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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 122
EM 6 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados, lê se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Prazeres da Costa pede providências no sentido de serem pagos os vencimentos em atraso a oficiais em serviço na Índia, e reclama contra perseguições à imprensa periódica na mesma colónia.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Queiroz Vaz Guedes).
O Sr. Bartolomeu Severino manda para a Mesa um projecto de lei alterando a lei n.º 1:368, e pede urgência.
O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se das reclamações que tem recebido de inquilinos e senhorios, sôbre a lei do inquilinato.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão).
O Sr. João Bacelar ocupa-se da necessidade da reforma dos serviços prisionais e da f alta de pagamento dos duodécimos relativos às despesas com a alimentação dos presos.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
Volta a usar da palavra o Sr. João Bacelar, e fala também, de novo, o Sr. Ministro da Justiça.
Continua em discussão, na especialidade, o parecer n.º 493, que estabelece penalidades a aplicar aos que se entregam a jogos ilícitos.
O Sr. Vasco Borges apresenta duas propostas, uma de substituição, e outra de emenda ao artigo 1.º
São admitidas.
Acerca destas propostas pronunciam-se os Srs. Jorge Nunes e Carlos Pereira, aos quais responde o Sr. Vasco Borges.
É rejeitada uma proposta de eliminação apresentada pelo Sr. João Bacelar.
É aprovada a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Vasco Borges.
É aprovado o artigo 1.º da comissão, salva a emenda.
Aprova-se sem discussão o artigo 2.º
Depois de usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva, a quem responde o Sr. Vasco Borges, aprova-se o artigo 3.º
Sôbre o artigo 4.º fala o Sr. Carlos de Vasconcelos, que apresenta duas propostas, acêrca das quais usa da palavra o Sr. Vasco Borges.
O Sr. Pedro Pita apresenta uma proposta de substituição ao § único do referido artigo.
O Sr. Vasco Borges manifesta-se de acôrdo.
O Sr. Jorge Nunes envia para a Mesa uma proposta de eliminação.
É aprovada a acta da sessão anterior.
Reconhece-se a urgência para o projecto de lei do Sr. Bartolomeu Severino.
O Sr. Presidente propõe que se lance na acta um voto de sentimento pela morte de uma irmã do Sr. Ministro das Finanças.
Aprovado por unanimidade.
Ordem do dia. — Vota-se o parecer da Comissão do Orçamento sôbre as alterações do Senado ao orçamento do Ministério da Marinha, depois de usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva, a quem responde o Sr. Mariano Martins.
Prossegue o debate sôbre a interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Presidente do Ministério acêrca de política geral do Gabinete.
O Sr. Cunha Leal conclui o seu discurso de réplica ao Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa) requere que entre em discussão, na segunda parte da ordem do dia da próxima sessão, a proposta de lei n.º 532-D.
Sôbre o modo de votar usam da palavra os Srs. Sampaio Maia e Joaquim Ribeiro, que requere que, conjuntamente, se discuta o projecto da sua autoria.
Ainda sôbre o modo de votar usam do. palavra os Srs. Pedro Pita, João Luís Ricardo, Carvalho da Silva e Almeida Ribeiro, após o que foi aprovado o requerimento do Sr. Ministro da Agricultura.
É aprovado o requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro.
Comunica-se que o Sr. Alfredo de Sousa é subs-
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tituido pelo Sr. Vergilio Saque na comissão de finanças.
Vota-se o parecer da Comissão do Orçamento sôbre as alterações do Senado ao orçamento do Ministério da Agricultura.
Prossegue o debate sôbre a interpelação do Sr. Cunha Leal, a quem responde-o Sr. Presidente do Ministério (António Marta da Silva).
O Sr. Francisco Crus propõe um voto pelas melhoras de Guerra Junqueira. Aprovado.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 15 horas e 20 minutos.
Presentes à chamada, 41 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 61 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Francisco da Cruz.
Francisco Dinis do Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes
João Vitorino Moalha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José de Amorim.
Herrnano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
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Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José do Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João do Sousa Uva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mondes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José do Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manoel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel do Sousa Dias Júnior.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Pelas 15 horas e 25 minutos, com a presença de 41 Sr s. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se, a acta e o seguinte
Ofícios
Do juiz sindicante às polícias de segurança e investigação, pedindo autorização para os Srs. Agatão Lança e Lelo Portela deporem como testemunhas no processo de sindicância às ditas polícias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do tribunal mixto militar territorial e de marinha, pedindo autorização para deporem como testemunhas, hoje, os Srs. Cunha Leal, Agatão Lança, Pereira Bastos e Ribeiro de Carvalho.
Para arquivar.
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Telegramas
Da Câmara Municipal de Olhão, pedindo que seja votado o projecto sôbre percentagens.
Para a Secretaria.
Dos funcionários da Câmara Municipal da Régua, pedindo que sejam equiparados aos das administrações de concelho.
Para a Secretaria.
Dos católicos de Paços de Ferreira, apoiando as reclamações dos católicos. Para a Secretaria.
antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão presentes 51 Srs. Deputados. Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Prazeres da Costa: — Chamo a atenção do Govêrno para a situação absolutamente insustentável em que se encontram os funcionários da província de Moçambique e de Angola, residentes na Índia, uns aposentados e outros em gozo de licença. Segundo um telegrama que recebi, vê-se que êsses funcionários não recebem há mais de um ano.
Aproveito estar com a palavra, para chamar a atenção de V. Ex.ª para a perseguição que se está movendo contra a imprensa da Índia. Eu já tive ocasião de tratar nesta Câmara do assalto ao jornal Pigmeu, e agora acabo de receber o seguinte telegrama:
Redacção e oficinas Pigmeu continuam seladas e guardadas pela fôrça. Pedimos providências. — Director Pigmeu.
Peço a V. Ex.ª para chamar a atenção do Govêrno a fim de tomar as mais enérgicas providências, e peço ao Sr. Ministro do Comércio o favor de transmitir ao seu colega das Colónias as minhas considerações.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Transmitirei fielmente ao Sr. Ministro das Colónias as considerações de V. Ex.ª
a Mesa um projecto de lei tendente a isentar da contribuição industrial os empregados no comércio, na indústria e na agricultura. Creio que o projecto tem por si toda a justiça, pois não faz sentido que os operários sejam isentos dessa contribuição, e os empregados nos escritórios, que têm um vencimento em regra inferior ao salário dos operários, não o sejam.
Não vou fazer agora considerações sôbre o projecto; reservo-me para quando êle vier à discussão. Peço para êle urgência.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: desejaria ouvir a opinião do Sr. Ministro da Justiça sôbre um assunto que é de toda a importância.
Desejaria saber se S. Ex.ª reconhece a necessidade de legislar com urgência para evitar abusos por parte de senhorios e inquilinos.
Desejava saber também a opinião de S. Ex.ª quanto às rendas e à forma de as aumentar.
É indispensável providenciar ràpidamente, a fim de evitar conflitos entre senhorios e inquilinos.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — O Sr. Carvalho da Silva chamou a minha atenção para a conveniência de se legislar de forma a evitar abusos entre senhorios e inquilinos.
Devo dizer a V. Ex.ª que, se não fôsse o projecto já apresentado pelo Sr. Catanho de Meneses, eu já teria apresentado uma proposta.
Entendo que a lei actual que regula as relações entre senhorios e inquilinos precisa de ser modificada.
Quanto ao quantitativo das rendas, entendo que devem ser actualizadas, raas não se pode fazer isso por emquanto no nosso país, visto a desvalorização da moeda; mas também o senhorio não tem que dar assistência, aos inquilinos, muito principalmente quando são ricos.
Há muito que fazer em matéria de inquilinato.
O orador não reviu.
O Sr. Bartolomeu Severino: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: pedia a V. Ex.ª a fineza de convidar o
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Sr. Presidente do Ministério, que se encontra no edifício, a vir a esta Câmara.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: pedia a atenção do Sr. Ministro da Justiça para as reclamações constantes que de toda a parte chegam contra o péssimo estado das cadeias e situação dos presos.
Há mais de dois meses que se não enviam duodécimos para a alimentação dos presos.
Desejo saber o que o Sr. Ministro da Justiça pensa acêrca desta situação e das despesas que actualmente custam ao Estado os serviços prisionais, que são em pura perda.
Já por várias vezes se tem anunciado na imprensa reformas várias sôbre vários assuntos da pasta da Justiça, e não me consta que até hoje se tivesse providenciado quanto aos serviços prisionais. Até agora não se fez uma repressão eficaz da criminalidade. Tem até aumentado de uma forma tam assustadora que o Sr. Ministro da Justiça deve encarar o problema como deve ser encarado.
Ainda há poucos dias tive ocasião de dizer que o assunto devia ser encarado de frente e resolvido em conjunto.
Julgo que S. Ex.ª terá já pensado nesta situação, pois que há muito deve ter em seu poder uma proposta de reforma.
Parece-me ser a altura de discutir um assunto de tanta gravidade, que precisa ser discutido para se resolver sob o ponto de vista de repressão criminal.
Como a despesa é feita em pura perda para o Tesouro da nação, e nenhum benefício vem para a repressão criminal, desejo que S. Ex.ª diga o que pensa a respeito da situação dos condenados a pena maior, e o que vai fazer a respeito dos serviços que impõem uma remodelação completa e profunda.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: em resposta às considerações do Sr. João Bacelar, tenho a dizer a S. Ex.ª o que penso relativamente à reforma dos serviços presionais.
A comissão que foi nomeada já me entregou, pelo menos em parte, o resultado dos seus trabalhos, mas S. Ex.ª sabe também que a reforma dos serviços prisionais é um assunto de tal forma importante, requere tal atenção das pessoas que tenham de a estudar, e é tal a responsabilidade de uma proposta dessa natureza, que evidentemente não é em poucos dias que o Ministro pode apresentar um trabalho sério.
S. Ex.ª referiu-se também aos condenados que estão cumprindo pena maior nas cadeias.
A cadeia de Coimbra está transformada em cadeia penitenciária, e não chega para conter todos os indivíduos condenados a penas maiores.
Deixe-me dizer o Sr. João Bacelar que o problema da reforma dos serviços prisionais não pode encarar-se apenas pelo perigo de ficar mais ou menos a cargo do Estado a sustentação dos presos; não é apenas êste o assunto de importância nem o mais importante.
É pelo menos minha convicção que o remédio contra a criminalidade não está na reforma penal. As causas dos crimes são muito variadas. Seria preciso actuar de uma forma muito diferente, não por simples reforma penal e prisional.
Creio ter dado ao ilustre Deputado a resposta precisa às suas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Ministério não pode comparecer, conforme o Sr. Pedro Pita deseja, porque se encontra no Senado tratando de assuntos que estão sendo ali ventilados.
O Sr. Pedro Pita: — Não tem dúvida. Não se assustem que temos tempo para ajustar as contas.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: parece que me não fiz compreender pelo Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, e por consequência repetirei.
O que disse foi que o problema penal e prisional precisava de ser resolvido imediatamente.
O problema prisional tem como consequência lógica resolver o ponto de vista penal.
O actual regime é essencialmente um regime que leva somas exorbitantes ao Es-
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tado, e todos reconhecem que em todos os países tal regime prejudica o Estado não beneficiando a sociedade.
E necessário tratar dêste assunto, porquanto vamos entrar no ano económico e, necessàriamente, vai suceder o que tem sucedido outros anos: é o Estado no seu orçamento ter uma verba que não chega para a sustentação dos condenados, vivendo as cadeias num regime deficitário e tendo de recorrer-se a créditos.
Calculo que esta situação acarreta ao Estudo um prejuízo de 60 por cento sôbre o custo real da sustentação dêsses estabelecimentos.
As reclamações têm vindo nos jornais dirigidas às instâncias superiores, e assim o meu desejo é saber se o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, com os estudos a que tem procedido, está habilitado o disposto a trazer ao Parlamento uma base de reforma no sentido de satisfazer a opinião pública.
Era esta, Sr. Presidente, a pregunta que eu desejava apresentar ao Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, pois a verdade é que a situação que atravessam as cadeias é deveras precária.
Espero, pois, que o Sr. Ministro da Justiça o dos Cultos, conhecedor, como é, do assunto, se resolva a trazer à Câmara uma proposta no sentido de se modificar um tal estado de cousas, que na verdade não pode continuar como se encontra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: relativamente à pregunta feita pelo Sr. João Bacelar, sôbre se tenciono apresentar à Câmara uma proposta de remodelação dos nossos serviços penais, devo dizer que realmente tenho essa ideia e que não tardará muito que eu o possa fazer; porém, tratando-se de um assunto da mais alta importância, eu não o desejarei apresentar à Câmara senão depois de ter a consciência daquilo que faço, estando certo que o Sr. João Bacelar não terá motivos para supor que eu seja capaz de faltar ao que prometo, pois, devo dizê-lo em abono da verdade, orgulho-me de dizer que tudo aquilo que consta da declaração ministerial relativa à pasta da Justiça e dos Cultos o tenho feito, podendo mesmo afirmar que muito se tem feito relativamente ao que se prometeu.
Pode, portanto, V. Ex.ª estar certo de que não descurarei o assunto e empregarei todos os esfôrços no sentido de trazer à Câmara uma proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito para antes da ordem do dia; como faltam, porém, ainda 27 minutos para se entrar na ordem do dia, poder-se-ia, se a Câmara estivesse de acôrdo, aproveitar êsse tempo na discussão dê alguns projectos que estão marcados para a segunda parte da mesma ordem.
Vozes: — Aprovado, aprovado.
O Sr. Presidente: — O primeiro que figura na segunda parte da ordem do dia é o parecer n.º 493 e estava em discussão o artigo 1.º
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa umas propostas de emenda.
Foram lidas, admitidas e postas em discussão.
São as seguintes:
Proponho que as seguintes palavras: «pela primeira vez na multa de 10$ a 200$, na primeira reincidência na multa de 200$, que poderá elevar-se a 1. 000$, a prudente arbítrio, do julgador e nas subsequentes em multa nunca inferior a 1. 000$», do artigo 1.º sejam substituídas por estas outras: «pela primeira vez na multa de 200$ a 2. 000$; na primeira reincidência na multa de 2. 000$ que podem elevar-se a 5. 000$ a prudente arbítrio do julgador, e nas subsequentes em multa nunca inferior a 5. 000$». — Vasco Borges.
Proponho que o § único do artigo 1.º fique assim redigido:
«Constitui presunção legal da prática dêste crime o facto de qualquer pessoa ser encontrada na sala ou compartimento da casa em que se jogue e onde sejam apreendidos quaisquer objectos especialmente destinados aos jogos de fortuna ou azar». — Vasco Borges.
Para a comissão de redacção.
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O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: pela leitura feita na Mesa não compreendi muito bem do que se tratava, porém, devido à gentileza do ilustre Deputado o Sr. Vasco Borges, vejo que se trata primeiro de urnas modificações nas multas a aplicar, segundo de urnas modificações a introduzir no § único do artigo 1.º
Em vista, pois, das explicações, que gentilmente me foram dadas pelo autor do projecto, Sr. Vasco Borges, eu não faço mais considerações, declarando que estou mesmo pronto a dar o meu voto às propostas de emenda que S. Ex.ª mandou para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pretende-se determinar quais as penalidades a aplicar aos jogadores, penalidades essas que segundo o parecer em discussão são na verdade ridículas.
Pretende o ilustre Deputado o Sr. Vasco Borges modificar de uma certa maneira essa situação, que não podemos deixar de considerar irrisória, modificação essa com a qual devo dizer que estou plenamente de acôrdo, porém, uma cousa há com a qual não concordo e é com o facto de não se estabelecer uma penalidade para os banqueiros, penalidade que se torna absolutamente necessária, a meu ver, mas que não vejo aqui.
Não sei, pois, repito, quais as penalidades que se pretendem dar aos banqueiros.
O Sr. Jorge Nunes: — Êsses perdem as cartas de jogar apenas.
O Orador: — Assim como acho até certo ponto desonesto o que se pretende estabelecer relativamente ao proprietário do prédio, acho injusto que o banqueiro, aquele que realmente exerce a profissão do jôgo, não esteja sujeito às penalidades da lei.
O banqueiro, a quem o jôgo dá sempre lucro certo, é que não tem penalidade.
E uma coisa incompreensível!
Talvez seja possível introduzir uma emenda no projecto, remediando a falta que deixo apontada, quando se discuta o artigo 3.º
Chamo a atenção do Sr. Vasco Borges, autor do projecto, para êste ponto. Tenho dito. O orador não reviu.
Ò Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: creio que posso dizer, justificadamente, que o Sr. Carlos Pereira não tem razão nos reparos que acaba de fazer ao projecto que está sendo discutido.
A doutrina dêste projecto só altera as disposições do Código Penal, na parte em que estabelece novas disposições.
No Código Penal há disposições relativas aos banqueiros e há disposições relativas aos que jogam, chamados vulgarmente pontos.
O projecto que se discute altera essas disposições do Código Penal, relativas aos pontos, mas mantém as disposições do mesmo Código, visto que as não derroga, em. relação aos banqueiros, que são aqueles indivíduos que dão jogos de fortuna ou azar.
Como as penalidades estipuladas no Código para os banqueiros são muito mais graves do que as fixadas para os pontos, eu entendi que não era necessário alterar aquelas, pelo projecto que apresentei.
As penalidades para os banqueiros estabelecidas são as que constam do artigo 267.º do Código Penal.
Nestas condições, continuam os banqueiros sujeitos a penalidades bem mais severas do que as estabelecidas no projecto de lei para os pontos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Como não há mais ninguém inscrito, vai fazer-se a votação.
Vai ler-se a proposta de eliminação mandada para a Mesa pelo Sr. João Bacelar.
Foi lida na Mesa e seguidamente aprovada.
É a seguinte:
Proposta de eliminação
Proponho que do artigo 1.º seja eliminado o § único. — João Bacelar.
O Sr. Agatão Lança: — Requeiro a contraprova.
Foi feita a contraprova e a proposta rejeitada.
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O Sr. Presidente: — Vai ler-se a emenda ao artigo 1.º, apresentada pelo Sr. Vasco Borges, para ser votada.
Foi lida na Mesa e seguidamente aprovada.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o artigo 1.º salva a emenda.
Foi lido na Mesa e aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o § único e a proposta de substituição do Sr. Vasco Borges.
Foram lidos na Mesa e procedendo-se à votação ficou rejeitado o § único e aprovada a substituição.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o artigo 2.º
Foi lido na Mesa e seguidamente aprovado, sem discussão.
Entra em discussão o artigo 3.º
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: êste artigo 3.º do projecto, pode considerar-se constituído por duas partes.
Acho justa a primeira parte, pois está bera que o proprietário sofra a respectiva penalidade quando faça o aluguer do seu prédio ou de qualquer dependência com consentimento seu, para exercício, de jogos de azar ou fortuna.
A segunda parte, porém, é injusta. Não se pode considerar admissível que se obrigue qualquer proprietário a ser denunciante.
Não haverá muita gente que se sujeite a desempenhar êsse papel. Declaro, pois, que votarei a primeira parte e rejeitarei a segunda.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Pedi a palavra para responder às considerações produzidas pelo Sr. Carvalho da Silva.
Começarei por dizer que S. Ex.ª não tem razão nas objecções que fez relativamente à doutrina do artigo em discussão, que constitui a sua segunda parte pela divisão que dele fez o mesmo Sr. Deputado.
Não se pretende vexar ninguém que o não deva ser, o muito menos estabelecer penalidades para quem não deva ser atingido, por elas.
Sr. Presidente: pode dizer-se, por princípio geral, que todos os cidadãos têm obrigação de participar às devidas autoridades os crimes de que tenham conhecimento.
Não se trata, quanto ao caso em questão, de se fazer uma denúncia, mas sim uma participação legítima e que interessa sobremaneira à sociedade.
De resto não haverá possibilidade de se praticarem enxovalhes ilegais, visto que no artigo se estabelece que p proprietário só tem que dar a participação a depois de ter conhecimento, etc. «.
É o que diz o artigo.
Ora isto implica a necessidade de se provar que o proprietário tinha conhecimento de que se jogava no seu prédio. Fica pois devidamente acautelada a situação do proprietário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Seguidamente é aprovado o artigo 3.º, entrando em discussão o artigo 4.º
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: em harmonia com as considerações expendidas por mim nesta Casa do Parlamento, e quando se fez a discussão, na generalidade, do projecto que está ocupando a nossa atenção, envio para a Mesa duas propostas, sendo uma de substituição do artigo 4.º e outra de eliminação do § único do mesmo artigo.
Foram lidas na Mesa e admitidas, entrando em discussão.
O Sr. Vasco Borges: — Como já tenho acentuado não há neste projecto nenhum intuito de procurar vexames ilegais.
Como a redacção do artigo 4.º, por pouco clara, poderia dar ocasião a confusões de que resultassem percalços desagradáveis, concordo em que a doutrina nele consignada seja aclarada no sentido de o senhorio ou locatário só poder despedir o inquilino, como se preceitua, depois. de prova feita do motivo dêsse despedimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Eu sou pela eliminação total dêste artigo 4.º
Já que não posso evitar que seja aprovado êste projecto ao qual sou contrário,
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desejo, ao menos, que não sejam votadas pela Câmara quaisquer disposições que, uma ycz postas em execução como lei do país, sejam aproveitadas como verdadeiras armadilhas a servirem intuitos de má fé.
Ora a faculdade que por êste artigo 4.º se quere dar ao senhorio ou locatário de qualquer prédio só pode dar margem a que essas entidades pratiquem abusos maiores ainda que aqueles que já hoje procuram praticar para se verem livres dos inquilinos.
Nestas condições proponho uma substituição.
Sou contrário, repito, a todo êsse projecto, mas do mal o menos.
Tenho dito,
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Pedi a palavra simplesmente para declarar que concordo com a substituição proposta pelo Sr. Pedro Pita.
foi lida na Mesa e admitida, entrando em discussão a proposta de substituição,
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: limitar-me hei a mandar para a Mesa uma proposta que é pura e simplesmente para eliminar o artigo 4.º e seu parágrafo. Esta disposição não tem nenhum cabimento neste projecto de lei. Eu vou apresentar um exemplo bem edificante.
Imagine V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me dava a honra de ser meu senhorio e eu pobre locatário lhe alugava um quarto a V. Ex.ª, e V. Ex.ª de caso pensado para me pôr no meio da rua introduzia nesse compartimento um baralho de cartas, uns dados e umas fixas; como já prevenira a polícia, dá-se q assalto o eu sou pôsto no meio da rua. E esta a doutrina que ou vejo neste projecto.
Êste artigo não tem a possibilidade de qualquer remédio.
O Sr. Presidente: — E a hora de se passar à ordem do dia.
O Orador: — Se V. Ex.ª me permite fico com a palavra reservada.
O orador não reviu.
Foi aprovada a acta.
Foi admitida, a urgência para o projecto de lei do Sr. Bartolomeu Severino.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Tendo falecido uma irmã do Sr. Ministro das Finanças, proponho que seja lavrado na acta um voto de sentimento.
Foi aprovado.
Foram lidas na Mesa as alterações do Senado ao orçamento do Ministério da Marinha.
O Sr. Carvalho da Silva: — Desejava sabor para que é êste aumento de verba. Pode o Sr. relator elucidar-me e à Câmara?
O Sr. Mariano Martins (relator): — Depois de ter sido aprovado nesta Câmara o orçamento de Marinha, foi convertido em lei um aumento às praças e sargentos da armada e é necessário dar-lhe execução; por isso o Senado fez a rectificação.
Foram aprovadas as emendas e as despesas extraordinárias.
O Sr. Presidente: — Vai continuar a interpelação do Sr. Cunha Leal.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, respondendo às minhas afirmações, pronunciou palavras sem argumentação nem nexo, mas como não estou aqui a falar só para o Sr. Presidente do Ministério, porque falo para toda a Câmara e para o país, vou replicar a S. Ex.ª
O Sr» Presidente do Ministério parece que entende que a especulação não é uma cousa acidental, mas constante.
Dêste princípio se deduz ou conclui qual deve, ser a tática do Govêrno. Ela reduz se ao seguinte: deminuir a circulação fiduciária, porque o Govêrno parte da hipótese que toda a deminuïção da circulação fiduciária acarreta necessàriamente uma melhoria do escudo; segundo, dentro da circulação fiduciária que existe, deminuir as disponibilidades em escudos da praça, para o que o Govêrno forçaria o Banco de Portugal a dificultar os descontos, do forma a tornar difícil aos comerciantes a aquisição de escudos.
Vejamos o resultado a que seria conduzido o Govêrno pelo emprêgo desta tática. Vejamos se são lógicos e justos os raciocínios de que parte o Sr. Ministro das Finanças.
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S. Ex.ª diz mais ou menos o seguinte: a especulação é uma causa permanente e não acidental na progressão do fenómeno cambial. Isto não é exacto. Entre as causas que determinam a progressão do fenómeno cambial há de facto umas que tem o caracter de permanentes e outras que têm o carácter de acidentais. Mas isto não é uma questão restrita do fenómeno cambial, é uma questão que se estende a todos os fenómenos da natureza. Há causas que marcam a evolução a longos traços dos fenómenos: essas são as que em física se traduzem pelas leis, pelas fórmulas. Assim, quando a respeito, por exemplo, da relação entre o volume dum gás e a pressão a que êle pode estar sujeito se estabelece uma fórmula simples, que é a lei do Mariotte, toda a gente sabe que essa fórmula traduz o fenómeno ideal, mas que há afastamentos, e que de facto o fenómeno tem complicações
a lei se apresenta. As causas que determinam a evolução natural do fenómeno cambial chamar se hão causas permanentes, as outras chamar-se hão causas acidentais. São aquelas que naturalmente fazem marchar o fenómeno em torno da sua linha ideal e que seriam a tradução geométrica do fenómeno cambial, se não houvesse as- causas acidentais.
Qual tem sido através de cinco anos de dislates financeiros a teoria da maior parte dos governantes? É que a especulação é uma causa de carácter permanente.
Mas isto não é verdade. Para que um banqueiro, por exemplo, possa produzir uma desvalorização constante do escudo é necessário que êle tenha recursos suficientes em escudos, é preciso que êle tenha um cofre aberto onde vá pedir escudos quando lhe apareçam indivíduos pedindo por uma libra cada vez mais escudos. E necessário, emfim, que a capacidade do especulador não tenha limites, mas há limite para essa capacidade: é o da nação em pêso, é o daqueles todos que quando realizam uma economia, a transferem para o estrangeiro. A nação em pêso, eis o grande especulador! Mas que um banqueiro ou um comerciante, dispondo do recursos naturalmente limitados por uma soma que é o total da capacidade proveniente do seu capital e da confiança que o público tem nele e que se traduz nos depósitos,-'mas que um homem só por si tenha recursos para fazer a desvalorização constante do escudo, isto só cabe na cabeça dos desmiolados ou tolos, embora não tenha sido tola ou desmiolada, pelo menos, a totalidade dos Ministros que tem passado por aquelas cadeiras.
Nestas condições, tem-se confundido em Portugal duas cousas que são diferentes: a emigração de capitais e a especulação. A emigração de capitais é um fenómeno que se produz, todas as vezes, em circunstâncias variáveis, — e eu examiná-las hei! — que uma nação não tenha confiança nos seus próprios destinos. A emigração de capitais é de facto uma causa permanente da desvalorização da moeda, porque toda uma nação que trabalha e que capitaliza tem sempre todos os anos um capital que é representado pelo excesso da produção sôbre o consumo e que pode colocar no estrangeiro.
Já só não pode dizer a mesma cousa a respeito da especulação e especuladores, e a confusão feita entre as duas causas tem-se traduzido numa legislação apressada e desconexa, a qual muita vez só manifesta a desmiolação de muitas pessoas célebres que ainda hão-de chegar ao Capitólio, se bem que perto dele esteja a Rocha Tarpeia.
A emigração é um fenómeno quási bíblico — e eu citei outro dia um autor que tal afirmava, mas mudei-lhe, sem querer, o nome.
A especulação é não só um acto legítimo como até necessário, necessário até contra os dislates do Govêrno. Normalmente, quando a moeda está em relativo equilíbrio e não há longas oscilações, a especulação corrige sempre os efeitos da especulação. Explicar-me hei melhor. Quando na nossa praça surge um especulador elevando a moeda além dê certos limites, necessàriamente tem de surgir um outro procurando reduzir a moeda às suas condições naturais; simplesmente como na natureza, quando um pêndulo que está na posição vertical e se desvia para um dos lados as fôrças naturais o fazem oscilar não o deixando parar na posição vertical e levando mais além, assim na especulação: dá-se então o fenómeno natural do movimento do pêndulo.
Qual é a obrigação de um bom Go-
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verão? É atenuar a diferença cambial, fazendo toda a diligência para evitar a especulação; assim um bom Govêrno deve evitar as grandes oscilações, de forma que não se mantenha a curva sinusoidal e se aproxime da curva real.
Merece a pena nesta terra, com homens como o Sr. Presidente do Ministério, com homens como o Sr. Ministro das Finanças, para os quais tudo está bem; homens como o Sr. Presidente do Ministério, cujas palavras lhe saem aos borbotões como se fossem a catarata do Niagara; mas vale a pena nesta terra pugnar por semelhantes ninharias, nesta terra em que a especulação é protegida e favorecida pelo Govêrno, sobretudo pelo Sr. Ministro das Finanças?
O Govêrno, por exemplo, anuncia que vai trabalhar com a comissão de finanças e com o Sr. Velhinho Correia para que o câmbio vá melhorar, e isto com a colaboração do Parlamento.
O Sr. Velhinho Correia proclama isto, e S. Ex.ª naturalmente tem os seus admiradores, e com a responsabilidade do seu cargo prova-lhes quê o câmbio há-de melhorar por faz ou por nefas.
Há-de melhorar com o próximo negócio do empréstimo.
Àpartes.
Nós. Deputados da oposição, deixamos ao Govêrno todas as glórias, como todas as responsabilidades.
Dizendo um Ministro que o câmbio há-de melhorar, vemos então a justa ambição da raça humana.
Em dado momento todos seguem o mesmo caminho, todos os banqueiros vendem libras, sem as ter, fazendo o raciocínio que, vendendo libras a 100$, ganham porque as compram muito mais baratas.
Mas o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. relator dizem que o empréstimo é contraído em bases sérias e que o juro de 15 por cento não se justifica porque o câmbio vai melhorar.
Nessa primeira fase o fenómeno cambial dá razão ao Sr. Ministro das Finanças, porque todos vêem vender libras que não aparecem no mercado, que só existem na imaginação dos que as vendem, e em dado momento fazia-se a operação que pode iludir quem desconhece o fenómeno cambial, mas não aqueles que de câmbios percebem alguma cousa.
Eu pregunto: é legítimo que isto se faça?
Mas são êstes cavalheiros os melhores cooperadores do género.
Êstes são bons porque acreditam na melhoria cambial, os outros são maus portugueses porque não acreditam.
Então os especuladores zangam-se quando acreditam neles?
Os especuladores disseram que o câmbio ia para 4 e o país acreditou.
Se nós fizéssemos aplicar a lei da inspecção de câmbios teriam de prender o Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Velhinho Correia, o Sr. Adrião de Seixas, o Sr. Soares Branco, porque determinam boatos de que resultou uma exploração cambial.
Fez-se a propaganda do empréstimo em artigos patrióticos e patriòticamente pagos, assim como a publicação de retratos pagos a tanto por centímetro quadrado; agora verifica-se que não havia razão para tantas esperanças.
Vendidas libras que não se possuem, como é que elas no prazo marcado hão de ser entregues a quem as comprou?
Ou a lógica é uma batata ou só há um remédio: comprando de novo, de modo que o especulador que anda especulando no sentido da melhoria cambial seja forçado a especular no sentido contrário.
Mas nesta altura intervém a Inspecção de Câmbios. Não se indigna porque o especulador comprou para melhorar a situação cambial, mas porque comprou para se refazer a sua posição.
Sr. Presidente: há cousas tremendas nos cérebros das pessoas que são as mais altas capacidades e que põem os cabelos da cabeça do Sr. Adrião de Seixas em pé. Depois de se anunciar uma melhoria cambial que é proporcional do número de parvos que nela acreditam, assistimos ao retrocesso, à reversão, que é a consequência lógica da especulação.
Eu admito erros, mas não admito má fé.
Eu admito que um Ministro se possa ter enganado, mas renegar aqueles que nele acreditaram é que não posso admitir.
O Govêrno tem primeiro que tudo de fazer um juízo seguro sôbre quais são os negreiros que hão-de vender a pele do branco; mate-os, assassine-os, mas não os deixe especular nesse sentido, porque tem
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de consentir depois que especulem de modo contrário.
Quem não tem dez e vende dez há-de comprar num dia para vender no outro. Esta é a regra geral, e a função do Govêrno é amortecer as especulações.
Sr. Presidente: em Portugal, o ter ideas é a característica dos tolos, há muitas pessoas que ouvem, mas não sabem compreender.
Creio que há dez meses que a moeda se encontra entre as casas de 1 e de 3. Há um ano que as condições naturais nos estão a indicar o que devemos fazer, mas o Sr. Ministro das Finanças, que não conhece dificuldades, em lugar de estudar os fenómenos como êles são, pretenda impor regras a fenómenos que estão acima dele próprio. Chega ao ponto de decretar o dia á que o câmbio há de ir a 4. Decreta tudo, isto em nome, não de um raciocínio, mas por uma questão de palpite, à vontade do Ministro.
Eu tenho, pensa o Sr. Ministro,, maneira de lhes vender as libras a 45$, êles compram e depois eu ponho a libra a 30$.
Com franqueza, então isto não é transformar a especulação em crime?
Não dissemos nós que a especulação merecia a pena de morte?
Então não é o Govêrno que vai fazer a maior especulação que tem havido em Portugal?
E aqueles que entre nós quiseram especular, para serem felizes, não precisavam mais do que seguir o Sr. Ministro das Finanças e o Sn Velhinho Correia, porque outros não eram capazes de conceber melhores ideas.
E assim se vendiam libras a 90$.
Como foram infelizes os especuladores por acreditarem no Govêrno!
Outra idea que eu disso que o Govêrno teve errada, como quási todas as que tem, é que o escudo é uma mercadoria
Quando se querem estabelecer cotações do escudo não se deve atender só ao seu. próprio factor, mas tem de se atender a muitos aspectos.
Eu tenho-o já dito muitas vezes, mas é necessário repetir, para que todos saibam as responsabilidades especiais que têm.
Imagino a Câmara que estamos em 1914 e que se não dá o cataclismo da guerra, mas que a França, por circunstâncias especiais, fecha as suas portas
aos nossos vinhos e que outros povos nos fecham as portas às nossas exportações.
O que acontece nesse momento?
A procura da divisa estrangeira torna-se muito maior.
Deminuíu-se a nossa capacidade de exportação.
Dá-se uma desvalorização na nossa moeda, visto que haverá maior procura da divisa estrangeira.
A consequência lógica será a deminuïção do valor do escudo.
A libra passa a valer mais.
A partir de certo momento vêm as dificuldades das transacções comerciais e vemos então que a moeda q u(c) existe em circulação não é bastante para as dificuldades que se apresentam e para as despesas. E então, a partir dêsse momento, nem por isso as divisas estrangeiras baratearam. Não.
O que aconteceu foi que quando os bancos começaram a ter dificuldade em descontar e. cada um começava a não encontrar aquele numerário preciso às necessidades da sua vida, efectuou-se a pressão junto dos Govêrnos para aumentar a circulação fiduciária.
Nestas circunstâncias, o aumento era um efeito da depreciação da moeda e não uma causa.
Mas ponhamos a hipótese contrária.
O nosso comércio mantinha-se na mesma situação. Todos os números da balança económica não variavam.
Mas, de repente, o Govêrno precisava de escudos, e aumentava a circulação fiduciária de 85:000 contos para 175:000.
A partir dêsse momento verificava-se que havia escudos a mais na praça. Por uma lei natural, armazenavam-se em poucas mãos, e de reponto se houvesse um pânico, uma desconfiança na vitalidade da nação, o intuito seria fazê-los transformar em divisas, estrangeiras.
Começaria então uma tentativa de emigração de capitais, tornada: segura pelo aumento imoderado da circulação fiduciária, e o fenómeno traduzir-se-ia no seguinte:
A emigração, de capitais, representando um factor importante na nossa balança económica, faria com que a procura das divisas estrangeiras fôsse superior à oferta, depreciando-se assim a moeda por virtude do excesso de notas.
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Nestas condições, o aumento da circulação fiduciária transformava-se em causa da depreciação da moeda.
Agora, meus senhores, ponhamos a situação actual como ela é, sem ficelles.
Temos uma moeda desvalorizada em mais de vinte vezes o que era antes da guerra, e temos uma circulação fiduciária, pouco mais ou menos, treze vezes o que era também nessa época.
E querem V. Ex.ªs que possa haver um excesso de escudos, e um excesso de circulação fiduciária, e que isso seja a causa determinante da depreciação da moeda?
Oh! meus senhores, por amor de Deus, digam aos governantes que raciocinem um pouco. Atentem que não se trata de problemas teóricos, mas sim de problemas que dão claras indicações sôbre as directrizes da política financeira da Nação.
E como é que raciocina o Govêrno numa situação destas?
Se êle olhasse para a França e verificasse que a sua circulação fiduciária é pouco mais de três vezes do que era antes — da guerra, e que a depreciação da moeda é aproximadamente de três vezes, notaria que em França e Portugal dão-se dois fenómenos diferentes.
Naquele país, a circulação cresce mais do que a depreciação da moeda; no nosso, a depreciação cresce mais do que o aumento.
Pregunto: Como é que isto não tem importância nenhuma para a política financeira do Govêrno?
Eu sei que há possoas que dizem que o empréstimo, tal como foi colocado, representa um prejuízo para o Tesouro Público, mas se o Gavêrno conseguir colocar no mercado a caução que em títulos da nova espécie êle vai colocar no Banco de Portugal para o efeito do empréstimo representar um aumento do circulação própria do Estado, pregunto: Que vantagens poderia tirar dessa circulação?
E não voem e não querem ver que a experiência tem demonstrado que a uma restrição grande na circulação fiduciária do mercado não tem sucedido um aumento na cotação da moeda, e que pelo contrário isso tem derivado naquilo que eu disse no início das minhas considerações.
A verdade é esta: se amanhã queimassem 200:000 contos de notas, poderia chegar a paralisar uma grande parte do movimento comerei ai do nosso país, e essa queima não nos daria a certeza de uma melhor cotação da moeda. Vou explicar porquê.
O Govêrno parte de uma hipótese: é que há muitas cambiais lá fora, que há muitos depósitos de moeda portuguesa lá fora. Creio que com um bocadinho de fantasia se tem- falado em muitos milhões de libras, mas realmente há alguns milhões! Que é que o Govêrno tem feito como consequência do seu pensamento financeiro? Primeiro, pensou em reduzir a circulação fiduciária, pensamento teórico, porque, ao mesmo tempo que o anuncia, êle aumenta essa circulação fiduciária. (Apoiados). Em segundo lugar aperta a tarracha ao Banco de Portugal, a fim de êle não descontar. Qual é o fim disto? É obrigar os particulares a vender as cambiais que possuam e, assim, sanear a moeda. Mas acreditam V. Ex.ªs que os comerciantes, os banqueiros, os industriais têm. hoje largas disponibilidades de cambiais no estrangeiro? Se acreditam, êsse propósito do Govêrno pode dar bons resultados, mas se porventura os comerciantes, os banqueiros, os industriais, engodados pela miragem dos 50 milhões de dólares, do crédito dos 3 milhões de libras e pelo empréstimo interno, se desfizeram das suas disponibilidades em libras, sucede que êles não têm agora dinheiro.
Dirigem-se aos bancos, é certo, mas os bancos dizem-lhes que não têm escudos, e não têm por uma razão: vamos aos tempos de ontem, aos tempos em que esteve para haver na nossa praça uma terrível catástrofe, quando eu era Ministro das Finanças, e verifica-se que os Bancos têm muito menos pessoas que neles depositem dinheiro, além de não se quererem já desfazer de uma certa reserva, desconfiados como estão, dada a iminência daquela catástrofe que só se não produziu por estar no Ministério das Finanças um Ministro bolchevista, que era eu!
A situação é esta, pois: por um lado menor quantidade de depósitos nos bancos e por outro lado desconfiança em emprestarem o que tem.
O Banco de Portugal já no dia 2 não emprestava mais do 50 por cento daquilo que cobra em cada dia.
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Por outro lado está se reduzindo a circulação fiduciária, mas de facto o câmbio melhora? Não melhora; o que se torna é impossível realizar quaisquer, operações comerciais ou industriais.
Um comerciante, por exemplo, quere comprar arroz, vai ao Banco pedir 500 contos, mas aí respondem-lhe imediatamente que não lhe emprestam essa importância porque pode haver uma corrida no fim do mês do Julho, e o comerciante, que não pôde obter o empréstimo, vai esgotar os stocks que possui.
Eu pregunto a V. Ex.ª se por isso a vida embaratece, se por isso a cotação da libra melhora ou se, pelo contrário, não se produz um fenómeno, que é dificultar as operações comerciais e industriais.
Ás operações comerciais talvez com certo resultado até que os stocks estejam esgotados; mas quanto às operações industriais, o facto delas não se realizarem só redunda em prejuízo da nessa própria produção.
Esta tem sido a tática do Govêrno. A tática do Govêrno tem sido coroada do mau resultado, continuará a ser coroada de mau resultado, continuará indefinidamente, mas isso não impedirá nunca que o Sr. Presidente do Ministério tenha sempre o seu melhor sorriso, mas isso não impedirá nunca que S. Ex.ª tenha sempre a sua melhor esperança, mas isso não impedirá nunca que, com aquela capacidade, com aquele saber, com aquela profundeza de esperança, ali do alto da sua cadeira, em duas palavras, esmague a triste e pobre argumentação que lhe tenho estado aqui fazendo.
Ah! Mas se em matéria de política financeira o Sr. Presidente do Ministério foi profundo, como êle foi profundo em matéria de política internacional! E aqui permita-me V. Ex.ª um pequeno parêntesis:
Cuidava eu, pessoa que respeito e prezo os poderes do Estado, que os não pretendo ofender, que os pretendo sempre colocar muito alto, cuidava eu, Crepito, que a crítica exercida com razão, que a crítica feita com argumentos poderia deminuir as proporções duma individualidade política, mas nunca faria esquecer as nossas relações com os homens que ocupam aquelas cadeiras, e eu, ao iniciar a minha interpelação, sabia bem que naquelas cadeiras estava um homem que eu prezava que eu tinha obrigação de estimar, estava o Sr. Presidente do Ministério que, sejam quais forem as divergências que eu tenha tido com S. Ex.ª, nunca me encontrou em matéria de deslealdade; estava o Sr. Ministro das Finanças que, apesar de tudo, quis para meu Ministro das Finanças, pessoa que me deu toda a sua amizade e que numa hora bem grave, ao despedir-me dos meus colaboradores, me dizia o seguinte: a Cunha Leal, estimo-o como se fôsse meu irmão»; estavam ainda nas cadeiras do poder o Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Ministro do Trabalho e o Sr. Ministro da Guerra, colaboradores leais de todas as horas, colaboradores de alma aberta, sacrificando-se a tudo, e com um dos quais, o Sr. Ministro da Guerra, numa hora de dolorosa incerteza, eu assinara uma ordem por escrito, mandando que, se tanto fôsse preciso, se afundasse um barco, facto êsse que nos poderia ter arrastado para as galés da História.
Pertenciam à maioria pessoas como o Sr. Mariano Martins, meu colaborador lealíssimo nesse Ministério, como o Sr. Rêgo Chaves, que eu estimo como um grande português, e creio que não mentirei, por um abuso de retórica, dizendo que o estimo como se fôsse realmente meu irmão.
Sempre entendi que a pessoa que é leal para com os outros, que é correcta para com os outros e que defende os outros quando estão espesinhados, esquecendo o seu próprio interêsse, tem direito a ser respeitada.
V. Ex.ª dirá que sou maçador, que os fatigo, mas tenho necessidade de falar, preciso ainda dizer o seguinte: acreditem V. Ex.ªs, por muito que os preze a todos, por muito que os respeite a todos, se amanhã a instituição parlamentar fôsse atacada pôr-me-ia ao lado do meu pior inimigo, porventura daquele a quem mais odeio.
Perdoem-me V. Ex.ªs de não ter citado há pouco êsse grande homem de bem que é o Sr. Domingos Pereira.
Um dia era eu inimigo pessoal do Sr. Norton, de Matos, estava de relações cortadas com S. Ex.ª o porque S. Ex.ª tinha proclamado a necessidade de irmos para a guerra, como bons portugueses, e que
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para a guerra tínhamos ido, foi aqui atacado na Câmara de então, Câmara sidonista, porque eu tenho orgulho de ter sido sidonista, foi S. Ex.ª, atacado em termos tais que me revoltaram, e V. Ex.ªs, embora se cansem, permitam-me que eu leia o que então disse perante a hostilidade quási geral que tinha dentro dessa Câmara. V. Ex.ªs vão decerto fazer-me o favor de permitir que eu leia essas minhas palavras, por que preciso fazer justiça a mim próprio.
Leu.
Presto justiça aos que a merecem, e presto justiça ao Sr. Norton de Matos, com quem não tenho relações, mas costumo prestá-la mesmo aos que não são meus amigos.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Sr. Presidente: se neste país se soubesse que, quando lá fora os homens públicos verificam que o problema deis reparações pode levar a Europa à guerra contra as reclamações da França, que o problema das reclamações é o único que é superior a todos os problemas financeiros e económicos actuais, havia um Presidente do Ministério que, em resposta a um Deputado interpelante, se limitara a dizer qual a situação de Portugal, neste assunto, lhe dava a resposta que me foi dada, e nada mais, isto bastaria para lançar um ministério a terra.
Apoiados.
Não quero ferir a nota sistemática de oposição, e apenas dizer o meu pensamento sem lisonja.
O Sr. Presidente do Ministério poderá ser o homem que com a sua ligeireza de frase faltou à verdade, o que seria um êrro de equilíbrio de S. Ex.ª
Apoiados.
É de mais. Há um homem a quem só pregunta se aceita o ponto de vista inglês; se estamos ou não ao lado incondicionalmente da Inglaterra, e responde o que a Câmara ouviu.
Devia S. Ex.ª responder assim?
E uma falta de consideração por si próprio, e pelos Deputados (Apoiados) e manifestamente um crime perante o país.
Apoiados.
Ainda ontem um jornal transcrevia um artigo de uma folha inglesa, o Daily Mail, de cuja leitura se conclui, primeiro, que estamos em frente da probabilidade de uma rotura na frente única dos aliados, e segundo a hipótese de um acôrdo entre a Inglaterra e a Alemanha para a resolução das reparações.
Nestas circunstâncias, a Inglaterra, que tem estado ao nosso lado defendendo os nossos direitos, defenderá a nossa dívida?
Qual será a nossa situação?
O Parlamento sem distinção de cores políticas tem direito a uma resposta do Sr. Presidente do Ministério.
Não me atire S. Ex.ª com qualquer diatribe inferior a si próprio.
O Sr. Presidente do Ministério, examinando a sua consciência e vendo como tem atacado os problemas nacionais, não julgue que pode dar resposta diferente da que deve dar.
Não é preciso pôr a mão na consciência, basta o sentimento da dignidade do Poder para indicar ao Sr. Presidente do Ministério o caminho da rua.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Agricultura (Fontoura da Costa): — Sr. Presidente: no dia 1 de Julho tive a honra de apresentar uma proposta que foi publicada no Diário do Govêrno.
Se até o dia 10 de Julho não fôr êste assunto discutido, terá de ser publicada a tabela de preços do trigo.
Assim, eu requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se permite que a minha proposta seja discutida na segunda parte da ordem do dia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tendo o Sr. Ministro da Agricultura requerido para entrar em discussão a proposta n.º 532-D, que ainda não tem parecer, vou consultar a Câmara sôbre se permite que ela seja
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discutida na segunda parte da ordem do dia.
O Sr. Sampaio Maia (para explicações): — Sr. Presidente: julgo que é velha praxe não poderem formular requerimentos os Srsl Ministros que não sejam parlamentares e assim julgo que S. Ex.ª não podia fazer o requerimento que fez, sem com isto dizer que não tenha razão de ser o seu requerimento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Se há culpa neste incidente, a culpa não é do Sr. Ministro da Agricultura, porque, consultado eu, informei que os Ministros tinham os mesmos direitos que os Srs. Deputados, em virtude do artigo 19.º do Regimento.
Entendo que qualquer membro do Govêrno tem o direito de requerer que entre em discussão qualquer proposta.
Àpartes.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: estranho imenso que a comissão de agricultura não tenha dado parecer sôbre a proposta do Sr. Ministro da Agricultura; é para lamentar. Mas, Sr. Presidente, é preciso que se saiba que a comissão de agricultura reüniu e julgo que nem sequer considerou a proposta do Sr. Ministro.
Isto é de tal maneira espantoso que quási custa a acreditar-se.
Sr. Presidente: como êste assunto é de veras grave, não podendo ser resolvido de ânimo leve e somente eomo fôr de justiça, requeiro que a proposta do Sr. Ministro da Agricultura seja impressa juntamente com todos os outros projectos que estão na comissão de agricultura e que se referem ao mesmo assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: a declaração feita pelo Sr. Ministro da Agricultura de que a comissão não deu parecer sôbre a sua proposta é mais um sintoma de que os actuais Ministros são feitos de borracha.
É o desaparecimento de todas as normas parlamentares, de todas as praxes. O Sr. Ministro do Comércio apresentou há dias a esta Câmara uma proposta; essa proposta foi à comissão do comércio e indústria que a rejeitou in limine. E o Sr. Ministro ficou!
Agora o Sr. Ministro da Agricultura traz uma proposta à Câmara; a comissão não dá parecer, e o Sr. Ministro fica, vindo agora S. Ex.ª pedir que se discuta a sua proposta mesmo sem parecer.
Isto é o desaparecimento de todas as boas praxes parlamentares.
Parece que os Srs. Ministros estão ali prestando um serviço enorme ao regime., que é necessário que estejam ali, mesmo sem o apoio dos seus próprios correligionários. E o desejo de estar naquelas cadeiras seja como fôr.
Pode lá admitir-se que um Ministro venha pedir que entre em discussão uma proposta sua, porque a comissão lhe negou o seu parecer?
Eu creio que isto nunca se viu. Há quatro anos que aqui estou e nunca vi semelhante cousa.
Sr. Presidente: venha de lá a proposta sem parecer, venha tudo isso e vamos a ver qual é a razão porque a comissão lhe negou qualquer parecer; vamos a ver, durante a discussão, como a comissão fala, como os membros dessa comissão se pronunciam.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Luís Ricardo: — Sr. Presidente: sem a exaltação do Sr. Pedro Pita, que acaba do se manifestar sôbre o requerimento do Sr. Ministro da Agricultura; sem seguir as considerações de S. Ex.ª, que aproveitou a ocasião para fazer um ataque ao Govêrno, direi a V. Ex.ª e à Câmara que pedi a palavra para falar um pouco em nome da comissão de agricultura.
Não é responsável pela falta do parecer a comissão de agricultura.
Infelizmente, Sr. Presidente, o presidente dessa comissão de agricultura era eu; porém, deve haver um mês, pelo menos três semanas, que por circunstâncias várias que não vêm para o caso eu pedi escusa de todas as comissões parlamentares de que fazia, parte, inclusive a comissão de agricultura, devendo, porém, dizer à Câmara que na última reunião dessa comissão de agricultura, deve haver três semanas, tinha tomado e com-
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promisso de trazer à comissão uma base do trabalhos, apenas para ela elaborar um contraprojecto à proposta do Sr. Ministro da Agricultura, visto que esta proposta, sem desprimor para S. Ex.ª, não tinha a possibilidade de obter a aprovação da comissão e nem mesmo a possibilidade de ser aprovada por esta Câmara.
Sr. Presidente: eu devo dizer que a proposta do Sr. Ministro da Agricultura tem por fim continuar-se no regime de tabelamento do trigo, tendo além disso inconvenientes máximos que não tem a lei actual, como seja a de ficar ao arbítrio dó Ministro a fixação de três em três meses do preço do trigo, assunto êste que tam debatido foi aqui o ano passado, pois a verdade é que era desejo do Parlamento fazer uma obra perfeita e consentânea com os interêsses da lavoura.
O que eu acho extraordinário, Sr. Presidente, é que S. Ex.ª queira para si a responsabilidade única da fixação do preço do trigo, quando a lei anterior procurava fixar o preço do trigo em relação ao câmbio.
Sr. Presidente: eu devo, no emtanto, dizer que tenciono intervir nos trabalhos parlamentares quando da discussão da questão cerealífera, tencionando mandar então para a Mesa um contraprojecto à proposta do Sr. Ministro da Agricultura, proposta esta que por circunstâncias que não vêm para o caso voltou à comissão de agricultura.
Foi ontem a primeira vez que pude reunir a comissão de agricultura, visto que a minha decisão tinha sido tomada na antevéspera. Não levei para essa reunião um contraprojecto meu, porque, tendo sido publicado na véspera e até anòninamente, isto ó, sem se dizer quem era o seu autor, êle pertencia já a toda a gente. A comissão poderia adoptá-lo, modificando-o ou não, relatá-lo e enviá-lo para a Mesa.
Discutiu-se êsse projecto, tendo havido discordância por parte dos membros da comissão em referência a alguns pontos e, sobretudo, relativamente a um que reputo como primordial para a mecânica do projecto.
Separou-se a comissão do agricultura sem ter tomado uma decisão definitiva, aguardando eu que os vogais que verbalmente tinham feito contrapropostas as articulassem e as estudassem, visto que foi nesse propósito que nos afastámos, e voltassem novamente a reunir, achando-me disposto, porque não pretendia impor nenhum trabalho meu, a ser o seu relator só não fôsse alterado nas suas bases fundamentais.
Fui nesta, sessão procurado pelo Sr. Ministro da Agricultura, que me disso que por imposição da lei actual no dia 10 teria de publicar o preço do trigo.
Respondi a S. Ex.ª que nada tinha com isso. Se estivesse na posição de S. Ex.ª e o Parlamento me não habilitasse com os necessários elementos, só teria que dar cumprimento à lei, sem atender às correspondentes consequências. As responsabilidades seriam do Parlamento.
Em todo o caso e sem que com isto pretenda incitar o Sr. Ministro a que deixe de cumprir a lei...
Um àparte.
O Orador: — Não me parece duma urgência tam imperiosa a votação da proposta do Sr. Ministro ou de qualquer outra, visto que nesta altura a lavoura já está realizando a venda dos seus trigos, embora ainda não saiba qual virá a ser o preço. Já o ano passado sucedeu a mesma cousa.
Sr. Presidente: são estas as explicações que eu devo dar à Câmara em nome da comissão do agricultura.
Quanto ao requerimento do Sr. Ministro da Agricultura, devo dizer que o voto, porque demais a mais para mim já não era estranho que documentos de que era relator fossem votados por esta Câmara sem eu estar presente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Agricultura, apresentando à Câmara o requerimento que acabou do formular, deu uma prova de que não dispõe de meios constitucionais para governar.
V. Ex.ª não desconhece que uma das condições para qualquer Govêrno ou Ministro se manter no seu lugar é que as suas propostas tenham da parte daquelas entidades, que têm de intervir nas diferentes fases por que elas passam, aquele apoio necessário para poderem chegar a uma discussão.
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O Sr. Ministro da Agricultura, apresentando o seu requerimento, repito, demonstrou não ter êsses meios, porquanto a comissão de agricultura tinha negado a sua apreciação à proposta.
Mas, sôbre tudo isto, devemos frisar as declarações do Sr. João Luís Ricardo.
S. Ex.ª caiu a fundo sôbre a proposta do Sr. Ministro da Agricultura e declarou à Câmara que tem uma contraproposta. Mas o que é essa contraproposta?
Será o parecer da comissão de agricultura?
£ Mas se assim é, porque é que numa discussão desta magnitude vem pedir-se para entrar em discussão, sem parecer, uma proposta que foi apresentada pelo Sr. Ministro?
Na verdade, Sr. Presidente, uma das questões que mais interessam o país é a do regime cerealífero.
Lembro-me ainda da maneira como decorreu a discussão no ano passado, pois tiveram de mandar buscar, em automóvel, Deputados que já estavam a dormir, para virem aqui, alta madrugada, votar a lei sôbre cereais.
Então pretende-se seguir êste ano processo idêntico ou pior?
Que o país e o povo saibam que numa questão desta importância o Parlamento pensa discuti-la sem estudo. Todavia, isso não, se fará sem o nosso veemente protesto.
Sr. Presidente: eu tenho pelo Sr. Ministro da Agricultura a maior consideração pessoal, mas S. Ex.ª, depois das declarações do Sr. João Luís Ricardo, não pode continuar nas cadeiras do Poder.
A culpa do projecto não ter parecer é da comissão de agricultura e da própria maioria. Nós rejeitamos o requerimento do Sr. Ministro da Agricultura, pois o problema magno do pão não é uma cousa que a Câmara resolva sem o estudar e sem querer saber das condições aflitivas do povo.
Não votamos e protestamos contra semelhante prática.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: quando um projecto não tem parecer da comissão, dentro de vinte dias, o Regimento encerra uma disposição, que
todos nós conhecemos e não é preciso para isso ter largos anos de vida parlamentar e que permite discuti-lo sem parecer.
Eu sei que a proposta do Sr. Ministro da Agricultura é de uma importância considerável, mas sei também que todo o Parlamento sabe o que vai discutir e votar, tanto mais que isto não é uma questão que interêsse a determinado partido, à vida política de qualquer partido, mas sim à vida da Nação.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — O assunto é importante e consequentemente será bom que todos os projectos a êle referentes e que estão na comissão venham à apreciação da Câmara devidamente impressos, conjuntamente com a proposta do Sr. Ministro.
O Orador: — Estão todos impressos no Diário do Govêrno, como a proposta do Sr. Ministro.
Se a Câmara entende que não há urgência em discutir já na segunda-feira a proposta do Sr. Ministro da Agricultura, então rejeite o requerimento de S. Ex.ª
O que não se compreende é que o caso sirva de motivo para apreciações de carácter político, que prejudicam o seguimento normal da sessão e que, quanto a mim, são descabidas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o requerimento do Sr. Ministro da Agricultura.
Feita a votação, o Sr. Presidente declara aprovado o requerimento.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova.
Procede-se à contraprova e contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 39 Srs. Deputados e em pé 37.
Está o requerimento aprovado.
Vai agora fazer-se a votação do requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro, no sentido de que, juntamente com a proposta
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do Sr. Ministro da Agricultura, se discuta o projecto de S. Ex.ª que está na comissão.
Feita a votação, o Sr. Presidente declara aprovado êste requerimento.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara que o grupo parlamentar democrático indicou, o Sr. Vergílio Saque para substituir o Sr. Azevedo e Sousa na comissão de finanças durante o seu impedimento.
Em seguida entram em discussão as emendas ao orçamento do Ministério da Agricultura vindas do Senado.
Foram aprovadas sem discussão, depois de lidas na Mesa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Uso novamente da palavra para responder à réplica do Sr. Cunha Leal.
Verificaram V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara, que eu, da primeira vez que falei em resposta ao Sr. Cunha Leal, não fiz mais do que defender-me e defender o Govêrno a que tenho a honra de presidir, da série de arguições que S. Ex.ª nos havia dirigido.
No tocante ao que respeitava às nossas colónias, especialmente à de Angola, eu tive o propósito de provar:
1.º Que alguns dos actos praticados pelos Altos Comissários eram da responsabilidade de Govêrnos anteriores ao actual.
2.º Que o projecto de onde nasceu a lei n.º 1:131 foi da autoria do Sr. Norton de Matos, que teve a cooperação do Parlamento, que a aprovou.
Portanto, a responsabilidade de semelhante lei jamais poderia ser atribuída ao Govêrno.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — V. Ex.ª deve abrir uma excepção para mim e para o Govêrno de que fiz parte.
O Orador: — Os Altos Comissários têm as mesmas faculdades do Govêrno da metrópole e até do Chefe do Estado.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — Como V. Ex.ª se referiu a alterações do contrato com o Banco Nacional Ultramarino, deu a impressão de que os Govêrnos anteriores tinham, feito essa modificação pelos Altos Comissários.
O Orador: — Do que V. Ex.ª pode ter a certeza é que isso não partiu de nenhum Govêrno da minha presidência.
Nunca fui partidário de que se dessem grandes faculdades aos Altos Comissários, sem melindre para qualquer deles.
Afirmei e é verdade que mantenho relações de grande amizade com o Sr. Brito Camacho.
O que eu fiz foi analisar as bases da lei no que se refere à transferência para Os Altos Comissários das faculdades que têm os Ministros das Colónias de modificar contratos.
Àpartes.
Isso seria estabelecer um novo regime em miniatura.
Interrupção do Sr. Júlio de Abreu que não foi ouvida.
O Orador: — Voltou-se a manter nesta Câmara uma atitude contra os Altos Comissários.
Referiu-se o Sr. Cunha Leal à base 2.ª de determinada lei à qual visa o decreto n.º 1:008 que diz na alínea e) o seguinte:
Leu.
As concessões do Alto Comissário de Angola, no que se refere a companhias de diamantes e de petróleo, não são da responsabilidade do Govêrno actual.
Se se entende que isso não se podia fazer, pregunte-se ao Congresso da República porque até agora não quis deminuir essas competências.
Àpartes.
Sr. Presidente: eu assumo sempre as responsabilidades dos meus actos, e torno-as na questão do empréstimo para Angola.
Àpartes.
Eu não quis senão defender-me dos ataques do Sr. Cunha Leal.
Por fim disse aqui, que, defendendo o Govêrno, tinha que defender o Alto Comissário e as pessoas que com autoridade tinham que fiscalizar por parte do Ministério das Colónias.
Eu declarei sempre as razões e era per-
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feitamente humano — e o que diria dum comissário, diria doutro, porque ambos são meus amigos antigos — que pusesse em relevo as obras feitas por essas pessoas. Mas não me podia esquecer -da situação da política portuguesa que atravessei com Norton de Matos, e o que vi, de sacrifício da sua parte por motivo da nossa intervenção na guerra. Tem defeitos S. Ex.ª? Tem, como todos nós. É audacioso? É, mas tem muitas qualidades.
Pus, por isso, em relevo todo o seu trabalho de administração pública, para defender os interêsses do Estado.
Notei o seu desejo de conseguir que a Companhia dos Diamantes dêsse uma importante renda ao Estado. E, estando na tela da discussão a situação internacional que nós temos como povo colonial, e tendo essa situação a má vontade de certas pessoas que não são portuguesas, que nos têm acoimado de esclavagistas, eu pus em relevo uma sério de providências tomadas pelo Alto Comissário com referência à sua acção no sentido de evitar que prosseguisse a discussão no estrangeiro a êsse respeito principalmente no que se referia à sua colónia.
E, encontrando dois documentos públicos, que eu não forjei, correspondentes àqueles diplomas que aqui se incluem no Diário do Govêrno, e notando os seus considerandos e sabendo que ainda a êsse respeito no estrangeiro se quere continuar a vilipendiar o nome português, era lícito que, sabendo quantas cousas se dizem a respeito de S. Ex.ª que não correspondem à verdade, referisse à Câmara os termos dêsses diplomas e o castigo que o Sr. Alto Comissário tinha dado a um administrador de circunscrição, a sargentos e outras pessoas, acusados de engajar cipais. Disse, então, que nunca as mãos lhe doessem ao fazer destas acções.
Ora eu não posso acreditar que um Alto Comissário da República, em documentos desta natureza, diga qualquer cousa que não corresponda à verdade, e se alguém tinha a reclamar podia fazê-lo junto de S. Ex.ª, porque êle é responsável pelas suas acções.
Nunca desejei colocar mal os homens; não sou eu que invento os factos, estão relatados em portarias.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: continuo a dizer que não é natural que um Alto Comissário fôsse publicar uma portaria nos termos em que essa foi publicada, sem que houvesse qualquer cousa que realmente lhe imprimisse carácter. Custa-me acreditar que alguém em tam alta situação publicasse essa portaria, de mais a mais num momento em que somos vilipendiados no estrangeiro, sem ter o cuidado, que se deve ter, em pôr o nome por baixo de um documento desta natureza.
Aqui tem V. Ex.ª a razão, de resto absolutamente justificada, por que eu defendo um homom de tam alta categoria, um Alto Comissário que até forma à direita dos Ministros das Colónias quando os visita.
Sr. Presidente: outra lacuna houve na minha exposição: foi a referente a Transportes Marítimos. Realmente esqueceu-me de responder sôbre êsse assunto ao Sr. Cunha Leal, ainda que sôbre êle só tenha a dizer o seguinte: as responsabilidades dos actos praticados no que se refere à direcção dos Transportes Marítimos do Es Lado não pertencem a êste Govêrno, a não ser o desejo de chamar à responsabilidade quem delinqúiu.
E folgo bastante em poder afirmar à Câmara, sem receio de ser desmentido, que as. campanhas de imoralidade com que se pretendia afectar a República e os seus Govêrnos se modificaram, devido ao facto de êste Govêrno ter chamado aos tribunais grande número de delinquentes.
Estranhou o ilustre Deputado Cunha Leal que eu não lhe dêsse uma resposta diversa daquela que lhe dei relativamente ao problema das reparações.
O que eu não sabia, Sr. Presidente, era que S. Ex.ª o Sr. Cunha Leal se admirasse dessa resposta; o que eu não sabia era que S. Ex.ª exigia que lhe dêsse outra, no que se refere à fixação do algarismo que representa a dívida da Alemanha aos aliados, no que se refere ao estado de pagamento.
O que eu desejava preguntar à Câmara e muito especialmente ao ilustre Deputado Cunha Leal é se isso depende do Portugal, ou do Conselho Supremo das Nações, onde cinco nações podem emitir a sua opinião.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer franca-
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mente a V. Ex.ª que não podia dar outra resposta, pois, a verdade é que o nosso ponto de vista é manter e defender o que conseguimos na Conferência de Spa, pelos esfôrços do negociador, devido às boas relações que êle tinha com os aliados, muito especialmente a Inglaterra.
Eu não vi realmente, Sr. Presidente, que outra resposta desejaria o Sr. Cunha Leal que eu lhe dêsse, não sei que outra resposta S. Ex.ª me daria se estivesse neste lugar.
En creio, Sr. Presidente, que, atenta a situação em que nos encontramos, temos argumentos bastantes para defender o nosso ponto de vista, como aliás até hoje o temos feito.
Não sei, repito, que outra resposta pudesse dar a S. Ex.ª
Sr. Presidente: evidentemente, não poderei esquecer a minha proveniência política.
Os Govêrnos vivem do apoio das pessoas que têm responsabilidade na sua constituição, e não era natural, portanto, que eu seguisse outra forma diferente.
Aceito, com todo o prazer, a colaboração de todos os parlamentares, mas nunca a complacência, porque isso vem colocar-me numa situação de apoucamento.
Não entendo esta doutrina, quer sob o ponto de vista constitucional, quer parlamentar.
Entendo as boas relações e a união de esfôrços para dignificação da República, mas não a complacência.
Seria interessante que estivesse nestas cadeiras um Govêrno Nacionalista, e que se mancomunasse com os outros, esquecendo a sua proveniência política.
Não é isto que pede uma oposição parlamentar.
Nunca me apeguei ao poder, principalmente naqueles momentos em que êle não pode exercer a sua acção por falta de meios.
O Sr. Cunha Leal apresentou uma moção cuja conclusão não é justificada pelas premissas.
Julgue-se o que se quiser das minhas palavras.
Sustente-se ou não o Govêrno, mas o que devo declarar é que não posso aceitar a moção de S. Ex.ª
São estas as afirmações que entendo dever fazer à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: pedi a palavra porque, encontrando-se doente Guerra Junqueiro, mal ficava à Representação Nacional não exprimir um voto sincero pelas melhoras dêsse grande português.
Apoiados.
Neste sincero voto certamente me acompanha toda a Câmara, ausciosa porque Junqueiro possa sobreviver, vencendo a doença que o acometeu.
Apoiados.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovada por unanimidade esta proposta.
A próxima sessão é segunda-feira, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Primeira parte:
Emendas do Senado aos orçamentos já aprovados.
Proposta das receitas e despesas.
Interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Presidente do Ministério.
Parecer n.º 302, sôbre um acôrdo com a Companhia dos Tabacos.
Parecer n.º 385, preenchimento de vagas na Direcção Geral dos Impostos.
Parecer n.º 196, que cria o Montepio dos Sargentos.
Parecer n.º 442, considerando em vigor os artigos 10.º e 11.º da lei n.º 415.
Parecer n.º 477, projecto do Sr. Deputado Francisco Cruz.
Segunda parte:
Pareceres n.ºs 532-D e 423-A, que regulam o regime cerealífero.
Parecer n.º 493, fixando penalidades para os que jogam.
Parecer n.º 456, reforçando o artigo 41.º, capítulo 5.º, do orçamento de 1921-1922.
Parecer n.º 480, pagamento do empréstimo feito na Caixa Geral do Crédito Predial pelas câmaras, municipais.
Parecer n.º 350, empréstimo para a Escola Industrial da Figueira da Foz.
Parecer n.º 519, fixando o provimento dos conservadores dos museus das três universidades.
Parecer n.º 498, modificando disposições do Código do Registo Civil.
Parecer n.º 476, sôbre a forma de pa-
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gamento de renda nos arrendamentos de prédios rústicos com renda fixa a dinheiro;
Parecer n.º 427, isenção de direitos de material para o Hospital de Ponta Delgada.
Parecer n.º 353, que autoriza a Caixa de Crédito Agrícola da Régua a avaliar certos prédios.
Parecer n.º 352, que cria as comarcas do Cadaval, Carregai do Sal, Ferreira do Zêzere, Macieira de Cambra, Penama-cor e Sabrosa.
Parecer n.º 98, sôbre tirocínio de oficiais que frequentam escolas estrangeiras.
Parecer n.º 205, dispensando de concurso para promoção os aspirantes de finanças.
Parecer n.º 378, que, modifica disposições da Lei da Separação.
Parecer n.º 160, que aplica aos funcionários das colónias, de licença, as disposições em. vigor para os do Estado.
Parecer n.º 284, autorizando a nomeação de um 2.º assistente da Faculdade de Sciências de Lisboa.
Parecer n.º 56, revogando o decreto de 30 de Dezembro de 1910 sôbre feriados.
Parecer n.º 510, aprovando a Convenção Internacional para supressão do tráfico de mulheres e crianças.
Parecer n.º 505, construção do ramal de caminho de ferro de Aldeia Galega por Alcochete.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o parecer n.º 259-G, que conta designado tempo aos funcionários civis com mais de dez anos de serviço, com direito à aposentação.
Imprima-se.
Da mesma comissão, sôbre o parecer n.º 542-I, que manda entrar nos cofres do Tesouro com o saldo em seu poder da verba de 250. 000$, para despesas com a Feira de Lisboa, a direcção da Exposição do Rio de Janeiro.
Imprima-se.
Da mesma comissão, sôbre o parecer n.º 549-A, que cria um adicional de 5 por cento sôbre os impostos municipais cobrados, pela Alfândega do Funchal para reorganização do serviço de incêndios.
Imprima-se.
Da comissão de finanças, sôbre o parecer n.º 468, que anula a pena de reforma imposta ao tenente coronel Gonçalo Pereira Pimenta de Castro.
Imprima-se.
Da mesma comissão, sôbre o parecer n.º 546-A, que melhora a situação dos mutilados e estropiados da Guerra.
Imprima-se.
Da mesma comissão, sôbre o parecer n.º 550-D, que abre um crédito a favor do Ministério do. Interior para alimentação de presos indigentes.
Imprima-se.
Da comissão de administração Pública, sôbre o parecer n.º 532-B, que equipara as pensões dos empregados aposentados da Imprensa Nacional às dos empregados do mesmo estabelecimento de igual categoria e tempo de serviço.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o parecer n.º 509-A, que eleva as taxas do imposto de trânsito, anexo à lei n.º 1:238, de 28 de Novembro de 1921.
Para a comissão de finanças.
Projecto de lei
Do Sr. Bartolomeu Severino, alterando a lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Para o «Diário do Govêrno».
Comissão da União Interparlamentar.
Para esta comissão foram nomeados os Srs. Deputados:
Vasco Borges.
Fausto de Figueiredo.
Afonso de Melo.
Para a Secretaria.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.