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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 130
EM 18 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 59 Srs. Deputados, dá-se conta do expediente, depois de lida a acta da sessão anterior.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva) responde à interpelação do Sr. Hermano de Medeiros sôbre os serviços dos hospitais civis de Lisboa. Voltam ainda a usar da palavra o Sr. Deputado interpelante e o Sr. Ministro.
É aprovada a acta da Cessão anterior e dá-se conta do expediente que depende de resolução da Câmara.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) manda para a Mesa uma proposta de lei. Aprovada a urgência.
Ordem do dia (primeira parte). — Prossegue o debate acêrcada questão prévia apresentada pelo Sr. Pedro Pita sôbre a proposta do Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) a fim de ferem levantadas as imunidades ao Sr. António Maia.
Usa da palavra para explicações o Sr. Cunha Leal.
Usam da palavra sôbre a ordem os Srs. Álvaro de Castro, Abílio Marçal, Vergilio Costa, António Fonseca, Crispiniano da Fonseca, Pedro Pita e Carvalho da Silva.
O Sr. Jaime de Sousa requere prioridade de votação para a moção do Sr. Abílio Marçal.
Usam da palavra o Sr. Álvaro de Castro sôbre o modo de votar e o Sr. Pedro Pita para invocar o Regimento.
Ainda sôbre o modo de votar falam os Srs. Jaime Sousa, Cunha Leal, Abílio Marçal, Almeida Ribeiro e António Fonseca.
É aprovado o requerimento.
Os Srs. António Maia e António Fonseca interrogam a Mesa.
É lida e posta à votação a proposta de aditamento do Sr. António Fonseca.
Unam da palavra os Srs. Mariano Martins, António Fonseca, Carvalho da Silva e Sego Chaves, que requere votação nominal. Aprovado.
O aditamento é aprovado por 96 votos contra 8.
É lida e posta à votação a questão prévia.
Usam da palavra sôbre o modo de votar os Sra. Almeida Ribeiro, Cunha Leal, Júlio de Abreu e Lopes Cardoso e, para interrogar a Mesa, o Sr. Moura Pinto.
É rejeitada a questão prévia apresentada pelo Sr. Pedro Pita.
É aprovada a moção do Sr. Agatão Lança.
Os Srs. Abílio Marçal e Tavares de Carvalho requerem, sucessivamente, a contraprova, o que provoca protestos do Sr. Agatão Lança.
Quando vai proceder-se à contraprova requerida, levantam-se protestos e estabelece-se sussurro, facto que leva o Sr. Presidente a declarar que abandona o seu lugar, o que faz imediatamente.
Suspendem-se os trabalhos da sessão, para prosseguirem pouco depois sob a presidência do Sr. Abílio Marçal.
Sôbre o incidente fala o Sr. Mariano Martins, que faz o elogio do Sr. Sá Cardoso e propõe que se nomeie uma comissão a fim de diligenciar que S. Ex.ª volte ao seu lugar.
Associam-se às palavras do Sr. Mariano Martins e apoiam a sua proposta os Srs. Cunha Leal, Carvalho da Silva, Presidente do Ministério e António Fonseca.
O Sr. Presidente lê pouco depois os nomes dos Srs. Deputados que compõem a referida comissão.
Em seguida, encerra-se a sessão, marcando o Sr. Presidente a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão, às 15 horas e 55 minutos.
Presentes à chamada, 59 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
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Diário da Câmara dos Deputados
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis da Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
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Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Bernardo Ferreira de Matos.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Sarros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Rodrigo José Rodrigues.
Pelas 15 horas e 35 minutos, com a presença de 59 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Telegramas
Dos oficiais de justiça de Castelo Branco, Soure, Ourem, Paredes, Coimbra e Mafra, pedindo a aprovação da substituição do parecer n.º 502.
Da Câmara Municipal de Vila Real, pedindo a aprovação da lei das percentagens municipais.
Dos Ecos de. Tomar, apoiando as reclamações dos católicos. Para a Secretaria.
De La Publicitat e da Accio Cataluna, de Barcelona, enviando pêsames pela morte de Guerra Junqueiro.
Agradeça-se.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: começo por agradecer ao ilustre Deputado Sr. Hermano de Medeiros.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª para fazer silêncio, pois o Sr. Ministro do Trabalho vai dizer cousas graves.
O Orador: — Agradeço ao ilustre Deputado as palavras amáveis que me dirigiu.
S. Ex.ª disse que não vinha fazer uma interpelação, nem me vinha atacar, pois a responsabilidade dos factos era anterior à minha entrada no Ministério.
Em todo o caso, S. Ex.ª acusou-me um pouco.
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Diário da Câmara dos Deputados
Em primeiro lugar, S. Ex.ª queixou-se da demora da interpelação.
Só me posso defender, dizendo que os muitos afazeres do meu Ministério me impediram de tomar conhecimento dela.
Outra acusação foi a de eu não ter pôsto em vigor o decreto n.º 4:563.
Devo dizer que só depois de eu estar alguns meses no Ministério é que soube que não estavam em vigor algumas disposições dêsse decreto.
Eu não sabia que existia o Conselho Técnico dos Hospitais, que é um organismo indispensável para o bom funcionamento...
O Orador: —...Mas que conhecia na. verdade, porque fui estudar o processo de inquérito, ordenado por portaria do meu antecessor, Sr. Alves dos Santos, ao Sr. Azevedo Gomes, director do Banco. E foi sobretudo nesta matéria que o ilustre Deputado Sr. Hermano de Medeiros mais alargou as suas considerações.
O Sr. Hermano de Medeiros, ao tempo director hospitalar, entendeu que devia nomear para o lugar de director do Banco-o Sr. Azevedo Gomes.
Presto homenagem à hombridade de carácter do Sr. Hermano de Medeiros, que é um homem de bem às direitas.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Peço ordem.
O Sr. Hermano de Medeiros: — É verdade!
O Orador: — Muitas disposições não estavam em vigor, porque era necessário regulamentá-las.
Ainda ml bem pouco tempo eu tive de estudar reclamações apresentadas por clínicos que só entidades técnicas poderiam resolver portanto êsse conselho.
Eu sei que o Conselho Técnico não funcionava.
Mas a lei existia e eu podia fazer a nomeação.
Deu-se o caso actual do pedido de demissão e eu aceitei essa demissão e ordenei já que no prazo de trinta dias se proceda à eleição conforme a lei.
E em vez de as questões serem decididas pelos órgãos técnicos que mais avultam no decreto de 1918 e que têm autonomia técnica para resolver pelo processo de centralização, com direito a recurso para o Ministro, o Ministro é que tem de resolver, em frente- de questões eminentemente técnicas, não tendo os órgãos de autonomia hospitalar, que devem funcionar, e não funcionam, emitido sôbre essa questão o devido parecer.
Ora, foi afinal disto e só disto que o ilustre Deputado Sr. Hermano do Medeiros me acusa.
O resto das suas considerações refere-se, como há pouco disso, a factos que não são realmente da minha responsabilidade...
O Sr. Hermano de Medeiros: — São, sim senhor.
O Orador: — E presto também homenagem às qualidades de técnico e de distinto clínico que é o Sr. Azevedo Gomes.
Êste cargo é, nos termos do decreto de 1918, da confiança do director dos. hospitais e é exercido por clínicos dos hospitais.
É claro que desde que o director dos hospitais entendeu que realmente êsse funcionário não merecia a sua confiança, não sabia bem desempenhar a missão da sua confiança, pôs termo a essa confiança.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Apoiado!
O Orador: — Entre o Sr. Hermano; de Medeiros e o Sr. Azevedo Gomes houve uma divergência de critério, de orientação sôbre a admissão de doentes, e em suma porque de facto o Sr. Azevedo Gomes perdeu a confiança do seu superior, embora eu continue a afirmar o meu muito respeito pela sua alta competência como clínico.
O Sr. Hermano de Medeiros pôs termo a essa comissão e o Sr. Azevedo Gomes queixou-se e apresentou uma reclamação, e sôbre essa reclamação foi ouvido, como director dos hospitais civis de Lisboa, o Sr. Hermano de Medeiros.
Disse que se, porventura, tinha demitido o Sr. Azevedo Gomes, o tinha feito, por se tratar de um cargo de confiança e haver divergências de orientação e de critério entre S. Ex.ª e o Sr. Azevedo Gomes sôbre a admissão de doentes e sô-
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bre o desempenho de funções do cargo de director do Banco do hospital.
Em face da informação dada pelo director dos hospitais, o Ministro do Trabalho, Sr. Alves dos Santos, proferiu o despacho julgando desnecessário prosseguir na queixa.
Como o, requerente insistisse no pedido de sindicância, nomeou para sindicante o Sr. Júlio Gonçalves.
Na verdade, não havia motivo para atender o pedido do Sr. Azevedo Gomes. Mas, como o Sr. Azevedo Gomes insistisse, no pedido de inquérito, o Sr. Alves dos Santos cedeu e ordenou o inquérito. Sem discutir a resolução do Sr. Alves dos Santos, por quem tenho a maior consideração, tenho muito horror aos inquéritos ou sindicâncias, aos quais, entendo, só se deve recorrer nos extremos, em último caso.
Julgo que os inquéritos ou sindicâncias, pelos elementos de que é necessário lançar mão, contribuem sempre um pouco para a anarquia do serviço.
Só quando essa sindicância é indispensável para benefício da verdade a apurar, em certas irregularidade s, então entendo que a sindicância ou inquérito se devem ordenar.
De outra forma, com os inquéritos ou sindicâncias, os amigos ficam mais amigos, e os inimigos mais inimigos, uns e outros privados do espírito de justiça para a boa apreciação dos actos que determinaram a sindicância.
Isto é um mal que não traz vantagens para a dignidade e honorabilidade pessoal do funcionário, a não ser que haja uma grave acusação ou infracção que seja necessário pôr bem a claro.
Ora não é êste o caso. A questão é uma questiúncula.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Não apoiado!
O Orador: — O Sr. director dos hospitais continuou a afirmar a maior consideração pelo Sr. Azevedo Gomes.
O Sr. Azevedo Gomes, aceitando um lugar de confiança que lhe era oferecido pelo Sr. Hermano de Medeiros, afirmou a sua consideração pelo Sr. director dos hospitais civis que o nomeara.
O que diz o sindicante é que entre o Sr. Hermano de Medeiros e o Sr. Azevedo Gomes havia divergências de orientação e. de critério que embaraçavam a acção directiva dos hospitais.
Não havia faltas graves ou irregularidades. Apenas divergências de orientação e de critério que embaraçavam a acção do Sr. director dos hospitais que tinha orientação diversa do Sr. Azevedo Gomes.
O que disse o Sr. Hermano de Medeiros?
Nada que ofendesse a dignidade profissional e pessoal do Sr. Azevedo Gomes.
De que se queixou o Sr. Azevedo Gomes?
O Sr. Hermano de Medeiros: — Da sua vaidade.
O Orador: — Queixou-se de que o Sr. Hermano de Medeiros lhe queria impor um critério, para a admissão do doentes, diferente daquele que devia seguir, que era mais conforme com os preceitos legais.
Talvez levado pelo desejo de ser agradável, entendeu o Sr. Hermano de Medeiros que devia impor uma determinada admissão duma doente, e o Sr. Azevedo Gomes entendeu que a lei lhe não permitia essa admissão. A questão azedou-se, e o Sr. Hermano de Medeiros apresentou o Sr. Azevedo Gomes, como um conflituoso, um insubordinado, e doutro lado o Sr. Hermano de Medeiros quis sobrepor o desejo de servir o amigo ao espírito da lei.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Não apoiado.
O Orador: — E esta questão, que a princípio se apresentou sem importância, e que podia ter-se resolvido, pode dizer-se, com duas palavras, por virtude do natural azedume que houve, agravou-se, se bem que se tratasse, repito, duma questão mínima.
Apurou-se, porventura, que o Sr. Dr. Azevedo Gomes tivesse praticado algum acto que pudesse manchar a sua dignidade pessoal e profissional?
Não, pois a verdade é que o inquérito seguia, vieram depor a êle alguns dos médicos mais distintos dos hospitais, ten-
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do-se chegado à conclusão de que efectivamente o Sr. Dr. Azevedo Gomes tinha desempenhado o seu lugar com todo o zêlo e competência.
É esta a verdade, tendo-se também chegado à conclusão de que o Dr. Hermano de Medeiros havia exercido, como era natural, o seu lugar de director dos Hospitais com muito zêlo e competência.
Trata-se, como a Câmara vê, duma questão sem importância.
Devo dizer mais que as acusações aqui feitas pelo Sr.. Hermano de Medeiros ao Sr. Vasco Borges são infundadas, porquanto o inquérito não foi ordenado pelo Sr. Vasco Borges.
Foi, pois, a instâncias do Sr. Dr. Azevedo Gomes, e bem assim o Sr. Hermano de Medeiros, como director dos Hospitais de Lisboa, que o inquérito foi ordenado, tendo o Sr. Vasco Borges seguido apenas uma ordem que tinha sido dada.
Queixa-se o Sr. Hermano de Medeiros de não ter sido ouvido no inquérito.
O ar. Hermano de Medeiros: — Não fui quando o devia ter sido.
O Orador: — Não se tratava duma sindicância ao director dos Hospitais, e assim foram ouvidas as pessoas mais competentes e os profissionais que os indivíduos encarregados de fazer essa sindicância entenderam ouvir.
Parece-me portanto, que esta questão mínima, que devia terminar horas depois de ter começado, não merecia êste inquérito, que só veio dar vulto a uma questão sem importância.
Referiu-se igualmente S, Ex.ª a várias irregularidades praticadas nos serviços hospitalares, e eu a isso devo dizer que a maior parte delas são casos julgados, não podendo eu, portanto, bulir no assunto, pois o contrário representaria a indisciplina e a desordem social.
Disse S. Ex.ª que havia processos pendentes que não andam, quando deviam andar, e eu, a êsse respeito devo dizer que terei muito prazer em receber, no meu gabinete de trabalho, a visita do Sr. Hermano de Medeiros; ficar-lhe-ia muito grato se S. Ex.ª, lá, ou aqui, me indicasse quais são, na realidade, êsses processos pendentes que ainda se não encontram julgados.
Agradeceria muito a S. Ex.ª essa indicação, que decerto deve ser sempre prestada por todos os bons portugueses, como o Sr. Hermano de Medeiros, que é uma pessoa de toda a respeitabilidade e um velho republicano.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder ao Sr. Ministro do Trabalho, pedindo à Câmara um pouco de atenção para o que vou dizer, visto que, se bem que seja uma figura parlamentar apagada, sou no emtanto um grande republicano e de sempre, pois na verdade nunca fui outra, cousa.
Devo dizer que o Sr. Ministro do Trabalho foi muito infeliz na sua resposta, devendo dizer-lhe mais uma vez que não tive o mais leve intuito em o atacar.
Disse S. Ex.ª que eu me tinha referido a êle sem razão nem justiça.
S. Ex.ª tem que o provar; é absolutamente necessário para minha honra que diga em que é que eu o ataquei.
O Sr. Ministro do Trabalho: — Eu não disse isso, antes pelo contrário, comecei até por lhe agradecer as palavras amáveis que me tinha dirigido.
O Orador: — O Sr. Ministro do Trabalho foi mais do que infeliz na resposta que acaba de dar à minha interpretação, porque, na inabilidade com que a deu, S. Ex.ª provou à Câmara de uma maneira irrefutável que é absolutamente incompetente para gerir a sua pasta. S. Ex.ª foi, até, o primeiro a lamentá-lo, ao afirmar r que desconhecia os pormenores da questão que deu origem à minha interpelação, não obstante a longa preparação que S. Ex.ª teve para me responder.
O Sr. Ministro do Trabalho afirmou peremptòriamente desconhecer a organização e vida hospitalares; pois bem: um Ministro que vem ao Parlamento responder a uma interpelação sôbre um assunto cujas minúcias, êle não conseguiu aprender só tem um caminho a seguir: abandonar o seu cargo e sair por aquela porta.
Sr. Presidente: em toda esta momentosa questão o nome do Sr. Azevedo Go-
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mês aparece como a figura principal do drama. O Sr. Azevedo Gomes, indisciplinado, e rebelde em todas as suas manifestações oficiais, criou nos hospitais por onde tem passado uma atmosfera de franca e aberta hostilidade entre os seus colegas.
Era eu director dos hospitais e tendo recebido uma carta em que se me pedia para mandar internar, na enfermaria de S. Francisco uma mulher que era pobre, escrevi ao Sr Azevedo Gomes para que êsse pedido fôsse devidamente atendido. Pois o Sr. Azevedo Gomes, o ilustre — nesta terra todos são ilustres, mesmo os mais incompetentes — clínico Sr. Azevedo Gomes, rasgou o meu pedido e dele mais não fez caso. Pregunto ao Sr. Ministro do Trabalho, sim, eu pregunto no ilustre Ministro do Trabalho o que teria feito S. Ex.ª no meu caso.
Funcionário da minha confiança, tendo-me faltado ao respeito, demiti-o no uso pleno dos meus direitos. Veiu o Sr. Vasco Borges e, numa revoada de insânia e de estupidez, que S. Ex.ª me perdoe o termo, se quiser, redige um diploma de louvor ao Sr. Azevedo Gomes, deixando-me assim na escuridão, quando é certo que eu só tinha aceite o cargo de director dos hospitais em comissão extraordinária e gratuita e tinha, na verdade, feito administração. A propósito, lembrarei que, tendo em Setembro de 1921 findado o contrato com as Companhias Reünidas Gaz e Electricidade, por virtude da alteração do preço, de futuro, passávamos a despender 170. 000$, em vez dos 20. 000$ que pagávamos até então. Passei uma ordem de serviço para que se gastasse o necessário e se economizasse o máximo; mas eu, director dos hospitais em comissão extraordinária e gratuita, que deixava o cómodo da minha casa, que deixava a minha família, que largava a minha clínica, porque alguma tinha e a perdi para ocupar aquele cargo, tive de castigar toda a gente, porque os hospitais de noite estavam iluminados sem necessidade alguma, gastando-se assim rios de dinheiro.
Dizem hoje os jornais que eu afirmei ter Mendes Esteves, fiel da lavandaria, cometido um roubo. Eu não afirmei tal cousa, mas sim que êsse homem ocasionou aos hospitais um prejuízo de 11:000 lençóis e de 4:000 camisas que desapareceram. Não roubou, mas deixou roubar, e, portanto, devia ter sido demitido. O Ministério do Trabalho, gerido então pelo Sr. Lima Duque, castigou-o apenas com dez dias de suspensão.
Há um processo de insubordinação, facto êste que quási causou a morte do director Lobo Alves, e, no emtanto, o Sr. Ministro não o trouxe à Câmara. Porque? Mais uma vez acuso o Sr. Ministro de incompetente, porque devia conhecer os negócios da sua pasta, e sou eu que venho aqui trazer êstes casos. S. Ex.ª devia vir armado da sindicância que Roldan y Pego tem guardada na sua secretária.
A enfermeira Maria do Carmo Lopes tinha em face dos regulamentos hospitalares, o direito de substituiria enfermeira chefe do Banco que eu demiti.
Sôbre êste assunto, ou, por outra, sôbre a competência que eu tinha para nomear e demitir funcionários, foi ainda a Procuradoria Geral da República que deu o seu parecer favorável, pois só não podia demitir aqueles funcionários que fossem de nomeação ministerial.
Essa enfermeira foi demitida, porque falsificara as guias das roupas; pois se ela foi readmitida, bom era que se readmitisse aquele funcionário que. eu demiti por motivos que neste lugar não posso dizer.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem apenas três minutos para concluir hoje o seu discurso.
O Orador: — Pouco, mais tempo levarei à Câmara; queira V. Ex.ª consultá-la.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — O Sr. Hermano de Medeiros pede-me para consultar a Câmara sôbre se permite que fale por mais algum tempo, com pouco prejuízo da ordem do dia.
Consultada a Câmara, permitiu que falasse.
O Orador: — Agradeço a V. Ex.ª e à Câmara a imerecida honra de ter atendido o meu pedido.
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O Sr. João Pais de Vasconcelos foi director do Banco e foi substituído pelo Sr. Amor de Melo.
João Pais de Vasconcelos tinha mais competência do que quem o demitia.
Sr. Presidente: peço a atenção do Sr. Ministro do Trabalho para as sindicâncias. A sindicância sôbre os casos que iam fazendo perder a vida ao director Lobo Alves, que já foi Senador, está por resolver.
Sr. Presidente: é preciso modificar a legislação do Sidónio sôbre hospitais (apoiados), mas, emquanto não se modificar, tem de se executar e V. Ex.ª tem de se servir dela, bem ou mal.
Por agora tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho. (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: o Sr. Hermano de Medeiros zangou-se comigo, e eu apesar de tudo não me zango com S. Ex.ª, só, lamento não pó dor fazer a vontade a S. Ex.ª de sair dêste lugar com a pressa que S. Ex.ª deseja.
Ora relativamente ao caso Azevedo Gomes o ilustre Deputado não tem razão absolutamente nenhuma nas considerações que fez. Eu fui o primeiro a dizer que, sendo Ministro na ocasião, não ordenaria o inquérito, mas disse mais e afirmo ainda, com aquela incompetência em matéria médica que S. Ex.ª me atribuiu e que realmente eu confesso quê possuo, se bem que u maior parte dos bacha réis em direito se julguem aptos em todas as matérias, que a questão foi originariamente uma questão de lana caprina, azedando-se, todavia, depois, porque ambos os contendores começaram a imputar um ao outro, não simplesmente aquilo que verdadeiramente era a questão; isto é, uma diversidade na interpretação das leis, diversidade explicável, de resto, pela circunstância de se estarem a aplicar regulamentos inspirados por princípios diversos nos serviços hospitalares, porque se entende que vigoram ainda disposições do decreto de 1901, e aplicam-se simultaneamente disposições do decreto de 1918 — e compreende-se que diplomas inspirados por princípios diversos originem interpretações Diversas, mesmo das pessoas bem intencionadas — mas começaram, repito, não a imputar, um ao outro, simplesmente uma má interpretação da lei, como aliás o Sr. Hermano de Medeiros reconheceu que era a questão ao princípio, mas cousas mais graves, porque um começou a dizer que o outro era conflituoso e indisciplinado, e o outro começou a dizer que aquele aplicou a lei duma determinada maneira para servir determinados interêsses.
A questão, portanto, neste momento está desvirtuada, talvez por esta mania de litigar, por êste espírito chicaneiro, que eu devo dizer, sem censura para os médicos, tenho encontrado nos serviços dos hospitais de Lisboa.
Depois o resto que eu disse não é ofensivo para ninguém.
Fez-se um inquérito, em que, devo dizer, S. Ex.ª devia ser ouvido, não há duvida nenhuma, mas a verdade é esta: é que se não tratava duma sindicância, mas apenas dum inquérito, e por consequência a autoridade encarregada de o fazer limitou-se a fazer editais convidando as pessoas interessadas a dizer de sua justiça, acêrca da acção administrativa do Sr. director dos hospitais.
Quanto aos outros casos, para que o Sr. Hermano de Medeiros chamou a minha, atenção, eu respondi a S. Ex.ª dum modo geral, porque me era impossível saber os nomes dos tais funcionários e funcionárias que delinquiram, que foram processados e não castigados, ou que foram processados e têm os processos parados, porque, de resto, S. Ex.ª não indicou na maior parte os seus nomes. Portanto, como podia eu tomar providências urgentes só com as informações vagas que S. Ex.ª me deu? Mas pedi até a S. Ex.ª para que ias dissesse concretamente os nomes dos autores dos factos apontados, e quais eram as infracções. Insisto, pedindo novamente a V. Ex.ª êsses esclarecimentos para proceder imediatamente como fôr de justiça.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Pausa.
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O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, considero-a aprovada.
Admissão
Projecto de lei
Do Sr. Marcos Leitão, dividindo o concelho de Alenquer em cinco assembleas eleitorais.
Para a comissão de administração pública.
Oficio
Do juízo da comarca de Elvas, pedindo autorização para depor como testemunha o Sr. Amaro Garcia Loureiro.
Negado.
O Sr. Presidente: — Desejo comunicar à Câmara que fui procurado nesta casa do Parlamento pelo Sr. Mesquita de Carvalho, a fim de agradecer em seu nome e no de sua família as manifestações de sentimento que foram feitas pela Câmara em virtude da morte de seu sogro, o grande poeta Guerra Junqueiro.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei autorizando o despacho pela pauta anterior para as mercadorias originárias da Franca que já se encontravam nas alfândegas à data de 15 de Julho.
Como êste caso é de grande necessidade resolver-se, requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se concede a urgência para a proposta.
Consultada a Câmara, é aprovada a urgência.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: consta-me que se tem. procurado especular junto do exército com a atitude assumida por esta Câmara a propósito duma despropositada proposta do Sr. Presidente do Ministério.
É preciso que expliquemos a nossa atitude, para não haver dúvidas sôbre ela que dêem margem a especulações e para que cada um de nós fique no seu verdadeiro papel, defendendo o prestígio do Parlamento, mas não atacando o do exército.
Porque os Deputados desempenham um. papel excepcional na sociedade portuguesa, a Constituïção confere-lhes direitos
também excepcionais, que nenhuns outros cidadãos possuem.
Assim, a Constituïção determina no seu artigo 17.º que nenhum Deputado ou Senador possa ser ou estar preso durante o período das sessões legislativas sem prévia licença dada pela respectiva casa do Parlamento, excepto em flagrante delito a que seja aplicável pena maior ou equivalente.
A seguir vem o artigo 18.º, que estabelece que, se algum Deputado ou Senador fôr processado criminalmente, levado o processo até a pronúncia, o juiz comunicá-la há à respectiva Câmara, a qual decidirá se o Deputado ou Senador deve ser suspenso e se o processo deve seguir no intervalo das sessões ou depois de findas as funções do arguido.
Por estas disposições se verifica que a Constituïção coloca os Deputados e Senadores, quando no exercício do seu mandato, em situação diversa, no tocante à possibilidade de deverem ser presos, da dos outros cidadãos.
Porquê? Evidentemente, porque quis acautelar o exercício das funções parlamentares e não faz distinção entre Deputados civis e Deputados que sejam militares.
Sucede que determinadas classes podem ter uma opinião particular sôbre disciplina, encarando-a sob o aspecto especial, que. convenha a essas classes. E assim que a disciplina é mais rígida na classe militar.
Mas a verdade é que não podemos distinguir se qualquer. Deputado é civil ou militar. O Deputado no exercício do seu mandato é só Deputado.
Seria uma questão a debater mais tarde o saber se convém on não tornar impeditiva aos militares a situação de Deputado ou de Senador. Até que se assente doutrina sôbre tal caso não podemos olhar à circunstância de qualquer legislador ser ou não militar.
Foi aqui presente pelo Chefe do Govêrno uma proposta pedindo que a Câmara considere suspensas as imunidades parlamentares em relação a um Deputado. Sucede que êsse Deputado é militar. Como é que nos temos pronunciado no caso?
Dissemos que êsse militar, por ser Deputado, não deve ser castigado pelo Sr. Ministro da Guerra? Não!
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Manifestámos acaso, na discussão já travada sôbre a questão prévia, a opinião de ser ou não imediatamente concedida autorização para serem levantadas as imunidades parlamentares a êsse Sr. Deputado em questão, que é o Sr. capitão aviador António Maia? Não!
Até agora o que se tem dito é que esta Câmara deve ter respeito pelos direitos dos seus componentes, por uma forma igual para todos.
Se ainda há poucos dias o pedido que veio à Câmara para ser concedida autorização no sentido de um outro Sr. Deputado, que è da maioria, ser pronunciado, foi, de acôrdo como uma moção aqui votada, submetido ao exame da respectiva comissão e nela ainda se encontra, da mesma forma se deverá proceder em relação ao caso sujeito.
É assim que nós entendemos as cousas! Mesmo para que não se pudesse dizer que se tratava duma vingança do Sr. Ministro da Guerra nem do Govêrno, o que jamais poderia estar no ânimo de S. Ex.ªs, que são pessoas incapazes de praticarem mesquinhas vinganças.
E, nestas condições, nós vimos em socorro do Ministério, porque o seu gesto poderia ser mal compreendido.
Sustentamos que não se deve fazer duma questão disciplinar uma questão de vingança.
Sustentamos que para honra de todos nós não se deve criar um regime de excepção para o Sr. António Maia.
Até êste momento não entrámos na apreciação da circunstância de dever ou não retirar-se a êsse deputado as imunidades parlamentares. Oportunamente nos pronunciaremos sôbre isso e se uso agora da palavra é para desfazer a atoarda de que queremos especular com a disciplina do exército.
Arredada essa insinuação, que não poderá ter guarida no ânimo das pessoas bem intencionadas, permita-me a Câmara que eu levante uma questão que é grave, qual seja a da forma como foi apresentado aqui o pedido do Govêrno.
É tudo um amontoado de erros e de dislates.
Erro foi o Sr. Ministro da Guerra ter castigado, como ontem já foi dito pelo Sr. António da Fonseca, o Sr. capitão aviador António Maia. O Sr. Ministro da Guerra sabia que S. Ex.ª era dependente da 1.ª divisão militar; enviava, portanto, o requerimento à divisão para que o Sr. general comandante dessa divisão tomasse dele conhecimento e ordenasse o castigo que de direito cabia ao caso. Depois o Sr. Ministro agravaria a pena se entendesse que a ordenada pela divisão não era suficiente.
Em seguida, o Sr. comandante da divisão, se entendesse que a disciplina perigava pela circunstância de o castigado não ir imediatamente cumprir a pena, notificava para esta Câmara que havia necessidade de ser cumprido imediatamente o castigo imposto. Em seguida, o Sr. Presidente mandaria essa notificação para a comissão respectiva e depois sôbre o parecer dessa comissão é que a Câmara se pronunciaria.
Eu por mim desde já declaro que votaria contra o levantamento das imunidades parlamentares.
Mas, em vez de tudo isto, o que se passou?
O Sr. Ministro da Guerra castigou e ficou aterrado com o castigo. Tremeu Tróia! O Sr. Ministro da Guerra castigou, e pediu a demissão!
E porquê? Por estar seguro da sua justiça?
Se o está, jamais poderia supor que nós, aqui, o censurássemos depois de apresentar as razões do seu procedimento.
Mas o Sr. Ministro da Guerra, pela culpa cometida por um oficial do exercito, aplica um castigo disciplinar, nos termos do regulamento, de trinta dias de prisão correccional.
Mas não é isto. Assistimos a um espectáculo único.
Não é o Sr. Presidente do Ministério, que nos vem comunicar a decisão do Sr. Ministro da Guerra, que devia vir aqui responder a uma interpelação do Deputado António Maia, que não tem nada com o capitão aviador António Maia, absolutamente nada, porque eu, como Deputado, repilo toda a distinção que querem fazer do Deputado António Maia e capitão António Maia, que não admito e que fará reeditar a velha frase de Dias Costa: «Isto aqui não é nenhuma caserna».
O Sr. Ministro da Guerra não comparece, não responde à interpelação, e em
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lugar do nos comunicar, pela pessoa competente, o Sr. Presidente do Ministério, a sua demissão, é por intermédio do Sr. Presidente da Câmara que no-la comunica. Caso estranho nos anais parlamentares.
A seguir o que fez o Govêrno?
O Sr. Presidente do Ministério, perante a estupefacção geral da Câmara, pede a palavra o promete-nos uma solução do caso, que só poderia ser o resultado de uma noite mal passada, e o Sr. Presidente do Ministério estava nessas circunstâncias porque tinha chegado de uma viagem em caminho de ferro.
Essa solução é a seguinte: fazer de uma questão disciplinar uma questão política.
Apoiados.
Acentuamos que não queremos confusões. Estamos apreciando moções e acautelando as regalias dos Deputados.
Repugna-nos a idea da questão política.
Mas, se acham que é necessária, faça-se.
Não queremos derrubar o Govêrno; é preciso que isto se saiba.
Apoiados.
Nós queríamos afastar a questão política, mas o Govêrno pô-la sôbre a questão disciplinar. Pô-la claramente. Podia ter sido uma natural liberdade de acção, mas não dar o dito por não dito.
Foi o Sr. Presidente do Ministério que a pôs até numa entrevista e no Parlamento.
Agarrado ao Ministro da Guerra, declara a crise total se não lhe fizermos a vontade.
Põe, portanto, a questão política sôbre uma questão militar, invadindo a esfera de acção do Sr. Ministro da Guerra, em nome exactamente dessa disciplina do exército que agora se pretende impor.
Em primeiro lugar, se fôsse Ministro da Guerra ou membro do Govêrno, o facto para mim não podia deixar de ter as consequências necessárias e a mesma gravidade, porque a gravidade do seu. procedimento não está na publicidade, mas no acto em si.
Transformou-se uma questão localizada ao Ministro da Guerra numa questão de Gabinete.
Pretende-se ressuscitar um morto político, agarrando-se a êle um morto que estava bom morto e que já se não pode servir da acção dos Cristos que há, por êste mundo, que julgam ter o poder de ressuscitar os Lázaros por êsse modo.
Tenho uma alta consideração pelo Sr. Ministro da Guerra.
Nós continuamos sem pôr a questão política, porque a não pomos perante um Govêrno que não hesitou em á pôr.
Havemos de assistir, ou não conhecesse eu a minha terra, a um outro espectáculo: o Sr. Ministro da Guerra sai e se não fôr possível deitar fora o Ministro' da Guerra, saïrá outro Ministro ou todo o Ministério será alijado.
Só um homem ficará sôbre o vendava], com a mesma juventude de espírito e de carácter: o Sr. Presidente do Ministério.
Não sei se são os grupos independentes que se desfazem dos Ministros, se são os Ministros que se desfazem dos grupos independentes.
Não sabemos.
O Sr. António Maria da Silva continua a fazer a nossa felicidade, se não houver qualquer cataclismo cósmico.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: começo por ler a minha moção:
A Câmara, considerando que nunca ao Sr. Ministro da Guerra negou o apoio decidido e necessário à sua acção disciplinar; mas
Considerando que está marcada para ordem do dia, desde segunda-feira, 16, a interpelação do Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra, requerida desde 19 de Abril passado, sôbre assuntos técnicos militares que nenhuma relação têm com a matéria que deu causa à punição referida na proposta do Govêrno;
Considerando que o castigo a que na proposta se faz referência é de sexta-feira, 13 do corrente; e
Considerando que do castigo aplicado ao Sr. capitão António Maia, que ainda não lhe foi notificado nesta data, há reclamação dentro do prazo de cinco dias, não sendo assim, ainda, êste castigo definitivo;
Considerando que não há motivo para levantar as imunidades parlamentares em quanto não passar o prazo de reclama-
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ção, pois nenhum fundamento foi apresentado para justificar tal urgência, com desprêzo absoluto das mais rudimentares garantias parlamentares, resolve que se inicie a interpelação e só depois de esta finalizada se entre na apreciação da proposta do Govêrno depois de apreciada pelas comissões competentes, que darão o seu parecer com a maior urgência, e continua na ordem do dia. — Álvaro de Castro.
Sr. Presidente: o Sr. Cunha Leal pôs com nitidez a questão política que o Sr. Presidente do Ministério apresentou, e não preciso dizer nada para significar que as palavras do Sr. Cunha Leal representam o sentir da oposição.
Eu sou absolutamente contrário ao levantamento das imunidades parlamentares para o efeito da aplicação duma pena disciplinar a um Sr. Deputado que tinha no Parlamento de interpelar o Sr. Ministro da Guerra, que tem que manter, é certo, o seu prestigio.
Eu sou dos que pensam que as disposições disciplinares anteriores tinham um espírito diferente das actuais.
Soldados duma democracia que se honra de ser um sistema mais liberal e avançado na aplicação da justiça que um regime não democrático, não nos podemos recusar, orientando-nos nesse espírito do liberdade, à discussão de todos os actos, seja por que pasta fôr.
A Câmara tem sempre discutido actos disciplinares dos Ministros, mas eu estou convencido de que a Câmara está no propósito de não discutir a, penalidade aplicada pelo Sr. Ministro da Guerra, o que não significa aceitar o critério do Govêrno vindo pedir a prisão imediata do Sr. António Maia, que nenhum fundamento mostra ser urgente cumprir.
Apoiados.
Mas a Câmara é composta, na sua maior parte, por pessoas que não são militares, e assim seja-me permitido explicar a natureza das disposições das penas disciplinares, para se ver se pode nelas haver espírito de justiça.
As penas militares aplicadas produzem, logo os seus efeitos.
Mas é corrente suceder que essas penas não sejam aplicadas e não sejam cumpridas.
Certos oficiais, cumprindo serviços de certa responsabilidade no exército, não cumprem penas a que foram condenados seria depois determinado o seu serviço e até podem ser dispensados do as cumprir.
Sucede com frequência, porque da competência dos comandantes dos regimentos, suspenderem-se as aplicações das penas e serem dadas por findas.
Qual foi o fundamento pelo qual o Sr. Presidente do Ministério veio dizer que era urgentes prisão do Sr. António Maia para cumprir a pena, e no momento em que tinha uma interpelação anunciada?
E o que é mais extraordinário é que nem foi dado o tempo necessário para que o caso passasse em julgado.
Houve uma grande pressa.
A pena foi aplicada dentro da competência do Sr. Ministro da Guerra, e só isso tenho a considerar; depois devia ter sido feita a notificação, e o Sr. António Maia ainda não foi notificado.
Há ainda cinco dias para reclamar, e êsses cinco dias ainda não começaram a correr.
Apoiados.
Suponhamos, e permita o Sr. António Maia que ou argumento servindo-me do S. Ex.ª, suponhamos, dizia, que o Sr. António Maia reclama para o Ministério da Guerra no prazo de cinco dias, e o faz em termos ofensivos e os mais graves e inconvenientes.
O castigo teria de ser aumentado com maior pena, que poderia ir até à expulsão das fileiras do exército.
Pregunto então qual é a situação em que ficaria o Parlamento.
Isto não é o caso concreto; mas sob o ponto de vista das imunidades parlamentares o procedimento desta Câmara tem sido sempre outro do que se quere seguir, e em ocasiões de muito maior gravidade de interêsses para a República e em quê a nação estava ameaçada.
Marchavam regimentos para França e para África, o os oficiais que tinham assento na Câmara ofereciam-se alguns para ir para a guerra, e alguns chegaram a ir.
Sucedeu que foi nomeado para ir pára a guerra o Sr. Brito Camacho.
Imediatamente foi levantada a questão; o Sr. Dr. Brito Camacho devia marchar estando aberta a Câmara, chegou-se a dizer aqui dentro que essa nomeação se fazia ùnicamente para afastar um Deputado
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que então atacava o Govêrno, ùnicamente para fazer calar uma voz que era incómoda para o Govêrno e com honra para o Partido Democrático, que então estava no Poder, com honra para muitos Deputados pertencentes a êsse partido que votaram que S. Ex.ª ficasse — as imunidades parlamentares foram garantidas e S. Ex.ª não foi para a guerra nessa ocasião, podendo ir depois de encerrada a Câmara.
Sr. Presidente: não me repugnaria aceitar a proposta do Govêrno se ela tivesse sido apresentada anteriormente a ter sido marcada para ordem do dia a interpelação do Sr. António Maia, porque então estávamos longe de um facto concreto que nos punha em face dêste dilema: ou cumprir aquilo que o Govêrno desejava, saltando por cima da garantia oferecida a qualquer homem a que os eleitores deram o exercício destas funções, ou, calando inteiramente os interêsses nacionais, que são os que resultam de o Deputado usar aqui da palavra para interpelar qualquer Ministro, nós fazermos emudecer essa voz em nome de cousa alguma, porque nem sequer o Sr. Ministro da Guerra veio aqui dizer-nos que era inconveniente para a disciplina que na Câmara fossem tratadas questões técnicas por um capitão do exército.
Eu não sei, Sr. Presidente, qual vai ser o destino da questão prévia apresentada pelo Sr. Pedro Pita e por elo defendida com o calor habitual e com a sua grande eloquência; foi por isso que pedi a palavra sôbre a ordem, para mandar para a Mesa a minha moção, por entender que ela vai dar solução a um caso que é difícil, que é penoso por muitas e variadas circunstâncias, mas a que urge dar uma solução compatível com os interêsses da Câmara, com os interêsses do país e do exército, procurando assim garantir ao Sr. Deputado interpelante a certeza de que fará a sua interpelação e não terá necessidade de ir para os jornais e pegar na pena para fazer todas as acusações que entender contra o Sr. Ministro da Guerra.
Estou convencido de que, se efectivamente a Câmara votasse a prisão do Sr. António Maia antes de realizada a interpelação, êsse nosso colega encontraria um outro colega que fizesse sua a interpelação anunciada ao Sr. Ministro da Guerra.
Como o Sr. Presidente do Ministério pôs a questão política sôbre o incidente da questão prévia, a imprensa e o país, porventura, sentem que nesta hora nina queda do Govêrno seria para nós desgraçada, pelas consequências- funestas que dela adviriam, mas perante as dificuldades que todos compreendemos a esta hora e neste momento já o Partido Nacionalista, com clareza, marcou a sua atitude e fá-lo há mais longamente na interpelação geral ao Govêrno que está decorrendo, procurando fazer a demonstração de que a continuação dêste Govêrno nas cadeiras do Poder, como é patente a demonstração feita neste caso, é nociva, é prejudicial.
Aceitamos a questão política como o Sr. Presidente do Ministério a coloca, iremos até as consequências finais, consequências que imaginamos e desejamos que seja a queda do Govêrno.
Sr. Presidente: para finalizar, fecharei as minhas considerações afirmando mais uma vez que o exército nos merece, e a mim nem era preciso dizê-lo, a mais alta consideração, como um dos organismos cuja vida carece que o Estado olhe por êle com cuidado o carinho, cercando-o do um prestígio alto o elevado, que todos desejamos transmitir-lhe hora a hora, mas com ar certeza do que êsse prestígio lhe há-de ser dado pela criatura que se sentou na cadeira de Ministro da Guerra pelos seus actos bem compreendidos, pela sua justiça lançada com todo o critério, pelas suas acções sempre dignas e também com a sua coragem moral de afirmações e de atitudes.
Certamente que um chefe do exército nessas condições encontrará da parte do exército e da parte de todos nós, especialmente da minha parte, todo o aplauso que, aliás, prestei sempre a todos aqueles que saibam honrar com os seus propósitos o actos o lugar do Ministro da Guerra.
Não quisemos de maneira alguma tocar na disciplina do exército, ela está fora do âmbito das discussões parlamentares, não a discutimos, mas é preciso também que o Ministro da Guerra, pelos seus actos, seja indiscutível.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi admitida a moção.
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O Sr. Abílio Marçal: — Em obediência às praxes regimentais, mando para a Mesa a minha moção de ordem:
A Câmara, considerando que, concedendo a urgência e dispensa do Regimento à proposta do Sr. Presidente do Ministério, a concedeu implicitamente para as formalidades da sua deliberação de 19 de Julho de 1922, mas escrupulizando em deliberar com seguro conhecimento um assunto de tamanho melindre, resolve que a proposta do Sr. Presidente do Ministério baixe com urgência às comissões. de legislação criminal e da guerra para darem o seu parecer conjunto em vinte e quatro horas, findas as quais entrará em discussão com parecer ou sem êle.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 18 de Julho de 1923. — O Deputado, Abílio Marçal.
Sr. Presidente: tenho a máxima relutância em considerar o levantamento das imunidades parlamentares a qualquer Sr. Deputado, e parece que na Câmara todos têm essa relutância, devido a não deverem ser deminuídas as poucas garantias parlamentares dos representantes da Nação.
É esta a minha opinião, e, seja qual fôr a restrição que dêste lado da Câmara possa haver sôbre o assunto, tenho a certeza de que ela é sem quebra da consideração que todos têm pelo carácter, valor militar e serviços prestados à República pelo Sr. António Maia.
Apoiados.
O Sr. Cunha Leal nas suas considerações referiu-se a um propósito de malquistar a oposição com o exército.
Creio que ninguém poderá dizer que êste lado da Câmara especula com o exército, pelo qual temos o respeito devido e o mais decidido interêsse por cada um dos seus membros.
Apoiados.
Também S. Ex.ª se referiu a um parlamentar dêste lado da Câmara, sôbre a sua situação.
Nada tem êste caso com o outro para poder sofrer um confronto.
Assim, já mandei para a Mesa, em cumprimento das disposições parlamentares, um pedido para o caso ser julgado pelas comissões,
O Sr. Agatão Lança: — Isso leva-me à conclusão de que o Govêrno só quere exercer uma perseguição contra o Sr. António Maia.
O Orador: — O pedido do Sr. António Maia irá para as comissões, em cumprimento das disposições regimentais.
O Sr. António Fonseca: — Parei uma proposta nesse sentido, e conto com o seu voto.
O Orador: — Não poderá tirar-se qualquer conclusão pela qual se prove quê o caso passado em 19 de Julho é ilegal?
O Sr. António Fonseca: — Se me fôsse consentido presidir à Câmara durante três quartos de hora, isso bastaria para convencer V. Ex.ª do contrário.
votando a urgência e dispensa do Regimento, fê-lo para tudo, mas a Câmara pode entender também que a proposta volte à comissão, e nesse sentido é que fiz a minha moção.
Tenho dito.
Leu-se a moção e foi admitida.
O orador não reviu.
O Sr. Vergílio Costa: — Não posso conservar-me calado em face do assunto em discussão, por isso que caso idêntico, a meu respeito, foi já ventilado nesta Câmara e não quero que o meu silencia possa ser tomado como fruto de um egoísmo, que não existe.
As decisões então tomadas nesta case, do Parlamento têm de ser hoje, por maioria de razão, respeitadas no caso relativo ao meu colega António Maia.
A acusação que sôbre mim pesava, manifestamente injusta, embora — e a decisão judicial posterior o demonstrou — era muito mais grave do que a simples infracção disciplinar por que é punido o capitão António Maia. Se para o meu caso, portanto, a Câmara achou justo e preciso ouvir as comissões de legislação criminal e guerra, aprovando á moção do Sr. Pedro Pita, por maioria de razão o há-de reconhecer agora, já porque o Sr. António Maia foi
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punido por uma simples quebra de disciplina que, moralmente, não afecta nem a êle nem ao Parlamento, já porque o pedido do levantamento das imunidades parlamentares vem justamente quando o Ministro devia responder à interpelação que lhe fora marcada.
A falta do capitão António Maia não é de molde que tal justifique, a dois dias do encerramento desta sessão legislativa, e a consequência de ordem moral do deferimento da Câmara seria terrível para o País e para a República, além do perigoso precedente que estabelecia.
Mas o que principalmente quero significar é que não é de aceitar a doutrina do Sr. Almeida Ribeiro, que entende que, não sendo a moção Pedro Pita matéria constitucional, pode ser em qualquer altura revogada pela mesma Câmara,
Ora não é assim. As disposições de carácter regimental são normas a seguir e a respeitar, matéria obrigatória para todos, por isso que se dirigem justamente a garantir as minorias contra a ditadura da maioria.
Se,a maioria pode, quando quiser, alterar as condições de trabalho estabelecidas dentro desta Casa, as minorias têm de declarar-se coactas, esmagadas pelo número, e só lhes resta o caminho de falar directamente ao País. Ora tal não é de admitir numa República democrática como a nossa.
As disposições de carácter regimental só poderão ser alteradas de acôrdo com as minorias. O contrário é uma ditadura. Eis porque entendo que a moção Pedro Pita tem de ser respeitada e que a Câmara não deve pronunciar-se sôbre o pedido irregularmente feito a esta Câmara pelo Presidente do Ministério, senão depois de ouvidas as comissões respectivas.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: ligeiras considerações vou fazer, porque me parece que a Câmara está já suficientemente elucidada sôbre êste assunto.
Depreendi das considerações produzidas pelo Sr. Abílio Marçal que iam alto espírito de justiça e de igualdade animava S. Ex.ª no momento em que mandou a sua moção para a Mesa,
Completando essa moção, eu apresento o seguinte aditamento:
Proponho que à proposta de resolução mandada para a Mesa pelo Sr. Abílio Marçal se acrescente o seguinte:
No mesmo período deverá a comissão competente dar parecer sôbre o pedido de licença para prosseguimento do processo do Sr. Delfim de Araújo Moreira Lopes, devendo êste pedido ser apreciado, com ou sem parecer, conjuntamente com o que se refere ao Sr. António Maia. — O Deputado, António Fonseca.
É absolutamente indispensável que a lei seja igual para todos, que a justiça se exerça de uma forma idêntica para toda a gente.
Tanto o Sr. António Maia como o Sr. Delfim Lopes são Deputados com iguais direitos, devendo, portanto, ser tratados de igual maneira.
Eu quero neste momento, porque não tive ocasião dê o fazer pessoalmente, assegurar ao Sr. Delfim Lopes que a minha proposta de aditamento não obedeceu a quaisquer intuitos de natureza pessoal, mas simplesmente ao desejo de que haja igualdade para todos os Deputados.
Interrupção do Sr. Delfim Lopes, que não se ouviu.
O Orador: — O Sr. Delfim Lopes informa-me de que o seu caso é diferente do Sr. António Maia. Se não se trata de um caso semelhante, trata-se, todavia, de um caso paralelo.
Diz-me S. Ex.ª que se trata de uma autorização para poder prosseguir um processo em que está envolvido, relativo a uma questão de natureza eleitoral.
Um pedido dessa natureza, quer seja apresentado pelo Poder Judicial, quer seja apresentado pelo Poder Executivo, coloca os Deputados em circunstâncias perfeitamente idênticas.
A circunstância de uma das propostas pedir uma licença para a continuação de um processo e da outra pedir autorização para ser efectuada uma prisão, não coloca os Deputados a que se referem numa situação que torne diverso o tratamento a dispensar-lhes. De resto, o pronunciamento do Sr. Delfim Lopes pode trazer como consequência, também, a sua prisão.
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Parece-me, portanto, que é inteiramente justo o aditamento, que mando para a Mesa, à moção do Sr. Abílio Marçal.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
Foi admitida a, proposta de aditamento.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Sr. Presidente: julgo oportuno prestar à Câmara alguns esclarecimentos acêrca do andamento do processo relativo ao Sr. Delfim Lopes.
Logo que êsse pedido entrou na comissão e que o respectivo livro me foi entregue, eu resolvi convocar imediatamente a comissão.
Verifiquei, porém, que havia Deputados da maioria, faltando alguns da minoria.
Tratando-se dum assunto de muita importância, eu entendi que êle não devia, honrosa, e dignamente, ser resolvido sem que a minoria estivesse em número suficiente.
Esperei o regresso do Sr. Moura Pinto que se encontrava ausente, mas que, segundo constara, regressaria dentro de pouco tempo.
O próprio Sr. Delfim Lopes me procurou pedindo-me que a comissão reunisse o mais depressa possível, para definir a sua situação.
Logo que o Sr. Moura Pinto regressou, comuniquei-lhe a urgência que existia em reunir a comissão, mas S. Ex.ª disse-me que tendo pedido a palavra sôbre a interpelação ao Govêrno, não podia, emquanto não usasse da palavra, tratar dêsse assunto.
Entretanto, levantou-se a questão relativa ao Sr. António Maia, e eu esperei então que a Câmara decidisse os dois caos ao mesmo tempo.
Dou estas explicações, que podem ser corroboradas pelo Sr. Moura Pinto, para que ninguém possa supor que alguém da maioria desejou que o processo do Sr. Delfim Lopes não fôsse resolvido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Pedro Pita: — Não me interessa neste momento saber só a proposta de aditamento do Sr. António Fonseca só refere a um Deputado da maioria ou a um Deputado da minoria.
Interessa-me tam somente saber que a pressa que foi dada à questão referente ao Sr. António Maia não corresponde à morosidade, fossem quais fossem os motivos, com que se tem arrastado a solução a dar a um pedido enviado pelo juízo de direito a esta Câmara.
O Deputado pronunciado, embora sé afirme que o crime admite fiança, tem de ser preso antes de afiançado. E esta a primeira consequência da pronúncia.
Portanto, o pedido feito à Câmara não se traduz por outra cousa que não seja a da mesma Câmara resolver sôbre se deve ou não suspender o Deputado do exercício das suas funções para que seja imediatamente preso.
Mas para mim há mais alguma cousa.
Trata-se, segundo a informação do próprio Sr. Delfim Lopes, dum crime eleitoral, e eu reputo êsse crime como um dos mais graves, daqueles que não podem ficar sem punição.
Acho muito bem, portanto, que o Sr. António Fonseca pretenda colocar os dois pedidos de prisão, o do Sr. António Maia e o do Sr. Delfim Lopes, no mesmo pé de igualdade, embora a natureza dós delitos seja diversa.
De resto ou não me admiraria que a maioria arranjasse uma nova subtileza, uma nova lei de funil.
Sussurro.
Não me interessa saber se o Deputado é da maioria ou da minoria, mas já o mesmo não sucede com a maioria.
Àpartes da maioria.
Eu apresentei uma questão prévia que consistia no seguinte: êste assunto não podia ser resolvido sem que as comissões da Câmara fossem ouvidas, e não podia por haver uma resolução de carácter geral desta Câmara. O que irritou a maioria foi o simples facto de ter sido ou o apresentante da questão prévia e nela estava consignada a urgência.
A maioria nunca arrancaria da Câmara uma votação como desejara.
Muitos apoiados da direita.
Nunca passaria por cima do Regimento.
Protestos da esquerda.
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Nunca a maioria conseguiria, apesar do seu número, passar por cima do Regimento. Digo isto não em hipótese, mas num caso concreto.
Tumulto.
O Sr. Presidente: — Deu a hora paxá se passar à segunda parte da ordem do dia.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Agradeço à Câmara a sua manifestação. A maioria reconheceu que nem sempre é bom teimar e que nem sempre se pode impor a fôrça do número, mas contenta-se em apresentar uma moção sua, embora significasse o mesmo que & que eu tinha apresentado.
Eu não posso deixar de achar caro o preço com que a maioria comprou o açúcar para ajudar a engulir o doce, mas sinto prazer em ver que conseguiu engulir o doce.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Podia parecer, pelas expressões de alguns oradores, que o Govêrno é que inicialmente tinha trazido ao Parlamento a questão de disciplina, mas o assunto foi aqui trazido pelo Sr. António Maia na pregunta que me fez na ausência do Sr. Ministro da Guerra.
Já tive ocasião de declarar à Câmara, e em termos claros para quem está no propósito de entender, que tinha encontrado A minha chegada do Gerez, onde tinha ido visitar o Chefe do Estado, a questão posta em determinados termos. £È quais oram êles? Um pedido de demissão do Sr. Ministro da Guerra e, em atenção ao Parlamento, uma carta enviada ao Sr. Presidente desta Câmara, carta em que êle declarava não poder comparecer no Congresso da República pelas razões que o tinham levado a apresentar a sua demissão.
Eu declarei mais nessa ocasião que tinha convocado o Conselho de Ministros para tratar da questão que eu atribuía nessa hora a um excessivo melindre do Sr. Ministro da Guerra. Reuniu o Conselho e tomou, a resolução que é já do conhecimento da Câmara, através da proposta do Govêrno, que eu tive a honra de apresentar nesta casa do Parlamento.
Claro está que a Câmara aceitará ou não a questão tal como ela foi posta; mas o que é preciso acentuar é que a intenção do Govêrno era, como é ainda neste momento, contribuir para o prestígio duma instituição que deve merecer o respeito de todos e assegurar o princípio da disciplina, que, só é necessário em todos os organismos, com mais fortes razões, o é no organismo militar.
E se eu trouxe aqui a minha proposta de ontem, antes de qualquer reclamação, foi porque o regulamento disciplinar incluiu no seu artigo 86.º estas palavras:
Leu.
E para que eu pudesse estar inteiramente elucidado — apesar da resolução do Conselho de Ministros — sôbre a interpretação dêsse artigo 86.º. eu tive o cuidado de preguntar ao seu principal autor — o Sr. Álvaro de Castro — qual era, sôbre o caso, o seu parecer.
O Sr. António Maia: — Leia V. Ex.ª o artigo 48.º do regulamento disciplinar. Leia, leia!
Sussurro.
O Sr. António Maia: — Eu posso interromper o orador.
O Orador: — Não há disposição alguma que impeça ao Govêrno o direito do trazer a esta Câmara um podido de tal natureza, antes de ser apresentada qualquer reclamação.
E tanto não era desejo do Govêrno exercer vinganças que bastava eu ser Presidente do Ministério para que, dadas as relações de amizade que me ligam ao Sr. António Maia, ninguém pudesse acusar-me — e muito menos S. Ex.ª — de ter procurado criar uma situação a todos os títulos profundamente desagradável.
Afirmam autoridades no assunto que a prisão a que se referem os artigos 17.º e 18.º da Constituïção é a de carácter preventivo. Não tem, portanto, o carácter da pena disciplinar imposta pelos regulamentos do exército, que é definitiva.
Mas, acrescenta o comentador:
«Não se compreenderia que qualquer Deputado condenado em pena de prisão
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pudesse deixar de a cumprir era virtude de resolução da Câmara":
Podia aceitar-se esta opinião porque ela é de uma autoridade em direito, mas não sã fez isso exactamente pelo melindre desta questão, para se provar que o Govêrno queria esclarecer o assunto a bem da disciplina e com prestígio para todos.
Desde que a questão revestiu os aspectos que hoje apresenta, vêm necessàriamente as respectivas consequências. Consequências de carácter político? Decerto.
Também aqui se falou em habilidades políticas. Se as usássemos é que então levaríamos o Sr. Ministro da Guerra a retirar-se para os bastidores. Mas não, deixámos S. Ex.ª livre para fazer o que entendesse. Viemos com uma proposta ao Parlamento, sôbre a qual êle tomará a resolução que entender.
Não quisemos usar do mesmo procedimento que em tempo se usou quando um Deputado que era militar agrediu corporalmente o Sr. Ministro da Marinha. Êsse oficial foi preso e não o foi no interregno parlamentar.
Não quere o Govêrno coarctar, nem o pode fazer, a acção do Parlamento sôbre a moção do Sr. Abílio Marçal, tanto mais quanto é certo ser curto o prazo para a comissão se pronunciar.
A ninguém convém prolongar-se a resolução do assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: as considerações que eu fiz ficam inteiramente de pé mesmo depois das declarações dó Sr. Presidente do Ministério.
Apoiados.
S. Ex.ª na verdade não leu os artigos do regulamento disciplinar.
O facto material fia prisão não era o mais importante; o efeito sim.
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério citou o facto de no tempo da monarquia um Deputado em plena Câmara ter esbofeteado o Ministro da Marinha.
O caso não tem semelhança alguma com êste.
Disseram que o Deputado tinha sido preso em flagrante delito, embora o não fosse, mas que tinha sido seguidamente perseguido até à prisão.
Mas nesse tempo os julgamentos eram feitos na própria Câmara que se constituía em tribunal.
O Sr. capitão Maia não insultou dentro desta Câmara o Sr. Ministro da Guerra. O Sr. capitão Maia fez um requerimento que na verdade merece castigo; mas tinha que lhe ser apresentada nota pata êle reclamar, o que êle podia fazer em termos, tais que o castigo poderia ir até à demissão de oficial do exército o então S. Ex.ª que continuava a ser Deputado, podia realizar a sua interpelação.
Qual é a razão por que o Govêrno quere que a prisão se efectue já?
Não há razão alguma para se levantarem as imunidades parlamentares; até agora não vi argumento algum que me convencesse de tal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: há pouco, nas considerações que produzi antes de o Sr. Álvaro de Castro usar da palavra pela segunda vez citei um facto acessório a essas considerações, e para quê, Sr. Presidente? Não foi para justificar nem o processo adoptado pela Câmara na sua discussão, nem o processo adoptado pelas autoridades dêsse tempo; pus em flagrante o processa adoptado na Câmara monárquica e por um Ministro monárquico com o processo adoptado por êste Govêrno, que, tendo na Constituïção actual, diferente de outra, a faculdade de prender êsse oficial sem licença da Câmara, apesar disso não o fez.
Portanto, Sr. Presidente, é uma cousa, diversa da que produzi anteriormente. Os casos são diversos, ou por outra, o procedimento havido é diferente, inteiramente diferente, porquanto êsse oficial tinha de ser julgado em conselho de guerra porque se tratava de ofensas corporais a um superior e no caso presente o oficial foi condenado a uma pena com a característica absolutamente disciplinar.
Era esta a resposta que eu tinha necessàriamente de dar ao Sr. Álvaro de Castro para desfazer a sua confusão relativamente ao que eu tinha afirmado.
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Sr. Presidente: como há pouco também não li o artigo 48.º, peço licença a V. Ex.ª e á Câmara para o ler agora.
Leu.
A impossibilidade, portanto, de cumprir não é do Govêrno, será da Câmara, se o não consentir.
Não há outra impossibilidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se consente que a sessão seja prorrogada até se votar a questão prévia apresentada pelo Sr. Pedro Pita.
Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente, cumprindo as prescrições regimentais, começo por enviar para a Mesa a seguinte moção de ordem:
Considerando que é de impreterível necessidade o respeito integral pelos princípios da disciplina, que constitui a base estrutural de todo o organismo militar e condição essencial da normalidade do seu funcionamento, cumprindo ao Ministro da Guerra, como superior hierárquico do exército de terra, a manutenção daquele respeito disciplinar;
Considerando que a intromissão do Parlamento em assuntos do disciplina militar assume um carácter da máxima gravidade, mormente nas circunstâncias actuais em que a questão da ordem a todas as outras sobreleva;
Considerando que a pena aplicada ao Sr. António de Sousa Maia, como capitão do exército, e subordinada à jurisdição disciplinar do Ministro da Guerra, era da competência dêste Ministro;
Considerando que, estabelecida essa pena, e tendo de ser executada, torna-se necessária a respectiva autorização nos termos constitucionais, visto tratar-se de um parlamentar;
Considerando que neste caso são dispensáveis os pareceres das comissões, e até a Câmara já ontem assim o resolveu implicitamente, deliberando que a proposta ministerial entrasse em discussão sem êsses pareceres;
A Câmara, ressalvando a honorabilidade do Sr. António de Sousa Maia, o reconhecendo que ela não está em causa, neste incidente, manifesta toda a sua consideração e o maior respeito pelas instituições militares, e passa à ordem do dia. — Carvalho da Silva.
Vou ser breve, pois não desejo tomar muito tempo à Câmara, porque entendo que, em assuntos desta ordem e dêste melindre, quanto menos se disser melhor.
Sr. Presidente, já ontem tive ensejo de dizer a V. Ex.ª e à Câmara que não há nada mais melindroso, mais desagradável, do que termos de nos ocupar de qualquer cousa que diga respeito a um colega nosso nesta Câmara.
Preza-se a minoria monárquica de ter mantido com todos os parlamentares a melhor camaradagem, e, se alguns há com quem tenhamos mantido boas relações, o Sr. António Maia é um deles.
Não se trata de qualquer cousa que possa ferir, ao de leve sequer, a honorabilidade do Sr. António Maia; qualquer que seja a atitude da Câmara, em nada, absolutamente em nada, fica afectado o prestígio pessoal de S. Ex.ª
Frisadas estas circunstâncias, ponhamos em poucas palavras a questão.
Resultou ela de um incidente devido a uma falta de disciplina cometida pelo Sr. capitão António Maia.
Entendeu o Sr. Ministro da Guerra, chefe do exército, que devia aplicar uma pena a S. Ex.ª, e nesses termos veio ontem à Câmara o Sr. Presidente do Ministério e declarou que, tendo reünido o Conselho de Ministros, resolvera por unanimidade apresentar a proposta que enviou para a Mesa e para>a qual pediu urgência è dispensa do Regimento.
Posta assim a questão, o Govêrno, representando o princípio de disciplina em nome do Sr. Ministro da Guerra, chefe do exército, reconhecia indispensável, para bem da disciplina do mesmo exército, urgência e dispensa do regimento, que a Câmara votasse sem parecer da comissão a suspensão das imunidades parlamentares do Sr. António Maria, para conhecer a razão com que tenha sido aplicada a pena.
Numa questão assim expendida pelo chefe do exército, numa questão de disciplina, nós dêste lado da Câmara estamos sempre na defesa dos princípios dis-
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ciplinares e entendemos dever votar com o Govêrno para prestígio do exército.
Qualquer falta de firmeza na aplicação da pena ao Sr. António Maia por parte do chefe do exército teria de ser considerada como um atentado contra o prestígio do exército e contra o prestígio que deve ter o seu chefe.
Nestas condições, se o Govêrno ontem tivesse vindo a esta Câmara o tivesse proposto a suspensão das imunidades parlamentares do Sr. António Maia, sem pedir a dispensa do Regimento, de modo que a proposta fôsse às respectivas comissões para ter parecer, teríamos dado o nosso voto a essa proposta.
Mas desde que assim não foi, desde que se apresentou a questão nos termos em que foi posta, nós hoje entendemos que não podemos dar o nosso voto a bem da disciplina do exército.
Àpartes.
É esta a razão por que, mantendo-nos dentro dos princípios no prestígio do exercito, hoje não votamos porque entendemos que é uma quebra da disciplina militar.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está esgotada a inscrição.
Vai proceder-se às votações.
O Sr. Jaime de Sousa (para um requerimento): — Requeiro a prioridade para a votação da proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Álvaro de Castro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: Não tenho duvidarem votar o requerimento do Sr. Jaime de Sousa porque êle não contende com a questão prévia do Sr. Pedro Pita, podendo ser aprovadas as duas propostas a do Sr. Abílio Marçal e a do Sr. Pedro Pita.
A questão prévia do Sr. Pedro Pita é a confirmação do que se tem feito na Câmara em casos semelhantes.
A proposta do Sr. Pedro Pita estabelece princípios e pode ser votada depois da proposta do Sr. Abílio Marçal que trata de um caso especial.
De maneira que nós desejamos ouvir as declarações da maioria feitas pelo Sr.
Jaime de Sousa, a fim de sabermos se a questão prévia será votada e será votada; também a parte não prejudicada, da minha moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: invoco o artigo 109.º, § 1.º, do Regimento, e lembro a V. Ex.ª que não é de admitir o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro disse que seria mais lógico votar primeiro a questão prévia.
Ora da discussão da questão prévia,, suscitada a seguir à apresentação da proposta do Govêrno, provieram várias moções que estão na Mesa e que devem ser votadas primeiro, e é exactamente para a moção enviada pelo Sr. Abílio Marçal que eu pedi a prioridade da votação.
A informação do Regimento dada pelo Sr. Pedro Pita em nada altera estas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção do Sr. Pedro Pita.
Eu já tinha lido com a devida atenção o § 1.º do artigo 109.º do Regimento, que V. Ex.ª invocou.
Não há dúvida de que a questão prévia é uma moção de ordem, e por isso mesmo entra em discussão juntamente com a questão principal.
O Sr. Pedro Pita: — Ainda Contem se resolveu que não- era assim, pela Mesa, com o assentimento da Câmara.
O Sr. Presidente: — Eu não estava na presidência nessa altura, porque se estivesse não teria resolvido assim, pois que não há nada no Regimento que diga isso.
A questão prévia entra em discussão, com a questão principal, mas vota-se primeiro, é o que diz o Regimento.
Apoiados.
O Sr. Pedro Pita: — Mas dá-se ainda uma circunstância: dos documentos que
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estão na Mesa a única questão prévia é a que eu mandei.
Apoiado da direita.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª não tem razão: a questão prévia é uma moção de ordem.
O artigo 109.º do Regimento diz o seguinte:
Leu.
O Sr. Pedro Pita: — V. Ex.ª esqueceu-se de ler o § 1.º
A minha é que é a única questão prévia.
O Sr. Presidente: — Eu não digo que haja mais alguma questão prévia na Mesa. O que digo é que, havendo moções na Mesa, elas se votam primeiro que a questão prévia, que é também uma moção de ordem, se a Câmara assim o deliberar.
De resto, se fôr votada a moção do Sr. Abílio Marçal, em nada fica prejudicada a questão prévia de V. Ex.ª, mas é de facto absorvida pela moção.
As moções são votadas primeiro, porém, parece-me que não haverá inconveniente algum em que se proceda de forma diversa daquela que já expliquei à Câmara.
Não vejo que nisso haja nenhum prejuízo, tanto mais quanto é certo que se trata da mesma doutrina.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Peço desculpa a V. Ex.ª, mas não posso estar de acôrdo de maneira nenhuma com a opinião de V.
A moção do Sr. Pedro Pita não pode, Sr. Presidente, deixar de ser considerada prévia, visto que ela foi assinada por cinco Deputados, admitida, como não podia deixar de o ser, e como tal terá de ser resolvida antes da questão principal.
Isto é o que deve ser em face do Regimento, é, se assim não fôsse, V. Ex.ª não poderia ter recebido na Mesa outras moções.
Assim, pois, a moção do Sr. Pedro Pita deve ser votada em primeiro lugar.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Regimento não «diz que ela deve ser votada primeiro, diz que entrará em discussão e será resolvida antes da questão principal.
O Sr. Abílio Marçal: — O que a Câmara resolveu foi que a moção do Sr. Pedro Pita fôsse discutida separadamente da questão principal.
O Sr. Presidente: — Para mim uma questão há que sobreleva a todas, qual é a declaração do Sr. Pedro Pita de que a Câmara resolveu ontem que a sua moção tenha a primazia, e eu não quero por forma alguma ir contra uma resolução da Câmara.
O Sr. Pedro Pita: — O que não resta dúvida, Sr. Presidente, é que a minha moção, em face do Regimento, tem de ser discutida e votada antes da questão principal.
O Sr. Almeida Ribeiro: — A Câmara resolveu que a moção do Sr. Pedro Pita fôsse discutida separadamente, e assim, tendo sido recebidas na Mesa várias moções, eu não vejo razão para que se não possa votar primeiro a do Sr. Abílio Marçal, pois a verdade é que as moções votam-se sempre antes da questão principal.
Acho, pois, que V. Ex.ª deve submeter à apreciação da Câmara o requerimento feito pelo Sr. Jaime de Sousa.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: quando se apresentou uma determinada proposta, o Sr. Deputado Pedro Pita veio lembrar que essa proposta ia de encontro a uma deliberação anteriormente tomada, e apresentou esta questão prévia.
Discutiu-se, portanto, em bloco, a proposta apresentada e a questão prévia.
Essa habilidade de transformar a questão prévia em questão principal e estabelecer para a questão prévia os princípios que o Regimento fixa para as questões principais, é uma habilidade que não podemos aceitar.
Estamos aqui a defender o direito que temos de não nos deixarmos esmagar.
A questão prévia, portanto, tem de ser votada antes de qualquer outra cousa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. António Fonseca (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª a fineza de me dizer se a votação da moção do Sr. Abílio Marçal de alguma forma prejudica a votação da questão prévia!
Faço esta pregunta a V. Ex.ª porque desejo saber se, votando a moção do Sr. Abílio Marçal, posso depois votar a questão prévia.
O Sr. Presidente: — A moção do Sr. Abílio Marçal não prejudica a questão prévia do Sr. Pedro Pita; absorve-a e engloba-a.
Desde que seja votada a moção do Sr. Abílio Marçal, implicitamente está votada a questão prévia do Sr. Pedro Pita.
O Sr. António Fonseca: — Peço desculpa a V. Ex.ª mas isso não é assim.
Têm de ser votadas as duas.
Uma cousa é de carácter geral, e a outra é restrita a uma questão apenas.
O Sr» Presidente: — Em minha opinião, a questão prévia do Sr. Pedro Pita não se refere a todos os casos em geral; mas, como há quem assim, a interpreto, creio que nenhum inconveniente resultará em se votarem a moção do Sr. Abílio Marçal e a questão prévia.
Apoiados.
O mais que pode suceder é um pleonasmo.
O Sr. Cunha Leal: — São duas questões absolutamente distintas. A proposta do Sr. Pedro Pita afirma que a proposta do Sr. Presidente do Ministério tem de ir, em qualquer hipótese, à comissão. A proposta Abílio Marçal concede extraordinariamente à proposta apresentada o. favor de ir às comissões.
Portanto, votada a proposta Pedro Pita, torna-se desnecessária evidentemente, por tratar dum caso particular, a aprovação da proposta Abílio Marçal.
Apoiados.
Não apoiados.
Apenas haverá a acrescentar à questão prévia êste pequeno aditamento.
Assim fica a questão resolvida.
A proposta Abílio Marçal não contém o que queremos defender.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: — Parece-me que o Sr. Cunha Leal labora num equívoco. A minha moção reconhece a existência.
em pleno vigor das disposições da Câmara no sentido de não se autorizar a prisão de qualquer Deputado sem que o caso vá às comissões; mas reconhece também que a Câmara, dispensando o Regimento, dispensa ipso facto a formalidade de as comissões darem parecer a tal respeito.
Mando para a Mesa a minha moção.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — É um simples aditamento.
O Sr. Presidente: — Não está prejudicada a moção do Sr. Pedro Pita pela votação da do Sr. Abílio Marçal.
Vai votar-se a proposta do Sr. Abílio Marçal.
Vozes: — Não pode ser; não é assim.
O Sr. Cunha Leal: — Pretende-se inverter a ordem dos trabalhos, mas não há-de ser.
Apoiados.
O Sr. Presidente: — A proposta Pedro Pita é a questão principal.
Votam-se primeiro as moções.
Submeto à votação o requerimento do Sr. Jaime de Sousa.
Aprovado.
Foi lida a moção do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Cunha Leal: — É inútil.
Tenho por V. Ex.ª a alta consideração que V. Ex.ª merece a todos os membros desta casa, e permite-me um pouco êste carinho familiar por S. Ex.ª o ser também membro do meu Partido político, mas direi que o primeiro considerando é contrário à proposta,do Sr. Pedro Pita.
Fique registada esta declaração.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidentes aprovada a moção do Sr. Abílio Marçal, eu desejava que V. Ex.ª me informasse se o Sr. Ministro da Guerra pode vir a esta Câmara amanhã antes da ordem do dia, a fim de eu poder realizar a minha interpelação.
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O Sr. Presidente: — Não sei responder à pregunta que V. Ex.ª mo faz.
O Sr. António Maia: — Eu não sei se o Sr. Ministro da Guerra está ou não demissionário, mas preciso saber se S. Ex.ª vem aqui, para eu vir com os papéis indispensáveis para realizar a interpelação.
Está presente o Sr. Presidente do Ministério; talvez V. Ex.ª, por intermédio de S. Ex.ª me pudesse informar.
Pausa.
O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Ministério nada pode dizer neste momento, mas oportunamente dará uma resposta.
O Sr. António Maia: — Eu vejo que V. Ex.ª continua a pôr na ordem dos trabalhos a minha interpelação; é porque entende que o Sr. Ministro da Guerra tem de vir aqui; mas. S. Ex.ª não aparece. S. Ex.ª só volta a esta Câmara quando eu estiver preso.
Eu registo isto apenas.
Apoiados da oposição.
foi lida na Mesa a moção do Sr. Pedro Pita.
O Sr. António Fonseca (para interrogar a Mesa): — Em que altura coloca V. Ex.ª o aditamento à moção?
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª razão.
Foi lido o aditamento.
O Sr. Mariano Martins (para interrogar a Mesa): — Pedi a palavra para fazer a V. Ex.ª uma pregunta muito ingénua. A proposta que se leu na Mesa — se a minha memória não falha — não é a mesma que o Sr. António Fonseca apresentou? Foi essa alteração autorizada?
O Sr. António Fonseca (para explicações): — De facto, o Sr. Mariano Martins fez uma pregunta muito ingénua.
Eu substitui a primitiva proposta porque a Mesa me informou de que o podia fazer, visto que ela não tinha sido ainda admitida.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pedi a palavra, para declarar que êste lado da Câmara pelo facto de aprovar a proposta do Sr. António da Fonseca, não quere dizer que concorde com a proposta do Sr. Abílio Marçal.
Tenho dito.
O Sr. Rêgo Chaves: — Requeiro votação nominal.
Foi aprovado o requerimento.
Procedeu-se á votação nominal.
Disseram «aprovo» os seguintes Srs. Deputados:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
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Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José do Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os seguintes Srs. Deputados:
João José da Conceição Camoesas.
Júlio Henrique de Abreu.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 96 Srs. Deputados e «rejeito» 2.
Está aprovada a proposta de aditamento.
Foi lida a questão provia do Sr. Pedro Pita, que é a seguinte:
Questão prévia
A Câmara, reconhecendo que, em face de uma resolução anterior, não pode tomar conhecimento da proposta do Govêrno sem que sôbre ela se pronunciem as comissões de guerra e de legislação criminal, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 17 de Julho de 1923. — Pedro Pita — Sampaio Maia — Jaime Pires Cansado — Lúcio Martins — Lelo Portela.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro que a questão prévia seja dividida em duas partes.
Sr. Presidente: — V. Ex.ª deseja que a moção seja dividida em duas partes?
Vozes: — Não há divisão possível.
Sussurro.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Lopes Cardoso: — Isto é uma vergonha!
Sussurro.
O Sr. Presidente: — Sôbre o requerimento não pode estabelecer-se qualquer espécie de discussão..
Vou, pois pôr à votação o requerimento do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: será bom que a Câmara repare que tudo quanto se está passando, desde o caso ex-
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traordinário de Ministros resolverem moções de confiança até à proposta que acaba de ser feita pelo Sr. Almeida Ribeiro, em nada prestigia as instituições parlamentares.
Apoiados.
O que pretende o Sr. Almeida Ribeiro?
Que a Câmara diga se rejeita ou aprova determinadas palavras.
As palavras que a essas se seguem, um vez separadas delas, não dizem nada. Não têm gramática, e como diz o Sr. Ginestal Machado, a gramática, se obrigava os reis, também obriga os Deputados.
Parece que estamos todos doidos.
Como bem expôs o Sr. Lopes Cardoso, a solução do caso está no seguinte:
Votar-se a questão prévia do Sr. Pedro Pita e os Srs. Deputados que só pretendam aprovar os seus efeitos e não os seus considerandos fazerem essa restrição por meio duma declaração de voto.
É isto, que se deve fazer, podendo V. Ex.ª consultar o Sr. Almeida Ribeiro sôbre se consente que fique som efeito o seu requerimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Pode V. Ex.ª ter muita razão, mas eu é que não posso deixar de submeter à votação da Câmara o requerimento que foi apresentado.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Depois de ter tantos anos de vida parlamentar, sinto ter provocado a Câmara a uma tam grande manifestação de intolerância, pois outra cousa não é o não quererem que seja pôsto à votação o meu requerimento.
Vozes: — Não apoiado!
O Orador: — Eu encontro na moção do Sr. Pedro Pita duas partes: uma que constitui o fundamento e outra que é a conclusão.
O fundamento é a parte em quê sé invoca uma resolução aqui tomada no ano passado.
A conclusão é a parte em que se diz que a Câmara não tomará conhecimento da proposta do Govêrno sem serem ouvidas as comissões.
O que é que eu pretendo?
Que se vote primeiro o fundamento e depois a conclusão.
Mas visto que uma parte da Câmara tanto se irrita perante o meu requerimento, que apresentei em meu nome pessoal, pois então não falei, como agora não falo, em nome da maioria, eu desisto dêle.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio de Abreu: — Quando ontem se votou a dispensa do Regimento para a proposta apresentada pelo Govêrno, respeitante à prisão do Sr. António Maia, eu fui um dos Deputados que a rejeitaram.
Procedi assim em obediência ao que já aqui fora resolvido por meio de uma moção.
Hoje também não dei aprovação à moção do Sr. Abílio Marçal, e foi por isso que rejeitei o aditamento do Sr. António Fonseca.
Desde que a Câmara deu o seu voto aprovando a moção do Sr. Abílio Marçal com o aditamento do Sr. António da Fonseca, parece-me que a questão prévia está, por isso, prejudicada.
Vários àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: — Não falaria, se não fôsse o Sr. Almeida Ribeiro vir dizer que nós, dêste lado, éramos intolerantes.
Apoiados.
Vários àpartes.
O Orador: — O que é intolerância é S. Ex.ª arvorar-se em dono da questão prévia e querer fazer uma divisão que não é possível, que ninguém compreende, que nem o próprio Sr. Presidente com o seu alto talento compreendeu.
Muitos àpartes.
O orador não reviu.
Lê-se a questão prévia do Sr. Pedro Pita.
Posta à votação, foi rejeitada por 56 votos contra 39.
Uma voz: — Ninguém pediu a contagem.
Muitos àpartes.
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O Sr. Presidente: — Peço um momento de atenção.
O Sr. António Maia acaba de me entregar um telegrama do secretário particular do Sr. Presidente da República, no qual se diz que S. Ex.ª entrou em franca convalescença, facto êste com que todos nos rejubilamos.
Apoiados.
Leu-se a moção do Sr. Agatão Lança.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Abílio Marçal: — Requeiro a contraprova.
Muitos àpartes.
Sussurro.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Requeiro a contraprova.
Muitos àpartes.
Sussurro.
Os Srs. Deputados da oposição batem com as tampas das carteiras.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): — Peço ordem.
Uma voz: — Já não é tempo de se pedir a contraprova.
Continua o sussurro.
O Sr. Presidente: — Ainda é tempo de se requerer a contraprova.
Os Srs. Deputados da oposição continuam batendo com as tampas das carteiras.
Trocam-se muitos àpartes.
O Sr. Presidente: — Há dois vice-presidentes. Convido qualquer de S. Ex.ª a ocupar êste lugar.
Eu abandono o lugar de presidente.
Eram 20 horas e 35 minutos.
Assume a presidência o Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 20 horas e 55 minutos.
O Sr. Mariano Martins (para explicações): — Sr. Presidente: quando há pouco, antes da sessão interrompida, se estava procedendo à votação deu-se um acontecimento na Câmara do qual resultou o Sr. Presidente, Sá Cardoso, abandonar o seu lugar.
S. Ex.ª, retirando-se, pareceu dar a entender que abandonava a cadeira que V. Ex.ª está agora ocupando.
Dada a figura prestigiosa do Sr. Sá Cardoso e a imparcialidade e correcção com que sempre tem presidido aos trabalhos parlamentares, proponho que a Mesa actual fôsse encarregada de junto do Sr. Sá Cardoso fazer com que S. Ex.ª volte aos trabalhos parlamentares.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: todos os membros do Partido Nacionalista que têm tido a honra da camaradagem com o Sr. Sá Cardoso têm por S. Ex.ª um enorme respeito, assim como pelos seus melindres.
Com o procedimento havido há pouco não quisemos ofender o Sr. Presidente da Câmara; a sua personalidade é para nós respeitável, mas a defesa dos nossos direitos é igualmente respeitável e queremos que êles sejam respeitados.
A nossa consideração pelo Sr. Sá Cardoso, pelos altos serviços prestados á República e ainda pelas suas qualidades de pessoa bem educada, que no meio português é qualquer cousa de respeitar, essa consideração, repito, não pode oferecer dúvidas.
Ninguém teve, portanto, intenção de ferir o Presidente desta Câmara, e aqueles que procederam com energia, como se procede em todos os Parlamentos do mundo, naquilo que julgam a defesa dos seus direitos, de maneira nenhuma queriam ofender S. Ex.ª
Assim, Sr. Presidente, duma maneira entusiástica, damos o nosso voto à proposta do Sr. Mariano Martins.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me muito sinceramente às palavras do Sr. Mariano Martins.
Todos nós temos pelo Sr. Presidente Sá Cardoso, aquela consideração que merecem pessoas com o carácter, com as qualidades de S. Ex.ª
Fazemos os mais sinceros votos para
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Sessão de 18 de Julho de 1923
que as diligências da Mesa sejam coroadas de bom êxito, para que amanhã já vejamos S. Ex.ª ocupar o lugar que tam distintamente estava ocupando.
Poderíamos não intervir neste assunto, visto que nada, temos com o conflito que se deu; em todo ò caso não podemos deixar de prestar homenagem ao Sr. Sá Cardoso, porque temos por S. Ex.ª a maior consideração, consideração que temos por todas as pessoas da sua categoria social.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mais uma vez significar em nome do Govêrno a minha profunda consideração pelo Sr. Presidente desta Câmara, associando-me aos votos. do seu rápido regresso ao seu lugar.
O Sr. António Fonseca: — Em meu nome pessoal, associo-me à proposta do Sr. Mariano Martins e faço votos para que o mais ràpidamente possível volte ao seu lugar o Sr. Presidente desta Câmara.
O Sr. Presidente: — Em virtude da manifestação da Câmara, nomeio nma comissão para procurar o Sr. Sá Cardoso, a fim de diligenciar que S. Ex.ª volte a ocupar o seu lugar na comissão composta pelos Srs.:
Alberto Vidal e secretários da Mesa.
Ginestal Machado.
Paulo Cancela.
Lino Neto.
Joaquim Ribeiro.
Ferreira da Fonseca.
A próxima sessão é amanha às catorze horas.
Antes da ordem do dia:
Interpelação do Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra.
Ordem do dia:
A de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 15 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Parecer
Da comissão de legislação criminal sôbre o n.º 488-B, que cria na comarca de Guimarães um juízo criminal.
Para a comissão de legislação civil e criminal.
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, tornando aplicável a mercadorias originárias da, França o tratamento convencional que findou em 15 de Junho último.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Para o «Diário do Govêrno».
Declaração de voto
Declaramos que rejeitámos a questão prévia do Sr. Pedro Pita porque, tendo-se manifestado grande número de Deputados contra a divisão da votação, nós não concordamos com o fundamento nela invocado, referente a uma resolução tomada no ano próximo passado.
Sala das Sessões, 18 de Julho de 1923. — Artur de Almeida Ribeiro — Vitorino Henriques Godinho — João Salema — Júlio Gonçalves — João Luís Ricardo.
Para a Secretaria.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.