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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 77
EM 9 DE MAIO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Abre a sessão com a de 02 Srs. Deputados. É lida a acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — A Câmara aprova que em «negócio urgente» o Sr. Leote do Rêgo trate do convite, que os jornais annunciaram, feito ao Sr. Presidente da República pela União Sul-Africana para visitar aquela colónia. Responde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira).
O Sr. Américo Olavo protesta contra as violências levadas á prática pelos democráticos da Madeira, com respeito aos procuradores da Junta Geral. Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva). O Sr. Carlos Olavo ocupa-se do mesmo assunto, respondendo também o chefe do Govêrno.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros desmente formalmente noticias de jornais sôbre o propósito de alienação de colónias portuguesas, nomeadamente Macau e Timor.
Usa da palavra para explicações o Sr. Leote do Rêgo.
Responde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Para explicações, o Sr. Domingues dos Santos saúda as senhoras que se encontram na tala distribuindo flores e adquirindo meios em benefício da Sociedade da Cruz Vermelha, encontrando-se entre elas a esposa do venerando Presidente da República.
Falam no mesmo sentido os Srs. Carvalho da Silva, Lino Neto, Pina Morais, Presidente do Ministério e Presidente da Câmara.
O Sr. Ministro do Comércio comunica que assinou o decreto isentando de franquia postal a Sociedade da Cruz Vermelha.
O Sr. Dominques dos Santos propõe, e. é aprovado, quê em homenagem às senhoras presentes a sessão se suspenda por cinco minutos, e se nomeie uma comissão pares aol acompanhar até a saída do edifício.
O Sr. Presidente nomeia a comissão e declara estar a sessão suspensa.
Reaberta a sessão, o Sr. Presidente refere-se ao desejo que lhe foi manifestado para que o Parlamento se representaste na União Interparlamentar do Comércio, entendendo que se deve nomear uma comissão.
Usa da palavra o Sr. Domingues dos Santos, que entende que a comissão seja nomeada pelo Sr. Presidente, de acôrdo tem os partidos.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e António Fonseca.
É aprovada a proposta.
O Sr. Velhinho Correia apresenta o parecer da comissão de finanças com respeito ai emendas do Senado referentes ao empréstimo, requerendo que entre imediatamente em discussão.
O Sr. Carvalho da Silva discorda, e o Sr. Velhinho Correia pede que seja discutido na sessão do dia seguinte.
O Sr. Presidente declara não ter ainda pôsto em discussão a acta, pelo facto de ainda não estar concluída.
Ordem do dia. — Contínua em discussão o orçamento do Ministério do Comércio, sendo lido o parecer sôbre a proposta dos Srs. Ministros do Comércio e das Finanças referente a estradas.
Usa da palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Plínio Silva apresenta e justifica, uma moção de ordem.
Trocam-se explicações, entendendo o Sr. Presidente que as moções, para o facto das votações, não estão incluídas na proposta de alteração do Regimento.
O Sr. António Fonseca discorda.
Faz-se a votação sôbre a moção, não havendo número.
O Sr. António Fonseca responde aos discursos dos Srs. Paulo Cancela de Abreu e Plínio Silva.
Antes de encerrar a sessão. — O Sr. Sá Pereira troca explicações com o Sr. Presidente do Ministério acêrca da publicação do relatório do

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Diário da Câmara dos Deputados
Sr. Borges Grainha sôbre as congregações religiosas sôbre um documento anónimo que recebeu.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para as 22 horas.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Últimas redacções. — Projecto de lei. — Pareceres.
Abertura da sessão às 15 horas e 16 minutos.
Presentes à chamada 52 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo,
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Resende.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Alberto da Rocha Saraiva.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Delfim Costa.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.

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Sessão de 9 de Maio de 1923
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro doa Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principia a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 52 Srs. Deputados.
Está aborta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Lê-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Representações
Da Federação Nacional das Cooperativas, pedindo a aprovação do projecto de lei dos Srs. Vasco Borges e Carlos Pereira.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Das Associações Comerciais, Industriais e Agrícolas, contra o decreto n.º 8:724.
Para a comissão de comércio e indústria.

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Diário da Câmara dos Deputados
Ofícios
Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei n.º 424, que cria um novo fundo consolidado da dívida pública.
Para a comissão de finanças.
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Pereira Bastos, comunicado no ofício n.º 283, de Março último.
Para a Secretaria.
Do Ministério das Colónias, satisfazendo ao requerimento do Sr. Álvaro- de Castro, comunicado em ofício n.º 372.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito pelo Sr. Paiva Gomes, e transmitido em ofício n.º 398.
Para a Secretaria.
Das Juntas de Freguesia de Moimenta do Dão e de Lobelhe, apoiando as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Telegramas apoiando as reclamados dos católicos acêrca da Lei de Separação das Igrejas do Estado
Das Câmaras Municipais de Oleiros e Cerveira.
Das Juntas de Freguesia de:
Soengas — Vieira do Minho.
Caniçada — Vieira do Minho.
Barreiro — Tondela.
Apúlia.
Correlhã — Ponte do Lima.
Navio — Ponte do Lima.
Todo o concelho de Almeida.
Eeriz.
Galegos, Santa Maria — Barcelos.
Badim — Monção.
Esteval — Proença-a-Nova.
Decermilo — Sátão.
Silvã de Cima — Sátão.
Chorense — Terras ao Bouro.
Areias — Barcelos.
Monforte da Beira.
Quintas de S. Bartolomeu — Sabugal.
Merufe — Monção.
Paialvo — Tomar.
Santo Tirso.
Novais — Vila Nova de Famalicão.
Lemenhe — Vila Nova de Famalicão.
Carreira — Vila Nova de Famalicão.
Santa Comba — Ponte do Lima.
Ponte Boa — Esposende.
Mamarrosa, S. Simão.
Orvalho.
Anais — Ponte do Lima.
Valadares — Minho.
Sameiro — Manteigas.
Alpalhão.
Sago.
Lara.
Fail — Viseu.
Valadares — Vouzela.
Vitorino dos Piães — Ponte do Lima.
Pepim — Castro Daire.
Madalena-Tomar.
Carvalhas — Barcelos.
Amieira.
Infesta — Celorico de Basto.
Bárrio, Labruja e Cepões — Ponte do Lima.
Rio de Moinhos — Sátão.
Mões — Castro Daire.
Salvador — Arcos de Valdevez.
Guilhadeses — Arcos de Valdevez.
Lama — Barcelos.
Ribeira — Ponte do Lima.
Lobão — Tondela.
Senharei — Arcos de Valdevez.
Do Sindicato Agrícola de Monção.
Da Confraria de Jesus dos Passos, de Lama — Barcelos.
Da Conferência de S. Vicente de Paula — Sever do Vouga.
Da Mesa da Irmandade da Senhora de Oliveira, Lourosa — Viseu.
Da Associação Sagrado Coração, Lourosa — Viseu.
Do regedor do Esteval — Proença-a-Nova.
Do Montepio S. José — Braga.
Do Círculo Católico e Operários, de Braga.
Da Conferência de S. Vicente de Paula — Castelo Branco.
Do Casino Artístico do Fundão.
Da Junta de Freguesia de Melgaço, Associação Jesus, Confraria das Almas, etc.
Do pároco do Louriçal do Campo.
Do regedor e Junta de Freguesia de Vilar.
Do povo da freguesia de Vilar, Terras do Bouro — Braga.

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Da Mesa da Confraria do Santíssimo de Santa Maria — Manteigas.
Da Mesa da Confraria das Almas de Santa Maria — Manteigas.
Da Confraria do Santíssimo de Alpalhão.
Do pároco e Junta de Freguesia, regedor, confrarias, etc., de Moreira de Cónegos — Guimarães.
Das redacções da Revista Católica, e Catequista, de Viseu.
Da Confraria de S. Sebastião — Viseu.
Da Ordem Terceira de S. Francisco — Viseu.
De João Alves Salgado, regedor da freguesia de Vitorino Piães — Ponte do Lima:
Do clero arciprestado — Sever do Vouga.
Do regedor do Baraçal. — Sabugal.
Do regedor de Gondoriz — Terras do Bouro.
Da Confraria de S. Vicente de Paula de Lourosa — Viseu.
Da Irmandade do Santíssimo de Lourosa — Viseu.
Da Irmandade de S. Sebastião de Decermilo — Sátão.
Do Sindicato Agrícola de Silva — Sátão.
Do Sindicato Agrícola de Monforte da Beira.
Do comandante dos Bombeiros Voluntários de Vizela.
Do pároco, regedor e presidente da Junta de Freguesia de Orbacém.
Do Centro Católico de Esposende.
Do Centro Católico de Ponte do Lima.
Do regedor e Junta de Freguesia de Estorãos — Ponto do Lima.
Do comércio de Sever do Vouga.
Do presidente da Junta de Moimenta — Torras do Bouro.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Câmara de Vila Franca de Xira, protestando contra o projecto do caminho de ferro de Alenquer.
Para a Secretaria.
Das Associações Comerciais de: Régua, Viana do Castelo, Bragança, Leiria, Guimarães, Tomar, Figueiró dos Vinhos, Coimbra, Viseu, Guarda, Abrantes, Barcelos, Póvoa de Varzim e Sines, pedindo a revogação do decreto n.º 8:724. (lucros excessivos).
Para a Secretaria.
Da Associação de Proprietários Agricultores do Norte de Portugal, contra o projecto relativo a arrendamentos de prédios.
Para a Secretaria.
Do professorado primário de Alijo, Vila do Conde, Sernancelhe, Mira, Arganil, Évora e Poiares, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a Secretária.
Das cooperativas de pão: Conimbricense, Portalegrense, Farense, Eborense e Bracarense, pedindo a discussão e aprovação do projecto dos Srs. Vasco Borges e Carlos Pereira, sôbre cooperativas.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Leote do Rêgo mandou para a Mesa um pedido para tratar em negócio urgente do anunciado convite feito pelo Govêrno da União Sul-Africana ao Chefe do Estado, para visitar aquele país.
Os Srs. Deputados que autorizam tenham a bondade de levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente, começo por agradecer à Câmara a permissão que me deu para falar.
Como fui, até hoje, o único membro desta casa do Parlamento que se referia à projectada viagem do Chefe do Estado às nossas colónias, e como agora apareceu nos jornais a notícia de que S. Ex.ª foi convidado pelo Govêrno da União Sul-Africana a visitar êsse país, volto novamente a tratar do assunto. Faço-o no cumprimento de um dever, sem nenhuma intenção que não seja a de bem servir o País e contribuir, embora em muito pouco, para que êle seja sempre respeitado e tratado como nação livre e soberana.
Sr. Presidente: o Diário de Noticias de há dias, num artigo sob o título «Viagem presidencial às colónias», artigo brilhante, como aliás são sempre os da auto-

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ria do seu director Sr. Dr. Augusto de Castro, referiu-se a essa viagem.
Ora, como fui, repito, o único membro desta Câmara que se permitiu abordar êste assunto, julgo-me atingido pelas afirmações feitas pelo jornal.
Sr. Presidente: devo em primeiro lugar dizer que estou de acôrdo com o ilustre director do Diário de Noticias.
Tenho, realmente, muito curtas vistas, quer em política, quer em inteligência.
Aceito a comparação a um pequeno farol de 5 ou 6 milhas de alcance, e até, se quiserem, com relâmpagos escuros.
Mas, o Sr. Dr. Augusto de Castro, a quem ainda há poucos dias prestei nesta casa do Parlamento as mais rasgadas homenagens, pela sua obra de propaganda no estrangeiro e até pela sua obra diplomática, terminou o seu artigo com uma afirmação que não posso aceitar, referente a intrigas políticas.
Contra a insinuação quero eu protestar, Sr. Presidente.
A intriga política não é o meu forte; não tenho talento para a fazer, nem a sombra sequer dos meus passos se cruzou nunca no caminho daqueles que a têm por divertimento predilecto e única ocupação.
Sr. Presidente: que a notícia do convite feito pelo Govêrno da África do Sul é verdadeira, não pode merecer dúvidas, visto que não apareceu nenhum desmentido oficial.
Logo que ela apareceu na imprensa, surgiram de vários lados brados de satisfação, foguetório e luminárias, quási que mostrando ao público que aqueles que se referiram ao procedimento do Sr. Smuts, eram, porventura, uns mentirosos, uns precipitados e uns irrequietos.
Sr. Presidente: tenho muita pena de não me poder associar ao foguetório.
Ninguém mais do que eu tem sustentado que é preciso cultivar as relações com os outros países, mas também ninguém mais do que eu tem sustentado que não devemos tolerar nem transigir seja com o que fôr que possa representar menos respeito pela soberania portuguesa.
Sr. Presidente: não há dúvida de que o Sr. Smuts tem dito várias vezes no Parlamento da União que a África do é um país soberano e independente.
Igualmente S. Ex.ª não teve dúvida em ir fazer um plebiscito, num país que não pertencia à União, e que estava sob a administração directa da Inglaterra, e não há dúvida ainda do que na Conferência da Paz foi permitido que o Sr. Smuts assinasse o Tratado, em perfeito pé de igualdade com os representantes dos países aliados.
Porém, o que é verdade é que na África do Sul há um governador inglês, que é o Príncipe de Connaught, e, segundo dizem, se êle se retirar, será substituído por um filho de Jorge V.
Dêste modo começo por notar que não me parece razoável que o convite ao Chefe do Estado seja feito pelo Govêrno da África do Sul, devendo acrescer que, ainda mesmo que êle tivesse sido feita pela Inglaterra, que ainda mão riscou da lista dos seus domínios a África do Sul, não podia ser aceito sem restrição.
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara sabe, que há alguns anos o Presidente da República Portuguesa, que então era o Sr. Dr. Bernardino Machado, visitou oficialmente o Rei da Bélgica, o Presidente da República Francesa e o Rei Jorge V.
São passados seis anos, e até agora só foi retribuída a visita pelo Rei da Bélgica.
Esse grande soberano, o rei-soldado, não pôde demorar-se em Portugal, por motivo da política interna do seu país, senão algumas horas mas elas foram suficientes para que Sua Majestade pudesse constatar a grande simpatia que o povo português tem pela Bélgica, pelo seu Chefe e pelo exército.
Igualmente, elas foram bastantes para que pudéssemos ouvir, com desvanecimento patriótico, as afirmações que êsse simpático soberano fez no Palácio da Ajuda, numa festa oficial, sôbre o valor do nosso soldado, sôbre o merecimento da nossa intervenção na guerra e também a homenagem que êle prestou ao espírito colonizador português, que êle tinha verificado na visita que vinha de fazer ao Brasil.
Afora esta retribuição feita pelo Rei da Bélgica, as outras visitas feitas pelo Sr. Bernardino Machado não foram agradecidas até hoje. O Sr. Presidente da República Francesa ainda não esteve em

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Portugal e tem passado pela costa de Portugal a caminho da Argélia, e Marrocos.
O navio que o transportava, suportando talvez um violento temporal, não transmitiu pela telegrafia sem fios uma palavra de carinho ao povo português, e, contudo, muitos dos seus filhos foram derramar o seu sangue ao lado dos filhos do povo francês nos campos da Flandres.
Não recebemos a visita de Sua Majestade Jorge V, nem sequer de um dos seus filhos.
Que pena que essa viagem ainda se não tivesse realizado, porque êsse grande soberano teria ocasião de verificar, como verificou seu pui, as grandes qualidades de nobreza e hospitalidade do povo português, dêsse seu velho aliado, que a quatro meses apenas depois da guerra começar, a Inglaterra convidou formalmente, invocando a velha aliança, para ir com os seus soldados para os campos de batalha, e ainda alguns meses depois, invocando a mesma aliança, o convidou para tomar conta dos navios alemães, facto de que resultou a Alemanha declarar-nos a guerra.
Não há dúvida que palavras belas têm sido ditas na Inglaterra, em testemunho incontroverso de apreço pelo nosso esfôrço militar, que de resto nós demos sem o mercadejar, nem antes, nem depois da guerra.
Mas se é consolador receber dos. aliados palavras bonitas de elogio aos nossos soldados de terra e mar, também as recebemos do próprio inimigo. Que o diga o relatório do. marechal alemão, na parte que se refere ao avanço das tropas alemãs no dia 9 de Abril, avanço de que resultou o combato tremendo que alguns portugueses, alguns caracteres vagabundos, sem consistência e amor à sua terra, ousaram classificar de tremenda derrota; que se leia o relatório do, general alemão, que dirigiu a guerra na África oriental, e que se leiam ainda também as frases do relatório do comandante do submarino que meteu no fundo o navio que era comandado por Carvalho de Araújo, em que se presta homenagem à valentia dêsse marinheiro, como jamais não encontrara, sempre que tivera de defrontar navios doa outros inimigos.
Não tendo sequer sido retribuída a visita que o Sr. Bernardino Machado fez à corte inglesa, entendo que não faz sentido, mesmo que o actual Presidente acabe de receber um convite directo do Govêrno Inglês e, porventura, até uma carta autografa do rei Jorge V, o Presidente da República Portuguesa volte a pisar território inglês sem que se faça a retribuição da visita a que me referi.
De resto, estão pendentes negociações de uma grande importância, negociações que afectam altos interêsses económicos da nossa província de Moçambique, é estando em jôgo a soberania portuguesa, eu pregunto: em que situação se encontrava o Sr. Presidente da República, êle que de mais a mais pela Constituïção é o responsável pela política externa, se visitasse êsse País, antes de se regular definitivamente a questão do convénio, de forma a acautelarem-se e a respeitarem-se os interêsses e dignidade nacionais?
Pregunto: que vantagens podem resultar dessa viagem?
O Sr. Smuts, segundo leio nos jornais ingleses, está em viagem para Inglaterra. Pois que êle venha a Portugal e discuta com o Govêrno Português, em pé de perfeita igualdade, as bases da convenção, em que sejam respeitados os interêsses portugueses e a nossa soberania.
Como o Príncipe de Connaught está de licença em Inglaterra, quando fôr novamente para o seu pôsto, ou o seu substituto, que passem por Lisboa, e então, depois disso, o Sr. Presidente da República, ou qualquer outro que o seja, quando realizar a viagem às nossas duas colónias pode aportar à África do Sul, sem ser em arribada forçada, como aconteceu há pouco tempo.
Tenho muita pena de com estas declarações ser desmancha prazer ou ser desagradável àqueles que imediatamente, depois da notícia, começaram a fazer o foguetório e, porventura, a insinuarem que se deviam esquecer as palavras imprudentes do Sr. Smuts e se devia contar com a sua lealdade.
Mas cada um tem o seu feitio. Tenho o meu, e já sou velho para mudar.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Leite Pereira): — Respondo em poucas palavras ao discurso

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Diário da Câmara dos Deputados
acaba de pronunciar o Sr. Leote do Rêgo.
Começou S. Ex.ª por se referir ao convite que os jornais noticiaram ter sido dirigido ao Sr. Presidente da República pelo Govêrno da União Sul Africana.
O Sr. Leote do Rêgo estranhou que êste convite tivesse partido do govêrno da União Sul Africana, que não é mais do que um domínio da Inglaterra.
Se fôsse exacto que o Govêrno da União ou o Presidente dêsse Govêrno tivessem dirigido convite ao Chefe do Estado da Nação Portuguesa para visitar a União Sul-Africana, eu estava do acôrdo com,as considerações feitas pelo Sr. Leote do Rêgo (Apoiados); mas o Govêrno Português não tem culpa das afirmações que possam fazer os jornais. (Apoiados).
Emboram nos mereçam a mais alta consideração, o que é certo é que o Govêrno não recebeu convite algum; não digo bem: ao Govêrno Português foi expresso o desejo que o Govêrno da União Sul-Africana tinha de que, na hipótese de o Sr. Presidente da República visitar as colónias de Moçambique, visitasse também a União Sul Africana;
O Govêrno Inglês estranhou êsse desejo e procurou saber do Govêrno Português se o Presidente da República, visitando as colónias portuguesas, visitaria os domínios da Inglaterra, na África do Sul, porque se assim fôsse o Govêrno Inglês faria o convite nos termos devidos.
Isto não pode ser desmentido por ninguém.
Sr. Presidente: eu podia ficar por aqui, e assim já tinha tranquilizado as susceptibilidades patrióticas do Sr. Leote do Rêgo, as minhas as de toda a Câmara e os brios de todos os portugueses.
Podia ficar por aqui, repito, mas como S. Ex.ª aludiu à visita que o Sr. Dr. Bernardino Machado fez à. Bélgica, França e Inglaterra, eu sou obrigado a dizer que em meu entender essa visita não obriga a retribuição.
Por muito espantoso que isto pareça, é assim, porque o Sr. Bernardino Machado foi a França visitar o Corpo Expedicionário Português, foi levar aos nossos soldados a certeza de que o nosso povo lhe admirava a valentia.
Outro tanto sucedeu com a visita à Inglaterra e à Bélgica.
Repito, a visita não foi oficial, e portanto não podia haver retribuição.
Apoiados.
E esta a única explicação que o caso pode ter, e não creia S. Ex.ª que não é de um gr aã de patriota fazer ver que a nossa situação internacional não é boa.
V. Ex.ª sabe que eu há pouco tempo sou Ministro dos Negócios Estrangeiros, e que portanto não digo isto para minha defesa riem para defesa dos meus antecessores.
Parece-me que com isto o ilustre Deputado se dará pôr satisfeito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Américo Olavo: — Sr. Presidente: há poucos dias tive ocasião de procurar. o Sr. Presidente do Ministério para protestar contra as violências praticadas na
Alguns indivíduos que se diziam da Junta Geral forçaram uma janela e disseram que ficavam fazendo parte dos corpos administrativos.
No dia imediato, 2 de Maio, quando os procuradores eleitos, em número de 2.0 se dirigiam para a sede da Junta Geral, encontraram o edifício cercado de polícia, que para ali tinha- sido mandada por ordem do governador civil substituto em exercício, e que se opôs à sua entrada. Levantaram-se, naturalmente, os protestos que era de esperar.
A policia ao fim dalgum tempo acabou por transigir, e os procuradores entraram no edifício da Junta.
Êstes factos desenrolados agora no Funchal não. são mais do que a consequência fatal dos acontecimentos produzidos nas últimas eleições na assemblea eleitoral de Câmara de Lobos, acontecimentos que ficam na memória de toda a gente para vergonha das instituições republicanas.
No momento determinado convergiram para a sede da assemblea eleitoral indivíduos às ordens do governador civil de então, quando era Presidente do Ministério o Sr. Tomé de Barros Queiroz. Assaltaram as urnas, violentaram os candidatos que lá se encontravam, agredindo-o s a tiro e à pedrada, e, emfim, tendo rou-

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bado as urnas, foram entregá-las naturalmente ao palácio de S. Lourenço, residência do governador civil de então.
Mais tarde, como as autoridades procurassem desempenhar a sua função, foi-lhes instaurado um processo, e sabe a Câmara o que aconteceu?
Um dia foi o processo roubado, precisamente pelos mesmos indivíduos que praticaram agora as violências.
Tudo isto se passou sob a égide do govêrno do Partido Liberal.
Tempos depois foi colocado na comarca do Funchal um outro juiz que, tendo procurado fazer reviver êsse processo, foi transferido, e isso aconteceu já sob a égide do Partido Democrático.
Eu sei que o Sr. Presidente do Ministério se encontra em Lisboa e que, por isso, não pode ter naturalmente uma responsabilidade directa nos acontecimentos da Ilha da Madeira; mas sei também que o principal factor de todas estas perturbações recebeu palavras de confiança do Sr. Presidente do Ministério, e até me disseram que o Sr. António Maria da Silva o tinha enviado para a Madeira, a fim de êle exercer ali o lugar do governador civil. É certo que S. Ex.ª, passadas horas, já dizia que o não nomeava, mas a verdade é que um indivíduo que pratica êstes actos não pode merecer dum Govêrno republicano a confiança de ser convidado para desempenhar as funções de governador civil.
Eu digo isto com mágoa, porque fui sempre republicano, e porque entendo que a essência das instituições republicanas consiste na liberdade dada aos cidadãos de escolherem os seus representantes.
O que se passou na Madeira é uma cousa que me choca, porque só tem ou pode ter paralelo com o que se faz em Marrocos.
Creio que os factos que se desenrolaram na Madeira não se passaram em qualquer outro ponto do País.
Eu próprio tenho assistido a muitas eleições, e nunca vi semelhantes actos.
O que ainda dá mais gravidade ao caso é que tudo isto se passou com o apoio da própria autoridade!
Eu quero reclamar do Sr. Presidente do Ministério uma sanção severa para todas as autoridades que intervieram neste «aso.
Espero que S. Ex.ª, colhidos os elementos que diz ter pedido para a Madeira, exerça aquela acção que é indispensável para prestígio das instituições republicanas.
Tenho dito por agora e aguardo a resposta do Sr. Presidente do Ministério.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: de facto há poucos dias fui procurado no meu gabinete pelo ilustre Deputado Sr. Américo Olavo e por seu irmão, também nosso ilustre colega, que reclamaram contra o quê afirmavam ter sido praticado na Madeira, e que representava um desmando da parte da autoridade.
Apressei-me a convidar o ilustre governador civil efectivo a partir sem demora para a Madeira, a fim de poder elucidar-me concretamente sôbre os factos ali ocorridos, não porque eu queira intervir na esfera de acção que não me pertence, mas única e simplesmente para averiguar do que pudesse ter sucedido e que dalguma maneira fôsse da responsabilidade dos agentes meus delegados ou daqueles que de mim dependem directa ou indirectamente.
O telegrama que recebi do governador civil, no próprio dia em que êle chegou à Madeira, telegrama que já tive ensejo de ler aos dois ilustres Deputados, diz o seguinte:
«Situação calma. Vou fazer cumprir lei».
Entendo que estas palavras são para mim o bastante para reconhecer que o governador civil terá cumprido o seu dever dentro dos limites que a lei lhe confere.
Aguardo que S. Ex.ª me informe circunstanciadamente dos factos e que concretize a frase final do telegrama que acabei de ler.
Eu sei pelas anteriores informações que tive que a Junta da Madeira é constituída por 43 procuradores.
Não estão eleitos todos, porque para isso tornava-se necessário que as eleições

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tivessem decorrido todas sem protestos, nem quaisquer outros incidentes.
Faltam eleger ainda uns três ou mais membros.
Estiveram nessa reunião vinte procuradores, que podiam constituir o número suficiente para corresponder ao quorum.
Sr. Presidente, V. Ex.ª sabe que eu não posso ter interferência nesse assunto, mas no emtanto estou a proceder a investigações, e o que me importa é. averiguar se algum delegado do Poder Executivo cometeu desmandos.
Não tenho conhecimento de que algum juiz tivesse sido forçado a deixar de processar qualquer pessoa; em todo o caso, recomendo o assunto ao meu colega da Justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Olavo: — Felizmente que me cabe a honra de falar após o chefe do Govêrno.
Não há dúvida que o Poder Executivo, por uma disposição constitucional, não pode imiscuir-se na vida dos corpos administrativos; mas isto não impede que formulemos os protestos contra o facto gravíssimo da intervenção da fôrça pública, e portanto dos delegados do Govêrno, evitando que os eleitos entrassem no edifício da Junta Geral do Distrito.
É preciso também dizer que os indivíduos que cometeram estas proezas pertencem ao Partido Democrático, e foram os mesmos que intervieram no triste caso de Câmara de Lobos.
Êstes indivíduos não podem merecer aos bons republicanos,, sejam êles de que partido forem, qualquer espécie de confiança, de simpatia ou de solidariedade.
Eu insisto em que o Sr. Presidente do Ministério intervenha imediatamente, no sentido de que as autoridades que irregularmente intervieram nos acontecimentos sejam rigorosamente punidas.
Só assim S. Ex.ª poderá ser credor da nossa consideração o da nossa estima.
S. Ex.ª conhece-me bem; já fui seu correligionário e a seu lado me encontrei em difíceis situações, a que emprestei toda a minha solidariedade.
Sabe por isso S. Ex.ª que eu seria incapaz de vir aqui relatar factos que eu não tivesse como absolutamente verdadeiros.
Devo ainda dizer que a pessoa que capitaneava os atentados de Câmara de Lobos, antigo democrático, socialista, trabalhista e não sei que mais, não tem escrúpulos em declarar que recebeu do Sr. Presidente do Ministério todas as provas de consideração, provas que foram até ao ponto de ter sido nomeado governador civil do distrito.
Quanto ao telegrama que o Sr. Presidente do Ministério há pouco leu à Câmara, permita-me S. Ex.ª que eu estranho que o Governador Civil do Funchal, que já lá chegou, não tenha tido o cuidado de dizer que os procuradores à Junta tinham sido reintegrados nos seus lugares, e que já tinha tomado as medidas indispensáveis à manutenção dos direitos dêsses mesmos procuradores.
O Sr. Presidente do Ministério declarou-se satisfeito com os termos dó citado telegrama, mas nós não ficámos inteiramente satisfeitos.
É isto, Sr. Presidente, o que se me oferece dizer por agora, esperando que o Chefe do Govêrno exerça uma acção mais eficaz, que conduza à justa punição dos autores e instigadoras dos inqualificáveis atentados de Câmara de Lobos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — O que me solicita qualquer dos Deputados que usaram da palavra sôbre o incidente da Madeira, já por mim tinha sido declarado.
Como já tive ocasião de dizer — e novamente o digo — não me cabe entrar no domínio dum tribunal em que não tenho ingerência.
S. Ex.ª e muito em especial o Sr. Carlos Olavo — sabem muito bem que tal me não poderia ser exigido.
As autoridades que se encontravam na Madeira à data dos acontecimentos, deixaram de estar em exercício ainda antes da chegada ali do governador civil efectivo.
As razões não as conheço, mas vou insistir no seu esclarecimento.
Afirma-se que de facto os desordeiros

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arrombaram uma janela do edifício destinado às reuniões da Junta Geral do Distrito.
Claro está que êste facto não foi legal, e será fácil dar-lhe remédio...
O Sr. Américo Olavo: — V. Ex.ª apode dizer-me se essas autoridades andam ausentes, ou foram demitidas por V. Ex.ª?
O Orador: — A notícia que me chegou, desde logo foi a de que essas autoridades haviam abandonado o seu cargo.
As reclamações surgem dum lado e doutro; a política na Madeira andou e ainda anda bastante acesa. Só com um grande conhecimento dos factos eu poderei, pois, efectivar decisivamente a minha acção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Leite Pereira): — Sr. Presidente: quando há pouco respondi ao Sr. Leote do Rêgo, propositadamente não quis fazer referência aos jornais de certos países que têm trazido a público a notícia de que Portugal entrava ou ia entrar em negociações para a venda da província de Macau.
Só pela fôrça das circunstâncias é que eu, com a responsabilidade do meu cargo, podia vir aqui fazer referência a jornais que não merecem essas referências dentro do Parlamento Português.
A princípio foi um jornal norte-americano que publicou a notícia dessa venda a uma agência alemã.
Alguns jornais portugueses, a meu ver muitíssimo mal, reproduziram a notícia. É um critério adoptado livremente o dêsses jornais; mas também é do meu critério entender que uma tal notícia não deveria ter merecido as honras duma reprodução.
Não é missão do Govêrno vir ao Parlamento desfazer atoardas desta natureza. Seria uma honra excessiva que eu não estou disposto a dar-lhes.
Emquanto foi apenas o jornal norte-arnericano, que deu uma tal notícia,, sabendo quanto certos jornais americanos, são dados a inventar canards, eu não toquei no assunto.
Mas agora, Sr. Presidente, é um jornal francês, e se bem que o artigo seja assinado, eu entendo que não devo deixar passar, nem mais um instante, sem desmentir, da maneira mais formal, por parte do Govêrno Português, semelhante notícia.
Não há negociações algumas para a venda de Macau, a que se refere o jornal que indiquei à Câmara.
Esta notícia é inteiramente falsa, pois a verdade é que Portugal não está em condições de alienar seja o que fôr do seu património. Muitos apoiados.
Não o quere fazer, nem o fará nunca, pois que não está em circunstâncias de alienar seja o que fôr dos seus territórios.
O que realmente é para lamentar Sr. Presidente é que a França, que pretende a unidade latina e que: tem obrigações especiais para connosco, consinta que num dos seus jornais se façam publicações desta natureza, sem saber ou procurar saber se elas têm o menor fundamento.
Isto é tanto mais para lamentar quanto é certo que nós sabemos muito bem o. pacto que foi firmado entre as nações, de não se publicarem quaisquer notícias que pudessem ser humilhantes, tendo êsse facto sido respeitado até hoje pelos nossos jornais.
Sr. Presidente: não merece mais palavras a afirmação de que Portugal pretende vender Macau ou Timor.
Não quero, pois, terminar, Sr. Presidente, sem repelir mais uma vez em nome da Nação Portuguesa e perante o Parlamento Português tal afirmação, que na verdade ofende profundamente o nosso brio, pois que Portugal, não pretende de forma alguma alienar, nem alienará, seja o que fôr do seu património. Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Leote dó Rêgo: — Sr. Presidente: não posso deixar de agradecer as explicações que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros acaba de dar à Câmara, nem outra cousa era de esperar de S. Ex.ª
As explicações que S. Ex.ª deu à Câmara satisfizeram-me em grande parte,

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não estando no emtanto inteiramente de acôrdo com S. Ex.ª no ponto que diz respeito à visita de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, pois a verdade é que S. Ex.ª foi assistir a umas festas em honra de Portugal, e onde os portugueses receberam as mais altas distinções.
Referiu-se S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros igualmente, a uma notícia publicada num jornal francês, estando eu inteiramente de acôrdo com as considerações que S. Ex.ª fez sôbre o assunto; no emtanto, o que eu desejo muito saber é qual foi a atitude assumida pelos nossos representantes.
O que eu desejo, repito, é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros me diga qual foi a atitude assumida pelos nossos representantes, isto é, se êles desmentiram imediatamente, como lhes cumpria, semelhante notícia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Leite Pereira): — Sr. Presidente: pedi novamente a palavra para que não possa ficar no espírito da Câmara a impressão de que o meu. silêncio possa até certo ponto representar menos consideração para com o Sr. Leote do Rêgo.
Devo dizer ao ilustre Deputado que o jornal que citei à Câmara foi publicado há dias, e como tal não posso saber ainda qual a atitude assumida pelos nossos representantes, isto é, se êles desmentiram semelhante notícia ou não.
O que eu sei apenas foi o que fiz, e foi chamar a sua atenção para tal notícia.
Não sei, repito, o que é que êles fizeram, se se apresentaram ou não expontâneamente a desmentir semelhante boato.
Mas se não sei o que fez o Sr. João Chagas em Paris, e estou certo de que procedeu com todo o patriotismo, sei, em todo o caso, o que eu fiz. Fiz chamar a sua atenção para a notícia do jornal, visto que a notícia já tinha passado dos jornais americanos para os de França.
Telegrafei a todos os nossos representantes para que estivessem prevenidos para desmentir todas as atoardas que se publicassem a êste respeito.
Relativamente à notícia do jornal americano, eu disse já que me não competia
desmentir essa atoarda, mas dei também ordem ao nosso representante em Washington para que desmentisse categoricamente notícias de tal natureza.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos (para explicações): — Sr. Presidente: a favor duma instituição, a Cruz Vermelha, que tantos e tam relevantes serviços tem prestado ao mundo inteiro e especialmente em Portugal aos nossos soldados e outros portugueses, realiza-se hoje em Lisboa a Festa da Flor, e entre nós encontram-se neste momentosas senhoras que numa missão altruísta andam a receber donativos para que essa instituição possa prestar à sociedade os serviços para que ela se fundou.
Ora eu não queria que neste momento a Câmara se conservasse em silêncio perante esta manifestação de civismo e gentileza por parte dessas senhoras, e assim pedi a palavra para em nome dêste lado da Câmara dirigir as saudações mais enternecidas a. S, Ex.ªs que tam gentilmente vêm prestando o seu concurso a uma obra patriótica. E não termino sem salientar uma nota: é que entre essas senhoras alguém se encontra que merece o nosso maior respeito, como seja a esposa do Sr. Presidente da República, e por isso para S. Ex.ª vão as nossas homenagens mais sinceras.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva (para explicações): — Sr. Presidente: o Sr. José Domingues dos Santos podia ter a certeza que no momento em que usou da palavra não falava apenas em nome daquele lado da Câmara, mas sim em nome de toda a Câmara.
Apoiados.
Efectivamente, não há instituição mais simpática do que a Cruz Vermelha Portuguesa.
Nenhuma instituição mais do que ela tem prestado ao País serviços relevantes.

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E tem ela também demonstrado, desde longa data, quanto as senhoras portuguesas sabem sempre tomar as iniciativas mais simpáticas, promovendo festas com os fins mais altruístas.
Quis o Sr. José Domingues dos Santos saudar nas senhoras presentes, todas aquelas que andam nesta cruzada de bem fazer.
Este lado da Câmara associa-se com muito prazer a essa saudação, envolvendo nela todas as senhoras portuguesas.
Quis mais S. Ex.ª saudar em particular a esposa do Sr. Presidente da República.
Também êste lado da Câmara, com muito prazer, se associa a essa saudação.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto (para explicações): — Sr. Presidente: os Srs. José Domingues dos Santos e Carvalho da Silva acabam de prestar homenagem, em nome dos seus Partidos, às senhoras portuguesas, e em especial à esposa do Sr. Presidente da República, cuja presença, com muita satisfação noto entre as senhoras presentes, que vieram até o Parlamento na santa peregrinação da Festa da Flor.
Devo dizer que, por parte da minoria católica, nos associamos com todo o entusiasmo às homenagens prestadas a essas senhoras, especializando a esposa de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Trata-se de proteger uma instituição que tem prestado grandes serviços dentro e fora do País.
O fim e o objectivo da caridade a que se está recorrendo, por esta forma, é o mais alto e elevado, e a ilustre esposa do Sr. Presidente da República, colocando-se à frente dêsse movimento, honra as senhoras portuguesas, que sempre foram notáveis em serviços de assistência, benemerência e caridade.
Realmente desde a rainha Santa Isabel, de Santa Joana e outras senhoras ainda, são conhecidos os serviços de misericórdia que as senhoras portuguesas têm prestado.
A digna esposa do Sr. Presidente da República vem, com o seu gesto de agora,
colocar-se galhardamente ao lado dessas senhoras beneméritas.
Honra lho seja.
Saúdo, portanto, a ilustre esposa do Sr. Presidente da República e nessa saudação vai a minha homenagem a todas as senhoras portuguesas, ao Chefe do Estado e a Portugal.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, (fitando, nestes termos, restituir, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pina de Morais (para explicações): — Sr. Presidente: em meu nome e no do alguns Deputados independentes que mo honraram escolhendo-me para seu intérprete neste momento, não quero deixar de agradecer e de homenagear, dentro das minhas possibilidades, a cruzada de benemerência e caridade que as senhoras portuguessas estão realizando no nosso País.
As casas do caridade de Portugal mantêm-se hoje com extrema dificuldade. Essa dificuldade tem vindo acentuando-se com a carestia da vida, e triste é verificar que as classes enriquecidas ultimamente não têm procurado acudir às necessidades dessas casas, desprezando aqueles princípios que a compaixão pela desgraça deve inspirar a todos.
Antes da guerra as nossas instituições de caridade viviam com um desafogo com que não vivem hoje, e eu lanço à conta de falta de compreensão de sentimentos cívicos o caso dessas classes enriquecidas não ocorrerem às suas necessidades.
E preciso, pois, que se faça uma campanha e propague a crença de que os ricos precisam ser caridosos para com todos.
Não é, realmente, fazendo a vida da sociedade elegante que se pode de qualquer maneira exercer essa caridade. Não, não é com o espavento, fàcilmente destrutível, que se pode beneficiar aqueles que necessitam. E essas classes que ultimamente têm enriquecido precisam de sacrificar os seus dinheiros às necessidades do País.
Parece isto violento, mas não é, porque correspondo a uma verdade por mim verificada já várias vezes.

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Iniciaram essa campanha as senhoras portuguesas. Entre elas encontra-se a esposa do venerando Chefe do Estado, figura daquelas que mais prezo no regime.. A essas senhoras vão as minhas melhores saudações, vão os meus desejos de que. a sua obra se prolongue indefinidamente, que tenham a repercussão no País os seus benefícios, que a sua missão seja bem compreendida e que a nossa democracia inicie uma grande obra de virtude, a virtude de proteger aqueles que necessitam.
Dar esmola fazem todos aqueles que tem dinheiro, mas exercer a caridade só O fazem aqueles que têm uma alma grande, como a esposa do Sr. Presidente da República.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Não foi para saudar as beneméritas senhoras portuguesas, entre as quais se encontra, nesta obra de benemerência, a primeira senhora portuguesa, que pedi a palavra.
Essa alta homenagem, em nome do Govêrno, compete ao Sr. Presidente do Ministério.
Pedi a palavra para comunicar à Câmara que, de acôrdo com um requerimento da Sociedade da Cruz Vermelha tomei a iniciativa de fazer expedir e já se acha assinado um decreto, que isenta a Sociedade da Cruz Vermelha da franquia postal.
Assim se associa o Govêrno ao êxito por certo grandioso desta festa, em benefício da Sociedade da Cruz Vermelha.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Pedi a palavra para me associar ao voto de saudação desta Câmara a uma instituição benemérita, como é a Sociedade da Cruz Vermelha Portuguesa.
Dirijo a minha saudação a todas as senhoras de Portugal presididas pela ilustre esposa do supremo magistrado português. A esta senhora as nossas homenagens, bem calorosas o sentidas.
De resto, e felizmente para o nosso País, a mulher portuguesa foi sempre de uma extraordinária benemerência.
Com estas saudações às senhoras portuguesas e em especial à ilustre esposa do ilustre Chefe do Estado, vão também as nossas homenagens ao supremo e venerando magistrado da Nação.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Todos os lados da Câmara se associaram à grande cruzada que a mulher portuguesa desempenha neste momento nesta casa do Parlamento. Sem excepção, todos manifestaram a sua homenagem à ilustre esposa do venerando Chefe do Estado.
Em meu nome pessoal me associo também, minhas Senhoras, à homenagem prestada a S. Ex.ª e às mulheres portuguesas por S. Ex.ª presididas.
Apoiados.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Como consequência lógica das saudações que foram dirigidas às senhoras portuguesas, e especialmente a esposa do venerando Chefe do Estado, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite a suspensão da sessão por 5 minutos,, para que, tendo sido nomeada uma comissão, esta acompanhe as senhoras presentes até haverem terminado a sua missão dentro do Parlamento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Só por seguir uma praxe submeterei à votação da Câmara o requerimento de V. Ex.ª, visto que o que V. Ex.ª requero está no ânimo de todos.
Apoiados.
Nomeio, pois, uma comissão para se desempenhar dessa missão, composta dos Srs. José Domingues dos Santos, Lino Neto, Agatão Lança, Carvalho da Silva, Pina de Morais e do Presidente da Câmara.
Está interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: — A ilustre esposa do Sr. Presidente da República pediu-me para transmitir à Câmara, em nome das senhoras que a acompanham, o seu reconhecimento pela maneira carinhosa como foram recebidas nesta casa.
Peço a atenção da Câmara para outro assunto.
Fui procurado ontem pelo Sr. secretário adjunto da União Inter-parlamentar de Comércio, que me disse estarem nela representados todos os Parlamentos, havendo a excepção do nosso, que já teve aí representação em 19Í3.
Depois deixou de ter representação na União Inter-parlamentar do Comércio.
Foi agora estranhada ali a falta de um representante português, tendo sido interpelada a presidência sôbre assunto.
É com efeito Portugal o único país. da Europa que não tem representação na União Inter-parlamentar.
Neste momento, em que Portugal representa qualquer cousa pela sua acção colonial, é de todo o interêsse que tenha representação para continuação dos trabalhos interrompidos.
Para isso precisamos nomear representantes para se entenderem directamente com o secretário da União.
A reunião está marcada para 15 de Agosto próximo, em Praga.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Sr. Presidente: êste lado da Câmara certamente se associa ao desejo manifestado por V. Ex.ª, para que se nomeie uma comissão encarregada de escolher o representante à Conferência Inter-parlamentar, porque, embora seja nosso interêsse, e máximo, a contracção de despesas, não o levamos ao extremo da fazer com que Portugal não se faça representar naquela sessão.
Portugal pode ter aí representante, por isso nos associamos a essa proposta de V. Ex.ª
Pode V. Ex.ª ficar encarregado de nomear essa comissão.
Devem, sôbre êste assunto, estar de acôrdo todos os lados da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Pedia a V. Ex.ª que me informasse sôbre se essa comissão é composta apenas de Deputados ou também de Senadores.
O Sr. Presidente: — Como já disse, será composta de cinco membros: de três Srs. Deputados e dois Srs. Senadores.
O Sr. Carvalho da Silva: — É para declarar que êste lado da Câmara entende que essa comissão devo ser o mais reduzida possível.
A situação do País não é de molde a permitir-nos largas representações lá fora.
Aproveito o ensejo para lamentar que não tenham ainda sido fornecidos a êste lado da Câmara os elementos que há ano e meio pedimos acêrca das quantias gastas com pessoas que têm ido representar o País no estrangeiro, a propósito de conferências.
O Sr. Presidente: — Fica assente que a Presidência da Câmara, de acôrdo com o Sr. Presidente do Senado, nomeie a comissão, ouvindo-se depois os leaders para a escolha dos representantes que deverão ir ao estrangeiro.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: — Envio para a Mesa o parecer da comissão de finanças sôbre a proposta de empréstimo que transitou do Senado para esta Câmara.
Visto tratar-se apenas de emendas de redacção, e já haver o parecer da comissão de finanças, eu requeiro que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se consente que entrem imediatamente em discussão essas emendas vindas do Senado.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a palavra sObre o modo de votar.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Carvalho da Silva: — É sempre inconveniente discutir quaisquer emendas vindas do Senado, sem que previamente possam ser conhecidas dos Srs. Deputados, mas êsse inconveniente ainda mais se acentua em relação às emendas que se

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vão discutir, visto que se referem à proposta de empréstimo, que é assunto, de grande importância.
Nesta ordem de ideas, desejamos apenas uma pequena modificação no requerimento que se vai votar. Pretendemos que essas emendas só entrem em discussão na sessão de amanhã, para assim haver algum tempo para delas tomarmos conhecimento e assim as podermos discutir convenientemente.
Não sabemos discutir e votar qualquer assunto sem o conhecermos.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia (para explicações): — Como já disse, trata-se apenas de emendas de redacção. Não se trata de matéria nova; mas para que não se diga que há o propósito de tornar menos pública a discussão, declaro em nome dá comissão que não tenho dúvida em modificar o requerimento que fiz, no sentido de a discussão só se fazer na sessão ue amanhã, conforme os desejos da minoria monárquica.
O orador não reviu.
Pôsto à votação o requerimento, foi o mesmo aprovado.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o orçamento do Ministério do Comércio.
Vão ler-se a proposta sôbre estradas que foi enviada para a Mesa, assinada pelos Srs. Ministros do Comércio e das Finanças, e o respectivo parecer da comissão de finanças.
Foram lidos na Mesa.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Ocupa-se o capítulo 4.º do orçamento do Ministério do Comércio, nos seus artigos 31.º a 36.º, das verbas necessárias para a conservação, reparação construção e polícia das estradas do País.
E pois o capítulo mais importante dês-te orçamento; e eu sinto que o rigor inexplicável do Regimento não me permita fazer sôbre êle as considerações que eu entendo serem necessárias acêrca da sua matéria.
Sr. Presidente: é escusado encarecer a importância do problema das estradas.
Já ouvi o Chefe do Govêrno chamar-lhe, aqui, o principal veículo do nosso desenvolvimento económico.
Não é bem assim, porque infelizmente, ainda não chegámos à perfeição de termos estradas móveis.
Mas, em todo o caso, do que não há dúvida é de que sem estradas transitáveis não será possível que o comércio, a indústria e a agricultura tenham desenvolvimento apreciável. Sem estradas transitáveis não é possível o deslocamento dos géneros necessários à vida e à permuta de relações entre as diversas povoações.
Apoiados.
E a êste respeito podemos afoitamente afirmar que, se não sempre, pelo menos em determinados períodos do ano algumas povoações do País estão inteiramente, isoladas!
E ainda preciso notar a alta influência que tem o problema das estradas na questão da carestia da vida.
Apoiados.
Não havendo facilidades em vias de comunicação, dificilmente se faz a permuta de géneros entre os diversos pontos, do País; e, assim, numas povoações há abundância de determinados produtos que em outras faltam, sem que para estas possam ir e sem que aquelas possam receber destas o que por seu turno lhes falte. Daqui resulta necessàriamente o agravamento da vida.
Há ainda outra circunstância que grandemente influi pelo que respeita à viação, no problema do custo dá vida: é o preço dos fretes.
Êstes são mais caros devido às más condições das estradas, já porque o mau estado delas deprecia muito os meios de transporte, já porque êstes não podem conduzir cargas completas.
Pelo que respeita ao turismo, eu não sei se realmente nós devemos fazer lá fora uma larga propaganda do nosso País, emquanto estivermos sujeitos a patentear aos estrangeiros tam vergonhoso espectáculo e que nem sequer merece, confronto com o que se passa em Marrocos, porque hoje, ali, pelo menos no protectorado francos, se estão construindo magnificas estradas com 16 metros de largura e obedecendo às condições modernas da viação.

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Quem hoje se aventurar a fazer qualquer percurso em automóvel ou trem, na maioria das estradas do País, de certo recolherá uma impressão bem dolorosa, que lhe fará esquecer as belezas do nosso solo e a amenidade do nosso clima.
Apoiados.
Fica apenas com a recordação das atribulações experimentadas na travessia arriscada dos barrancos e dos sulcos do nosso saudoso macadame que Deus haja!
Um consagrado poeta satírico, muito nosso conhecido, denominou êste país país de turismo e não de turismo.
Tem razão, e ainda em reforço desta opinião êste país de turistas fornece aos turistas, pelo que respeitarás estradas, um dos espectáculos mais vergonhosos e mais selvagens que pode imaginar-se.
Entretanto, Sr. Presidente, e a altura de preguntar o que têm feito os govêrnos da República para resolver êste problema; é A altura de preguntar, porque o não sabemos ainda, se o Govêrno actual, e nomeadamente o Sr. Ministro do Comércio, tem qualquer ponto de vista, qualquer plano definido, absolutamente assente, para resolver o problema das estradas.
Pensa o Govêrno em fazer a reparação, ou, por assim dizer, a reconstrução das estradas por administração directa?
Pensa o Govêrno em fazê-la por empreitada ou tarefas gerais ou parciais?
Pensa o Govêrno em fazer a entrega das estradas às Juntas Gerais do Distrito?
E porque modo vão essas juntas fazer a reconstrução de cêrca de 6:000 quilómetros de estradas?
Vê-se que o problema é muito complexo, e ao mesmo tempo muito interessante; e evidentemente que não é em meia hora que o Regimento me faculta que eu possa trata-lo.
Apoiados.
Por isso enviarei para a Mesa uma nota de interpelação ao Sr. Ministro do Comércio sôbre o problema das estradas.
Desejo tratá-lo com o desenvolvimento merecido.
A Comissão Executiva do Congresso Nacional Municipalista e a comissão nomeada na reunião dos representantes dos municípios entregaram ao Parlamento, em 20 de Fevereiro último, uma representação, na qual pedem que os serviços de viação ordinária sejam desde já entregues às Juntas Gerais de Distrito.
Não me parece que semelhante pretensão possa ser atendida, pelo menos por agora; e nunca o poderá ser com a amplitude que os comissionados desejam.
Apoiados.
Vou expor os motivos.
E certo que a lei n.º 88, de 8 de Agosto do 1913, no seu artigo 45.º, que teve por fonte o artigo 02.º do Código de Sampaio de 1878, dava às Juntas, competência para mandar proceder, em conformidade das leis respectivas, à construção, reparação e conservação de todas as estradas do distrito que não estivessem a cargo das câmaras municipais.
Mas esta disposição deve talvez considerar-se revogada pelo decreto de 17 de Outubro de 1920, que criou a Administração Geral das Estradas e Turismo.
Não se compreende, pois, segundo se diz, que o Sr. Ministro do Comércio tenha prometida a entrega das estradas às Juntas Gerais.
Presentemente o caminho a seguir é diverso, visto que diversas são as circunstâncias em relação ao passado que se invocou.
Apoiados.
As juntas gerais de distrito, restabelecidas em 1910, não têem dado sinal de si.
Nada têm feito.
Têm sido incompetentes e indolentes.
Não possuem recursos.
Não têm, nem podem arranjar fàcilmente pessoal idóneo e competente e material apropriado como o exigem os modernos processos de construção e reparação de estradas.
Que garantias nos dão elas, pois para capazmente exercerem a complexa missão de refazer e conservar toda a viação ordinária do País?!
E se, como toda a gente sabe, o Govêrno central, obedece em regra, inteiramente a indicações e fins políticos no destino e aplicação das verbas e nos planos de construção e reparações, o que não sucederia com as facciosas Juntas Gerais de Distrito, compostas quási todas de democráticos, cujos processos políticos são suficientemente conhecidos para que não possa restar dúvida de que a entrega das

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estradas importaria a entrega de uma magnífica arma eleiçoeira, que os políticos republicanos não teriam escrúpulo de empregar sem a mínima preocupação de atenderem ao que convenha aos legítimos interêsses nacionais ou regionais.
Apoiados.
Disse o Sr. António Fonseca, na reunião dos delegados das câmaras municipais, que para que as estradas fossem entregues às juntas era, primeiro do que tudo, indispensável que elas existissem, o que bem se pode dizer que não sucede actualmente.
A grande obra que há a empreender tem de obedecer a um largo plano de conjunto; é inteiramente incompatível com a diversidade de critério e de processos, que necessàriamente presidiram na direcção, dos serviços pulverizada.
É impossível realizar semelhante obra pelos processos rotineiros até agora empregados.
Pode o Estado empregar outros?
Empregue-o? sem demora, facilitando os necessários meios às repartições competentes. Não pode?
Abra concurso público para adjudicação dos serviços por tarefa geral ou por grandes tarefas parciais.
Apoiados.
O tradicional velho britador, de óculos de rede, debruçado dias, semanas inteiras ao longo das estradas, e o tosco cilindro de pedra lentamente arrastado por uma junta de bois pachorrentos e bucólicos, fizeram a sua época.
Não é com semelhantes meios que poderemos restaurar 6:000 quilómetros de estradas.
Material, pessoal e maquinaria, são hoje três factores em. que as modernas condições da viação exigem características inteiramente diferentes daqueles que antigamente se utilizavam.
O orçamento em discussão, propõe para conservação e polícia das estradas 3:050. 000$, para reparações e encargos de empréstimos 3:500. 000$ e para construções 800. 000$, ou seja um total de 7:350. 000$!
Nos orçamentos desta República, as verbas mais escassas são precisamente as das despesas produtivas!
As outras absorvem quási tudo, isto é, 35:000 contos!
É assim que contam resolver o problema nacional?!
A rede actual das estradas é de 12:000 quilómetros, ou de 10:000, segundo o relatório do orçamento.
Mais de 6:000 quilómetros estão intransitáveis. A sua reparação está calculada em 25 contos por quilómetro, segundo uns, e em 30 contos segundo outros.
E necessário construir mais 5:000 quilómetros; e a construção de cada quilómetro importa em cerca de 50 contos!
Veja a Câmara quantos milhares de contos são precisos para os trabalhos a empreender!
Devo dizer que sou contrário à construção de novas estradas, por maior que seja a sua utilidade, emquanto não estejam reparadas as que existem.
A nossa rede actual de estradas é realmente insuficiente; mas, como não é possível fazer tudo ao mesme tempo, comecemos por tornar transitáveis as que existem.
É digno de registo o facto de. a rede de estradas que existe se dever especialmente a dois notáveis estadistas da monarquia: Fontes Pereira de Melo e Emídio Navarro. E é também justo referir, os nomes do Elvino de Brito e Moreira Júnior.
O problema das estradas, hoje, deve ser encarado em conjunto.
Apoiados.
A pulverização dos serviços é inconveniente. E por isso que se viesse à discussão a proposta do Sr. Lima Basto, eu a combateria, devido a êle propor o estabelecimento de três direcções de serviços.
Referir-mo hei ainda à proposta do Sr. António Fonseca. Esta proposta destina-se a modificar a lei de 1921.
Há nela um ponto a que o Sr. Plínio Silva se referiu, combatendo-a com argumentos convincentes, e mesmo indestrutíveis.
A proposta cria um imposto; mas é indispensável realizar desde já o empréstimo projectado.
Interrupção do Sr. António Fonseca que não foi possível ouvir.
O Orador: — Sou da opinião do Sr. Plínio Silva quanto à oportunidade do empréstimo.

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Dos 28:000 contos para as estradas têm de sair os juros e as amortizações.
Àpartes.
Quanto a camiões e a automóveis sustentou o Sr. António Fonseca em 1921 que a velocidade causava quasi tanto dano nas estradas como o peso.
Tem razão.
Um àparte do Sr. António Fonseca.
O Orador: — V. Ex.ª fez também distinção entre burros e cavalos. Acuo bem.
O Sr. António Fonseca: — Sabe V. Ex.ª porquê?
Desde a zoologia até o ferrador, toda a gente distingue os burros dos cavalos, mas, além disso, não se pode tributar igualmente um cavalo, que, sem dúvida, presta muito mais serviço do que um burro.
É. preciso considerar a situação do contribuinte em relação ao tributo que se lhe pede.
O Orador: — Em todo o caso, V. Ex.ª foi mais cruel para com os burros do que o Sr. Jorge Nunes em 1921, porque êste senhor propôs para êles um desconto de 75 por cento e V. Ex.ª dá-lhe apenas de 50 por cento.
Devo dizer ainda que a redacção da proposta não está bem clara. Pode dar lugar a dúvidas.
V. Ex.ª diz que os artigos tais e tais ficam substituídos desta e desta maneira. Mas acho preferível referir se ao corpo dos artigos.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. António Fonseca.
O Orador: — As verbas orçamentais não chegam para nada. Sempre que se trata de despesas produtivas, o Orçamento é absolutamente exíguo, deficiente e ridículo.
Apoiados.
Estou convencido de que, se o Govêrno conseguisse reduzir outras despesas e empregasse êsse dinheiro em obras de fomento, em meia dúzia de anos, além de ter promovido o desenvolvimento geral do País, teria encontrado a compensação do capital despendido no aumento da matéria tributável.
Muitos apoiados.
O Sr. Presidente: — Sr. Cancela de Abreu: já terminou o tempo que V. Ex.ª tinha para usar da palavra.
O Orador: — Visto que os meus ilustres colegas dêste lado da Câmara ainda vão falar sôbre a proposta, eu acato a indicação de V. Ex.ª, protestando, porém, contra o facto de mais uma vez, a propósito de nm capítulo do Orçamento, se discutir uma proposta que com êle nada tem.
Além disso, V. Ex.ª não podia, nem devia aplicar para a discussão de uma proposta como esta o regime adoptado para os orçamentos.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: começo por ler a minha moção:
A Câmara dos Deputadas considerando. que é necessário proceder com a maior urgência à regulamentação da lei n.º 1:238, de 28 de Novembro de 1921 e das disposições do decreto n.º 7:036, de 17 de Outubro de 1920, na parte referente a estradas e turismo;
Considerando que sem as regulamentações referidas e aplicação das disposições respectivas não é possível conhecer ºa receita do fundo de viação e turismo criada nos diplomas mencionados;
Considerando que o conhecimento da referida receita é indispensável para o estabelecimento de qualquer regime financeiro, por ventura julgado necessário, se se reconhecer a exiguidade daquela receita para dar o desenvolvimento necessário e imediato à construção e reparação de estradas, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 9 de Maio de 1923. — Plínio Silva.
Sr. Presidente: creio que, tratando-se de um problema do mais largo alcance nacional, não pode naturalmente haver a mínima parcela de política, naquela acepção estreita em que, em geral, se costuma considerar.
Parece-me por isso que os meus ilustres correligionários, Srs. Ministros do Comércio e das Finanças, não levarão a mal que eu, com a maior independência, e procurando honrar afirmações e princípios que defendi em 1921, desde já ma-

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nifeste a minha opinião desinteressada sem reclames de jornais, mas com trabalhos demonstrativos de quanto ligo o meu amor a assuntos desta natureza.
Estou em completa discordância, não só com o concordo que S. Ex.ªs deram ao projecto apresentado pelo ilustre Deputado, Sr. António Fonseca, perfilhando-o e transformando-o numa proposta, mas ainda com a facilidade com que têm tratado de um tal problema, não tendo ouvido nem consultado as pessoas que tinham porventura o direito de o serem pelo facto de em situações várias terem mostrado que este problema os interessava.
Lamento que o Sr. Ministro do Comércio pusesse com tanta rapidez o seu nome nesta proposta, perfilhando o projecto de lei apresentado pelo Sr. António Fonseca, sem nem sequer ter dado a honra de consultar a comissão de obras públicas e minas, a qual tem demonstrado, no estudo que fez das propostas e projectos, a forma como trabalha.
O Sr. António Fonseca, se quiser ser justo, não poderá deixar de se recordar que eu empreguei todos os esfôrços para que o projecto das estradas fôsse discutido, e S. Ex.ª não pode deixar de reconhecer também que encontrou sempre em mim o melhor desejo de que êsse problema fôsse aqui tratado.
Sei que tenho apenas meia hora para falar; é pouco, mas talvez nesse tempo caibam as considerações que tenho a fazer.
S. Ex.ª, quando Ministro do Comércio, apresentou um relatório muito completo que facilitou muito o estudo do problema, e por êle se vê qual era o seu ponto de vista.
Depois o Sr. Velhinho Correia apresentou a sua proposta, em que se inicia o imposto de viação e turismo, e nessa ocasião discutiu-se quem tinha a paternidade da idea.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Havia um imposto de trânsito e outro de turismo.
O Orador: — O seu objectivo era criar uma receita para estradas.
O Sr. António Fonseca: — O meu desejo era fazer reparação e não construção»
O Orador: — Qual é então o pensamento do Sr. Ministro do Comércio?
Fazer essas reparações dentro da verba dos 5:000 contos.
Mas afinal estamos a querer fazer uma cousa que não pode ter nenhuns resultados, porque o empréstimo de 1921 até hoje tem sido letra morta.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — A culpa não é minha, porque nem sequer referendei a lei.
O Orador: — Nós temos o dever de ver as cousas sob o ponto de vista prático.
Eu não disse que o empréstimo não podia realizar-se; o que afirmei foi que em dez anos as condições de vida variam muito, tornando-se muito natural que nesse espaço de tempo os materiais e a mão de obra triplicassem de preço.
Com certeza que o Sr. Ministro do Comércio deve dar razão a êste meu raciocínio.
Eu queria que começássemos pelo princípio, isto é, por fazermos uma reorganização dos serviços de estradas.
Por muito boa vontade que tenhamos, com esta lei não resolvemos cousa alguma.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Leia V. Ex.ª o artigo 4.º
O Orador: — Os números da verba fixada são tudo quanto há de mais contingente.
Como é que alguém p ode garantir que os 600 quilómetros de estrada custem 5:000 contos?
O Sr. António Fonseca: — Eu como Ministro do Comércio tinha na lei os meios para o fazer.
O Orador: — V. Ex.ª diz que é urgentíssimo reparar as estradas, e eu digo que concordo com V. Ex.ª
Temos agora de princípio 500 quilómetros, que podem ir a 1:000 e a mais.
O Sr. António Fonseca: — Eu quando fui Ministro do Comércio não me importava com a verba; isso era com o Ministro das Finanças,

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O Orador: — V. Ex.ª o que precisava era de dinheiro; se faltasse, o Ministro das Finanças dava a diferença.
Desejo que êste ponto de vista fique bem acentuado, para que se não diga que procurei contrariá-lo. Irmos fazer um empréstimo com bases fixas, quando ainda estamos no início dêstes estudos, parece-me que não será o melhor caminho.
Trocam-se àpartes entre o orador e o Sr. António Fonseca.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, como o Sr. António Fonseca tenha considerado uma questão quási fechada a proposta que então apresentou, eu apenas tinha proposto uma razoável alteração à tabela, com a qual S. Ex.ª não concordou.
Porém, é bastante curioso que seja S. Ex.ª, que então invocou argumentos contra a minha proposta, quem agora venha propor que sejam duplicadas as percentagens da referida tabela.
O Sr. António Fonseca: — Decerto...
O Orador: — Isto prova, Sr. Presidente, que eu, então, raciocinava com lógica, e que é agora S. Ex.ª o próprio que meda razão.
Pouco tempo me resta para continuar a usar da palavra, mas, todavia, não quero deixar de mo referir a um ponto importante, permitindo-me dizer que a comissão de obras públicas e minas devia merecer à Câmara uma certa consideração, para que, sôbre um assunto da magnitude dêste, ela pudesse dizer o que pensava.
Isto é apenas um alvitre que apresento, não fazendo requerimento algum nesse sentido. Julgo, porém, que seria essa a maneira de estudarmos o assunto convenientemente, como é do interêsse de todos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Fonseca não fez a revisão dos seus àpartes.
O Sr. Presidente: — A moção de V. Ex.ª, para ficar em discussão, tem de ser admitida, pois a verdade é que a proposta do Sr. António Fonseca, de alteração ao Regimento, não a abrange, porque entendo que uma moção de ordem não é uma proposta.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Plínio Silva: — Nesse caso, se V. Ex.ª quere, eu estou pronto a passar a minha moção a tinta, de forma a que a discussão possa prosseguir.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Eu; Sr. Presidente, devo dizer que não vejo razão alguma para as dúvidas que se tem apresentado, pois a verdade é que a moção é uma proposta, e tanto assim que se propôs uma moção.
Só depois de votada pela Câmara é que é moção, pois antes disso é uma proposta. É esta a minha maneira de ver sôbre o assunto.
O orador não reviu,
O Sr. Presidente: — Eu não encontro nada no Regimento que diga tal; mas, desde que haja número para discutir, não vejo que valha a pena estarmos a perder tempo.
Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Plínio Silva.
É lida e admitida.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que rejeitam queiram levantar-se e conservar-se de pé.
Está de pé 1 Sr. Deputado e sentados 53.
Não há, pois, número para a mesma ser admitida, continuando a discussão, e ficando a moção para ser admitida na primeira oportunidade.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª pode-me dizer se ou tenho meia hora para falar?
O Sr. Presidente: — Sim, senhor.
O Orador: — Eu vou, Sr. Presidente, procurar resumir tanto quanto possível as minhas considerações, para o que chamo

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em especial a atenção do Sr. Plínio Silva, lastimando não ver presente o Sr. Cancela de Abreu, para assim responder a ambos ao mesmo tempo.
Eu vou explicar à Câmara, em poucas palavras, qual é o regime em que vivemos, relativamente a estradas, em lace da lei n.º 1:238.
Sr. Presidente: pelas, informações colhidas oficialmente na Administração Geral das Estradas, informações que eu não posso pôr em dúvida, verifica-se que o esfôrço máximo que se poderá fazer relativamente a reparações por ano não poderá nunca atingir mais de 600 quilómetros, verificando-se mais, pelas mesmas informações, que não é possível fazer-se mais de 200 quilómetros.
Segundo as mesmas informações, que não posso pôr em dúvida, repito, será preciso, para êsse esfôrço de reparações, lima verba de 18:000 contos.
A proposta visa a colocar o Estado em condições de poder gastar anualmente essa verba durante 10 anos, que tantos serão os precisos para fazer as obras inadiáveis e as construções mais urgentes de todo o vasto plano de estradas.
Coloquemos o Estado em condições de realizar êsse esfôrço, porque me parece não ser possível continuar por mais tempo a situação desgraçada das nossas estradas, que cada dia se arruinam mais, tornando-se cada vez mais difícil a resolução dêsse problema, não só pelo número de quilómetros, a reparar como pelo seu maior custo.
Se o Sr. Ministro das Finanças que está presente entender que pode pegar no artigo 1.º da proposta e substituir a verba de 20:000. 000$ por 28:000. 000$, evidentemente que cessa toda a necessidade de empréstimos e á necessidade de qualquer operação financeira, basta que e Sr. Ministro das Finanças mande para a Mesa uma proposta nesse sentido.
Está o Sr. Ministro das Finanças disposto a dizer que em vez de 28:000. 000$ pode dispor de 35:000. 000$?
Se S. Ex.ª está disposto, não temos mais que fazer se não aceitar essa proposta; mas eu presumo que o Sr. ministro das Finanças não está na disposição de mandar para a Mesa semelhante proposta.
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Plínio Silva contestou que fossem necessários 28:000 contos?
Eu não ouvi contestar e não me parece que seja fácil contestar, não para me ser agradável, mas porque dadas as actuais circunstâncias, 28:000 contos é o mínimo que se pode estabelecer para êsse serviço.
S. Ex.ª além de não contestar os 28:000 contos, ainda afirmou a absoluta necessidade de, duma vez para sempre, se realizar o problema das estradas.
É uma falta política, no bom sentido da palavra, é aquele impulso que seria necessário a uma organização melhor ou pior, num sistema de administração?
Está bem.
Há recursos financeiros? Há materiais? Há engenheiros? O que falta?
Àpartes.
Mas só há os meios financeiros actuais.
O que eu propus foi o que está na legislação em vigor.
Àpartes.
Diz-se que êstes empréstimos não são agora necessários.
São, e não sei se o Sr. Ministro das Finanças estaria agora disposto a apresentar uma proposta aumentando as respectivas verbas.
Àpartes.
Êste sistema de empréstimos é o melhor sistema para a reparação das estradas.
Sr. Presidente: o que é necessário é dar um grande impulso na reparação e na construção, e, depois de um período de uns dez anos de descanso, construir estradas em condições de se conservarem, algum tempo sem necessidade de reparações.
Êste sistema de empréstimos dará o resultado de um período de 10 anos de sossêgo, como acabo de dizer.
Interrupção do Sr. Velhinho Correia que se não ouviu.
O Orador: — Se o Sr. Ministro das Finanças não dá mais dinheiro, vejamos qual a situação.
São necessários 28:000 contos.
Àpartes.
O Orador: — Nós não temos que regatear dinheiro para o problema das estradas.

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Ninguém pode dizer que o Sr. Ministro das Finanças não pode dar para estradas senão aquilo que dá. O que é certo é que é necessário arranjar uma compensação para a despesa das estradas.
Nunca houve em. Portugal o imposto de trânsito e conservação, mas nem por isso se deixava de fazer estradas.
Àpartes.
Eu não trato de ver o que dá o imposto.
Vou expor como é que eu arranjo o que falta.
Pela minha proposta asseguro que durante dez anos haja realmente 28:000 contos certos, e firmes, para a reparação de estradas, e no 11.º ano, feita já a grande reparação que era necessário fazer-se, nós ficaremos ainda assim com 5:488 contos para obras de construção e reparação, visto que 14:000 e tal contos são para os encargos do empréstimo, e assim sucessivamente, até que passados vinte e cinco anos a verba de 28:000 contos se encontra restituída á sua procedência, e isso exactamente num período que coincide com uma ocasião em que não haverá necessidade de grandes reparações.
Não vejo, com franqueza, o que isto possa desagradar ao Sr. Plínio Silva. S. Ex.ª poder-me há dizer que 28:000 contos é pouco, mas S. Ex.ª não contesta que essa quantia possa servir no momento actual, e simplesmente receia pelo dia de amanhã, isto é, que amanhã já não cheguem os 28:000 contos. Mas então para que andamos todos a trabalhar? O Sr. Ministro das Finanças procurando apresentar medidas, e o Parlamento, por outro lado, a estudar para conseguirmos a valorização do escudo?
Apoiados.
Não podemos para uma cousa estar a partir duma base e para outra estar a partir doutra base.
Eu parto da base da valorização do escudo, porque tenho fé no futuro e desejo ardentemente essa valorização.
Apoiados.
Mas se os 28:000 contos não chegarem, nós podemos reforçar esta verba. O que é preciso é assegurar ao País que há dentro da autonomia da administração das estradas os meios suficientes para resolver o problema das estradas.
Em poucas palavra» o artigo 4.º define uma política de fomento. Votando-o, não haverá mais pulverização de dinheiro para estudar: ou se resolve tudo duma vez, ou nada se resolve. Não mais andaremos — o que tem sido o maior êrro da nossa política de estradas — a dar dinheiro aos bocadinhos para construção de pequenos troços de estrada, agravando-se assim cada dia mais o respectivo problema.
Mas não se propõe, contudo, verbas exageradas; propõe-se aquilo que se julga necessário e que é preciso para uma boa administração, e sobretudo duma altíssima moral.
O Sr. Plínio Silva: — Não atacaram o problema das estradas.
O Orador: — Não vale a pena trazer para aqui o que podemos chamar o problema do turismo.
O que eu quero é que resolvam êste assunto...
O Sr. Plínio Silva: — É indispensável, além de engenheiros e material, máquinas, etc., dinheiro. E preciso dinheiro primeiro; depois organismos que regulem essas cousas, e também empreiteiros, que empreiteiro também pode ser o Estado.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Era bem bom que não fôsse.
O Orador: — Não quero fazer o que todos nós condenamos. Precisamos dum organismo. Se é bom, aproveitemo-lo; se é mau, estudemos as medidas tendentes a fazer a administração das estradas em condições de estarem em exercício.
É preciso acabar com a política dós administradores.
É preciso acabar o sistema da pulverização de verbas.
Sou absolutamente contrário à forma como são distribuídas as verbas: é preciso um plano geral, em termos de permitir a entrega rápida ao trânsito.
É isso que se deve estudar.
Para que serve a política do administrador geral e do Ministro?
Para nada. Acima está a reorganização do que há a fazer previamente.
O orador não reviu.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

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Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: pregunto ao Sr. Presidente do Ministério quando é que o Govêrno tenciona mandar publicar no Diário do Govêrno o relatório feito pelo Sr. Borges Grainha, relativo a congregações religiosas.
Aproveito estar no uso da palavra para ler à Câmara um documento que me foi enviado, e que, embora anónimo, contém matéria de importância.
Não sei o que haverá do verdade a êste respeito, mas espero que o chefe do Govêrno mande tomar as providências que o caso requere.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Vou levar ao conhecimento do Sr. Ministro respectivo o documento que acaba de ser lido pelo Sr. Sá Pereira, que tomará as devidas providências.
Quanto à parte relativa ao relatório do Sr. Borges Grainha, cumpre-me dizer o seguinte:
No relatório que tenho em meu poder há efectivamente pontos muito interessantes. O relatório será entregue a quem de direito.
Levarei ao conhecimento do meu colega da justiça os desejos de S. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanha, às 22 horas, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 46 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante
Últimas redacções
Do projecto de lei n,º 460, que aumenta os subsídios de embarque e auxílios para rancho a que se referem as tabelas n. 08 4 e 10 do decreto n.º 5:571, de 10 de Maio de 1919.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado,
Do projecto de lei n.º 489, que fixa em 7:500. 000$, ouro, o custo das obras destinadas à adaptação do pôrto de Leixões a pôrto comercial.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto,n.º 490, que autoriza o Govêrno a entregar à Junta Autónoma das Instalações Marítimas do Pôrto a quantia de 750. 000$, consignada no Orçamento de 1922-1923.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Projectos de lei
Do Sr. Augusto Nobre, uniformizando as designações em que figuram no Orçamento os lugares de conservador do Museu Zoológico da Universidade de Lisboa é conservadores preparadores dos Museus de Zoologia das Universidades do Pôrto e Coimbra.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. António Dias, tornando aplicáveis as disposições do decreto n.º 7:878 e lei n.º 1:312 aos segundos sargentos do quadro permanente do exército em designadas condições.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 428-A, que suprime um artigo da lei n.º 1:340, sôbre equiparação e limite de idade de oficiais.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 423-B, que determina que o imposto pessoal de rendimento substitua, para os efeitos do decreto de 2 de Março de 1895, as contribuições de renda de casas e sumptuária.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 466-D. que autoriza o Govêrno a rever a tabela dos emolumentas judiciais constante do decreto n.º 8:436.
Imprimam-se.

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Sessão de 9 de Maio de 1923
Da comissão de caminhos de ferro, sôbre a n.º 473-A, que autoriza a Administração dos Caminhos de Ferro do Estado a contrair um empréstimo para prolongamento do caminho de ferro de Aldeia Galega a Rio das Enguias.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidas com a maior urgência possível:
1.º Nota do número de oficiais de cada patente em serviço em cada unidade militar:
2.º Nota, discriminada por patentes, do número de oficiais promovidos por virtu-
de das disposições das leis n.ºs 1:239, 1:250 e 1:340.
Em 9 de Maio de 1923. — O Deputado, António Fonseca.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida cópia da acta ou actas do Conselho Superior Judiciário, em que se tenha tratado do provimento da próxima vaga do lugar de juiz presidente do Tribunal do Comércio de Lisboa, com uma relação dos juizes que a requereram e indicação da data da entrada dos respectivos requerimentos. Em 9 de Maio de 1923. — O Deputado, Adolfo Coutinho.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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