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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 68
EM 25 DE ABRIL DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Cancela de Abreu usa da palavra para interrogar a Mesa, respondendo lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Viriato da Fonseca reclama uma pronta, intervenção do Govêrno para a resolução de vários assuntos que interessam a colónia de Cabo Verde, e requere a imediata discussão da tabela referente aos vencimentos da guarda fiscal.
É aprovado.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa) responde às considerações do Sr. Viriato da Fonseca e manda para a Mesa duas propostas de lei.
Usa da palavra para explicações o Sr. Carlos de Vasconcelos
Lê-se na Mesa a tabela do parecer, n.º 225.
Usa da palavra o Sr. Estêvão Agitas, relator, que, manda para a Mesa uma proposta de substituição. É admitida.
Usa em seguida da palavra o Sr. Francisco Cruz.
O Sr. Correia Gomes, em nome da comissão de finanças, declara aceitar as emendas do Sr. Estêvão Águas.
Seguem-se os Srs. Jaime de Sousa, Carvalho da Silva, António Fonseca, António Correia e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
Usam ainda da palavra para explicações os Srs. Carvalho da Silva e Francisco Cruz.
O Sr. António Mendonça requere que na sessão imediata seja discutido, antes da ordem do dia e com prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.º 426.
É aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) responde aos oradores antecedentes.
Os Srs. Estêvão Águas e António Mendonça usam da palavra para explicações.
Esgotada a inscrição procede-se à votação, sendo aprovada a tabela e dispensada a leitura da sua última redacção, a requerimento do Sr. Estêvão Aguas.
É aprovada a acta, em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu.
É concedida uma licença.
A Câmara concede a urgência às propostas enviadas à Mesa pelo Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Ministro das Finanças pede urgência para uma proposta de lei que manda para a Mesa.
É concedida.
Ordem do dia. — Continuação da discussão das propostas apresentadas pelo Sr. António Fonseca modificando algumas disposições do Regimento.
Usa da palavra o Sr. Tôrres Garcia que manda para a Mesa um projecto de lei, requerendo urgência e dispensa do Regimento para êle e que seja discutido juntamente com o do Sr. Francisco Cruz. Aprovado.
Usam da palavra os Srs. Morais Carvalho e Pedro Pita que manda para a Mesa uma proposta. É admitida.
Efectuada a contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu com, a invocação do § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica-se não haver número suficiente para validar a votação.
Procede-se à chamada e, em seguida, o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 22 minutos.
Presentes 52 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
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Diário da Câmara dos Deputados
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Eduardo, da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados, que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Xavier.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Matias Boleto Ferreira do Mira.
Paulo da Costa Menano.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniáno da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
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Sessão de 25 de Abril de 1923
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite do Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte da Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Vitoríno Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
João de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 52 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Leu-se a acta.
Dá-se conta do seguinte
Oficio
Do Ministério das Colónias, respondendo ao ofício n.º 362, relativo a um requerimento do Sr. João Bacelar.
Para a Secretaria.
Telegramas pedindo que sejam atendidas as reclamações dos católicos
Pároco do Arrabalde (Leiria).
Pároco e junta de freguesia e regedor de Monte Redondo.
Párocos de Cortes e Tábua.
Comissão diocesana, Centro Católico de Portalegre.
Juntas de freguesia de Pousos, Amor, Colmeias, Arrabalde, Cortes, Souto da Carpalhosa, e Marrases (concelho de Leiria).
José Oliveira Zuquete, José Peres, José Silva Santos, António Rodrigues Pereira, João Curado, Joaquim Paiva, Francisco Albuquerque, Augusto Gonçalves, Manuel Jordão, José Ribeiro, Alfredo Coelho Pereira, Patrício Ferreira, Francisco Gil, Joaquim Patrício, João Caetano, José Patrício, José Cargueigério, Luís Souto, Afonso Portela, João António Lopes, Lúcio Noronha, Joaquim Silva Pereira, Júlio Adolfo Paiva, José Alves Carreira, Luís Gaspar Portela, João Pereira Nevo, António Costa Guerra — De Leiria.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da comissão executiva da União do Professorado Primário de Lisboa, pedindo
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Diário da Câmara dos Deputados
para a sua classe não ser excluída da melhoria geral de subvenções.
Para a Secretaria.
Da Junta Geral do distrito de Faro, apoiando a representação das Juntas Gerais, pedindo a entrega dos serviços das estradas.
Para a Secretaria.
Requerimento
De Cassiano Militão Camacho, segundo sargento de infantaria n.º 17, reclamando contra um castigo que sofreu.
Para a comissão de guerra.
Representações
De muitos cidadãos do concelho de Alcanena, contra a permanência ali do administrador do concelho o cidadão António Augusto Louro.
Para a Secretaria.
Dos importadores de tabacos, pedindo determinado prazo para despacharem, conforme os actuais direitos, as mercadorias em fabrico, em trânsito e a despacho da Alfândega.
Para a comissão de faianças.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Peço a V. Ex.ª o favor de me informar se já há numera suficiente de Sr s. Deputados para proceder a votações.
O Sr. Presidente: — Sim, senhor.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Nesse caso, peço a palavra para um requerimento.
Vozes: — Não pode ser. Antes da ordem do dia não há requerimentos.
O Sr. Presidente: — Não posso conceder a V. Ex.ª a palavra para um requerimento, porque o Regimento não mo permite.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: o assunto que desejo tratar corre pela pasta das Colónias, mas como S. Ex.ª o Ministro raras vezes vem a esta Câmara, peço ao Sr. Ministro da Agricultura a fineza de transmitir ao seu colega as minhas considerações, tanto mais que dizem respeito a uma província de que S. Ex.ª já foi governador.
Sr. Presidente: mais uma vez venho referir-me à província de Cabo Verde, para solicitar dos poderes públicos dêste país a sua interferência pronta e eficaz, a fim de se resolverem alguns assuntos regionais que merecem muito cuidado e atenção.
Por várias vezes, e com mágoa o digo, tenho feito solicitações perante o Sr. Ministro das Colónias, e nem sempre as tenho visto atendidas, apesar das boas palavras e das muitas promessas que S. Ex.ª faz, quando lhas apresento.
Entendo que o Sr. Ministro das Colónias, além de ouvir as- minhas reclamações, deve estudá-las e resolva-las conforme o interêsse público, não as deixando esquecidas na pasta dos assuntos que não merecem solução. Cabo Verde é uma colónia portuguesa, que deve merecer dos poderes públicos a mesma atenção que qualquer outra região do país. Lá flutua a bandeira nacional, cobrindo milhares de portugueses que muito estimam e amam a sua Pátria; lá, também só degladiam interêsses nacionais e estrangeiros, que merecem a atenção dos poderes públicos; lá, existe uma situação geográfica importantíssima, que seria anti-patriótico desprezar; lá, existe também uma parcela do património que nos foi ligado pelos nossos antepassados, património que todos os portugueses, certamente, desejam conservar e orientar na estrada do progresso.
Assim, devemos procurar resolver os problemas caboverdeanos com o carinho e interêsse que uma boa e sã política colonial determina, não os deixando rolar por êsse pélago de incertezas, de descuido, de indolência que por aí campeia e é prenúncio de retrocesso, mas sim actuar abertamente em uma política de progresso o de realizações práticas.
Nesta ordem de ideas, reclamo do Sr.
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Sessão de 26 de Abril de 1923
Ministro das Colónias, por intermédio do Sr. Ministro da Agricultura, rápidas providências, para um assunto que reputo importantíssimo.
Sr. Presidente: há cêrca de dois anos que a província de Cabo Verde se vê em sérios embaraços com uma pavorosa crise, que, pela sua intensidade, causou milhares de vítimas, matando mais de 30:000 almas de fome e miséria. Essa crise causou um profundo desequilíbrio comercial e económico, naquela provincia, cujos efeitos se hão-de fazer sentir por muito tempo. Basta citar êste grande número de vítimas para se concluir imediatamente, apesar de tudo quanto se fez, apesar de tudo que se diga em contrário, que os serviços de assistência e protecção aos que tinham fome não foram, nessa emergência, aquilo que deveriam ter sido.
Na verdade, Sr. Presidente, não se compreende que no século XX, no século das comunicações extra-rápidas, numa colónia- que está a 5 dias de viagem da metrópole e onde há os poderes públicos legalmente constituídos, morram de fome e miséria mais de 30:000 almas, numa população que tem cêrca de 150:000.
Já em fins de 1919 eu levantei nesta Câmara a minha voz para demonstrar que a crise que se avizinhava havia de ter graves consequências e apelava para os poderes públicos, pedindo sérias e rápidas providências.
Mas, como sempre sucede, as cousas correram à revelia, e só mais tarde, quando os mortos, aos milhares, apareciam pelos campos e pelas serranias, é • que apareceu o ferve et opus, que já nada pôde resolver.
O que digo a respeito da fome é o mesmo que digo com referência à peste, doença que há perto de ano e meio por lá campeia, com alternativas por vezes algo duras e que, de começo, quando podia ser atalhada, encontrou muita indiferença, sonão que muita ignorância.
Mas, reatando o fio das minhas considerações, devo dizer que em princípios de 1922 julgou-se que o ano agrícola seria bom, por virtude de ter chovido, e assim, aconteceu em toda a província, menos em Santo Antão, onde, apesar da larga e farta sementeira que se fez, toda a colheita se perdeu, por terem faltado as chuvas de Outubro e Setembro, dando em resultado continuar ali a crise, agravada com a profunda miséria e absoluta falta de recursos, originada no precário estado anterior.
Pelas notícias que tenho recebido, as providências dadas são insuficientes e escassas, reguladas provavelmente pelo critério de «runhas de fome» que é a característica principal de quem por lá anda governando interinamente, critério que já aqui verberei várias vezes.
E agora, que estamos a meio do ano, quando as crises mais acentuam a sua malignidade, agora começam a aparecer os telegramas alarmantes, prenunciando uma nova mortandade pela fome se não se tomarem rápidas e decisivas medidas de protecção e assistência.
Passo a ler os telegramas.
Primeiro telegrama recebido:
«Povo S. João Baptista, Santo Antão exausto recursos morre fome providência. — António Luís Delgado.
Segundo telegrama recebido:
«Povos freguesia Sampedro Santo Antão Cabo Verde prestes vítima fome pedem socorro urgente com remessa directa mantimentos quer para trabalhos quer para comida contrário mortandade séria. — José Duarte Lopes — Marcos Ramos — Moutinho Ramos».
Trecho duma carta:
«A crise aqui, de dia para dia, apresenta-se com carácter assustador, tanto mais porque não há trabalhos de crise e nem há milho do Govêrno, nem de particulares.
As sementeiras, que apresentavam um aspecto prometedor como havia muitos anos se não tinha visto, devido a ausência de chuvas em Outubro e Novembro, desapareceram por completo. O povo tinha trabalhado como não se esperava, apesar de exíguos recursos e falta de braços, mas viu todo o seu esfôrço reduzido a zero. Há sítios, onde nem água para irrigação das propriedades há, como acontece aqui na vila da Ribeira Grande e subúrbios.
Um litro de milho, quando aparece, é a $80 e a 1$. É um horror!
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Diário da Câmara dos Deputados
Urge, pois, que os poderes públicos tomem medidas tendentes à salvação dêste desgraçado povo parecendo que a Natureza lhe voltou as costas. — João Medina.
Nestas condições, pregunto: que faz o Sr. governador de Cabo Verde?
Anda naturalmente procurando no orçamento, segundo o critério de unhas de fome, as verbas que pode cortar, porque é essa a sua principal preocupação. Tem cortado escolas, comarcas, tropas, repartições internas, etc., com uma fobia administrativa que espanta, pois afinal não faz senão desorganizar serviços.
S. Ex.ª sentado na sua cátedra administrativa, não vê a crise que vai por aquela ilha, e eu, como filho da Ilha de Santo Antão, quero levantar aqui a minha voz, pedindo rápidas e enérgicas providências, para que àquela ilha seja dispensado o devido auxílio e conveniente socorro.
Não se venha argumentar que não há dinheiro, porque isso seria uma heresia, bois a província de Gabo Verde tem na metrópole como nenhuma outra colónia um poderoso Crédito. Os rendimentos das taxas de trânsito, dos telegramas que por lá passam, que são avaliados em milhares de contos, e têm sido tirânica e atrabiliàriamente sonegados a Colónia, dão à larga e ainda multo sobejará, para liberalmente ocorrer à crise que lavra em Santo Antão.
Já o disse aqui várias vezes e torno a repeti-lo.
Não há procedimento mais revoltante, mais estranho e mais egoísta do que o da Administração Geral dos Correios e telégrafos da metrópole, a respeito dessa fonte de receita de Cabo Verde.
Recebe desde há muitos anos o que lhe não pertence, guarda-o avaramente para as suas faustosas despesas e quando alguém lhe pede êsse dinheiro, para o entregar ao seu legítimo dono, responde: «acostumado, de longa data, aos largos benefícios e comodidades que êle me dá, como querem que eu entregue ao seu dono àquilo que tanta falta me faz».
Revoltante tudo isto! Nem parece que estamos em país civilizado, regido por uma República Democrática!
Quando em Cabo Verde morreram as pessoas, a Administração Geral dos Correios, porventura auxiliou ou fez algum gesto de pretender socorrer aquele povo?
E que tem Cabo Verde com as necessidades dos correios da metrópole?
Tenho verberado êste procedimento Como merece.
Nesta Câmara costumo ser correcto.
Nem uma única voz deixei de usar aquela correcção que deve ser a principal característica do quem se senta nesta casa do Parlamento.
Mas quando vejo tamanha extorsão, tam grande injustiça, praticada contra a minha torra, sinto referver o sangue e perder aquela correcção que aqui nunca só deve perder.
Desculpem-me, pois, a minha excitação.
Portanto, é preciso mandar dinheiro para Cabo Verde, a fim de aliviar a crise de fome que lavra em Santo Antão.
O Sr. ministro das Colónias sabe onde êsse dinheiro está e tenho documentos na minha mão pelos quais se prova que é favorável a êste modo de ver, referente aos interêsses de Cabo Verde, havendo despachos seus neste sentido. Assim peço ao Sr. Ministro da Agricultura que diga ao Sr. Ministro das Colónias que mande buscar êsse dinheiro, onde êle estiver, e o mande imediatamente pára Cabo Verde.
Assim terá praticado um acto de justiça, o acto mais belo da sua vida política e de estadista.
Outro assunto que vou expor em quatro palavras, pois que estou cansado, devido ao esforço violento que empreguei.
É o seguinte:
Peço a atenção de S. Ex.ª para êste assunto.
Um empregado da, colónia de Cabo Verde, tendo chegado a ocasião de ser aposentado, foi à junta, que deu o seu parecer favorável, depois confirmado pelo governador.
Segundo â lei o empregado tinha 60 dias tara arranjar os seus papéis, para instruir o seu processo de aposentação e não os apresentando no fim de 60 dias perde os seus vencimentos. Mas, ao contrário do que manda a lei logo que êste empregado foi à junta de inspecção, cortaram-lhe os vencimentos, ficando assim na miséria.
Mas não é só isto.
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Sessão de 25 de Abril de 1923
A Repartição de Fazenda, que num caso de fôrça maior não devia demorar os documentos pedidos, ainda até hoje não deu dois documentos que faltam a êste empregado, para instruir o processo de aposentação, apesar de terem já passado quatro meses.
Êste homem, era virtude de uma falta que não é dele, que pode ser considerada caso de fôrça maior, está a morrer de fome, porque a Repartição de Fazenda não passa os documentos para juntar ao seu processo. Peço a atenção do Sr. Ministro das Colónias para que prontamente seja feita justiça a êste empregado.
Termino, pedindo mais uma vez ao Sr. Ministro das Colónias que se não esqueça da fome em que se debate o povo da Ilha de Santo Antão, para que mais uma vez não assistamos, nós e os estrangeiros, ao deprimente espectáculo de ver morrer à fome milhares de pessoas, próximo de Portugal, quási às portas de Lisboa, pois que um aeroplano gasta apenas algumas horas para ir a Cabo Verde. Isto para que não aconteça o mesmo que nos últimos dois anos, em que morreram centenares de pessoas à fome, à míngua.
Peço, portanto, ao Sr. Ministro da Agricultura que transmita ao Sr. Ministro das Colónias as minhas considerações.
Aproveitando estar no uso da palavra, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se consente que imediatamente se discuta o parecer n.º 225 relativo aos Vencimentos da guarda fiscal, cuja discussão ficou ontem pendente.
O Sr. Presidente: — Consulto â Câmara sôbre o requerimento do Sr. Viriato da Fonseca, para que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 225, sôbre ordenados da guarda fiscal.
Assim se resolveu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Transmitirei ao Sr. Ministro das Colónias as considerações feitas pelo Sr. Viriato da Fonseca com tanto mais prazer, quanto é certo que conheço por cartas particulares a situação de Cabo Verde.
Aproveito a ocasião de estar com a palavra, para enviar para a Mesa duas propostas de lei, para as quais requeiro a urgência.
Uma das propostas de lei refere-se à abertura do um crédito para se poder despachar um extractor que está na alfândega e que se não pode despachar sem pagar os fretes, pois vem de Hamburgo.
A outra refere-se à actualização do preço da cana de açúcar.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — O ilustre Deputado Sr. Viriato da Fonseca dirigiu ao Sr. Ministro das Colónias reclamações que se tornam absolutamente precisa s no actual momento, para acudir à crise que especialmente flagela a Ilha de Santo Antão, de Cabo Verde.
Telegramas de várias autoridades dessa ilha pedem instantes providências, para que a crise se não avolume e se não assista ao espectáculo deprimente, a que já temos assistido, de morrerem à fome milhares do indivíduos em Cabo Verde.
Há bem poucos dias tive ocasião em, várias conferências com os Srs. Ministros das Colónias e Presidente do Ministério, de obter a promessa de se entregar a Cabo Verde os rendimentos das taxas telegráficas que pertencem a Cabo Verde e que montam â Uma quantia importante.
No actual ano êsse rendimento já monta à quantia de 5:000 contos.
Há um facto grave, a que já tive ocasião de me referir nesta Câmara.
Uma administração autónoma portuguesa oficiou a uma companhia inglesa ordenando lhe que não cumprisse o decreto de 8 de Dezembro de 1921, que manda entregar ao Ministério das Colónias a percentagem de 50 por cento das taxas dos telegramas que passam por Cabo Verde.
Escuso de salientar a gravidade dêste facto.
Êle mereceu a repulsa do Sr. Ministro das Colónias, que intimou a companhia inglesa a não cumprir a deliberação dos correios e telégrafos, chegando a companhia ao abuso de pedir a Intervenção do Ministro inglês.
Consta que em face da atitude do Sr. Ministro das Colónias a companhia inglesa resolveu não entregar nem a um nem a outro as taxas que estão em dívida desde o terceiro trimestre de 1921.
Caso não se consiga um acôrdo, eu declaro peremptòriamente que se a minha
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província não forem entregues os impostos que se lhe devem, deporei o meu mandato, pois não compreendo que numa terra portuguesa se não cumpram às leis do país.
Não compreendo que só continue a presencear êste espectáculo deprimente: emquanto na província morrem centenas ou milhares de portugueses, aqui se banqueteiam com o dinheiro que lhe pertence.
Repito: se a minha terra continuar a ser tratada como até aqui, eu renuncio ao meu lugar.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Também eu.
O Orador: — Posso afiançar que a representação caboverdiana desaparecerá desta casa do Parlamento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.º 225. Vai ser lida a tabela. Foi lida a tabela.
O Sr. Estêvão Águas (relator): — Quando apresentei êste projecto frisei que esta melhoria era insignificante.
Já passados vão dez meses, e mais insignificante se tornou.
Portanto, atendendo às circunstâncias do Tesouro, apresento uma proposta de substituição, de acôrdo com o Sr. Ministro das Finanças.
Consiste essa proposta no seguinte:
Proposta de substituição
Proponho que a tabela a que se refere o artigo 1.º seja substituída pela seguinte:
[Ver valores da tabela na imagem]
Até 10 anos de serviço fiscal:
Sargento ajudante
Primeiro sargento
Segundo sargento
Primeiro cabo
Segundo cabo
Soldado
Com mais de 10 anos de serviço fiscal:
Sargento ajudante
Primeiro sargento
Segundo sargento
Primeiro cabo
Segundo cabo
Soldado
Sala das Sessões, 25 de Abril de 1923. — João E. Águas.
Mando para a Mesa a proposta.
Foi lida na Mesa e admitida e ficou em discussão.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: os funcionários que desempenham serviços como os da Guarda Fiscal necessitam de serem pagos decentemente, porque não se pode exigir honradez onde há fome.
Tenho de perto presenciado o viver dêsses funcionários. Nem casa capaz têm para habitar!
Alguns vivem em verdadeiros casebres que são invadidos pela água.
É necessário que o Sr. Ministro das Finanças proponha à Câmara uma verba para reparações de quartéis.
Há postos alfandegários e delegações que arrecadam muito mais receitas do que certos concelhos; pois apesar disso emquanto um tesoureiro de finanças ganha entre 15 e 20 contos, comodamente instalado na sua repartição, os vencimentos em vigor nesses postos e nessas delegações são o que nós sabemos, verdadeiramente irrisórios e mesquinhos.
Chegou o momento, porém, de fazer justiça; o eu espero por isso que o Sr. Ministro das Finanças não levantará quaisquer obstáculos à alteração das taxas dás subvenções dêsses prestimosos funcionários e antes procurará dar-lhes tudo quanto fôr possível dar-lhes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lourenço Correia Gomes: — Em nome da comissão de finanças declaro dar o meu voto à proposta de alteração da tabela enviada para a Mesa pelo Sr. Estêvão Águas.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: declaro que dou o meu voto à tabela de vencimentos da Guarda Fiscal com as alterações propostas pelo ilustre Deputado Sr. Estêvão Águas e com as quais
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a comissão de finanças declara concordar.
Na sessão de sexta-feira, no momento em que essa tabela entrou em discussão, eu procurei chamar a atenção da Câmara para a necessidade imperiosa que havia em actualizar não só às tabelas de vencimentos relativas à Guarda Fiscal, mas ainda as de todas as corporações militares que em tempo de paz tem a seu cargo serviços intensivos e perigosos, semelhantes aos que se exercem em tempo de guerra.
Creio ser inútil qualificar, neste momento, quais os serviços que se encontram nessas condições e quais, por consequência os organismos cujas tabelas devem ser actualizadas.
Dois há, porém, ao lado da Guarda Fiscal que imediatamente despertam a nossa atenção.
Se efectivamente — eu sou o primeiro a reconhecê-lo — a Guarda Fiscal é obrigada ao exercício de funções árduas na fronteira, nos postos e em toda a parte onde ela é chamada a desempenhar a sua acção, outras corporações há cujos serviços são igualmente árduos, entro elas a Guarda Republicana constantemente empenhada na manutenção da ordem pública e a Marinha trabalhando no mar sujeita a toda a sorte de perigos, de desconforto e de dificuldades.
Êstes três organismos militares tiveram sempre vencimentos superiores às restantes corporações militares.
A lei n.º 1:305 não acatou, porém, inteiramente a uniformidade dêsses vencimentos e por isso impõe-se a actualização dessas tabelas, principalmente a da Armada que tem sido a mais esquecida.
Eu tencionava apresentar durante a discussão dêste projecto um artigo novo nesse sentido.
Sucede, no emtanto, que um ilustre Deputado, o Sr. António Fonseca, lembrou que a disposição do meu artigo era abrangida pela lei travão que não consente, durante a discussão do Orçamento, a apresentação do quaisquer medidas que representem aumento de despesa.
De forma que eu não tenho mais do que aguardar á oportunidade de o apresentar.
De resto, ou fui informado de que o Sr. Ministro da Marinha está tratando de estudar a nova tabela dos vencimentos da marinha de guerra.
Sabe a Câmara a brilhante página de história de Portugal que os nossos marinheiros vêm escrevendo de há longos anos.
E inútil estar a citar a V. Ex.ª factos e estar a recordar nomes, porque, decerto, não há nenhum português que não conheça os serviços da marinha de guerra; e sabe V. Ex.ª também que não é aos homens do regime republicano que pode faltar a memória quando se trata de recordar os serviços que a essa marinha deve êsse regime.
Apoiados.
Não deve, portanto, hesitar o Parlamento da República em fazer justiça a êsses homens, porque a própria demora nessa justiça já não é de receber.
Daqui apelo, por consequência, para o patriotismo do Parlamento e do Govêrno, e designadamente dos Ministros da Marinha e das Finanças, para que com urgência se vote aqui a actualização dos vencimentos dessas classes.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: começam efectivamente todos os Srs. Deputados a ver os efeitos da votação precipitada que aqui se fez da lei das subvenções.
Razão tínhamos nós, os Deputados monárquicos, que só estamos aqui para defender o que é justo e para que o Parlamento estude ponderadamente as reclamações que lhe são apresentadas, como é dever dum Parlamento numa verdadeira democracia -razão tínhamos nós em dizer que injustiças flagrantíssimas resultariam, da aprovação precipitada da lei das subvenções.
Ao passo que um número reduzido de funcionários de categoria superior ficou com vencimentos porventura superiores àqueles que deviam ter, a maior parte do funcionalismo, e principalmente aquele cujos vencimentos eram mais reduzidos, ficou numa situação da mais verdadeira injustiça e até algum dele com vencimentos verdadeiramente insuficientes para a custo da vida actual.
Nessas condições ficou a guarda fiscal;
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ela foi uma das vítimas da maneira como aqui se votou a lei das subvenções.
Apoiados.
E não sigo as pisadas do Sr. Jaime de Sousa quando diz que se devem premiar os serviços que esta ou aquela classe tenham prestado à República: nós queremos, apenas, que justiça se faça, não nos importando com os serviços à República; queremos atender apenas aquilo que é justo.
Estão as finanças públicas em má situação, não há dúvida; mas, então, reduzam-se os funcionários que não fazem nada, mas pague-se, como se deve pagar, àqueles que trabalham e ao Estado prestam serviços.
Sr. Presidente: não quero demorar as minhas considerações, porquanto daqui a pouco é a hora de se passar à ordem do dia, e eu desejo que fique votado hoje, antes da ordem do dia, êste parecer. Mas, à semelhança do que fez o Sr. Francisco Cruz, também desejo preguntar ao Sr. Ministro das Finanças se pensa, realmente e como é de justiça, em alterar a tabela da percentagem das subvenções às praças da guarda fiscal.
Se S. Ex.ª o fizer, se melhorar as condições de vida incomportáveis em que se encontram as praças da guarda fiscal, presta um bom serviço, e nós sentir-nos hemos bem com a nossa consciência em aprovar uma causa justa e urgente.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: não quero entrar pròpriamente na apreciação da proposta que foi mandada para a Mesa pelo Sr. Estêvão Águas; desejo, simplesmente, por uma questão de coerência e para salvar um princípio, salientar que a lei travão inibe qualquer Deputado de mandar para a Mesa, nesta altura, propostas que envolvam aumento de despesa.
Sei que o Sr. Ministro das Finanças e a comissão de finanças se declararam já de acôrdo com essa proposta; mas entendo que não é verdadeiramente êsse o processo legal de propor-se uma nova desposa.
A lei proíbe qualquer Deputado de enviar para a Mesa, durante a discussão
dos orçamentos, quaisquer propostas que causem aumento de despesa, e só o Sr. Ministro das Finanças o pode fazer. Portanto, se o Sr. Ministro estava de acôrdo com a proposta, S. Ex.ª que a perfilhasse e a enviasse êle para a Mesa.
No emtanto, não recuso o meu voto à proposta que está em discussão, mas simplesmente pedi a palavra para ser coerente e salvar um bom princípio.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: no primeiro dia em que se começou a discutir êste projecto de lei, eu preguntei ao Sr. Ministro das Finanças qual era o quantitativo com que ficavam as praças da guarda fiscal; mas não podendo S. Ex.ª elucidar-me, resolveu-se que ficasse a tabela que agora se discute para ser discutida, na sessão seguinte. Ontem, porém, por circunstâncias de todos conhecidas, não pôde discutir-se essa tabela e só hoje ela entrou em debate. Mas eu continuo a ignorar qual seja êsse quantitativo; e, por isso, desejo ser elucidado; dizendo que razão teve o Sr. Carvalho da Silva em dizer que a lei das subvenções foi de tal modo votada que deu lugar a muitas injustiças. Portanto, desejo também que a discussão actual se faça com toda a clareza, de forma que amanhã não se possa dizer que a Câmara pretendeu atender as dificuldades duma classe e deixou-a quási nas mesmas circunstâncias.
E assira, e não podendo, por motivo da lei-travão, enviar para a Mesa qualquer proposta de aumento de despesa, muito desejaria que o Sr. Ministro das Finanças atendesse o mais que pudesse à precária situação das praças da guarda fiscal que tem uma grave missão a cumprir.
Espero, por isso, que o Sr. Ministro das Finanças faça justiça a essa classe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: vou responder ràpidamente às considerações que foram feitas pelos vários oradores que entraram neste debate.
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Sessão de 20 de Abril de 1923
Fez-me, um apelo o Sr. Francisco Cruz, armando em defensor da guarda fiscal, como se êste projecto de lei não partisse da iniciativa da maioria, e como se da parte do Govêrno não houvesse toda a boa vontade em acudir à guarda fiscal.
Sr. Presidente: se não fôsse na verdade o grande desejo que há da parto do Govêrno em cumprir esta obra de justiça, eu nada daria; pois V. Ex.ªs sabem que nós temos um orçamento com deficit. Não se podia, porém, deixar de acudir à guarda fiscal; pois de contrário daria prejuízo para o Estado. Eu tenho por essa corporação a máxima consideração e muita estima.
Sei que só um ou outro poderá cometer qualquer falta, mas o facto é que a corporação em si é exemplar, mas que nas actuais circunstâncias não pode trabalhar com satisfação.
Os vencimentos que ficam são ainda deminutos, pois um soldado da guarda fiscal fica com 233$ mensais, o que é muito pouco para quem tem família.
Apoiados.
Ora, quem tem cuidados e dificuldades de vida trabalha mal.
Com irritação, os serviços não podem correr bem para o Estado.
Depois da discussão das leis n.º 1:355 e 1:356 será então o momento de se fazer a equiparação e acabar com todas as desigualdades; mas o aumento deve incidir sôbre o vencimento fixo, e eu estou certo de que a comissão encarregada apresentará em breve o seu parecer.
Sôbre as considerações do Sr. Jaime de Sousa, devo também dizer que lhes reconheço, na verdade, uma certa razão e justiça, pela desigualdade que se dá com outras classes.
Falou V. Ex.ª na marinha, e eu concordo com S. Ex.ª Mas é preciso separar as praças readmitidas das do serviço obrigatório, pois êste não é modo de vida.
O Sr. Jaime de Sousa: — Há 400 e tantas praças readmitidas que já pediram a sua demissão.
O Orador: — Efectivamente, um grande número de praças tem pedido a demissão, havendo por isso muitas vagas.
Temos de considerar, Sr. Presidente, aqueles que são profissionais e aqueles que o não são, dando-lhes então os vencimentos necessários para si e para as suas famílias, nas mesmas condições que os da guarda fiscal.
Já vê, portanto, V. Ex.ª que estamos perfeitamente de acôrdo, sendo absolutamente necessário, repito, fazer uma distinção entre aqueles que são chamados a prestar um serviço e aqueles que fazem dêsse serviço uma profissão.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer, em abono da verdade, que me custa muito, como Ministro das Finanças, a conceder um centavo sequer; porém, casos há, como êste, que se não pode deixar de atender, visto que isso poderia representar, até certo ponto, a desorganização completa dos serviços.
Devo dizer, Sr. Presidente, que o Sr. Carvalho da Silva foi inuito injusto quando se referiu aos vencimentos enormes que recebem alguns funcionários de alta categoria.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer, em abono da verdade, que mesmo os ordenados dalguns funcionários de elevada categoria são verdadeiramente vergonhosos em relação aos vencimentos que hoje se estão dando no comércio e na indústria. E para isso basta dizer que um director geral, que é um lugar de elevada categoria, que precisa de ter grandes conhecimentos, que tem grandes responsabilidades e que deve ter uma grande representação na sociedade, tem como vencimento mensal 800 e tantos escudos;
Quanto às considerações feitas pelo Sr. António Correia, limito-me a dizer à Câmara que quando se alterarem as percentagens será então ocasião oportuna de se legalizar melhor a situação a que S. Ex.ª aludiu.
Quanto às considerações feitas pelo Sr. António Fonseca, devo dizer que S. Ex.ª está realmente dentro dos bons princípios, estando eu perfeitamente de acôrdo com S. Ex.ª; porém, tem-se seguido sempre o costume — e o costume faz lei — de permitir que qualquer Deputado apresente propostas de aumento, desde que o Ministro das Finanças declare que está de acôrdo.
Devo dizer, no emtanto, que, segundo o meu critério, o Sr. António
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Diário da Câmara dos Deputados
sustentou a boa doutrina, com a qual, repito, estou inteiramente de acôrdo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Ministro das Finanças as explicações que me deu, não podendo deixar de constatar que S. Ex.ª reconhece a razão dêste lado da Câmara quando se discutiu a lei das subvenções. Não somos nós os responsáveis por essas injustiças, mas sim a maioria, que assim quis votar essa lei.
Constato com prazer, repito, que o Sr. Ministro das Finanças seja o primeiro a reconhecer-nos razão — a que temos o a que tivemos. Cousas há, porém, que são duma flagrante injustiça, pois a verdade é que funcionários há do registo predial que estão recebendo mais de 100 contos.
Não quero, Sr. Presidente, demorar a discussão do assunto, reservando-me para quando se discutir a tabela dos coeficientes defender quanto as minhas fôrças o permitirem, è em harmonia com os recursos do Tesouro Público, uma situação a que é preciso acudir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: agradeço as explicações que me deu o Sr. Ministro das Finanças.
Não posso, porém, quanto aos vencimentos da guarda fiscal, estar de acôrdo com S. Ex.ª, por isso que as funções da guarda fiscal são inteiramente diversas.
Trata-se, Sr. Presidente, de uma classe que tem de arrecadar dinheiros públicos; e assim não é lógico que ela fique numa situação de inferioridade.
Pois a verdade é que ela fica recebendo menos do que uma servente duma repartição pública, que ganha 300$ mensais.
Lamento profundamente a situação piscaria em que ficará a guarda fiscal; e de admirar não será que ela tenha de entrar por um caminho que para o Estado possa ser muito pouco proveitoso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António de Mendonça: — Sr. Presidente: poucas palavras pronunciarei porque muitas não são precisas para enunciar, um pensamento honesto e claro.
Sr. Presidente: quem tenha assistido às últimas sessões desta casa do Parlamento, sem saber, o trabalho, por vezes exaustivo e de verdadeiro interêsse para a República que aqui se tem produzido, reparando que entre nós as grandes inteligências, quando se não limitam a brilhar como diamantes em colo de dama formosa, se queimam a si próprios ou queimam aquilo de que se aproximam, e vendo que a moral vai sendo cada vez mais conceituada como lugar comum, há-de ter saído convencido de que a fórmula política existente se vai gastando ràpidamente; o como o passado não volta, o nosso visitante olhará esperançosamente para o futuro, cujo clarão rubro-sanguíneo se lhe apresenta como precursor, de um mais glorioso sol que se alevanta.
Sr. Presidente: uma das cousas que mais me impressionaram nestas últimas sessões foi o calor apaixonado que as oposições puseram na discussão dos vencimentos da guarda fiscal, esquecendo por completo outras corporações, como a guarda nacional republicana, cujos serviços são indiscutivelmente do mesmo valor que os da guarda fiscal, com a qual tem andado sempre equiparada quer pela natureza do serviço que desempenha, quer pela sua violência, quer pelos vencimentos que lhes têm sido atribuídos.
Apoiados.
Eu não compreendo a razão por que se põe de parte os interêsses da guarda nacional republicaria.
Ninguém aqui dentro conhece melhor do que eu a situação da guarda fiscal, porque nela servi durante quatro anos, como médico, na circunscrição do norte; sei por isso muito bem as miseráveis condições de vida em que se arrasta, mas ninguém como eu, aqui dentro, conhece u tormentosa e desgraçada situação económica em que se arrasta a guarda nacional republicana, cujos vencimentos tam minguados como os daquela, não sofrem como êles o acrescente da comparticipação nas multas ou sequer o produto de quaisquer emolumentos.
Como chefe dos serviços de saúde que sou desta corporação, tenho visitado as habitações da maioria das praças da guarda nacional republicana de Lisboa e sei o que com elas a semelhante respeito se passa na província, quere por observa-
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Sessão de 25 de Abril de 1923
cão directa que fiz, quere por informações dos médicos meus subordinados.
Todos estamos de acôrdo em que essa classe de servidores da República vive numa situação dó miséria verdadeiramente incomportável.
Quando na sexta-feira passada, a propósito da discussão da melhoria de vencimentos à guarda fiscal, eu apresentei um aditamento, recusado pela Mesa ao abrigo duma disposição regimental, que confesso desconhecer — só então soube pela Presidência que existia semelhante disposição ignorava o Regimento nessa parte — tornando extensiva à guarda nacional republicana idêntica melhoria, eu percebi que por aquele lado da Câmara correu um calafrio, como se lhe tivesse atirado por cima com um bloco de gelo e quando V o Ex.ª, Sr. Presidente, invocando uma disposição regimental, disse que a minha proposta não podia ser recebida na Mesa e o Sr. António da Fonseca, reforçando a recusa de V. Ex.ª, invocou a lei-travão, eu distingui nitidamente um grande suspiro de alívio, um expansivo ah! de satisfação, que lhes saiu de dentro como se um grande pêso se lhes tivesse tirado dos ombros.
Qual a razão presumível do desinteresse daquele lado da Câmara pela situação dá guarda nacional republicana?
De duas uma, ou os Srs. Deputados desconhecem os vencimentos verdadeiramente exíguos desta corporação ou ela não lhes merece simpatia.
Eu posso fazer à Câmara o paralelo entre os vencimentos das praças da guarda fiscal e os das da guarda nacional republicana.
Vejamos:
Leu.
Isto pelo que respeita a vencimentos.
Sucede ainda que as praças da guarda nacional republicana, são em grande número casadas e têm filhos, o que ninguém pode estranhar, nem o Estado pode impedir, por não ter o direito de as obrigar ao celibato.
Julgo também que nenhum dos Srs. Deputados cultiva a repugnante doutrina neo-maltusianista, nem se considera autorizado a aconselhar a sua prática aos soldados das duas guardas.
Não sei outro motivo que não seja uma característica portuguesa, que faz com que
tanto as praças da guarda fiscal como as da guarda nacional republicana sejam duma prolificidade enorme.
Raro ora na guarda fiscal, quando lá estive, aquele que ao cabo de três anos de casado não tivesse pelo menos quatro filhos.
Os da guarda nacional republicana não se deixam vencer no record.
Dizem êles, explicando, que é a sobremesa dos pobres.
Calcule a Câmara como é que famílias com tamanha facilidade do multiplicação, e em semelhantes condições económicas, poderão viver.
Ainda há pouco tempo visitei um desgraçado primeiro cabo da guarda nacional republicana, doente, que vivia com a mulher e três filhos num vão de escada, pelo qual pagava de renda 300 mensais.
Eu pregunto como é que êste homem, ganhando 197$, dos quais são descontadas as importâncias da despesa de fardamento, calçado, etc., e despendendo 30$ por um reles vão de escada, que lhe serve de casa, pode sustentar-se a êle, à mulher e aos três filhos.
Ninguém duvida que é impossível. Assim não se vive, morre-se de miséria.
Portanto, sob êste ponto de vista, nada há que discutir.
Já a Câmara está perfeitamente elucidada. Reconhecemos, como não pode deixar de acontecer, que às praças da guarda nacional republicana assiste tanta justiça, pelo menos, como às da guarda fiscal.
Pelo que diz respeito à questão da pouca simpatia, é preciso que o equívoco se desfaça.
Porque não gostam dela?
A guarda nacional republicana é precisa ou não é precisa?
Não se sabe, porventura, aqui dentro que, se ainda aqui mantemos o nosso lugar de Deputados, a ela, em grande parte, se deve?
Pois fique sabido que assim é. Deve-se em grande parte à guarda nacional republicana, principalmente a ela, pela lealdade com que, às ordens do Govêrno, tem sabido manter a ordem pública, e a indefectível firmeza com que sempre tem estado ao lado do regime, o facto de estarmos de posse dos nossos fauteuils nesta casa.
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Diário da Câmara dos Deputados
Bem sei que o regime não carece dela para sua defesa. Os regimes não se defendem com exércitos, nem com polícias, nem com armadas. Os regimes são tanto mais ou menos estáveis quanto melhor ou pior correspondem à corrente de sentimentos e ideas que animam e orientam o povo que os adoptou. A República lançou raízes fundas na alma da nação. Não é possível arrancá-las. Para trás não se anda. Almas que vão não voltam. Para diante sim, mas devagar.
Mas se o regime para sua defesa não precisa de corpos de polícia civil ou militar, entendo que em quanto as noções da indivíduo, família e propriedade constituírem, como entre nós, os fundamentos do Estado e o princípio da divisão de trabalho regular, a distribuïção das actividades; emquanto o equilíbrio social estiver à mercê das desinteligências derivadas da nossa imperfeita educação e o desnível económico das classes não tiver encontrado compensação que o torne aceito, ou seja admitido como fatalidade necessária, os corpos de polícia civil e militar não podem deixar de existir.
Nesta ordem de ideas, repito, ou a guarda nacional republicana é precisa, e então deve-se-lhe pagar bem, ou a guarda não é precisa, e nesse caso acaba-se com ela. O Estado não pode exigir que o sirvam de graça, nem tem o direito de m íitar alguém à fome, obrigando a servi-lo.
Tenho ouvido dizer que a guarda republicana, como o exército, são instituições parasitárias! O português gostou sempre muito das expressões fortes. Lança-as pela bôca fora e fica muito contente, à espera do efeito que fazem na assistência.
Ultimamente, mercê dessa circunstância, tem-se abusado muito do emprêgo da palavra «parasita».
Ora a verdade é que êsse termo, empregado no seu significado scientífico, tem de ser aceito por todos nós, porque o parasitismo é urna lei geral da natureza.
Desde a microscópica bactéria nitrifificante que prepara o solo arável, até ao sábio mais categorizado que no fundo do seu laboratório prepara e realiza as mais geniais descobertas, tudo se pode considerar parasita.
O emprêgo do termo, com o significado
vulgar que tem entre gente inculta, é um dislate inadmissível na cabeça dum Deputado que a tem no seu lugar.
Muito poderia dizer se quisesse divagar fora do assunto que principalmente desejo tratar. Vamos ao que importa.
A guarda republicana é necessária emquanto o direito de propriedade fôr, entre outras razões já apontadas, um dos fundamentos do Estado. Sendo necessária, deve-se-lhe pagar condignamente.
Pode ou deve ser melhor organizada? E também necessário melhorar o seu recrutamento? É. Não digo que não. Mas para isso toma-se indispensável que os respectivos vencimentos ou prós sejam calculados em harmonia ou em concorrência com a média dos salários civis, porque doutra maneira não teremos alistamentos em termos. Não haverá quem concorra aos lugares vagos da guarda.
Dito isto, e para não me alongar em considerações — se quisesse desabafar teria muito que dizer — passo a anunciar desde já que estando na Mesa para ser discutido o parecer n.º 426, que diz respeito a assuntos da guarda nacional republicana, eu aproveitarei o ensejo para provocar qualquer medida do Govêrno tendente a melhorar a insuportável situação económica daquela corporação, e como considero da maior urgência, por todos os motivos, que semelhante assunto seja aqui discutido e votado, requeiro que amanhã, antes da ordem do dia, e com prejuízo de todos os oradores inscritos, entre em discussão o parecer n.º 426.
Espero que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior apresente na mesma ocasião o necessário aditamento concebido de maneira que es vencimentos da guarda nacional republicana atinjam um quantitativo que não divirja sensivelmente dos que pelo projecto n.º 225-E. já aprovado, são fixados para as praças da guarda fiscal. Tenho dito.
Consultada a Câmara sôbre o requerimento do Sr. António Mendonça foi o mesmo aprovado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Ouvi com toda a atenção as considerações feitas pelo Sr. António Fonseca e declaro que estou absolutamente de acôrdo com elas.
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Sessão de 25 de Abril de 1923
Quando só discutir amanhã, o parecer n.º 426, terei ensejo de mandar para a Mesa a proposta tendente a estabelecer a tabela necessária.
De há muito que não se alistam praças na guarda republicana, e eu não concordo com o princípio de coagir as praças existentes a manterem-se na guarda além do período do alistamento. Faltam actualmente no efectivo da guarda 3:000 homens, e isto dá origem a casos como o que se passa em Coimbra: que é não se poder fornecer guarda para a cadeia. Por virtude dessa falta de praças sucede também não se poder atender à reclamação que tem vindo ao Ministério do Interior dos agricultores da Alentejo, que desejam ver criados vários postos da guarda republicana.
Os incêndios e roubos tem deminuído muito nas regiões onde existem êsses postos.
Terminando, repito, a quando da discussão do parecer n.º 426, apresentarei a proposta da tabela necessária, parecendo-me mais próprio apresentá-la nessa oportunidade do que agora, a propósito do projecto que se está discutindo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Estêvão Águas (relator): — Sr. Presidente: pedi a palavra ùnicamente para dar um esclarecimento à Câmara a propósito do que foi dito pelo Sr. António Mendonça, sôbre a diferença de vencimentos entre as praças da guarda republicana e as da guarda fiscal. Êsse esclarecimento consiste em apontar a Câmara que as praças da guarda republicana recebem gratificações de readmissões, o que não sucede às praças da guarda fiscal.
Nada mais tenho a dizer.
O orador não reviu.
O Sr. António Mendonça (para explicações): — Agradeço ao Sr. Presidente do Ministério a resposta que acaba de dar-me; e tenho a declarar que as readmissões actuais da guarda republicana são estas: ao cabo de três anos, uma praça passa a ganhar mais 1$20 por mós; só ao fim de dezoito anos, passa a receber mais 9$ por mês.
Não preciso dizer mais nada.
O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.
Vai votar-se.
Foi lida na Mesa, a tabela.
Seguidamente procede se à votação.
Foi aprovada.
O Sr. Estêvão Águas: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a acta queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está aprovada.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contraprova e contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 60 Srs. Deputados e em pé 5.
Está aprovada.
É concedida uma, licença, de mais trinta dias, pedida pelo Sr. Aires de Ornelas.
E substituído o Sr. Baptista da Silva, na comissão de administração pública, pelo. Sr. Dinis de Carvalho.
É concedida a urgência para as duas propostas de lei apresentadas pelo Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Presidente: — Por virtude da discussão e votação que acabam de ter lugar, da tabela de vencimentos para a guarda fiscal, ficou prejudicada a votação em contraprova que ficara para se fazer, da sessão anterior.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Envio para a Mesa uma proposta de lei, estabelecendo medidas restritivas à aquisição de propriedades no
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Diário da Câmara dos Deputados
país, feita por estrangeiros, e requeiro a urgência para a respectiva discussão.
Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão a proposta de modificação ao Regimento.
Tem a palavra o Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente entendo que devo declarar-me à Câmara em concordância com as propostas apresentadas pelo ilustre Deputado Sr. António Fonseca.
A segunda das propostas de S. Ex.ª eu dou o meu apoio mais completo, porque ela tende a remediar uma anomalia que existe no Regimento desta Câmara.
Efectivamente, por vezes, no acto das votações verifica-se falta de número, e logo a seguir, feita a chamada, constata-se que há número para votações.
O processo indicado pelo Sr. António da Fonseca para a averiguação da existência do número é absolutamente seguro, tenho pelo que diz respeito à aplicação da sanção da falta, como pelo que diz respeito à verificação de número.
A primeira proposta de S. Ex.ª dou também o meu apoio, porque se verifica que nas votações intervêm muitas vezes Srs. Deputados que não assistiram à discussão feita sôbre o assunto, e porque o prestígio parlamentar nada perde em que se faça a discussão simplesmente perante os Deputados que pela questão se interessam, não devendo estar-se à espera de criaturas que, pela sua ausência, demonstram nada se interessarem pelo assunto.
Não me repugna, portanto, como Deputado e como republicano, a adopção das propostas do Sr. António da Fonseca.
Sr. Presidente: aproveitando a oportunidade do algumas afirmações que se fizeram e até o próprio voto expresso no Congresso do Partido Democrático, no sentido de obrigar os parlamentares a assistir aos trabalhos da Câmara, eu mando para a Mesa um projecto de lei determinando que todo o funcionário civil ou militar que seja Deputado ou Senador passe imediatamente à situação de licença ilimitada, emquanto durar o seu mandato regressando aos respectivos quadros logo que terminem as suas funções parlamentares.
Acompanha a apresentação dêste projecto de lei um requerimento, que vou mandar ao Sr. Ministro da Instrução, solicitando a minha passagem à situação de licença ilimitada no cargo que exerço na Universidade de Coimbra, para assim pôr em boa equação o meu procedimento com o projecto que apresento.
Não é disciplinar nem republicano virem para as lutas acesas da política comandantes de unidades militares e funcionários superiores dos Ministérios; porque é muito difícil, pelo menos na prática, distinguir aqui dentro, como lá fora, os direitos e prerrogativas dum parlamentar dos deveres dum funcionário público.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se permite que êste meu projecto seja discutido conjuntamente com o projecto apresentado pelo Sr. Francisco Cruz.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, foi deferido o requerimento do Sr. Torras Garcia, para, que o seu projecto entrasse em discussão conjuntamente com o do Sr. Francisco Cruz.
O projecto é o seguinte:
Projecto de lei
Artigo 1.º Todos os funcionários civis e militares que forem eleitos Deputados ou Senadores passam à situação de licença ilimitada.
§ 1.º A situação de licença ilimitada é declarada conjuntamente com a publicação dos pareceres das respectivas comissões de verificação de poderes que os declararem eleitos.
§ 2.º Aos funcionários nestas condições é concedido o regresso ao quadro logo que cessem as suas funções parlamentares.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário. — António A. Tôrres Garcia.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: o voto omitido no congresso do Partido Democrático e que acaba de ser relembrado;i Câmara pelo Sr. Tôrres Garcia, no sentido do que os Deputados dêsse partido deveriam ser assíduos às sessões, coloca-os absolutamente na obri-
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Sessão de 26 de Abril de 1923
gação de não poderem dar o seu voto à proposta do Sr. António Fonseca.
Apoiados.
£ Sucede efectivamente, frequentes vezes, assistirmos ao espectáculo pouco edificante das sessões desta casa do Parlamento serem encerradas por falta de número?
Sucede; mas o remédio para isso não está em vir alterar o Regimento do modo como é proposto pelo Sr. António Fonseca.
O remédio está em fazer com que os Srs. Deputados venham às sessões.
As oposições não têm obrigação de fazer número, isso compete às maiorias.
Não apoiados.
Apoiados.
As oposições só têm a missão de fiscalização.
Àpartes.
Essa missão exercemo-la desde que aqui estejam alguns Deputados da oposição; mas a maioria, que tem confiança no Govêrno, que permite que êle ocupe as cadeiras do Poder, é que tem obrigação de vir fazer o número necessário.
Àpartes.
A doutrina da proposta do Sr. António Fonseca não se justifica, e muito menos quando é apresentada a propósito da medida que é função. principal do Parlamento, o Orçamento do Estado.
Já no ano passado a proposta do Sr. Alberto Xavier, infelizmente aprovada. pela Câmara, deu um golpe profundo no regime parlamentar, reduzindo muito a discussão dêsse diploma das contas do Estado.
No ano passado fez-se isso; e êste ano o Sr. António Fonseca na sua proposta quere que a discussão se faça apenas com um pequeno número de Deputados.
Admira-me que uma tal doutrina seja sustentada por um Deputado tam inteligente como o Sr. António Fonseca.
Sr. Presidente, de resto não compreendo a aceleração dos trabalhos parlamentares pela proposta do Sr. António Fonseca.
S. Ex.ª pretende que a discussão continue embora não haja número para as votações, e que estas se façam todas no fim, passados dias, quando aos Deputados da maioria apeteça vir à Câmara.
Mas pregunto. Se no meio da discussão eu apresentar um requerimento no sentido de que a matéria dum capítulo seja dada por discutida, ou para que se prorrogue a sessão até se votar certo capítulo, o Sr. Presidente não tem de pôr semelhante requerimento à votação?
Não compreendo que benefício possa o Sr. António Fonseca tirar da sua proposta, porque pôsto êsse requerimento à votação, se não houver número terá de ser encerrada a sessão e prejudicado o ponto de vista de S. Ex.ª manifestado na sua proposta.
Da mesma maneira se fôr requerido que certo assunto baixe à comissão, o resultado será o mesmo.
Mas sustentará S. Ex.ª a estranha doutrina que tais requerimentos ficarão para serem votados só quando houver número?
Mas então só passados dias e dias é que um requerimento relativo a uma sessão que já passou, é pôsto à votação.
Isso não se pode admitir.
Se a proposta do Sr. António Fonseca fôsse aprovada, o resultado seria que a maioria dispensada, por êste meio que reputo imoral, de comparecer às sessões desta Câmara, passaria dias e dias sem vir às discussões da Câmara e só ficariam os Deputados da oposição, que só têm o dever da fiscalização.
Marcando-se sessões de manhã, de tarde e à noite, só ficariam para assistir a êsses trabalhos os Deputados da oposição o que não poderia ser àpartes.
Sr. Presidente; é indispensável haver a necessária discussão, e ela não serve senão para esclarecer os homens e para aclarar as matérias em debate.
Até aqui dizia-se que a discussão era para fazer luz e era êsse o papel das minorias; daqui para diante a discussão é para os Deputados da maioria descansarem.
Àpartes.
O que resultaria se isto fôsse aprovado?
Resultaria fazer-se qualquer votação dos diversos capítulos dos orçamentos dos Ministérios no final da discussão. Isto é, uma votação de uma assentada. Eu pregunto aos Srs. Deputados da maioria que não têm energia para comparecer às sessões se a teriam para cons-
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Diário da Câmara aos Deputados
tantemente se levantarem para aprovar os artigos dos diversos capítulos.
Sr. Presidente: pelas considerações já apresentadas pelos meus colegas desta minoria Srs. Carvalho da Silva Cancela de Abreu, eu julgo que a questão está esclarecida e demonstrada â impossibilidade de sé dar o voto favorável a uma proposta dêste jaez; porquê isto seria o reconhecimento oficial da cábula dos Deputados da maioria;
Seria a aprovação da sua falta de zêlo na comparência às sessões, reduzindo-se à expressão simples de dar o seu voto de confiança ao Govêrno, que só por êsse voto se mantém no poder.
Estão em conjunto na discussão, creio eu, as propostas do Sr. António Fonseca, do Sr. Francisco Cruz e do Sr. Tôrres Garcia, as quais não puderam ser estudadas com a devida análise mas parece-me que visam a um ponto de vista moral principalmente a última, a qual damos o nosso voto, mas não sei se essas propostas estão em discussão.
O Sr. Presidente: — Não estão em discussão.
O Orador: — Então chamarei para elas a atenção da Câmara quando estiverem em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — As propostas do Sr. António Fonseca são diversas e diversamente devem ser apreciadas.
Uma das propostas têm por fim evitar o encerramento das sessões quando se reconheça, depois da contagem, que há número para poder funcionar a outra tem por fim permitir ã discussão dos orçamentos sem que na saia festeja presente o número necessário para votar. Isto é: quando se reconheça que no meio de uma discussão não há número, suspende-se a votação de um capítulo e passa-se à outro.
Ora, eu chamo a atenção do ilustre proponente para êste assunto:
Abre a sessão com 37 parlamentares; começa-se a discutir um capítulo e dos 37 Deputados restam apenas os três que parte da Mesa e aquele que está no uso da palavra, e a discussão continuaria.
Verificava-se que não havia número? Quem e como?
O Sr. António Fonseca: — A Mesa incumbe verificar se se está a fazer a discussão com número ou não.
O Orador: — A Mesa nunca verifica isso. As oposições é que incumbe fiscalizar — o que só se pode fazer requerendo a contagem.
O Sr. António Fonseca: — Faça V. Ex.ª um artigo nesse sentido de forma que a Mesa faça a contagem.
O Orador: — Sr. Presidente: não há possibilidade de convencer o proponente ou a Câmara da inconveniência e da desvantagem desta proposta.
Não me parece que seja êste o melhor meio de prestigiar o Parlamento, e se não fica bem ao Parlamento demorar-se tanto na discussão dos orçamentos, não fica melhor êste sistema, pois assim vamos demonstrar lá fora que a instituição parlamentar é uma inutilidade.
Eu compreendo que se procure fazer alguma cousa de útil na discussão do orçamento, como estabelecer se que só se discutiriam cortais verbas, visto que outras não podem ser alteradas; e assim a discussão do orçamento ficaria simplificada e pouparíamos tempo.
Sr. Presidente: o mal está principalmente em que é justamente na discussão dos orçamentos que a maioria dos parlamentares com a aspiração legítima têm a preocupação de se servirem dos orçamentos como de um curso como o programa de um concurso; o mal resulta de que muitos parlamentares querem mostrar as suas aptidões para determinadas pastas e procuram dentro dos orçamentos a matéria precisa para apresentarem o seu programa ministerial.
O ilustre Deputado Sr. António Fonseca, que foi Ministro do Comércio e que deixou nome, tem obrigação de dar larga expansão às suas ideas.
O Sr. António Fonseca: — Eu fui Ministro do Comércio e das Finanças sem
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ter intervindo na discussão dos orçamentos.
O Orador: — Eu já disse que achava legítima tal aspiração.
E assim nós teríamos lindas cousas: estradas várias, irrigação do Alentejo, caminhos de ferro electrificação de certas linhas, quedas de água, etc.
S. Ex.ªs apresentariam tudo isto na discussão do Orçamento, visto não terem facilidade de o fazerem em outra discussão.
O Sr. António Fonseca: — Se tivesse essa aspiração, tinha o direito de o fazer.
Julgo que V. Ex.ª não quere que não se faça a discussão do Orçamento.
O Orador: — Eu bem sei que não é impunemente que se provoca para adversário um parlamentar com o merecimento do ilustre Deputado Sr. António Fonseca mas, apesar disso, vou procurar responder ao àparte de S. Ex.ª
Eu não disse que as propostas do Sr. António Fonseca tinham por fim permitirão mesmo ilustre Deputado uma exposição aliás interessante como todas fui que são feitas por S. Ex.ª; o que afirmei foi que não era com o remédio que S. Ex.ª Queria dar que se conseguiria uma melhor discussão, uma discussão mais rápida do Orçamento.
O que disse a S. Ex.ª foi que, com os remédios que eu indicava me parecia conseguir-se melhor o fim que demonstrou ter em vista; e êsses remédios seriam em primeiro lugar, não serem presentes à discussão do Orçamento senão aduelas vercas que merecessem ser aumentadas ou deminuídas; e em segundo lugar os Srs. Deputados restringirem as suas considerações apenas às verbas orçamentais e não estarem a apresentar planos.
Êstes podem ser muito brilhantes, mas o que é verdade é que a discussão do Orçamento não pode servir de programa de concurso para quem queira ser Ministro.
O Sr. António Fonseca: — Mas que tem essa dissertação ou exposição dos meus planos com a aprovação das minhas propostas?
O Orador: — Eu já respondo a V. Ex.ª
O Sr. António Fonseca: — Então peço a V. Ex.ª que seja mais claro para ver se consigo perceber.
V. Ex.ª compreende que, se se não discutisse o orçamento do Ministério do Comércio, e eu pedisse que se fizesse essa discussão, tinha razão em dizer que eu queria fazer qualquer dissertação.
Agora afirmar V. Ex.ª que procuro fazer essa dissertação sem o número legal do Deputados presentes, e qtie isso me coloca em melhores condições de discutir o orçamento do Ministério do Comércio, não se compreende.
O Orador: — Sr. Presidente voltamos à mesma.
Eu não fiz a afirmação de que o Sr. António Fonseca apresentando as suas propostas pretendia ter maior facilidade em fazer a sua exposição.
Nesse ponto S. Ex.ª fica na mesmo situação em que estava com à votação das suas propostas.
Há mais: corre até o risco de fazer uma exposição brilhantíssima com muito menos pessoas à ouvi-lo.
O Sr. António Fonseca: — Então dá-me V. Ex.ª razão.
Eu ligo tanta importância, às minhas considerações que não me importo ser ouvido.
O Orador: — O que eu afirmei e vou repetir mais uma vez, para ver se o ilustre Deputado Sr. António Fonseca quere compreender, foi o seguinte: o mal não se remedeia fazendo uma discussão com $4 ou 37 Deputados na sala ou com muito menor número, o que há-de suceder fatalmente; êsse mal remedeia-se dêste monta: não trazendo à Câmara senão aquelas verbas Orçamentais que podem ser discutidas e alteradas.
E remedeia-se também se os Srs. Deputados guardarem toda a sua sciência para seu uso pessoal ou exibindo-a nas ocasiões próprias, não procurando fazer aqui uma exposição de conhecimentos a propósito do Orçamento.
Mais uma vez repito: as propostas do Sr. António da Fonseca não têm nada ver com o facto de S. Ex.ª a trazer ou trazer ideias muito bonitas mas fora das verbas orçamentais.
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Tanta boa vontade da parte de S. Ex.ª para que depressa se discuta o Orçamento, para que se discuta mesmo som número, em condições portanto que não podem ser honrosas para nós, e querer reservar-se o direito, manter o propósito de em vez de discutir verbas orçamentais apresentar a propósito da discussão do orçamento um plano largo de Govêrno, é que me parece que não está certo.
Não se coaduna uma cousa com as outras.
Sr. Presidente: quando estava a responder ao àparte do ilustre Deputado Sr. António da Fonseca, ouvi um outro que aliás é uma afirmação já ontem várias vezes feita nesta Câmara: que o remédio da proposta não é original visto que agora se pretende fazer o que já se fez.
Sr. Presidente: realmente o argumento tem um grande pêso! Não sei mesmo como se possa destruí-lo! É claro que desde que se fez uma cousa errada não há remédio senão mante-la porque já se fez...
O Sr. António Fonseca: — Porque deu bom resultado.
O Orador: — Mas então para isso há um remédio melhor. Há uma cousa que não falha: é não trazer o Orçamento à Câmara. Há outro remédio que pode dar melhor resultado: é o Orçamento vir à Câmara e não ser permitido aos Srs. Deputados discuti-lo. Há ainda um outro remédio que pode dar melhor resultado: é juntar todos os orçamentos ali em cima da Mesa, e aprová-los ou rejeitá-los.
Qualquer destas maneiras é remédio eficaz.
Sr. Presidente: eu pertenço ao numero das pessoas que provavelmente por não terem ideas não as procuram expor quando se discutem os orçamentos. Desde o momento em que me convenci de que era possível fazer votar uma lei restringindo-se aos parlamentares direitos que lhes são absolutamente assegurados pela Constituïção; desde que, sem restrição de qualquer espécie, a Constituïção me dava, como Deputado, o direito de discutir livremente os orçamentos, o desde que eu vi apresentar-se uma proposta, mais tarde transformada em lei, que me impedia de aumentar, deminuir ou transferir qualquer verba, entendi que não era uma cousa séria a discussão dos orçamentos, o resolvi nunca mais intervir nessa discussão.
Sr. Presidente: eu também seria capaz, se quisesse muito demoradamente estudar e, sobretudo, coligir elementos de estudo doutros, fazer o discurso da meia hora que a alteração do Regimento permite, fazendo até uma prelecção sôbre assuntos que nunca tivesse visto.
Não é bem o caso do meu velho professor Calixto, que só julgava apto a reger qualquer cadeira da Universidade, necessitando apenas um quarto de hora para a do medicina. Mas não há dúvida, nenhuma que a maior parte dos parlamentares estão em condições de falar durante uma hora sôbre qualquer dos orçamentos com urna ou duas horas de preparação.
Sr. Presidente: a outra proposta do ilustre Deputado é a que tem por fim evitar que as sessões se encerrem quando uma votação possa acusar falta de número. PI haja número.
De facto, não é aceitável que se continue no sistema de, ao fazer-se uma votação e verificar-se não haver número, fazer-se a chamada, que dá como existente o número de Deputados precisos, e a sessão prosseguir-se, repetindo-se seguidamente êste acto várias vezes, como já sucedeu.
Êste sistema não pode continuar, principalmente depois duma interpretação, creio que da Mesa, pela qual a chamada destina-se a saber qual o nome dos Deputados, para efeito de publicação no Diário das Sessões.
Sr. Presidente: não há dúvida de que desta falta resulta um inconveniente grande, porque é sempre desprestigiante para o Parlamento encerrarem-se as sessões por falta de número, tanto mais que dá margem a que lá fora êsse facto seja interpretado como habilidade ou manigância.
Mas pregunto: o remédio que se procura dar é realmente o melhor?
Creio que não.
Como é que se pode verificar o número de Deputados presentes sem se ter leito a contagem?
Qual é a oportunidade que a Mesa escolhe para fazer a votação nominal?
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O Sr. António Fonseca: — Depois de ter sido requerida a contagem.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente...
Interrupção do Sr. António Fonseca que não se ouviu.
O Orador: — É justamente o maquinismo.
O Sr. António Fonseca: — O maquinismo poderia ser do ouro que V. Ex.ª não aderiria a êle.
O Orador: — Não me laça V. Ex.ª essa injustiça.
Mas, continuando, devo dizer que o requerimento da contraprova com a aplicação do § 2.º do artigo 116.º é a verificação da contagem.
Em conclusão, não se altera nada do que hoje existe no Regimento da Câmara a êsse respeito, modificando-se simplesmente no sentido de, sempre que se faça a chamada e haja número, a sessão prosseguir.
Um àparte do Sr. António Fonseca.
O Orador: — Teríamos então agora a possibilidade de se seguirem três votações: prova, contraprova e votação nominal.
O Sr. António Fonseca: — O caso merece-o.
O Orador: — Simplesmente é o único caso em que essa circunstância se verifica. Ora eu concordaria com o Sr. António Fonseca se S. Ex.ª substituísse a sua proposta por uma outra que dissesse que, uma vez requerida a contraprova, ela só verificaria por votação nominal.
Insisto ainda, porém, na minha argumentação sôbre a outra proposta do ilustre Deputado Sr. António Fonseca. Ela tem todos os inconvenientes, sem ter qualquer vantagem. Tem o inconveniente que resulta da circunstância, que de início apresentei, de estarmos a discutir os orçamentos com vinte, com dez ou ainda com menor número de Deputados na sala, do que só resultaria desprestígio para a instituição parlamentar. Tem o inconveniente de dar aos inimigos da instituição parlamentar a impressão de que essa instituição não tem razão de ser, não serve para nada, não tem missão, não tem função.
Considera a Constituïção como uma das funções mais importantes do Parlamento a discussão e votação dos orçamentos, tendo para elas estabelecido normas especiais a seguir.
Ora, Sr. Presidente, procurando fazer as alterações propostas, nós vamos manifestamente contra êsses preceitos que são de natureza constitucional.
Mas há mais.
E sempre inconveniente, é inconvenientíssimo estar constantemente a alterar as disposições regimentais,,a fazer do Regimento uma verdadeira coberta de retalhos, sem muitas vezes ter o cuidado de ligar umas com as outras as suas várias disposições e, nestas circunstâncias, entendo que as propostas do ilustro. Deputado Sr. António Fonseca devem ser objecto de estudo da respectiva comissão para, já com o seu parecer, poderem depois ser mais bem apreciadas pela Câmara.
Estou convencido de que, tendo-as estudado, a comissão será a primeira a. recusar-lhe o seu voto.
Assim pensando, vou ter a honra de mandar para a Mesa uma proposta nesse sentido.
Tenho dito.
É lida na Mesa a proposta do Sr. Pedro Pita.
E admitida.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados, 49 sentados e 1 de pé. Não há número.
Vai proceder-se à chamada.
Procede-se à chamada.
Responderam os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
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António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Sarros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário dó Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã às 14 horas com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia: (com prejuízo dos oradores que se inscreverem):
Parecer n.º 426, que cria os lugares dê segundos comandantes nos batalhões n.ºs 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 8 da guarda nacional republicana.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscreverem):
A que estava marcada: pareceres n.ºs 205, 350, 378, 353, 160 e 284.
Ordem do dia:
A que estava marcada: posposta do Sr. António Fonseca para alteração do Regimento;
Projecto de lei do Sr. Francisco Cruz, que sujeita a descontos nos vencimentos os Deputados funcionários civis ou militares que faltem às sessões.
Projectos de lei n.ºs 302, 411 (b) e 385.
Sessão nocturna às 21 horas:
Parecer n.º 411 (b), Orçamento do Ministério do Comércio.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Agricultura, modificando o regime sacarino da Madeira. Aprovada a urgência. Para a comissão de agricultura.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Ministros das Finanças e Agricultura, autorizando é Govêrno a abrir créditos especiais a favor do Ministério da Agricultura para pagamento de transportes e seguros do material fornecido pela Alemanha, segundo o acôrdo Bemelmans.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de agricultura.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro das Finanças, proibindo a alienação, a estrangeiros, de imóveis,
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ou dá-los de arrendamento por mais de dez anos.
Aprovada a urgência.
Pará a comissão de negócios estrangeiros.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro das Finanças, extinguindo a Repartição de Contrastaria de Gondomar, ficando os serviços a cargo da Repartição de Contrastaria do Pôrto.
Para o «Diário do Govêrno».
Projecto de lei
Dos Srs. Maximino Matos e Mariano Felgueiras, criando na Comarca de Guimarães um juízo criminal para julgamento de crimes, transgressões e contravenções.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 444-B que regula o pagamento dos débitos dos empréstimos contraídos pelas câmaras municipais na Companhia do Crédito Predial.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Da mesma, sôbre o n.º 294-F, que autoriza a Câmara Municipal da Sertã a elevar até 12 por cento a porcentagem sôbre as contribuições do Estado.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de marinha, acêrca da pretensão do primeiro sargento condutor de máquinas, Manuel Inácio, para que lhe sejam reconhecidos os serviços que prestou à República.
Publique-se no «Diário das Sessões» nos termos do artigo 88.º do Regimento.
Proposta
Proponho que a proposta em discussão baixe à comissão do Regimento a fim de esta lhe dar o respectivo parecer. — Pedro Pita.
Última redacção
Do projecto de lei n.º 425, que transfere de uns para outros capítulos e artigos do orçamento do Ministério da Guerra a importância de 600. 000$ e reforça vários artigos com a verba de 12:934. 226$.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.º do Regimento
Parecer n.º 478
Senhores Deputados. — O primeiro sargento condutor de máquinas, n.º 702 de matrícula do corpo de marinheiros da armada, Manuel Inácio requereu à Câmara dos Deputados que lhe seja reconhecido oficialmente os serviços que prestou à causa da República, para o efeito de sei* beneficiado com as disposições consignadas na lei n.º 786 de 24 de Agosto de 1917, no decreto n.º 5:787-ZZZZ, de 10 de Maio 4e 1919 e na lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921.
Junta os atestados de quatro oficiais do exército, que em 5 de Outubro de 1910 eram sargentos da armada, nos quais se afirma que o requerente fez parte das fôrças revolucionárias do quartel de marinheiros.
Os diplomas mencionados concedem certos benefícios a alguns militares que tomaram parte na revolução de 5 de Outubro de 1910. A alguns e não a todos; somente àqueles que por qualquer forma se distinguiram e a que o Govêrno Provisório recompensou de maneiras especiais: promoção por distinção, concessão de pensões, concessão de condecorações, passagem à guarda republicana.
O requerendo hão sé encontra em nenhuma dessas condições, donde Sé conclui que os Serviço» que prestou à causa da República (se bem que não confirmados por nenhum dos oficiais que em 5 de Outubro comandavam os revolucionários do quartel de marinheiros) não mereceram nenhuma menção especial e assim êle encontra-se na mesma situação que todos os militares não especificados nos diplomas citados.
A vossa comissão de marinha emite, portanto, parecer desfavorável ao requerimento; mas, se admitirdes que as vantagens concedidas aos que se distinguiram se devem tornar extensivas aos que não se distinguiram, uma lei reparadora, então, deve ser elaborada aplicando aos militares na situação do requerente as vantagens dos diplomas atrás mencionados.
Sala das sessões da comissão de marinha, 25 de Abril de 1923. — Jaime de Sousa (com declarações) — José Novais
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de Medeiros — Ferreira da Rocha — António Mendonça — Armando Pereira de Castro Agatão Lança — Mariano Martins, relator.
Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. — Manuel Inácio, primeiro sargento condutor de máquinas da armada, n.º 702 de matrícula do corpo de marinheiros da armada, em serviço na Escola Prática de Torpedos e Electricidade em Vale de Zebro, tomou parte activa no movimento para a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, como prova com os documentos apensos a esta sua pretensão.
Além dos referidos documentos possuía um atestado passado por S. Ex.ª o vice-almirante Machado Santos, de saudosa memória, devidamente autenticado, o qual foi entregá-lo há cêrca de três anos, ao alferes de infantaria Sr. Morgado, que actualmente presta serviço na comissão de finanças do Ministério da Guerra, quando fui para uma comissão de serviço nos Açores. Porém quando regressei, o mesmo oficial declarou-me que havia perdido o referido documento, não podendo eu por êsse facto dar andamento à minha pretensão.
Depois de 1916, várias leis têm beneficiado os que tomaram parte no movimento de 5 de Outubro de 1910, e entre elas as leis n.º 786, de 24 de Agosto de 1917, decreto n.º 5:787-ZZZZ, de 10 de Maio de 1919 e a lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921, principalmente a última que muitos. benefícios consigna aos que deram o seu esfôrço à causa da República e, em virtude dela e dos serviços que prestou; requereu nesse sentido a S. Ex.ª
Ministro da Marinha, o qual, em seu despacho de 28 de Março de 1922, foi de parecer que a pretensão devia ser a considerada pelo Parlamento por requerimento do interessado».
O suplicante em 1910, não desejando abandonar a armada, onde julgava melhor futuro, tanto mais que, estando no curso para segundo sargento no corpo de marinheiros da armada, nenhuma vantagem tinha na sua passagem à guarda nacional republicana como segundo sargento o que lhe foi proposto, do que desistiu verbalmente em vista do conselho do capitão de fragata Aníbal de Sousa Dias, segundo comandante, nessa ocasião, do referido corpo, que era da mesma opinião, parecendo no emtanto que nada há registado acêrca da sua desistência.
Se é certo que em 1910 nenhumas vantagens havia para o suplicante o que é um facto é que mais tarde vieram as citadas leis. muito benéficas, mas qUe em nada beneficiaram o suplicante emquanto V. Ex.ªs não reconhecerem os seus serviços, que os prestou tam desinteressadamente, que só a publicação daquelas leis, com tam valiosas regalias, o levaram a pedir justiça aos seus serviços por ocasião da implantação da República.
Por todo o exposto espera, que a Ex.ª ma Câmara da mui digna Presidência de V. Ex.ª lhe reconheça oficialmente os serviços que prestou à causa da República fazendo justiça a um velho servidor do Estado.
Vale do Zebro, 7 de Abril de 1922. — Manuel Inácio, primeiro sargento condutor de máquinas.
O REDACTOR — João Saraiva.