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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 80
EM 11 DE MAIO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Tomás de Sousa Rosa
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 51 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
São admitidas proposições de lei, já publicadas no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Leote do Rêgo responde a um discurso do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira).
O Sr. Paulo Cancela de Abreu protesta contra a trasladação dos restos mortais do Marquês de Pombal para a igreja da Memória. Responde o Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas), replicando o Sr. Cancela de Abreu.
Aprova-se que na sessão seguinte, e antes da ordem, se discuta o parecer n.º 470.
Sôbre a acta, o Sr. José de Magalhães faz preguntas com respeito a uma frase do Sr. José Domingues dos Santos.
Responde o Sr. Presidente, e faz declarações o Sr. Carvalho da Silva.
É dispensada a última redacção do orçamento do Ministério do Comércio.
Antes da ordem do dia. — Orçamento do Ministério do Trabalho.
Aprovam-se os capítulos 3.º a 10.º, com um protesto do Sr. Cancela de Abreu.
É aprovado um requerimento do Sr. João Luís Ricardo, para que, juntamente com o capitulo 11.º, se discuta o capítulo de receitas do orçamento do Instituto dos Seguros Sociais Obrigatórios.
Usa da palavra o Sr. Cancela de Abreu, e o Sr. João Luís Ricardo, que se lhe segue, apresenta o justifica propostas.
Usa da palavra o Sr. Dinis da Fonseca.
Seguem-se os Srs. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva) e Carvalho da Silva.
Entra em discussão o capitulo 1.º do orçamento das despesas, que é aprovado.
Capítulo 2.º
Usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu, Dinis da Fonseca, Morais Carvalho, Ministro do Trabalho e Lino Neto. São aprovadas as emendas ao capítulo.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Sá Pereira refere-se a uma notícia publicada na «Vanguarda», de Mértola, e ao encerramento da Casa do Povo, na Covilhã, respondendo o Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. Vergilio Saque trata duma reclamação da Associação dos Lojistas de Ponta Delgada.
Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Carvalho da Silva reclama contra a prisão dum empregado das Juventudes Monárquicas, respondendo o chefe do Govêrno.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 14.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Projecto de lei. — Proposta de lei. — Pareceres.
Abertura da sessão, às 15 horas e 10 minutos.
Presentes à chamada, 51 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.

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Diário da Câmara dos Deputados
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Albino Marques de Azevedo.
António Lino Neto.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Jaime Júlio de Sousa.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Barros Capinha.
José Cortês dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.

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Sessão de 11 de Maio de 1923
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 51 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Expediente
Ofícios
Do juiz do 3.º juízo de investigação criminal, pedindo a comparência dos Srs. Lopes Cardoso e Ferreira da Rocha naquele juízo, pelas 15 horas de 11 do corrente.
Arquive-se.
Do Ministério da Guerra, com um requerimento do capitão de infantaria n.º 20, Firmino José de Sousa Barroso, era que pede lhe sejam aplicadas as disposições da lei n.º 1:340.
Para a comissão de guerra.
Do mesmo, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Pires Monteiro, comunicado em ofício n.º 120.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Instrução Pública, pedindo a inclusão no Orçamento para 1923-1924 de designadas verbas para compra de dois edifícios para o ensina primário geral.
Para a comissão do Orçamento.
Da Câmara Municipal de Manteigas, pedindo que seja promulgada uma lei que permita o ensino religioso nas escolas particulares.
Para a Secretaria.
Do Centro Católico de Caminha, apoiando as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial e Industrial do concelho de Cascais, enviando uma moção.
Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dos Deputados
Do Ministério da Justiça, acompanhando uma nota de alterações a introduzir na proposta orçamental para as despesas do Ministério da Justiça no ano económico de 1923-1924.
Para a comissão do Orçamento.
Representação
De Eugénio Sanches da Gama, tenente de engenharia, pedindo a promoção a capitão.
Para a comissão de guerra.
Telegramas
Do Centro Comercial do Pôrto, agradecendo a aprovação das propostas relativas ao pôrto de Leixões.
Para a Secretaria.
Do Núcleo Escolar de Figueiró dos Vinhos, pedindo a inclusão do professorado na melhoria de vencimentos.
Para a Secretaria.
Da comissão executiva da Câmara Municipal de Cadaval, pedindo a aprovação das reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Da mesma, protestando contra o projecto alterando os locais e número das assembleas eleitorais do concelho.
Para a Secretaria.
Telegramas apoiando as reclamações dos católicos
Do regedor e Junta de Freguesia de Águas Santas (Póvoa de Lanhoso).
Da Junta de Freguesia de Ourendo (Covilhã).
Do clero e Associação Católica de Silvares (Fundão).
Da Confraria das Almas, de Viseu.
Da Junta de Freguesia de Guimarães.
Do pároco, Junta e Misericórdia de Esposende.
Da Junta de Freguesia de S. Matias (Nisa).
Do presidente da comissão executiva de Proença-a-Nova.
Do regedor de Silvares (Fundão).
Do clero de Fornos de Algodres.
Da Junta de Freguesia de Tamel e Carrapetos (Barcelos).
Para a Secretaria.
Admissões
Projecto de lei do Sr. António Dias, tornando aplicáveis as disposições do decreto n.º 7:878 e lei n.º 1:312 aos segundos sargentos do quadro permanente do exército, em designadas condições.
Para a comissão de guerra.
Projecto de lei do Sr. Augusto Nobre, uniformizando as designações com que figuram no Orçamento os lugares de conservador do Museu Zoológico da Universidade de Lisboa e conservadores preparadores dos Museus de Zoologia das Universidades do Pôrto e Coimbra.
Para a comissão de instrução superior.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
Tem a palavra o Sr. Leote do Rêgo.
O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente: a visita das senhoras da Cruz Vermelha, na sessão de anteontem, fez com que eu limitasse a minha resposta ao. Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas, como estou inscrito, e conquanto não esteja presente S. Ex.ª, certamente o Sr. Presidente do Ministério fará a fineza de transmitir-lhe as minhas considerações.
Disse o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que a visita do Sr. Bernardino Machado a Inglaterra, França e Bélgica não tinha sido oficial. Eu discordo completamente.
É certo que o Sr. Bernardino Machado começou por visitar o front português, mas o que é verdade é que êle foi recebido no Eliseu pelo Presidente da República Francesa, atravessou as ruas de Paris com uma escolta de honra, foi obsequiado com um banquete oficial no Eliseu, trocaram-se discursos; o mesmo sucedendo em Inglaterra. Quere dizer, não viajou incógnito.
Eu não censurei, nem de leve, o Chefe do Estado Inglês, ou Francês, por não terem retribuído essa visita. Deus me livre disso. Mas realmente, para atenuar o significado da falta de retribuição, dessa visita, estarmos nós, portugueses, a deminuir o efeito dessa visita feita pelo Presidente da República ao estrangeiro, parece-me um bocadinho forte!

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O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros referiu-se indignadamente á reprodução que fizeram alguns jornais portugueses do que os jornais americanos se permitem dizer a respeito duma pretendida cessão ou venda duma colónia portuguesa â Alemanha. Discordo inteiramente dessa indignação.
Ainda bem que há jornais portugueses que estão sempre àlerta e trazem ao conhecimento da Nação aquilo que lá fora se diz, e que, infelizmente, raras vezes é agradável para Portugal.
O jornal americano que ocupou uma das suas páginas com um assunto tam grave, com tantos detalhes o gravuras, é escrito para os americanos lerem. E ou pude constatar pelas declarações feitas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros — visto que S. Ex.ª confessou lealmente que tinha telegrafado chamando a atenção do nosso Ministro para o assunto — que êsse Ministro não cumpriu o seu dever, desmentindo categoricamente afirmações daquela natureza.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros notou com mágoa que um dos jornais mais importantes que se publicam em. Paris, e que pertence ao Sr. Clemenceau, se fez eco dêsses boatos, pelo que tinha chamado a atenção do nosso Ministro, que se dispensou de o fazer imediatamente.
Sr. Presidente: devo dizer que ninguém mais do que eu admira o Sr. João Chagas. É um homem que há quarenta anos sofreu pela República, foi deportado, e há anos recebeu três tiros pelo seu grande amor à República. Todos lhe prestamos as nossas homenagens e agradecemos êsses serviços, mas êles não podem ser de maneira nenhuma benzina para os seus erros e faltas.
Sr. Presidente: eu visito às vezes a França, leio com muita atenção e interêsse o que os jornais dêsse país dizem de Portugal, e posso assegurar que o meu coração de português tem sangrado muitas vezes por ver publicadas nesses jornais cousas abomináveis em relação a Portugal, sem que imediatamente a legação faça o necessário desmentido. Sucede ainda outras vezes, como, por exemplo, o ano passado, o Excelsior publicar um mapa sôbre os sacrifícios de dinheiro e vidas que os aliados fizeram durante a guerra, e o nome de Portugal não figurava lá, por isso que não tinham os elementos necessários. Apesar disto, a legação não se apressou a fazer a devida rectificação.
Foram alguns portugueses que, se encontrando em Paris, notaram essa falta do referido jornal, cujo director se apressou a apresentar as suas desculpas, alegando que a legação não lhe havia prestado os dados necessários.
Ainda há pouco tempo o Temps publicava uma estatística muito interessante acêrca dos mutilados da guerra, dos países aliados, e Portugal não figurava nela, porque a legação não se ocupara do assunto.
Recentemente, Sr. Presidente, também um jornal publicou uma outra estatística sôbre as perdas de navios sofridas pelos aliados, país por país e ano por ano, e Portugal não figurava lá.
Também há pouco tempo um dos jornais mais importantes publicava a notícia de que a frota mercante portuguesa ia ser vendida ao Sr. Stinnes, o que motivou que a questão fôsse imediatamente tratada no Parlamento inglês.
Igualmente, por parte da legação, não houve rectificação nenhuma quando, a propósito e na ocasião do 19 de Outubro, apareceu na imprensa francesa a notícia dizendo que estava implantada em Portugal a república bolchevista, sendo presidente um carteiro.
Mas. Sr. Presidente, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse que o Sr. João Chagas tinha a opinião de que não devia responder a estas cousas.
Sr. Presidente: o Sr. João Chagas não tem o direito de ter esta opinião. É um funcionário a quem o País paga para estar sempre vigilante e procurar por todos os meios colocar bem alto o nome do país que representa.
Ultimamente, na Sociedade das Nações, na última sessão, em que Portugal foi, por assim dizer, expulso, um grande político da França, o Sr. Juvenal, num discurso, falando dos sacrifícios dos aliados e apontando cada um dos representantes dos outros países, passou por cima do de Portugal, não lhe fazendo nenhuma referência.
Razão tinha eu para a minha moção, para que os nossos representantes des-

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mentissem as notícias que vinham nos jornais a propósito de Portugal.
Podem dizer que ganham pouco os nossos representantes. Não sei se ganham pouco, se muito, mas sei que ganham o bastante para comprarem os jornais e lerem o que êles dizem a respeito de Portugal, do seu país.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: o Sr. Leote do Rêgo fez um certo número de considerações sôbre a resposta do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a quem eu as transmitirei, mas direi que não houve propósito do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros em deminuir a viagem do Sr. Bernardino Machado.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: o assunto de que vou ocupar-me é o mesmo que pretendi tratar ontem, quando pedi a palavra para um negócio urgente.
Quero referir-me ao caso da trasladação dos ossos do Marquês de Pombal para a igreja da Memória.
Eu não quero neste momento discutir a vantagem, a oportunidade e os fins desta trasladação.
Reconhecemos no Marquês de Pombal as qualidades como os defeitos que o caracterizavam.
Evidentemente que o Marquês de Pombal prestou grandes serviços ao País; mas não são êstes serviços, que ninguém contesta, aqueles que se pretende celebrar com a trasladação dos seus ossos para Belém.
Sr. Presidente: no Diário do Govêrno de 7 do corrente foi nomeada uma comissão, composta de 24 indivíduos, para tratar da trasladação dos ossos da capela das Mercês para a igreja da Memória.
Em primeiro lugar é de estranhar que se nomeie uma comissão de 24 membros para um fim dêstes, e que dela façam parte numerosos delegados da Maçonaria, que é o seu presidente.
Isto leva a concluir que se vai dar à ceremónia uma feição que desagradará a muitíssima gente, quando é certo que se devia dar-lhe o carácter de uma homenagem nacional, desde que se reincide no êrro de se fazer a trasladação.
O Govêrno, como é justo, prometera restituir a capela das Mercês à família do Marquês. E, cumprida esta promessa, o Marquês de Pombal podia continuar ira sua jazida, sendo assim satisfeito o desejo, por êle manifestado, de ser sepultado ali.
A trasladação é feita para a igreja da Memória, situada em Belém.
É bom lembrar que esta igreja foi mandada erigir por êle próprio em comemoração do facto de o Rei D. José ter saído ileso do atentado de que foi vítima, e êste atentado, como a Câmara sabe, deu origem à execução dos Távoras.
Diz-se que o Govêrno só restitui a capela à família do Marquês se os ossos dêste saírem de lá.
Se assim é, conclui-se que o Govêrno quere transaccionar com os despojos de Pombal!
É pois estranho tudo o que se está passando, e muito lamento que se pretenda fazer uma especulação política em volta de um nome realmente grande na nossa história, quási fazendo-se dele um republicano e um maçon, quando é certo que êle o não foi.
Certamente que o País não vai dar o braço à Maçonaria para juntos acompanharem Belém o cortejo político que se projecta.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: podia dispensar-me absolutamente de pronunciar quaisquer palavras a êste respeito, sem que isso significasse menos consideração pela Câmara, visto que os Srs. Deputados que acompanharam as considerações do Sr. Cancela de Abreu puderam ter ensejo de verificar que o procedimento do Govêrno está absolutamente defendido pela circunstância de S. Ex.ª se ter referido à comissão que tive a honra de nomear, num tom que não sei se queria ser depreciativo...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Para as pessoas, de maneira nenhuma.
O Orador: — Encontra-se à frente dessa comissão o Dr. Magalhães Lima, figura bem conhecida dos portugueses, pela sua

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cultura, pelo seu espírito de extraordinária tolerância e que é no movimento republicano de Portugal uma figura que encaminha a sua acção num puro ambiente de ideólogo.
Por isso tem sido por vezes vítima de perseguições injustas.
Mas nem por isso se tem desviado por momentos duma alta linha de conduta, de princípios e ideas absolutamente justas, incapaz do intolerância dos direitos de quem quer que seja.
Bastava a comissão ter à sua frente essa gentilíssima figura de propagandista, para que tivesse merecido de parte do Sr. Cancela de Abreu, ao apreciá-la; um pouco mais de consideração e respeito.
Entendemos nomear a comissão a que S. Ex.ª se referiu, para praticar um acto que há muito vinha a ser devido à memória da grande figura histórica do Marquês de Pombal.
Não quero acompanhar S. Ex.ª na rápida apreciação que fez das qualidades do grande Marquês de Pombal, porque sou daqueles que imaginam que as figuras históricas representativas, como esta, pela sua altura e pelo colossal da sua acção, perdem todas as particularidades que porventura possam deminuir o seu valor, porque os resultados da sua acção são de tal maneira que se impõem ao respeito de todos.
E neste mesmo respeito comunga o próprio Sr. Cancela de Abreu.
Constituímos a comissão daquela maneira, sem nenhuma preocupação de carácter partidário.
Ao contrário de quanto disse o Sr. Cancela de Abreu, não se trata de uma comissão nem anti-católica, nem católica.
Trata-se dum acto de justiça, a que foram chamadas diversas pessoas sem nenhuma espécie de preocupação confissional, repito, nem carácter político.
Assim mesmo o compreenderam os próprios membros da família do grande Marquês e seus mais directos representantes, que foram os primeiros a aquiescer à manifestação que se propunha.
Desejavam apenas que, tendo sido católico o grande Marquês, a trasladação se fizesse segundo os termos da religião católica.
E tam pouco intolerantes fomos no ponto de vista confissional, que aquiesce-mos a êsse desejo, tendo deixado à família do grande Marquês a liberdade de regular em matéria religiosa a trasladação.
Êste princípio faz invalidar todas as afirmações do Sr. Cancela de Abreu, e desmente toda a tentativa de particularismo, que se quere dar a êste acto.
Manifesta um alto sentimento de tolerância, que infelizmente não podemos reconhecer nas palavras pronunciadas hoje nesta Câmara a êste propósito.
Sr. Presidente: é costume, vemos todos os dias pessoas que nos parecem empenhadas na defesa de tolerância serem as que muitas vezes menos respeitam as ideas dos outros.
Chamou S. Ex.ª ilegal à minha portaria, mas S. Ex.ª as afirmações que fez não as fundamentou, e como S. Ex.ª é um jurisconsulto e não teve argumentos para a combater, podia dispensar-me de as rebater, visto elas não se basearem em documentos jurídicos.
Trata-se de uma manifestação de alto propósito educativo para mostrar à nova geração o que valeu essa grande figura da nossa raça; foi por essa razão que o Ministério da Instrução foi encarregado dessa trasladação.
É preciso que a grande figura do Marquês de Pombal avulte na sua altura.
Creio ter respondido às observações do Sr. Cancela de Abreu, pois S. Ex.ª foi tam pobre na sua argumentação, revestiu uma simplicidade tal que eu poderia dispensar-me de responder.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Não posso concordar com as declarações do Sr. Ministro da Instrução.
O que se vai fazer é absolutamente condenável.
Entendo que as homenagens ao grande Marquês devem ser prestadas pela Nação e não pela maçonaria.
Eu reconheço qualidades no Sr. Magalhães de Lima, mas do que ninguém pode duvidar, é de que S. Ex.ª é o grão-mestre da Maçonaria Portuguesa, e por êste motivo foi eleito presidente da comissão encarregada de trasladar os ossos de Pombal, fazendo parte dela outros conhecidos maçons.
O ponto de vista do Sr. Ministro da

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Instrução foi êste: «tanto é certo que não se trata duma homenagem maçónica que a comissão não se opôs a que no acompanhamento tomasse parto um sacerdote».
Ora, isto fez-se, porque a família do Marquês o impôs. Os despojos pertencem à família; e desde que esta quere que a trasladação seja feita religiosamente, o Govêrno não pode opor-se.
Não houve generosidade ou transigência.
Disse ainda o Sr. Ministro da Instrução que ao Ministério da Instrução, e não ao da Justiça competia a trasladação porque se trata dum facto que tem um alto intuito educativo.
Mas a capela das Mercês está confiada à guarda da Repartição dos Cultos do Ministério da Justiça, e, por isso, só a êste competia tratar da trasladação.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Se, porventura, fossem pedidos ao ilustre Deputado os documentos comprovativos da afirmação de que a Câmara era composta de delegados da Maçonaria, S. Ex.ª encontrar-se-ia em embaraços para-o fazer.
Eu não disse que tinha havido generosidade; o que eu disse é que da parte da família havia um desejo a que a comissão aquiesceu, e, portanto, não houve generosidade.
Não merece a pena gastar mais palavras com esta questão.
Trata-se duma manifestação a que podem e devem associar-se todos os portugueses que realmente põem em assuntos desta natureza toda a sinceridade e espírito patriótico, e trata-se duma manifestação que não é feita com qualquer estreito propósito político ou social.
Se os monárquicos não se associarem a ela é porque o não querem fazer, e escusam de inventar pretextos pueris e infundados. A maneira como está sendo organizada essa manifestação não revela o mais pequeno propósito de hostilidades religiosas ou políticas que possa justificar tam estraordinária atitude da parte dos monárquicos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para explicações): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao Sr. Ministro da Instrução que, se nós tivéssemos de documentar cada frase que proferimos, o dossier de que teríamos de nos fazer acompanhar seria enorme, e interminável seria a sua leitura!
A afirmação que fiz há pouco, repito-a agora: os membros da comissão são na sua grande maioria filiados em lojas maçónicas.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — Eu necessitava, para as considerações que vou fazer, da presença do Presidente do Ministério, e por isso peço a V. Ex.ª a fineza de transmitir a S. Ex.ª, que sei encontrar-se no edifício do Parlamento, êste meu desejo.
O Sr. Tavares Ferreira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer ao orçamento do Ministério da Instrução.
Foi aprovado o requerimento, previamente apresentado, para que fôsse marcado para antes da ordem do dia da próxima sessão, sem prejuízo da ordem, o parecer n.º 435.
O Sr. Tôrres Garcia (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª a fineza de consultar a Câmara sôbre se consente que seja marcado para antes da ordem do dia, sem prejuízo da ordem, o parecer n.º 470, que diz respeito às leis n.ºs 1:355 e 1:356.
O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: eu entendo que o assunto precisa de ser largamente tratado, por isso que a experiência das consequências das leis n.ºs 1:355 e 1:350 tem demonstrado os inconvenientes de se ter tratado esta questão de ânimo leve.
Sou de opinião, portanto, que esta discussão seja marcada para ordem do dia e não para antes da ordem.
Tenho dito.
Consultada a Câmara, foi aprovado em prova e contraprova pedida pelo Sr. Carvalho da Silva, por 56 votos contra 7, o requerimento do Sr. Tôrres Garcia.

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O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: a aprovação do requerimento do Sr. Tôrres Garcia vem contribuir para que nós, os Deputados da minoria, não possamos exigir ao Govêrno contas dos seus actos, visto que, sendo antes da ordem do dia que nos é permitido pelo Regimento fazer qualquer pregunta ao Govêrno, êsse período vai ser ocupado pela discussão de outros assuntos.
Eu pregunto a V. Ex.ª, portanto, qual é o período da sessão que nos é indicado para podermos usar dêsse direito.
O Sr. Presidente: — Ninguém contestou a V. Ex.ª êsse direito, e o Govêrno está sempre pronto a dar as explicações que lhe são pedidas.
A êste propósito devo informar V. Ex.ª de que o Sr. Presidente do Ministério não pôde há pouco comparecer nesta casa, quando V. Ex.ª requereu a sua presença para as considerações que queria apresentar, porque se encontrava no Senado e tinha de responder ao discurso de um orador dessa casa do Parlamento.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
O Sr. José de Magalhães (sôbre a acta): — Sr. Presidente: não tendo podido, em virtude das más condições acústicas desta sala, ficar inteirado do conteúdo da acta, eu desejo preguntar a V. Ex.ª se da acta da sessão de ontem consta a afirmação feita pelo ilustre Deputado Sr. José Domingues dos Santos, a propósito do incidente parlamentar com os nacionalistas, de que «se tratava de uma fútil questão regimental», palavras textuais sublinhadas pelos apoiados de quási toda a esquerda da Câmara e pelos não apoiados da minha humilde pessoa.
Parece-me que estas afirmações do Sr. José Domingues dos Santos constituem a parte essencial do seu discurso e que, realmente, elas devem figurar na acta ou em qualquer relato.
Desejo, ao mesmo tempo, que esta minha pregunta conste da acta da sessão de hoje.
De facto, entendo que é absolutamente necessário que fique expresso na acta que se é certo que a opinião do Sr. José Domingues dos Santos é partilhada por um grande número ou talvez mesmo pela maioria das pessoas, não menos certo é que as questões de ordem regimental são consideradas como da mais alta importância por aqueles dez ou doze republicanos que ainda hoje existem em Portugal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O orador formulou a sua pregunta nos seguintes termos:
«Desejo saber se da acta da sessão de ontem (10 de Maio) consta a afirmação feita pelo Sr. José Domingues dos Santos, a propósito do incidente parlamentar «de que se tratava de uma fútil questão regimental», palavras textuais sublinhadas pelos apoiados de quási toda a esquerda da Câmara, e pelo não apoiado da minha humilde pessoa.
Desejo que esta minha pregunta conste da acta de hoje.
Em 11 de Maio de 1923. — José de Magalhães, Deputado por S. Tomé».
O Sr. Presidente: — Sr. José de Magalhães: devo-o informar que da acta da sessão de ontem não consta o que V. Ex.ª disse, mas constará da acta da sessão de hoje a pregunta de V. Ex.ª
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: duas palavras apenas, para uma declaração muito categórica.
O ilustre Deputado Sr. José de Magalhães disse que só com o seu não apoiado tinham sido acolhidas as palavras do ilustre leader da maioria, Sr. José Domingues dos Santos, quando classificou de fútil discussão regimental a questão que há três semanas traz preocupada a Câmara.
Desejo, também, que na acta fique expresso, que nós, dêste lado da Câmara, não consideramos êste incidente como uma fútil questão regimental, mas, pelo contrário, a temos como uma questão acentuadamente moral de que depende o prestígio do Parlamento.
E escusado será dizer que entendemos dever fazer esta declaração, se bem que não sejamos nenhum dos dez ou doze republicanos que o ilustre Deputado Sr.

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José de Magalhães disse ainda haver em Portugal.
Tenho dito.
É aprovada a acta.
São lidas várias últimas redacções.
O Sr. Mariano Martins (para um requerimento): — Requeiro a dispensa da última redacção do orçamento do Ministério do Comércio.
É aprovado.
ORDEM DO DIA
Orçamento do Ministério do Trabalho
São aprovadas duas emendas ao capitulo 3.º
É aprovado o capitulo 3.º, salvas as emendas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 55 Srs. Deputados e de pé 6.
Está aprovado o capítulo 3.º, salvas as emendas.
É aprovado o capítulo 4.º
É aprovada uma emenda ao capitulo 5.º
É aprovado o capitulo 5.º, salva a emenda, em prova e em contraprova requerida pelo Sr. Cancela de Abreu.
É aprovado o capitulo 6.º
Aprova-se o capitulo 7.º
Seguidamente são lidas na Mesa as emendas aos capítulos 8.º, 9.º e 10.º, que são aprovadas.
Depois são aprovados os capítulos, salvas as emendas.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o capítulo 11.º
Tem a palavra o Sr. Cancelado Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: autos de entrar nas considerações que, pretendo fazer sôbre o capítulo 11.º do orçamento do Ministério do Trabalho, visto que está ocupando a atenção dá Câmara, eu quero explicar a razão da nossa atitude de ontem à noite, saindo desta sala.
E, Sr. Presidente, em bem poucas palavras a explicarei.
Tendo a minoria monárquica conhecimento de que eram postos de lado, sem votação, os capítulos 2.º e 3.º, recolheu a impressão, que aliás, à verdade correspondia, do que se entrava num regime de discussão ilegal.
E assim não podia, coerentes com as suas declarações anteriores, permanecer na Câmara.
Por isso saímos da sala.
Nesta explicação vai a resposta aos. Srs. José Domingues dos Santos e Velhinho Correia que, em àpartes, quando nós saímos, comentaram infundadamente a nossa atitude.
Li nos jornais que não houve discussão alguma sôbre os capítulos 1.º a 10.º
Apenas o Sr. Alberto Cruz, por uma questão do regionalismo muito louvável, só pronunciou sôbre o capítulo que trata dos serviços de saúde.
Não sucederia assim se a minoria monárquica estivesse presente, pois nós tencionávamos discutir todos os capítulos, e muito principalmente os que tratam dos importantíssimos serviços de saúde e nomeadamente os serviços hospitalares.
Quando se discutir o capítulo que trata das verbas de despesas extraordinárias, direi ainda alguma cousa sôbre êstes serviços.
Ao capítulo 11.º, se fôsse já considerado discutido, referir-me-ia quando se discutisse o orçamento do Instituto de Seguros Sociais; mas como êle está em discussão aproveito a oportunidade para dizer ao meu querido amigo e condiscípulo Sr. Rocha Saraiva, Ministro do Trabalho, que nas considerações que fiz acêrca do pessoal do seu Ministério e do pessoal dos serviços do Instituto de Seguros Sociais há que ressalvar as excepções, como o são as pessoas que S. Ex.ª citou.
Eu fiz considerações de ordem geral, reconhecendo que o principal mal de que enferma o Ministério do Trabalho proveio do haver sido nomeado para, os seus serviços um número de empregados muito superior do que seria preciso, e ainda com a agravante de em grande parte êsses empregados serem inábeis.
Todos nós sabemos que a maioria das nomeações feitas é consequência dos famosos 30 suplementos.
Na prática nada vemos que corres-

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ponda aos pomposos serviços atribuídos ao Ministério do Trabalho, nem que nos dê a convicção de que seja indispensável a existência de tal Ministério. E há serviços que melhor caberiam no Ministério do Comércio.
Os serviços de assistência deveriam voltar ao Ministério do Interior.
Os serviços que mais se relacionassem com o fomento do País, deveriam ser entregues ao Ministério do Comércio, formando-se o Ministério da Economia Nacional ou novamente o Ministério do Fomento.
Quanto ao Instituto de Seguros Sociais, ocupar-me hei mais especialmente dele quando vier à discussão o seu orçamento.
Entretanto, desde já alguma cousa vou dizer a respeito dêsse organismo, porque receio que não haja número para votações quando êle vier à discussão e assim ou tenho que abandonar esta sala, de harmonia com a declaração que fizemos.
O Instituto de Seguros Sociais, organizado nos 30 suplementos ao Diário do Govêrno de 10 de Maio do 1919, não tem correspondido de nenhum modo ao fim para que foi criado.
A prova de que assim é dá-a a comissão do Orçamento do ano passado, no seu parecer, de que foi relator o Sr. João Luís Ricardo.
Os serviços de assistência estão cada vez piores.
O Ministério do Trabalho nada tem feito para os melhorar.
A miséria é tanta, que está facilitando àqueles que dela se aproveitam toda a casta de especulações.
Para o provar basta dizer que os prestamistas do Lisboa àqueles que são obrigados a empenhar a camisa lhes levam o «médico» juro de 10 por cento ao mês, ou sejam 120 por cento ao ano!
Os mais pobres são os mais explorados.
Pode esta situação prolongar-se?
Tenho dito.
O Sr. João Luís Ricardo: — Requeiro que juntamente com o artigo 11.º se discuta o capítulo de receitas do orçamento do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios. Tenho dito.
Foi aprovado e entrou em discussão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: figura neste capítulo a verba que é cobrada aos Bancos.
Há uma lei que regula a aplicação aos Bancos de um imposto destinado ao Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios, a fim de ser distribuído às Misericórdias e outras instituições.
Peço ao Sr. Ministro do Trabalho ou ao Sr. relator o favor de me dizerem, quando usarem da palavra, quais são as instituições de beneficência a que foi destinada esta verba.
A idea que presidiu à votação daquele imposto foi com destino a beneficiar as misericórdias e os hospitais.
É necessário que isto se cumpra.
O Sr. João Luís Ricardo: — Sr. Presidente: vou procurar ser o mais rápido possível respondendo aos Srs. Deputados que se referiram a algumas verbas dêste orçamento.
Permita-me a Câmara que registe os agradecimentos às palavras de elogio que me foram dirigidas.
Começa-se a fazer a devida justiça a um organismo que foi instituído na República e que, por circunstâncias várias, não pôde todavia até agora satisfazer cabalmente à sua função.
Registo o facto porque êle mostra que começa a ter interêsse a grande obra social que a República tem de fazer, e devo dizer que não é só no Parlamento que se têm ouvido palavras de elogio para essa instituição da República.
O assunto desta instituição social foi nesta Câmara já tratado pelos meus colegas Srs. Carlos Pereira, Alberto Cruz e outros. O problema não só sob o ponto de vista social, mas de assistência, devo interessar não só ao Parlamento mas a toda a Nação.
É desnecessário dizer que não há País progressivo que não trate da questão da assistência, nos devidos termos em que a palavra deve ser tomada.
Não há possibilidade de haver uma nação progressiva quando não se trate de atender a todos os valores sociais que compõem essa Nação.
Para isso é também necessário acompanhar e auxiliar os seus indivíduos desde o ventre materno, até todo o seguimento da sua vida.

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A legislação sôbre assistência que esta actualmente em vigor é já obra da República.
Não sucede outro tanto com a legislação social, a que se refere às associações de classe, às cooperativas e às associações mutualistas.
O Sr. Carlos Pereira no seu eloquente discurso de ontem manifestou, e muito bem, a necessidade absoluta que há em que a República, democrática como é, ponha essa legislação a par do direito social moderno.
Eu devo dizer com toda a franqueza que a culpa de não existir essa legislação traduzindo obra da República é exclusivamente do Parlamento que deixa que algumas propostas que já lhe foram presentes durmam o sono dos justos nas respectivas comissões.
Não há Ministro do Trabalho nenhum que não tenha renovado a iniciativa dessas propostas, mas de nada isso tem servido.
A culpa é pois do Parlamento e de mais ninguém.
E o que sucede com essas propostas sôbre legislação social dá-se com outras propostas também aqui presentes, de altíssima importância para o desenvolvimento do Instituto de Seguros Sociais.
Uma dessas propostas refere-se à participação do Estado na indústria dos seguros, forma pela qual se poderá obter a quantia mínima de 15:000 contos para a assistência pública.
Uma outra refere-se à nacionalização dos seguros, que actualmente é um factor de saída de ouro para fora e, portanto, um factor da depreciação da nossa moeda.
Há ainda a proposta do seguro dos bens do Estado, feito pelo próprio Estado. Pois todas estas propostas dormem nas comissões.
Não discuto nesta hora se o Ministério deve ser extinto ou não, mas o que digo é que, se nem todos os serviços nele integrados têm praticamente correspondido à função para que foram criados, isso é culpa de quem lhes não faculta os meios de acção.
Torna-se absolutamente necessário, Sr. Presidente, criar uma situação financeira apropriada a essa administração, pois a verdade é que sem ela nada se poderá fazer.
É esta a orientação que se deverá seguir, isto é necessário se torna criar uma receita própria para cr Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios, pois a verdade é que a sua situação financeira é muito reduzida, não dando margem nenhuma para se poder melhorar até certo ponto a assistência pública.
É esta a orientação que tem de seguir o Ministro da respectiva pasta, e neste ponto, Sr. Presidente, eu não posso deixar de prestar aqui a minha homenagem, e a minha maior consideração, pela boa vontade e os maiores esfôrços empregados pelo ilustre Deputado Sr. Vasco Borges, quando Ministro do Trabalho.
A acção do Sr. Vasco Borges foi das mais louváveis, pois a verdade é que S. Ex.ª com os conhecimentos que possui, com a sua energia e com o estudo profundo que fez do assunto alguma cousa conseguiu.
S. Ex.ª tinha estudado um programa no sentido de se reformar a assistência, organizando todas as maternidades, procurando para isso criar novas receitas para poder executar êsse programa.
Sem desprimor, pois, para com qualquer dos outros Ministros que têm ocupado a pasta do Trabalho, eu não posso deixar de salientar e de louvar os esfôrços empregados pelo ilustre Deputado Sr. Vasco Borges, visto que S. Ex.ª na realidade pretendia fazer uma obra útil para o país.
Respondendo, Sr. Presidente, nesta parte ao ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu, eu devo dizer que foi exactamente em virtude desta disposição que V. Ex.ª encontrou no Diário do Govêrno, creio que de segunda feira passada, o diploma a que se referiu, pois a verdade é que essa verba destina-se a todas as casas de assistência do país, e não exclusivamente às misericórdias e hospitais.
S. Ex.ª está em êrro, visto que essa verba não é consignada ao fim a que S. Ex.ª se referiu.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Ex.ª que tem apenas dois minutos para concluir as suas considerações.
O Orador: — Eu termino já as minhas considerações, enviando para a Mesa as seguintes propostas que passo a ler.

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Propostas
Proponho que no capítulo 1.º das receitas a verba de 1:200 contos da rubrica «Receita da alínea c) do artigo 101.º do decreto com fôrça de lei n.º 5:640, etc. do artigo 1.º, seja elevada a 2:000 contos e por contrapartida se inscreva no capítulo 2.º da despesa, artigo 21.º -A, a seguinte rubrica e verba:
«Para pagamento do juro o anuidade de um empréstimo até a quantia de 20:000 contos a contrair pelo Conselho do Administração do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios com a Caixa Geral de Depósitos ou qualquer outra entidade e destinado à conclusão da maternidade de Lisboa, do novo manicómio de Lisboa, do Manicómio da Serra de Coimbra e a intensificar a luta contra a tuberculose, 800 contos. — João Luís Ricardo.
Proponho que no capítulo 1.º, artigo 1.º, seja fixado em 41 o número de praticantes em vez de 43, e a respectiva verba seja fixada em 29. 520$.
Em 11 de Maio de 1923. — João Luís Ricardo.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: o ano passado ao discutir-se o orçamento do Ministério do Trabalho tomei alguns minutos a esta Câmara; esforçando-me por o melhorar tanto quanto possível; porém, inútil foi o esfôrço que empreguei, visto que a Câmara não executou nenhuma das alterações que eu tinha proposto, as quais no emtanto foram mais tarde introduzidas no Senado.
Isto vem a propósito, Sr. Presidente, para dizer que muito pouco tempo tomarei à Câmara na análise que voa fazer sôbre o capítulo do orçamento que se encontra em discussão.
Dir-se há, Sr. Presidente, que temos muito boa legislação; porém, no que diz respeito a assistência eu devo dizer que os resultados não têm sido nada práticos, pois a verdade é que toda a legislação que temos relativamente a seguros sociais obrigatórios existe quási toda somente no papel.
O ano passado tive ocasião de frisar e o Sr. João Luís Ricardo concordou que é precisamente no organismo dos Seguros Sociais Obrigatórios que se encontra o maior número de funcionários que não têm competência, que não têm trabalho, que não têm nada que fazer e estão apenas a gastar dinheiro ao Estado. Passou um ano e a chamada comissão de remodelação dos serviços públicos nada fez o a situação é a mesma.
Temos as mesmas 22 dactilógrafas, o mesmo numeroso pessoal a receber dinheiro ao Estado, existindo um Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios que segura os funcionários e assiste ao pessoal numeroso de previdência e assistência.
Assistência nenhuma presta e, se distribui algum do dinheiro, fá-lo por uma forma que não tem critério legal a que obedeça.
Não há nenhum critério de justiça que presida à distribuïção de subsídios. Os Seguros Sociais Obrigatórios fazem esta distribuïção como muito bem entendem.
Disse o ilustre Deputado Sr. João Luís Ricardo que não existe assistência em Portugal.
Infelizmente não existe, ou, por outra, existe alguma assistência, mas o Estado tem procurado matá-la a pouco o pouco, asfixiando-a cada vez mais.
O Sr. João Luís Ricardo: — Não apoiado!
O Orador: — A maior parte dos hospitais e misericórdias estão impedidos de realizar a sua função, porque o Estado lhes roubou as suas receitas.
O Sr. João Luís Ricardo: — Não apoiado!
Se os hospitais e misericórdias não podem continuar a desempenhar desafogadamente a sua função, é porque se tem feito política no caso, é porque os senhores monárquicos não têm continuado a crestar o auxílio que prestavam.
O Orador: — Não é absolutamente assim, como provarei. A maior parte dos hospitais e das misericórdias estão até sob a administração de republicanos que estão de acôrdo comigo e não com V. Ex.ª
A principal fonte de receita são as inscrições do Estado, que êste desvalorizou.
Há até uma responsabilidade especial que cai sôbre esta Câmara, porque tendo eu apresentado um projecto de lei sôbre

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a situação aflitiva dos hospitais e das misericórdias, cuja aprovação era urgente, a respectiva comissão a que está afecto nada resolveu.
Nesse projecto de lei se procurava remediar a situação aflitiva dos hospitais e misericórdias que toda a Câmara reconhecia como tal.
Já se apresentou um projecto de lei melhor?
Já se discutiu êste assunto?
Já se tratou dele?
O que fez a comissão de finanças, em cujo seio dorme?
Absolutamente ruída.
Os rendimentos faltam aos hospitais e misericórdias porque o Estado desvalorizou a sua principal fonte, o rendimento das inscrições.
Se o Estado nada fez para indemnizai-as misericórdias e hospitais da desvalorização sofrida é ou não verdade que foi o Estado que defraudou essas instituições dos seus rendimentos, impedindo-as de continuarem a prestar os seus benefícios de assistência e até contribuindo para que pouco a pouco as instituições existentes espalhadas por todo o país cessem absolutamente de prestar os benefícios que prestavam e que nenhuma outra pode substituir?
Por consequência disse bem o Sr. João Luís Ricardo: em Portugal não existe assistência pública e, se existe — porque a tivemos, como nenhum país do mundo — está sendo asfixiada pelo Estado, pela incúria do Estado.
O Sr. João Luís Ricardo: — Não apoiado!
Não é verdade!
O Orador: — Então conteste os factos que acabo de expor.
O Sr. João Luís Ricardo: — Contestarei, sim senhor.
O Orador: — O Estado não fez cousa nenhuma para melhorar a sorte das misericórdias.
O Sr. João Luís Ricardo: — Não apoiado!
O Orador (dirigindo-se ao Sr. João Luís Ricardo): — E direi ainda que um dos grandes responsáveis pela falta de subsídios condignos para as misericórdias poderem viver é V. Ex.ª
Faço esta acusação e vou prová-la.
O Sr. João Luís Ricardo estabeleceu na distribuïção dos subsídios o seguinte critério:
Os subsídios são dados às misericórdias de harmonia com os deficits dos seus orçamentos.
Muito bem! Mas sabe S. Ex.ª, ou, se o não sabe, deveria saber, que nenhum provedor pode apresentar um orçamento que não seja equilibrado, sob pena decair debaixo da alçada da lei administrativa. De maneira que as misericórdias, ou os provedores vêem-se embaraçados porque, para cumprirem a lei, apresentam o orçamento equilibrado e fazem-no deminuindo os benefícios que podiam prestar, mas neste caso não têm direito a subsídio, pois êste é regulado pelo deficit e nesse caso deixam de cumprir a lei.
Sei de algumas misericórdias que têm realmente deficits e que não recebem subsídio condigno porque para satisfazerem à lei administrativa têm de equilibrar os orçamentos.
O Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e Providência Social pede os orçamentos das misericórdias para por eles regular os subsídios. As misericórdias tem de apresentar os orçamentos equilibrados. E então o Instituto de Seguros Obrigatórios diz:
«Não precisam nada. Não têm deficits!»
Por isso as misericórdias vêem-se obrigadas a apresentar um orçamento legal, sem deficit, ficando de fora os seus encargos e por conseguinte com o seu deficit por fora que não consta dos seus orçamentos, visto que a lei não permite que apresentem orçamento desequilibrado.
Eis a triste situação em que têm estado as misericórdias.
Pregunto com que direito continua esta situação absolutamente injustificável de não haver um critério legal a que tem, de subordinar-se a distribuïção de subsídio?
Porque razão é que o Estado não toma conta a valer dos rendimentos que realmente tinham as misericórdias e que lhes garantiam os seus encargos?

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Os hospitais e misericórdias tinham os seus rendimentos garantidos pelas inscrições que foram desvalorizadas pelo próprio Estado.
Na distribuïção dos subsídios aos hospitais e misericórdias devia haver um critério de justiça para todos, visto o Estado ter desvalorizado os títulos pertencentes a essas instituições de beneficência, deixando de pagar, conforme prometera.
O Sr. João Luís Ricardo: — Não foi por culpa do Estado. A culpa foi das misericórdias.
O Orador: — Quem sofre são os milhares de desgraçados que ficam sem assistência por êsse país fora, e estando o País a pagar contribuições cada vez maiores, aumentando assim a miséria, o Estado, desprovido de assistência, vê a morte apossar-se a pouco e pouco dos institutos de assistência que existiam em quási todas as cidades e vilas de Portugal.
O que é facto é que não existe assistência conveniente feita pelo Estado e a quê existe é má, é péssima, não tem administração (Não apoiados), e se não fôsse a assistência particular, muito mais improfícua seria a assistência do Estado, essa assistência que só existe na lei e assim, já eu o ano passado tive ocasião de o demonstrar, não existe nada.
Não apoiados.
O Sr. João Luís Ricardo: — Porque os que deviam pagar, não pagavam, eram os Bancos e hoje já pagam.
O Orador: — E o que é que lucraram os institutos?
O Sr. João Luís Ricardo: — Lucraram receber dois mil e tantos contos. V. Ex.ª queria um critério pessoal.
Vários àpartes.
O Orador: — Não, Sr. Deputado, o que eu queria era um critério de justiça.
O Estado não faz favor indemnizando, faz apenas justiça.
Bem sei que os desgraçados não se impõem, não vêm aqui exercer coacção. (Apoiados). Êsses milhões de desgraçados não vêm aqui para as galerias berrar (Apoiados), e por isso não se lhes faz justiça, porque êles têm a voz fraca e por isso não lhes é feita justiça.
Há um ano e meio que eu apresentei um projecto que dorme nas comissões, ùnicamente porque foi apresentado por um Deputado que não é da maioria.
Não apoiados.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Pela mesma razão por que ainda não foram aprovados projectos meus.
O Orador: — Sr. Presidente: eu não tenho culpa de que me fizessem desviar daquele tom de serenidade em que eu queria ter feito as minhas ligeiras considerações sôbre os assuntos dos seguros sociais obrigatórios, mas quando se invoca um critério de justiça, que há muito tempo devia ser transformado em lei, e se nos diz que êsse critério é pessoal e particular, positivamente eu não tenho culpa de que não possa conter os meus nervos e não possa em nome da razão, não da razão minha, mas daquela que assiste àqueles que represento nesta casa do Parlamento, não posso, repito, deixar de dizer que êles têm direito a ser olhados com outro critério e outro espírito de justiça.
Todos são portugueses, não o sendo apenas aqueles que estão mais perto dos Ministérios, aqueles que podem fazer-se ouvir em volta do Parlamento.
Têm-se votado subvenções a toda a gente, a todos os funcionários, porque se não há-de olhar um pouco para os pobres e miseráveis que não têm outros recursos senão êsses institutos de beneficência que os seus avós criaram, que estão nas suas terras e que se estão mal é devido ao próprio Estado, tendo êste o dever de os indemnizar de todos os gravames que lhes tem feito.
Isto não tem resposta.
Em qualquer país em que as cousas se olhassem a sério, êste assumpto teria sido resolvido em oito dias.
Sr. Presidente: embora muito respeite a opinião do Sr. João Luís Ricardo, quando em palavras elevadas, e em retórica sublimada augura num futuro próximo que teremos um esplendor de assistência no país quando se cumprirem as leis decretadas e outras que venham a ser de-

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cretadas, eu direi a S. Ex.ª que considero um critério profundamente erróneo o supor que há-de ser o Estado que há-de exercer a assistência, profundamente erróneo e reprovado hoje por qual quer pensador ou legislador...
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª não está autorizado a pôr na minha boca afirmações que não fiz.
Eu não disse que o Estado havia de ser o único a fazer assistência; isso seria a prova mais cabal do meu desconhecimento em assuntos dessa ordem, e eu não dou a V. Ex.ª autoridade para reconhecer a minha incompetência.
O Orador: — Curvo-me perante o atestado de incompetência que acaba de me ser passado por S. Ex.ª
Eu ainda nenhuma afirmação ainda fiz da sua competência ou incompetência.
Nas minhas palavras quis afastar toda a questão pessoal, toda e qualquer observação ou afirmação que pudesse envolver a pessoa de Sr. João Luís Ricardo; não direi o mesmo quanto ao exercício do seu papel de funcionário, porque isso está sujeito à livre critica, aqui e em toda a parte.
Na parte pròpriamente pessoal, da sua competência ou incompetência, repito, não quis nem quero entrar nesse caminho e se S. Ex.ª me permite, direi até que tenho do S. Ex.ª a impressão de que é muito competente, possuidor de muitas qualidades, mas essa impressão quanto à pessoa do S. Ex.ª não quere dizer que considere a última palavra de sabedoria, aquilo que está fazendo nos Seguros Sociais Obrigatórios...
O Sr. Presidente: — Previno V. Ex.ª de que faltam apenas cinco minutos para concluir as suas considerações.
O Orador: — Quando V. Ex.ª me disser que deu a hora, terminarei as minhas considerações.
Sr. Presidente: ia eu dizendo que considero inteiramente erróneo o critério que se quere estabelecer de subordinar a assistência inteiramente ao Estado ou duma maneira predominante a assistência ser exercida pelo Estado.
O papel do Estado moderno é fomentar a assistência, isso sim, substituir em parte quando ela falte inteiramente, auxiliar e desenvolver os institutos particulares, dar-lhes facilidades para que êles se criem e desenvolvam, procurar a pouco e pouco limitar a sua acção exclusivamente à assistência feita por particulares.
Êste é o grande critério a seguir, e toda a obra dos institutos de Seguros Sociais Obrigatórios está inteiramente desviada dêste critério.
O Sr. João Luís Ricardo: — Anda em volta disso e mais nada.
O Orador: — Está inteiramente desviada dêste critério.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Serafim de Barros: — Há misericórdias no norte do País que teriam fechado as suas portas se não fôsse o socorro que lhes tem sido prestado pelos institutos de Seguros Sociais Obrigatórios.
O Orador: — V. Ex.ª vai ver no distrito da Guarda, e cito êsse porque conheço.
O Sr. João Luís Ricardo: — É bairrista; trata-se de política.
Ora essas influências políticas é que se torna necessário que acabem.
O Orador: — Por isso mesmo, para que acabe a influência política, é que eu quero que haja um critério estabelecido por lei, e que êsse critério não dependa nem da boa vontade, nem da má vontade de ninguém, mas que dependa ùnicamente da lei.
O Sr. João Luís Ricardo: — Eu não tenho dúvida em dar razão ai S. Ex.ª se me demonstrar que houve subsídios distribuídos de má vontade ou por influências políticas.
O Orador: — Toda a obra realizada o ano passado pelo Senado não foi mais do que uma obra exclusivamente política, de resto sancionada por V. Ex.ª
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª atingiu o limite de tempo de que dispunha para falar.

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O Orador: — Submeto-me e dou por isso por terminadas as minhas considerações.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Só por um dever de cortesia para com o ilustre Deputado Sr. Dinis da Fonseca, eu respondo a S. Ex.ª e digo só por um dever de cortesia porque, de facto, as considerações feitas por S. Ex.ª não tiveram pròpriamente um carácter orçamental; foram considerações mais a propósito duma remodelação dos serviços do assistência do que das verbas do Orçamento relativas a êsses serviços.
Eu reconheço que efectivamente a iniciativa particular muito tem feito em matéria de assistência, e, porque reconheço a sua obra, eu entendo que é dever do Estado alentar o mais possível essa iniciativa.
Mas isto não quero dizer que não haja assistência pública; as próprias palavras do ilustre Deputado em favor dos desgraçados são uma calorosa defesa da intervenção do Estado nos serviços de assistência.
Sustentou, depois, S. Ex.ª a necessidade, o dever de o Estado acudir à situação crítica em que se encontram os diferentes estabelecimentos particulares de assistência.
Sem dúvida, o Estado tem o dever de olhar, auxiliando-os e protegendo-os, pelos diferentes estabelecimentos particulares de assistência.
De resto o Estado assim tem procedido; simplesmente o Estado não está, por sua vez, em condições que lhe permitam dispender êsse auxílio e essa protecção com aquela amplitude que todos nós desejaríamos.
Quanto às observações feitas pelo Sr. Dinis da Fonseca, relativamente à demora que tem havido na apreciação do seu projecto de resolução do problema da assistência, eu sou o primeiro a lamentar que êle não tenha seguido os seus tramites porque certamente, êle representaria um apreciável elemento de estudo.
Eis, Sr. Presidente, o que tenho a responder ao ilustre Deputado Sr. Dinis da Fonseca.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não me alongarei, Sr. Presidente, na apreciação dêste capítulo.
No emtanto não posso deixar de pôr mais uma vez em evidência o facto da intervenção do Estado em muitos serviços só servir para os anarquizar e destruir.
Disse o Sr. Ministro do Trabalho e muito bem que a beneficência particular tem prestado no País relevantíssimos serviços.
Pena é que a República na sua fúria demolidora não consiga senão atentar contra os direitos de todos os beneméritos que à assistência têm dedicado desinteressadamente grande parte das suas fortunas.
Sr. Presidente: olhando para êste orçamento, o que vemos?
Vemos uma grande assistência, mas uma grande assistência a numerosíssimos funcionários e nada mais.
A República precisa tratar a sério das instituições de previdência e dos seguros sociais, como antes de cair a monarquia se tratou.
Pela proposta do Sr. relator a verba de 1:200 contos passa a 2:000, o que representa um aumento de 800 contos. É norma da República aumentar impostos. A minoria monárquica embora não concorde com o aumento de imposto, pois entende que melhor seria diminuir as despesas, reconhece que é justo o fim que esta verba tem em vista: a terminação de vários edifícios destinados a manicómios e ao acabamento do edifício da Maternidade.
Não damos o nosso voto ao aumento da verba, mas reconhecemos a necessidade de cumprir o fim que se tem em vista. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Plínio Silva (em nome da comissão de obrou públicas e minas): — Mando para a Mesa um parecer.
O Sr. Presidente leu a substituição de um vogal na comissão de obras públicas e minas.
Foi lida na Mesa a proposta do Sr. João Luís Ricardo.
Foi aprovado o capitulo 11.º, salvo as emendas, do orçamento do Ministério do Trabalho.

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O Sr. Presidente: — Está em discussão o capítulo 1.º das despesas.
Como não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito, vai votar-se.
Foi aprovado o capitulo 1.º das despesas, assim como a proposta do Sr. João Luís Ricardo.
O Sr. Presidente: — Está em discussão o capítulo 2.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: o capítulo 2.º é realmente o mais importante dêste orçamento.
Se tivesse usado da palavra sôbre o capítulo 1.º teria dito ao ilustre relator e ao Sr. Ministro do Trabalho que a supressão de lugares não se devia limitar ao que o Sr. relator propõe, mas sim ir mais longe.
Eu suprimiria, pelo menos, emquanto não estivessem regulamentados os serviços de seguros sociais, os lugares relativos aos serviços que não estão funcionando.
Pode dizer-se que os únicos serviços que funcionam são os relativos aos desastres no trabalho; mas êsses mesmos estão funcionando ainda sem a respectiva regulamentação e até, cousa curiosa, tendo sido publicado o decreto n.º 4:288, de 9 de Março de 1918, que ordenou no artigo 182.º que o Govêrno publicasse a tabela das incapacidades, até hoje essa tabela não surgiu!
Há cinco anos, ainda não houve tempo de publicar a tabela oficial de incapacidade.
Daí resulta que no exame dos sinistrados o grau de incapacidade é arbitrariamente determinado pelos médicos que geralmente se servem da tabela de Boardell. Chamo a atenção do Sr. Ministro para êste caso.
Sr. Presidente: quanto a lugares desejo ainda chamar a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para o exagerado número de vogais que compõem o conselho de Administração dos Seguros Sociais.
Êste número pode e deve ser reduzido a menos de metade.
É escandaloso que se mantenham os 11 vogais. Tenho dito.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: desejo começar por agradecer ao ilustre Ministro do Trabalho a deferência que há pouco teve para comigo, dignando-se responder a algumas observações que eu tinha feito.
Reconheço que o Sr. Ministro do Trabalho é uma pessoa cheia de competência e de boa vontade e que se de S. Ex.ª dependesse exclusivamente a remodelação dos serviços no que respeita a assistência e previdência, S. Ex.ª poria a direito êstes ramos de serviço público.
Disse S. Ex.ª, pelo que respeita à matéria dêste capítulo, que as misericórdias sofrem da crise geral, e que o Estado também sofre.
Ora, há uma pequena diferença, e essa é que o Estado tem meios para poder aumentar as suas receitas, como seja lançamento de contribuições, etc., e as misericórdias não têm êsses meios, e apenas o que fazem, devido à falta de recursos, é assumirem os benefícios que prestam.
De resto, agradeço, repito, a atenção do Sr. Ministro do Trabalho, e para mostrar ao Sr. João Luís Ricardo que nas observações que há pouco fiz não havia da minha parte qualquer intuito de questão pessoal, eu devo dizer que estou de acôrdo com S. Ex.ª no que respeita ao fundo de defesa colectiva contra a tuberculose.
Esta doença está tomando um desenvolvimento assustador.
Há terras onde se contam por centenas, os atacados por tam terrível flagelo.
É êste um dos pontos que necessitam da atenção do Estado, não tendo só de atender às vítimas, mas também ao depauperamente dos filhos dos indivíduos atacados pela tuberculose.
A prática mostra que o filho do tuberculoso vem atacado de modo que pode contrair a doença com facilidade.
É o que dizem as pessoas autorizadas, e assim eu desejo chamar a atenção de todos para êste problema que pode ter aspectos vários.
Ao primeiro aspecto, adoptar-se há o preventivo contra o contágio da doença para que não se alargue além do natural.
O segundo aspecto respeita à defesa das localidades onde os doentes se acumulam em larga escala para tratamento da doença, como sucede nalguns pontos do norte do País, e perto de Lisboa na região de Belas e sobretudo na região que

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se considera mais própria para a cura, a Guarda.
Neste ponto inteira razão tem o Sr. João Luís Ricardo pedindo toda a atenção para o problema, e propondo o aumento da verba para defesa sanitária contra a tuberculoso.
O que seria duma grande conveniência, a meu ver, Sr. Presidente, é que junto de cada sanatório existisse um pavilhão para pobres.
No sanatório da Guarda existe êsse pavilhão; luta, porém, com falta de recursos para poder funcionar.
Seria êsse um modo para evitar tanto quanto possível a propagação da tuberculose.
Seria, pois, duma grande vantagem, não só para a defesa da propagação da tuberculose, como para todos aqueles que não têm meios para ir para qualquer sanatório, a criação dêsses pavilhões para pobres juntos das sanatórios que já existem em Portugal, e neste ponto devo dizer que estou inteiramente de acôrdo com todos aqueles que dizem que a verba consignada no orçamento é deficiente, deficiência alarmada agora, até certo ponto, com a proposta enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado o Sr. João Luís Ricardo.
Tenho dito.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: absoluta razão tem o meu ilustre colega e amigo o Sr. Cancela de Abreu quando insistia com o Sr. Ministro do Trabalho para que faca publicar sem demora a tabela de avaliações, a fim de que os tribunais, quando sejam chamados a resolver qualquer assunto, tenham uma bitola, uma medida pela qual se possam regular.
Sr. Presidente: desde 1918, se não estou em êrro, que está por decretar essa tabela, devendo isso certamente ser devido, conforme foi dito já dêste lado da Câmara, a não se ferem encontrado ainda no País as capacidades necessárias para formularem essa tabela.
Eu, Sr. Presidente, devo lembrar ao Sr. Ministro do Trabalho que essa tabela, a meu ver, devo ser muito mais completa, pois a verdade é que o assunto é muito complexo.
Tem de se atender às várias profissões e aos órgãos que mais falta possam fazer ao exercício das suas funções, pois a verdade é que profissões há em que o órgão mais apontado é por exemplo o braço ou a perna e noutras seja o ouvido.
Sr. Presidente: estando em discussão juntamente com o capítulo 2.º dos Seguros Sociais Obrigatórios todo o capitulo 11.º do Ministério do Trabalho, eu chamarei também a atenção do Sr. Ministro para a rubrica das despesas improvisas.
O orçamento é, por essência e definição, o documento no qual se prevêem as despesas e as receitas do Estado, e nele não se pode, natural e consequentemente, inserir senão aquelas receitas que são de prever, por corresponderem a impostos já votados, e aquelas despesas que também são de prever por corresponderem a despesas também autorizadas.
Não faz, por consequência, sentido a inserção duma rubrica de despesas imprevistas.
Eu descortino um pouco qual foi o intuito do autor dêste orçamento ao inscrever sob esta rubrica uma determinada quantia, porque podem efectivamente existir despesas que não e fácil prever com antecedência, mas que se torna necessário efectivar.
Não faz, contudo, sentido, repito-o, que haja uma rubrica de despesas imprevistas, porque se fossem imprevistas não podiam mencionar-se.
Êste orçamento, como de resto todos os orçamentos, é muito defeituoso.
Assim, por exemplo, encontramos no orçamento dêste Ministério verbas destinadas construção de obras, como sejam a construção dum manicómio e da Maternidade Dr. Alfredo Costa.
Não faz sentido que seja no orçamento do Ministério do Trabalho que estas verbas se incluam, quando existe um outro Ministério que tem uma repartição especial que trata exclusivamente da construção dos edifícios do Estado.
Êsse Ministério, como a Câmara sabe, e o do Comércio e a repartição a que me refiro é a Direcção Geral de Construções e Reparações dos Edifícios Públicos.
Sr. Presidente: a propósito dêste capítulo 2.º haveria ainda considerações de ordem geral a fazer, que eu omito, por-

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que já foram produzidas dêste lado da Câmara com a proficiência que os meus ilustres colegas costumam pôr em todos os assuntos de que se encarregam.
Não é admissível, realmente, que no Orçamento apareça êste estendal de despesas a propósito dos Seguros Sociais Obrigatórios, para uma organização de serviços que foi prevista para o estabelecimento de todos êsses seguros, tanto da invalidez, como da velhice, como o denominado da sobrevivência, e que mantém apenas de pé esta parte mínima das suas funções, que é a dos acidentes de trabalho.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: em resposta às considerações do Sr. Cancela de Abreu, devo dizer que realmente a tabela das incapacidades não está ainda decretada, embora esteja já elaborada.
É certo que decorreram já cinco anos depois que se pensou em fazer a sua publicação; mas a publicação dessa tabela, em França, demorou 20 anos.
Trata-se dum assunto de carácter técnico, em que eu me limito a agrupar e coligir os elementos que me são dados, mas creio poder informar a Câmara de que essa tabela vai em breve ser publicada.
Quanto ao número excessivo de vogais do Conselho de Previdência Social, concordo em que na verdade existe um excesso e espero que, na remodelação dos serviços públicos, se reduza o número dêsses funcionários.
Relativamente às considerações de carácter pròpriamente de técnica orçamental, feitas pelo Sr. Morais Carvalho — visto que parte do seu discurso foi a repetição do que já tinha dito o Sr. Cancela de Abreu — devo dizer que também não reputo muito correcta a designação de «Despesas imprevistas»; em todo caso compreende-se que o que se quere dizer é despesas que não foram determinadas.
Creio que não merece a pena alterar essa designação que, embora não seja muito concreta, está em todo o caso consagrada pelo uso.
Quanto às outras considerações que S. Ex.ª fez, dizendo que as verbas para obras não deveriam ser incluídas no orçamento do Ministério do Trabalho, mas no do Comércio, a verdade é que essas palavras teriam tido lugar na ocasião da elaboração do novo orçamento; mas agora, que já está votado o orçamento do Ministério do Comércio, não há nada a fazer.
Tratando-se, porém, de obras que dizem respeito ao meu Ministério, foi êsse o motivo que determinou a inclusão no orçamento do Ministério do Trabalho dessas verbas.
Com respeito às considerações apresentadas pelo Sr. Dinis da Fonseca, relativamente aos serviços das misericórdias, acho bem que se desburocratizem êsses serviços, e na reforma a fazer é êsse o critério dominante.
Quanto à necessidade de construção de pavilhões para tuberculosos, também de alguma maneira se vai acudir a essa necessidade.
O aumento da verba de 50 contos para 250 visa o objectivo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Não perco de vista o carácter da discussão, mas durante ela eu vi fazer considerações por parte do Sr. Ministro do Trabalho em resposta ao Sr. Tôrres Garcia e ainda por parte do Sr. João Luís Ricardo, que eu sinto, dada a minha situação, a necessidade moral de pronunciar algumas palavras a propósito do capítulo 2.º
O Sr. João Luís Ricardo, disse há pouco que o melhor era guardar quaisquer pretensões de reorganização dos serviços de resistência, para quando se fizesse a remodelação de todos os serviços públicos.
Concordo com S. Ex.ª, mas é necessário ir preparando a atmosfera para que essa reorganização seja quanto possível harmónica com os interêsses do País.
Dois dos grandes defeitos que caracterizam o Instituto de Seguros Sociais, consistem, o primeiro na preocupação sistemática de afastar o mais possível, em matéria de assistência e previdência, tudo quanto possa parecer uma manifestação de fé religiosa.
Bem sei que por esta forma se procura vincar bem uma pretendida mentalidade, mas essa pretensão é por vezes tam exa-

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gerada que chega a ser em muitos casos uma verdadeira hostilidade...
O Sr. João Luís Ricardo: — Não apoiado. Não houve nenhum instituto de assistência que não tivesse recebido subsídio.
O Orador: — Para exemplo, cito a V. Ex.ª o Sanatório da Parede.
O Sr. João Luís Ricardo: — Êsse sanatório não recebeu efectivamente qualquer subsídio, e não recebeu porque confiamos no espírito benemérito do seu doador, sempre solícito em o manter e auxiliar.
O Orador: — Eu já tive ocasião de dizer que tem havido sindicatos em Portugal que não têm os seus estatutos aprovados por as suas características serem religiosas, esquecendo-se que a fé religiosa tem fornecido estímulos para as indústrias.
V. Ex.ª sabe que a maior parte da assistência em Portugal encontrou um dos melhores factores nos sentimentos religiosos da Nação, mas êsses elementos vão pouco a pouco desaparecendo por falta de confiança, como sucede com as misericórdias, que são instituições de previdência e de piedade cristã.
V. Ex.ª pouca importância dá a esta questão de ordem moral religiosa, mas o que é certo é que não havendo confiança no cumprimento dos legados religiosos, que são a consolação das almas, as misericórdias vão pouco a pouco perdendo aquilo que era o seu principal esteio.
São êstes defeitos que é necessário corrigir, e que o Instituto de Seguros Sociais pode e deve fazer, porque é o organismo próprio.
Esta instituição centralizou todos os serviços, mas outros há de previdência que não tomam conta.
Interrupção do Sr. João Luís Ricardo.
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª conhece a proposta trazida ao Parlamento?
O Orador: — Conheço. Lamento que o Instituto de Seguros Sociais não tivesse tido em conta principalmente os interêsses gerais da sociedade. O primeiro cuidado seria atender ao serviço de aposentação.
Criaram-se serviços novos, alguns necessários como os seguros sociais, mas...
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª não conhece o modo de ser do Instituto.
O Orador: — Conheço. Tem dactilógrafas em grande número.
O Sr. João Luís Ricardo: — E não chegam.
O Orador: — Então os serviços são inventados.
O Sr. João Luís Ricardo: — O Instituto tem sido visitado por funcionários que ali vão buscar elementos para fazer as suas lições.
O Orador: — Queria V. Ex.ª que o Instituto de Seguros Sociais levasse milhares e milhares de contos e não queria que tivesse utilidade social?
O Sr. João Luís Ricardo: — E outro êrro. Milhares de contos, não; apenas 500 contos.
O Orador: — Há serviços abandonados. 500 contos? E os serviços espalhados pelo País, subsidiados pelo Instituto?
Existe ali a política. Há empenho e não o concurso. Não há boa vontade dos que estão à frente dos serviços.
Os funcionários não podem ser superiores às condições do seu meio.
Quem lida com as repartições públicas? Os políticos. Embora com abnegação vão sempre atendendo os interêsses da influência eleitoral.
Eu faço justiça a que por maior boa vontade que haja não é possível atender às necessidades de todo o País.
A frente dessa corporação está V. Ex.ª que pertence a um Partido que se diz democrático...
V. Ex.ª pretende apenas dar a um pequeno País uma cabeça monstruosa.
O Sr. João Luís Ricardo: — Não é assim. O que é preciso é fazer afirmações e prová-las.
O Orador: — E V. Ex.ª como é que as nega?
Àparte do Sr. João Luís Ricardo, que não se ouviu.

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O Orador: — Quem tinha de provar o contrário era V. Ex.ª e não eu.
Essa acção concentrada no Instituto do Seguros Sociais é menos democrática do que várias comissões espalhadas por todo o País a olharem pelas suas necessidades.
Há ainda a atender que se um instituto exercer a acção indicada pelo Sr. João Luís Ricardo vai buscar os meios às câmaras municipais, obrigando-as a contribuir para a campanha contra a tuberculose, para o que as câmaras por sua vez sobrecarregam os munícipes com impostos.
Àparte do Sr. João Luís Ricardo, que não se ouviu.
O Orador: — É certo ou não é certo que as câmaras municipais contribuem...
O Sr. João Luís Ricardo: — Para a Assistência Nacional aos Tuberculosos, que é uma instituição absolutamente privada.
O Orador: — Mas é subsidiada pelo Instituto.
Àpartes.
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª diz que é uma assistência de carácter privado, mas essa assistência tem sido desenvolvida com apoio de elementos do Estado, tem sido acompanhada sempre pelo Estado e por êsse motivo vem aqui contemplada.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Em suma o que eu queria apenas frisar é que o Instituto de Seguros Sociais está sendo um organismo de centralização da actividade, do espírito de caridade e das tradições de assistência no nosso país nas suas manifestações mais expontâneas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Luís Ricardo não fez a revisão dos seus «àpartes».
O Sr. João Luís Ricardo: — Sr. Presidente: vou ser muito breve nas minhas considerações.
Sr. Presidente: o Sr. Lino Neto fez afirmações erradas sôbre o Instituto de Seguros Obrigatórios porque não tem conhecimento do modo como tem procedido êsse Instituto, e apenas julga por opinião pessoal.
A prova de que êsse Instituto tem atendido à beneficência está no Diário do Govêrno, de onde constam as verbas que tem distribuído para os se fim, que andam em dois mil e tantos contos.
Êsse Instituto pratica a assistência pela esmola, e assim distribui largamente certas verbas.
Àpartes.
Não houve nessa distribuïção o carácter da rigidez, ou político ou mesmo eleiçoeiro.
Faltam a êsse Instituto é certo grande parte dos elementos necessários e indispensáveis para ver qual a acção dos vários organismos de assistência em Portugal, e essa falta não é por culpa do Estado, mas dos próprios organismos que não fornecem os documentos necessários, e não correspondem às determinações das respectivas leis porque não querem, porque por meio dos respectivos governadores civis podiam dar os necessários elementos estatísticos.
Se assim fizessem, poderia o Estado saber qual o número de necessitados e a assistência que era necessária.
O Sr. Lino Neto (interrompendo): — V. Ex.ª o que queria era burocratizar toda a assistência, tornando-a uma verdadeira instituição política.
Àpartes.
O Orador: — Não era para fazer política.
A prova é que muitos organismos vêm pedir vagamente subsídios, pedindo alguns, por exemplo, 10 contos, e afirmando que pedem 10 para que lhes dêem 5.
O que nós precisamos é saber o montante das despesas dessas instituições para podermos acudir às suas necessidades.
Esta é a minha maneira de ver, e creio que será a mais lógica, pois, de outra forma não haverá nunca meio de se saber qual o destino que essas verbas terão.
O critério a seguir para o futuro, e, a meu ver, o melhor, é estabelecer dentro da repartição competente uma conta, isto é, uma fixa destinada a cada organismo de assistência, na qual se deverão inscrever todas as receitas e despesas.

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Êste é o critério que se deve adoptar para o futuro, e creio que é o mais lógico, pois, desta forma, desde que qualquer organismo de assistência peça qualquer verba, fàcilmente se poderá consultar a fixa correspondente a êsse organismo e verificar-se se há razão para tal.
O Sr. Lino Neto: — E quando, por exemplo, as fichas não apareçam a distribuïção faz-se segundo a vontade de quem?
O Orador: — Essas fichas têm de existir, e esta é a única forma, a meu ver, de se não darem abusos.
Êste é o critério que se deverá seguir daqui para o futuro, pois, de contrário, podem V. Ex.ªs ter a certeza de que se poderá dar o caso de haver organismos que nada recebam.
Nesta altura estabelece-se largo diálogo entre o orador e o Sr. Lino Neto que não foi possível reproduzir.
O Orador: — O que eu devo dizer a V. Ex.ª é que não é essa a função do Estado.
A função igualmente da assistência, Sr. Presidente, é praticar a assistência e não dar esmolas, devendo êste ser o critério adoptado e a adoptar de futuro.
É dentro desta orientação que o Instituto tem desenvolvido inalteràvelmente a sua missão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
São aprovadas as emendas ao capitulo 2.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contagem.
Aprovam 54 Srs. Deputados e rejeitam 4.
É aprovado o capitulo 2.º, salvas as emendas.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Sá Pereira: — Pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para uma notícia publicada no semanário de Mértola, A Voz da Verdade, em que se diz:
Leu.
Dada a gravidade duma tal afirmação, eu espero que S. Ex.ª se apressará a averiguar a verdade e a dar as providências que o caso requero, desde que tal notícia se confirme.
Aproveito o ensejo de estar no uso da palavra para preguntar ao Sr. Ministro do Interior se é verdadeira a notícia publicada nalguns jornais, relativa ao encerramento da Casa do Povo, na Covilhã, e, no caso afirmativo, para que S. Ex.ª nos diga quais os fundamentos dum tal procedimento.
Tenho dito.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Para dizer ao Sr. Sá Pereira que vou procurar saber o que há de verdade na notícia publicada no jornal A Voz da Verdade. No caso de ela se confirmar, eu darei as mais rápidas o enérgicas providências no sentido de pôr côbro a essa infame exploração.
O Sr. Vergilio Saque: — Acabo de receber um telegrama da Associação dos Lojistas de Ponta Delgada pedindo a revogação do artigo 21.º do decreto n.º 875.
Êsse decreto permite só a venda do pão nas padarias o panificação, mas como sucede que o número de padarias é muito reduzido, o público precisa fazer a compra em outros estabelecimentos de venda de víveres.
Chamo para êste assunto a atenção de V. Ex.ª
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Para responder ao Sr. Sá Pereira, devo dizer a V. Ex.ª que tenho conhecimento de que factos anormais e graves se deram na Covilhã, e que espero comunicações do Sr. governador civil para poder dar mais explicações.
Todavia, as providências indicadas foram tomadas.
Quanto ao Sr. Vergílio Saque, devo dizer que comunicarei ao Sr. Ministro da pasta respectiva o assunto que tratou.
Tenho dito.
O Sr. Carvalho da Silva: — Vou citar mais um facto que se está dando na polí-

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da de Lisboa, com o conhecimento do Sr. governador civil.
Um empregado das Juventudes Monárquicas foi preso e pôsto incomunicável por ir na plataforma dum. eléctrico a ler o Correio da Manhã.
Fui comunicar o facto ao Sr. governador civil, que disse ir tratar do caso, mas nada fez.
A prisão é apenas uma1 vingança contra um ex-cabo da polícia. Protesto contra esta arbitrariedade da polícia, da qual é cúmplice o Sr. governador civil, e como não tenho esperança de que o Govêrno tome medidas enérgicas para reprimir êstes factos, limito-me a relatá-los para que o país saiba o que é a liberdade republicana. Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Conheço êsse caso, e, segundo as informações que me deram, não foi êsse homem preso apenas por ler um jornal, porque isso qualquer pessoa pode fazer, mas por dizer disparates, encontrando-se o caso afecto aos tribunais. Tenho dito.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda-feira, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Parecer n.º 435, que altera a redacção da alínea a), do § 2.º do artigo 75.º do decreto n.º 5:847-A, de 31 de Maio de 1919.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscreverem):
Parecer n.º 470, que interpreta o artigo 32.º e seus parágrafos da lei n.º 1:355, de 15 de Setembro de 1922.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros do Trabalho e das Finanças, substituindo o artigo 31.º do capítulo 12.º do orçamento do Instituto dos Seguros Sociais de Previdência Geral.
Para as comissões de finanças e do Orçamento conjuntamente.
Projecto de lei
Da comissão de obras, públicas e minas, elevando ao dôbro as taxas da tabela do imposto de trânsito, anexa à lei n.º 1:238, de 28 de Novembro de 1921.
Para a comissão de comércio e indústria.
Comissão
Obras públicas e minas:
Substituir o Sr. António Pais da Silva Marques pelo Sr. António Augusto Tavares Ferreira.
Para a Secretaria.
Pareceres
Da comissão do Orçamento, sôbre o orçamento do Ministério da Instrução.
Imprima-se com a máxima urgência.
Da comissão dos negócios estrangeiros, sôbre o n.º 375-E, que aprova a convenção entre Portugal e Brasil, relativa a propriedade literária e artística.
Imprima-se.
Da comissão de saúde e assistência pública, sôbre o n.º 231-D, que autoriza a Provedoria Central da Assistência a contrair um empréstimo para obras do Asilo Escola de Cegos e aquisição de mobiliário para seu funcionamento.
Para a comissão de finanças.
Da mesma, sôbre o n.º 250-A, que autoriza o inspector de Sanidade Marítima a ceder à Exploração do pôrto de Lisboa o guindaste eléctrico do Pôsto Marítimo de Desinfecção.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de negócios estrangeiros sôbre o n.º 373-G, que aprova, para rectificação, a convenção internacional para supressão do tráfico de mulheres e crianças.
Imprima-se.
Da comissão do Orçamento, sôbre o n.º 444-F, que transfere do artigo 36.º

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para o artigo 39.º do orçamento do Ministério da Instrução a quantia de 12. 000$ para obras nas estufas do Jardim Botânico.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 497-A, que transfere da dotação do capítulo 3.º, artigo 27.º do orçamento do Ministério do Comércio para outras dotações a quantia de 14. 800$.
Imprima-se.
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre o n.º 356-B, que regula a forma de testar a pensão do Montepio Oficial.
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR — Herculano Nunes.

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