr. Nunes Loureiro: — Peço a prioridade para a proposta que apresentei.
Foi concedida.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se para se votar e artigo novo do Sr. Tôrres Garcia.
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É o seguinte:
Artigo novo:
É extensiva a todas ás câmaras municipais que mantenham serviços de incêndios, a faculdade de colectar as companhias de seguros, que exerçam a sua indústria nos respectivos concelhos, a título de subsídio para a manutenção daqueles serviços.
§ único. As colectas a aplicar não excederão, globalmente, a quantia de 10. 000$, excepção feita dos municípios de Lisboa e Pôrto que continuarão a regular-se, para êste efeito, pela legislação vigente.
Sala das Sessões, 8 de Fevereiro de 1923. — Tôrres Garcia.
Foi lido e aprovado o corpo do artigo.
Em seguida foi aprovada a proposta de substituição ao § único enviada pelo Sr. Nunes Loureiro.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se, para entrar em discussão, um artigo novo enviado pelo Sr. Alves dos Santos.
Foi lido e admitido entrando em discussão.
É o seguinte:
Artigo novo:
As percentagens a que se refere o artigo 1.º serão lançadas e cobradas, de modo a ser abrangido o ano económico do 1922-1923. — Alves dos Santos.
O Sr. Carvalho da Silva: — Depois de ter ouvido a declaração do Sr. Velhinho Correia, acêrca do motivo por que vai reunir a comissão de finanças, permito-me pedir a V. Ex.ª, para regularidade dos trabalhos desta Câmara que se estabeleça na ordem do dia uma parte relativa à discussão das propostas de lei que trazem aumento de impostos, porque, como V. Ex.ª e a Câmara vêem, não se faz outra cousa senão votar mais e mais impostos.
Dêste lado da Câmara já se fez sentir que não votamos impostos municipais de tal maneira exorbitantes, como aqueles que se discutem.
O Govêrno por um decreto ditatorial e inconstitucional diz que são QS lucros ilícitos do comércio, da agricultura e da industria que fazem encarecer a vida.
Eu direi que não é assim.
Embora haja especulação no comércio, na indústria e na agricultura, o que faz encarecer a vida são os impostos ilícitos que das bancadas do Govêrno a toda a hora se apresentam e o Parlamento aprova contra o País.
Não há nada que mais faça encarecer a vida do que o sistema de impostos pesados.
Melhor seria que em vez dum decreto sôbre lucros ilícitos que eu hei-de discutir, o Parlamento votasse uma lei, impondo penalidades graves, para quem lançasse impostos ilícitos, que são aqueles que o Govêrno e o Parlamento constantemente estão lançando sôbre o País.
Não é lícito a um Govêrno e ao Parlamento exigir impostos de um País, senão para ocorrer às suas despesas indispensáveis, porque então êsses impostos são lícitos; mas impostos para com o seu produto, como se tem ouvido dizer nas próprias bancadas do Govêrno, pagar despesas desnecessárias, para pagar a chuva do funcionários nomeados pela Republica, são impostos ilícitos.
Pregunto, se é lícito, para o pagamento dos escândalos dos Transportes Marítimos e outros, votar impostos.
Êsses impostos é que são ilícitos, mais ainda dó que os lucros do comércio, assim classificados pelo Govêrno.
É sempre o mesmo disto do gramofone do Govêrno: impostos.
A República não tem outros.
O que é necessário é que a Câmara e o Sr. Presidente do Ministério pensem nas consequências desastrosas que poderão resultar de querer convencer os espíritos simplistas de que são o comércio, a agricultora e a indústria que causam a carestia da vida.
Dêste lado da Câmara não queremos a responsabilidade do que se está fazendo; porque de toda a parte vêm reclamações sôbre o custo da vida.
O Govêrno e o Parlamento não fazem senão votar impostos e mais impostos, e as consequências serão aumentar ainda mais o custo da vida.
Vote a Câmara como quiser, que ela ficará com essa responsabilidade; e nós como representantes da Nação só temos o dever de fazer ouvir nesta Câmara a voz do País que se levanta contra a actual carestia de vida, cujas consequências serão
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as mais funestas, protestando contra o lançamento de mais impostos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Sr. Presidente: o artigo novo que foi apresentado, tendo a doutrina necessária para a vida dos municípios, é necessário como consequência do artigo 1.º
A Câmara reconheceu que os municípios não podiam viver com o adicional de 10 por cento e votou que essa percentagem fôsse elevada a 30 por cento.
Portanto a emenda que foi apresentada é absolutamente necessária e lógica; e eu, em nome da comissão de finanças, declaro. que concordo com a redacção dessa proposta e que não têm razão de ser as considerações do Sr. Carvalho da Silva, tanto mais que, como já disse, o artigo é uma consequência necessária do que já foi votado pela Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.
Vai proceder-se à votação.
É aprovado o artigo novo do Sr. Alves dos Santos.
É lido na Mesa e admitido um artigo novo do Sr. Alberto Cruz, ficando em discussão.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: é realmente extraordinário o que se vê nesta Câmara.
Viu-se que se lançou um adicional, uma porcentagem de 75 por cento sôbre as contribuições estabelecidas para as câmaras e que êsse adicional pode ir para várias câmaras até 145 por cento; e vem agora um Sr. Deputado pedir ainda que êsse adicional possa ser aumentado.
Interrupção do Sr. Francisco Cruz.
O Orador: — O que é certo é que não podemos estar a autorizar as câmaras municipais a lançar impostos sem limites, e a gastar como gastam lançando impostos sôbre os géneros de primeira necessidade.
Nós, dêste lado da Câmara, não podemos deixar de protestar energicamente contra êste contínuo lançamento de impostos que tanto prejudicam o País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: parece-me que a Câmara não aceitará o artigo proposto, porque sem completo conhecimento, de causa não podemos estabelecer uma medida uniforme para todas as câmaras.
Àpartes.
Os vencimentos dos médicos variam conforme os concelhos e os serviços dos respectivos concelhos.
É sabido que há médicos que têm a faculdade de se remunerar como entendem pela prestação dos seus serviços, emquanto outros apenas o podem fazer dentro de certos limites.
Trata-se manifestamente duma situação de desigualdade que urge remediar e nunca agravar como pretende o Sr. Alberto Cruz com a sua proposta.
Eu não quero, Sr. Presidente, manifestar menos apreço pelas interessantes funções de médico municipal, funções que seriam mesmo interessantíssimas se elas fossem geralmente desempenhadas com aquela amplidão e com aquele desinteresse que seria para desejar...
Vozes: — Não apoiado!
O Sr. Serafim de Barros: — É uma afronta à classe dos médicos municipais! Não pode ser.
O Orador: — Os factos são, infelizmente, do domínio de toda a gente.
Há médicos que sendo chamados em casos de urgência, se recusam a comparecer por falta de transporte e outras vezes porque essa visita lhes não dá os interêsses desejados...
Vozes: — Não apoiado!
O Sr. Hermano de Medeiros: — Isso não é verdade.
O Orador: — Sr. Presidente: além disso a dispensa, do referendum para o lançamento dum novo adicional aos impostos a cobrar pelas câmaras municipais não pode ter o meu assentimento.
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O referendum é na nossa legislação administrativa alguma cousa de caracterizadamente democrática, alguma cousa de essencial ao regime republicano, a todos os regimes acentuadamente liberais. Dispensar essa formalidade a pretexto de serviços que são de interêsse para o concelho, é, em meu entender, um êrro porque corresponde àquela falsíssima noção de que os povos não devem ser administrados como êles pretendem, mus sim como pretendem as pessoas que se julgam detentoras de intangíveis privilégios.
Não; os povos devem ser administrados e, sobretudo, tributados como quiserem.
Nestas condições a dispensa do referendum, para o lançamento de novos impostos, não pode ter o meu aplauso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Cruz: — A apresentação da proposta do artigo novo que tive a honra de enviar para a Mesa, obedece sobretudo ao propósito de pôr cobro a uma injustiça flagrante que de há muito se nota no profissionalismo médico do nosso País.
Sr. Presidente: noutros tempos, um médico podia viver perfeitamente com 2$000 réis por dia.
Pode hoje, porventura, um médico viver com 110$ ou 120$ mensais?
Pode um médico em tais condições cumprir integralmente o seu dever?
Na província todos têm a mania de se dizerem pobres para terem direito à clínica gratuita; e os que são realmente abastados preferem tratar-se nos grandes centros, e podendo eu afirmar a V. Ex.ª e à Câmara que o rendimento da clínica remunerada tem diminuído muito nos últimos tempos.
A vida hoje está absolutamente insuportável para o médico municipal; e foi êsse o motivo que me levou a apresentar esto artigo novo.
Não há hoje nenhuma classe que não esteja mais ou menos remunerada em proporção às difíceis condições do vida que atravessamos; e eu pregunto se não é do absoluta justiça que aos médicos municipais, que na sua maioria são uns verdadeiros beneméritos da humanidade, seja concedida uma melhoria de situação, por forma a permitir-lhes viverem sem as privações que hoje passam.
Sr. Presidente: eu não quis, com êste artigo, agravar as circunstâncias económicas do Estado e assim seriam as pessoas mais abastadas das povoações rurais que facultariam aos médicos do partido os meios económicos de que êstes carecem em absoluto.
Falou o Sr. Almeida Ribeiro no cumprimento dos deveres dos médicos municipais.
Eu devo dizer a S. Ex.ª que a sua apreciação acêrca dêste ponto foi muito injusta.
Os médicos municipais têm sempre de cumprir os seus deveres, porque se o não fizerem lá estão as câmaras municipais para lhos impor, tanto mais que ninguém ignora a animadversão que existe da parte destas corporações administrativas para com os médicos de partido.
As chamadas juntas de partido, criadas pelo decreto de 1911, para arbitrarem as desinteligências entre os médicos, e as câmaras, deixaram de existir, porque não havia maneira de dar andamento a essas questões.
Interrupção do Sr. António Fonseca, que não se ouviu.
O Orador: — O artigo que mandei para a Mesa é apenas uma medida de carácter provisório, para atender às necessidades mais urgentes, prevendo os casos mais genéricos e que são antagónicos daquele que o Sr. António Fonseca citou.
No emtanto, S. Ex.ª se quiser poderá, evidentemente, apresentar qualquer parágrafo, acautelando a excepção a que se referiu.
Tendo proposto que fôsse dispensado êste referendum, apenas tive o intuito de facilitar às câmaras municipais esta medida de carácter financeiro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — É a hora de passar-se à ordem do dia.
Foi aprovada a acta sem discussão.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara. Durante as férias parlamentares faleceu o antigo Deputado António Maria Pacheco.
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Peço à Câmara para que seja lançado na acta um voto de sentimento e o facto comunicado à família do extinto.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª pelo falecimento do antigo ornamento desta Câmara António Maria Pacheco.
O extinto era uma pessoa de rara cultura e de um grande carácter, que nesta Câmara evidenciou sempre as suas qualidades de talento.
Era além de tudo uma pessoa de uma grande bondade que todos apreciavam.
Por isso me associo ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª
Tenho dito.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: em nome da maioria, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: Em nome do Partido Nacionalista associo-me comovidamente ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: a minoria católica, em nome de quem falo, acompanha a homenagem proposta por V. Ex.ª
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: associo-me em nome do Govêrno ao voto de sentimento por V. Ex.ª proposto.
O Sr. Presidente: — Peço ainda para que seja lançado na acta um voto de sentimento pela morte do pai do Sr. João Luís Ricardo.
O Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente: em nome da maioria parlamentar, associo-me ao voto de sentimento pela perda do pai do nosso colega nesta Câmara João Luís Ricardo.
Pessoalmente, associo-me também ao voto de sentimento, visto que tenho a honra de conhecer o extinto, que era um chefe, de família exemplar muito dedicado a educação dos seus filhos.
Tenho dito.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara e individualmente associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª Individualmente, mais comovidamente o faço porque conhecia o falecido, ligando-me a êle laços de estima.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: em nome da minoria monárquica, associo-me muito sinceramente ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: do mesmo modo que há pouco associo-me em nome da minoria católica ao voto de sentimento que V. Ex.ª acaba de propor à Câmara.
O Sr. Presidente: — Em vista das manifestações da Câmara, considero aprovados os dois votos de sentimento.
A Câmara sabe que passou ontem o aniversário da batalha de La Lys, o facto mais extraordinário da Grande Guerra em que tomou parte o exército português. Sinto que a história se vai fazendo, tendente a desfazer a lenda que ao princípio se formou de que o 9 de Abril foi ùnicamente uma derrota do exército português.
Não é assim; sabe-se hoje que não se trata duma derrota no sentido vergonhoso da palavra.
Apoiados.
O esfôrço do exército português foi extraordinário. Durante a batalha houve unidades portuguesas, cujos comandantes foram aprisionados pelo exército alemão, quando a primeira linha de batalha não estava ainda conquistada. Assistiram presos nos seus quartéis generais à tomada das suas linhas. Êste facto, para que chamo a atenção da Câmara, denota bem o esfôrço e valentia das tropas da primeira linha que se batiam ainda quando pela retaguarda já eram atacados. E se não bastasse isso, teríamos ainda como argumento o número extraordinário de portugueses que desapareceram nesse dia.
Apoiados.
O tempo vai passando, mas felizmente que luz também se vai fazendo, prestando-se homenagem àqueles que deram a sua vida pela Pátria.
Mais ainda: a nossa intervenção na guerra, que foi um acto de alta política
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e que atesta bem a previdência dos políticos de então, considerando bem que se nós não entrássemos naquela luta poderíamos pagar bem caro essa falta, (Apoiados) serviu não só para honrar a nossa velha aliança com Inglaterra, mas para manter íntegro o nosso património colonial.
Apoiados.
A manifestação que ontem se produziu em todo o País foi grandiosa. Ela impressionou certamente o cérebro de todos os portugueses e deve contribuir poderosamente para que entre todos os portugueses, sem distinção de classe, se estabeleça a paz o concórdia. Mas não foi possível ontem a Câmara, por não se achar retinida, associar-se àquela homenagem que todos os portugueses, de norte a sul, prestaram aos mortos da guerra, conservando-se silenciosos durante dois minutos; e por isso proponho que os Srs. Deputados façam hoje êsse silêncio, voltando-se para o monumento da Batalha.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara associo-me gostosamente, mas ao mesmo tempo comovidamente, à homenagem por V. Ex.ª proposta, homenagem em que, no silêncio de dois simples minutos seja dado às nossas almas falar tam alto que a Pátria nos apareça em nimbo de glória nesse silêncio augusto, em que é lícito esperar o recolhimento que devemos aos nossos gloriosos mortos e as homenagens que também devemos aos vivos, àqueles que entraram na Grande Guerra.
Êste lado da Câmara não podia deixar do com emoção e entusiasmo se associar às homenagens propostas, porque foi — V. Ex.ª o sabe! — êste lado da Câmara que teve essa intuição política, que V. Ex.ª classificou de alta e patriótica, do levar Portugal à guerra. As responsabilidades dêsse acto reivindica-as êste lado da Câmara plenamente para si e para todos aqueles que com ela colaboraram nesse movimento nacional.
Não quere isto dizer que fossem menos patriotas aqueles que não perfilharam essa idea.
Havia então dois critérios, mas como a história se vai fazendo, hoje reconhece-se o valor do gesto e a forma como pensaram os políticos que viram a necessidade da nação caminhar para a guerra, e tiveram a clara visão de quem confiou, no esfôrço da raça.
A guerra afirmou a nossa vitalidade e o esfôrço do soldado português.
Foi êsse esfôrço da raça que impôs aos estranhos o respeito pelo nosso património colonial.
Sr. Presidente: nós fizemos o mesmo que a França, e seguimos o seu exemplo, tirando à sorte dois valorosos combatentes, cujo nome a história nunca saberá, para lhes prestarmos a homenagem devida aos grandes heróis. E neste momento, em que recordamos factos da guerra, permita-me V. Ex.ª, permita-me a Câmara que eu recorde o nome de Carvalho de Araújo que no pequeno Augusto Castilho fez frente a um grande submarino alemão, o que fez dizer ao comandante alemão que nunca tinha visto um inimigo combater com tanta valentia, e que não estava habituado a ver combater assim.
Que nos sirva o nome de Carvalho de Araújo como exemplo máximo de uma raça.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: é a primeira vez que nesta Câmara se comemora o 9 de Abril, tendo eu a honra de me sentar aqui como Deputado, e por isso eu quero usar da palavra para comemorar o 9 de Abril e para me vangloriar pela forma como se portou o soldado português.
Pronunciou-se há pouco o nome de um que baqueou em pleno mar e lamento que não se tivesse feito uma sessão de homenageai a êsse heróico português que num simples caça-minas com uma peça sem alcanço e depois da sua reclamação, êle foi para a frente, com toda a abnegação e patriotismo.
Apoiados.
Eu uso neste momento da palavra porque quero que fiquem gravadas as minhas afirmações.
Sr. Presidente: o 9 de Abril foi o esmagamento heróico de um pequeno número de portugueses, e a nossa obra da guerra foi prejudicada pelo 5 de Dezembro e dêsse dia em diante eu afirmei que Portugal estava desonrado.
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Houve um regimento, o 33 de infantaria, que preferiu a sua desonra a ir para a guerra.
Sr. Presidente: eu tenho prazer em me lembrar que fui um dos que saí daqui para ir ocupar o meu lugar, onde estive como soldado e tive a glória de concorrer para a obra de estabilidade da nossa nacionalidade.
Mas, Sr. Presidente, vamos encarar o facto sob o aspecto político.
Em 1890, a nossa aliada com o ultimatum arrancou-nos o coração da África.
Foi então que nos convencemos que as nossas colónias eram necessárias à nossa vida.
Mantivemos depois disso as nossas colónias pela rivalidade entre duas grandes nações: a Alemanha e a Inglaterra.
Se fôsse necessário, como condição da paz entre essas duas nações, sacrificar as nossas colónias, V. Ex.ª tenha a certeza de que o caso da sua perda se daria e todos sabem que houve um tratado secreto em que as nossas colónias eram divididas.
Com o regime mais tarde estabelecido da porta aberta entregámos a nossa colónia de Angola à Alemanha, chegando um jornal alemão a dizer que Angola era portuguesa porque pagava ao funcionalismo, mas que de facto pertencia já ao Império.
Eu, como Deputado, tenho o direito de expor as minhas opiniões.
Pregunto agora: não era chegada a nossa hora para criticar do Livro Branco?
E como penso assim pregunto se tínhamos ou não razão de ir para a guerra.
Talvez à nossa aliada, cujos serviços reais consistiam em nos defender da Espanha, não conviesse a nossa atitude perante todas as nações do mundo, e talvez isso explique como a nossa olhou com benevolência para o dezembrismo.
A nossa situação em África poderia ser atribuída apenas ao nosso egoísmo, e sendo estéril podia trazer-nos uma prova de incapacidade.
De resto, o futuro das colónias foi tratado na Conferência da Paz, e, portanto, se nós não tivéssemos ido para a Flandres não tínhamos quem defendesse nessa Conferência os nossos interêsses coloniais.
Parece-me, pois, que sempre valeu a pena termos ido para a guerra. A nós portugueses salvou-nos a guerra, pelas razões que expus, e se nós hoje nos debatemos com uma grande crise económica e financeira que eu ouço atribuir à guerra, mas que afirmo ser devida à nossa desordem, devo dizer também que ela não é irremediável exactamente pelo facto de termos entrado na guerra.
Mas ditas estas cousas, que eu procurava ensejo para dizer, vamos ver o que foi o 9 de Abril.
O 9 de Abril foi devido ao abandono que votou o dezembrismo ao Corpo Espedicionário Português. Havia batarias de artilharia apenas, com dois ou três oficiais, e batalhões de infantaria reduzidos ao mínimo, estando até sargentos a comandar pelotões.
Foi no momento em que a guerra se tornou mais intensiva, que o esgotamento do exército português mais se evidenciou sobretudo no mês de Março, em que se vivia apenas entre metralha e gases, o que levou o comando inglês a ordenar a substituição da divisão portuguesa, divisão que era uma simples divisão, quando nós tivemos a honra de ter no front um corpo de exército.
As condições em que lá estávamos oram as que acabo de citar, quando quis o destino que se dêsse o 9 de Abril que esmagou o núcleo de portugueses. Ora êste esmagamento é que serve para atestar a todo o mundo a glória de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: a homenagem que a Câmara ora presta aos combatentes da Grande Guerra, em comemoração do 9 de Abril e do aniversário que passou ontem, é absolutamente justificável, e a ela me associo com orgulho, em nome da minoria monárquica.
Os soldados portugueses que, fez ontem cinco anos, tombaram na França, na batalha de Lys, morreram todos em holocausto da Pátria. É êste o pensamento que deve dominar o nosso espirito, porque é o único que nos pode unir. (Apoiados). Quaisquer outras considerações de ordem crítica, por mais justas que sejam, parece-me não terem cabimento nesta altura.
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Devemos colhêr dos factos aquele ensinamento superior que dêles se desprende. A Pátria é devido não apenas o sacrifício da nossa comodidade, mas o sangue e a vida dos seus filhos; e porque assim o entendemos, êste lado da Câmara dá à proposta de V. Ex.ª o seu inteiro aplauso e a sua enternecida solidariedade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara associa-se, com profundo sentimento, à homenagem proposta por V. Ex.ª
O dia 9 de Abril passou a ser contado entre nós como um dia de luto. Com sangue português ficou ensanguentada uma região onde até então não tínhamos combatido. Os nossos soldados estavam habituados a lutar em África e na Europa, mas nesta, próximo das suas fronteiras, àparte a campanha napoleónica.
Os nossos soldados, combatendo agora tam longe, com brilho e valentia, mostraram mais uma vez que obedecem sempre que se lhes diga ou prove que é necessário combater, que a Pátria precisa do seu esfôrço, do seu sangue.
Sr. Presidente: eu desejaria neste momento não dizer mais do que estas simples palavras, que são franca e sinceramente repassadas de dôr. Mas nem sempre se respeitam as ocasiões de luto, para só de luto se tratar. Por vezes trazem-se nesses momentos questões que melhor fora que fossem discutidas em outras ocasiões, e eu senti ainda há pouco os ecos das campanhas de há cinco ou seis anos.
Não são bons êsses ecos para êste momento, nem são próprios dum momento de luto.
Eu creio que não houve em Portugal gente de bom conceito que não estimasse a vitória dos aliados e que não desejasse fazer por êles tudo quanto pudesse fazer.
Não é decerto necessário lembrar à Câmara que houve simples modos de ver sôbre se deveríamos oferecer ou não o nosso concurso para a guerra, mas nunca o negando.
Não creio que ninguém, com responsabilidades, tivesse dito em Portugal: «não iremos para a guerra quando no-lo peçam». É necessário prestar justiça a todos; é necessário que a lama que se atirou por várias vezes não se continue atirando, sob o pretexto de, que a História a tal respeito mentirá. É cedo para se discutir êste assunto, para se discutir quem tinha patriòticamente razão; e, admitindo mesmo que a razão estivesse dum lado e doutro lado a sem razão, o que, contudo, havia dos dois lados era grande sinceridade em bem servir o seu país.
Sr. Presidente: quero fechar estas breves considerações por palavras semelhantes àquelas com que as iniciei.
Os soldados portugueses mostraram mais uma vez na campanha de França, como manifestaram na campanha de África, quanto são disciplinados, obedientes e dedicados em servir o seu país.
O 9 de Abril foi realmente uma data dolorosa para nós; hoje, como nos anos seguintes, ela há-de sentir-se e há-de ser justamente comemorada. A essa comemoração me associo pessoalmente, e do mesmo modo associo os votos dêste lado da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente Portugal, embora um povo pequeno, não é dos que menos têm contribuído para a civilização universal. O esfôrço da sua raça começou por dar à sua organização administrativa uma tal perfeição como não tem podido ser atingida em qualquer parte do mundo.
No que diz respeito à organização municipal, foi Portugal que mais contribuiu para se difundir e generalizar a civilização da Europa.
Pelas suas descobertas e conquistas, foi o nosso país que iniciou e desenvolveu os processos de colonização moderna, formando o Brasil, que tem sido um dos paladinos mais poderosos da humanidade, do progresso e de tudo quanto é bom e belo.
Mas sobretudo o que caracteriza Portugal na sua acção é o desprendimento pelos interêsses materiais, é o seu poder de idealização, é a sua despreocupação de realidades materiais, é, em suma, o espírito de sacrifício e abnegação.
A nossa intervenção na guerra e o 9
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de Abril, especialmente, têm êsse significado.
Somos um povo que tem realizado a maior parte da sua história sacrificando-se pelo futuro, pelo espírito profundo da latinidade.
Há pouco o ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira reivindicava para a maioria as responsabilidades da nossa intervenção na guerra. Não; a nossa intervenção na guerra, com todos os seus defeitos, é obra da nação, é nossa, é digna das nossas tradições, é digna da nossa história; assinala esfôrço, assinala espírito de sacrifício, assinala energia, afirma mais uma vez Portugal perante o mundo.
Nestas condições, por parte da minoria católica, associo-me gostosamente à proposta de V. Ex.ª, e concluo dizendo: Glória a Portugal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: não é em nome dêste lado da Câmara, nem como combatente que muito me honro de ter sido na guerra, que desejo juntar o preito da minha homenagem à proposta de V. Ex.ª; é como militar e como oficial de marinha que eu desejo juntar as palavras que eu desejaria que fossem da maior grandeza e significado aos louvores que vejo tecer ao esfôrço dos soldados portugueses em 9 de Abril de 1918.
Sr. Presidente: eu não creio que seja êste o momento mais azado para discutir ainda se havíamos ter ido para a guerra; julgo mesmo inoportuno estarmos a repisar êsse ponto, que pertence à História, e que ela na sua directriz justa não deixará de apreciar a responsabilidade que honra e glorifica todos aqueles que sabem bem cumprir aquilo que é a defesa da honra nacional.
Não precisam mais louvores aqueles que fizeram não soa propaganda da guerra, mas que envidaram toda aquela soma de esfôrços que conduziu à representação de Portugal no front e ao esfôrço militar que o país português generalizou em todo o campo da guerra.
O que é para salientar, é que êsse esfôrço militar em terra e mar, mas designadamente no front da Flandres, foi feito contra uma corrente de opinião anti-patriótica e que só tem a justificá-la a inconsciência da situação política internacional do momento; chegou ao ponto de em determinada época, em determinado intervalo de tempo, no país português, se fazer não só a campanha derrotista, mas mais ainda só fazer a sabotage militar portuguesa.
Êste facto, que nunca será demais recordá-lo, é que torna ainda mais gloriosos os feitos praticados pelos soldados portugueses na Flandres.
A improvização rápida que foi feita do contingente português para o campo de batalha, veio juntar-se essa sabotage criminosa que foi ao ponto de não só não se enviar pessoal, mas ainda material para o campo de batalha.
Êste é o facto concreto em que não quero insistir, porque não é de política que se trata neste momento, mas sim da exaltação do esfôrço que representa para nós qualquer cousa de singular e de muito grande.
Devo dizer a V. Ex.ª, juntando as minhas palavras àquelas que exaltam, nas suas consequências, a nossa representação na guerra, que a situação internacional que resultou dessa intervenção, tive ocasião de apalpá-la, de a sentir, quando colocado em meio em que essa influência se manifestava, tive ocasião, repito, de notar que o país português, colhendo os efeitos benéficos dêsse esfôrço, era considerado em pé de igualdade com as outras potências do mundo inteiro.
E êste facto não será demais salienta-lo, de há tanto tempo nós vimos acostumados á essa desigualdade de tratamento que nos feria e vexava profundamente.
Bastaria essa simples vantagem para compensar galhardamente o colossal esforço da nossa iniciativa da comparticipação.
São, portanto, justos e merecidos todos os louvores àqueles que tendo efectivado essa comparticipação, se bateram em 9 de Abril, heròicamente ao lado dos exércitos aliados.
E, Sr. Presidente, já que neste Parlamento se tem, e muito justamente, evidenciado os nomes dalguns destemidos e valorosos combatentes da Grande Guerra, permita-me V. Ex.ª, que eu, como homem do mar, recorde o esforço militar da nossa marinha de guerra e o nome de
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um bravo marinheiro que tam bem soube honrar a sua farda.
Refiro-me ao tenente Raúl Cascais, que no seu pôsto foi atingido mortalmente pela explosão duma mina flutuante.
Quem, como eu, lidou de perto com Raúl Cascais, conheceu bem as suas raras qualidades de homem e de marinheiro.
O seu exemplo de valentia o de patriotismo, certamente perdorará através a História, para incitamento das gerações futuras.
Foi depois dêste facto que se deu o glorioso acontecimento em que Carvalho Araújo perdeu a vida.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª o a Câmara, que eu cite alguns casos que conheço de pôrto e que concorrem para afirmar a glória, extraordinária do temperamento de valentia que foi Carvalho Araújo.
Fazíamos juntos um trabalho de dragagem de minas na costa de Portugal.
Carvalho Araújo era de todos nós o mais valente, o que mais depressa corria para o perigo e aquele que mais denodamente se dedicava a êsse trabalho ingrato da destruição de minas.
Lembro-me de que, à vista de Cascais, em determinado dia, nós encontrámos quatro minas alemãs.
Tratava-se de destruir essas minas, colocadas na passagem dos grandes paquetes, que demandavam a nossa baía.
Carvalho Araújo avançou com os seus dois navios para cima das minas e tam bem efectuou a manobra que conseguiu juntar as duas minas e rebentá-las simultâneamente.
Logo em seguida, os navios que eu comandava, tinham cortado a amarração de uma das outras minas, fazendo-a flutuar.
Carvalho Araújo, que tinha os seus navios desembaraçados, avançou colocando-se apenas a 40 metros dessa mina, o que foi evidentemente um acto do grande valentia, pois estava estabelecido que a distância mínima a que sem perigo, nos poderíamos colocar era a de 90 jardas ou seja aproximadamente 90 metros.
Era assim toda essa valentia homérica de Carvalho Araújo, e tudo quanto se possa dizer para exaltar essa valentia épica não será demais.
Sr. Presidente: em nome da marinha de guerra portuguesa eu associo-me à proposta de V. Ex.ª prestando a minha mais sincera homenagem ao esfôrço do soldado português na Grande Guerra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente:, associo-me à proposta de V. Ex.ª para que os nossos olhares se dirijam para a Batalha, por dois minutos, comovidamente, enternecidamente, tendo diante de mim os cadáveres dos dois Soldados Desconhecidos, que para mim representam a própria Pátria; e diante da Pátria deve-se estar comovido, enternecido, tudo afectando religiosidade, de joelhos como os crentes estão diante do seu Deus, enternecido como os filhos estão diante das mães.
Basta de palavras de glória, à volta dos mortos e dos vivos que souberam honradamente cumprir o seu dever.
O 9 de Abril militarmente pode não ter sido, e não foi, infelizmente, para nós, um feito de armas retumbante, e não o poderia ter sido porque o exército português já estava vencido há muito tempo, já tinha sido vencido na barra de Lisboa; mas é que a comemoração dêste feito deve também servir de lição e talvez não seja mau para regulamento futuro da nossa vida, pormenorizá-lo detalhadamente e ver quais foram as causas dêsse enfraquecimento de potência militar, da eficiência que levou as nossas tropas a serem derrotadas com honra — mas derrotadas.
Os nossos soldados já saíram vencidos de Portugal, mas, embora pareça paradoxo, já saíram cobertos de glória, porque não houve soldado nenhum no mundo que demonstrasse maior compreensão dos seus deveres do que o soldado português, que no momento supremo de sacrifício se viu abandonado de tudo e de todos, até daqueles que por dever profissional lhe deviam toda a assistência;
E há que lembrar aqui, àqueles que diziam que a guerra repugnava a todo o País, um ponto que demonstra bem o contrário de tal afirmação. O batalhão de infantaria n.º 34 saiu do seu aquartelamento sem nenhum oficial. Onde é que se encontram soldados desta têmpera, que, desataviados de educação moral e cívica que não lhe pudemos dar, têm uma
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intuição tam clara e tam nobre do cumprimento do seu dever? Onde era possível levar à guerra soldados em circunstâncias morais desta natureza?
O ribombar do canhão, o rebentar de uma granada, o explodir de um torpedo nada mais são do que incidentes materiais como todos aqueles da mesma natureza que encontramos debaixo dos pés todos os dias; não intimidam ninguém se houver a base moral, princípios morais, moral colectiva, a fôrça moral.
Essa importa ao homem que está senhor de todas as suas responsabilidades de cidadão, quer expludam granadas ou sibilem balas!
O que é isso, Sr. Presidente?
Não é nada, absolutamente nada. Vive alheio a isso tudo, porque apenas está dominado por fôrças estranhas, por eflúvios estranhos de natureza, convincente que o mantêm no seu pôsto, e essa atmosfera de ordem moral é que não se realizou em Portugal.
Sr. Presidente: já dizia não sei quem que, quando a língua de um homem por prudência não sabe dizer a verdade, essa prudência é mais vil que a mais vil das cobardias, e eu hei-de dizer a verdade.
Desde a primeira hora se disse que a nossa intervenção na guerra era um acto puramente mercantil; era uma negociata. E um jornal que se publicava à noite, A Notícia publicou artigos nesse sentido e até aqui se atacou o Govêrno.
Uma voz: — Nas próprias trincheiras se afirmavam cousas idênticas.
O Orador: — Os oficiais milicianos eram tratados com desprêzo; e até os instrutores não lhes apertavam a mão, havendo para com êles toda a falta de consideração, chegando a não acreditar no nosso patriotismo.
Mas um dia chegará em que se há-de fazer justiça, doa a quem doer.
Eu estive em França como miliciano.
Não fui herói; e se não sofri agruras materiais, sofri profundas chagas morais, pois chegava a parecer impossível que não se acreditasse na minha boa fé, no meu patriotismo, cousas que eram recebidas à gargalhada.
Sr. Presidente: o que teria sido a vida do Corpo Expedicionário Português em França se os nossos homens públicos tivessem sabido ou querido manter até o fira toda a sua primitiva eficiência, dizimando o morbus que corroendo-o intensamente acabou por o matar?
Uma acção militar foi sempre julgada pelo esfôrço da colectividade que nela se empenhou.
E nós nessa data, data sempre memorável do 9 de Abril, só tivemos para salvar a honra do nosso nome algumas centenas de criaturas que, individualmente, souberam conservar-se na nobre e elevada posição de soldados portugueses, olhos, postos na Pátria, que tam denodadamente souberam defender.
Ainda bem, Sr. Presidente, que neste Parlamento nem todos se acobertaram com o manto das imunidades para se eximir ao cumprimento do seu dever. Foram muitos, felizmente, os parlamentares que tomaram parto na Grande Guerra, ao lado dos filhos de povo, dêsse povo que não queria a guerra, mas que foi para a guerra alevantadamente quando se lhe mostrou a necessidade imperiosa e insofismável da nossa intervenção.
Sr. Presidente: a minha fala hoje, aqui, é de louvor para todos quantos souberam, então, cumprir o seu dever de portugueses, mas também é de análise às circunstâncias e às pessoas que proporcionaram ao nosso esfôrço militar verdadeiramente gigantesco, um desfecho bem pouco próprio das nossas tradições militares.
No momento em que se comemora o 9 de Abril tinham de ser ditas estas palavras para que, à fôrça de repetidas, elas possam constituir uma lição que sirva para de futuro impedir que, em idênticas circunstâncias, se produzam os mesmos fenómenos.
Sr. Presidente: neste momento em que se aponta à veneração nacional o nome daqueles que mais se salientaram na Grande Guerra, é justo levantar acima de todos o nome do general Norton de Matos o grande organizador do Corpo Expedicionário Português, a alma da nossa participação na guerra.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Homem Cristo: — Sr. Presidente: não roubarei muito tempo à Câmara, por-
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que entendo que a comemoração dêste acontecimento não exije muita retórica. Eu quero simplesmente levantar duas ou três afirmações que aqui se fizeram.
Sr. Presidente: se a hora não é de recriminações, é todavia de justiça e de verdade histórica. A justiça e a verdade histórica afirmam-se em todos os momentos e nunca, se deve perder a ocasião de se afirmar.
Não sei se foi ou não a maioria, ou antes o partido que representa a maioria, que tomou a iniciativa da guerra, porque eu sempre ouvi dizer que nós tínhamos ido para a guerra convidados pela Inglaterra.
Ora se fomos convidados pela Grã-Bretanha, nenhum partido tomou essa iniciativa. Evidentemente, qualquer partido que estivesse no Poder teria de aceder ao pedido da Grã-Bretanha. Parece-me errado estabelecer que nós fomos para a guerra, não a convite da nossa aliada; porque, se assim fôsse, então dávamos de certo modo razão aos adversários dessa intervenção. Eu por mim que sempre defendi a nossa intervenção, e não estou arrependido disso, estou convencido de que fomos para a guerra, porque tínhamos de ir para lá em virtude, do tratado que nos une a uma nação que tinha entrado nessa grande pendência.
Mas, Sr. Presidente, se não houve nenhum partido que tomasse a iniciativa da guerra, houve todavia a obrigação que não foi cumprida de auxiliar o partido que então estava no Poder. Êste é que é o facto.
Desde que a guerra tinha sido declarada, Portugal não tinha que discutir se devia ir ou não para êsse conflito.
Desde que se deu a entrada na guerra, desapareceram todos os partidos; e diante de nós só apareceu a guerra. Mas isto é que se não fez. Não quero agora aqui censurar ninguém porque, repito, a hora não é de retaliações nem recriminações; mas o que também não posso, eu que defendi tenazmente a intervenção na guerra, é consentir que se diga aqui que ninguém foi contra a guerra. E não posso consentir não só por ter o meu nome ligado à guerra, mas porque dêsse facto da guerra ser contrariada resultou uma cousa tremenda para Portugal; e essa cousa tremenda foi não termos feito na guerra a figura que devíamos ter feito, nem tirarmos da guerra o resultado que devíamos tirar.
Esta é que é a verdade.
Não houve quem combatesse a guerra?
Então porque estive eu três meses metido na cadeia?
Houve o mais vivo combate à guerra. Contrariou-se a guerra por todas as formas.
Êsse combate à intervenção na guerra desmoralizou o exército, desorientou a opinião pública, e dessa desmoralização e dessa desorientação resultou não só o não desempenharmos o glorioso papel que devíamos ter desempenhado, mas o cairmos na orgia escandalosa em que temos vivido. Há dois erros capitais cometidos pelos portugueses que eu quero registar aqui. Um dêles foi a traição — é o verdadeiro nome — que se desenvolveu durante a guerra; outro foi a orgia em que caíram todos os partidos depois da paz. Se, feita a paz, nos tivéssemos sabido manter naquela atitude de moralização e de respeito pelo Direito, pela Justiça e pelo trabalho em que nos devíamos ter mantido, nós seríamos hoje o primeiro povo da península e não estaríamos assistindo a êste espectáculo único de a Espanha ter maior consideração internacional que o país que combateu ao lado dos aliados.
Era isto o que eu queria dizer. De resto, associo-me à proposta de V. Ex.ª e escusado era dizê-lo, porque, tendo defendido a guerra, não me tendo nunca arrependido de a defender, tàcitamente lhe estava dada a minha adesão. Além, todavia, dessa adesão tácita, eu queria declarar expressamente que me associava às palavras de V. Ex.ª e que o principal acto de Portugal nos últimos tempos foi a sua entrada na guerra, lamentando apenas que dêsse facto se não tivessem tirado os resultados que seriam de esperar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: após as considerações produzidas pelos ilustres oradores que me precederam, tenho a convicção de que a proposta de V. Ex.ª será aprovada por aclamação.
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Consinta-me, porém, a Câmara duas palavras apenas em meu nome pessoal e como Deputado independente.
A data que hoje se comemora é mais do que a data da batalha de La Lys. O 9 de Abril é a data com que se pretende rememorar o esfôrço magnífico da Raça Portuguesa através dos campos das batalhas ao lado dos aliados.
A batalha de La Lys não foi uma derrota, como já aqui se disse, mas uma consequência da situação tática em que as tropas portuguesas se encontravam. Já alguns oradores se referiram à situação moral dessas tropas e não é agora ocasião de repetir essas afirmações, mas, fôsse qual fôsse a sua situação moral, era uma divisão que se tinha que bater com dez divisões. A missão era de sacrifício.
As tropas portuguesas estavam em primeira linha, tinham a missão de vigilância e de demorar o adversário, dando tempo a que viessem as reservas. A divisão portuguesa, depauperada por uma longa permanência nas trincheiras, nessa vida exaustiva de prolongadas vigílias, minada pelo derrotismo criminoso dos que aqui detinham o Poder, cumprirem o seu dever. Morreu no seu pôsto ou foi feita prisioneira e nesse dia os alemães não avançaram na extensão, em que o fizeram antes e depois nas suas formidáveis ofensivas.
Neste momento em que se comemora a data de 9 de Abril quero recordar que hoje passa o 7.º aniversário dum outro, facto notável da nossa história colonial, que correu em Moçambique.
Depois de ter sido derrubada há mais de vinte anos, foi há sete anos arvorada de novo no chamado triângulo de Quionga a bandeira portuguesa. Era êste facto que eu queria recordar.
Associando-me à proposta, julgo que esta data, longe de ser dolorosa para Portugal, é uma data em que nos cumpre glorificar aqueles que souberam cumprir o seu principal dever cívico e que morreram nobremente no chamado campo de honra E, Sr. Presidente, eu faço ainda os mais sinceros votos por que todos nós procuremos também honrar a herança moral que êsses heróis nos legaram, trabalhando porfiadamente, trabalhando honestamente, todos unidos no mesmo sentimento patriótico, as bandeiras das diversas facções políticas como que constituindo a escolta de honra da bandeira nacional.
Visto que se comemora um feito militar, eu desejaria que o exército e armada da República fossem, instituições prestigiadas, pelo cuidado, pelo desvelo, pela solicitude que a todos deveriam merecer, porque, Sr. Presidente, após a guerra, e não obstante essa bela teoria de paz perpétua ou de paz universal, não obstante a criação da Sociedade das Nações, é o próprio estatuto dessa Sociedade que no seu artigo 8.º impõe que todos os Estados, pertencendo a essa Sociedade das Nações, devem ter as suas instituições militares em condições de lhe prestarem colaboração o de defenderom a integridade dos respectivos territórios e a honra das suas nacionalidades.
Parece-me, pois, que a data de hoje deve marcar o início do ressurgimento do exército e da armada, devendo nós dedicar aos trabalhos de aperfeiçoamento das nossas instituições militares aquele cuidado que até hoje, após quatro anos de paz, não lhes tem sido votado. Só por medidas fragmentárias se tem procurado atender não às bases da colectividade, não ao engrandecimento do exército e da armada, mas a situações pessoais o de quadros.
É contra tal orientação que sempre tenho protestado.
Sr. Presidente: lembraram-se já aqui alguns nomes, tendo-se o ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa referido a um antigo parlamentar, Carvalho Araújo, meu querido e glorioso companheiro ao sul de Angola.
Permita-me V. Ex.ª que rememore um nome que a todos nós merece consideração e respeito. O nome de António Granjo, respeitado e estimado pela sua impecável correcção, pela sua magnífica coerência. Mobilizado como miliciano, não hesitou, quando podia alegar a sua situação de Deputado, em marchar para França e chegado lá foi, passadas vinte e quatro horas, para as trincheiras, na mesma tarde em que o inimigo fazia um raid dos mais violentos.
No momento em que comemoramos os mortos da guerra, lembro também o nome do Afonso Pala, que, acompanhando uma
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expedição à África, esteve no ponto de combate e foi ferido por uma bala inimiga, morrendo com a lembrança da Pátria, e dizendo que morria tranquilo por saber que a República tinha voltado à normalidade constitucional. As suas últimas palavras recebi-as na manhã de 18 de Setembro, e foram para suas estremecidas filhas, e para o bem da República.
Eram êstes dois nomes que queria rememorar, e agora permita-se-me que faça um aditamento à proposta do V. Ex.ª, Sr. Presidente. Êsses dois minutos de silêncio sejam passados estando todos de pé voltados para a Batalha, templo da Pátria, onde estão as cinzas dos simbólicos Soldados Desconhecidos, cada qual entregue às suas religiões, todos unidos do mesmo sentimento de patriotismo e ambicionando o nosso ressurgimento, a prosperidade da República, e com fé no prestígio da nossa Pátria.
Tenho dito.
O Sr. Brito Camacho: — Sr. Presidente: em meu nome pessoal, quero associar-me à proposta que foi feita para se prestar homenagem aos nossos soldados que faleceram na guerra, na investida de Abril.
Mas não foi só por isso que pedi a palavra; pedi a por me parecer ter ouvido nos discursos proferidos alusões que ou não podia deixar sem reparo, como é de justiça.
Parece-me ter ouvido dizer que havia pessoas que invocaram as suas qualidades de Deputados para não irem para a guerra.
Em 1916 as Câmaras eram constituídas como todos sabem.
Cumpre-me esclarecer êste facto, que efectivamente não deixa de ser grave, sobretudo invocado num momento tam solene como o que passa.
Eu, Sr. Presidente, era, e sou ainda, médico militar. Convém saber-se que o era, mio vá alguém imaginar que fugi ao comando de tropas em África.
À data em que foi declarada a guerra encontrava-me numa situação que eu tinha querido desde que só implantou a República, que era a situação de licença ilimitada.
Não querendo fazer carreira pela tropa, e não desejando aceitar oferecimentos generosos do Govêrno Provisório, colocando-mo em qualquer comissão daquelas em que pouco se trabalha, mas alguma, cousa se ganha, sobretudo tempo para promoções e reforma, passei à situação que mais convinha à minha condição de político militante. Tendo em Outubro de 1911 sido reintegrado, fiz seguidamente requerimento para passar à situação de licença ilimitada, porque, de facto, não queria fazer carreira pela tropa.
Instâncias do Ministro da Guerra de então, que era o Sr. general Correia Barreto, levaram a demorar o deferimento do meu requerimento, porque entendia que eu devia aceitar uma daquelas comissões em que podia estar sem nenhum escândalo, porque de si não eram escandalosas, e se o fossem, elas existiam em grande número. Foi nessa situação que mo veio encontrar a guerra em 1914 e a nossa entrada na guerra em 1916.
Quando entrámos na guerra, Sr. Presidente, tinha eu deixado o exercício clinico havia bons dezasseis anos, porque era, como já disse, médico militar — capitão médico — e deu-se até o caso curioso de em dado momento eu ser o mais antigo capitão médico de todos os exércitos do mundo. Sendo chamado ao serviço, deixei de estar na situação de licença ilimitada; e um dia, em Fevereiro, não me lembro a quantos, mas recordo-me que a um sábado, eu recebi uma ordem do Ministério da Guerra para ali me apresentar. Inquiri do que se tratava; foi-me dito da 1.ª Repartição que tinha de embarcar para a África na quinta-feira imediata.
Peço à Câmara que considere estas datas: a um sábado, recebi ordens para embarcar para a África na quinta-feira seguinte. Eu, que interrompi a minha carreira e que não tinha mesmo farda, teria de fazer em quatro dias as minhas toilettes militares para ir para a África. Havia de pedir ou uma dispensa de embarque, e era então muito desagradável pedir fôsse o que fôsse ao Ministério da Guerra, ou de recorrer às minhas imunidades parlamentares.
Entendi, entendo hoje e entenderei sempre, emquanto houver Parlamento, o respectivo direito, que qualquer Ministro não pode afastar um Deputado à sua vontade.
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Em França e, de resto, em França muitos Deputados foram para a guerra e lá morreram heroicamente, deu-se um caso idêntico e o Parlamento resolveu que o Deputado não podia, ser afastado das suas funções.
Por consequência, eu vim ao Parlamento e pus nitidamente a questão: se o Ministro da Guerra tinha o direito de afastar um Deputado, embora fosse para a guerra na Europa ou em África. Era então maioria, com o ainda hoje, o Partido Democrático, e Presidente do Ministério, se bem me recordo, o Sr. Afonso Costa.
Uma voz: — Era o Sr. António José de Almeida.
O Orador: — A questão foi largamente debatida; e eu recordo-me bem de que um dos Deputados da maioria que mais calorosamente advogou o nenhum direito que o Ministro da Guerra tinha de afastar o Deputado foi o Sr. Álvaro Pope que hoje não faz parte da Câmara.
A questão foi largamente debatida com paixão, debatida também sob o ponto de vista dos princípios, porque se tratava duma imunidade parlamentar, e acabou o debate por votos. E o voto do Parlamento foi que o Ministro da Guerra não podia afastar um Deputado militar do exercício das suas funções.
Mandei então para a Mesa uma carta dizendo que, afirmado o meu direito de não cessarem os minhas funções parlamentares quando o Ministro da Guerra entendesse, eu tomava a responsabilidade de chegado o dia 2 de Abril e, portanto, cessando as funções legislativas ordinárias, que a sessão legislativa fôsse ou não prorrogada, eu estava pronto a prescindir das minhas imunidades parlamentares para ir para a França ou para a África, ou para onde quer que o Ministro da Guerra julgasse que eu devia prestar serviços. Esta carta foi lida na Câmara, e está com certeza nos seus arquivos ou nos arquivos do Ministério da Guerra, e tira a quem quer que seja o direito de dizer que eu me servi das minhas imunidades parlamentares para não ir para a guerra. Estou convencido de que só o desconhecimento dêste documento é que podia levar alguém a fazer uma afirmação indirecta à minha pessoa.
Passou-se isto em 1916, logo após a nossa declaração da beligerância, o eu repito, porque nunca tinha tratado, sequer ao de leve, a honra dos outros, não quero deixar aos outros o direito de tratarem da minha; e o caso de ir ou não para a guerra é uma questão de honra para mim.
Sr. Presidente: se eu me tivesse recusado a ir para a guerra, reputar-me-ia um covarde e eu não o sou, porque mantenho íntegras todas as afirmações que então fiz.
Um sábado, eu recebi uma ordem para embarcar na quinta-feira seguinte; e eu pregunto se não era ligítima a desobediência se eu tivesse desobedecido. Quatro dias me eram dados para fazer os meus preparativos e as minhas toilettes, e até para rever os meus conhecimentos de medicina, porque 15 anos atrás tinha deixado de exercer clínica e nunca pensei em fazer clínica tropical.
Mas depois da minha carta fiquei devidamente preparado para embarcar aguardando a nova ordem; e pregunto se é culpado um oficial por não querer ir para a guerra e porventura êle não é castigado.
Essa nova ordem de embarque não a recebi. Entretanto dava-se o movimento de 5 de Dezembro, e eu recebi novamente ordem para ir para a França.
Fui ao Quarquel General do Corpo Expedicionário Português receber a minha guia, e o ilustre oficial, que era então chefe do estado maior, convidou-me para ir com êle comer o último jantar antes da minha partida para a França; mas, tendo na mão a guia para marchar no dia imediato, à meia noite dêsse dia recebi ordem para não embarcar.
Eu pregunto: se isto ainda é culpa minha!
Sr. Presidente: não é êste o momento de discutir a política da nossa intervenção na guerra, que eu fiz como entendi, como me ditou o meu sentimento patriótico, como me ditou o meu desejo de bem servir a Nação. E talvez por contumácia, a que não sou muito atreito, quero dizer a V. Ex.ª que referendo tudo o que disse e que respondo por tudo o que subscrevi com o meu nome, não tendo que arrepender-me, porque ainda não reconheci ter laborado em êrro nas múltiplas afirmações que fiz.
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Mas, Sr. Presidente, não é de facto êste o momento de discutir a política da guerra. Alguma vez o será, aqui ou fora do Parlamento. O que não podia ser era que, estando presente a esta sessão, e tendo ouvido algumas referências à minha maneira de pensar, eu me calasse, porque o meu silêncio poderia ser tomado como reconhecimento duma falta.
Expostos os factos que acabo do referir, o que estão documentados, eu deixo inteiramente ao arbítrio da Câmara julgar até que ponto a atitude do então capitão médico Brito Camacho foi correcto ou incorrecto, patriótico ou antipatriótico.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: apresentou V. Ex.ª à Câmara uma proposta de comemoração da data simbólica de 9 de Abril, data destinada a comemorar a comparticipação de Portugal na guerra e os feitos heróicos praticados pelos combatentes dessa guerra.
É o 9 de Abril a data que do antecedente vem fixada para êsse facto. Regista se como um esfôrço enorme de uma parte dos combatentes da Grande Guerra, daqueles que ocupavam a região da Flandres o pode registar-se com desvanecimento e com orgulho.
O 9 de Abril não foi um revés.
Mais do que os relatórios dos nossos camaradas, mais do que os relatórios das entidades oficiais portuguesas, é o relatório do grande general do exército inimigo Ludendorff, que assinado com justiça que de todas as grandes ofensivas por êle realizadas e dirigidas contra a frente ocidental do teatro da guerra, aquela que menos progressos e facilidades ofereceu, aquela em que encontrou maior resistência, foi justamente na que mandou contra o sector que, em 9 de Abril, estava ocupado por um deminuto contingente português, gasto e depauperado.
Não envolve esta minha afirmativa p mínimo desprimor para com os aliados. Trata-se apenas de prestarmos justiça a nós próprios.
Sr. Presidente: mas não foi só na Flandres que os portugueses gastos e depauperados, mostraram ser portugueses. Nas nossas colónias, em Angola, e Moçambique, em condições bem mais difíceis do que aquelas em que combateram na Flandres, os portugueses souberam briosamente cumprir o seu dever.
E, se da terra passarmos ao mar e ao ar, quantos feitos brilhantes há a registar?
Em todas houve mártires e heróis mas todos cumpriram briosamente o seu dever.
Os portugueses souberam sempre ser portugueses.
É, pois, Sr. Presidente, compenetrado sinceramente de tudo quanto acabo de expor e afirmar, que como chefe do exército o representante do Govêrno, me associo à proposta apresentada por V. Ex.ª, devendo ainda, na minha qualidade de Ministro da Guerra, se me é permitido, agradecer as manifestações que por todos os lados da Câmara foram feitas, saudando o esfôrço do soldado português.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados a fineza de ocuparem os seus lugares.
A forma como a Câmara acolheu a proposta, não deixa dúvidas de que ela foi aceita por aclamação.
Nestas circunstâncias, como preito de homenagem ao Soldado Desconhecido e ao 9 de Abril, peço aos Srs. Deputados que se conservem de pé, em silêncio, durante dois minutos, com a frente voltada para o lado da Batalha.
A Câmara conservou-se de pé e em silêncio, durante dois minutos.
O Sr. Presidente: — Está terminada a manifestação.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Pinto da Fonseca, presidente da comissão de inquérito aos Bairros Sociais, em 23 de Março último enviou à Presidência desta Câmara uma carta pedindo a demissão colectiva da mesma comissão.
O Sr. Pedro Ferreira: — Sr. Presidente: na ausência do Sr. Pinto da Fonseca, ilustre presidente da comissão de inquérito aos Bairros Sociais, os meus colegas
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nessa comissão encarregaram-me do explicar à Câmara o motivo que nos levou a pedir a demissão colectiva.
Sr. Presidente: tem esta comissão conhecimento de que o engenheiro, Sr. Inácio Pimentel, dirigia a V. Ex.ª um requerimento pedindo a substituição nessa comissão do ilustre secretário dela, o meu querido amigo e prezado colega Sr. Sá Pereira, acusando-o de ser parcial nos inquéritos a que estava procedendo, chegando a afirmar que S. Ex.ª arrancava das testemunhas declarações que elas não queriam fazer.
Ora V. Ex.ª e a Câmara conhecem quam elevado é o carácter do Sr. Sá Pereira (Apoiados), e quam grande é o seu amor à justiça e à moralidade.
Eu assisti a muitos dêsses inquéritos e vi que S. Ex.ª procedia com toda a dignidade e probidade, sendo apenas impulsionado pelo seu amor à causa da justiça e moralidade.
Portanto, S. Ex.ª teve o procedimento que não podia deixar de ter, pedindo a demissão, procedimento com o qual os restantes membros da comissão se solidarizaram.
Eram estas as explicações que eu queria dar à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida na Mesa uma nota de interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro do Comércio.
É a seguinte:
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro do Comércio sôbre as condições em que se fez a emissão do solo comemorativo da viagem aérea ao Rio de Janeiro e ainda sôbre as condições em que se fez a colocação dos selos que excederam as necessidades normais de consumo durante três dias. — Cunha Leal.
Admissões
São admitidas à discussão as seguintes proposições de lei:
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Trabalho, transferindo de uns para outros capítulos do orçamento do Ministério do Trabalho a quantia de 86. 800$ para pagamento de cotas ao «Office International de Higiene Publique».
Para a comissão de administração pública.
Projectos de lei
Do Sr. Tôrres Garcia, mandando passar aos quadros auxiliares e considerar permanentemente supranumerários os oficiais milicianos de artilharia, engenharia e do serviço de administração militar actualmente em serviço.
Para a comissão de guerra.
Dos Srs. Tavares de Carvalho, Cortês dos Santos e António de Mendonça, substituindo por outras as alíneas a) e c) do artigo 189.º do § 2.º do decreto n.º 3:919, de 28 de Fevereiro de 1918.
Para a comissão de guerra.
Do Sr. João Bacelar, para que seja lançado sôbre o imposto de transacções e cobrado juntamente com êste, no distrito de Coimbra, o adicional de 4 por cento e entregue à Comissão Administrativa da Maternidade.
Para a comissão de saúde e assistência pública.
Do Sr. Júlio Gonçalves, criando uma assemblea eleitoral na freguesia de Tocha, concelho de Cantanhede.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs. Viriato da Fonseca, Carlos de Vasconcelos, José de Magalhães é António Maia, revogando a alínea b) do artigo 4.º do decreto n.º 7:415, de 23 de Março de 1921.
Para a comissão de colónias.
Dos Srs. Viriato da Fonseca e António Maia, alterando as disposições dos decretos de 24 de Agosto de 1848, 5 de Dezembro de 1910 e 24 de Março de 1911.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Licenças
Do Sr. Albino Pinto da Fonseca, 60 dias.
Do Sr. Sousa da Câmara, 6 dias.
Concedidas.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
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Ofícios
Do quartel general da 1.ª divisão, pedindo autorização para serem ouvidos num acto de corpo de delito, os Srs. Deputados Cunha Leal, Manuel Alegre, António Correia e Francisco Cruz.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do juízo da comarca das Caldas da Rainha, pedindo autorização para o Sr. Maldonado de Freitas poder depor como testemunha no dia 5 de Abril.
Arquive-se.
Do Tribunal do Comércio de Lisboa, autorização para depor como testemunha o Sr. Lourenço Correia Gomes.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Carta
Do presidente da comissão de inquérito aos Bairros Sociais, pedindo a demissão colectiva desta comissão.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que me parece que o pedido de demissão feito pela comissão de inquérito aos Bairros Sociais não pode de forma alguma ser atendido.
É possível que os membros da comissão de inquérito, por não serem pròpriamente profissionais no exercício da magistratura, não tenham a prática que conviria que tivessem.
É de todos os dias que os responsáveis ou aqueles a que só imputam, com ou sem razão, responsabilidades por quaisquer faltas se queixem dos magistrados, dos juizes, de todos quantos intervêm na organização dos respectivos processos. Se, porém, a simples queixa, sem mais alegações, sem mais documentação, bastasse para afastar do exercício das suas funções de apuramento de responsabilidades aqueles que essas funções devem exercer, isso seria o mesmo que tornar absolutamente impossível toda a acção repressiva.
Estava descoberto o meio do todos aqueles que fossem acusados do quaisquer responsabilidades eliminarem a possibilidade de se apurarem essas responsabilidades.
Não se pode admitir êsse precedente; e eu, que não me entusiasmo pelo uso de se conferirem atribuição de caracter judicial à Câmara dos Deputados ou a alguns dos seus membros, entendi em todo o caso que, desde que alguns membros da Câmara, por uma resolução dela, têm de exercer as funções de apuramento de responsabilidades; seja de que ordem forem, êles não podem deixar de se manter nos seus lugares, quaisquer que sejam as acusações, mais ou menos vagas, mas sempre indocumentadas que contra êles sejam dirigidas.
A comissão nomeada deve continuar a exercer o sou mandato e a Câmara cumprirá o seu dever não acedendo ao pedido de demissão que lhe foi formulado.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro (para explicações): — Sr. Presidente: o que eu queria dizer consubstancia-se precisamente na doutrina que acaba de ser exposta pelo ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro.
Os Deputados que estão encarregados da sindicância aos Bairros Sociais não têm o direito de se demitir por melindre do um indivíduo indicado como réu.
A propósito, porém, devo recordar que tantas sindicâncias estão sendo feitas, desde a relativa aos Transportes Marítimos do Estado até não sei já bem qual, sem que cousa alguma se apure definitivamente.
é preciso que o Govêrno dê aos respectivos magistrados os meios de trabalhar e que, para honra nossa, essas investigações se concluam de vez.
Vêem-se indivíduos que são presos por se acharem acusados de falsificações, etc., e passado pouco tempo encontramo-los já na rua em completa liberdade.
Chamo, pois, a atenção do Sr. Presidente do Ministério para êste assumo, á fim de que tais sindicâncias se concluam, pois não é admissível que deixemos acusar o regime por se não cumprir aquilo que se determinou.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Morais de Carvalho (para explicações): — Sr. Presidente: não estava na
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sala quando se levantou o incidente sôbre o qual acabo de pedir a palavra.
Como V. Ex.ª sabe, tenho a honra de ser o representante da minoria monárquica na comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Por motivo de um melindre que é muito de louvar da parte do ilustre Deputado, Sr. Sá Pereira, meu colega nessa comissão, entendeu S. Ex.ª que devia pedir a sua demissão.
Um indivíduo dirigiu-se-lhe em termos que S. Ex.ª julgou lhe deminuiria a autoridade para continuar na comissão. E, como nós sabemos o zêlo e dedicação que o Sr. Sá Pereira tem demonstrado na comissão, depois de instarmos com S. Ex.ª para ficar e de vermos que os nossos esfôrços eram inúteis, resolvemos pedir a demissão colectiva.
Era isto que eu tinha a dizer.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Melhor do que a Câmara conhece o Sr. Sá Pereira a muita consideração e muito apreço que tenho pôr S. Ex.ª, e que, portanto, as palavras que vou proferir não têm nada de desprimoroso para S. Ex.ª
O mal é fazer-se dos Deputados juizes, (Apoiados), mas, desde que são juizes, têm de se sujeitar a que qualquer arguido lhes deduza artigos de suspeição, da mesma forma que qualquer réu o faz aos juizes do supremo Tribunal de Justiça que são os mais altos magistrados do País. Êstes não pedem a demissão por isso.
Posta a questão neste pé, não me parece que tenha cometido um crime o indivíduo que fez êsse requerimento. Considerou o que devia fazer pelo procedimento do Sr. Sá Pereira, no que andaria bem ou mal, mas creio que mal, porque conheço o carácter do Sr. Sá Pereira.
Êsse indivíduo estava no direito de fazer o seu requerimento.
Não reconheço aos que aceitaram a missão de julgarem o direito de, a propósito dêsse requerimento, se afastarem dessa função.
O Sr. Sá Pereira, visado nesse requerimento, está no direito de se manter no seu lugar, porque a Câmara já lhe manifestou a sua consideração e confiança, ou de não se manter.
A comissão deu-lhe já a manifestação de solidariedade que devia dar-lhe; mas chegar à conclusão que a comissão se deve demitir, simplesmente porque um indivíduo num requerimento deduz suspeição a um dos seus membros, não se pode admitir.
Daqui a pouco tempo qualquer usa dêsse meio; e não haverá possibilidade de encontrar no Parlamento quem desempenhe uma tal missão.
Havendo um poder do Estado, chamado Poder Judicial, a quem incumbiria a função que foi dada a essa comissão, mal parece que só lhe retirem tais funções.
Nós devemos colocar êsse poder em situação absolutamente constitucional, visto que a Constituïção deu a cada poder a missão que lhe compete.
Sr. Presidente: em resumo, a minha maneira de vêr é que não é censurável o indivíduo que apresentou êsse requerimento.
É tam legítimo êsse requerimento, como seria mesmo o dum réu que o pode fazer até a um tribunal superior, até já depois de condenado.
Compreendo o melindre do Sr. Sá Pereira, a quem mais uma vez presto a minha homenagem.
Compreendo que é legítima a solidariedade que a comissão lhe quere dar e faço votos para que dêste incidente resulte a condenação do princípio de atribuir às comissões parlamentar e funções judiciais que devem ser entregues exclusivamente ao Poder Judicial, a cuja alta função elas pertencem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — O meu ilustre colega Sr. Morais de Carvalho já expôs o seu modo de ver, sôbre o caso em discussão — o seu modo de vêr pessoal — porque sendo S. Ex.ª um dos membros da comissão que pedem a sua demissão, não podia lògicamente falar em nome dêste lado da Câmara.
Pôsto o caso pela forma por que o foi, a minoria monárquica tem muita honra em testemunhar ao Sr. Sá Pereira, toda a sua solidariedade, tanto mais que se trata de alguém que tem por hábito, nesta Câmara, defender com calor e honesti-
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dade os bons princípios da moral administrativa.
O Sr. Sá Pereira é nosso intransigente adversário político, mas isso não nos cega até o ponto de negarmos justiça a quem a merece; e por isso não nos impede de fazer votos por que S. Ex.ª volte a assumir as suas funções de secretário da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Bairros Sociais, o que certamente S. Ex.ª não deixará de fazer, reconsiderando sôbre a urgente necessidade de pôr ponto numa questão que de há muito vem sendo protelada em desprestígio da administração pública.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Eu não tive nas palavras que há pouco pronunciei, o intuito de julgar irregular o procedimento do funcionário arguido e cujas responsabilidades a comissão está tratando de averiguar.
O direito de defesa é amplo e êsse funcionário exerceu-o como muito bem entendeu.
Era isto o que eu tinha a dizer em resposta à parte que poderia ter-me sido dirigida nas palavras do Sr. Pedro Pita.
O Sr. Pedro Pita: — Não me referi a V. Ex.ª pelo motivo de não ter encontrado nas suas considerações qualquer cousa que contrariasse o meu pensamento a êste respeito.
O Orador: — O que é facto é que esta Câmara repetidas vezes, e naturalmente ao abrigo duma disposição constitucional que lhe permite inquirir do modo como as várias administrações são exercidas, tem nomeado comissões de inquérito, com amplos poderes.
É desde que essas comissões existem, nós precisamos absolutamente de garantir a cada um dos seus componentes uma plena liberdade de acção, colocando-os ao abrigo dos ataques ou arguições que nós, pelo conhecimento que temos das qualidades morais e de carácter das pessoas visadas, sabemos que são infundados.
Por estas razões insisto em que, segundo o meu modo de ver, o pedido de demissão da comissão de inquérito aos Bairros Sociais deve ser indeferido.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer a todos os lados da Câmara a forma como se referiram ao meu procedimento na comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Nunca até hoje pessoa alguma tinha lançado quaisquer insinuações sôbre o meu carácter.
Posso ser por vezes ríspido, mas o que posso garantir é que jamais na minha vida eu pratiquei um acto que pudesse ser menos digno dum homem de bem ou atentatório dos direitos e da honra seja de quem fôr.
Dentro da comissão de inquérito aos Bairros Sociais, tenho trabalhado muito, procedendo — sob minha honra afirmo a V. Ex.ª — sempre com a maior imparcialidade seja contra quem fôr.
Não estamos lá para outra cousa que não seja apurarmos o que de verdade há a respeito das gravíssimas acusações que têm sido feitas à forma como decorreu a administração dos Bairros Sociais.
Agradeço à Câmara, repito-o, a prova de consideração que acaba de dispensar-me; mas eu desejaria que o meu pedido de demissão fôsse aceito, porque assim ficariam melhor as pessoas que a pedem e eu escusava de incomodar-me mais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara sôbre o pedido de demissão da comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Consultada a Câmara, resolveu não aceitar a demissão dessa comissão.
O Sr. Presidente: — Como o Sr. Carvalho da Silva deseja tratar em «negócio urgente», da aplicação do decreto governamental, relativo a lucros ilícitos, vou consultar a Câmara sôbre se permite ou não que S. Ex.ª use da palavra.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
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O Sr. Carvalho da Silva (para um negócio urgente): — Começo por agradecer à Câmara a autorização que acaba de me conceder para tratar dêste assunto, pedindo, para as considerações que vou formular, a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Sr. Presidente: é bastante melindroso o assunto de que vou ocupar-me; e é bastante melindroso porque as circunstâncias aflitivas em que se encontra a quási totalidade da população do país, em matéria de custo de vida, fazem com que seja fácil aos espíritos simplistas aceitarem doutrinas perniciosas, principalmente quando informações que lhe dizem respeito saem das bancadas do Govêrno e principalmente quando os diplomas emanados do Poder Executivo vêm ser, por assim dizer, uma sanção ao espírito de revolta que se pretende criar nesses espíritos simplistas, contra determinadas classes.
Ninguém mais do que eu se revolta contra qualquer especulação da qual resultem dificuldades de vida para o povo.
Não é com promessas ilusórias nem é procedendo do forma a armar só à popularidade que se resolvem os problemas económicos. Pelo contrário: êles exigem uma ponderação e um cuidado que infelizmente há muito estão banidos da maneira por que são tratados pelos govêrnos da República.
Publicou o Govêrno em 21 de Outubro de 1922 o decreto n.º 8:444, chamado dos lucros ilícitos, publicando em 21 do mês passado o decreto n.º 8:724, destinado a pôr em execução aquele primeiro, isto é, a regulamentar num decreto as palavras que têm sido proferidas pelo Sr. Presidente do Ministério em nome do Govêrno.
A maneira como S. Ex.ª e vários outros Srs. Ministros têm tratado as classes comercial, industrial e agrícola é de molde a aumentar o espírito de animosidade do povo contra essas classes atribuindo-lhes a exclusiva responsabilidade da carestia da vida.
Sr. Presidente: se nós examinarmos êstes dois diplomas, começamos por ver que o Govêrno estabelece o que são lucros lícitos e ilícitos, indicando no primeiro diploma que para o comerciante por grosso o lucro de 10 por cento é o lucro lícito, e que para o comerciante a retalho como lucro ilícito seria estabelecido o que uma comissão determinasse. Vai depois mais longe o Govêrno, num documento ultimamente publicado, dizendo que para o comerciante a retalho é lucro ilícito tudo o que exceda 15 por cento.
Eu desejaria que o Sr. Presidente do Ministério me dissesse como é que se entende que é lucro ilícito todo o lucro superior a 15 por cento numa época de constante desvalorização da moeda. Por exemplo: um comerciante compra numa determinada época um artigo qualquer por 1. 000$, o vendou-o no dia seguinte ou dali a dois meses com um lacro lícito de 10 por cento; mas se quiser comprar o mesmo artigo para substituir o que vendeu tem de dar muito mais.
Ora eu pregunto como é que neste caso se determina o lucro ilícito?
Acho que se legisla com muita ligeireza de ânimo neste País, desde que se cumprindo as leis que só promulgam elas possam acarretar a falência da maior parte dos comerciantes do País.
Eu pregunto como é que o Govêrno pode fazer leis como êstes dois decretos a que me estou referindo?
Não é assim de ânimo leve que se tratam os assuntos económicos, e uma vez publicados êstes diplomas o povo no seu espírito simplista, de mais a mais incitado por uma propaganda perniciosa dos partidos e da imprensa política que querem afastar dos seus correligionários a causa do agravamento do custo da vida, o povo tende a atribuir às classes comerciais e industriais as causas da carestia da vida.
E eu pregunto se pode sentar-se naquelas cadeiras um Govêrno deante dum perigo desta ordem que pode aparecer dum momento para o outro, tanto mais que não só se faz côro com o espírito simplista do povo, mas ainda o incita contra determinadas classes. E não tem razão; porque se há industriais ou comerciantes que abusam, e não nego que os haja e até contra êles vai a minha indignação, há também muitos comerciantes honestos que ficam sujeitos às sanções da lei, que vão até às penas de cadeia, quando êles com grandes dificuldades mantém os seus negócios.
Como poderá ser levados à cadeia,
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por venderem com lucros superiores a 15 por cento, os géneros que compravam, quando todos sabem que o comerciante, numa época de depreciação de moeda, se seguir um processo desta ordem, está na falência no dia seguinte?
Numa época de depreciação da moeda, o preço para quem vende o género não é função de preço por que o comprou, mas sim função do preço por que vai comprar outro para substituir aquele.
Esta é que é a verdade.
Sr. Presidente: as consequências que o Govêrno, com êste decreto, pode acarretar á economia do País, são gravíssimas.
Assim, temos exemplos flagrantíssimos, como o do trigo nacional, que longe de vermos aumentar na sua produção observamos que ela vai diminuindo cada vez mais, dando em resultado uma saída enorme de ouro para o estrangeiro, isto em virtude da acção dos govêrnos.
A Câmara sabe que o lavrador quando vende o produto está em circunstâncias idênticas às dum comerciante; e numa época de depreciação de moeda, vender-se a prazo é uma cousa perigosa em extremo.
Nestas condições, a diminuïção da produção do trigo nacional agrava a nossa situação cambial e o custo da vida.
É assim que tem de falar ao povo quem não procura viver da intriga lançada entre as diversas classes.
Sr. Presidente: muito sinceramente me revolto contra a especulação, mas também presto a minha homenagem aos comerciantes, industriais e agricultores que não exorbitam não prejudicando a vida do País.
Eu não procuro agravar ninguém, mas também não pretendo armar à popularidade; apenas defendo os princípios conservadores que são os mais consentâneos aos interêsses da Nação e que melhor conviriam ao País na situação melindrosa que atravessa.
Sr. Presidente: eu não quero agredir ninguém; defendo, como disse, só os princípios conservadores, que são os que convêm a uma sociedade bem organizada.
E só presto também a minha homenagem àqueles comerciantes e industriais que também defendem êsses princípios.
Eu desejava que o Sr. Presidente do Ministério me fizesse o favor de dizer se mantém êste decreto dos lucros ilícitos e qual a forma de o executar.
Repito: sou contra aqueles que especulam, mas presto a minha homenagem a todos os que procedem honradamente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Eu podia dispensar-me de responder ao Sr. Carvalho da Silva visto S. Ex.ª estar ao lado daqueles que não especulam.
Ninguém em terra portuguesa, e creio que até além fronteiras, ignora que se está fazendo uma vil especulação no comércio, na indústria e na agricultura.
O Govêrno não quere armar à popularidade, porque, se tal tivesse querido, não faria mais do que cumprir realmente aquilo que se lhe tem pedido até nesta Câmara — não seria a guilhotina, mas uma severa punição.
Nunca Govêrno algum a que eu pertencesse ou a que tenha presidido procurou armar à popularidade, mesmo porque nunca se ganha com isso cousa alguma, visto que, na verdade, a popularidade é uma cousa que dura o tempo das rosas.
A obrigação do Poder Executivo e do Poder Legislativo, se realmente sentem as necessidades que o povo sofre, é provarem que o sabem defender à outrance da garra daqueles que têm praticado actos que andam na tradição oral.
Nenhum agricultor, industrial ou comerciante, honesto nas suas transacções, pode ter receio do decreto. O que, porém, não é admissível é o procedimento daqueles que marcam duas, três ou mais vezes por dia preço para as suas mercadorias.
Variados casos foram apontados a esta Câmara o ao Senado, outros têm-nos relatado os jornais. É para êsses que vai toda a nossa indignação, como ia a de S. Ex.ªs quando diziam que o Govêrno não cuidava como devia dos interêsses das classes populares.
Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — As classes que me levaram a representação, até em parte encomiástica para mim, eu respondi que nunca ocultaria as minhas responsabilidades atrás
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de qualquer dos meus colaboradores e que, assim, êsses elogios não me cabiam a mim, mas a todos.
Êsse decreto foi discutido em mais de um conselho de Ministros. Todos nele puseram a sua assinatura e nenhum de nós é tam imbecil que fôsse pôr o seu nome num diploma com que não concordava.
Vários comerciantes têm ido dizer aos jornais que é chegada a hora de o comércio deixar de enriquecer em poucos minutos, pois. o comerciante de outros tempos levava anos e anos a trabalhar porfiadamente para angariar os seus meios de vida e só ao cabo de vinte ou trinta anos alguns chegavam a enriquecer. Hoje não há o sentimento das proporções. Não são só pròpriamente os comerciantes, mas também os milicianos de que aqueles se serviram em parte.
Houve tempo em que bastava a palavra honrada de um comerciante português para se fazer qualquer transacção; mas, infelizmente, por virtude, em especial dos milicianos, foi-se perdendo o conceito em que éramos tidos nas praças estrangeiras.
Eu disse a êsses indivíduos que basta o decreto ter saído dum conselho de Ministros para a êle ter do apresentar a sua reclamação que contas só as tinha de dar ao Poder Legislativo, porque nunca sujeitaria o Govêrno a qualquer outra entidade que se entendesse no direito de o julgar.
Se nesse decreto houver qualquer cousa susceptível de se emendar, assim se praticará. Mas mal iria ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo, se não se importasse com a situação aflitiva que pesa sôbre a maioria dos portugueses. Se assim não se fizesse, o povo tinha o direito de proceder.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Declarou o Sr. Presidente do Ministério que o Govêrno estava pronto a alterar algumas disposições do decreto que, porventura, fossem mais vexatórias, ou atentatórias dos bons princípios.
Ora todo o decreto assenta sôbre o que sejam lucros lícitos, e ilícitos, e nada há que possa esclarecer onde começam os lucros ilícitos e acabam os lícitos.
De forma que o decreto é uma verdadeira monstruosidade.
Nos poucos minutos de que disponho não quero deixar de acentuar que até certo ponto há nos espíritos simplistas uma grande indisposição contra aqueles que fizeram grandes fortunas durante a guerra. Mas essas grandes fortunas, que se fizeram repentinamente durante a guerra e no actual período, não foram com a venda de quaisquer mercadorias. A maioria dessas fortunas tem-se realizado com a desvalorização da moeda. E assim sucedeu que houve muitos que enriqueceram, tendo logo em seguida perdido o dinheiro que haviam ganho. Pouco paradoxal, mas é um facto e podia citar centenas de casos para demonstrar quanto é verdadeira esta asserção.
Numa época de depreciação de moeda a sorte grande saiu a quem no início da crise devia muito dinheiro.
Quem devia muito dinheiro em moeda forte tinha garantida uma fortuna prontamente feita; porque tendo recebido moeda forte, pagava em moeda fraca, ganhando assim a diferença.
Uma grande casa industrial de Lisboa, pertencente a uma firma muito respeitável, levantou em diversos bancos 2:500 contos, para explorar a indústria metalúrgica. No ano passado quando viu a sua situação, encontrou um activo de 4:000 contos e um passivo de 2:500 contos que devia aos Bancos. Ganhara essa sociedade 1:500 contos, mas ganhara, como?
Quando foi receber os 2:500 contos, recebeu em moeda forte e, quando pagou, pagou em moeda fraca. Quere dizer a sua indústria dera um prejuízo de 4:000 contos.
Assim à custa dos Bancos essa firma conseguiu ganhar uma fortuna.
Não quere isto dizer que tivesse vendido demasiado caro os seus produtos.
Já disse que êste lado da Câmara é contra todas as especulações, mas somos contra o decreto que assenta numa base monstruosa devendo portanto, causar perturbações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Menano: — Sr. Presidente: pedi a palavra para dêste lugar reclamar
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providências ao Sr. Ministro do Interior contra o atraso com que está correndo a sindicância à polícia de Lisboa; e faço-o convicto de que cumpro um dever, porque tem-me chegado a notícia de que alguns funcionários afastados dos seus cargos estão atravessando uma crise a que não podemos ser indiferentes.
Sei que o Sr. Presidente do Ministério que é dotado de magníficos sentimentos não tem a responsabilidade da demora da sindicância; mas será conveniente que, seja quem fôr o responsável dessa demora, essa sindicância seja ultimada no mais curto espaço de tempo e sejam apuradas as responsabilidades que haja a apurar, para êsses funcionários não continuarem na situação em que se encontram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: o Sr. Paulo Menano chamou a minha atenção para a demora que tem tido a sindicância à polícia de Lisboa.
A sindicância não pode eternizar-se, porque acabaria o público por se convencer de que se teriam cometido irregularidades.
A sindicância tem levado mais tempo do que era justo — o que não deve continuar, mesmo porque continuando os funcionários afastados do serviço, muito tempo nessa situação, daria em resultado que reintegrados teriam de receber os seus vencimentos e teriam ganho sem trabalharem.
No meu Ministério, a verba para sindicâncias é de 600$ para todos os serviços; de modo que isso representa uma dificuldade para se poderem fazer as sindicâncias necessárias.
Esta situação não pode continuar e há a necessidade de qualquer providência que deverá ser apresentada ao Parlamento, o qual a deve examinar no mais curto espaço de tempo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, para um facto que considero de muita importância e digno de ser ràpidamente atendido pelo Govêrno.
Não sei em que alturas se encontra a questão que diz respeito às melhorias pedidas pelo funcionalismo público; mas entendo dever chamar imediatamente a atenção do Sr. Ministro das Finanças, para a situação verdadeiramente aflitiva em que se encontra a guarda fiscal.
Ultimamente durante a minha estada em Portalegre, onde existe uma secção muito numerosa da guarda fiscal, fui procurado por muitos dêsses humildes servidores do Estado, que me afirmaram ganhar alguns deles, com trinta anos de serviço, o irrisório vencimento de 82$, incluindo todas as melhorias.
Esta situação é insustentável, pois 82$ por mês não chegam nem para o pão.
Êste facto não pode ser indiferente ao Sr. Ministro das Finanças tanto mais que não pode ser considerado isoladamente, porque há-de fatalmente reflectir-se no contrabando para a Espanha.
Os soldados da guarda fiscal, que ganham miseravelmente, apelam para os poderes do Estado, a fim de que se lhes acuda à sua situação que é absolutamente insustentável.
Chamo portanto a atenção do Sr. Ministro das Finanças para êste facto, esperando do seu espírito de justiça as providências necessárias que êle requere.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: são muito justas as considerações do Sr. António Correia.
Não se pode manter por mais tempo, efectivamente, a situação em que se encontra a guarda fiscal, tanto na reserva como no activo.
Se eu ainda não trouxe ao Parlamento qualquer proposta no sentido de melhorar a situação das praças da guarda fiscal foi porque estava pendente da discussão uma proposta anteriormente apresentada com êsse fim, proposta que já esteve dada para ordem do dia e que mais tarde foi retirada.
Estou à espera de que as circunstâncias permitam que essa proposta volte novamente para ser discutida, a fim de, com a maior brevidade possível, se reme-
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diarem os inconvenientes que o ilustre Deputado apresentou.
Com efeito, essa situação não pode continuar, não só porque é absolutamente impossível um indivíduo com trinta anos de serviço estar a ganhar 82$ mensais, mas ainda porque não podemos exigir um esfôrço tam aturado e uma honradez que tem estado à prova de tudo, pagando-se miseravelmente.
Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que marque para ordem do dia, logo que seja possível, essa proposta e então o Sr. António Correia terá ensejo de apresentar qualquer proposta de emenda que, se fôr justa e estiver de harmonia com os recursos do Estado, terá a minha completa aprovação.
Tenho dito.
O orador hão reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 11, às 14 horas, com a seguinte ordem dos trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Parecer n.º 380 que fixa as percentagens adicionais às contribuições directas do Estudo, que constituem o imposto directo ã favor dos corpos administrativos.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Parecer n.º 205 que dispensa de novo concurso para promoção, os aspirantes de finanças, nos casos da alínea a) do n.º 8.º do artigo 65.º do decreto n.º 5:524, de 8 de Maio de 1919.
Parecer n.º 350 que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo até 500. 000$ para construção da Escola Industrial de Bernardino Machado, na Figueira da Foz.
Parecer n.º 378 que modifica disposições da Lei de Separação das igrejas do Estado.
Parecer n.º 353 que autoriza a Caixa de Credito Agrícola Mútuo da Régua a avaliar os prédios oferecidos pelos sócios para constituição do seu crédito.
Parecer n.º 160 que aplica aos funcionários municipais das colónias, em gôzo de licença nas terras da sua naturalidade, na metrópole ou noutra colónia, as disposições em vigor para os funcionários do Estado em idênticas circunstâncias.
Parecer n.º 284 que autoriza a nomeação de segundo assistente definitivo da Faculdade de Sciências da Universidade de Lisboa, o actual contratado João Rocha.
Ordem do dia:
Parecer n.º 411-A, orçamento do Ministério do Interior.
Parecer n.º 302 que autoriza o Poder Executivo a negociar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos.
Parecer n.º 411-B, orçamento do Ministério do Comércio.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, e com toda a urgência, me seja fornecida cópia de todas as propostas de adjudicação de navios da frota mercante do Estado, apresentados ao concurso aberto por fôrça da lei n.º 1:346, e bem assim de qualquer proposta para compra isolada de navios.
Mais requeiro me seja informado se o vapor Estremadura pertence ou não à frota do Estado. — Carlos Pereira.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja facultado, com a maior brevidade, o exame do processo relativo à operação de cedência de libras pelo Estado a alguns Bancos de Lisboa. — António da Fonseca.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja enviada cópia do arrolamento feito na igreja de S. Francisco de Paula, de Lisboa, quando da execução da lei da Separação das igrejas do Estado. — Bartolomeu Severino.
Expeça-se.
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros do Interior e Finanças, tornando extensivos aos cabos e soldados da Guarda Nacional Republica-
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na, em todo o continente, os abonos concedidos aos cabos e soldados de Lisboa, pela lei n.º 1:039, e aplicando à mesma guarda designadas gratificações de read- missão.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimento
Do primeiro sargento de infantaria 8, pedindo para se lhe abonar 300$ de ajuda de custo a que se julga com direito.
Para a comissão de guerra.
O REDACTOR — João Saraiva.