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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 126
EM 12 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Respondem à chamada 46 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carvalho da Silva trata aos impedimentos, no Pôrto, à celebração duma missa por alma dos mortos do combate de Chaves. Responde o Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas).
O Sr. Carlos Pereira ocupa-se da indústria dos produtos resinosos em Portugal. Responde o Sr. Ministro da Instrução Pública que comunicará, as considerações feitas ao seu colega das Finanças.
O Sr. António Maio, pregunta, se o Sr. Ministro da Guerra já se deu por habilitado a responder a uma interpelação que lhe anunciou. Responde negativamente o Sr. Presidente.
O Sr. Álvaro de Castro deseja saber em que condições o Sr. Presidente do Ministério se considera habilitado a substituir o Sr. Ministro das Colónias, nomeadamente com respeito à interpelação que lhe estava fazendo, respondendo o Sr. Presidente do Ministério que o seu colega está melhor e que, conforme os termos do seu restabelecimento, assim poderá ou não substitui-lo para o fim indicado.
O Sr. Joaquim Ribeiro trata do abastecimento das carnes em Lisboa e da questão da ordem pública na capital. Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Tôrres Garcia reclama contra o estado das construções escolares. Responde-lhe o Sr. Ministro da Instrução Pública.
O Sr. Sampaio Maia chama a atenção do Govêrno e do Parlamento para a tabela dos emolumentos dos magistrados judiciais, fazendo largas considerações sôbre o assunto.
O Sr. António Maia chama a atenção do Sr. Ministro da Guerra para uma noticia do «Século sôbre o «raid» Lisboa-Macau, pedindo sôbre o caso alguns esclarecimentos. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria).
Volta a usar da palavra para, explicações o Sr. António Maia.
O Sr. Alberto Jordão ocupa-se da necessidade de se publicar a tabela do preço dos trigos e doutros assuntos que interessam à agricultura nacional. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
É rejeitado um requerimento do Sr. António Maia. Procedendo-se à contraprova, requerida pelo Sr. António Maia, verifica-se ter sido aprovado.
Ordem do dia (continuação da interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Presidente do Ministério). — Usa da palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira).
É lido um oficio do Senado convocando o Congresso para as 17 horas e 30 minutos.
É interrompida a sessão.
Reaberta a sessão, o Sr. Cancela de Abreu, que pedira a palavra para antes de se encerrar a sessão, chama a atenção do Sr. Ministro da Justiça para as afirmações feitas numa «interview» publicada no «Diário de Lisboa» acêrca da protecção dispensada a criminosos por altas influências políticas. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 33 minutos.
Presenteei à chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 55 Srs. Deputados
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.

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Diário da Câmara dos Deputados
Alberto Ferreira Vidal.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres dá Costa.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Travares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Pedro Augusto Ferreira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barro s Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abilio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel do Sousa Dias Júnior.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henrique Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

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Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciftl Pais Carneiro.
Com a presença de 46 Srs. Deputados, às 15 horas e 33 minutos declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Oficio
Do Senado, comunicando ter designado o dia de hoje, pelas 17 e meia horas, para reunião do Congresso, a fim de apreciar as emendas à proposta de lei sôbre melhorias de vencimento ao funcionalismo.
Para a Secretaria.
Telegramas
Do Sindicato Agrícola da Vidigueira, apoiando a representação da Associação de Agricultura.
Do regedor, pároco e Junta de Silvares (Longada), apoiando as reclamações católicas.
Da Câmara Municipal de Arouca, pedindo a aprovação do projecto das percentagens municipais.
Para a Secretaria.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não se trata de aumento que corra pela pasta da instrução, mas eu poço ao Sr. Ministro da Instrução Pública o favor de transmitir ao Sr. Presidente do Ministério as minhas considerações.
Os monárquicos do Pôrto quiseram mandar rezar uma missa por alma dos mortos no combate de Chaves. Ninguém se pode julgar melindrado por êste facto; todavia os republicanos do Pôrto puseram placaras nas ruas convidando os republicanos a assistir à missa, razão por que foi impossível realizá-la, para evitar a alteração da ordem pública.

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Diário da Câmara dos Deputados
Peço a V. Ex.ª para transmitir as minhas considerações ao Sr. Presidente do Ministério, pois factos desta ordem só causam a divisão entre portugueses.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro de Instrução Pública (João Camoesas): — Asseguro a V. Ex.ª que transmitirei ao Sr. Presidente do Ministério as suas reclamações.
O Sr. Carlos Pereira: — Começo por chamar a atenção de qualquer dos Srs. Ministros presentes. Parece que o Govêrno tem o firme propósito de entravar o desenvolvimento de qualquer indústria nascente. Não me parece que seja um bom critério não auxiliar uma indústria que começa.
O Govêrno lançou uma taxa sôbre exportação de produtos resinosos por tal forma elevada que mata desde logo essa indústria nascente. A taxa é de 15 por cento, e assim a água-raz, que pagava 4, 8 e 9 escudos, vai pagar muito mais. Nas regiões de Leiria, Pombal e parte das Beiras, existia esta indústria, mas por esta forma vai ela morrer. Ás feridas, que eram vendidas a $10 e $20, hoje vendem-se a 3$50; mas como o Estado não permite a exportação dêsses produtos, os donos dos pinhais já não os exploram. Hoje um quilograma de água-raz paga 1$80.
Mas, cousa curiosa, a Espanha e a França, países produtores de água-raz, mandam êsse produto para Portugal, fazendo concorrência ao nosso, e o Estado lança-lhe apenas um imposto de $12 por quilograma. Isto importa dizer com todas as letras que há a preocupação de fazer acabar tal indústria.
Se quisermos comparar a disparidade existente, podemos ver o seguinte: é que emquanto para se comprar, suponhamos, um automóvel Rolls Royce são precisos 200. 000$, que saem de Portugal, e o Estado recebe 5. 000$ ou 6. 000$ de direitos, por 200. 000$ de água-raz o Estado quere receber 36. 000$. Isto importa a morte do uma indústria que vem concorrer para que entre ouro no país numa quantidade avultada. Acontece também que é condenar à fome cêrca, de oito mil operários rurais, que tantos são os que se aplicam nesta indústria. Sei que nos valores alfandegários que por vezes são estudados mensalmente se procura determinar o valor num período anterior, correspondente ao valor da venda do produto referente aos últimos três meses; mas disse a V. Ex.ª, e é verdade, que o Estado atribuía um valor que não era aquele por que se vendia, mas que era um valor muito inferior. Acontece mesmo assim que, por mais que se pretenda calcular, êsses valores alfandegários estarão sempre fora da verdade.
Só o Sr. Ministro das Finanças enveredasse por aquele caminho que devia enveredar, fazia baixar o valor alfandegário, não ao valor por que se vende o produto mas outro.
Porém, para que a disparidade existente entre a tributação imposta ao produto que se importa e ao que se exporta não dê. como demonstrei, é preciso que o. direito lançado peia alfândega nunca seja superior a 3$50. Tudo quanto seja fazer o contrário é pretender acabar com uma indústria que merece todo o carinho, amparo e auxílio do Estado, indústria que ao Estado pede apenas o seguinte: que a tributem como se tributa o produto estrangeiro. Não é justo que 1 quilograma de água-raz pague $12, vindo do estrangeiro, e 1 quilograma de água-raz portuguesa tenha de pagar 1$80.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Participo ao Sr. Carlos Pereira que transmitirei ao Sr. Ministro das Finanças a sua reclamação.
O Sr. António Maia (para interrogar a Mesa): — Pedia a V. Ex.ª que me informasse se o Sr. Ministro da Guerra já se deu por habilitado a responder a uma interpelação que lhe enviei.
O Sr. Presidente: — A nota da interpelação foi enviada ao Sr. Ministro da Guerra, mas S. Ex.ª ainda não se deu por habilitado.
O Sr. Álvaro de Castro: — Desejava preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se substitui o Sr. Ministro das Colónias para todos os efeitos, ou o substitui uni-

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camente em determinados assuntos; por que, na primeira hipótese, desejava saber quando S. Ex.ª se julgará habilitado a continuar a resposta que o Sr. Ministro das Colónias estava dando às considerações que aqui fiz a propósito do modus vivendi sul-africano.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, (António Maria da Silva): — O Sr. Álvaro de Castro preguntou se posso julgar-me habilitado para versar o assunto que tinha sido tratado pelo Sr. Ministro das Colónias.
Respondo o seguinte:
O Sr. Ministro das Colónias estava doente, mas está melhor. Espera poder vir à Câmara responder às considerações feitas pelo ilustre Deputado; mas no caso de se demorar julgar-me hei habilitado a responder a S. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para um aumento que preciso resolver quanto antes.
Quando alguém quer estabelecer em Lisboa um talho, só pode fornecê-lo por intermédio da Câmara Municipal, que tem uma comissão de marchantes para êsse fim.
Êsses marchantes é que fornecem o gado para o consumo.
Portanto, quando alguém instala um talho, tem de comprar a carne a essa comissão.
Essa comissão de marchantes, para aumentar o preço das carnes, conserva centenas de bois e até milhares fora de Lisboa, só entrando êsse gado em Lisboa quando obtém o aumento do preço da carne exigido.
Ora acontece que uma cooperativa que está estabelecendo armazéns em Lisboa, a União dos Abastecimentos dos Sindicatos Agrícolas, cuja iniciativa é digna do maior louvor, porque está realizando uma obra importante, pretende instalar talhos em Lisboa, para fornecer carne com abundância e muito mais barata.
Mas a Câmara Municipal nega-lhe licença para estabelecer os talhos, a não ser que essa cooperativa compre a carne à comissão de marchantes.
Isto é tanto mais injusto, quanto essa entidade apenas vende aos seus sócios.
Portanto, para êste assunto, que se me afigura importante, chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério. E digo do Sr. Presidente do Ministério, por estar convencido de que S. Ex.ª, melhor do que qualquer outro seu colega do Gabinete, poderá dar as providências que as circunstâncias que acabo de apontar à Câmara impõem.
Para outro assunto desejo, ainda, chamar a atenção de S. Ex.ª
Quero referir-me ao problema da ordem pública, que no nosso país está assumindo proporções que demandam a mais enérgica e imediata intervenção do Govêrno.
Apoiados.
Eu sei que reclamando aqui essa intervenção corro o risco de ser lançado para o número daqueles que uma secreta organização de bandidos condenou à morte.
Êsse risco, porém, não me amedronta, e eu hei-de dizer, por isso, aquilo que neste momento sinto necessidade de dizer dêste lugar aos homens que têm sôbre si o encargo da governação pública.
Apoiados.
Ataca-se e mata-se gente nas ruas de Lisboa.
Nesta Câmara há Deputados condenados à morte.
Nos hospitais há magistrados gravemente feridos.
Em presença de todos êstes atentados, de todos êstes crimes cometidos por um bando do scelerados sedentos de sangue, a sociedade tem de se defender (muitos apoiados) perseguindo inexoravelmente os malfeitores.
Muitos 'apoiados.
Para isso estou absolutamente certo do que não faltará ao Govêrno o apoio incondicional de toda a gente de bem.
Apoiados gerais.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — O ilustre Deputado Sr. Joaquim Ribeiro acaba de versar dois assuntos: um que diz respeito ao abastecimento de carnes na cidade de Lisboa e o outro relativo à ordem pública.

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Diário da Câmara dos Deputados
O primeiro dêstes assuntos interessa exclusivamente à Câmara Municipal cuja acção é inteiramente autónoma...
Vozes: — Não apoiado!
O Orador: — As câmaras, por disposições votadas neste Parlamento, são autónomas, quer haja apoiados ou não apoiados.
Sendo assim, o Govêrno não pode invadir a esfera da sua acção.
O que o Govêrno pode fazer é proporcionar à União Central de Abastecimentos certas facilidades que muito, certamente, coadjuvarão o esfôrço dêsse organismo. E isso fará o Govêrno se lho fôr pedido.
Quanto à acção desenvolvida ultimamente pelos inimigos da ordem que têm prejudicado até pessoas que não estão em conflito, devo dizer que estou na disposição de ser absolutamente irredutível.
Infelizmente tem-se feito muita legislação sôbre o assunto sem que até agora tenhamos ganho grande cousa.
Uma sociedade defende-se, e chega a um certo momento em que há apenas uma lei suprema: a dessa defesa.
Naturalmente teremos de enveredar por êsse caminho, tomando resoluções bem diversas das que até hoje têm sido tomadas.
Estou convencido de que no momento em que tenha de as tomar não me faltará o apoio das pessoas que se interessam pela defesa da sociedade.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Chamo a atenção do Sr. Ministro da Instrução Pública para as considerações que vou fazer a fim de S. Ex.ª tomar conhecimento, se acaso o não tem já, do facto que vou referir à Câmara.
Na cidade de Coimbra existem vários edifícios escolares para alojamento dos estabelecimentos de ensino primário elementar.
Entre êles, há a escola da freguesia da Sé Nova e o edifício, sistema Bermudes, da freguesia de S. Bartolomeu.
Por deficiência de construção ou por quaisquer outras razões que levam os entendidos a considerar tais edifícios em estado de ruína, o primeiro, aliás instalado num magnífico local, já deixou de funcionar; e o segundo terá de ser também abandonado no próximo ano lectivo.
Reduzido como já é o número dos nossos edifícios escolares, nós não rodemos, evidentemente, deixar de olhar pela conservação dos já existentes, não só pelos inconvenientes de levar as populações escolares a frequentar edifícios mal instalados e pouco higiénicos, não obstante o exagero das suas rendas, dada a falta de casas que se verifica em Coimbra, mas, também, pela vergonha que tal desleixo e abandono representam para o Estado.
Estou certo de que o Sr. Ministro da Instrução Pública, tomando conhecimento do caso que apontei, se apressará a dar as providências que de requere.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Ao contrário do que o Sr. Tôrres Garcia pareço supor, conheço perfeitamente o estado em que se encontram não só essas, mas muitas escolas do país.
Infelizmente os edifícios escolares, quer arrendados, quer pertencentes ao Estado, encontram-se num estado lamentável de conservação que não deriva de um mau critério económico, ou da falta de carinho das instituições administrativas do Estado que neles superintendem, mas de circunstâncias de carácter económico, como do encarecimento dos preços dos materiais, que torna exíguas as verbas inscritas no orçamento para conservação e construção dos edifícios escolares.
Se essas verbas outrora bastavam para suprir as necessidades das diferentes escolas, hoje são absolutamente insuficientes.
O problema foi examinado com todo o cuidado nesta e na outra casa do Parlamento, visto que no orçamento foi inscrita a verba necessária para ocorrer aos encargos da realização de um empréstimo de 3:500 contos, 1:500 contos dos quais são destinados apenas à reparação e conservação dos edifícios já construídos.
Há aproximadamente cem edifícios que se encontram em estado de meia construção, o que representa uma imobilização de capital, absolutamente inútil, sujeito a enormes prejuízos, porquanto essas cons-

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truções podem sofrer as graves deteriorizações que correm risco as construções interrompidas. Nestas condições, tanto da parte do Poder Executivo como da parte do Poder Legislativo, já foram tomadas as providências económicas necessárias para obviar a êstes inconvenientes.
O orador não reviu.
O Sr. Sampaio e Maia: — Quero chamar a atenção do Govêrno para a tabela dos emolumentos e salários judiciais.
Já tive ocasião de chamar a atenção da Câmara para o decreto n.º 5:411 que regulou e fixou os emolumentos e salários judiciais, demonstrando que a maioria das suas disposições eram absolutamente inconstitucionais. Nessa altura, enviei para a Mesa uma proposta, para que fôsse suspenso êsse decreto, designadamente as disposições que eu reputo ilegais e inconstitucionais.
A Câmara entendeu que êsse assunto não devia ser resolvido com urgência e dispensa do Regimento, e fez com que a proposta fôsse enviada à comissão respectiva. A comissão de legislação civil e comercial mandou o respectivo parecer para a Mesa; e o parecer da comissão de legislação civil e comercial é que efectivamente essa tabela contém- em si disposições inconstitucionais.
Essa tabela dá emolumentos aos magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e secretários do Tribunal do Comércio autorizados pelo respectivo Ministro; mas são emolumentos que o Ministro não estava autorizado a dar. Quere dizer: os magistrados judiciais, os agentes do Ministério Público e secretários do Tribunal do Comércio estão recebendo dinheiro que é extorquido às partes à sombra de um decreto absolutamente inconstitucional. Como diz o próprio parecer êsses funcionários «estão recebendo dinheiro extorquido às partes».
Sirvo-me da própria expressão da comissão de legislação civil e comercial. O mais curioso é que quem fez êste parecer não é nenhum Deputado que não pertença à maioria, ou que não apoie o próprio Govêrno.
Sr. Presidente: num regime parlamentar onde o Govêrno abusando do Poder publica decretos inconstitucionais, reconhecidos como tal já por uma delegação
da Câmara, que é comissão de legislação civil e comercial, eu pregunto se é legítimo que o parecer a que me refiro durma ou possa dormir na Mesa o sono dos justos, sem ser submetido quanto antes à discussão, da Câmara. Então, nós, Parlamento, podemos consentir que se continue a extorquir às partes dinheiro e vá êsse dinheiro para os bolsos de magistra que não têm direito a recebe-lo?
Faço esta pregunta à Câmara, dirigindo-me ao Sr. Presidente, e estou certo de que S. Ex.ª será o primeiro a. interpretar o sentir do Poder Legislativo, fazendo com que o parecer entre o mais depressa possível na ordem do dia, porque isso só será prestigiante para o Parlamento, a fim de não consentir que disposições manifestamente inconstitucionais continuem a vigorar e executar-se no nosso país.
São estas as considerações que eu formulo, e apenas peço a V. Ex.ª, como Presidente da Câmara, para que no mais curto prazo faça submeter à apreciação desta Câmara o parecer da comissão de legislação civil e comercial, que me parece absolutamente justo e legal.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: eu li ontem no jornal O Século, de que acabo de mandar buscar à redacção um exemplar, porque a biblioteca desta Casa diz que, como só existe um exemplar, não o pode mandar para a sala, de forma que quem quiser consultá-lo tem que ir à biblioteca (naturalmente porque há receio que os Deputados se apoderem dele, é a única razão que vejo para isso), eu li no Século de ontem, como ia dizendo, uma notícia intitulada o raid Lisboa-Macau, para a qual quero chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra, a fim de que S. Ex.ª me diga o que há sôbre o assunto.
Aproveito o ensejo de estar com a palavra para preguntar também a S. Ex.ª quando é que se dá por habilitado a responder à interpelação que lhe anunciei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Froiria): — Sr. Presidente: respondendo ao Sr. António Maia devo dizer, a res-

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peito do raid Lisboa-Macau, que êle foi autorizado em Conselho de Ministros, que delegou na minha pessoa toda a fiscalização do mesmo e ainda o conhecimento das vantagens que êle traria para o país e suas possibilidades práticas de realização.
De harmonia com estas grandes responsabilidades que sôbre mim pendiam eu quis em primeiro lugar averiguar das possibilidades práticas de tal raid e, para êsse fim, mandei ir ao meu gabinete a comissão técnica de aeronáutica.
As suas informações deixaram-me tais dúvidas sôbre as possibilidades da sua realização, que eu não quis permitir o raid sem que novamente levasse o assunto a Conselho de Ministros.
É o que há sôbre êste assunto.
Relativamente à interpelação devo dizer que já me dei por habilitado a responder a ela.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia (para explicações): — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro da Guerra as informações que me deu, mas não quero deixar de chamar a atenção da Câmara para uma contradição que é interessante.
Tendo eu tomado conhecimento da opinião de todos os membros, à excepção de um ou dois da comissão técnica de aeronáutica acêrca do raid Lisboa-Macau, por todos êles foi incitada na minha presença, com excepção de um, a execução dêsse raid, admira-me, por conseguinte, e reconheço que isso é bem um sintoma do, que é o nosso exército actualmente; que êsses. oficiais, tendo-se manifestado favoráveis a êsse raid na minha presença, diante do br. Ministro da Guerra dissessem que não havia possibilidades práticas de ir pelos ares até Macau.
A êste respeito não quero entrar em detalhes porque em tempo oportuno falarei.
Limito-me, pois, a frisar à Câmara esta dualidade de opiniões, que é interessante.
Quanto à interpelação, visto que o Sr» Ministro da Guerra já se deu por habilitado a responder-me, eu pedia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que consultasse a, Câmara sôbre se permitia que ela fôsse marcada para uma das próximas sessões no período de antes da ordem do dia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Alberto Jordão: — Sr. Presidente: eu solicito a atenção do Sr. Presidente do Ministério para as ligeiras considerações que vou fazer e que são as seguintes:
O ano agrícola está na sua fase mais intensa e de dispêndio por parte dos lavradores, e o que é verdade é que, apesar de se saber isso, por parte do Govêrno não têm sido tomadas medidas que, de qualquer maneira, auxiliem a agricultura nacional.
Apoiados.
Já há dias tive ocasião de chamar a atenção de V. Ex.ª e da Câmara, bem como a do Poder Executivo, para o facto de não ter ainda sido publicada a tabela respeitante aos trigos, e outros Srs. Deputados já depois de mim fizeram a mesma cousa. O que é certo, porém, é que o dia 10 já passou e a tabela não apareceu e graves perturbações de ordem económica resultaram de aí.
Mas há mais! Não só a alta lavoura, mas o mediano agricultor e ainda mais o pequeno seareiro das regiões alentejanas, estão a lutar com imensas dificuldades por falta de numerário. Não há dinheiro naquelas regiões para fazer face às despesas das ceifas e das debulhas.
Eu estou absolutamente certo, por informações fidedignas que possuo, que os bancos, na sua quási totalidade, de nada dispõem; as caixas agrícolas estão desprovidas de dinheiro.
Nesta ordem de ideas, sendo costume nas regiões alentejanas recorrer nesta altura do ano a êsses estabelecimentos em procura de dinheiro e não se encontrando facilidades de o conseguir, as consequências que de aí advêm são estas: o especulador está fazendo alto negócio, negócio que eu classifico de anti-patriótico e de exploração desta situação criada.
Há lavradores que têm vendido as suas searas por preço irrisório, e o trigo, por não haver tabela, já em certas partes se tem vendido ao preço de $80 o quilograma.
Se disto tudo resultasse algum benefício que não fôsse apenas para o especulador e intermediário, mas para o consu-

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midor, bem estava, mas não se dá isso, como V. Ex.ªs sabem.
Apoiados.
Pregunto, por consequência, ao Govêrno se conhece êstes factos, se sabe o que se passa nas regiões agrícolas e se cruza os braços perante isso. O Sr. Presidente do Ministério, a quem tudo o que diz respeito à economia da nação deve interessar, alguma cousa tem que dizer, a êste respeito.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — O Sr. Alberto Jordão versou dois assuntos: um relativo ao Sr. Ministro da Agricultura, o outro ao Sr. Ministro das Finanças.
Transmitirei aos meus colegas as observações de V. Ex.ª, que têm todo o valor.
Não nos pode desinteressar a lavoura; estou certo que na próxima sessão dirão os respectivos Ministros a S. Ex.ª o que se lhes oferecer sôbre o assunto.
O Sr. Alberto Jordão: — E V. Ex.ª empregará todos os esfôrços para que o que é necessário se não faça esperar.
O Orador: — Exactamente.
O Sn Presidente: — É a hora de passar-se à ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. António Maia para um requerimento.
Pôsto à votação é rejeitado,
O Sr. António Maia: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova é aprovado,
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai continuar a discussão da interpelação do Sr. Cunha Leal ao Govêrno.
Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — É forçado a entrar neste debate, embora quando se anunciou a interpelação, êle, orador, supusesse que não seria obrigado a entrar nele.
Todavia, no discurso do Sr. Cunha Leal sôbre política geral do Govêrno, o ilustre leader nacionalista dedicou uma grande parte dêle à análise e crítica da política externa do Govêrno.
Quando não fôsse pela razão única da consideração que lhe merece pessoal e politicamente o ilustre Deputado interpelante, as observações e crítica feitas por S. Ex.ª a política externa obrigá-lo-iam a intervir no debate.
E, quando não fôsse o discurso do Sr. Cunha Leal, o discurso pronunciado também pelo ilustre Deputado monárquico Sr. Aires de Ornelas impor-lhe-ia também a obrigação de fazer algumas considerações que, está certo, vão esclarecer e tranquilizar o espírito dos Srs. Deputados.
Sôbre êsse ponto, aliás já respondido pelo Sr. Presidente do Ministério, e duma maneira que deve ter tranquilizado o espírito, porventura alarmado, dos Srs. Deputados, alguma cousa êle, orador, tem que dizer por ser o responsável mais directo pela política externa.
Sente-se obrigado por isso a dar esclarecimentos mais precisos a S. Ex.ª
Compreende os ataques formulados pelo Sr. Cunha Leal e pelo Sr. Aires de Ornelas.
Não são S. Ex.ªs correligionários do Govêrno, não fazem parte da maioria que apoia o Govêrno, e por consequência não era de esperar que proferissem discursos de aplauso e concordância com o Govêrno.
Mas supõe que os seus discursos foram um, pouco mais além do que deveriam ir, no calor do ataque que entenderam dirigir ao Govêrno.
Foram um pouco longe, sobretudo no que diz respeito à política externa.
O Sr. Cunha Leal, principalmente, que é um eminente republicano, que tem uma alta categoria mental, que publicamente lhe é reconhecida, que tem a qualidade de ter sido Ministro da República e Presidente de Ministério, o Sr. Cunha Leal se quisesse teria encontrado alguma cousa na política externa dêste Govêrno que lhe mereceria aplauso, se não incondicional, pelo menos lhe mereceria alguma benevolência.
Condenou, porém, absolutamente a política externa. E êle, orador, ao escutar

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a sua consciência, recolhendo-se dentro dela, apesar de ouvir a condenação formal dessa política, e reconhecesse a razão dos seus reparos e críticas, um único caminho teria a seguir: abandonar aquele lugar.
Mas depois dó exame de consciência que serenamente fez, teve de reconhecer que da sua acção modesta mas sincera tem resultado exclusivamente a defesa dos interêsses da Nação perante o estrangeiro.
Apoiados.
Teve de chegar à conclusão de que não tem de arrepender da sua acção modesta, da sua modesta obra de Ministro. Transitoriamente ocupando aquela cadeira, alguma cousa tem feito que é proveitosa e útil para o país.
Apoiados.
Esta justiça, se é imodesto fazê-la a si próprio, é rudimentar justiça que todos os Deputados que quisessem apreciar a sua acção, e o quisessem fazer com boa disposição e benevolência para comigo não teriam deixado de o fazer.
Mas toda a política externa de dezassete meses a esta parte foi formalmente condenada.
Êle, orador, nada modificou da orientação do seu antecessor, que não foi atacada então, e fez uma política acertada.
Mas esta é agora considerada má!
Se, se tivesse feito uma política diferente, é natural que essa política diferente ainda tivesse alguma cousa de útil e proveitoso para o país, então seria explicável o ataque à sua obra.
Mas a política externa de dezassete meses para cá foi formalmente condenada.
Êle, orador, é levado a pôr as cousas nos seus devidos termos para que esta discussão chegue lá fora ao conhecimento do país.
Tem o dever e o direito de opor ao discurso do Sr. Cunha Leal uma resposta cheia de verdade, indiscutível verdade, bem como às considerações do Sr. Aires de Ornelas.
Qual era a política externa da República antes da sua subida ao Poder?
Era diferente da actual?
Êle, orador, já no Parlamento tem exposto as suas ideas sôbre alguns assuntos internacionais. E não o tem feito pelo prurido de falar.
A política externa de todos os países impõe reservas.
Na França fala-se sôbre a questão do Ruhr? Fala-se.
Mas êsse é o seu problema máximo; e não será lícito a nenhum govêrno ocultá-lo.
Êsse problema não pode ser tratado apenas no segredo das chancelarias. Mas é assim em tudo. A França não guarda reservas?
Para responder a estas preguntas, recordará à Câmara o que sucedeu há tempo a um altíssimo funcionário diplomático, homem de valor e prestígio, acusado de um descuido na resolução de um assunto reservado. Êsse funcionário sofreu a pesada pena de ser afastado imediatamente do serviço.
Há reservas que se impõem.
Ainda há dias o Sr. Poincaré, em resposta a umas interpelações que lhe dirigiram, pronunciou um discurso na Câmara dos Deputados francesa, no qual acêrca de política externa apenas entendeu que devia expor os pontos de vista da França sôbre as resoluções com o Vaticano e sôbre o problema das reparações.
No parlamento inglês, o Sr. Baldwin, na sessão de 2 dêste mês, interrogado sôbre as disposições do Govêrno relativamente à nota alemã de 7 de Junho, isto é, vinte e cinco dias depois, declarou o seguinte: que não podia fazer nenhuma declaração e que o Govêrno inglês tinha plena consciência das necessidades da situação, mas o que não podia era activar as cousas.
Interrogado em seguida por um deputado sôbre um facto relativo à comissão inter-aliada dos territórios renanos, o Sr. Baldwin respondeu que o desconhecia e que toda a discussão sôbre o assunto não podia ter no momento maior utilidade.
Os jornais noticiaram que se tem mantido o maior segredo sôbre as negociações entre Lord Curson e os embaixadores da França, da Itália e da Bélgica, sôbre as reparações e o problema do Ruhr.
Pois é decorrido mais de um mês sôbre a oferta da Alemanha em resposta à réplica inglesa, e ninguém tem protestado contra a política do silêncio que as circunstâncias às vezes impõem em toda a parte.

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Tratou o Sr. Cunha Leal das negociações comerciais com a Noruega e disse que o tratado que existe era ruïnoso e desastroso para Portugal.
Mas S. Ex> não o demonstrou, e êle, orador, dirá bem alto que não está arrependido de ter leito êsse acôrdo.
Vivíamos em guerra de tarifas com a Noruega e aplicávamos aos seus produtos e navegação o quíntuplo das pautas, e a Noruega, em face do prejuízo que daí lhe advinha para as suas indústrias de pescarias e para a navegação, negociou -coni Portugal um acôrdo, pelo qual se obrigava a comprar as mercadorias cuja lista o orador lê à Câmara.
Êste acôrdo era tam vantajoso para Portugal, no regime da proibição absoluta de consumo de vinhos licorosos na Noruega, que o Parlamento norueguês o rejeitou dando lugar à demissão do Govêrno que o negociava.
O Ministério novo que se seguiu apresentou uma proposta de lei revogando a proibição do consumo de vinhos até 21 graus.
Esta proposta foi votada por aquele Parlamento ùnicamente para permitir a entrada dos vinhos portugueses; e tanto que só seria posta em vigor quando o acôrdo com Portugal fôsse assinado.
Isto deu lugar ao acôrdo de 11 de Abril dêste ano, pelo qual conseguimos a livre entrada de vinhos do Pôrto e Madeira e o tratamento de nação mais favorecida para todos os produtos que interessam a nossa exportação.
Os efeitos produtivos dêste acôrdo no que respeita a compras de vinhos são os seguintes. Já estão encomendadas grandes porções de vinho.
Isto quere dizer que é alguma cousa de importante o mercado norueguês para os nossos vinhos; e que o acôrdo que teve a fortuna de realizar é digno de ser considerado na economia do país.
O que demos em troca à Noruega?
A pauta mínima que segundo o nosso regime aduaneiro em vigor deve ser concedida a todos os países que nos aplicam igual tratamento.
Referiu-se também o Sr. Cunha Leal à mensagem de Lord Curzon entregue ao Sr. Dr. Augusto de Castro, quando êste eminente jornalista esteve há pouco em Londres.
Essa mensagem parece servir de argumento para condenar ainda a acção externa do Govêrno.
O orador defende ainda a sua acção das acusações que lhe foram feitas, afirmando que não há nada mais injusto do que atribuir-se ao Govêrno culpas do que se está passando, em matéria de relações comerciais, entre a França e Portugal.
Êle, orador, já disso aqui quando da resposta à interpelação do Sr. Serafim de Barros, antes e muito antes do termo do prazo da prorrogação do modus vivendi com a França, que havia pedido ao Sr. Francisco António Correia, cuja competência ninguém pode contestar, e de acôrdo com o Govêrno Francês, para ir a Paris encetar combinações sôbre as bases para um tratado de comércio definitivo, isto com o intuito de sairmos do regime de prorrogações sucessivas.
A Câmara, Sr. Presidente, nessa altura aprovou o seu procedimento, reconhecendo que êle, orador, na verdade tinha empregado todos os esfôrços para evitar a rutura de negociações entre Portugal e a França. Porém, surgiu uma questão interna devido aos vinhateiros do sul que em face da possibilidade de ficar consignado no contrato definitivo um tratamento de favor para os nossos vinhos, começaram a reclamar, sendo por êsse motivo suspenso o modus vivendi graças a terem encontrado umas certas facilidades da parte do Sr. Ministro da Agricultura do Govêrno Francês.
Nós fizemos alguma cousa para isso?
Evidentemente que fizemos; mas o Sr. Cunha Leal, que tem uma biografia de serviços prestados à República, neste ponto alguma responsabilidade tem, a qual lhe resulta de um serviço que prestou ao país.
Crê que S. Ex.ª, não querendo recordar êsses serviços que tem prestado, quis esquecer mais êste.
O Sr. Cunha Leal bem como o Sr. António da Fonseca representaram-nos na Conferência de Bordéus, em que foi emitido o voto de que os Govêrnos deviam executar medidas rigorosas de protecção às marcas dos vinhos.
O Govêrno Francês pôs em execução efectivamente essas medidas que deram o resultado de começarem desde logo os vinhateiros do Midi a agitarem-se, come-

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çando a dar as primeiras demonstrações da sua má disposição.
Foi a conjugação da acção do Govêrno e dós seus delegados naquela Conferência que determinaram aquela resolução?
Foi um desastre a atitude de Portugal?
Desastre seria se nos submetêssemos às condições que a França nos propunha.
Êle, orador, declara que nunca o fará, na convicção em que está de que assim serve bem o seu país.
Relativamente ao acôrdo comercial com a Alemanha, que também foi ventilado na Câmara, pois a verdade, é que nada ficou por criticar e condenar, disse o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal que êle tinha sido feito em más condições para nós.
Todavia o acôrdo com a Alemanha, assinado em Abril dêste ano, reduz de 85 a 36 marcos por 100 quilogramas o direito sôbre as sardinhas de conserva, e de 60 a 20 marcos o direito sôbre as rolhas de cortiça.
Estas taxas ficaram consolidadas, bem torno os direitos sôbre á importação da cortiça em prancha e em quadrados.
Pelo mesmo acôrdo estabeleceram-se contingentes mensais de 6:000 hectolitros de vinho do Pôrto e da Madeira, de 12:000 caixas de ananases e de 10:000 toneladas de frutas frescas.
O orador afirma ter chegado ao ponto mais importante da interpelação, qual é o que diz respeito a reparações.
Tanto o Sr. Cunha Leal como o Sr. Aires de Ornelas acusaram o Govêrno por não ter definido o seu ponto de vista.
Não é justa essa acusação.
A comissão de reparações é, como S. Ex.ªs sabem, composta de delegados da Grã-Bretanha, França, Itália, Japão,, Bélgica e Estados Serbo-Croata-Sloveno.
Sabe-se que são êstes Estados, segundo o Tratado de Versalhes, os mais interessados na questão das reparações.
Os restantes aliados podem emitir a sua opinião, sem voto, em todas as questões que os interessem; mas a resolução dos problemas afectos à comissão de reparações é ùnicamente dependente do voto das potências.
Isto, porém, é razão para as potências
definirem o seu ponto de vista quando não tenham chegado a um acôrdo para tirar um só ponto de vista? £ E tem Portugal necessidade de definir um ponto de vista?
Os outros países, fora das cinco grandes potências, têm definido êsse ponto de vista?
Dos países interessados em reparações nenhum o tem feito; e êle, orador, supõe que uma atitude dessas da nossa parte seria de simples ostentação e talvez prejudicial ostentação.
Essas potências a quem é atribuído o direito de voto estão, como disse, indicadas no Tratado de Versalhes, no § 2.º do anexo 2.º à parte 8.ª
Mas, ao fazer esta afirmação, quere isso dizer que Portugal não sinta a mesma necessidade de definir um ponto de vista como sente a Inglaterra, como sente a França, como sente a Itália?
Quere isto dizer que os interêsses de Portugal não mereçam cautela e cuidado?
Longe disso. Nós não ternos abandonado o nosso ponto de vista, e o nosso ponto de vista é de obtermos as reparações que são devidas a Portugal.
O Sr. Cunha Leal aludiu à resolução do Conselho Superior que se reüniu em Londres e que modificou os acôrdos estabelecidos em Bolonha e em Paris. Nesse Conselho fixou-se o total de indemnização da Alemanha em 132 biliões de marcos-ouro emitidos em três séries de obrigações, das quais cabem a Portugal 90 milhões da série A, 285 milhões da série B e 675 milhões da série C, acrescidos de juros e amortizações de 5 por cento e 1 por cento no total de 59 milhões e 400 mil marcos-ouro.
A Alemanha paga estas reparações? Foi a pregunta formulada.
Êle, orador, supõe que os países aliados não têm admitido até hoje outra hipótese e fazem tudo quanto podem para que essas reparações sejam efectivamente pagas a quem devem ser pagas.
Mas sabe-se o que se tem passado.
Veio a Conferência de Spa e estabeleceu as percentagens a pagar aos países com direito a reparações; mas, nessa Conferência foi estabelecido também o princípio de prioridade para certas potências que mais tenham sofrido com a guer-

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ra. Depois vieram as divergências entre as várias potências sôbre o quantitativo fixado. Depois vieram as moratórias pedidas pela Alemanha, e por fim veio a ocupação do Ruhr.
Quere isto dizer que a situação é bastante complicada e difícil, toda a gente o sabe.
O que é que Portugal tem a fazer?
Portugal tem de fazer uma política de reparações que seja a mais eficaz, a mais conveniente para chegar a receber as reparações a que tem direito.
Até agora a comissão de reparações aprovou por unanimidade para 1922-1923 requisições para Portugal na importância de 21 milhões e 60:000 marcos-ouro.
A primeira prestação já foi entregue à delegação portuguesa na comissão de reparações; e essa primeira prestação entregue em cheques foi na importância de 11 milhões 948:188 marcos-ouro. Êle, orador, tem presente a nota de uns cheques com os respectivos números, com a data do envio, com à data do recibo dos fornecedores. Êste pagamento foi feito em virtude das disposições do acôrdo Bemelmans, assinado em Paris em 2 de Junho de 1922, ao qual, como se sabe, aderimos.
Não é isto nada?
Êle, orador, supõe que no, meio de tudo quanto se passa com relação a êste magno problema, que absorve as atenções de todo o mundo, já é alguma cousa.
Mas, perguntar-se há, ficaremos por aqui?
Êle, orador, responderá que ninguém tem o direito de dizer que os pagamentos ficarão apenas reduzidos a esta importância, já reconhecida unanimemente e oficialmente péla comissão de reparações e da qual uma parte já está paga. É está paga uma parte apenas porque os pagamentos se fazem por prestações.
Portanto, não quere dizer que o facto dos 21 milhões e 600:000 marcos-ouro, que foram reconhecidos pela comissão de reparações, hão sejam pagos pelo facto de só se ter recebido até agora 11 milhões 248:188 marcos-ouro.
Por sua parto acredita que as reparações continuarão a ser pagas. O contingente de 1924 está preenchido e excedido, e êle, orador, não tem razão para crêr que a comissão de reparações não procederá, em relação a êste contingente, de uma maneira diferente daquela como procedeu em relação aos contingentes dos dois anos anteriores.
A política do Govêrno é trabalhar, é contribuir, é estar vigilante para que não sejam postos entraves ou dificuldades ao pagamento das reparações que nos são devidas. Essa política tem sido cuidadosamente feita por êle e pelos seus antecessores.
Há muita cousa a dizer, evidentemente, sôbre o problema das reparações; mas êle, orador, supõe que a Câmara não se melindrará se lhe disser que uma discussão que, porventura, saísse muito para fora dos limites em que êle a fixou poderia ser de certo modo inconveniente para os interêsses portugueses.
Referiu-se o ilustre leader monárquico à política inglesa e disse que a Inglaterra tem mudado muito a sua política, que — parece-me que foram estas as palavras do ilustre leader — a sua política tem atravessado modalidades muito diferentes e variadas e que essa circunstância explica talvez certos factos que noutras condições não seria possível terem-se produzido.
Naturalmente S. Ex.ª não quis fixar a data da modificação da política inglesa de há doze anos para cá, mas sim referir-se à época presente, tendo observado que leu num jornal uma afirmação feita pelo general Smuts num seu discurso, afirmação que, disse, só pode ter sido produzida por virtude de se ter modificado profundamente a política de Inglaterra. Crê que foi isto o que S. Ex.ª disse.
A afirmação do general Smuts, feita nestas condições, de que na questão das negociações entre a União Sul-Africana e Portugal para a realização do convénio tinha dado instruções directas ao Sr. Ministro da Inglaterra, em Lisboa, para, de harmonia com essas instruções directamente recebidas do general Smuts, conduzir as suas conversações com o Govêrno Português, essa afirmação parece-me um pouco exagerada. Ela é talvez devida exclusivamente à facilidade da palavra, à eloquência que, através dos jornais, tem visto ser uma das características do general Smuts.
O Sr. Cunha Leal (àparte): — Eloquência e acção.

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O Orador: — Mas o que pode assegurar ao ilustre leader monárquico e à Câmara é que nunca o Sr. Carnegie se dirigiu ao Ministro dos Negócios Estrangeiros ou a qualquer outro membro do Govêrno Português, ou ainda a qualquer alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, senão falando sempre em nome do Govêrno Inglês.
Apoiados.
O Sr. Carnegie representa apenas o Foreign Office e é dele que recebe as suas instruções. Evidentemente que não seria para aceitar que o general Smuts procurasse conversar com o Govêrno Português através de qualquer pessoa em Lisboa que se não pudesse considerar como seu represente aqui.
O Sr. Carnegie representa a Inglaterra e, por consequência, quando fala com o Govêrno Português é sempre em nome da Inglaterra que fala.
Antes de terminar e já que se referiu à política externa, não pode deixar de fazer referência ao que se passou ainda há pouco na Conferência Interparlamentar do Comércio, que se realizou em Praga. Sabe a Câmara que estivemos em iminente risco de ficarmos sem representação nessa Conferência, por virtude de razões que são do conhecimento público e que não vale a pena estar a discutir.
Não é mesmo para relembrar essas razões que êle, orador, faz referência a êste assunto, mas para mostrar que na política internacional, além dalguns factos já apontados e que não são confirmativos das preocupações alarmantes que porventura possam surgir aos espíritos em Portugal, porque se pode haver erros, visto todo o homem ser susceptível de errar, o que não há, são desastres ou ruínas, ainda um modesto serviço o orador prestou ao país a propósito da Conferência Interparlamentar do Comércio, em que teríamos ficado sem representação se acaso não tivesse sentido a necessidade de remover quaisquer obstáculos para que essa representação portuguesa não deixasse de efectivar-se. Nessa Conferência representou-nos o ilustre Senador Sr. Augusto de Vasconcelos e o seu ilustre colega Sr. Ernesto Navarro.
A Conferência Interparlamentar do Comércio votou alguma cousa que pode interessar a Portugal e que não teria sido votada se não nos tivéssemos representado e se não fossem as propostas apresentadas pelo ilustre Senador Sr. Augusto de Vasconcelos.
Êle, orador, é adversário político de S. Ex.ª, porque estão em partidos diferentes, mas entende que é indispensável pôr para fora dos hábitos políticos e das discussões parlamentares, sobretudo das discussões desta natureza, a preocupação restrita da política partidária, para não deixarmos de nos prestar uns aos outros a justiça a que temos direito.
Assim, é com louvor que regista perante o Parlamento a acção do ilustre Senador Sr. Augusto de Vasconcelos na Conferência Interparlamentar do Comércio.
O orador lê em seguida uma proposta que nessa Conferência foi apresentada relativamente ao pacto da Sociedade das Nações, donde se pode concluir que a nossa representação foi de grande utilidade.
O Orador: — Quanto à questão dos câmbios, o Sr. Augusto de Vasconcelos fez incluir no programa da Conferência Interparlamentar do Comércio uma expressão que é convenientemente útil aos interêsses portugueses.
O orador lê à Câmara essa passagem do programa, onde a expressão tanto quanto possível foi votada por proposta do Sr. Augusto de Vasconcelos, assim como uma emenda ao n.º 2.º e ainda uma nova alínea.
O Orador: — Foi uma proposta da delegação inglesa, votada a seguir à proposta redigida pelo Sr. Augusto de Vasconcelos.
E alguma cousa para satisfação dos interêsses nacionais.
Permita-lhe agora a Câmara que fale um pouco de si.
Não se considera um inexperiente, embora se considere incompetente.
Fez parte de um Govêrno ao qual também pertenceu o Sr. Cunha Leal, que sobraçava a pasta das Finanças.
Êle, orador, ocupava, a mesma pasta que ocupa agora-a dos Negócios Estrangeiros.
Nesse Ministério estiveram sempre em concordância, e nessa altura já se deba-

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tia o grave problema da política externa. Algumas vezes êsse problema teve de ser apresentado à apreciação do Conselho de Ministros.
Êle, orador, e o Sr. Cunha Leal estiveram sempre de acôrdo.
Mais tarde fez parte do Ministério presidido pelo Sr. Bernardino Machado, que é uma mentalidade superior, que conhece os assuntos de política internacional. Teve a honra de ser Ministro dos Negócios Estrangeiros nesse Ministério, e, apesar de lhe faltarem qualidades de mérito, nunca teve da parte de S. Ex.ª uma discordância, um ponto de vista divergente profundamente do seu, que pudesse levá-lo a abandonar o Poder.
É que então reconhecia-se uma cousa, pelo menos: reconhecia-se que quem ocupava a pasta dos Negócios Estrangeiros era uma pessoa que tinha cuidado, tinha vigilância, tinha a preocupação de bem servir os interêsses do país. Emfim, quem estava na pasta dos Negócios Estrangeiros era uma pessoa que procurava cumprir sempre o seu dever de português. É êsse português o mesmo que se encontra actualmente na pasta dos Negócios Estrangeiros.
Porque é então que se faz um ataque tam cerrado à política seguida pelo mesmo homem que já em outras conjunturas ocupou essa pasta e que não mereceu um ataque tam violento como o que lhe foi feito agora?
É a política que o pode explicar.
Em todo o caso o ilustre Deputado podia, por um pouco de homenagem à justiça, ter procurado encontrar alguma cousa que não fôsse só ruína nem desastre, mas fôsse, sim, de utilidade real para o país.
O Sr. Cunha Leal quis ter a bondade de lhe dirigir palavras de cumprimento o palavras de amizade durante o seu discurso.
Não as estranha e não quere deixar de as agradecer, afirmando a S. Ex.ª que tem sempre procurado corresponder à amizade com. que S. Ex.ª o honra.
Vai terminar.
Confessa que sente sôbre si grandes responsabilidades que lhe advêm de estar servindo o país, numa pasta que é das mais melindrosas no momento.
Tem o país uma formidável história, tem uma tradição de altiva dignidade e direitos incontestáveis à face da justiça.
Tem procurado não esquecer a história do Portugal, não esqueci essa tradição de altiva dignidade que tem obrigado em todas as conjunturas todos que passam pelas cadeiras do Poder, quando sentem verdadeiramente latejar nas veias o sangue português, a falarem altivamente em defesa dos seus direitos em face das nações junto das quais haja que firmar-se essa defesa.
Tem procurado cumprir êsse dever com persistência, com brio e dignidade patriótica.
Quando se convencer do contrário abandonará êsse lugar.
Não está nele para satisfazer uma ambição.
Êle, orador, ocupava o lugar que S. Ex.ª, o Sr. Presidente está ocupando, e ocupava-o em condições excepcionais, que deixaram no seu espírito uma saudade perdurável. Ocupava-o com o carinho de toda a Câmara e com a consideração de todos os seus membros, que nunca agradecerá suficientemente.
Abandonou êsse lugar porque?
Pela ambição de tornar a ser Ministro?
Ninguém poderá afirmar isso.
Veio para ali no cumprimento de um dever; veio com sacrifício e com sacrifício ali se manterá em quanto tiver a convicção de que alguma cousa tem produzido e poderá produzir de útil e eficaz para o bem do seu país.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra, quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se um ofício que veio do Senado, convocando a sessão do Congresso.
Foi lido na Mesa.
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão para se reunir o Congresso.
Está interrompida a sessão.
Eram 10 horas e 10 minutos.
Reabriu a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: — Vai-se entrar no período de antes de se encerrar a sessão.

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro da Justiça para uma entrevista publicada ontem à noite no jornal Diário de Lisboa.
As revelações que nessa entrevista são feitas pelos juizes do Tribunal de Defesa Nacional são gravíssimas.
Nós não podemos acreditar que êsses magistrados, com as responsabilidades de serem juizes, façam afirmações daquela ordem, sem serem verdadeiras.
Nessa entrevista, um dos juizes faz a afirmação de que da parte das autoridades da República há uma protecção a verdadeiros criminosos.
Estou convencido de que o Sr. Ministro da Justiça já mandou fazer um inquérito para apurar se é verdade que haja protecções escandalosas para criminosos da pior espécie.
E preciso que a Câmara não deixe de lavrar o seu mais veemente protesto contra o que se passa.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: quer o Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, quer eu, depois de lermos o que se encontrava no Diário de Lisboa, de ontem, mandámos proceder a um inquérito.
Devo dizer que, tendo sido procurado, antes do atentado, pelos juizes, recebi mais tarde um ofício do director da polícia de defesa social lembrando, em virtude de qualquer manifestação que tinha sido feita por várias pessoas após o julgamento, que era de prever que qualquer cousa de anormal se pudesse dar, dei ordens expressas para defesa dessas pessoas. Tendo-se dito que uma dessas pessoas morava no Estoril, imediatamente transferi para aquela localidade elementos necessários para garantia dessa defesa.
Independentemente disso, mandei agentes para vigilância.
Infelizmente um dêsses juizes, como me disse no, hospital, havia licenciado 6sse agente.
Estranhei que o tivesse feito, porque não tinha o direito de o fazer, visto que o Poder Executivo dera ordens.
Não podia deixar o Govêrno de tomar essas medidas de precaução.
Estranhei que fossem dispensados os agentes.
Mas como apareceu no Diário de Lisboa aquela notícia, devemos inquirir dos factos aí apontados, tanto mais que algumas das pessoas visadas desmentem inteiramente as informações ali produzidas.
O caminho não era outro senão o inquérito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Amanhã há sessão às 14 horas,
Ordem do dia a mesma dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida nota dos adventícios nomeados para as Repartições da Direcção Geral da Estatística durante os anos de 19] 5 e 1916, com indicação dos nomes, idades, profissões e filiação dos nomeados.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados; 12 de Julho de 1923. — O Deputado, Lopes Cardoso.
Para a Secretaria.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças me seja fornecida certidão do requerimento em que o ex-aspirante de finanças do concelho de Bragança Armando Correia da Rocha pediu a revisão do processo disciplinar em que foi condenado por ter praticado actos de hostilidade ao regime, e, bem assim, certidão do teor do despacho ministerial que autorizou tal processo de revisão.
Outrossim requeiro cópia do registo disciplinar do tal funcionário e ainda nota do despacho ministerial que no ano de 1913 ou 1914 o transferiu de Bragança para Arganil.
Para facilidade na busca indico que o mesmo funcionário exerceu as suas fun-

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coes ora na repartição do distrito, ora na do concelho de Bragança. — O Deputado, Lopes Cardoso.
Expeça-se.
Parecer
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 532-A, que autorizou o Govêrno a abonar, por adiantamento, 300. 000$ à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo.
Para a comissão de finanças.
Comissão de inquérito ao Ministério da Guerra
Substituir o Sr. Abílio Mourão pelo Sr. José Pedro Ferreira.
Para a Secretaria.
O REDATOR — João Saraiva.

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