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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 113
EM 21 DE JUNHO DE 1823
Presidência do Exmo Sr. Tomás de Sousa Rosa
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 38: Srs. Deputados, lê-se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Presidente anuncia que vai continuar a discussão do parecer n.º 493, que fixa ias penalidades para os infractores das leis contra os jogos de asar.
O Sr. Morais Carvalho interroga a Mesa sôbre o número de Deputados presentes. O Sr. Presidente responde haver número.
Tem a palavra sôbre o parecer em discussão o Sr. Crispiniano da Fonseca, seguindo-se-lhe os Ura. Cancela de Abreu e, Dinis da Fonseca, que fica com ela reservada,
O Sr. Presidente comunica à Câmara os agradecimentos dos Srs. Sacadura Cabral e Gago Coutinho.
É aprovada a acta.
Votam-se admissões e últimas redacções.
O Sr. Cancela de Abreu requere uma contraprova com contagem, verificando-se haver número.
O Sr. Alfredo de Sousa requere que, antes da ordem e com prejuízo dos oradores inscritos, se inscrevam os pareceres n.ºs 428 e 476, em seguida ao parecer n. «510.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Dinis da Fonseca.
É aprovado o requerimento do Sr. Alfredo de Sousa.
O Sr. Jaime de Sousa requere que seja inscrito nas. mesmas condições o parecer n.º 427.
Aprovado.
O Sr. Júlio de Abreu requere que se inscreva também o parecer n.º 353 em seguida ao n.º 519, com prejuízo dos oradores inscritos.
O Sr. Dinis da Fonseca tem a palavra para invocar o Regimento e preguntar se os artigos 21.º e 38.º estão em vigor ou foram revogados.
O Sr. Presidente responde que não estão revogados.
O Sr. Cancela de Abreu pede a palavra para interrogar a Mesa.
E 'aprovado o requerimento do Sr. Júlio de Abreu.
O Sr. Cancela de Abreu requere a contraprova e invoca o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Verifica-se haver número.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas) manda para a Mesa uma proposta de lei pela qnal se reorganizam os serviços de educação nacional.
Pede que se consulte a Câmara sôbre se autoriza a publicação integral no «Diário do Govêrno».
Aprovado.
O Sr. Abílio Marçal, por parte da comissão do Orçamento, manda para a Mesa as emendas do Senado ao orçamento do Ministério do Interior.
As emendas são aprovadas sem discussão.
Continua a discussão do parecer n.º 302 (tabacos), prosseguindo no uso da palavra o Sr. Lourenço Correia Gomes. Segue-se o Sr. Lino Neto que manda para a Mesa e justifica uma moção.
O Sr. António Fonseca pede a palavra para interrogar a Mesa acêrca do orçamento do Ministério da Guerra.
O Sr. Abílio Marçal dá explicações a êsse respeito.
O Sr. José Domingues doa Santos emite opinião sôbre a discussão dos orçamentos e causas da sua demora e atraso.
O Sr. Fausto de Figueiredo dirige um apelo à Câmara em nome da quási totalidade dos Deputados independentes.
O Sr. António Fonseca, em negócio urgente, ocupa-se da marcha dos trabalhos e da discussão do Orçamento, mandando para a Mesa uma proposta de resolução, que é aprovada com urgência e dispensa do Regimento, depois de usarem da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Júlio, de Abreu.
O Sr. Ministro do Comércio (Queiroz Vaz Guedes) manda para a Mesa uma proposta de lei.
O Sr. Carvalho da Silva requere que se interrompa a- discussão da proposta dos tabacos até regressar à Câmara a minoria nacionalista.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 15 horas e 22 minutos.

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Diário da Câmara dos Deputados
Presentes à chamada. 38 Srs. Deputados.
São os Seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo dá Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Resende.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Saraiva.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virginio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Estevão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.

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Sessão de 21 de Junho de 1923
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz:
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Pelas 15 horas e 23 minutos, coito, a presença de 38 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta é o seguinte
Telegramas
Apoiando as reclamações dos católicos:
Da Câmara Municipal de Mogadouro.
Do pároco e Junta de Ervedosa (Pesqueira).
Da Confraria de Rio Tinto (Pôrto).
Do Centro Católico de Rio Tinto (Pôr-to).
Do pároco de Rio Tinto (Pôrto).
Da Juventude Católica do Pôrto.
Para a Secretaria.
Ofícios
Do Centro Democrático de Massarelos (Porto), protestando contra as alterações à Lei da Separação.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, enviando lima relação das pensões concedidas aos militares condecorados com a ordem da Torre e Espada, Cruz do Guerra e medalha de Valor Militar, para o Sr. Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Justiça, enviando nota dos rendimentos da comarca de Alenquer

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Diário da Câmara dos Deputados
nos últimos quatro anos para o Sr. Dinis de Carvalho.
Para a Secretaria.
fintes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.º 493.
O Sr. Morais Carvalho: — V. Ex.ª pode informar-me do número de Deputados que se encontram presentes?
Pareceu-me ouvir há pouco V. Ex.ª dizer que estavam 38, o que não é suficiente para discutir o projecto.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Continua em discussão.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu, discutindo a generalidade dêste projecto, oscilou como um pêndulo, ora revelando-se partidário da repressão, ora da regulamentação.
Compreende-se muito bem a razão por que S. Ex.ª não arvorou no mastro real a bandeira da regulamentação: é porque, tendo sido a questão tratada sob o aspecto da imoralidade, o ilustre Deputado, que tem muitos partidários do jôgo, não quis ir por êsse lado claramente.
Por minha parte, como nunca joguei, nem jôgo e portanto estou afastado de qualquer suspeita, vou expor livremente o meu ponto de vista, que talvez V. Ex.ªs julgarão um tanto original e extravagante:
O problema do jôgo de azar, que já vem do tempo da monarquia, nunca teve, como V. Ex.ªs sabem, uma solução satisfatória, continuando a ser encarado por uns como um acto de imoralidade, que deve ser reprimido rigorosamente, in limine, e por outros como um acto banal, um divertimento público susceptível de regulamentação.
Eu entendo, porém, que as dificuldades que têm surgido para a resolução do problema já vêm do facto de se não haver estudado e analisado devidamente.
O jôgo provém fundamentalmente dum instinto que o homem manifesta desde os seus primeiros passos.
A sensação do lucro e da perda parece revelar-se mesmo em algumas manifestações de carácter religioso.
Um caso interessante e elucidativo: certo comerciante da província fez a promessa a Nossa Senhora dos Remédios de lhe dar 1. 000$ se a guerra durasse mais três anos. Efectivamente, para infelicidade de todos nós, o milagre realizou-se nesta parte, ignorando porém se o devoto conseguiu alcançar o que desejava.
O que é certo é que o homem jogou e o instinto revelou-se.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Quando a religião fôr igual à superstição, terá V. Ex.ª razão.
O Orador: — Quer revelando-se como acto imoral ou simplesmente com entretenimento ou sport, a verdade é que todos nós jogamos, todos nós procuramos desde os primeiros anos a sensação do jôgo.
O argumento supremo para a sua proibição é o de que ainda ninguém se lembrou de regulamentar qualquer crime, o de homicídio, por exemplo, a despeito da sua constante repetição.
Entre um fenómeno e outro há evidentemente uma divergência profunda.
Os crimes desta natureza provem do estado patológico do agente, das suas taras ancestrais e da inadaptabilidade à ordem mantida nas sociedades.
Uma vez saído o homem do período da barbárie, estabelece-se a defesa da sociedade contra o crime.
Em tempo algum, porém, o homicídio ou outro crime idêntico foi tolerado ou bem visto pela sociedade, ao contrário do que sucede com o jôgo de azar, sôbre o que não há a mesma unanimidade de vistas, como por todos o conhecido.
Se o jôgo é, de facto, um instinto, devemos atender a que os instintos não se reprimem, mas educam-se.
Que o próprio Código Penal atendeu à manifestação dos instintos normais, revela-o o facto de regulamentar, digamos assim, o próprio crime de homicídio, estabelecendo o instituto da legítima defesa.
No capítulo das ofensas ao pudor e honestidade determina-se que todo o procedimento criminal cessa desde que o arguido case com a mulher ofendida.
Emfim, não desejamos convencer ninguém. Procuramos pôr em destaque um aspecto novo do problema, para que se lhe encontre uma resolução definitiva,

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pois que estamos persuadidos de que não é com os processos até agora adoptados que êle se soluciona.
É certo que, emquanto estiver na presidência do Ministério o Sr. António Maria da Silva e as competentes autoridades o ajudarem, S. Ex.ª poderá ter em grande parte conseguido o seu objectivo; entretanto, o actual Govêrno pode cair, outro seguir-se há e assim de novo teremos o jôgo na tela da discussão.
Uma cousa interessante, Sr. Presidente, é que muitos que têm sido contra a regulamentação individualmente vêm a concordar que uma regulamentação repressiva seria preferível.
Aqui têm V. Ex.ªs em palavras muito singelas o que eu penso a respeito do jôgo, esperando que V. Ex.ªs encontrem melhor solução do que aquela que em tempos aqui foi apresentada, desejando que o projecto que está em discussão, e que tive a honra de assinar juntamente com o Sr. Vasco Borges, venha a produzir os efeitos que esperam, sendo certo que, desde que a Câmara se manifeste pela repressão do jôgo, necessário se torna dar ao Govêrno os meios precisos no sentido de que essa repressão se possa fazer o mais eficazmente possível.
Referiu-se o ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu ao decreto n.º 8:435, que diz respeito à reorganização da polícia, taxando-o de inconstitucional, mas, Sr. Presidente, lendo eu o artigo 8.º do decreto n.º 1:351, que autorizou o Govêrno a reorganizar os serviços policiais, não vejo realmente que o decreto derivado desta lei possa ser considerado como tal.
O Govêrno utilizou-se da lei nos termos por ela determinados.
Referiu-se ainda o mesmo Sr. Deputado a outras disposições que afectam directamente os direitos e garantias a que se refere o capítulo II da Constituïção; porém S. Ex.ª não provou, nem mesmo tentou prová-lo, que o Govêrno exorbitasse.
É conveniente que se saiba que nessa organização uma cousa há interessante, que é precisamente a criação dos tribunais hoje chamados de pequenos delitos, os quais foram bem recebidos pelo público, embora as penas neles aplicadas sejam relativamente pequenas, sendo certo que a sua aplicação imediata é de grande alcance.
Não convinha ir desde já modificar o § 1.º do artigo 25.º do decreto citado que diz respeito a penas.
Não me parece conveniente ir alterar a competência da polícia, estabelecendo para o jôgo de azar uma pena e para outros crimes penas diferentes; todavia, não me repugna nada aceitar uma modificação nesse sentido, desde que fique bem expresso que a polícia continua com a competência de julgar o crime de jôgo de azar. Relegar o seu julgamento para os tribunais ordinários era prejudicar a eficácia das penas imediatas.
Como o Sr. Cancela de Abreu não terminou as suas considerações, por agora apenas tenho a acrescentar que pelo presente projecto somente se modificou o artigo 265.º do Código Penal, continuando em vigor todos os restantes artigos que com êle se relacionam.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O ilustre Deputado Sr. Crispiniano da Fonseca, meu amigo e antigo condiscípulo, certamente que não ouviu bem o que eu disse.
Disse S. Ex.ª que eu não tinha definido em termos precisos a minha opinião acêrca do jôgo de azar, no sentido de se ficar sabendo se entendo que êle deve ser reprimido ou regulamentado.
Embora eu não tivesse concluído então as minhas considerações, tive ocasião de dizer o bastante para mostrar à Câmara a minha maneira de ver a êste respeito.
E a seguinte: o jôgo deve ser reprimido.
A lei deve ser cumprida.
Apoiados.
Mas se a República não sabe, não quere ou não pode reprimi-lo, êsse caso é melhor regulamentá-lo.
O Sr. Crispiniano da Fonseca (interrompendo): — E no tempo da monarquia não se jogava?
O Orador: — Nunca se jogou da maneira desenfreada e perigosa que actualmente se joga.
Houve muitas vezes repressão rigorosa.
Foi depois da República que se cons-

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Diário da Câmara dos Deputados
truíram os numerosos o luxuosos clubes de jôgo que há em Lisboa.
Quando ontem analisava o projecto que se discute, estranhei que o parecer fôsse assinado pelos dois autores do próprio projecto.
Isto não faz sentido.
Quanto às penas que se estabelecem, devo confessar que são ainda irrisórias.
Não tenhamos ilusões.
O dono da casa de jôgo paga muito voluntariamente as multas que lhe, apliquem, para ter a garantia de que nesse próprio dia, vai cobrar dos incautos cinco à dez vezes mais do que aquilo que pagou.
Desde que os factos são assim, as sanções do Código Penal têm de ser modificadas, estabelecendo-se, como já disse, em vez de multas, a prisão não remível.
Apoiados.
Com respeito ao § único dêste artigo, eu que mostrei ser insuspeito, reclamando penalidades maiores, não posso deixar de reconhecer que a matéria dêste parágrafo é inconveniente, devido a arbitrariedades a que pode dar lugar.
V. Ex.ªs conhecem por exemplo o Casino da Figueira da Foz, onde todos os que não jogam vão com suas famílias.
Pois, em face dêste parágrafo, basta estarem no edifício para serem presos, pelo simples facto de se ter jogado em qualquer recanto do» grande edifício.
Não pode ser.
Apoiados.
Ha mais!
Em muitas casas há dados para jôgo de gamão e outros e cartas de jogar, e contudo ninguém poderá supor que se trata de casas de tavolagem.
Pois, em virtude dêste parágrafo, os detentores dos dados ou das cartas podem ser presos e condenados.
Não quere isto dizer que nos devemos limitar à prisão em flagrante delito; toda a gente sabe que, dada a vigilância bem montada das casas de jôgo, a autoridade raras vezes pode surpreender os delinquentes em flagrante delito.
Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Apoiados.
A Câmara deve recordar-se de que, há tempos, apareceu na redacção do jornal A Monarquia uma, criada de servir
com um cabaz, e disse que um indivíduo — que era dessa redacção — pedia o favor de lhe guardarem o cabaz por algumas horas. Daí a pouco veio a polícia e apreendeu o cabaz, tendo-se averiguado então que êle estava cheio de bombas. Denúncia, prisões, encerramento da redacção do jornal, um inferno, tudo infamemente forjado pela polícia!
Ora o que aconteceu com a Monarquia sucederá amanhã com qualquer pessoa a quem os inimigos queiram fazer mal. Basta mandar deixar em casa dela uns dados e denunciá-la em seguida à polícia.
Êste parágrafo, portanto, não pode ser mantido.
Não sejamos rigorosos até o ponto do tornarmos contraproducente a aplicação das leis.
Também não concordo com a redacção do artigo 2. p
Na lei não deve haver nunca exemplificações. Não se podendo indicar todas as hipóteses, é preferível estabelecer apenas denominações genéricas.
Há ainda uma outra disposição para que chamo a atenção do Sr. Vasco Borges.
Refiro-me ao § único do artigo 4.º
Lendo os nomes que subscrevem êste parecer, não me julgo no direito de considerar que êste parágrafo tivesse obedecido a qualquer intuito reservado.
O Sr. Vasco Borges: — Ao contrário do que V. Ex.ª supõe, tive motivos especiais para a inclusão dêsse parágrafo no artigo 4.º
O Orador: — O § único do artigo 4.º estabelece uma excepção.
Vai afectar processos pendentes dos tribunais.
E está pendente dos tribunais uma acção contra o Casino Peninsular da Figueira da Foz, a qual fica inutilizada por êste parágrafo.
Combaterei sempre tudo quanto vá afectar processos pendentes.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: encontro assinado êste projecto

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por dois juizes de direito: o Sr. Crispiniano da Fonseca e o Sr. Vasco Borges.
Ao ouvir há pouco o Sr. Crispiniano da Fonseca fiquei na dúvida se, realmente, S. Ex.ª tinha sido o autor do projecto.
Tenho pena de não ter podido ouvir S. Ex.ª a distância suficiente para poder tomar notas de todo o seu discurso. Mas ainda ouvi S. Ex.ª discordar fundamentalmente da repressão do jôgo.
Apoiados.
De maneira que há esta situação estranha: o autor do projecto, falando na situação de relator, combater o projecto!
Não posso realmente deixar de achar interessante êste caso.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Eu disso que, se a Câmara se manifesta no sentido da não repressão, êle deve ser regulamentado.
O Orador.: — Como autor do projecto é que5 realmente, me parece estranho.... Emfim, da forma como correm as cousas é natural. Era de esperar.
Isto vai sans rancune. É apenas estranheza.
S. Ex.ª fez várias afirmações; entre elas disse que o jôgo é um «instinto normal».
Acrescentou, porém, que não jogava. Logo, S. Ex.ª não será, segundo a sua doutrina, um homem normal, ou não faz uso dêsse instinto.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — O jôgo em si é uma manifestação instintiva; mas não o jôgo de azar.
O Orador: — Eu acho que o jôgo é uma manifestação dos baixos instintos. Nunca dos instintos superiores e normais do homem.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — V. Ex.ª nunca jogou?
O Orador: — Nunca, desde que tenho conhecimento do uso da razão.
Disse ainda S. Ex.ª, entrando no campo 4a filosofia, que uma manifestação dêsse instinto normal do jôgo tinha sido, por exemplo, a do indivíduo que tinha prometido dinheiro para que durasse mais a guerra, para que êle pudesse ganhar.
Em primeiro lugar não vejo nisto uma manifestação do instinto do jôgo. Não sei como se pretende estabelecer isto como instinto superior.
Não se trata dum instinto normal.
Segundo a definição de Quatrefages, toda a pessoa humana possui o instinto religioso.
Mas como as pessoas boas e ainda as melhores se tornam péssimas quando se corrompem, sucede que o ilustre Deputado, confundindo uma manifestação religiosa, uma superstição baixa e ignóbil, tirou duma manifestação religiosa uma nota que, realmente, não significa senão uma manifestação supersticiosa que toda a gente superior não pode deixar de condenar e que não prova a favor nem contra o jôgo.
Não tem, a meu ver; relação alguma com a questão do jôgo.
Ao contrário da opinião expendida pelo ilustre Deputado, entendo que é fundamental existir um ponto de moralidade na questão do jôgo.
A propósito do jôgo de azar, eu já disse aqui que entre o crime de furto e o de jôgo não há diferença essencial. 4Porquê? Porque tanto o gatuno como o jogador o que pretendem é apoderar-se do que a outrem pertence.
Nesta altura o orador é interrompido simultaneamente pelos Sr s. Serafim de Barrou, Crispiniano da Fonseca e Júlio de Abreu.
O Orador: — Quando não existe trabalho honesto, dá-se o furto.
Se ninguém se atreve a pedir a regulamentação do furto, também a não deveremos aceitar para o jôgo de azar.
A minoria católica é pela absoluta repressão do jôgo.
Disse o Sr. Cancela de Abreu que, desde que não se cumpra a lei da repressão do jôgo, êste deverá ser regulamentado.
Eu direi que se devem obrigar os poderes públicos a cumprir a lei.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O que eu disse é que era preciso cumprir a lei, mas que se não são capazes de cumpri-la regulamente-se o jôgo para com um mal menor evitar um mal maior.

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Diário da Câmara dos Deputados
O Orador: — A nossa atitude não pode ser outra senão a de exigir o cumprimento da lei. Não se deve admitir o princípio de se faltar ao cumprimento da lei.
Disse o Sr. Crispiniano da Fonseca, e, sendo S. Ex.ª um juiz distinto, muito estranhei a seu argumento, que havia crimes que se regulamentavam, indicando, por exemplo, o crime de homicídio.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — O que eu disse foi que em todos os delitos em que o legislador encontrava a manifestação dum instinto absolutamente normal, como o de legítima defesa, não havia repressão, pois que não são punidos.
O Orador: — Então S. Ex.ª considera a «legítima defesa» um caso de regulamentação do crime?
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Sim, senhor.
O Orador: — Não é um caso de regulamentação. Não há punição para o caso de «legítima defesa», porque o acto que se pratique em legítima defesa não é considerado crime.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Ainda ontem foi absolvido o célebre bombista Ramos porque não foi considerado criminoso, visto que o tribunal entendeu que o seu acto, atirando uma bomba ao polícia, que o queria prender, e depois ainda uma outra que matou o indivíduo que pretendeu impedir a sua fuga, fora em legítima defesa.
Eu, que nunca critico a acção dós tribunais, não posso calar o protesto que me provocou esta absolvição.
O Orador: — O facto apontado pelo Sr. Cancela de Abreu leva-me a tirar as seguintes conclusões: é que nesse caso a lei não se cumpriu. Só, e nada mais.
Não posso tirar daí o argumento de que deva regulamentar-se o uso da bomba.
Os bombistas devem, ser punidos; se os tribunais não sabem ou não podem puni-los o país que abra os olhos e obrigue aqueles que representam a autoridade a cumprirem a lei.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem apenas quatro minutos para concluir o seu discurso.
O Orador: — Não julgo possível desenvolver em tam pouco tempo as considerações que quero apresentar.
O Sr. Presidente: — Fica então V. Ex.ª com a palavra reservada.
Peço à atenção da Câmara.
Fui procurado pelo Sr. Sacadura Cabral, que me veio solicitar que transmitisse à Câmara os seus agradecimentos pela manifestação que aqui lhe foi feita e ao seu companheiro, o almirante Gago Coutinho.
Passa-se à
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta da última sessão.
Pausa.
Ninguém pede a palavra, considera-se aprovada.
Admissões
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros do Interior e das Finanças, regulando o pagamento do trabalho extraordinário ao pessoal da Imprensa Nacional de Lisboa.
Para a comissão de administração pública.
Projectos de lei
Do Sr. Sá Pereira, obrigando o produtor, o negociante e o proprietário que recebam rendas a trigo a venderem pelo preço da tabela oficial o que lhes sobrar da reserva para seu consumo.
Para a comissão de comércio e indústria.
N.º 411-(j), que fixa as despesas do Ministério das Finanças para 1923-1924.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
N.º 411-(n), que fixa as despesas do Ministério da Agricultura para 1923-1924.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.

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Sessão de 21 de Junho de 1923
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contraprova e faz-se a contagem.
O Sr. Presidente: — Ficaram sentados 55 Srs. Deputados e de pé 1. Está aprovado.
O Sr. Alfredo de Sousa: — Requeiro que antes da ordem do dia, com prejuízo dos oradores inscritos, e em seguida ao parecer n.º 510, se inscrevam os pareceres n.ºs 498 e 476.
O Sr. Dinis da Fonseca (sôbre o modo de votar): — Pregunto a V. Ex.ª se o Regimento foi alterado, pois que, segundo o Regimento, deve existir um período antes da ordem do dia, para os Deputados poderem usar da palavra, a fim detratarem dos assuntos que entenderem.
Estamos incluindo no período antes da ordem do dia numerosos projectos de lei que nunca mais se discutirão.
Mas há ainda uma outra razão que impede a aprovação do requerimento do Sr. Alfredo de Sousa.
É que, se não estou em êrro, a Câmara resolveu quando foi feita a proposta pelo Sr. Sampaio e Maia que fôsse discutida imediatamente, logo que viesse das comissões, e neste caso, em face da resolução tomada pela Câmara, o Regimento manda inscrever êsse projecto na ordem do dia, que é aí que se incluem os projectos de lei que a Câmara resolve discutir.
Portanto, para não haver contradição com o que já se votou a respeito do projecto de lei n.º 476, deve êste projecto de lei ser incluído na ordem do dia e assim se conciliam duas cousas.
Por um lado cumpre-se o Regimento, não se preterindo o período antes da ordem do dia, e cumpre-se uma resolução da Câmara.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Alfredo de Sousa.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Alfredo de Sousa.
O Sr. Jaime de Sousa: — Requeiro que antes da ordem do dia, e com prejuízo
dos oradores inscritos, seja inscrito o parecer n.º 427.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Júlio de Abreu: — Requeiro que em seguida ao parecer n.º 519, e as mesmas condições dêste, se discuta o parecer n.º 353.
O Sr. Dinis da Fonseca (sôbre o modo devotar): — Peço a V. Ex.ª o obséquio de me dizer se os artigos 21.º e 37.º do Regimento estão revogados.
O Sr. Presidente: — Os dois artigos não estão revogados.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Porque motivo se não faz a sua aplicação?
O Sr. Presidente: — Porque a Câmara deliberou o contrário.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Se foi alterado o Regimento; qual a proposta que o alterou?
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Pedia a V. Ex.ª a fineza de me dizer em que altura da sessão se podem fundamentar projectos de lei.
Antes de se encerrar a sessão não se pode e no período antes da ordem do dia não pode ser também, porquanto todos os dias se inscrevem projectos de lei com prejuízo dos oradores inscritos.
O Sr. Almeida Ribeiro: — O Regimento não permite que se fundamentem os projectos de lei.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Júlio de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º do Regimento.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — O requerimento do Sr. Júlio de Abreu foi aprovado por 54 Srs. Deputados e rejeitado por 5.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa uma

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proposta de lei reorganizando os serviços de educação nacional.
A importância desta proposta de lei e a gravidade do problema que visa a solucionar obrigam-me a fazer algumas considerações ao apresentá-la, pedindo licença à Câmara para lhe ocupar algum tempo.
Sr. Presidente: a proposta de lei que temos a honra de apresentar hoje nesta casa do Parlamento é uma proposta de conjunto, olhando todos os organismos da educação nacional como partes integradas num sistema e procurando, por consequência, a sua melhor conjugação interna, a sua melhor adaptação ao moio, demonstrando, emfim, uma orientação nitidamente nacional.
Ao elaborarmos esta proposta de lei, não acolhemos nenhuma preocupação de carácter particular.
Logo no seu processo de organização só manifesta claramente o método social que adoptamos.
Fizemos primeiro proceder a um largo inquérito entre o professorado, que nos permitisse avaliar as suas aspirações, os pontos de vista que tinha, acêrca da maneira como se realizavam os diversos serviços de educação e a sua própria orientação scientífica e pedagógica; depois chamámos para junto de nós pessoas com autoridade técnica bastante para nos ajudarem na confecção da proposta, em ordem a ela resultar um trabalho capaz de honrar os nomes dos Ministros que a firmam, e sobretudo ser de utilidade nacional.
Sr. Presidente: esta proposta de lei não resulta do desejo de apresentar uma reforma, não resulta duma excitação reformadora, não resulta duma imoderada aspiração de fazer obra nova apenas para a fazer.
Na verdade, a maneira como se encontram actualmente os serviços de instrução em Portugal impõe uma imediata remodelação. Por um lado os progressos da sciência pedagógica, por outro as transformações sociais determinadas pela Grande Guerra e crise económica que lhe sucedeu fizeram com que os órgãos do nosso sistema escolar não correspondam às necessidades que determinaram o seu aparecimento, e que até os sacrifícios em dinheiro e pessoal com que a Nação concorre para os serviços de instrução nacional não correspondam ao rendimento dêsses serviços.
Os ensinos primários, secundários e superiores não se encontram, realmente, nem com. as condições materiais nem com as condições de pessoal, absolutamente necessárias para a sua inteira eficiência.
Por outro lado, o ensino técnico, nos seus vários graus, encontra-se num estado verdadeiramente rudimentar. De tal sorte que o dinheiro que actualmente se consagra à preparação das profissões liberais é o dôbro daquele que se destina à preparação técnica.
Nestas condições, fiz primeiro uma observação rigorosa de todos os recursos existentes, de forma a determinar se seria possível por um mero e simples arranjo do, que existe obter um melhor rendimento dos serviços de instrução. Até onde eu pude e os meus colaboradores puderam comigo verificar, colhemos a absoluta certeza de que era inteiramente impossível som uma transformação vigorosa fazer alguma cousa de imediato e útil.
Basta que eu saliente a V. Ex.ª o estado da educação primária, que, aliás, absorve no Orçamento actual qualquer cousa como 48:000 contos. Essa educação encontra-se absolutamente incapaz de produzir o que é mester, nem tem as casas de que necessita.
Em Lisboa, por exemplo, eu verifiquei que, desde os locais ao material, as escolas de instrução primária se encontram num atraso lamentável de mais de meio século, de tal sorte que podemos dizer que nos encontramos num período rudimentar da organização dêste ensino. E porque assim é, nós apresentamos esta proposta cujas características essenciais são: considerar o problema de conjunto, fazer uma aplicação rigorosa dos conhecimentos adquiridos à solução dêsse problema, estabelecer a mais intensa coordenação entre todos os organismos, não atender a nenhuma ordem de interêsse particular fôsse de quem fôsse, atender, apenas, ao interêsse da Nação e do povo, procurar, emfim que o dinheiro que êste com tanto sacrifício consagra às despesas da educação não se perca, quer por má orientação do pessoal, quer por má adaptação dos locais e instrumentos.
Apoiados.

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Sr. Presidente: congregamos ainda todos os esfôrços necessários e indispensáveis para fazermos com que esta proposta seja orientada pela doutrina e princípios democráticos. Assim fizemos introduzir o princípio da responsabilidade no exercício de todas as funções, e procuraríamos também introduzir um sistema de eficiente justiça, quer na remuneração de professores que realmente trabalham em condições de terem uma melhor remuneração, quer na remodelação de todos os quadros de ensino.
Como V. Ex.ª e a Câmara terão ocasião de verificar, esta proposta tem todas as características dam trabalho eminentemente nacional que pode conciliar à sua volta o interêsse e entusiasmo de todas as pessoas que bem querem ao seu País.
Depois de ela elaborada, ouvimos o maior número de pessoas que nos foi possível e das mais categorizadas. Não cuidámos de investigar quais as convicções políticas dessas pessoas; consultámo-las apenas pela sua categoria intelectual e scientifíca, e assim ouvimos desde o Sr. Agostinho de Campos até o Sr. Emílio Costa. E tivemos o prazer de verificar que todas as pessoas consultadas, e bastantes foram elas, e muitas com uma orientação política diferente da nossa e até desconhecidas pessoalmente, escreveram a seu respeito palavras que considero injustas, louvando-me por vir trazer à Câmara uma proposta que esperam seja de utilidade para o País.
Disseram essas pessoas que, fossem quais fossem as divergências de detalhes, a consideravam, uma obra que se devia fazer vingar.
Escreveram que dificilmente se encontraria na História de Portugal um precedente que lhe equivalesse em valor scientífico e nacional.
De facto é uma obra que deve merecer do Congresso da República o maior cuidado, carinho e atenção.
Muitas pessoas tive de consultar sôbre o meu trabalho, e alguém me disse que em vista do descrédito do Parlamento seria preferível que eu alcançasse uma autorização para fazer o trabalho que tinha entre mãos.
Opus-me sempre com a maior tenacidade a tais sugestões.
Republicano por aquisição de doutrinas, e por aquisição de princípios morais, repugna-me que numa matéria, das mais graves, tratando-se da educação, se seguisse o sistema das reformas feitas no segredo dos gabinetes por quem muitas vezes trabalha mais por melhorias de situações materiais do que por bem do ensino nacional.
Repugnava-me, mais uma vez, fazer transformações na, nossa sociedade, utilizando a ditadura.
Desejava que fôsse o Parlamento que procedesse a essa obra, procurei dentro dele o auxílio dos elementos competentes, tendo tido o prazer da adesão do Sr. Dr. José de Magalhães que é um dos mais lúcidos e claros espíritos, e uma das melhores vontades da nossa Câmara, para ficar à frente da comissão encarregada de elaborar o plano de emendas a introduzir na proposta de lei.
Procurei lá fora a adesão de pessoas competentes, de estudo e de cultura como o Srs. Faria Vasconcelos, Emílio Costa, Alves Oliveira e outros que hão-de constituir uma missão capaz de acompanhar o Parlamento na sua obra.
Êles poderão facultar ao Parlamento as correntes de opinião do país.
Há vantagem, de a todos os professores dirigir uma consulta sôbre a reforma do ensino, reunindo no Ministério da Instrução um congresso.
Procurei, como disse há pouco, fazer uma obra de remodelação de ensino puramente nacional, sem preocupações de particlarismo e só atendendo aos pontos de vista pedagógicos sem os quais não pode haver ensino capaz.
Não me preocupou qualquer orientação política, ou religiosa, interessando-me só uma obra legislativa de interêsse comum.
Nestes termos a proposta de reorganização dos serviços de educação nacional constitui nas páginas da história do regime republicano o começo d e um período de actividade baseada no aproveitamento e ajustamento de todas as competências à elaboração dum trabalho de utilidade nacional.
No dia em que tenhamos um sistema de educação que corresponda às necessidades da sociedade, êsse dia extraordinário marcará a constituição de uma era inteiramente nova da sociedade portu-

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guesa capaz de a levar ao apogeu a que tem direito pela sua importância histórica e pela sua importância económica, a qual atinge todos os quadrantes da terra.
Supomos que a obra é bastante grande, e posta à altura necessária para poder conseguir a simpatia de toda a gente bem intencionada do nosso País e para poder alcançar o interêsse permanente e constante de todas as pessoas que vêm os interêsses da Nação acima de todos os partidarismos, de todas as divisões políticas e de todas as incompatibilidades.
Sr. Presidente: já disse a V. Ex.ª no começo da minha exposição que a proposta, é de conjunto, visando todos os aspectos do problema, desde a instrução primária, cursos dos liceus, faculdades universitárias, o próprio curso universitário, o ensino técnico elementar e complementar até o treino profissional e à cultura post-escolar, quer da actividade social, quer da actividade scientifica.
Como V. Ex.ª vê, por êste enunciado, a questão é encarada com tamanha amplitude, que se me pode preguntar se com os recursos financeiros e económicos do País, é possível realizar uma obra de tam intensa coordenação e transformação. Encarámos também êste aspecto do problema.
Todavia, pode ainda contra-objectar-se que, apesar de haver o dinheiro necessário, pode não haver os recursos em homens e o pessoal adextrado, nem os lugares apropriados para o estabelecimento das escolas.
Sr. Presidente: tudo isto está devidamente ponderado na técnica da execução da proposta de reforma.
Sob o ponto de vista financeiro indo à tradição portuguesa, alargamos o fundo de instrução primária, e criamos o fundo de educação nacional, consignando-lhe um certo número do receitas permanentes, com as quais se pode contar para a execução do plano que acabo de expor.
Mas, como para a formação de pessoal e escolha de locais, necessário se torna um certo número de operações, não bastando apenas a publicação da lei no Diário do Govêrno também êste aspecto foi encarado.
Assim, a reforma em vez de entrar em execução, dum jacto, no dia seguinte àquele em que fôr publicada, entrará gradualmente, criando-se, núcleos de aperfeiçoamento de pessoal.
Para fazer face à despesa que resultará da execução do plano de construções correspondente consignamos o princípio de que o valor actualmente imóvel e paralisado nos edifícios da educação nacional será mobilizável em títulos de um empréstimo, que será lançado consoante as necessidades do seu desenvolvimento.
E, como o valor dos imóveis aumentará anualmente, verifica V. Ex.ª, Sr. Presidente, que êste empréstimo, na sua própria, mecânica, é organizado de maneira a satisfazer as necessidades do ensino ou das construções escolares.
Asseguramos, pois, por êste processo e o mais ràpidamente possível, desde a cidade de Lisboa até a mais remota aldeia, os recursos indispensáveis para o desenvolvimento do ensino.
Mas, para um ponto importante desejo ainda chamar a atenção da Câmara.
A criança pelo sistema do ensino é forçada a estar a maior parte do tempo na escola.
Porém, como a maioria das casas em que elas se encontram instaladas, senão a sua totalidade, não possuem as condições indispensáveis para o desenvolvimento físico da criança, dá-se, como todos V. Ex.ªs sabem, o seu prejuízo físico.
Ora é esta uma das origens da deminuta frequência escolar.
Sr. Presidente: pode hoje afirmar-se que o ensino, tal como está organizado, é contrário ao desenvolvimento geral, e contrário à própria vida da população escolar em Portugal, e é por instinto de conservação que as crianças fogem da escola, pois se vêem atacadas no seu próprio desenvolvimento orgânico.
Portanto o problema das construções escolares é fundamental e digno de ser olhado com o maior cuidado.
As escolas primárias não têm balneários, cantinas, nem refeitórios.
Elas não podem ser aquilo que eram há 50 anos, casas onde se ensinava a ler e escrever, mas sim laboratórios onde se oriente o crescimento ^orgânico de uma raça inteira.
Nestas condições temos de considerar o problema das construções escolares, adquirindo, por meio de empréstimo os recursos indispensáveis, e adoptando o tipo

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de construções ligeiras, pois não se compreende que imóveis de carácter social tenham uma duração superior a 30 anos, porque após êste tempo, evidentemente que já não têm as condições necessárias para servir ao fim para que foram instituídos.
E para exemplo, basta citar a V. Ex.ª o que se deu com a actual Escola Médica.
A importância dispendida para a construção do edifício, orça por cêrca de 2:000 contos, na moeda do tempo, ou sejam 40:000 da actual, não falando é claro, do que foi essa construção, sob o ponto de vista técnico e administrativo, porque então verificaríamos a falta de autoridade de muita gente que para aí anda a falar dos escândalos da República.
Mas o que é certo, é que se fez êsse edifício monumental, extraordinário, se sabe V. Ex.ª o que sucede?
E que, decorridos apenas dez ou doze anos sôbre a sua inauguração — e coube ao curso de que tive a honra de fazer parte o inaugurar essa escola — verifica-se que êsse edifício não tem as condições mais elementares necessárias ao funcionamento duma escola desta natureza.
Aí tem V. Ex.ª os inconvenientes de se adoptar um tipo de construções monumentais, porque a certa altura da sua existência chegam a não satisfazer aos fins para que foram criados.
Para que isso não suceda com o sistema que vimos trazer a esta casa do Parlamento, é que adoptamos o sistema de construções leves, que, sendo mais económicas, mais baratas e de mais rápida realização, é b sistema hoje adoptado por todos os países e principalmente por aqueles cuja situação financeira é idêntica àquela em que nos encontramos.
Sr. Presidente: como V. Ex.ª pode verificar em relação às construções escolares começaremos por investigar, depois por classificar e em seguida por estabelecer um plano completo de construções em todo o país, atendendo às suas necessidades e nunca a interêsses particulares, plano adoptado gradualmente, utilizando os conhecimentos e a técnica mais perfeita e mais económica.
Assim, dentro do ponto de vista da transformação do ensino público, iniciamos a execução da reforma por uma zona rigorosamente determinada por todo o país.
Uma vez obtida a execução perfeita da reforma nessa zona o plano conseguirá as disposições necessárias para o crescimento normal das zonas.
Sr. Presidente: tenho tomado tempo demasiado à Câmara, mas era inteiramente indispensável que eu não fizesse a apresentação desta proposta de lei, sem apresentar as considerações rápidas e de carácter geral que apresentei para que toda a Câmara ficasse inteirada do trabalho que aqui trazemos e pudesse corresponder ao intenso apelo que dêste lugar lhe dirijo, mais como camarada, como republicano e patriota, e êsse apelo vem a ser que não é possível, sem desonra para o Parlamento da República, deixar de considerar intensamente, com todo o cuidado e carinho a obra que aqui trazemos.
Não é uma obra sectária, de carácter político, é uma obra meditada por um conjunto de portugueses, que muito querem à sua terra, que souberam dar na execução desta reforma o nobre exemplo de como é possível juntarem-se para um trabalho patriótico pessoas que não poderiam juntar-se, por exemplo, para qualquer trabalho político ou dentro da mesma crença religiosa, pessoas, emfim, que se puseram ao serviço desta causa, sem preocupações de quaisquer interêsses de ordem individual.
É preciso que o Parlamento da República corresponda à atitude dêsses homens que aliás são alguma cousa neste país, mesmo no meio pedagógico nacional.
E preciso que o Parlamento Republicano não faça verdadeiras as palavras daqueles que não queriam que eu aqui trouxesse esta proposta e antes pedisse uma autorização.
Estou convencido de que o Parlamento vai fazer um esfôrço e apressará esta proposta e que daqui a duas ou três semanas eu encontrarei um Parlamento vivo e não um Parlamento morto que não fez um esfôrço para conceder alguns instantes de estudo a um problema dos que mais podem interessar o País.
Trata-se da remodelação dum sistema escolar completo.
Tem por fim preparar o povo português sob o ponto de vista moral, técnico e

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social condição necessária à realização de todos os progressos; porque não há progresso que delas não dependa.
Estou convencido de que êste Parlamento, que já tem dado prova do seu amor às questões mais importantes, sacrificando-se pelos problemas que são vitais para a nacionalidade, não negará o pequeno esfôrço que lhe peço.
Termino por pedir a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite a publicação integral desta proposta e do relatório no Diário do Govêrno.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Abílio Marçal: — Em nome da comissão do Orçamento envio para a Mesa as alterações, vindas do Senado, ao orçamento do Ministério do Interior, e requeiro que elas entrem imediatamente em discussão.
Foi aprovado o requerimento.
Foram lidas na Mesa as emendas e aprovadas sem discussão.
Senhores Deputados. — A comissão do Orçamento é de parecer que devem receber a aprovação desta Câmara as alterações do Senado à proposta de lei n.º 411-(a), orçamento do Ministério do Interior.
Sala das sessões, 20 de Junho de 1923. — Henrique Pires Monteiro (com declarações) — Vitorino Godinho — Lourenço Correia Gomes — Bartolomeu Severino — Tavares Ferreira — Adolfo Coutinho — Mariano Martins — Fausto de Figueiredo — Abílio Marçal, relator.
Alterações introduzidas pelo Senado à proposta de lei n.º 411-(a).
Capítulo 3.º:
Aumentada a verba para material e despesas diversas para o Govêrno Civil de Beja, na importância de 360$.
Capítulo 4.º:
Artigo 22.º — Dotação do lugar de secretário do Comissariado Geral de Polícia do Pôrto nomeado por decreto de 23 de Abril de 1920, com visto do Conselho Financeiro, de 17 de Junho de 1920, com a verba de 720$.
Adjunto da Polícia Administrativa do Pôrto, lugar criado e preenchido em harmonia com a última reforma da polícia, 1. 000$
Artigo 24.º — Substituïção das verbas de material e despesas diversas, despesa variável de pessoal, serviços de emigração, pelas seguintes:
[Ver valores da tabela na imagem]
Ao Comissário Geral
As Inspecções
Artigo 25.º — Pôrto. Material e despesas diversas:
Para instalação, expediente e outras despesas do Pôsto Antropométrico do Pôrto, 12. 000$.
Substituïção das verbas de material e despesas diversas, despesa variável de pessoal, serviço de emigração, pelas seguintes:
[Ver valores da tabela na imagem]
Ao Comissário Geral
As Inspecções
Subsídio à Câmara Municipal de Santarém como auxílio para renovação do depósito e canalização de água destinada a abastecimento público em compensação do fornecimento gratuito aos quartéis da guarda nacional republicana com sede na mesma cidade, 20. 000$.
Acrescentar na rubrica «Material e despesas diversas», na parte respeitante à polícia do Pôrto:
Para instalação do mobiliário do gabinete do juiz adjunto e da secretaria da Polícia de Investigação Criminal (cargos e serviços criados pela última reforma da polícia), 6. 000$,
Capítulo 6.º:
Artigo 33.º Acrescentar: para pagamento de encargos de anos económicos findos que se encontram em dívida, 202. 276$87.
Despesas extraordinárias: substituir na segunda rubrica e respectiva importância da verba de 15:480. 000$ a «Melhoria de vencimento nos termos das leis n.ºs 1:355 e 1:356, de 15 de Setembro de 1922, e decretos n.ºs 8:395 e 8:396, de 29 de Setembro de 1922, 8:488, de 17 de Novembro de 1922, decreto n.º 8:704, de 13 de Março de 1923, e portaria n.º 3:520,

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de 28 de Março de 1923 ao pessoal do Ministério, repartições e estabelecimentos dependentes e pessoal da administração dos bairros e concelhos do país, 16:982. 000$.
Palácio do Congresso, 20 de Junho de 1923. — António Xavier Correia Barreto — Luís Inocêncio Ramos Pinto.
O Sr. Presidente: — Vai prosseguir a discussão do parecer n.º 302, continuando no uso da palavra o Sr. Lourenço Correia Gomes.
O Sr. Lourenço Correia Gomes (relator): — Sr. Presidente: prosseguindo nas considerações que ontem iniciei em resposta a alguns dos ilustres Deputados que se têm referido à proposta em discussão e, muito especialmente, ao Sr. Morais Carvalho, devo dizer que por virtude da execução do contrato de 1918 recebeu o Estado, como partilha de lucros na gerência de 1919-1920, 1:118. 435$01, na gerência de 1920-1921, 1:417. 869$33, e na de 1921-1922, 1:646. 354$77, ou seja um total de 4:182. 659$01.
Confirma-se, portanto, aquilo que ontem eu afirmei sôbre o facto de, à sombra do decreto n.º 4:510, o Estado ter feito a arrecadação de receitas diversas.
Relativamente à conta de sobreencargos que consta da escrita da Companhia, escrita que suponho dever ter sido fiscalizada pelo representante do Estado, verifica-se que, segundo uma nota que me foi fornecida pelo comissariado, até 30 de Abril de 1922 atingiu a importância de 25:165. 742$35.
Essa conta encontrava-se assim constituída:
[Ver valores da tabela na imagem]
Resumo da conta de sobreencargos. — Diferença de preços de matérias primas em relação ao exercício de 1915-1916, e despesas conexas e juros de desembolsos de sobreencargos de conformidade com o decreto n.º 4:510 e suas instruções anexas nos exercícios de 1916-1917 a 1921-1922.
Melhorias e subvenções ao pessoal
Despesas da conta do Estado
Transporte
A deduzir:
Produto dos 2/3 do aumento de preços de conformidade com o artigo 5.º do decreto n.º 4:510 de 26 de Junho de 1918 e relativo aos exercícios de 1918-1919 a 1921-1922
Saldo devedor em 30 de Abril de 1922 conforme o relatório publicado e referente ao exercício de 1921-1922
Pelos relatórios da Companhia, verifica-se também, no entanto, que ela parece ter dúvidas quanto à liquidação dos sobreencargos, tanto assim que nesses relatórios se encontra uma conta de liquidação de exercícios findos, conta que na gerência de 1921-1922 se elevou a 20:322. 455$07.
Daqui se depreende que a Companhia, não tendo a certeza de que no final da concessão o Estado a indemnizará pelos prejuízos que tenha havido até essa data por sobreencargos, estabeleceu uma conta de previsão que está quási igual à conta da dívida de sobreencargos.
O ilustre Deputado, Sr. Joaquim Ribeiro, disse há dias que era lamentável que a comissão de finanças se tivesse utilizado dos elementos fornecidos pela Companhia, e não dos que lhe foram transmitidos pelo comissariado do Govêrno junto dela e ainda por outras entidades que nos seus serviços se ocupam.
A comissão não requisitou à Companhia quaisquer elementos, nem dela obteve absolutamente cousa alguma, tendo sempre procurado fazer um trabalho consciencioso e do defesa dos interêsses do Estado.
Tem-se pugnado nesta Câmara pela derrogação do decreto n.º 4:510, mas o que é certo é que até agora nenhum dos ilustres parlamentares que manifestavam, essa opinião tomou a iniciativa de mandar para a Mesa uma proposta em tal sentido.
Como se sabe, a Câmara não pode tomar qualquer resolução pelas simples palavras proferidas por qualquer Deputado, mas sim sôbre propostas enviadas para a

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Diário da Câmara aos Deputados
Mesa, pelo que seria conveniente que os Sr s. Deputados que alvitram a derrogação do decreto n.º 4:510 traduzissem em propostas o seu modo de ver.
Não sei se o Sr. Ministro das Finanças aceitaria tal derrogação; no emtanto, não lhe vejo inconveniente de maior, tanto mais que ela proporcionaria ao Govêrno uma liberdade maior para poder tratar com a Companhia dos Tabacos.
Quanto à inconstitucionalidade do decreto, se ela fôr de facto reconhecida e se a Câmara tiver de pronunciar-se sôbre êsse assunto, eu entendo também que qualquer dos Deputados proponentes deve propor imediatamente a rescisão do contrato e ao mesmo tempo propor a acção de responsabilidade contra as entidades que elaboraram o decreto e firmaram o contrato.
Relativamente ao facto de, no parecer, não se aludir à vida interna da Companhia, não compete à comissão entrar na vida interna dessa Companhia, pois apenas lhe interessa o estado das suas relações com o Estado, dentro dos princípios contratuais.
Outras considerações eu poderia fazer se estivesse em discussão o projecto inicial da comissão de finanças; mas, como o que se discute é a proposta do Sr. Ministro das Finanças, apenas me compete responder aos Srs. Deputados que usaram da palavra sôbre o assunto, o que creio ter feito suficientemente.
Tenho dito.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: mando para a Mesa a minha moção que representa o meu modo de ver sôbre o assunto.
Num debate desta importância a minoria católica não podia ficar silenciosa, e vai nele intervir com a solicitude que o patriotismo lhe impõe.
Ao passo que os oradores antecedentes se ocuparam principalmente da discussão intrínseca do contrato dos tabacos, eu vou tratar especialmente das condições extrínsecas dêste problema, que é, sem dúvida, um dos mais importantes do País.
Antes, porém, seja-me permitido acentuar os princípios gerais que me orientam nesta matéria.
Eu acho inteiramente justo o artigo 3.º
da Constituïção, que diz que os exclusivos só por interêsse ou utilidade pública se podem admitir.
Ora o contrato dos tabacos está nestas condições, porque constitui uma das receitas mais importantes de entre as receitas gerais do Estado.
Em 1906 essa receita constituía a décima parte das receitas gerais do Estado, sendo essas rendas calculadas em 6:520 contos.
Ao mesmo tempo que, repito-o, essa receita representa uma das maiores fontes das rendas públicas, sucede também que o consumo do tabaco afecta directamente as condições gerais da salubridade pública e não há nada melhor para assegurar as condições da salubridade pública do que o monopólio.
Há, porém, que valorizar êste monopólio e para isso impõe-se a actualização das suas rendas, alargando, não só o objecto, mas a extensão do mesmo monopólio.
Quanto ao seu objecto, deve fazer-se com que a Companhia abranja os vários apetrechos para fumo, e quanto à sua extensão dar-lhe os meios necessários para êsse efeito, não só no continente como em todo o território nacional.
O primeiro ponto consta do parecer n.º 302, e o segundo é previsto pelo artigo 7.º, n.º 2.º, do contrato vigente dos tabacos.
E claro que êste alargamento do monopólio se deverá fazer com as convenientes garantias para o interêsse público.
Em matéria de administração parece-me que devemos continuar tanto quanto possível no regime em que temos vivido, e inclino-me nesse sentido porque as administrações autónomas no nosso País não têm dado grandes provas de eficácia no sentido dos melhores interêsses do Estado.
Quanto à administração directa ela é mais dispendiosa e não assegura com tanta estabilidade receitas para o Estado.
A comissão apresentou uma outra forma de administração dos tabacos, que é a administração comum do Estado, com uma larga comparticipação de lucros.
Trata-se duma forma de administração que não tem tradições no país, e é êsse o inconveniente que eu lhe encontro.

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Sr. Presidente: expostos êstes princípios de um modo geral, cumpre-me entrar pròpriamente no assunto, e a êste respeito eu tenho a notar que não se trata de um contrato inteiramente novo, mas simplesmente da modificação dum contrato vigente.
A Câmara, portanto, nestas condições, não tem a liberdade de acção que teria se porventura se tratasse de um contrato inteiramente novo.
Um dos problemas, que já aqui e lá fora foi versado, é o que respeita a saber se porventura as modificações ao contrato dos tabacos podem ser feitas integralmente pela Câmara ou se a Câmara deve limitar-se a formular umas bases gerais, deixando ao Ministro a responsabilidade de alguma modificação mais particular.
Eu inclino-me para esta segunda opinião.
Os oradores que me têm precedido e que se inclinam para a primeira opinião procuram argumentar com o exemplo do contrato com o Banco emissor à sombra da lei de 29 de Julho de 1887 e com o próprio contrato dos tabacos de 27 de Outubro de 1906.
Relativamente ao contrato feito ao abrigo da lei de 29 de Julho de 1887, o argumento não é de invocar, porque o Estado, no Banco de Portugal, tem ingerência na respectiva administração, pelo artigo 30.º da mesma lei.
As vantagens do contrato de 1906 são nulas, e a organização dos quadros dos trabalhadores é passiva.
No contrato dos tabacos, não houve previsão, nem se garantiu, trabalho nacional.
Como V. Ex.ªs podem verificar, nem organização de quadros. de pessoal, nem garantia de matéria para o pessoal trabalhador.
As vantagens do contrato de 1906, foram anuladas por circunstâncias várias, por motivos de fôrça maior; e o contrato só resultou ruïnoso para o Estado.
Eu entendo que a Câmara só deve tratar do assunto nas suas bases gerais, e deixar a regulamentação para a competência e probidade do Sr. Ministro das Finanças.
O assunto é duma certa complexidade e, como me sinto um tanto fatigado, pedia a V. Ex.ª para me reservar a palavra.
Por agora dou por terminadas as minhas considerações. O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª não ignora que há cêrca de um mês se iniciou a discussão do orçamento do Ministério da Guerra, não ignora que esta discussão teve de interromper-se por que se verificou ser necessário que êsse orçamento voltasse à comissão respectiva.
A Câmara sabe que nos encontramos no dia 21 de Junho e que os orçamentos em 30 desta mês devem estar votados.
Êste orçamento que teve uma discussão porventura especial teve necessidade do voltar à comissão, e também é necessário que fique discutido e votado até 30 dêste mês, para só não lançar mão novamente dos duodécimos.
Nestas condições, V. Ex.ª me informará se êle se encontra realmente em termos de ser discutido até essa época.
O Sr. Presidente: — A comissão está trabalhando, e espera dentro de poucos dias, apresentar os seus trabalhos.
É do que sou informado.
O Sr. Abílio Marçal: — A comissão reüniu para tratar dêsse orçamento. Nomeou novo relator o Sr. Pires Monteiro.
Amanhã será discutido o relatório e dado o parecer.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Sr. Presidente: não é nova a opinião que vou expor à Câmara.
Entendo, e já aqui o expus, que a discussão dos orçamentos, tal como vem sendo feita, é prejudicial aos interêsses gerais do País.
Apoiados.
Estamos num País parlamentarista, é certo, onde todas as despesas e receitas devem ser rigorosamente fiscalizadas; mas é também certo que têem vindo à discussão despesas e receitas cuja discussão é absolutamente inútil.
Apoiados. Não apoiados.
Entendo que o defeito proveniente de todo o atraso que tem havido na discussão dos orçamentos, deriva fundamentalmente dêste facto, isto é, de os orçamentos não serem organizados de uma forma útil e proveitosa para o País.

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A Inglaterra, Sr. Presidente, país parlamentarista por excelência, apresenta o seu orçamento num pequeno volume de 12 páginas, ao passo que nós, um País pequeno, apresentamos b Orçamento, em volumes contendo dezenas de paginas.
O que se torna necessário é reorganizar os nossos serviços, organizando a lei orçamental de forma que a discussão dos orçamentos que se apresentam ao Parlamento se faça apenas no que diz respeito às despesas variáveis e deixando de parte as despesas certas.
A primeira condição essencial para que nos futuros anos se possa fazer uma discussão útil dos nossos orçamentos, está na forma de os apresentar à. Câmara de uma maneira mais sucinta, do modo que se discutam somente as despesas variáveis,, pois que as despesas certas não há que discutir.
A primeira condição, pois, a meu ver, é a comissão do Orçamento ser encarregada de elaborar uma nova lei orçamental para o próximo ano económico, e futuros.,, sob bases diversas e inteiramente novas, de forma a que apenas se discutam as despesas variáveis, pondo de parte as. despesas certas.
Sr. Presidente: as alterações que foram introduzidas no Regimento para facilitar a discussão dos orçamentos, não foram da iniciativa do Partido Republicano Português, pois a verdade é que apenas se limitou a transigir com aqueles que apresentaram essas alterações.
As primeiras alterações foram feitas pelo Sr. Álvaro de Castro, e o Partido Republicano Português, desejando transigir e estar de acôrdo com a opinião de toda a gente, aceitou a proposta de emenda do Sr. Álvaro de Castro.
Veio depois o Sr.. Alberto Xavier com umas alterações do Regimento e o Partido Republicano Português, com o intuito de abreviar a discussão dós orçamentos, aceitou essas alterações.
Por fim veio o Sr. António Fonseca com umas novas alterações ao Regimento e o Partido Republicano Português, no intuito de abreviar a discussão dos orçamentos, aceitou essas alterações.
O Partido Republicano Português está nesta situação, e se as emendas apresentadas ao Regimento não tem ciado o resultado que seria para desejar, a culpa não é dele, pois, se as aceitou, foi com o intuito de se discutirem ràpidamente os orçamentos; porém, o Partido Republicano Português não tem dúvidas em aceitar novas formas que sejam apresentadas, todas, claro está, tendentes a abreviar a discussão dos orçamentos de forma a que êles sejam votados todos os anos e conforme manda a Constituïção, pois a verdade é que não podengos continuar a viver no regime de duodécimos.
Sr. Presidente: estas minhas explicações, que são dadas no desejo de acertar aquilo q-ue tem andado desacertado, pretendem também revelar a V. Ex.ª e à Câmara que, se porventura tem havido incidentes dentro da vida política portuguesa, êles não resultaram por causa do Partido Republicano, Português.
Ainda hoje, agravados como estamos, nós não temos dúvidas nenhumas em aceitar aquelas bases que, prestigiando a Republica, nus não deminuam.
Assim, acoitando uma reforma da proposta orçamental, e aceitando uma reforma do Regimento, creio que mostramos o nosso desejo de conciliação.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações aduzidas pelo, Sr. Deputado António Fonseca; ouvi com igual atenção as considerações, que acaba de fazer em nome do Partido Democrático o ilustre leader do mesmo partido, Sr. José Domingues dos Santos.
Vi na verdade que nas considerações aduzidas por qualquer dos ilustres Deputados a que acabo de me referir se chegou à conclusão de que as propostas apresentadas nesta casa do Parlamento pelo Sr. António Fonseca não produziram, como era de desejar, todas aquelas vantagens que S. Ex.ª julgava necessárias e convenientes para a discussão orçamental, e que é preciso encarar a discussão orçamental por forma diversa da que se tem seguido até hoje.
Porque assim é e porque de facto aquelas propostas originaram um qui pro que na vida política do País, uma situação que me parece que não é agradável, nem para o Parlamento, nem para a Re-

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pública; permito-me, com o desejo sincero que tenho de com a insignificância do meu trabalho fazer alguma cousa para que a paz se estabeleça na família política portuguesa, apelar em meu nome e no da quási totalidade dos Deputados independentes, para o patriotismo e republicanismo de todos, especialmente do Sr. António Fonseca, a fim de que na verdade esta situação se modifique o mais depressa possível.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não, reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. António Fonseca deseja tratar em negócio urgente da forma como tem decorrido os trabalhos parlamentares.
Os Srs. Depurados que autorizam queiram levantar-se.
É aprovado.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: o Sr. José Domingues dos Santos, em nome do Partido Republicano Português, de que é leader, acaba do fazer à Câmara considerações que não seria lógico deixar de ter em atenção pelas circunstâncias actuais do funcionamento desta casa do Parlamento.
Salientou S. Ex.ª que, sistematicamente todas as propostas de alteração do Regimento têm sido feitas por pessoas que não fazem parte do seu partido.
De facto assim ó; o Partido Democrático na realidade tem o direito de dizer que todas as propostas feitas neste sentido não são da sua iniciativa, mas que para aprovação do orçamento, repito, transigiu com os seus autores.
Eu fui um dos que apresentaram propostas, o quando apresentei a minha fi-lo espontaneamente sem ter dito uma palavra a ninguém e apresentei-a pela obrigação que tinha tomado pelo facto do encerramento de uma sessão; apresentei-a por um compromisso.
Mas nunca apresentei nesta Câmara uma proposta sem ter o cuidado de pôr nela a minha isenção, e com a proposta concordou uma parte da Câmara.
Discordou da proposto, o Partido Nacionalista, mas nunca ninguém me disse que a apresentação dessa proposta, e só ela fôsse votada, isso provocam um conflito
tremendo e que êsse partido abandonaria os trabalhos da Câmara.
Isto não seria de admitir, ruas só mo dissessem, eu que nunca tive desejos de complicar qualquer situação, eu que sempre tenho a solução de todos os assuntos nas medidas das minhas fracas fôrças para que os trabalhos parlamentares sejam da mais perfeita harmonia política, eu que não tinha senão o compromisso da minha pessoa, eu teria abandonado o propósito em que estava de apresentar essa proposta.
Mas, porque ninguém me fez sentir que ela teria consequências tam graves, não deixei de usar em direito que têm todos os Deputados.
Sr. Presidente: quem procede com esta isenção não pode ser acusado de procurar criar um conflito.
Querer criar um conflito um homem que não tem partido, que não tem aspirações políticas, seria toleima, porque tenho de me considerar muito pequeno para poder criar um conflito entre partidos fortes.
Durante a discussão dessa proposta o até a saída dos Srs. Deputados nacionalistas, tenho a consciência e afirmo bem alto que não proferi uma palavra que pudesse magoar ou agredir qualquer partido, ou qualquer homem.
Fui para com todos da habitual correcção que me impõem o respeito desta, casa e o respeito que devo aos meus colegas e a mim próprio. Se as circunstâncias posteriores fizeram com que o conflito, se agravasse, decerto que não poderá ninguém, com justiça, atribuir-me por isso qualquer responsabilidade.
Desde a primeira hora eu classifiquei de profundamente deplorável a situação criada; desde a primeira hora eu tive o desejo de evitar atritos e deminuir dificuldades, fazendo, na fraca medida das minhas fôrças, tudo quanto possível para colocar as circunstâncias em condições de se poder resolver um conflito que sempre reputei prejudicial para os interêsses da nação e da República.
Sr. Presidente: ouvi as palavras do Sr. José Domingues dos Santos e tenho muito prazer em ser eu quem tome a iniciativa de dar à situação actual uma fórmula em que todos caibam o não era preciso para isso que o Sr. Deputado e meu

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querido amigo Sr. Fausto de Figueiredo apelasse para o meu patriotismo, porque devo dizer que se, porventura, logo na primeira. hora me houvessem dito que para a solução do conflito era necessária a minha renúncia do lugar de Deputado, eu que muito o amo, pois tenho-o conquistado de direito, não hesitaria em apresentá-la.
O Sr. José Domingues dos Santos referiu-se à organização dos orçamentos.
Declarou S. Ex.ª que os orçamentos como estão organizados não servem para que realmente se faça sôbre êles a fiscalização que temos o dever de exercer.
Ao lado disso não posso deixar de reconhecer que as alterações ao Regimento todas inspiradas, desde as dos Srs. Álvaro de Castro e Alberto Xavier até as minhas, no desejo de se fazer obra útil, não chegaram a dar o resultado desejado: a discussão do Orçamento no prazo constitucional.
A discussão do Orçamento Geral do Estado está a acabar, e eu julgo que se poderá pôr a questão em termos de ser resolvida ainda antes de se discutir o orçamento da guerra, e por isso e para que se chegue aos efeitos que estão no pensamento do Sr. José Domingues dos Santos, segundo depreendo das suas palavras, peço licença para mandar para a Mesa a seguinte moção, que deverá ser submetida à apreciação da Câmara, em negócio urgente.
A Câmara, considerando, que é deficiente a actual organização do Orçamento, que carece de modificações tendentes a aperfeiçoá-lo, permitindo uma melhor fiscalização dos gastos do Estado;
Considerando que das disposições regimentais em vigor sôbre a discussão dêste diploma algumas produziram resultados prejudiciais e outras não asseguraram os fins a que visavam, especialmente o da sua votação no período normal da duração da sessão legislativa:
A Câmara dos Deputados resolve;
1.º Encarregar a comissão do Orçamento de apresentar no começo da próxima sessão legislativa um projecto de lei regulando á organização do Orçamento do Estado em ordem a permitir uma melhor organização e fiscalização das despesas públicas;
2.º Revogar desde já todas as disposições regimentais, especialmente referentes à discussão e aprovação do Orçamento Geral do Estado, incumbindo a comissão do Regimento do estudo e apresentação em 2 de Dezembro próximo das providências regimentais necessárias para assegurar a sua>rápida e profícua discussão dentro do período normal do funcionamento do Poder Legislativo. — O Deputado, António Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa e admitida a moção.
Foi aprovada a urgência e dispensa de Regimento para a proposta do Sr. António Fonseca.
O Sr. Abílio Marçal: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se permite que a sessão seja prorrogada até se votar a proposta do Sr. António Fonseca.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: mais uma vez constatamos hoje que a República mudou tudo.
Era costume esperar que depois do casamento viesse alguém de França; desta vez veio de França, numa condecinha, alguém, antes do casamento: foi o Sr. Fausto de Figueiredo.
Sr. Presidente: tenho de dizer a V. Ex.ª que falo em nome dêste lado da Câmara, mas falo diferentemente, falo com uma qualidade diversa daquela com que têm falado todos os ilustres Deputados sôbre êste assunto.
Eu sou representante do público, estou na platea, não estou na peça.
Sr. Presidente: mais uma vez se provou também, que não há fumo sem fogo.
Quando o Sr. Lino Neto apreciava um bom pedaço de tabaco teve S. Ex.ª de interromper o cigarro que estava fumando para deixar que numa divisão de trabalho bem compreendida outro puxasse o cigarro emquanto S. Ex.ª suspendia o fumo.
Escreve depressa o Sr. António Fonseca, e foi assim que S. Ex.ª teve tempo de ouvir com surpresa o Sr. José Domingues dos Santos e de redigir a moção que enviou para a Mesa.

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O Sr. António Fonseca: — Já estava feita.
O Orador: — Então é que V. Ex.ª já adivinhava o pensamento do Sr. José Domingues dos Santos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — É a Madame Brouillard.
O Orador: — Depois de falarem os cinco Srs. Deputados, os cinco personagens do assunto em discussão, e emquanto o Sr. Lino Neto não continua a fumar o seu cigarro, seja-me permitido que da plateia desta bancada geral diga alguma cousa em nome dêste lado da Câmara.
Alguma vez havia de estar de completo acôrdo com o Sr. Domingues dos Santos; desta vez S. Ex.ª fez uma afirmação que merece o nosso mais incondicional aplauso, e tanto assim que logo demos os nossos apoiados.
Afirmou S. Ex.ª que a discussão dos orçamentos, tal como se tem feito, é prejudicial ao país. Ainda bem que S. Ex.ª reconhece êsse facto, depois de ter defendido a moção do Sr. António Fonseca.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Eu não votei a proposta do Sr. António Fonseca, não a discuti sequer, porque não estava cá.
O Orador: — Foi o partido de V. Ex.ª Assim, de acôrdo com S. Ex.ª neste ponto, não posso, nem podemos nós. dês-te lado da Câmara, concordar com o ponto de vista defendido por S. Ex.ª sôbre a discussão dos futuros orçamentos.
Afigura-se-me que S. Ex.ª, nas palavras que proferiu, teve a intenção de exprimir a opinião da maioria para que de futuro os orçamentos tivessem ainda maiores restrições na sua discussão do que ultimamente têm tido. Defendeu, portanto, S. Ex.ª que não tivessem mais discussão as verbas fixas, mas simplesmente as verbas variáveis, o que está em perfeita contradição com as tradições parlamentares do nosso país.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — O que V. Ex.ª condena é o artigo 12.º da lei da contabilidade, da autoria do Sr. João Franco.
O Orador: — Mas nunca foi aplicada porque era contra a praxe e contra a tradição, e V. Ex.ª sabe que nunca no Regimento da monarquia se estabeleceu que os Deputados discutissem o Orçamento como agora se discute.
Êste lado da Câmara sempre desejou o regresso breve dos Deputados da minoria nacionalista; todavia, receio que, tendo-se terminado um conflito, não surja outro mais grave ainda, porque os Deputados nacionalistas abandonaram esta sala porque defendiam um princípio diferente daquele que agora se defende.
Disse o Sr. José Domingues dos Santos que o seu partido não tem feito outra cousa senão transigir e que as alterações propostas para a discussão do Regimento não foram apresentadas pelo Partido Republicano Português.
Assim foi, é certo, mas a verdade é que a maioria, com a sua estranhável transigência, se opôs a todos os «princípios que a razão e a justiça defendiam, e foi até o Sr. Vitorino Godinho que solevantou para requerer que fôsse dada por discutida a proposta do Sr. António Fonseca com prejuízo dos oradores inscritos.
O Sr. Vitorino Godinho (interrompendo): — Não em nome do meu partido, mas por minha iniciativa própria.
O Orador: — Mas a maioria do seu partido apoiou.
Para que é que serve hoje revogar tudo quanto se fez, para preparar a reentrada do Partido Nacionalista na Câmara?
Melhor fora que se tivesse olhado mais para os interêsses do país e não se tivesse gasto tanto tempo numa grande discussão que de nada serviu porque algumas vezes foram aprovados capítulos sem que fossem discutidos.
A minoria monárquica nunca deixou fazer uma única votação sem o número necessário; nós nunca tomámos parte nos trabalhos parlamentares desde que não havia o quorum que o Regimento preceitua.
Podíamos nós ter acompanhado a minoria nacionalista, e sairmos da sala e não voltar ao Parlamento.
Respeitando muito a opinião da minoria nacionalista julgámos do nosso dever não sair, e julgámos, visto que éramos

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uma minoria pouco numerosa, que Hão podíamos impor aos trabalhos parlamentares aquela norma indispensável e mais útil seria mantermo-nos no nosso pôsto, sem quebra dos nossos princípios morais.
Hoje não há ninguém que se levante nesta sala que não diga que temos razão de atacar a forma como foram discutidos os Orçamentos; e que tais como estão não servem para nada.
Ora o Govêrno que agradeça.
Aqui tem o Govêrno uma moção de desconfiança votada pela maioria, dizendo que não foi discussão séria a discussão que se fez dos orçamentos.
Não queremos essa responsabilidade dêste lado da Câmara.
Não me alongarei em considerações, mas melhor, seria se tivesse ponderado isso antes de a proposta ter sido votada há dois meses.
Assim a nove dias do fim do mês em que deviam estar discutidos os orçamentos, se demonstra que o que S. Ex.ª hoje defende não deveria ter sido defendido por S. Ex.ª
Apoiados.
Não apoiados.
O Sr. António Fonseca: — Hoje fui autor de uma proposta para declarar que o Orçamento Geral do Estado deve ser discutido em termos de poder estar completa a discussão no dia 2 de Abril de cada ano.
E o que desejo se faça de futuro.
O Orador: — £ Porque defendeu então S. Ex.ª, que hoje sustenta, que o Orçamento deverá estar discutido no dia 2 de Abril de cada ano, que deveria haver restrição de liberdade de falar aos Deputados, no tempo em que ainda se podia falar?
Até defendeu a necessidade de deminuïção do quorum, o que se fez!
Agora, a nove dias de terminar esta discussão, quando os orçamentos têm passado pára o Senado, já se não entende assim, fazem-se reconsiderações à pressa, com as quais realmente não concordamos.
Não quero tomar mais tempo à Câmara, e porventura, poder prejudicar o bom sucesso da vinda do meu querido amigo pessoal Fausto de Figueiredo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio de Abreu: — Devo declarar, fazendo parte da maioria desta casa do Parlamento, que fui dos que não concordaram com a proposta do Sr. António Fonseca, por isso que previra os factos que como bom patriota desejava evitar.
Dentro do meu partido não se faz questão fechada dessa proposta.
Apoiados.
Fomos quatro ou cinco que não concordámos, e não votámos também o requerimento do Sr. Vitorino Godinho.
Não havia da parte da maioria, portanto,- o propósito de coarctar a liberdade dos Oradores.
Votaram como entenderam.
Eu votei como entendi nessa ocasião.
É o que tenho a declarar.
O orador não reviu.
É aprovada a moção do Sr. António Fonseca.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei.
O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro a V. Ex.ª que seja interrompida a discussão da proposta dos tabacos, até o regresso a esta Câmara, que deve ser breve, da minoria nacionalista.
Vozes: — Não pode ser, Sr. Presidente, porque a sessão está prorrogada..
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A que estava marcada, inscrevendo-se entre os n.ºs 019 e 352 os seguintes:
Parecer n.º 498, que modifica algumas disposições do Código do Registo Civil.
Parecer n.º 476, que regula o pagamento da renda nos arrendamentos de prédios rústicos com renda fixa a dinheiro.

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Parecer n.º 427, que isenta de direitos e de impostos o material para o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada.
Parecer n.º 353, que autoriza a Companhia de Crédito Agrícola da Régua a avaliar certos «prédios.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
A que estava marcada menos os pareceres n.ºs 353 e 498.
Ordem do dia: A que estava marcada. Está encerrada a sessão. Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 138-A, que autoriza a Santa Casa da Misericórdia de Sintra a contrair um empréstimo para construção de um novo hospital.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 444-D, que extingue o lugar de porteiro do Observatório Astronómico anexo à Faculdade de Sciências da Universidade de Lisboa, e cria um lugar de servente.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 500-E, que extingue um lugar de preparador do Laboratório de Física da Faculdade de Sciências da Universidade de Coimbra e cria um no Museu Antropológico da mesma Faculdade.
Imprima-se.
Das comissões de obras públicas, comércio e indústria, legislação civil e comercial e de finanças, sôbre o n.º 550-A, que autoriza o Govêrno a mandar proceder às obras de que carece o pôrto comum de Faro e Olhão.
Imprima-se.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 294-E, que regulamenta o exercício da caça.
Imprima-se.
Da comissão de saúde e assistência pública, sôbre o n.º 503-A, que transfere para a Assistência Pública designados operários que hajam, sido julgados incapazes do serviço.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 437-B, que conta a João Maria Ferreira do Amaral a antiguidade no pôsto de major desde a data da sua graduação no mesmo pôsto.
Imprima-se.
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e da Instrução, sôbre a reorganização da educação nacional.
Para o «Diário do Govêrno».
O REDACTOR — Avelino de Almeida.

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