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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 62
EM 17 DE ABRIL DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Joaquim Brandão
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados.
É lida acta que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
São admitidos projectos de lei, já publicados no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Delfim de Araújo acusa o juiz de direito da comarca de Paredes.
Responde o Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão).
O Sr. Vasco Borges realiza uma interpelação, anunciada ao Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Carvalho da Silva requere, e é aprovado o requerimento, a generalização do debate.
Em sessão prorrogada, usam da palavra sôbre a matéria os Srs. Presidente do Ministério, Carlos de Vasconcelos, Jorge Capinha e Ferreira de Mira, e sôbre a ordem, apresentando moções, que são admitidas, os Srs. Carlos Pereira, Paulo Cancela de Abreu, Sá Pereira, Pedro Pita, Tavares de Carvalho, Dinis da Fonseca e Carvalho da Silva.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. Jaime de Sousa, Nunes Loureiro e Pedro Pita.
São rejeitados requerimentos pedindo prioridade para as moções dos Srs. Sá Pereira e Pedro Pita.
É dividida em duas partes a moção do Sr. Carlos Pereira.
Ambas são aprovadas, sendo rejeitado o pedido de votação nominal para esta moção, obtendo a segunda parte 30 votos contra 26.
Em votação nominal, requerida pelo Sr. Tavares de Carvalho, é rejeitada por 36 votos contra 22 a moção do Sr. Pedro Pita.
As outras moções são consideradas prejudicadas, depois de se trocarem explicações entre o Sr. Presidente e os Srs. Cancela de Abreu e Dinis da Fonseca.
Encerrasse a sessão, marcando-se a imediata para as 21 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Última redacção. — Propostas de lei. — Parecer. — Declarações de voto. — Requerimentos.
Abertura da sessão, às 15 horas e 22 minutos.
Presentes à chamada, 41 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Lino Neto.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João de Sousa Uva.
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Diário da Câmara dos Deputados
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Fernando Augusto Freiria.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xaxier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim Costa.
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Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principia a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 41 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 22 minutos.
Lê-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Pedidos de licença
Do Sr. Marques de Azevedo, oito dias.
Do Sr. Alberto Cruz, cinco dias.
Do Sr. Correia Gomes, dois dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Ofícios
Do Ministério da Guerra, pedindo autorização para o Sr. Pires Cansado poder ser ouvido como testemunha.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Ministério da Guerra, respondendo, ao ofício n.º 330, que comunicou o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.
Para a Secretaria.
Representação
Da Associação dos Médicos Portugueses, pedindo modificações à proposta de lei que cria uma taxa pessoal para as profissões liberais em substituição do imposto sôbre o valor das transacções e da taxa complementar da contribuição industrial.
Para a comissão de finanças.
Requerimento
De José de Araújo Cerveira e Serra, general reformado, pedindo modificações à lei n.º 1:039 da Ordem do Exército n.º 9.
Para a comissão de guerra.
Telegrama
Da comissão dos encarregados teléfono-postais pedindo para ser discutido o projecto de lei referente a êles.
Para a Secretaria.
Carta
Da esposa e filha do falecido Deputado João Pedro de Almeida Pessanha, agradecendo o voto de sentimento da Câmara.
Para a Secretaria.
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Admissões
São admitidos os seguintes projectos de lei, já publicados no «Diário do Govêrno":
Do Sr. Francisco Cruz, criando uma freguesia no lugar de Gondemaria, concelho de Vila Nova de Ourém.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Francisco Dinis de Carvalho, dividindo o concelho do Cadaval em quatro assembleas eleitorais.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão presentes 49 Srs. Deputados. Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Delfim Araújo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça para um facto que reputo grave. Não obstante ter o maior respeito e admiração pela magistratura portuguesa, quero apontar alguém que, pelos seus actos, é indigno de estar no meio dela.
Refiro-me, Sr. Presidente, ao juiz da comarca de Paredes, cuja biografia é deveras interessante, e foi largamente distribuída em 1902, em opúsculo que dizia dele como galopim:
«Foste tam supinamente imbecil que te apossaste da idea de que se ganhasses a eleição no concelho alcançarias do actual Ministro da Justiça como prémio a nomeação de juiz».
Sr. Presidente: imbecis eram os que escreveram o que acabo de dizer, porque passado pouco tempo, êsse homem era nomeado juiz auditor.
Galopinando chegou a juiz!
Acresce ainda que êste homem nas últimas eleições da monarquia roubou cêrca de 200 votos aos republicanos, em Amarante, e apesar disto, quando foi proclamada a República, êle ingressou nela com toda a sua criminosa bagagem.
Foi depois colocado na Tutoria da Infância do Pôrto, donde, não obstante o seu ilustre mano bater o pé, teve de ser expulso, por factos vergonhosos que lá cometeu, como fornecimentos de azeite, cordas velhas por cordas novas, ferramentas velhas por novas, etc. etc.
É ainda êste indivíduo o mesmo que mandou os meninos à missa por alma de D. Carlos, e que para se justificar dêste facto, não teve dúvidas em rasurar uma ordem de serviço, para provar que não estava lá nesse dia.
Sr. Presidente: depois de demitido da tutoria, foi infelizmente parar à minha comarca, onde como é seu costume, tem praticado toda a casta de tropelias e perseguições.
Porém, pessoas houve que tiveram a coragem de pensar em queixar-se ao Conselho Superior Judiciário. Uma delas conseguiu êle subornar, fazendo depois com que essa criatura lhe passasse um atestado de homem honesto e inteligente.
O outro, porém, veio acusá-lo perante o tribunal. Mas o arguido em breve teve em seu poder cópia da acusação, fez uma circular e mandou os seus oficiais percorrer a comarca inteira para lhe serem passados atestados de bom comportamento, conseguindo até que pessoas que dele tinham amargas queixas, mas tinham processos em juízo, passassem atestados, vendendo-lhes êle a justiça da parte contrária.
Usou ainda êste juiz de processos vergonhosos, como o levantamento de campanhas de difamação contra colegas e até contra senhoras honestas que estiveram em Paredes. Teve até a falta de pudor necessária para processar as testemunhas que contra êle depuseram.
Há um facto do toda a importância, porque os agentes do Ministério Público, mesmo superiormente colocados, não podem andar fazendo serviços de advocacia e conseguir que colegas seus sancionem injustiças desta natureza.
É que apesar das queixas contra o arguido serem graves e acompanhadas de rol de testemunhas, promoveu o Ministério público que o processo se arquivasse!
E sabia-se que o mano do arguido, escrevia, dizia e aconselhava...
Felizmente ainda há juizes e o Conselho Superior Judiciário, e êste mandou fazer um inquérito.
Até hoje porém, apesar de há cêrca de
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1 ano correr o processo, não se sabe qual foi o resultado, continuando o acusado a exercer as suas funções e a praticar perseguições.
Ainda há pouco tempo, a uma das testemunhas que contra êle depôs, disse o seguinte:
«Anda menina. Agora andas à sôlta, mas dentro em pouco hás-de entrar na gaiola».
Ora, Sr. Presidente, pode um juiz andar assim a ameaçar as testemunhas que contra êle, dizendo a verdade, depuseram?
Eu já há cêrca de 20 anos que ando pelos tribunais, mas nunca julguei que havia de assistir a casos tam vergonhosos.
É pois por êste motivo que chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça, a fim de que S. Ex.ª tome as necessárias providências.
É preciso que a dentro da República tenhamos a nobreza bastante e a necessária hombridade para obrigar indivíduos desta natureza a ocupar o seu verdadeiro lugar.
É indispensável, Sr. Presidente, que os criminosos e aqueles que os pretendem encobrir deixem de ocupar os lugares que só pertencem a pessoas honestas e de carácter e vão ocupar os seus na cadeia ou na Penitenciária.
E daqui eu sempre clamarei para que a protecção de algum ou alguns vivendo embora junto do Terreiro do Paço não possa permitir que um indivíduo ande a praticar actos verdadeiramente vergonhosos e essencialmente criminosos.
Estou certo de que o Sr. Ministro da Justiça lançará mão dos meios ao seu alcance para que a minha comarca continui a ser o que durante muitos anos foi: uma terra onde a justiça brilhou e onde os seus magistrados foram respeitados e admirados.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Ouvi os factos apontados pelo Sr. Delfim de Araújo, por S. Ex.ª atribuídos ao juiz da comarca de Paredes. O que posso dizer a S. Ex.ª é o seguinte. Relativamente a êsse magistrado, que não conheço, foi formulada ao Conselho Superior Judiciário uma queixa, queixa essa que tem seguido os seus trâmites normais, pelo menos assim o julgo.
Essa queixa foi formulada há perto de um ano, e até agora não se chegou a uma solução, qualquer que fôsse.
Posso prometer a S. Ex.ª que vou empregar todos os esfôrços para que o processo se conclua o mais ràpidamente possível.
Posso, como Ministro da Justiça, assegurar que é meu intuito normalizar o mais possível os serviços, sobretudo aqueles que se referem à magistratura judicial.
Não conheço, como disse, o magistrado a que S. Ex.ª se referiu, e ao qual vem apontar factos realmente graves.
Tenha S. Ex.ª e toda a Câmara a certeza de que, se porventura não houver qualquer engano de apreciação relativamente a êsses factos, a justiça será feita, sem contemplações nenhumas.
Posso dar a certeza que em casos desta ordem não me deixarei influenciar, seja por quem fôr.
Entendo — e é precisamente êsse o procedimento que tenho adoptado — que o regime deve tratar de moralizar ornais possível os seus serviços, e no tocante à honorabilidade dos seus funcionários e ao exercício das suas funções deve haver a maior intransigência.
É isso que tenho feito e tenho procurado fazer, e estou convencido de que poderei sempre proceder assim emquanto fôr Ministro; pois se porventura o não pudesse fazer, teria naturalmente o caminho indicado: o de sair dêsse lugar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai realizasse a interpelação que o Sr. Vasco Borges dirigiu ao Sr. Ministro do Interior sôbre o jôgo de azar.
O Sr. Vasco Borges: — A interpelação que vou realizar tive a honra de a anunciar ao Sr. Presidente do Ministério em 2 de Março.
Circunstâncias várias fizeram com que ela não se pudesse efectuar até hoje.
Isso podia ter feito com que a minha interpelação perdesse a devida e neces-
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sária oportunidade. Infelizmente tal não sucede.
É assim, se em 2 de Março dêste ano à interpelação que anunciei ao Sr. Ministro do Interior, sôbre o exercício do jôgo He azar em Lisboa, tinha a mais flagrante oportunidade, essa oportunidade ainda hoje infelizmente existe; e existe, porque o escandaloso estado da questão, a escandalosa situação, em que ainda nos encontramos, é precisamente a mesma agora, senão agravada.
Costuma-se tomar o anúncio de uma interpelação ao Govêrno como ameaça, como possibilidade de um ataque a êsse mesmo Govêrno, ou a qualquer dos seus, membros.
Devo dizer que não é meu propósito fazer um ataque ao Sr. Presidente do Ministério, o meu querido amigo e ilustre correligionário, porque a ter de atacar o Poder Executivo por virtude das suas responsabilidades, teria de dirigir êsse ataque a todos os govêrnos desde 1917, porquanto, à excepção do Govêrno do Sr. Domingos Pereira, todos os govêrnos têm responsabilidades.
Assim, se não venho atacar precisamente os govêrnos, venho entretanto atacar a questão do jôgo de azar, em si mesma. Êste é que é para mim o estado da questão.
É essa questão uma questão bastante grave. Entre nós é uma questão que já vem do tempo da monarquia.
Nesse tempo Hintze Ribeiro foi inimigo do jôgo, perseguiu o jôgo e os jogadores.
No tempo da República Afonso Costa foi inimigo do jôgo e também perseguiu o jôgo e os jogadores.
Mas nesse tempo a questão tinha um aspecto muito diverso daquele que hoje o reveste.
No tempo da monarquia com Hintze Ribeiro, no tempo da República com Afonso Costa eram apenas os infractores do artigo do Código Penal relativo ao jôgo que se procuravam perseguir, e mais nada.
Bem sei que tanto um, como outro estadista nunca conseguiram que em Portugal deixasse de se jogar; bem sei.
Mas isso não importa para que o jôgo não continue a ser perseguido como um crime previsto e com sanção penal.
Hoje é muito maior a gravidade que esta questão assume. Então, como já afirmei, tratava-se duma simples infracção do Código Penal; presentemente estamos em face dum verdadeiro cancro, que ameaça alastrar assustadoramente, arrastando a sociedade portuguesa à miséria, à ignomínia e à crápula.
Assim temos nesta hora, em Portugal, a acrescentar ao flagelo da tuberculose, da sífilis e da prostituição o flagelo não menos perigoso e dizimador do jôgo de azar.
As casas de jôgo, os clubes como pomposamente se lhes chama, não passam de verdadeiros antros, onde dia a dia, hora a hora, intensivamente, se ameaça subverter toda a consciência moral dum povo. Êsses antros dourados, cheios de luz e de sugestões, não são mais do que maléficos lugares de tortura e definhamento.
Depois, os chamados clubes da capital. não constituem apenas oficinas de misérias, de vícios e de crimes, porque representam, também, uma das origens da carestia da vida em que nos debatemos.
Muitos apoiados.
A vida que aí se faz nesses antros tem contribuído poderosamente para a desvalorização da nossa moeda.
Apoiados.
Nenhum Govêrno digno de tal nome tem o direito de olhar indiferente para êste estado de cousas, sobretudo no momento em que 01e ameaça atingir o próprio prestígio da autoridade.
Sucedem-se os escândalos e, o que é mais, sucedem-se os crimes na cidade de Lisboa.
Ainda há bem pouco tempo se deu um crime do assassínio na Rua do Poço dos Negros, por causa do jôgo.
Eu pregunto: se amanhã êsse homem fôr julgado, com quê autoridade o pune a justiça isentando o êrro que armou o braço do assassino?
O Sr. Hermano Medeiros: — Acho detestável que um parlamentar e antigo Ministro venha para aqui fazer a história dêsses crimes, que são o reflexo da impunidade de outros crimes.
Mas, já que êles são apontados à Câmara, é conveniente acentuar o perigo que resulta do alastramento da prostituição nas casas do jôgo.
Apoiados.
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O Orador: — Sr. Presidente: tinha isto sucedido, quando por altura do Entrudo foi anunciado que as casas de batota iam fechar, e dias depois, sem que se soubesse como, abriram novamente as casas de jôgo em Lisboa, e isto com a protecção da polícia.
Sr. Presidente: por que razão o Govêrno mandou fechar as casas de jôgo, e cinco ou seis dias depois as mandou abrir novamente?
Isto terá alguma ligação com o facto de uma pessoa ter perdido dinheiro nessas casas, dinheiro que, dizem, depois lhe foi restituído com juros, pelo facto de essa pessoa ser altamente protegida?
Mas então em que situação fica o homem que matou no Poço dos Negros? Se lhe dessem as jóias êle não teria a infelicidade de assassinar! Que diferença há entre a situação dêstes dois cidadãos? Um deles, desvairado, assassinou porque ninguém lhe acudiu; outro, que foi protegido, teve a sorte de lhe entregarem o dinheiro e os juros.
Não era preciso mais do que isto para que qualquer país, que tivesse alguma moral, acabasse com o jôgo por uma vez.
Apoiados.
Mas ninguém se importa com isto, voz alguma se levanta a protestar. Toda a gente acha isto bem.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Toda a gente, não. Eu não penso assim.
O Orador: — Até agora só a minha voz se levantou.
Um oficial do exército defraudou um estabelecimento do Estado em 30 e tantos contos.
Em 1920, nos conselhos de guerra do sul, houve quarenta oficiais implicados em roubos, certamente por causa do jôgo.
Depois temos o caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Temos mais o caso do rapaz de 16 anos que furtou umas inscrições, e que, vendendo-as aos cambistas, foi jogar e perdeu. Com 16 anos foi jogar, e nas casas de batota deixaram-no jogar!
Por êste caminho a própria República transforma-se numa batota pública, pois já o próprio Estado vivo da batota. Vou demonstrar porquê.
Quando foi da Conferência Interparlamentar do Comércio, o Presidente da República ofereceu um banquete a todos os representantes, na Ajuda. Depois as fôrças vivas ofereceram também um banquete no Monumental Clube, banquete a que assistiram oficiais e juizes. Pois em certa altura a casa foi invadida por jogadores e meretrizes, estando, caso estravagante, um juiz presidente paredes meias com a casa onde se estava jogando.
Ninguém só salva nesta imoralidade; os próprios monárquicos, querendo dar um banquete ao lugar-tenente dum rei, que já disse que não queria ser rei, fizeram-no numa casa de batota.
O Sr. Carvalho da Silva: — Quando foi dado êsse banquete ao Sr. conselheiro Aires de Ornelas não se estava jogando.
O Orador: — Foi por isso que eu afirmei que a vida pública neste país gira toda sob a égide da batota.
Sempre que surge nina ameaça de se restabelecer a moralidade, estirpando os cancros da sociedade, imediatamente aparece nos jornais a defesa da batota; logo se levantam murmúrios lamentando a situação em que vão ficar os pobres sem a protecção da batota, pois se alega que o Monumental Clube, por exemplo, dá 4 contos por mês, o Mayer 3 contos, etc., para a pobreza.
Chega a representar uma verdadeira ignomínia êste vício socorrer a Assistência Pública.
Mas eu pregunto: o que representam êsses 3 ou 4 contos que os clubes dão para a Assistência, sabendo-se que num mês o Monumental Clube fez 280 contos líquidos e o Mayer 200?
Os clubes de batota são casas respeitáveis...
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Porque são frequentados por pessoas respeitáveis.
O Orador: — Devo dizer que há um magistrado judicial dos tribunais de Lisboa que é societário duma casa de batota, como há oficiais superiores do exército e banqueiros que pertencem a casas de jôgo.
São efectivamente casas frequentadas por pessoas respeitáveis, mas que vivem
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sob um sistema de chocas e papillons, isto é, pessoas encarregadas de levarem lá os desgraçados, e outras encarregadas de os estontearem, para depois lhes arrancarem das algibeiras o próprio cotão.
Sr. Presidente: perante êste estado de cousas, não há nenhum Govêrno que tenha o direito de cruzar os braços, porque, a ser assim, qualquer Govêrno, seja êle qual fôr, terá perdido inteiramente o direito ao mínimo apoio. Um Govêrno de democracia não precisa apenas de ser competente, mas virtuoso, porque se não fôr tam competente como virtuoso nega e atraiçoa a democracia.
Estas minhas palavras alguma cousa valem, pela justa indignação com que são ditadas, e estou certo de que o Parlamento concorda em absoluto comigo.
Apoiados.
É preciso encarar a questão de frente: ou a repressão eficaz, enérgica, séria e honesta, ou então a regulamentação.
Sr. Presidente: como ponto de vista pessoal, devo dizer a V. Ex.ª que julgo inviável, improdutivo e ineficaz o regime de repressão absoluta, e isto porque a estender-se, como teria de ser, a repressão a todo o País, ela seria impossível, por isso que as condições actuais já não são as mesmas do tempo em que foi promulgado o Código Penal. Há localidades no País para as quais o jôgo é uma condição absoluta de prosperidade, como sucede com as praias.
Quando foi publicado o Código Penal, não havia o hábito de se ir veranear para as praias, e hoje toda a gente de meios regulares vai passar umas semanas à Figueira da Foz, a Espinho, etc., na época balnear.
É por isso que, essas terras necessitam, como condição indispensável de fomento e prosperidade locais, da regulamentação do jôgo.
Eu penso, por êste motivo, que não é possível neste país aplicar-se uma repressão à outrance do vício do jôgo.
No emtanto, sou partidário acérrimo da regulamentação repressiva, porque não posso admitir que em Lisboa e em todos os grandes centros se jogue, que são meios onde se trabalha e se produz, e é absolutamente necessário que não se arranque ninguém ao trabalho, nem se prejudiquem os resultados dos trabalhadores honestos com os perigos da jogatina.
Sr. Presidente: não tive o intuito de fazer um ataque ao Govêrno.
O Sr. Cancela de Abreu: — Eu entendo que V. Ex.ª tinha toda a razão para fazer um ataque ao Govêrno, porque o Sr. António Maria da Silva, substituindo a pena de prisão pela simples multa, tem contribuído bastante para o desenvolvimento do jôgo.
O Orador: — Se eu quisesse atacar o Govêrno teria de tornar extensivo o meu ataque a todos os Govêrnos que tem estado no Poder, e principalmente aos Govêrnos dezembristas, que foram os maiores factores desta escandalosa situação.
Não terei de acusar o Poder Executivo se êste estado de cousas se modificar; mas se continuar a crápula presente, virei de novo interpelar o Sr. Ministro do Interior, fazendo declarações que me permite considerar sensacionais, e creio que depois delas não será possível mais jogar-se em Portugal.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva: — Sr. Presidente: o assunto versado pelo meu ilustre correligionário, e amigo, Sr. Vasco Borges, já mais de uma vez tem sido tratado nesta sessão legislativa e em legislaturas anteriores.
Os que são dêsse tempo devem recordar-se de que em 1919 deu o assunto do jôgo lugar a várias interpelações, e até a ataques ao Ministro do Interior de então, hoje Presidente desta casa do Parlamento, e ao Sr. Domingos Pereira, quando sobraçou essa pasta.
Nessa época reuniram-se alguns parlamentares de várias correntes políticas, e subscreveram um projecto de lei no sentido do ser regulamentado o jôgo, decla-
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rando que era preferível, dada a impossibilidade absoluta de o reprimir, o regulamentar.
Sr. Presidente: êstes projectos tiveram parecer, pelo menos um deles, que esteve dado até para ordem do dia, e disseram-me até, não sei se com verdade, que as dificuldades tinham surgido por só pretender estabelecer o jôgo em Lisboa, o que os partidários da regulamentação consideravam impróprio.
Apoiados.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — O projecto autorizava o Govêrno a regulamentar o jôgo em Lisboa.
O Orador: — Refiro-me às informações que me chegaram.
Verifico que há pessoas que são partidárias da regulamentação do jôgo só por motivos de ordem moral, para evitar a imoralidade dos factos apresentados.
Apoiados.
O Sr. Vasco Borges: — O jôgo é uma imoralidade; alimenta a prostituição, a sífilis, a tuberculose...
O Orador: — Eu não sei se o jôgo tem ligação com a sífilis.
Pouco me interessa, porque pessoas há que contraem a sífilis e não jogam, e que se prostituem sem o jôgo.
Todas as pessoas chamadas ao tribunal dão as suas desculpas; não lhes sucede nada, e dentro em pouco soltam às mesmas condições.
Quando a medida de repressão foi executada em Lisboa, não foram atingidos os chamados clubes, e eu considero a pessoa que presidia a êsse Govêrno digna do maior respeito.
O Sr. Domingos Pereira deu instruções para a repressão do jôgo.
Veio o Sr. António Granjo e continuou-se a jogar.
O Sr. Domingos Pereira podia ter feito uma interpelação a S. Ex.ª, dizia, com as mesmas palavras com que o interpelaram.
Por mim direi ao Sr. Vasco Borges que mo satisfaz a regulamentação do jôgo, que é um caso para versar.
O que se não pode admitir é que se pretenda suprimir um vício, o que é impossível. Regulamentemo-lo, sim, a fim de que no fundo haja uma tal ou qual moralidade.
Apoiados.
Mas chega-se a isto: jogadores que foram vistos a jogar e a receber dinheiros, a respeito dos quais a polícia afirmou que tinham visto pagar-lhes, serem absolvidos, porque se tratava de...trocos.
Emquanto, porém, o Parlamento só não pronunciar sôbre o assunto não poderei adoptar providências, senão proibir que a beneficência receba um centavo sequer dessa procedência.
E estou convencido, até prova em contrário, que isto não sucede, pelo menos, neste momento em que estou falando.
Um ilustre Deputado disse que o Govêrno tinha modificado o regime do Código Penal, quanto à polícia.
Estou convencido que até agora nenhum jogador foi punido com a pena estabelecida.
Quando governador civil, o Sr. Agatão. Lança estabeleceu o processo legal para fazer a prova consignada no Código Penal.
Só depois de encontrada uma pessoa na casa do jôgo é que a polícia devia proceder.
No tempo do Sr. Afonso Costa houve repressão, e ninguém entende, decerto, que se deve jogar dentro de Lisboa.
Disse-se que os agentes policiais estão absolutamente, ligados às casas de jôgo.
Eu não tenho a mais pequena dúvida de fechar os clubes, mas fechados êles aparecem os chamados «comboios», e o jôgo não deixará de existir, porque até há quem jogue com os números dos carros que passam, etc.
O Sr. Vasco Borges: — É menos perigoso jogar às ocultas do que publicamente.
Uma voz: — O contrário, o contrário. É mais perigoso jogar às ocultas.
O Orador: — Não compreendo que nos clubes entrem funcionários públicos e crianças.
O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — Até há funcionários que talham.
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O Orador: — Talhem ou não, basta o lacto de lá estarem para serem criminosos.
O que eu necessito saber é qual é a opinião da Câmara, se quer que se encerrem os clubes ou se deva aguardar-se qualquer outra resolução.
Se quiserem, ou não tenho dúvidas em fechá-los.
Tenho dito.
Vozes: — Tem de cumprir a lei!
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a generalidade do debate e uma inscrição especial.
Foi aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: o Sr. Vasco Borges trouxe à discussão um assunto de que a Câmara mais precisa ocupar-se pela sua enorme gravidade.
Não conheço nada mais extraordinário do que as palavras que o Sr. Presidente do Ministério acabou do proferir.
Espera S. Ex.ª que a Câmara se pronuncie.
Isto é extraordinário!
Vozes: — Cumpra-se a lei!
O Orador: — Êste assunto já foi tratado pelo meu colega Sr. Cancela de Abreu e pelo Sr. Carlos de Vasconcelos.
Antes do Carnaval anunciou-se que iam fechar as casas de jôgo; dizia-se que tendo tido o filho de um alto político perdido uma dezena de contos, o facto dera origem a êste encerramento; mas depois, disse-se também as casas de jôgo haviam-se cotizado e indemnizaram o tal cavalheiro.
Depois...abriram novamente.
Eu pregunto: pode continuar um tal estado de cousas?
Cumpra-se a lei e mais nada.
Apoiados.
Eu sei, Sr. Presidente, que há em todos os campos políticos opiniões diversas em matéria de jôgo, sei que há partidários da sua regulamentação e partidários da sua proibição.
Por mim, pessoalmente, eu devo dizer que sou partidário da sua proibição absoluta, pois não compreendo nem posso compreender que um crime seja regulamentado pelo Estado.
Não compreendo nem posso compreender que a autoridade ou quaisquer casas de beneficência recebam dinheiro das mãos dos donos das casas de jôgo.
Não conheço nada mais imoral do que a própria autoridade receber dinheiro para permitir um crime.
Sr. Presidente: eu não teria dúvida alguma em mandar para a Mesa uma moção acêrca da matéria versada pelo Sr. Presidente do Ministério, isto é, mandar para a Mesa uma moção no sentido de se proibir o jôgo; mas não o faço por isso que entendo que não há necessidade alguma, visto que o Sr. Presidente do Ministério sabe muito bem o que tem a fazer e que é: cumprir a lei que se encontra em vigor.
A todas as horas aparecem reclamações da Associação Comercial o do chefes de família que vêem os seus filhos cometer as maiores loucuras, por causa do jôgo, porém o Sr. Presidente do Ministério tapa os olhos e os ouvidos, deixando assim de cumprir a lei.
Sr. Presidente: o desejo dêste lado da Câmara foi pronunciar-se abertamente sôbre a assunto, não querendo saber neste momento se o jôgo deve ser ou não regulamentado, pois o seu único desejo é que o Sr. Presidente do Ministério cumpra a lei, visto que, cumprindo a lei, cumpre o seu dever.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: nos termos do Regimento, eu vou mandar para a Mesa uma moção de ordem.
Sr. Presidente: pelas palavras pronunciadas nesta Câmara, depreende-se que toda ela está de acôrdo em que se cumpra rigorosamente a lei.
Muitos apoiados.
Depreendo-se pelas palavras, pronunciadas pelo Sr. Presidente do Ministério, que S. Ex.ª não pretende acobertar-se, com o Parlamento.
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O que S. Ex.ª julga é não ter aquelas medidas necessárias o violentas para poder mandar fechar todos os clubes.
S. Ex.ª não tem dúvida em mandar praticar tal acto, porém o que S. Ex.ª julga necessário, é que o Parlamento lhe dê a autoridade necessária para o fazer.
É preciso, Sr. Presidente, ir mais longe, visto que a questão hoje não se apresenta só debaixo do ponto de vista jurídico, mas sim também debaixo do campo moral.
Não há nenhuma lei escrita para tal, e assim necessário, se torna que o Parlamento dê ao Govêrno as medidas necessárias para poder proibir absolutamente o jôgo.
Eu, Sr. Presidente, sou neste momento absolutamente partidário da regulamentação do jôgo.
Sente-se bem quem pertencer a um partido que tem inscrito no seu programa a repressão do jôgo.
Eu quero salientar que, se bem que se diga que se devo regulamentar o jôgo em todo o País, entendo que ele se não deve permitir em Lisboa, não se permitindo a entrada nessas casas a militares, a menores e a altos funcionários do Estado.
Eu creio que nesta parte toda a Câmara estará de acôrdo comigo, e assim eu entendo que ela não lhe deverá negar aquela autoridade que o Govêrno tem o direito de exigir de todos nós.
Diz-se que é necessário que o Govêrno cumpra a lei, porém nós não temos o direito de duvidar que o Govêrno o não faça, mas para o fazer precisa de mais alguma cousa: precisa que o Parlamento o habilito com as medidas repressivas necessárias para bem poder cumprir a lei e o seu dever.
O dever da moral da República impõe que, contra tudo e contra todos, a moral seja uma só e se efective livre de quaisquer coacções, venham elas de onde vierem, mormente de coacções de lama, que outra cousa não podem ser as coacções que venham da tavolagem.
Sendo assim, eu tenho a impressão de que toda a Câmara vai votar a minha moção, porque só assim o Sr. Presidente do Ministério ficará munido dos poderes bastantes e da moralidade máxima para que com a lei ou possivelmente sem ela possa fazer aquela obra moral que todos nós exigimos que se faça.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
É lida e admitida a moção do Sr. Carlos Pereira.
É a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, ouvidas as declarações do Sr. Presidente do Ministério, afirma a necessidade de dar-se inteiro cumprimento às leis em vigor, e confia em que o Govêrno adoptará todas as medidas policiais, preventivas ou repressivas, necessárias para êsse efeito, e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 17 de Abril de 1923. — Carlos Pereira.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: ouvi com. a máxima atenção as considerações do ilustre Deputado Sr. Vasco Borges, considerações que são a amplidão daquelas que eu tive ocasião de produzir nesta Câmara sôbre factos insólitos que se deram a propósito do jôgo.
E êsses factos influíram de tal forma no meu espírito, que imediatamente, tendo em meu poder um projecto de lei em estudo para a regulamentação do jôgo, o pus de parte, e no dia seguinte vim à Câmara renovar a iniciativa dum outro projecto de lei, no mesmo sentido, da autoria do Sr. Jorge Nunes.
Êsse projecto de lei, tendo seguido por várias fases, encontra-se na comissão de legislação penal, e tenho informação de que ela o vai mandar para a Mesa, ainda hoje, com o respectivo parecer, que me consta ser favorável à regulamentação do jôgo.
Parece, portanto, que o assunto está colocado num pé tal, que não são precisos jogos de retórica para acudir à gangrena a que se referiu o Sr. Vasco Borges.
É facto que essa gangrena alastra e influi em todos os ramos da actividade social portuguesa, mas não é só ela a causadora dos males que nos afligem, mormemente do definhamento da raça; o
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alcoolismo e a prostituição também muito concorrem para isso.
Mas todos êsses vícios estão regulamentados, menos o do jôgo; e então, porque não havemos, pois, de o regulamentar?
Apoiados.
Sr. Presidente: o projecto, de lei, cuja iniciativa renovei, dá ao Govêrno autorização para regulamentar o jôgo em Lisboa.
Eu não sou de opinião que se deva consentir o jôgo na capital; no emtanto, renovei a iniciativa dêsse projecto, reservando-me o direito de na discussão da especialidade apresentar as emendas que entender.
Entre as medidas que eu considero absolutamente indispensáveis, para tornar a regulamentação do jôgo uma medida restritiva, conta-se a criação das cédulas dos jogadores, e sei que essa idea já foi professada pela comissão de legislação penal.
O Sr. Presidente do Ministério no final das suas considerações disse que competia à Câmara o indicar-lhe o caminho que tinha a seguir quanto à questão do jôgo.
Permita-me S. Ex.ª que eu discorde fundamentalmente dessa opinião.
O Parlamento não tem de indicar o caminho a S. Ex.ª, senão por meio de leis, e a S. Ex.ª compete-lhe a aplicação dessas leis.
As palavras do Sr. Presidente do Ministério, sempre hábeis, no melhor sentido da palavra, têm apenas o intuito de tornar o Parlamento solidário com a repressão que S. Ex.ª vai intentar, e que S. Ex.ª já disse que não poderá ser radical.
Falou S. Ex.ª em fechar bruscamente os clubes; se S. Ex.ª puder provar que nessas casas se joga, eu entendo que S. Ex.ª deve mandar fechá-las imediatamente, porque há uma lei que proíbe o jôgo.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que, ao terminar estas ligeiras considerações, eu me refira à repressão que se tem tentado ultimamente na América, quanto às bebidas alcoólicas.
Na América do Norte já se reconheceu que a mortalidade pelo álcool é muito maior, depois de ter sido proibida a venda e fabrico das, bebidas alcoólicas do que antigamente, porque, em vez de bebidas alcoólicas brancas, vendem-se as falsificações, que vão até o último extremo.
No jôgo, se não se regulamentar e simplesmente se tentar reprimi-lo, as consequências serão também piores.
Eu não sou um moralista, o que não quere dizer que não tenha aquela moralidade normal que é absolutamente necessária em cada homem que se preza. Não tenho por isso dúvida, em entrar nessas casas luxuosas, onde o vício campeia, porque tenho a coragem suficiente para não me deixar seduzir por êsse luxo e me conter em frente duma banca do jôgo. Mas não deixo de reconhecer que nos termos em que se está consentindo a exploração do jôgo o Estado absolutamente nada ganha com a miserável cota que lhe é dada para a beneficência, porque é pequena e afrontosa para o País.
Em meu nome e no de todos os Deputados que defendem a regulamentação do jôgo, declaro que voto a moção do Sr. Carlos Pereira, som envolver as responsabilidades do Parlamento nos actos que o Govêrno deve praticar para prestígio da lei.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: começo por mandar para a Mesa a minha
Moção
A Câmara reclama o cumprimento das disposições do Código Penal com referência ao jôgo de azar, e passa à ordem do dia. — Sá Pereira.
Admitida.
Prejudicada.
O Orador: — Sr. Presidente: a questão do jôgo de azar constitui em Portugal uma das maiores vergonhas que eu conheço para a sociedade, para o regime republicano e em especial para o Govêrno da presidência do Sr. António Maria da Silva.
Combati o jôgo de azar quando ainda existia a Monarquia em Portugal.
Lembro-me de ter lido nos jornais da época que os Govêrnos não consentiam o jôgo.
Numa sessão desta Câmara, sendo presidente o Sr. Hintze Ribeiro, S. Ex.ª afir-
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mava, segundo tive ocasião de ouvir, que em Portugal não se jogava porque êle não consentia.
Oito dias depois por acaso estive na Figueira da Foz, e vi que se jogava e que S. Ex.ª tinha mentido.
Mais que ninguém no meu partido, tenho combatido o jôgo.
O Sr. Afonso Costa e outros parlamentares combateram sempre a regulamentação do jôgo e S. Ex.ª chegou a dizer que sairia do Partido se por êle a regulamentação do jôgo fizesse parte da legislação do nosso País.
Sr. Presidente: no meu Partido sempre houve também partidários da regulamentação do jôgo e em número tal que obrigaram o Sr. Afonso Costa a fazer essa declaração, de que não mais seria Presidente do Ministério se fôsse aprovada a regulamentação dessa imoralidade.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — A prostituição também é uma imoralidade, e é regulamentada.
O Orador: — Para mim o jôgo é mais repugnante, porque é um assalto à vida de cada um.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — A prostituição não é menos perigosa, e foi regulamentada.
O Orador: — V. Ex.ª não me obrigue a dizer cousas a respeito dum assunto que não é próprio para ser aqui discutido, mas no erntanto eu não posso deixar de dizer que sob o aspecto social o jôgo é mais prejudicial que a prostituirão que está regulamentada, e tem mesmo a inspecção médica.
Àpartes.
O Orador: — Quando em 1916, sendo Presidente do Ministério o Sr. Afonso Costa, se disse que eram insuficientes as disposições do Código Penal para reprimir o jôgo, apresentei nesta Câmara um projecto que não teve a honra de ser relatado, porque há nesta Câmara muito quem fale e pouco quem trabalhe.
Não se fez o relato sôbre o meu projecto pela mesma razão por que não se relatou um projecto do Sr. Ramada Curto, nacionalizando a indústria de seguros.
Não se relatou porque não se quere trabalhar, e antes se quere passar a noite em casas em que não deviam entrar os representantes da Nação.
Pelo mesmo motivo não foi relatado um projecto do Sr. João Camoesas.
Todos os govêrnos que tem passado pelo Poder não se têm preocupado com o assunto.
Senta-se agora na Presidência do Govêrno o meu particular amigo o Sr. António Maria da Silva, e S. Ex.ª tem de cumprir o seu dever, porque hoje as casas de jôgo são em maior número, chegando a haver umas cento e oitenta e quatro.
Temos, pois, de dizer ao Govêrno que se mantenha dentro das disposições da lei.
Apoiados.
A própria autoridade tem a obrigação de não concorrer para que se possa jogar.
Àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: haja govêrnos em Portugal dignos dêsse nome, e eu garanto que melhor futuro estará reservado à sociedade portuguesa.
Quero ainda afirmar mais uma vez a minha fé inabalável em que todos os crimes serão reprimidos, desde que haja um Presidente do Ministério que de facto os queira reprimir.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foi lida na Mesa e foi admitida a moção do Sr. Sá Pereira.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: nos termos do Regimento, mando para a Mesa a minha moção de ordem.
Falo neste momento, como aliás o faço sempre, em meu nome pessoal.
Esta questão do jôgo é aberta para o meu Partido, e eu entendi manter na moção que mando para a Mesa os princípios que venho defendendo nesta Câmara desde que em 1919. fui eleito Deputado. Os quatro anos que vão quási decorridos, longe de terem feito com que eu, em relação ao jôgo, modificasse a minha maneira de pensar, serviram para me fixar
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na convicção de que é impossível reprimir o vício do jôgo; e, sendo assim, entendo que dele se deve aproveitar tudo que de proveito se possa tirar a favor da beneficência, que bastante necessita de receitas para exercer a sua benéfica acção.
Não se invoque o argumento da moralidade para se deixar campear a mais descarada das imoralidades!
Eu compreendo que o Sr. Sá Pereira queira manter-se naqueles princípios sempre defendidos pelo seu Partido; mas a verdade é que os tempos mudam, e os factos passados devem servir de indicação ao procedimento que devíamos ter no presente.
Todos que têm sido pela repressão do jôgo devem estar hoje convencidos, como eu o estou, de que é impossível manter essa repressão eficazmente, e que, portanto, o único caminho a seguir é o da regulamentação.
Está justamente na regulamentação do jôgo a maneira de impedir que o jôgo exista em toda a parte.
Se amanhã fôsse permitido o jôgo nas praias e nas termas, desapareceria o receio de que, nos meios onde há real perigo que se jogue, se continuasse jogando. De resto, Sr. Presidente, que moralidade é esta, que permite que aqueles que jogam tirem para si todos os proventos do jôgo, sem que o Estado nada recolha!
Apoiados.
A palavra moralidade tem uma elasticidade muito grande, e chama-se moral muitas vezes àquilo que é absolutamente imoral.
É absolutamente imoral invocar-se hoje a moralidade para continuar o estado de cousas que se passam quanto ao jôgo, uma vez que há a convicção de que é impossível reprimi-lo eficazmente?!
Todos sabem que, por maiores que sejam as medidas tomadas contra o jôgo, só não joga quem tem a fôrça de vontade necessária para não jogar.
Desde que se queira jogar, há sempre com quem se jogue e onde se jogue.
Sr. Presidente: eu já joguei durante muito tempo, e é justamente do facto de já ter jogado que resultam as afirmações que venho trazendo à Câmara.
Já joguei, como disse, mas em determinado momento entendi que devia deixar de jogar, e deixei.
Impus a mim mesmo a repressão do jôgo.
Em quanto joguei, nunca senti qualquer dificuldade em fazê-lo, mesmo naqueles momentos em que os govêrnos procuravam exercer uma maior repressão.
O jôgo é hoje proibido, mas nem por isso deixou ainda de haver jôgo. Porquê? Porque não há fiscalização possível.
Nestas condições, não se pode deixar de reconhecer a necessidade da regulamentação.
Na regulamentação é que está a repressão do jôgo.
Aí é que está a verdadeira repressão do jôgo, e é assim que o jôgo se proíbe para aqueles a quem o jôgo é perigoso.
Que me importa a mim que o estrangeiro que amanhã vem a Portugal, deixe no jôgo uma parte importante da sua fortuna?
Que me importa que e Sr. Soto Maior ou o Sr. Alfredo da Silva queiram deixar no pano verde algumas centenas do libras?
Que diferença pode haver em perder uma centena ou milhar do escudos sôbre o pano verde, a perdê-los numa parada mal feita na Bôlsa?
Desde que a Bolsa é uma instituição legal, onde toda a gente pode perder à sua vontade os seus haveres, a sua fortuna qual a razão por que se não permite às criaturas que têm de mais que percam à sua vontade o que quiserem, aproveitando o Estado uma parte daquilo que perderam para fazer bem àqueles que necessitam?
Sr. Presidente: eu não pertenço ao número daqueles que consideram uma moralidade a regulamentação, mas pertenço ao número daqueles que consideram uma imoralidade a não regulamentação, e é imoral a não regulamentação justamente porque aqueles que combatem essa regulamentação estão, na sua maioria, convencidos do que é absolutamente impossível a proibição.
É o próprio Sr. Presidente do Ministério que assim o entendia quando há pouco fazia a afirmação de que, só a Câmara lhe mandasse reprimir o jôgo, o reprimiria, pois estava inteiramente convencido de que não estava em condições de poder cumprir a promessa que fazia.
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Pode, evidentemente, fechar durante alguns dias as casas em que se joga; pode, mas não evita aquilo que êle próprio disse, isto é, que continue a jogar-se nas casas em que o jôgo é mais perigoso, onde os operários vão perder as suas férias, não podendo evitar igualmente isso a que S. Ex.ª chamou eléctricos ou comboios, mas que deve ser comboios porque é êsse o seu nome próprio.
Sr. Presidente: é interessante a afirmação da repressão do jôgo, e êle faz-me lembrar uma anedota que há tempos me contaram passada num quartel.
Dois soldados tinham o vício inveterado de jogar; proibidos absolutamente e punidos já umas poucas de vezes, num belo dia sofreram esta imposição: não podem falar, não podem dizer nada.
Daí a pouco o oficial ou sargento de serviço, fiscalizando a atitude que tinha sido imposta a êsses dois soldados, verificou que ambos cuspiam, e que num determinado momento um dêles muito entusiasmado se voltava para o outro, e dizia: ganhei.
Tinham cuspido ambos, e viam em qual dos dois cuspos pousava uma mosca.
Isto prova bem que se amanhã se proibisse o jôgo, êsse jôgo considerado perigoso, como por exemplo a roleta, o monto e a banca francesa, nada me garante que até com o cuspo do Sr. Presidente do Ministério não se jogasse, a ver se a môsca lá pousava.
Sr. Presidente: há circunstâncias especiais, há até meios onde o jôgo regulamentado é absolutamente uma necessidade.
Eu vou contar a V. Ex.ª e à Câmara o caso que se dá por exemplo com a Madeira.
Na Madeira, onde há hotéis de primeiríssima ordem, e onde em cada ano muitos forasteiros iam conduzindo ouro em abundância, que ali ficava, em cujo pôrto se viam hiates magníficos de recreio, uns transportando os seus proprietários, outros transportando centenas de touristes, nota-se hoje que está em grande parte privada dessa formidável fonte de ouro, que daí lhe resultava.
Há dois anos, vários estrangeiros escreveram preguntando se se podia jogar; responderam que sim, e os hotéis encheram-se, a abundância de ouro naquela terra foi uma cousa verdadeiramente extraordinária.
No ano passado a pregunta repetiu-se, e, como a resposta foi inversa, a consequência foi esta: os hotéis ficaram completamente vazios.
Sr. Presidente: não há o direito de, a pretexto duma moralidade condicional, impedir uma drainagem de ouro tam grande como era aquela que para ali se
Amanhã regulamentado o jôgo, permitido, porventura, aos estrangeiros, porque isso também pode fazer-se, não haveria o perigo que resulta de jogarem determinados indivíduos e havia a vantagem de se receber quantias importantes que podiam ser aplicadas ao desenvolvimento duma terra que bem merecia ser atendida, que bem merecia que lhe dessem todas aquelas condições de que carece e a que tem direito para ser alguma cousa mais do que tem sido e que ainda hoje se encontra quási no estado em que foi descoberta.
Sr. Presidente: não pretendo levar a Câmara com a minha moção a um voto a que ficasse presa; desejei simplesmente marcar nesta discussão o ponto de vista que tenho vindo sempre a defender nesta Câmara, desde que sou parlamentar.
Não quis levantar esta questão; fi-lo, uma vez em bons tempos, quando ainda estava convencido de que, levantando-se uma questão desta natureza, daí poderiam resultar benefícios; mas hoje estou convencido de que há dogmas contra os quais é impossível resistir, e desde que é considerado um dogma essa não regulamentação por aqueles que consideram infalível determinada pessoa que porventura tenha pôsto, eu, Sr. Presidente, já não tenho a esperança de que realmente possa entrar-se no caminho franco da regulamentação, único, repito, que é honesto, que toda a gente compreende, que é capaz de produzir os resultados que é legítimo esperar-se quando reconhecido que impossível é proibir êsse vício, sendo portanto justo que a êle se vá procurar aquela receita que pode produzir o bastante para fazer face a problemas importantes do nossa vida, sobretudo aquelas receitas que são necessárias para melhorar a situação daqueles que por a terem
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muito difícil merecem a atenção do Estado e dos poderes públicos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foi admitida a seguinte
Moção
A Câmara dos Deputados, ouvidas as explicações do Govêrno, quando invoca as tentativas infrutíferas da repressão do jôgo, quando devidamente regulamentadas, podem resultar importantes receitas para o Estado, e que é justamente com a regulamentação que pode tornar-se o jôgo inacessível para àqueles a quem êle é mais perigoso e prejudicial;
Considerando que a regulamentação é o único meio de evitar a difusão do jôgo por toda a parte, proibindo-o eficazmente nos grandes centros, e a especulação que se afirma ter sido feita era várias ocasiões com a repressão momentânea do jôgo, encerrando hoje umas casas, para amanhã as reabrir.
Resolve activar os seus trabalhos para a regulamentação do jôgo e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 17 de Abril de 1923. — Pedro Pita.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Nos termos do Regimento mando para a Mesa uma moção, que traduz a forma de pensar da minoria monárquica.
Moção
A Câmara, considerando que o Govêrno não tem cumprido a lei pelo que respeita à repressão do jôgo de azar;
Considerando que, pelo contrario, o Govêrno facilitou a propagação de semelhante vício, reduzindo a simples pena de multa as penas de prisão estabelecidas nos artigos 266.º a 268.º do Código Penal, pelo artigo 25.º do decreto n.º 8:434, de 21 de Outubro de 1922, que para tal estivesse autorizado pelo artigo da lei n.º 1:351, em que declarou basear-se;
Considerando que a mesma Câmara não pode conformar-se com as declarações do Chefe do Govêrno, visto que a lei é bem expressa, e, para a cumprir, não precisa o Poder Executivo de aguardar indicações do Parlamento:
Resolve aconselhar o Govêrno a cumprir o seu dever, e passa à ordem do dia.
Lisboa, 17 de Abril de 1923. — Paulo Cancela de Abreu.
Êste lado da Câmara não pode aprovar a segunda parte da moção do Sr. Carlos Pereira, porque essa parte diz que se confia em que o Govêrno cumpra a lei.
Foi pena que aos argumentos que apresentei ninguém tivesse respondido.
Que confiança nos pode merecer um Govêrno que está no Poder há mais dum ano, batendo o record da estabilidade no actual regime, e que nada tem feito no sentido da repressão do jôgo, e antes o tem tolerado escandalosamente?!
Apoiados.
Fui eu quem, há meses, trouxe à Câmara a questão do jôgo, pedindo providências enérgicas; mas o Sr. António Maria da Silva, que tem o costume de se calar quando não pode responder, nada disse.
Quando se discutiu o orçamento do Ministério do Interior levantei novamente a questão, e afirmei que era uma vergonha que a polícia de Lisboa estivesse recebendo dinheiro das casas de jôgo.
Apoiados.
O Sr. Sá Pereira: — É uma vergonha!
O Orador: — Disse, e muito bem, o Sr. Vasco Borges que era uma imoralidade que as casas de jôgo se escudassem no auxílio prestado à beneficência para exercerem a sua indústria.
Fez muito bem o Sr. Sá Pereira em pedir na sua moção que se cumprisse o Código Penal.
E o que fez o Sr. António Maria da Silva?
Reduziu as penas do Código Penal contra os jogadores no novo- regulamento da polícia!
O Sr. Presidente do Ministério abusou da autorização que lhe foi dada, e que era apenas para regulamentar os serviços policiais e não para revogar ou alterar leis. Só o Parlamento pode fazer.
O Sr. Sá Pereira: — Apoiado!
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O Orador: — Respondam V. Ex.ªs a isto. Respondam os jurisconsultos da maioria! É ou não é verdade?
E então o Govêrno não é obrigado a dar contas ao Parlamento, do uso que faz das autorizações?!
Apoiados.
Sr. Presidente: mais assombroso é ainda, como muito bem salientou já o meu amigo Sr. Carvalho da Silva, aquilo que o Sr. António Maria da Silva aqui veio dizer, e que excede tudo quanto se possa imaginar.
Se a lei repressiva do jôgo existe e é expressa, para que precisa S. Ex.ª de deliberação parlamentar?!
É assim que há estabilidade governativa na República!
É com estas sortes de prestidigitação, que o Sr. António Maria da Silva tem conseguido conservar-se no poder.
Quere esconder-se atrás de nós!
O Parlamento não precisa de votar moções a êste respeito.
Tem apenas de dizer ao Govêrno que cumpra a lei, e exigindo-lhe responsabilidades se êle a pão cumprir.
Apoiados.
É lamentável é que não se tivesse levantado um protesto geral contra a declaração do Sr. Presidente do Ministério, de que aguardava uma solução do Parlamento para se orientar.
Pretende assim o chefe do Govêrno, dizer aos croupiers, quando o procurarem, que não tem nada com o caso, e que a culpa é do Parlamento.
São estas as considerações que entendi dever fazer para justificar a moção que, em nome dêste lado da Câmara, mandei para a Mesa, o que não impede que votemos a que foi apresentada pelo Sr. Sá Pereira e concordemos com a primeira parte da apresentada pelo Sr. Carlos Pereira. Tenho dito.
Foi lida, e seguidamente admitida, a moção do Sr. Cancela de Abreu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: nos termos regimentais, envio para a Mesa a minha moção de ordem, que passo a ler:
Moção
A Câmara dos Deputados, ouvidas as declarações do Ministro do Interior, convencida de que a repressão do jôgo de azar pode ser eficazmente efectivada, confia em que o Govêrno, dentro da legislação vigente, exercerá uma acção enérgica, fechando desde já em todo o país os estabelecimentos ou casas onde sabidamente se explora o jôgo de azar, como indústria, e remetendo aos tribunais todos quantos a exploram, passa, à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 17 de Abril de 1923. — Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Sr. Presidente: eu sei que a minha moção não vai ser aprovada, e eu próprio voto a que foi apresentada pelo Sr. Carlos Pereira.
Sempre, por princípio, fui contrário ao jôgo.
Desde criança me habituei a combatê-lo, e entendo que não devemos regulamentar um vício.
Já aqui foi dito, e é uma verdade, que a prostituição nas casas de jugo se faz em larga escala.
Sr. Presidente: não pode consentir-se que aqueles que vivem no luxo, na prostituição e no crime, gastando as suas fortunas adquiridas muitas vezes criminosamente, numa ganância desaforada, atirem com a lama dos seus automóveis para a cara daqueles que não ganham o suficiente para vestir os filhos e continuem concorrendo para o definhamento da raça.
Sr. Presidente: é preciso reprimir o jôgo e acabar com essas casas de vício.
Em comissão o solicitei ao Sr. Domingos Pereira, quando Presidente do Ministério, e S. Ex.ª cumpriu a sua promessa.
Não se pode regulamentar um vício de onde vêm tantos outros.
Hoje dactilógrafas, criadas e muitas senhoras já se acham prostituídas e é preciso que façamos todo o possível para que o nosso lar não deixe de ser o que era: todo carinho e honestidade.
Não quero tomar mais tempo à Câmara.
Não votarei qualquer proposta do regulamentação.
Se mo não tenho referido a êste assunto é porque outros muito mais importantes, e de maior urgência, precisavam ser discutidos nesta Câmara.
Faço votos para que o Govêrno feche todos êsses antros, onde nunca devia en-
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trar quem é honesto e muito menos quem tenha responsabilidades sociais.
Apoiados.
Leu-se a moção e foi admitida.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: a minoria católica não fax questão aberta dêste assunto, mas questão fechada, e por isso apenas precisarei alguns minutos para emitir a sua opinião inteiramente assente nesta matéria.
Nós somos em absoluto, por princípio, contra o jôgo e contra a sua regulamentação.
Esta afirmação, que fazemos agora aqui, fá-la hemos mais desenvolvidamente quando chegue a esta casa qualquer proposta de regulamentação de jôgo, e desde já posso afirmar que nós empregaremos todos os meios que o Regimento nos permitir para impedirmos que a regulamentação de um vício dissolvente encontre um texto em que se possa apoiar.
Dois são os argumentos que apresentam os que defendem a regulamentação do jôgo.
O primeiro é o do que é difícil senão impossível reprimir o jôgo.
O segundo é de que a regulamentação é um bom expediente financeiro.
Não há diferença alguma entre o vício do furto e o vício do jôgo.
Tanto o ladrão como o jogador pretendem apoderar-se do que é dos outros.
Não há nenhuma diferença, e se porventura se quere regulamentar o jôgo, porque é difícil ou impossível proïbi-lo, difícil e impossível é proibir o furto; logo ou não há lógica ou devem os partidários da regulamentação do jôgo perfilhar igualmente a opinião de que deve regulamentar-se o furto.
A razão é a mesma, e é de boa jurisprudência que onde existe a mesma razão, deve existir também a mesma disposição.
Se porventura é um bom expediente financeiro tirar proveito da regulamentação do vício do jôgo, também o Estado se pode mancomunar com gatunos e salteadores, e lazer cora êles o contrato de lhe darem parte das suas presas e estou convencido de que o Estado tiraria maior lucro da regulamentação do furto do que do jôgo.
Não vejo nem compreendo que diferença essencial possa existir, nem vejo como em face duma sã moral possa defender-se por forma alguma nem o jôgo nem a sua regulamentação.
Sr. Presidente: a minoria católica dá o mais decidido apoio às moções que têm sido enviadas para a Mesa no sentido de que se cumpra a lei.
O Código Penal equiparava e equipara, porque o texto ainda está de pé, os jogadores e vadios de profissão, e como tal devem ser considerados.
Não se pode conceber que se faça distinção entre jogadores pelo facto de uns vestirem melhor do que outros; não se compreende que se prendam os que frequentam alfurjas ou baiúcas e se deixem à solta os que frequentam clubes indevidamente chamados elegantes.
Em todas as épocas de decadência social nós podemos considerar como características duas cousas que a multidão desvairada ambiciona: pão e divertimentos; ou como dizem os historiadores antigos: Panem et circenses! Essas duas características estão-se realizando duma maneira talvez mais vergonhosa do que àquela que vos apresenta a história do baixo império nesta nossa sociedade, que vai caminhando a passos agigantados para só afundar numa lama dourada.
Também aqui o que se pede é pão político; quere-se pagode, quere-se jogatina, quere-se o clube com todo o cortejo de vícios que dentro dele se estadeiam.
Quere-se o jôgo, a dissolução e o furto que costumam ser companheiros.
Sr. Presidente: reforçando as moções que têm sido mandadas para a Mesa enviarei também uma moção.
Terminarei dizendo que uma outra razão mais profunda, embora não tam aparente como aquelas que já expus, me leva a votar agora e sempre contra a regulamentação do vício do jôgo.
Disse-se que regulamentando o jôgo se conseguiria impedir que entrassem na jogatina menores, obtendo-se uma certa restrição. Triste argumento.
Digam-me os partidários da regulamentação do jôgo se porventura esta regulamentação, e dalguma maneira tornada lícita aos olhos da Constituïção, feita por um Parlamento, impediria o jôgo clandestino, ou se pelo contrário não seria o jôgo, tornado lícito, dalguma forma, um aperi-
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tivo, um incentivo a que ao seu lado se estabelecesse o jôgo clandestino.
Se se permitisse o jôgo às claras, continuaria jogando-se às escuras e continuaria com todo o seu cortejo de vergonhas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sendo a fiscalização feita pelos próprios monopolistas do jôgo era muito mais fácil do que feita pelos govêrnos, como se está demonstrando todos os dias.
O Orador: — Disse o Sr. Carlos de Vasconcelos que a fiscalização feita pelos monopolistas do jôgo seria muito mais perfeita do que feita pelo Estado.
Êsse argumento, salvo o devido respeito, não tem valor para aquilo que eu estava dizendo.
Os monopolistas fariam a fiscalização com respeito àqueles que a lei permitisse entrar nos seus clubes, mas pouco se importariam com os outros que a lei proibisse do entrar neles e de tomar parte na jogatina legalizada.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Fariam a fiscalização do jôgo ilícito que lhes iria fazer concorrência.
O Orador: — Sr. Presidente: ia eu dizendo, quando S. Ex.ª me interrompeu, que há outro argumento que me leva a condenar a regulamentação do jôgo e com esto vou terminar.
Regulamentar o jôgo é dalguma maneira dizer, por um texto, por uma votação, que assume o carácter dum voto emitido pela sociedade, que uma cousa que é imoral passou a ser uma cousa lícita o honesta, e é esta consideração que tem de ser decisiva para quem esteja à frente do Poder, que representando a autoridade não pode deixar de ter em conta uma afirmação de honestidade.
Todo o dinheiro que se pudesse arrancar do vício do jôgo, ainda que para fins beneficentes, não representaria mais do que uma verdadeira imoralidade.
Seria um dinheiro de maldição, conseguido à custa de ruínas e de lágrimas. Seria como se nós disséssemos que para apagar um incêndio o melhor seria arranjar um outro, ou secar uma fonte para levar água para outra fonte.
Não compreendo como, em face dos textos de lei, dos princípios de moral e dos princípios de honesta e sã filosofia que tem de presidir a todos os actos do Govêrno e a todos os actos praticados pelas autoridades, se possa defender nem o jôgo nem a sua regulamentação.
Não posso defender nem o jôgo nem a sua regulamentação, e por isso e por todos os meios que me permitam o Regimento, serei absolutamente contrário quer ao jôgo, quer à sua regulamentação.
Apoiados.
Mando para a Mesa a minha moção.
Foi lida a moção do Sr. Dinis da Fonseca e admitida.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro para ser dispensada a leitura da última redacção do orçamento do Ministério do Interior.
Aprovado.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: apenas duas ou três palavras.
Em harmonia com as prescrições regimentais, começo por mandar para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, considerando que a missão do Poder Executivo é cumprir e fazer cumprir as leis, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 17 de Abril de 1923. — Artur Carvalho da Silva.
Há afirmações que à fôrça de serem repetidas são muitas vezes aceitas por aqueles que se querem dispensar do trabalho de pensar sôbre o assunto.
Respeitando muito as opiniões contrárias às minhas, não posso deixar passar sem rejeição algumas opiniões aqui expendidas pelo Sr. Pedro Pita, na defesa que fez da regulamentação do jôgo.
Sou absolutamente contrário a essa regulamentação.
S. Ex.ª afirmou primeiro que se devia regulamentar o jôgo pelo facto de ser impossível evitá-lo por completo.
É absolutamente inadmissível êste argumento, porquanto, pela mesma lógica, teríamos de regulamentar todos os crimes, por não haver maneira de os evitar.
Apoiados.
A adopção do princípio do Sr. Pedro Pita implicaria a substituição do Código
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Penal por uma série de regulamentações, porque o Código Penal é justamente para punir os crimes.
Por tal critério, como os crimes se não podem evitar, não será preciso um Código Penal.
A razão de que se deve regulamentar o jôgo porque se não pode evitar não colhe.
Disse S. Ex.ª que até os próprios agentes encarregados da repressão do jôgo se deixam subornar pelos empresários das casas do jôgo de azar.
Pregunto: Se êsses agentes se deixam agora subornar, quando o jôgo seja regulamentado, segundo o critério do Sr. Pedro Pita, e até segundo exemplos apresentados, não se deixarão subornar também?
Pois se era preciso haver licença para entrar na casa de jôgo, uma cédula, não haveria suborno havendo dinheiro?
Todas as pessoas que tivessem dinheiro na algibeira entrariam na mesma maneira na casa de jôgo, e então os mesmos agentes, que o Sr. Pedro Pita reconhece que se deixam subornar quando o jôgo é proibido, passavam a fazê-lo quando êle era regulamentado.
Nestas condições, porque em assuntos de carácter social não há a atender senão ao que seja melhor ou ao que seja pior, não há que atender senão, a um critério de relatividade, entendo que a proibição do jôgo é uma medida muito mais eficaz do que a regulamentação. Além disso, reputo uma imoralidade que o Estado, representando a sociedade que tem de condenar e de evitar todas as imoralidades, passe a consenti-las desde que lhe dêem uma determinada quantia que o torne comparticipante do produto dessas imoralidades.
Por todas estas razões, eu declaro, como já o fez o Sr. Dinis da Fonseca, que, emquanto aqui estiver, e quando venha à Câmara um projecto de regulamentação do jôgo, êsse projecto encontrará da minha parte a mais franca, a mais formal oposição, pois que, de facto, reputo essa regulamentação altamente perniciosa para a vida da sociedade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida e admitida a moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Jorge Capinha: — Sr. Presidente: algumas palavras apenas para associar o meu voto de protesto àquele outro expresso já nesta Câmara por alguns meus ilustres colegas, que se insurgiram contra o abuso do jôgo de azar.
Não é a primeira vez que eu me insurjo e protesto dêste lugar contra a falta de cumprimento da lei proibitiva do jôgo de azar.
Já uma vez chamei para o facto a atenção do Sr. Presidente do Ministério e S. Ex.ª, como em muitas outras ocasiões, quis que eu pregasse no deserto, não ligando importância alguma ao prestígio das leis, permitindo que nos encontremos aqui a protestar dia a dia contra determinados casos, sem que, como é sua obrigação, por si e pelo Govêrno, exija com todo o rigor o cumprimento das leis.
O Sr. Sá Pereira: — Apoiado.
O Orador: — O Sr. Presidente do Ministério sabe muito bem o que se tem passado adentro do meu círculo.
S. Ex.ª tem no seu gabinete documentos oficiais, pelos quais, se prova que a própria autoridade de Évora, que a própria polícia, foi ali apanhada mais duma. vez nas casas de tavolagem, jogando e roubando os pontos. Essas autoridades nenhuma penalidade sofreram. Ainda ontem eu tive conhecimento de que abriu em Évora uma nova casa de jôgo, com o rótulo, de sociedade de recreio, com estatutos aprovados pela autoridade superior do distrito, quando essa autoridade, como toda a população de Évora, sabe muito bem que ali não se faz recreio entre os sócios, mas simplesmente jôgo de azar: a roleta, o monte e a banca francesa.
Êstes são factos autênticos; o Sr. Presidente do Ministério dêles tem conhecimento, mas entende que nos devemos sujeitar à vontade imperiosa dos batoteiros.
Se, porém, S. Ex.ª não tem fôrça bastante para meter na ordem os batoteiros, então saia S. Ex.ª do Poder e dê o seu lugar a outrem.
O Sr. Sá Pereira: — Apoiado.
O Orador: — Não posso, também, concordar com a regulamentação do jôgo.
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Se ela se faz a título de se criar receita para o Estado, então regulamentem-se tantas outras cousas afrontosas; regulamente-se, por exemplo, o uso de deitar bombas.
O princípio é o mesmo.
Para terminar, porque o Sr. Ministro do Interior, a cargo de quem estão êstes serviços, não merece confiança alguma, sob o ponto de vista de qualquer promessa que venha aqui fazer, porque pode dizer mais uma vez ou uma centena de vezes que vai proibir o jôgo e cada vez se jogará mais, devo dizer que não posso dar o meu voto às tantas moções em que se pretende confiar na acção do Govêrno para que de futuro êle faça uma fiscalização mais rigorosa. Por consequência, dou o meu voto à moção do Sr. Sá Pereira, para a qual requeiro a prioridade.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: quando cheguei à Câmara disseram-me que o Sr. Presidente do Ministério, em resposta ao ilustre Deputado Sr. Vasco Borges, tinha convidado a Câmara a pronunciar-se sôbre esta questão.
Na verdade — e eu corrigirei as minhas palavras, se necessário fôr, visto que se trata de simples informação — na verdade, se as palavras do Sr. Vasco Borges foram no sentido de convidar o Govêrno a cumprir a lei vigente, o debate que se estabeleceu sôbre regulamentação ou não regulamentação do jôgo não foi mais do que uma adenda ao que primeiro se tinha tratado, e, nesse caso, o Sr. Presidente do Ministério não tinha de fazer o seu convite à Câmara, mais simplesmente de dizer se cumpria ou se não cumpria a lei, isto se as informações do Sr. Vasco Borges eram erradas, e, no caso de a não cumprir, se o não fazia porque não queria ou se o não fazia porque não podia.
Creio que seria esta a resposta a dar e que, assim, não teríamos agora uma discussão sôbre a matéria fundamental, discussão que me parece não bem cabida neste momento, e vou dizer porquê.
Já só disse nesta Câmara que há mais de um projecto de regulamentação do jôgo com pareceres de várias comissões e prestes a vir para a discussão desta casa do Parlamento.
Parece-me que é essa a ocasião de, com pareceres distribuídos, bem estudados e bem ponderados, todos manifestarmos a nossa opinião sôbre o assunto.
Pôsto que tenha a minha opinião formada, não estou disposto a votar uma opinião alheia, e só o faria quando a isso fôsse levado por fundamentos firmes; mas não é nesta altura da discussão que o devo fazer, e só quero expor alguma cousa sôbre o caminho a seguir, isto é, a repressão do jôgo.
Sr. Presidente: tem-se abusado muito nesta Câmara da palavra «moralidade».
É necessário que nos convençamos que não se trata dos inconvenientes graves que tem resultado do modo em que se tem vivido quanto à questão do jôgo.
Da regulamentação e da repressão, só se trata de ver qual a melhor forma.
Apesar de já ter havido várias vezes repressões, nota-se que se tem ùltimamente aberto várias casas de tavolagem com grande luxo, e há, portanto, razão para preguntar-se a repressão é um meio eficaz, e o Sr. Presidente do Ministério, em vez de preguntar à Câmara, deve informar-se se lhe é possível ou impossível cumprir a lei repressiva, porque, sendo impossível a repressão, já não há escolha e só temos de seguir o regime da regulamentação.
Não se trata de ver, para uma questão desta ordem e magnitude, se tem aplicação a citação de ter sido jogada a túnica de Cristo por trinta dinheiros para daí concluir que as pessoas católicas se inclinam ou não para a repressão do jôgo, repressão que apesar de toda a intervenção das autoridades não tem dado resultados.
Àpartes.
O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): — As autoridades são coniventes.
O Orador: — Sr. Presidente: não há nada como o vício para aproximar as criaturas.
Se se tratasse de virtudes, não se ligariam tanto os Deputados católicos com os que se sentam na extrema esquerda.
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Sr. Presidente: eu não quero alargar-me em considerações, e lamento que muitos Srs. Deputados tivessem falado sôbre o caso.
Todos nós somos estadistas, e como tal precisamos saber que não se trata de fazer moral sôbre uma determinada cousa, mas sôbre a maneira de praticar um acto moral.
Ora a moral é não jogar, e, não sendo possível reprimir o jôgo, nem sendo eficaz a repressão, está-se praticando uma cousa imoral.
Àpartes.
Nestas circunstâncias, Sr. Presidente, eu devo dizer á Câmara que dou o meu voto à moção enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado, o Sr. Pedro Pita, por isso que entendo que ela é a mais lógica, visto que conclui por pedir que os projectos que se encontram nas comissões tenham rápido andamento, de forma a que a Câmara no mais curto prazo de tempo se possa pronunciar sôbre essa matéria.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Ferreira de Mira deu a esta questão um relevo especial, o qual tem de levar a Câmara necessàriamente a pronunciar-se, ou sôbre a moção enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Pedro Pita, ou pela do meu ilustre amigo e correligionário Sr. Carlos Pereira, isto sem ofensa para os outros ilustres oradores que igualmente apresentaram moções.
Acusa-se o Govêrno de não reprimir o jôgo conforme manda a lei; porém, eu deve dizer que se estivessem neste lugar saberiam as dificuldades que há para o fazer, pois a verdade é que se não podem reprimir fàcilmente estes abusos sem se estabelecer a forma absolutamente eficaz, para se alcançar êsse desideratum.
Os artigos 284.º e 285.º do Código Penal não estabelecem, os verdadeiros elementos para se poderem reprimir êsses abusos, tendo o assunto, no emtanto, já sido entregue a ilustres jurisconsultos, pelo que foram já agravadas essas penas segundo o decreto de 21 de Outubro.
Já vê, pois, a Câmara que não é lógico que se diga que o Govêrno tem facilitado o jôgo, estabelecendo penas mais pequenas.
O Sr. Cancela de Abreu: — Não há dúvida nisso; já o disse e repito-o agora.
Diga-me V. Ex.ª o que é mais: são seis meses do cadeia ou 200$ de multa?
O Orador: — Vou ler o artigo 25.º
E tanto era manifesta esta intenção que ainda não foi incriminado alguém afora do âmbito dos artigos que venho de citar.
Continua na Boa Hora, à espera de julgamento, uma série de apreensões feitas, o as criaturas que foram encontradas a jogar foram castigadas com penalidades superiores àquelas que estabelecem os artigos 264.º e 265.º do Código Penal.
O Sr. Cancela de Abreu: — O artigo 264.º manda aplicar aos jogadores a pena correspondente ao crime de vadiagem, que são seis meses de cadeia, e determina que depois sejam entregues ao Govêrno.
Eu pregunto o que é maior castigo: são seis meses de cadeia ou a multa de 200$?
V. Ex.ª não pode, de maneira alguma, alterar a competência dos tribunais e do Código Penal.
O Orador: — Foi hoje a primeira voz na minha vida que ouvi chamarem-me ditador.
Registo essa apreciação dos Srs. Sá. Pereira e Cancela de Abreu, e continuo com aquelas pessoas, homens de bem e com responsabilidades, que nunca, consentiriam numa ditadura e que me querem acompanhar.
Apoiados.
Mas, Sr. Presidente, eu posso afirmar à Câmara, sem receio dum desmentido, que o motivo da falta do condenação devida aos indivíduos que jogam é a insuficiência de legislação a êsse respeito. E tanto assim é, que o próprio Sr. Sá Pe-
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reira, que me acusou, já aqui trouxe um projecto tendente a corrigir essa insuficiência de legislação.
Eu pregunto se há algum homem honrado que, metendo a mão na sua consciência, possa afirmar que podia evitar que se jogasse.
Para que tenhamos autoridade ao discutirmos êste problema, devemos colocar-nos todos na mesma situação, reconhecendo aos outros boa vontade de acertar.
Aguardei essa interpelação que se realizou, sem que pedisse ao Sr. Presidente que a marcasse para êste ou aquele dia, pois não sou eu que tenho de julgar da oportunidade de tratar dos assuntos que o Parlamento queira versar.
Sabendo que muitos dos representantes do País defendem o princípio da regulamentação do jôgo, era natural que quisesse ouvir as diversas opiniões, para o Govêrno depois se pronunciar e exercer a sua acção.
Trocam-se àpartes e estabelecem-se diálogos entre os diversos Srs. Deputados que rodeiam o orador.
O Orador: — Em vários parlamentos da República e até em vários Conselhos de Ministros as opiniões têm sido desencontradas.
Há uns que são pela regulamentação do jôgo, e há outros que optam pela sua repressão.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: para os que julgam que não foi vantajoso o estabelecimento do artigo 25.º, basta indicar a quantidade de processos que tem sido julgados desde a reformada polícia de investigação até os primeiros dias de Abril.
Mas isto tem sido sempre assim. Todas as vezes que eu pretendo moralizar um determinado organismo público, as acusações que caem sôbre ruim fazem reviver com flagrância a velha fábula do homem, do rapaz e do burro.
Risos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Sá Pereira: — Não pensava em voltar novamente ao assunto, mas sou coagido a fazê-lo em face das declarações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério!
Disse S. Ex.ª, entre muitas outras cousas, que jamais os govêrnos em Portugal tinham sido suficientemente fortes para reprimir o jôgo de azar. A afirmação de S. Ex.ª não é exacta.
Nós já tivemos, um Govêrno que conseguiu reprimir eficazmente o jôgo do azar; foi o Govêrno da presidência do Sr. Afonso Costa, durante o qual — posso afirmá-lo — se não jogou em Lisboa.
A repressão foi completa; tam completa, que o desespero dos batoteiros foi até o ponto de provocar o movimento insurrecional de 27 de Abril.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) (interrompendo): — No tempo do Sr. Afonso Costa, apesar de toda a repressão, sempre se jogou. Os próprios colegas de S. Ex.ª no gabinete a que presidia entendiam que se devia fazer a regulamentação.
De resto, eu encontro-me perante uma situação que não foi por mim criada.
O Orador: — Nunca em 1913 o desaforo da jogatina chegou ao ponto de hoje (Apoiados), em que os governantes, apostados em tudo subverter, se apressam a alterar o Código Penal, não para restringir o jôgo, mas sim para proteger os batoteiros.
Muitos apoiados.
Sr. Presidente: o Govêrno, alterando as disposições do Código Penal, cometeu um autêntico abuso do Poder, contra, o qual protesto indignadamente.
Muitos apoiados.
Modificar situações para as moralizar, ainda se justifica; mas modificá-las para proteger a crápula e o vício, não se fará sem a minha mais veemente indignação.
Muitos apoiados.
Registo o Sr. Presidente do Ministério que eu estivesse ao lado do Sr. Cancela de Abreu na defesa dos mesmos princípios. Não tem S. Ex.ª que se admirar, porque não é realmente para admirar que duas pessoas, embora militando em partidos políticos antagónicos, se encontrem
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no mesmo campo na defesa dos princípios honestos e morais.
Apoiados.
O Govêrno, Sr. Presidente, só tem sabido comprometer tudo e todos, perseguindo os homens de bem para deixar à revelia toda a casta de criminosos.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério fez a revisão do seu àparte.
O Sr. Presidente: — Eu peço aos Srs. Deputados que usarem da palavra sôbre o modo de votar, o favor de restringirem quanto possível às suas considerações, não se esquecendo de que o fazem sôbre o modo de votar.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: eu julgo que bom foi que o ilustre Deputado Sr. Vasco Borges tivesse levantado nesta casa do Parlamento a questão do jôgo, porque o Congresso da República não pode continuar sob a suspeição de que está disposto a sancionar, a oficializar o jôgo de azar no país português, e ainda porque vamos ter ensejo de nos pronunciar decisiva e categoricamente sôbre a questão.
Em minha opinião, os govêrnos da República não podem sancionar o jôgo de azar, nem o Parlamento tem o direito de regulamentar o exercício dêsse jogo...
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se autoriza a votação nominal sôbre a moção em que recaiu a prioridade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nunes Loureiro (sôbre o modo de votar): — Tratando-se dam caso que apaixonou a Câmara, requeiro a votação nominal, para a moção do Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Presidente: — Os requerimentos formulados estão fora do tempo, porquanto só vamos votar agora a prioridade!
O Sr. Pedro Pita (sôbre o modo de votar): — Receio, como já tem sucedido algumas vezes, que V. Ex.ª, aproveitando a circunstância de ser eu, me aplique o Regimento, para dar o exemplo, e eu por todos os motivos acato as indicações de V. Ex.ª, mas desde que sôbre o modo de votar se lançou uma girândola final, não quero deixar de queimar também uma girândola.
O Sr. Ministro do Interior e Presidente do Ministério, com uma lealdade que eu muito louvo, veio à Câmara declarar que não podia suprimir eficazmente o jôgo.
Isto é extraordinário!
Tenho muito prazer em que a votação seja nominal, como não tive dúvida nenhuma em mandar paira a Mesa uma moção em meu nome.
Sr. Presidente: regulamentado o jôgo, sabe-se a quem se devem pedir responsabilidades; regulamentado o jôgo sabe-se quem pode jogar e quem não pode; sabe-se onde se pode jogar e onde se não deve jogar. Doutra maneira, joga-se às escondidas, jogando-se até com a própria situação política.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É rejeitado o requerimento do Sr. Jorge Capinha, pedindo a prioridade da votação para a moção do Sr. Sá Pereira.
Igualmente é rejeitado o requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos, pedindo também a prioridade para a votação da moção do Sr. Pedro Pita.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a moção do Sr. Carlos Pereira.
Vai ler-se.
É lida.
O Sr. Ferreira da Rocha (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: requeiro que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se admite que a moção seja dividida em duas partes, sendo a primeira parte até às palavras «leis em vigor».
Consultada a Câmara, é aprovado o requerimento.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Jaime de Sousa e Nunes Loureiro pediram a votação nominal para esta moção, mas que-
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re-me parecer que êsse pedido só diz respeito à primeira parte da moção.
Apoiados.
O Sr. Jaime de Sousa: — É exactamente como V. Ex.ª diz.
É aprovada a primeira parte da moção.
O Sr. Nunes Loureiro (para um requerimento): — Requeiro votação nominal para a segunda parte da moção.
É aprovado o requerimento.
O Sr. Lúcio Martins: — Requeiro a contraprova.
Procedendo-se à contraprova, verifica-se que é rejeitado o requerimento.
É aprovada a segunda parte da moção por 30 votos contra 26.
O Sr. Presidente: — A moção do Sr. Sá Pereira está prejudicada, e a do Sr. Pedro Pita também.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Pedro Pita (para explicações): — Peço perdão a V. Ex.ª, mas a minha moção não está prejudicada, porque ressalva o direito de a Câmara estudar para o futuro a regulamentação do jôgo.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se a moção do Sr. Pedro Pita.
Lê-se na Mesa.
O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro que se prorrogue a sessão até se votarem as moções que estão sôbre a Mesa.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento para a prorrogação da sessão.
O Sr. Francisco Cruz (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: parece-me que V. Ex.ª só pode aceitar êsse requerimento meia hora antes da marcada para a sessão terminar.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Regimento diz que se pode pedir a prorrogação da sessão em qualquer altura...
É aprovado o requerimento para a prorrogação da sessão.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se consente que haja votação nominal sôbre a moção do Sr. Pedro Pita.
Aprovado.
Feita a votação nominal, disseram «aprovo» 22 Srs. Deputados, e rejeito 36.
Foi, portanto, rejeitada.
Disseram «aprovo» os Srs. Deputados:
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Angelo de Sá Couto da Ganha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
osé Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Disseram «rejeito» os Srs. Deputados:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
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Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Salema.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — Parece-me quedas moções que estão sôbre a Mesa algumas estão prejudicadas, e outras estão derrogadas pela parte que foi votada.
O Sr. Cancela de Abreu: — A moção que foi votada diz que confia em que o Govêrno tomará as providências necessárias.
A minha moção convida o Govêrno a cumprir o seu dever. Não tem nada uma cousa com a outra.
Além disso há um projecto que se refere ao jôgo.
A minha moção tem de ser votada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A moção votada é de confiança ao Govêrno.
A de V. Ex.ª é de desconfiança.
Apoiados.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Cancela de Abreu: — Repito: a doutrina da moção é diferente.
O que quero é que a Câmara se pronuncie sôbre um decreto publicado.
A doutrina é outra.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A moção votada diz isso.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Pedia a V. Ex.ª o favor de me informar sôbre se a minha moção é considerada prejudicada.
O Sr. Presidente: — Suponho que a moção de V. Ex.ª está abrangida na moção que foi votada.
Pausa.
O Sr. Presidente: — A ordem da noite é o orçamento do Ministério do Comércio.
A primeira chamada terá lugar às 21 horas e a segunda às 22.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Última redacção
Do projecto de lei que fixa as despesas do Ministério do Interior.
Aprovada.
Para o Senado.
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças reforçando, com quantias indicadas, o orçamento do Ministério das Finanças para 1922-1923.
Para o «Diário do Govêrno».
Parecer
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o n.º 358-A que cria uma junta autónoma das obras dos pôrtos e estradas do distrito da Horta.
Para a comissão de administração pública.
Declarações de voto
Declaro que não sendo jogador nem o tendo sido em tempo algum, nem tampouco ter tido qualquer espécie de interêsses directos ou indirectos ligados ao jôgo, voto pela regulamentação do jôgo pelas seguintes e ponderosas razões:
1.ª Porque dada a grande extensão do jôgo e dos interêsses por êle criados mercê da complacência e tolerância dos Govêrno julgo possível a qualquer Go-
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Sessão de 17 de Abril de 1923
vêrno fazer uma real e efectiva repressão;
2.ª Porque pela razão acima exposta julgo preferível a regulamentação como meio profilático social e ainda por poder constituir uma grande fonte de receita.
Em 17 de Abril de 1923. — Aníbal Lúcio de Azevedo.
Para a Secretaria.
Para a acta.
Declaramos ter votado as moções do Sr. Carlos Pereira, porque queremos a repressão do jôgo, embora não possamos confiar num Govêrno que mais do que ninguém tem contribuído para a desgraçada situação em que nos encontramos. — Jorge Barros Capinha — Sá Pereira.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Requeiro a prioridade para a moção do Sr. Sá Pereira. — Jorge Capinha.
Para a Secretaria.
Rejeitado.
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja facultada vista do processo da sindicância ao chefe de repartição Nóbrega Quintal. — João Bacelar.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.